Muro de Silêncio PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 21

FACULDADE BATISTA BRASILEIRA

BACHARELADO EM DIREITO
ROBERTO BORBA MOREIRA FILHO

MURO DE SILÊNCIO: A PALAVRA DA CRIANÇA VÍTIMA DE ABUSO


SEXUAL

SALVADOR
2018
ROBERTO BORBA MOREIRA FILHO

MURO DE SILÊNCIO: A PALAVRA DA CRIANÇA VÍTIMA DE ABUSO


SEXUAL

Projeto de pesquisa elaborado para a disciplina


de Metodologia da Pesquisa Jurídica do oitavo
semestre do curso de Bacharelado em Direito
da Faculdade Batista Brasileira, turno noturno,
sob a orientação da Professora Cristiane Dutra.

SALVADOR
2018
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................…..................3
2 SITUAÇÃO PROBLEMA ..............................................................................….................5
3 OBJETIVOS .........................................................................................................................6
3.1 Objetivo Geral ...................................................................................................................6
3.2 Objetivos Específicos .........................................................................................................6
4 JUSTIFICATIVA ...............................................................................…...............................7
5 A CRIANÇA E O ABUSO SEXUAL……..............................................….........................8
5.1 Os Efeitos do Abuso no Comportamento e a Revelação ……........................................9
5.2 O Depoimento da Criança…….......................……………………………………….....11
5.3 A Palavra Como Prova….................................................................................................13
6 METODOLOGIA ...............................................................................................................15
7 CRONOGRAMA ................................................................................................................16
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................17
1 INTRODUÇÃO

O aspecto que torna o abuso sexual infantil especialmente diferente de outros


casos criminais é que as vítimas são crianças. Muitas vezes estão ainda em fase pré-escolar e
não desenvolveram as habilidades com a linguagem, sendo difícil entender e comunicar a sua
experiência. A situação se torna mais delicada, e traumática, quando inseridas em um processo
criminal. O testemunho da criança é fundamental no processo.
Geralmente, o fato criminoso é praticado na clandestinidade e a criança é a única
testemunha factual contra o suspeito da agressão. Uma persecução penal bem-sucedida
depende de quão fidedigna, confiável e autêntica a criança seja. Isto toma um relevo especial
e verdadeiro quando não há evidências periciais disponíveis e o caso se baseia na palavra da
criança contra o suspeito.
O abuso pode repercutir no corpo da criança como dores, inchaços, sangramentos,
doenças sexualmente transmissíveis, gravidez etc., bem como pode interferir de modo
significativo no desenvolvimento da sua personalidade. Contudo, a depender do tipo de
violência praticada, ou pelo tempo entre o abuso e a revelação, evidência nenhuma subsiste de
forma a comprovar a violência, sendo que o exame pericial não restará como prova cabal e
suficiente do delito praticado. Resta a palavra da vítima como prova, tornando-se necessário
considerar tal aspecto subjetivo.
A partir de denúncias registradas no Disque-Denúncia Nacional, o Disque 100,
estima-se que, diariamente, no Brasil mais de 50 crianças são vítimas de violência sexual.
Entretanto, o cenário não é preciso. Esse número é consideravelmente limitado, a ponta de um
gigantesco iceberg, pois somente 10% dos casos são revelados ou chegam ao conhecimento
da justiça criminal. Nada se sabe dos outros 90% que não foram detectados. Ou seja, o que se
conhece do perfil, da natureza e dos motivos de um abusador são de estudos relacionados aos
casos que chegam ao conhecimento das autoridades. Sabe-se da dimensão do problema, mas
pouco se compreende da real e veraz situação.
As cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do
Sul lideram o ranking de recebimento de denúncias por meio do Disque 100, enquanto as
cidades de Roraima, Amapá, Tocantins, Acre e Sergipe apresentam os menores registros
(Cidadania e Justiça, 2017). O abuso sexual infantil não tem classe social, pois acontece em
todas as classes. Também não possui raça, cultura, gênero ou escolaridade. É um fenômeno
social presente onde presentes estão seres humanos.
3
Os maiores riscos de abuso sexual infantil estão dentro da comunidade local da
criança, pois 87% da violência é cometida por alguém próximo a elas, seja um familiar, amigo
ou vizinho. A maioria dos agressores, cerca de 63%, é homem, e os adultos com idades entre
18 e 40 anos somam 42%. As crianças entre a faixa etária de 04 a 11 anos são as mais
atingidas, cerca de 40%. As meninas somam 73%, enquanto meninos e meninas negras
chegam a quase 60% dos atingidos (Cidadania e Justiça, 2017).
Quando o abuso é praticado dentro da casa da criança, 49% delas possuem entre
02 a 05 anos de idade e, em média, 24% dos abusos os próprios pais ou padrastos são os
agressores, sendo que quando neste sentido, apenas 2% dos casos chegam a ser denunciados à
polícia.
Um importante desafio é conseguir identificar um caso de abuso sexual. Pela
fragilidade da idade, muitas crianças têm medo, vergonha e, por isso, considerável parte dos
abusos não são revelados. Um grande obstáculo é quando não há nada no comportamento que
indique se ela foi ou está sendo vítima de abusos sexuais. Entretanto, há sinais que podem
revelar que uma violência sexual foi ou está sendo praticada contra elas. O comportamento da
criança revela, ou do próprio agressor; a criança também pode falar de forma explícita aos
pais, parentes, amigos, professor, médico; pode fazer perguntas que sinalizam claramente o
seu envolvimento em atividades sexuais. Necessário que ela seja submetida a certos
questionamentos, sendo indispensável saber como lhe perguntar sobre a ocorrência de um
abuso.
Assim que a criança revela o abuso, é fundamental que isso seja levado às
autoridades competentes e especializadas, sendo que um aspecto delicado e degradante é que
ela deve reprisar a situação muitas outras vezes, pois tem de falar para os pais, médicos,
psicólogos, delegados, advogados, promotores, juízes etc. Há um longo caminho a percorrer.
A Constituição Federal da República de 1988 traz, em seu primeiro artigo, o
princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático
de Direito. A conduta que viola a liberdade, dignidade e desenvolvimento sexual das crianças,
viola o seu direito à dignidade como pessoa humana, fere frontalmente princípios basilares da
Carta Cidadã e desrespeita os fundamentos essenciais do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Ambos os dispositivos legais protegem e defendem seus interesses e as trazem
como sujeitos de direitos. Manter intocável a pureza das crianças é questão de ordem pública,
um aspecto de interesse coletivo.

4
Entretanto, não basta apenas ter uma legislação convincente e séria, é fundamental
que o Estado atue de forma a articular políticas públicas de ordem prática que assegurem que
tais direitos e garantias essenciais sejam respeitados, principalmente o sentido de manter
sagrada a inocência e candura da infância.

5
2 SITUAÇÃO PROBLEMA

Em processos judiciais que têm por objeto crimes sexuais contra crianças, elas, as
vítimas infantis, são frequentemente expostas aos procedimentos essenciais da justiça
criminal. O processo é conduzido por um duplo interesse: de um lado a criança ofendida e a
busca da verdade real e de outro a proteção dos direitos constitucionais do acusado no sentido
de um julgamento fundado na presunção de inocência. Diante desse cenário, somado com a
fase de desenvolvimento da criança e a experiência confusa e traumática do abuso, como
considerar a sua palavra no processo judicial de modo a esclarecer os fatos?

6
3 OBJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL


O projeto tem por objetivo analisar como a palavra da criança vítima de abuso
sexual tem força probatória no processo judicial.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


• Explicar aspectos da legislação penal acerca da repressão aos crimes
praticados contra a dignidade sexual;
• Analisar os efeitos comportamentais na criança e a revelação do abuso
sexual;
• Comentar a credibilidade do testemunho das crianças no contexto
judiciário e a sua palavra como único meio de prova.

7
4 JUSTIFICATIVA

O abuso sexual geralmente é praticado na clandestinidade e, quando feito em


crianças, torna-se ainda mais sigiloso. O abuso normalmente não deixa vestígios no corpo da
vítima e o único meio de se provar o ilícito cometido é através da sua palavra. Assim, diante
de tal realidade, este trabalho pretende proporcionar informações fornecidas por especialistas
sobre o tema, tanto na doutrina quanto na legislação, para que sirva não apenas como meio de
estudo e aprofundamento, mas também como sinal de alerta aos pais, professores, promotores
de justiça, magistrados e demais interessados, de forma que mais atenção seja dada a voz das
crianças, no sentido de lhes proteger, pois a escuta é uma forma de proteção, favorecendo que
condutas de violência sexual infantil cessem.

8
5 A CRIANÇA E O ABUSO SEXUAL

O abuso sexual infantil é definido pelo Departamento de Saúde do Reino Unido


(2003, apud SANDERSON, 2005, p. 05) da seguinte forma:

Forçar ou incitar uma criança a tomar parte em atividades sexuais, estejam ou não
cientes do que está acontecendo. As atividades podem envolver contato físico,
incluindo atos penetrantes e atos não-penetrantes. Pode incluir atividades sem
contato, taos como levar a criança a olhar ou a produzir material pornográfico ou a
assistir a atividades sexuais ou encorajá-la a comportar-se de maneiras sexualmente
inapropriadas.

Conti (2008, p. 65) assim o conceitua:

Uma situação em que uma criança ou adolescente é usado para gratificação sexual
de um adulto ou mesmo de um adolescente mais velho, baseado em uma relação de
poder que pode incluir desde carícias, manipulação da genitália, exploração sexual,
voyeurismo, pornografia e exibicionismo, até o ato sexual com ou sem penetração,
com ou sem violência.

A gama de atividades sexuais realizada em crianças, em que elas são usadas como
objetos de satisfação sexual, é bastante ampla e inclui atos sem contato físico (gestos sexuais
sugestivos, cantadas obscenas, exibicionismos etc.) e com contato físico (beijos, carícias,
masturbação, cópulas oral, anal, vaginal). Aquele que envolve a criança nessas atividades
sexuais incompatíveis com sua idade e com seu desenvolvimento psicossexual, as quais ela
não tem nenhuma compreensão da situação em que está inserida, dentro ou fora do âmbito
familiar, pratica abuso sexual infantil.
A legislação brasileira veda tais práticas, sendo que, nos últimos anos, houve
mudanças consideráveis no Código Penal a fim de prevenir e punir abusadores sexuais
infantis.
O estupro de vulnerável é o primeiro delito previsto no Capítulo II do Título VI do
Código Penal, capítulo este que disciplina sobre os crimes sexuais contra vulnerável. Tutela-
se a liberdade sexual dos menores de 14 anos e daquelas pessoas consideradas vulneráveis nos
termos do Código Penal, conferindo maior rigor ao preceito constitucional que diz que 'a lei
punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente'
(art. 227, § 4º).
A Lei 12.015/2009 provoca mudanças no Título VI do Código Penal, revogando,
alterando e acrescentando certos artigos, adaptando o Código às transformações
comportamentais, em relação a sexualidade, da sociedade atual e, não sendo menos
importante, harmonizando-o às esteiras da Constituição Federal de 1988.
9
A nomenclatura 'Dos Crimes Contra os Costumes' foi substituída por 'Dos Crimes
Contra a Dignidade Sexual', conferindo sentidos diferentes aos tipos penais, florescendo
atenção ao indivíduo, e não apenas na moral pública sexual. A nova Lei promove relevo à
dignidade humana ao reconhecer, como ensina Mirabete (2015, p. 1507), “a primazia do
desenvolvimento sadio da sexualidade e do exercício da liberdade sexual como bens
merecedores de proteção penal, por serem aspectos essenciais da dignidade da pessoa humana
e dos direitos da personalidade”.
Um dos propósitos da lei 12.015/2009 foi criar uma maior repressão às crescentes
violações sexuais contra crianças e adolescentes. Anteriormente à referida lei, não havia um
tipo penal específico que tratasse sobre vulneráveis, mas aquele que praticava atos previstos
no art. 217-A, inseria-se no crime de estupro (art. 213) ou no crime de atentado violento ao
pudor (art. 214) de acordo com a conduta então praticada.
O advento da lei supracitada incluiu novas figuras típicas específicas sobre
vulneráveis e revogou disposições anteriores. Todos os delitos previstos no Capítulo II do
Título VI do Código Penal foram inovações trazidas pela referida lei. São eles:
a) art. 217-A - Estupro de vulnerável;
b) art. 218 - Corrupção de menores;
c) art. 218-A - Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente;
d) art. 218-B - Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de
criança ou adolescente ou de vulnerável.
Vulnerável significa descoberto, desprotegido, indefeso, suscetível, desarmado,
exposto, derrotável pela fragilidade que possui (FERREIRA, 1999). Todas as vítimas dos
crimes aqui citados são consideradas pelo Código Penal como sendo vulneráveis, sendo que a
vulnerabilidade é de acordo com o sentido e fins de cada delito.
Presume-se violência absoluta em condutas sexuais praticadas com menor de 14
anos e o seu consentimento em nada reflete ao sistema jurídico-penal, ou seja, é irrelevante o
consentimento da vítima, ou mesmo, se já possua experiências em relação ao sexo, e ainda
que esteja se prostituindo, o crime restará configurado quando o agente mantém conjunção
carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos.
A vulnerabilidade é apenas relativizada quando há de se considerar as dúvidas
quanto as aparências em relação a certos menores, pois, apesar de ainda serem menor de 14
anos, aparentam mais que a idade real, levando o agente a incorrer em erro de tipo. Nesses
casos, como ensina Nucci (2016), em caso de erro invencível, afasta-se o dolo e a conduta
10
torna-se atípica por não ser admitida a modalidade culposa, ou seja, o crime de estupro de
vulnerável apenas admite sua configuração se cometido de forma dolosa, não sendo prevista a
forma da culpa.

5.1 OS EFEITOS DO ABUSO SEXUAL NO COMPORTAMENTO E A REVELAÇÃO

A violência sexual é uma das manifestações de violência mais covarde e amarga


praticada contra crianças, uma bruta e selvagem violação de direitos humanos. Nenhuma
criança está preparada para lidar com abuso sexual.
A criança é um sujeito em desenvolvimento e por estar em fase de formação
cognitiva e social, em permanentes fases constitutivas, necessita de cuidados especiais, de
atenção e proteção. O pleno desenvolvimento, nas palavras de Kung et al (2009, p. 95),
“requer que cada fase seja vivida, elaborada e ultrapassada”. Cada fase deve ser vivida em
harmonia com a sua idade, com o mínimo de obstáculos que criem dificuldades à sua
evolução, para que a criança não fique presa a nenhuma de suas fases. No entanto, algo que
deve se manter intocável e sagrado, independente do momento infantil, é a sua pureza, esta
necessita, definitivamente, ser protegida.
Os adultos devem ser vistos pelas crianças como referências de valores éticos e
morais. Elas deveriam se sentir acolhidas, seguras e ainda que não saibam o profundo
significado de respeito, crianças devem se sentir respeitadas pelos adultos. Ocorre que,
quando vítimas de um abuso sexual, elas são agredidas na essência de sua dignidade humana,
são silenciadas, estimuladas precocemente e covardemente violentadas.
O abuso sexual infantil pode ocorrer dentro da família, por um pai, padrasto,
irmão, tio ou outro parente; ou fora de casa, por exemplo, por um amigo, vizinho, professor
ou qualquer pessoa estranha. Se praticado por pessoa que tenha um relacionamento de
proximidade, a criança sente-se traída e abandonada, pois crianças tendem a confiar nos seus
próximos, assim, quanto maior a proximidade, maior o sentimento de traição e abandono
(SANDERSON, 2005). Ela pode se sentir desamparada, incapaz de receber amor, atenção,
afeição e carinho, ou seja, necessidades básicas que precisam ser satisfeitas a fim de se ter um
desenvolvimento natural e condizente com a sua idade.
O abuso pode desenvolver muitos sentimentos, pensamentos e comportamentos
angustiantes. A criança é maltratada em sua própria natureza, pois ela, como aclara Mollon
(2000 apud SANDERSON, 2005, P. 168) “não é percebida como ela é. Sua identidade real
11
está sendo atacada [...]”. O abuso sexual faz a criança perder algo do que ela é, e depois de
perdida a originalidade pode ser de difícil resgate. A criança se sentirá confusa internamente,
sendo incapaz de discernir o que é correto e o que é errado, o que é apropriado e o que é
inapropriado. A sua essência e individualidade tornam-se invadidas por uma multidão de
sentimentos confusos e inoportunos para a sua idade e momento, sendo que não há
maturidade para lidar com isso.
A depender da idade em que a criança foi submetida aos abusos sexuais, aquilo
pode alterar, inclusive, o seu desenvolvimento neurológico.

Se o abuso ocorre durante períodos críticos de formação, quando o cérebro está


sendo fisicamente moldado, isso induz a efeitos moleculares e neurobiológicos em
cascata que, inevitavelmente, alteram o desenvolvimento neural. Maus-tratos em
uma idade precoce pode ter efeitos negativos duradouros no desenvolvimento e na
função do cérebro de uma criança. (TEICHER, 2002, apud SANDERSON, 2005, p.
171).

Os impactos causados pelo abuso têm efeitos danosos que geram sentimentos de
indignidade, baixo autoestima, medo, embaraço, constrangimento, bloqueio, desconfiança,
culpa e vergonha (SANDERSON, 2005). O conjunto de tais sentimentos podem tornar a
criança retraída e com dificuldades de se relacionar com outras crianças.
Ainda que a criança não experimente a atividade sexual como abusiva, “isso não
significa que não tenha um impacto, se não a curto prazo, mas potencialmente a longo prazo”
(SANDERSON, 2005, p. 173). Algumas crianças abusadas sexualmente se tornam pedófilas
ou prostitutas, ou têm outros problemas sérios quando atingem a idade adulta.
Os abusadores utilizam-se da dificuldade de entendimento, principalmente quando
a criança é muito pequena, para praticar o abuso e a confusão criada dentro dela funciona
como um obstáculo que a impede de buscar ajuda daqueles que poderiam lhe ajudar. Os
molestadores de crianças podem deixá-las muito aterrorizadas em contar o abuso, exercem
pressão sobre elas com ameaças de morte inclusive.
Tabajaski, Paiva e Visnievski (2010, p. 59) explicitam:

Essa confusão muitas vezes é reforçada pelas ameaças do abusador, que


frequentemente afirma que a criança será responsável pelas consequências que
possam ocorrer caso ela rompa com o silêncio, revelando a situação abusiva. Assim,
os sentimentos de culpa pela ocorrência do abuso, associados ao medo de ser
responsabilizada por danos potenciais decorrentes da revelação, contribuem para a
manutenção da situação abusiva e perpetuação do silêncio.

12
As ameaças são usadas para fortificar o sigilo, e o segredo é justamente aquilo que
possibilita a repetição das experiências abusivas. Com muita sabedoria Conti (2008, p. 79) diz
que “existe um ar de segredo entre a vítima e o abusador: um verdadeiro muro de silêncio”.
Sanderson (2005, p. 181) explica que para algumas crianças “é traumática a
experiência e se torna muito difícil revelar o abuso, pois se sentem envergonhadas, culpadas
ou têm medo de punição. Para outras, por serem ainda muito pequenas, não entendem a
situação e têm dificuldades em se expressar verbalmente”.
A criança pode tentar comunicar não apenas verbalmente, mas através de gestos
ou desenhos por exemplo. Somente quando um esforço especial ajuda a se sentir segura, ela
começa a falar livremente. Ainda que não fale, o abuso provoca mudanças comportamentais
que indicam sinais que algo de errado está acontecendo.
De acordo com a Academia Americana de Psiquiatria da Infância e Adolescência
(2011, tradução nossa) o abuso sexual infantil pode desenvolver na criança comportamentos
que devem servir como alerta:
- interesse incomum em atividades sexuais ou evitamento de todas as coisas de
natureza sexual;
- problemas de sono ou pesadelos;
- depressão ou afastamento de amigos ou familiares;
- sedução;
- declarações de que seus corpos estão sujos ou lesionados, ou medo de que haja
algo de errado com eles na área genital;
- recusa de ir à escola ou manifestar falta de concentração;
- delinquência / problemas de conduta;
- retraimento;
- tornar-se alheia ou reprimida;
- sentir medos inexplicáveis de determinados lugares ou pessoas;
- aspectos do abuso sexual em desenhos, jogos, fantasias;
- mudanças de personalidade;
- agressividade incomum, ou
- comportamento suicida

A criança que apresenta alguns desses comportamentos de forma isolada não


necessariamente indica que está sendo vítima de abuso sexual, mas o conjunto de tais sinais
deve ser levado em consideração.
Se uma criança disser que foi molestada, os pais devem tentar manter a calma e
tranquilizá-la de que o que aconteceu não foi culpa dela. Eles devem buscar exame médico e
consulta com profissionais especializados para o adequado tratamento. Profissionais podem
ajudar crianças violentadas sexualmente a recuperar o sentimento de autoestima, lidar com
sentimentos de culpa pelo abuso e iniciar o processo de superação do trauma. Esse tratamento
pode ajudar a reduzir o risco de desenvolver problemas sérios quando adulta.

13
5.2 O DEPOIMENTO DA CRIANÇA

A busca por profissionais que auxiliem no tratamento das crianças abusadas


sexualmente é fundamental para reduzir os traumas e as consequências danosas do abuso. No
entanto, os molestadores necessitam ser punidos e para isso é necessário comunicar o abuso às
autoridades competentes a fim de que o fato seja apurado a partir de investigações policiais e
instaurado um devido processo criminal. Bittencourt (1997, p. 62) argumenta que:

Muitas pessoas têm dificuldade em comunicar possíveis casos de abuso sexual


infantil às autoridades. No entanto, as consequências de não notificar podem ser
fatais. Um outro fator que atrapalha a denúncia é a descrença nas possíveis soluções,
pois, na prática, nem todos os casos são legalmente comprováveis em razão de não
existir uma estrutura judicial e policial satisfatória, sob o ponto de vista da
investigação.

Ainda que diante de todas as dificuldades o fato precisa chegar ao poder


judiciário, pois, na Justiça, está a única forma de se punir legalmente o abusador. Aberta uma
ação penal, inicia-se um delicado momento para a vítima, ela terá que relatar o acontecido
para pessoas desconhecidas, na presença de outras pessoas desconhecidas, numa dinâmica
tensa e inapropriada para a sua idade.
A criança está em uma posição distinta de crescimento, e o Estado deve oferecer-
lhe proteção quando vítima de violência sexual. A sua inquirição no sistema judiciário deve
ser uma das respostas do Estado no sentido da sua proteção, sendo que deve ser realizada em
seu próprio benefício, sem prejudicar o seu desenvolvimento. A criança já carrega o fardo da
experiência negativa do abuso, e o processo judicial pode se tornar prejudicial se conduzido
de forma inadequada.
Em relação à escuta e a condição peculiar da criança em desenvolvimento,
Tabajaski, Paiva e Visnievski (2010, p. 61) esclarecem:

Se a escuta ou tomada de declarações de uma criança ou adolescente, por exemplo,


por agentes jurídicos, causar-lhes mais danos que a situação abusiva, o estado,
enquanto responsável pela proteção da criança e do adolescente não estará
cumprindo com seu objetivo de realmente proteger.

Moreira, Lavarello e Lemos (2009, p. 106) entendem que a justiça não deve
adotar idênticos modelos de ritos processuais para adultos e crianças, em virtude de sua

14
condição peculiar de desenvolvimento. No entanto, asseveram que apesar da criança “se
encontrar comprometida e afetada pela violência sexual não pode desconsiderar o seu direito à
participação ativa nos processos, a ser ouvida e ter suas opiniões devidamente consideradas”.
A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (CDC, 1989) bem como
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069/90) trazem, de forma expressa, o
direito das crianças terem suas opiniões ouvidas e consideradas.
É importante observar que até chegar em momento processual, a criança fica
sujeita a diversas entrevistas por diversos profissionais e instituições, sendo obrigada a repetir
o acontecimento inúmeras vezes para pessoas também por ela desconhecidas. Contudo, é em
juízo que a sua palavra tomará contornos de prova contra o agressor.

5.3 A PALAVRA COMO PROVA

Crimes sexuais são cometidos na clandestinidade, em sigilo, em silêncio, quando


praticados contra crianças acontece ainda mais às escondidas. A palavra da criança vítima é,
muitas vezes, a evidência mais importante na acusação de um abuso sexual, e o único meio de
prova. A criança e o suspeito são geralmente as únicas testemunhas oculares em potencial e a
evidência física é, muitas vezes, inexistente.
Tabajaski, Paiva e Visnievski (2010, p. 59) destacam que:

Nos casos em que a criança é submetida à violência sem vestígios, como em atos
libidinosos diversos da conjunção carnal (não há lesões visíveis nem rompimento de
hímen, ou resultado positivo de coleta de esperma), o relato da criança, nomeando e
identificando o suposto agressor é considerado pelos operadores da justiça como
importante prova, independente de, muitas vezes, ser a única.

Diante da natureza oculta do crime, e pelo fato de haver muito pouca, ou


nenhuma, evidência do ato, provar a materialidade do delito não é desafio fácil, ficando o
testemunho da criança o único substrato da acusação. Assim, a sua fala é absolutamente
crucial.
De modo geral, a palavra em juízo das vítimas de um crime deve ser aceita com
precauções, sendo necessário cotejá-las com outros elementos contidos nos autos, ou seja,
constituirá prova de valor quando corroborada pelo conjunto probatório. Mas nos delitos
sexuais, pelas circunstâncias que se consumam, sem a presença de outras testemunhas, a
palavra da vítima possui especial relevância. Têm-se os seguintes escólios doutrinários:

15
“Em certos casos, porém, é relevantíssima a palavra da vítima do crime. Assim,
naqueles delitos clandestinos qui clam comittit solent (crimes contra a liberdade sexual), que
se comentem longe dos olhares de testemunhas, a palavra da vítima é de valor extraordinário
[...]” (TOURINHO FILHO, 2012, p. 605).
“Como se tem assinalado na doutrina e jurisprudência, as declarações do
ofendido podem ser decisivas quando se trata de delitos que se cometem às ocultas [...]”
(MIRABETE, 2003, p. 547).
A palavra infantil tem relevante valor na formação da convicção dos
entendimentos jurisprudenciais:

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL E LESÃO CORPORAL


DE NATUREZA GRAVE. TRANSMISSÃO DE DOENÇA. HPV. FORMA
QUALIFICADA DO CRIME. SENTENÇA CONDENATÓRIA. FRAGILIDADE
PROBATÓRIA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E
MATERIALIDADE DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS.
APLICAÇÃO DA PENA. PROPORCIONALIDADE. PENA PECUNIÁRIA. NÃO
INCIDÊNCIA. 1) Os crimes cometidos contra a dignidade sexual são, normalmente,
cometidos à escondida, sem testemunha presencial, de sorte que a palavra da vítima
assume especial relevo no contexto probatório, mormente quando amparada pelas
provas dos autos. […] (STF – ARE: 1027330 AP – AMAPÁ 0000300-
44.2013.8.02.0002, Relator, Min: ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento:
06/03017, Data de Publicação: DJe: 046 10/03/2017. Editado).

APELAÇÃO CRIME. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ATOS LIBIDINOSOS).


CONDENAÇÃO. Mantida a condenação, diante do conjunto probatório, induvidoso
em relação à ocorrência do delito e a autoria. PALAVRA DA VÍTIMA. CRIANÇA.
VALOR PROBANTE. A palavra da vítima, ainda que se constitua ela de uma
criança de cinco anos de idade, autoriza a condenação, notadamente quando se
mostra uniforme e segura quanto à ocorrência do delito e sua autoria. (Apelação
Crime Nº 70075258822, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Genacéia da Silva Alberton, Julgado em 28/03/2018. Editado).

O relato da criança, contudo, deve ser firme e sereno, uniforme e harmônico,


coerente e plausível, em todos os seus momentos, de forma que alicerce a condenação do
ofensor. Caso contrário, é extremamente arriscado condenar uma pessoa quando há
declarações contraditórias, incoerentes e imprecisas.
A valoração da palavra da criança nos delitos sexuais justifica-se no sentido da sua
harmonia com os demais elementos existentes nos autos, formando uma estrutura probatória
coesa e coerente que deve prevalecer sobre suposta não confissão do réu. Considerar a palavra
da vítima infantil não resulta da não valoração das declarações do acusado, mas sim, do
exame prudente e cuidadoso dos autos, inexistindo violação aos direitos do ofensor.

16
6 METODOLOGIA

O trabalho desenvolvido terá natureza exploratória, e consistirá em um estudo de


pesquisa bibliográfica. As fontes serão livros e artigos científicos que tratam de abuso sexual
infantil, tendo como referências principais o livro Abuso Sexual em Crianças, de Christiane
Sanderson, pois oferece maneiras de compreender a criança vítima de abuso sexual, e o livro
Da Pedofilia de Matilde Carone Slaibi Conti, pois realiza um estudo aprofundado à luz da
psicoanálise ao estudo jurídico do tema.
A pesquisa bibliográfica, de acordo com Chiara (et al. 2008, p. 46), “é feita com o
intuito de levantar um conhecimento disponível sobre teorias, a fim de analisar, produzir ou
explicar um objeto sendo investigado”.
Dessa forma, ao se recorrer a abordagem exploratória, há o propósito de entender
a valoração da palavra da vítima de abuso sexual infantil e o seu valor probante no processo
criminal.
O método utilizado é o dedutivo, em que se parte de uma análise geral para a
particular, até chegar uma conclusão lógica.

17
7 CRONOGRAMA

Etapas Fev/Mar Abr/Mai Jun/Jul Ago/Set Out/Nov Dez 2018


2018 2018 2018 2018 2018
Levantamen X
to
Bibliográfic
o
Análise de X
Fontes
Redação do X
Projeto
Orientação X
do Projeto
Entrega do X
Projeto 1°
parte
Entrega do X X
Projeto 2°
parte
Orientação X
do Artigo
Redação do X
Artigo
Entrega/Apr X X
esentação
Final

18
REFERÊNCIAS
AACAP (American Academy of Child and Adolescent Psychiatry), Facts for Families. Child
Sexual Abuse. Washington: AACAP, 2011. Disponível em:
http://www.aacap.org/App_Themes/AACAP/docs/facts_for_families/09_child_sexual_abuse.
pdf. Acesso em: 21 abr 2018.

CIDADANIA E JUSTIÇA. Dia Nacional Contra Abuso Sexual de Crianças e Jovens é


celebrado nesta quinta (18). Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-
justica/2017/05/dia-nacional-contra-abuso-sexual-de-criancas-e-jovens-e-celebrado-nesta-
quinta-18. Acesso em: 26 mar 2018

CONTI , Matilde Carone Slaibi. Da Pedofilia: aspectos psicanalíticos, jurídicos e sociais do


perverso sexual. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da


língua portuguesa. 3 ed. totalmente rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

KUNG, Ângela G. O direito à sexualidade em tempos de pedofilia e criminalização: uma


contribuição para a desconstrução da generalização e do sensacionalismo atuais. In: ANCED
(Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente). A defesa de
crianças e adolescentes vítimas de violências sexuais. São Paulo: Impressão, 2009.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas,
2015

______ . Código de Processo Penal Interpretado. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

MOREIRA, Cleyse. LAVARELO, Fernanda. LEMOS, Roberta Freitas. A escuta protegida de


crianças e adolescentes no sistema de justiça - “Somos contra ou a favor do depoimento sem
dano?”: uma falsa polêmica colocada em debate no cenário nacional. In: ANCED (Associação
Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente). A defesa de crianças e
adolescentes vítimas de violências sexuais. São Paulo: Impressão, 2009.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 16. ed. rev., atual. e ampl. Rio de
Janeiro: Forense, 2016

POTTER, Luciane. BITENCOURT, Cezar Roberto. Depoimento sem dano: por uma
política criminal de redução de danos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010

RIBEIRO, Francisco Sidney de Castro. A palavra da vítima no processamento dos crimes


sexuais. Revista Pesquisas Jurídicas. v. 1, n. 1, jul. - dez. 2012. Disponível em:
http://revistapesquisasjuridicas.com.br/ojs/index.php/RPJur/article/view/7. Acesso em: 26 fev
2018

SANDERSON, Christiane. Abuso Sexual em Crianças. São Paulo: M. Books do Brasil


Editora LTDA, 2005

SPECTOR, Nelson. Manual para a redação de teses, projetos de pesquisa e artigos


científicos. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011
19
TABAJASKI, Betina. PAIVA, Cláudia Victolla. VISNIEVSKI, Vanea Maria. Um Novo Olhar
sobre o Testemunho Infantil. In: BITENCOURT, Cezar Roberto. POTTER, Luciane (Org.).
Depoimento sem dano: por uma política criminal de redução de danos. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010.

20

Você também pode gostar