Que Critérios Pautarão Sua Vida
Que Critérios Pautarão Sua Vida
Que Critérios Pautarão Sua Vida
[ Clayton M. Christensen ]
NOVEMBRO 2016
Enquanto a turma discute a resposta a essas perguntas, uso minha própria vida como uma espécie de
estudo de caso, para mostrar como cada um poderia usar as teorias do curso para nortear suas decisões na
vida.
Uma ideia que lança grande luz sobre a primeira questão — como ser feliz na carreira — é de Frederick
Herzberg. Segundo ele, o que realmente nos motiva na vida não é o dinheiro, mas a oportunidade de
aprender, de assumir responsabilidades e crescer, de ajudar o outro, de ter nossas conquistas
reconhecidas. Conto aos alunos sobre uma espécie de visão que tive quando dirigia a empresa que fundei
antes de virar professor. Em minha mente, vi uma gerente da firma saindo cedo para o trabalho com a
autoestima relativamente alta. Em seguida, a imaginei voltando para casa dez horas depois, sentindo-se
desvalorizada, frustrada, subaproveitada, humilhada. Imaginei o profundo impacto que essa queda na
autoestima teria em sua relação com os filhos. A imagem em minha cabeça avançou então para outro dia,
no qual ela chegava em casa com uma autoestima maior — com a sensação de que aprendera muito, de
que fora reconhecida por feitos louváveis, de que tivera um papel relevante no sucesso de iniciativas
importantes. Imaginei o impacto positivo que isso teria nela como esposa e mãe. Minha conclusão?
Quando bem exercida, a administração é a mais nobre das profissões.
Nenhuma outra ocupação nos dá tanta possibilidade de ajudar o outro a aprender e a crescer, a assumir
responsabilidades e ter seus feitos reconhecidos, a contribuir para o sucesso de uma equipe. Cresce o
número de estudantes que chegam ao MBA pensando que uma carreira no mundo dos negócios significa
comprar, vender e investir em empresas. É uma pena. Fechar negócios não traz gratificação tão profunda
quanto ajudar alguém a crescer. Quero que todo aluno saia da minha sala de aula ciente disso.
Para mim, ter um propósito claro na vida foi essencial. Mas foi um conhecimento que só alcancei depois de
muita reflexão. Quando bolsista em Oxford meu programa de estudo era muito exigente. É que queria
encaixar, no tempo que ali passaria, o equivalente a mais um ano de estudo. Na época, resolvi passar uma
hora por noite lendo, pensando e rezando sobre o motivo para Deus ter me colocado no mundo. Era um
compromisso muito difícil de manter, pois cada hora que dedicava a essa atividade estava deixando de
estudar econometria aplicada. Tinha dúvidas se podia realmente me dar ao luxo de dar aquela pausa nos
estudos, mas fui em frente — e, no final, descobri o propósito da minha vida.
Se em vez disso tivesse passado aquela hora do dia aprendendo as últimas técnicas para solução de
problemas de autocorrelação na análise de regressão, minha vida teria sido muito mal aproveitada. Aplico
o que aprendi de econometria um punhado de vezes ao ano, mas aplico o que sei sobre o propósito da
minha vida todo dia. É a coisa mais útil que já aprendi. Prometo a meus alunos que se pararem para
descobrir qual o propósito de sua vida, um dia verão que foi a coisa mais importante que aprenderam na
HBS. Porque, sem esse conhecimento, estariam navegando sem leme e seriam açoitados pelas águas
agitadas da vida. Saber qual seu propósito é mais importante do que dominar o custeio baseado em
atividades, o balanced scorecard, as competências centrais, a inovação de ruptura, os quatro Ps e as cinco
forças.
Meu propósito nasceu de minha fé religiosa, mas a fé não é a única coisa que dá
um norte ao indivíduo. Um ex-aluno meu, por exemplo, decidiu que seu
propósito era promover a honestidade e a prosperidade econômica em seu país
e criar os filhos para que tivessem o mesmo compromisso que ele com essa
causa — e com os irmãos. Seu propósito é centrado na família e nos outros —
assim como o meu.
A escolha de uma profissão e o sucesso nela são apenas um dos instrumentos
para atingir seu propósito. Já sem um propósito, a vida pode se tornar vazia.
Em aulas de finanças e economia, aprendemos que ao avaliar distintas opções de investimento devemos
ignorar custos irrecuperáveis e fixos e basear a decisão no custo marginal e na receita marginal que cada
alternativa implica. Já em meu curso vemos que essa doutrina predispõe a empresa a alavancar o que usou
para ter sucesso no passado em vez de incentivá-la a adquirir os recursos de que precisará no futuro. Se
soubéssemos que o futuro seria exatamente como o passado, não haveria problema. Mas, se o futuro for
diferente — e quase sempre o é —, essa abordagem é incorreta.
Essa teoria se aplica à terceira questão que discuto com meus alunos — como viver uma vida íntegra (não
ir parar na cadeia). Ao escolher entre o certo e o errado em nossa vida pessoal, inconscientemente
estamos sempre empregando a doutrina do custo marginal. Uma voz em nossa cabeça diz: “Sei que,
normalmente, a maioria das pessoas não devia fazer isso. Mas, nessas circunstâncias atenuantes
específicas, só dessa vez, tudo bem”. O custo marginal de fazer algo errado “só dessa vez” sempre parece
sedutoramente baixo. Mas é algo que traga o indivíduo, que nem examina onde o caminho vai desembocar
e todos os custos que a decisão acarreta. A justificativa para a traição e a desonestidade em todas as suas
manifestações está na matemática do custo marginal do “só dessa vez”.
Gostaria de contar como vim a entender o dano potencial do “só dessa vez” em minha própria vida. Jogava
no time de basquete da Oxford University. Suamos a camisa para chegar invictos ao fim da temporada. Os
jogadores do time eram os melhores amigos que já tivera. Fomos disputar o campeonato da liga inglesa de
basquete universitário — e ficamos entre os quatro finalistas. Só que o título seria definido num jogo
marcado para um domingo — e, aos 16 anos de idade, tinha assumido perante Deus o compromisso
pessoal de nunca jogar bola no domingo. Procurei o técnico e expliquei o problema. Ele não podia
acreditar. Meus companheiros tampouco, pois eu era o pivô. Todo jogador do time veio falar comigo.
Disseram: “Você tem de jogar. Não dá para quebrar a promessa só dessa vez?”.
Profundamente religioso que sou, fui embora e rezei, pedindo orientação sobre o que fazer. Tive uma
sensação muito nítida de que não deveria romper meu compromisso — e por isso não joguei na final do
campeonato.
Sob muitos aspectos, era uma decisão pequena, que envolvia um dos milhares de domingos da minha vida.
Em tese, com certeza poderia ter cruzado a linha só aquela vez e nunca mais ter voltado a fazê-lo. Mas,
olhando hoje, resistir à tentação cuja lógica era “nessas circunstâncias atenuantes específicas, só dessa vez,
tudo bem” provou ser uma das decisões mais importantes da minha vida. Por quê? Por que minha vida foi
uma sucessão infindável de circunstâncias atenuantes. Se tivesse cruzado a linha aquela vez, teria voltado
a fazê-lo muitas vezes depois daquilo.
A lição que aprendi com isso é que é mais fácil ser fiel a seus princípios 100% do tempo do que 98% do
tempo. Se ceder “só dessa vez” com base na análise de custo marginal, como fizeram alguns de meus ex-
colegas, você lamentará o ponto em que irá chegar. É preciso definir para si mesmo quais são seus valores
e traçar o limite num ponto seguro.