Produção de Conteúdo para Audiência Criativa

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ESTRATÉGIAS

DIGITAIS E
PRODUÇÃO DE
CONTEÚDO
Produção de
conteúdo para
audiência criativa
Nanci Maziero Trevisan

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Conceituar audiência criativa da contemporaneidade.


>> Identificar formas de recepção em produtos multimidiáticos.
>> Discutir os impactos da recriação das mensagens a partir da horizontalização
de seu conteúdo.

Introdução
Neste capítulo, você verá como as nossas atividades cotidianas estão impregnadas
dos aspectos da conectividade e da interatividade, o que torna natural a nossa
contribuição para a reelaboração de conteúdos a que temos acesso. Somos, em
essência, uma audiência criativa e ativa, conceito que será tratado neste capítulo.
Além disso, você conhecerá as formas como recebemos os produtos multimidiáticos
e como impactamos e somos impactados por eles, como agentes do consumo ativo,
da criação e da recriação de mensagens, em uma dialética de interação constante.

Audiência criativa: o usuário como agente


ativo
No século XXI, com a expansão e a consolidação das tecnologias digitais,
estabeleceu-se a economia informacional. Castells (2002) observa que o
2 Produção de conteúdo para audiência criativa

surgimento da economia informacional global está associado à lógica da


transformação tecnológica, embora não dependa exclusivamente dela. A
economia informacional torna mais expressiva a informação como merca-
doria relevante e determinante da economia mundial, tendo como bases a
convergência e a interação da tecnologia com uma nova lógica organizacional.
Existem diversos tipos de organizações nos mercados mundiais, entre elas
as empresas produtoras e distribuidoras de informação e conteúdo.
Muitos são os causadores das mudanças de mercado, como a exaustão
do sistema de produção em massa, a crise de lucratividade no processo de
acumulação de capital e as transformações nas relações produtivas e do
trabalho (CASTELLS, 2002). No entanto, um elemento-chave da economia
informacional são os meios de inovação. Segundo Castells (2002, p. 478),
o meio de inovação refere-se a “[...] um conjunto específico de relações de
produção e gerenciamento com base em uma organização social que, de
modo geral, compartilha uma cultura de trabalho e metas instrumentais,
visando a gerar novos conhecimentos, novos processos e novos produtos”.
A especificidade do meio de inovação está associada à sua capacidade de
geração de sinergia por meio das interações que estimula ou que propicia,
as quais são fundamentais na era da informação.
A produção de conteúdo, o compartilhamento de ideias e a criação cola-
borativa são, hoje, não apenas instrumentos de disseminação de informa-
ções, mas também preciosos meios de inovação dos quais as empresas se
apropriam para o desenvolvimento de novos produtos e serviços, sejam eles
ligados à própria área de comunicação digital ou não. Somos todos agentes
de inovação, transformação, criação e recriação de mensagens nas diversas
plataformas e formatos, desde os microvídeos do TikTok, passando pelos
microblogs até a constituição estruturada de propostas que geram produtos,
serviços, aplicativos e diversas outras inovações.
Em essência, somos uma audiência ativa e criativa, e, diferentemente de
gerações anteriores, podemos interferir na notícia, no desenrolar da trama,
no destino dos personagens e no resultado de diversos produtos multimídia.
Tudo isso a um toque. Contudo, antes de falarmos de audiência criativa,
precisamos compreender a cultura da convergência da qual fazemos parte.
Macedo (2016) observa que, para entender a convergência, faz-se neces-
sário observar as transformações pelas quais opera a lógica do consumo
cultural. A participação e o entretenimento surgiram no contexto das mídias
digitais que possibilitam esse exercício. Desse modo, é a digitalização da co-
municação que permite a criação de uma diversidade de conteúdos expressos
Produção de conteúdo para audiência criativa 3

em múltiplas plataformas, bem como o surgimento do consumidor como ator


no processo de produção de conteúdo (MACEDO, 2016).
A convergência dos meios traz profundas modificações culturais, sociais,
tecnológicas e empresariais à forma como nos envolvemos com os meios de
comunicação, sejam eles digitais, sociais ou analógicos. Essas modificações
constituem o que Jenkins apud Macedo (2016) chamou de cultura partici-
pativa, em que o consumidor se torna usuário e parte relevante e atuante
no processo de produção e circulação de conteúdos. Portanto, o usuário
atual se apropria do que Pierre Levy havia chamado de inteligência coletiva,
vista como a potencialidade das comunidades de aprimorar, impulsionar
e incrementar o conhecimento de cada indivíduo que pertence, colabora,
contribui e usufrui dessa inteligência. O intelecto individual troca saberes
com diferentes pessoas, as quais, nessa aproximação, estão aptas a construir
novos conhecimentos (MACEDO, 2016).
Dessa forma, a convergência proporcionada pelos meios digitais é muito
mais do que um processo tecnológico ou técnico, mas sim um processo de
transformação cultural, em que os usuários são chamados a procurar novas
informações e estabelecer interações e conexões. Macedo (2016) destaca que
a convergência, na visão de Jenkins, ocorre “dentro dos cérebros de consumi-
dores individuais em suas interações sociais com outros”. Dessa forma, essa
mudança implica encarar os produtores de conteúdo (publishers) e os consu-
midores dos meios como participantes ativos que interagem constantemente.
De acordo com Castells apud MACEDO (2016, p. 795), os processos comuni-
cacionais foram deslocados da comunicação de massa, em que a audiência é
vista como passiva, para formas e meios de comunicação em que a audiência
é vista como ativa, participativa, que “[...] molda seu significado ao contrastar
sua experiência com os fluxos unilaterais de informação que recebe”. Esse é
o conceito de audiência criativa.
Para Macedo (2016), Jenkins refere-se a uma cultura participativa, ao passo
que Castells chama esse processo de audiência criativa. São termos diferentes
para o mesmo fenômeno, em que o usuário “[...] remixa a multiplicidade de
mensagens, interpreta os códigos e subcódigos delas ao envolvê-las com
seus próprios códigos, ou seja, sua experiência” (MACEDO, 2016, p. 795), seja
na sua contribuição singular, seja na tentativa de criar canais de comunicação
com os públicos.
Portanto, a audiência criativa é aquela em que há “[...] compartilhamento e
criação de conteúdos entre os consumidores de um meio ou canal” (MACEDO,
2016, p. 794), movidos pela convicção ou pelo desejo intrínseco de que seu
conteúdo seja percebido e reconhecido como uma contribuição relevante ou,
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pelo menos, importante para outros indivíduos. No exercício da audiência


criativa, o indivíduo sente que alcançou uma conexão social com outras
pessoas, “[...] estimulando, inclusive, engajamentos cívicos em torno de causas
da comunidade” (MACEDO, 2016, p. 794).
O exercício da audiência criativa pode se dar em quatro eixos: filiação,
expressão, resolução colaborativa de problemas e circulação de informação.
Castells (2002) afirma que a audiência criativa passa a utilizar os seus próprios
códigos, referências e experiências, interagindo, moldando e reelaborando
conteúdos que recebe dos produtores de conteúdo (publishers). Com isso, a
audiência realiza uma “produção interativa de significado” sendo, portanto,
fonte de uma cultura de remixagem que caracteriza o mundo que Castells
chama de “[...] mundo de autocomunicação de massa” (CASTELLS apud MA-
CEDO, 2016, p. 794).
Conforme Martino (2015), a criatividade da audiência constitui uma forma
de resistência, de fazer frente às grandes empresas imbricadas na indústria
cultural. Isso ocorre porque a dinâmica da internet e da produção e consumo
de conteúdo torna tênues os limites entre indústria cultural e público e entre
os grandes publishers e a audiência. O autor ressalta, ainda, que “[...] a audi-
ência criativa é, ao mesmo tempo, parte de uma lógica comercial, vinculada
às grandes corporações da indústria cultural e, parte de uma lógica criativa
do público” (MARTINO, 2015, p. 105).

Robert A. White é um autor clássico sobre estudos de recepção. Em


dois artigos publicados na revista da Universidade de São Paulo
(USP), ele trata sobre a audiência criativa, aprofundando informações. Em um
deles, intitulado “Recepção: a abordagem dos estudos culturais”, na página 62,
ele trata de audiência ativa ou criativa, destacando atributos que perfazem o
perfil dessa audiência.

Produtos multimidiáticos: formas de


recepção
A organização da internet, ou rede, é constituída por uma miríade infindável de
nós (MARTINO, 2015), que ligam pessoas e conteúdos de informação. O Quadro
1, a seguir, apresenta as três características principais da organização em rede.
Produção de conteúdo para audiência criativa 5

Quadro 1. Características da organização em rede

Característica Descrição

Flexibilidade Capacidade de aumentar ou diminuir


o número de conexões.

Escala Habilidade de mudar de tamanho sem


ter as suas características principais
afetadas.

Sobrevivência Em virtude de não terem um centro,


as redes podem operar em vários
tipos de configuração.

Fonte: Martino (2015, p. 100).

Portanto, a natureza da rede é dinâmica, aberta e mutante. Martino (2015)


observa que esse movimento é fundamental para se compreender as formas
de interação por meio da rede. Na rede, oscila constantemente o número de
pessoas que acessa um determinado conteúdo, o grau de participação ou
interação, os limites ou fronteiras da própria rede, bem como o seu alcance
geográfico e de público. Na interação indivíduo a indivíduo, esse movimento
impacta a construção de suas identidades, sejam estas pessoais ou coletivas,
estabelecidas no conjunto desses movimentos e dos vínculos que se estabe-
lecem, mais ou menos duradouros, de acordo com o objetivo e a oportunidade
de interação. Pela similaridade, as identidades, de acordo com Martino (2015),
são constituídas de traços, mais fortes ou mais fracos, identificados como
comuns aos indivíduos ou coletivos.
Os limites da identidade são estabelecidos pelas diferenças. Fluidos,
esses limites são também mutantes, em virtude da experiência, da história,
do conhecimento, das reflexões e da trajetória de vida de cada indivíduo que
interage em rede (MARTINO, 2015). Essas identidades são, ainda, afirmadas
e reafirmadas nessa interação, que, em nível global, depara-se com as dife-
renças quanto a cultura, arte e práticas sociais. Dessa forma, compreende-
-se que, ao mesmo tempo que as interações via rede aproximam, criam ou
estabelecem elementos de identidade, a diferença estabelece os seus limites.
O caráter globalizado da rede é um dos elementos que compõem parte desse
movimento a que se referiu Martino.
Segundo Castells apud Bressane (2013), a cultura participativa ou cultura
do compartilhamento, amplia-se na contemporaneidade e toma as esferas
políticas como lugar de prática. Assim, percebe-se, no poder de organização
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socio-político proporcionado pelas mídias digitais e sociais, um dos aspectos


associados à recepção e ao uso dos meios: o fenômeno chamado por Castells
de “autocomunicação de massas”. Bressane (2013) explica esse conceito da
seguinte forma: “Autocomunicação porque traz autonomia na emissão de
mensagens, autonomia na seleção da recepção de mensagens, autonomia na
organização de redes sociais próprias e na organização de um hipertexto cog-
nitivo e formativo em que estão todas as informações digitalizadas”. Castells
usa o termo “de massas” para designar o potencial alcance de audiência que
essas manifestações individuais e de grupo podem alcançar, eventualmente.
A importância da autocomunicação de massas reside na possibilidade de
que o conteúdo seja criado e divulgado fora e além do alcance dos grandes
produtores de conteúdo, como grandes agências de notícias. Isso constitui
o que Castells chama de cultura de liberdade (MARTIN, 2012), sustentada por
quatros pontos:

1. Troca de conteúdo em pequenos grupos: em que a mensagem tem po-


tencial de expandir-se às massas, abrindo espaço para a visibilidade e a
transparência em assuntos que não encontram espaço na grande mídia.
2. Neutralidade da rede: garante o acesso democrático à circulação de
conteúdos, regulados a favor do interesse público, e não de grupos
ou empresas.
3. Alcance amplo e maciço: o celular integrou quase 5 bilhões de pessoas
às redes.
4. Horizontalidade da web: acesso livre e mobilização dos próprios
usuários para manter e garantir uma internet livre de censura.

Bressane (2013) ressalta que, diferentemente do que ocorre com as mídias


tradicionais, a internet dá voz ao receptor, sendo essa a essência da trans-
formação que suscita. A forma de ver e consumir produtos de mídia mudou
intensamente com as tecnologias digitais, com a passagem da audiência
passiva para a audiência ativa (CASTELLS, 2002). Macedo (2016) destaca que há
diferentes formas de envolvimento ou engajamento no consumo midiático: as
passivas (menor nível de atividade e envolvimento) e as ativas (expressão de
opiniões, criação de conteúdo). Além disso, o autor destaca que ações como
like, deslike, votar, visualizar, compartilhar ou clicar já são caracterizadas
como atividades de interação sem, obrigatoriamente, considerar modos mais
elaborados de produção de conteúdo.
Zanchetta Junior (2007) apresenta o relato da visão de recepção passiva,
em que o indivíduo simplesmente absorve o que o meio de comunicação
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lhe traz para a recepção ativa. Vale observar que uma recepção nunca é
absolutamente passiva, já que o indivíduo interage com o conteúdo recebido,
expressando as suas impressões, embora apenas para si mesmo. A diferença
é que, hoje, essa expressão ativa ganhou o mundo, tornando-se visível, na
medida em que as mídias sociais e digitais possibilitam isso.
Cogo e Brignol (2010) comentam que as mídias estão presentes em todas
as instâncias da vida social, acelerando os fluxos informacionais. Embora
de caráter central, ainda assim a recepção e o consumo dos meios permite
uma visão interacionista, com destaque para a interconexão dos indivíduos,
mercados, sociedade e tecnologias em dinâmicas não hierárquicas, flexíveis
e interdependentes.
A própria lógica que reside nos processos de recepção dos produtos mi-
diáticos na contemporaneidade migra da visão hegemônica de transmissão
de informações, de forma massiva e generalizada, controlada por grupos
produtores de conteúdo (publishers) para um coletivo genérico, para a visão
de produção e distribuição de informação de maneira descentralizada para
públicos diversos, dispersos, segmentados. Contudo, há uma relação de com-
plementaridade entre essas duas visões e entre os diversos meios disponíveis
para o consumo (recepção) de mídia, que se conectam, se complementam,
se apoiam e abrem espaço para a recepção ativa, contributiva e autônoma
por parte do indivíduo.
Cogo e Brignol (2010) resumem os aspectos a serem considerados na
recepção dos produtos midiáticos:

„„ Convergência: apropriação do conteúdo, padronização de formatos de


armazenamento e distribuição, aproximação de linguagens e lógicas
entre uma mídia e outra.
„„ Interatividade: formas e processos psicológicos, cognitivos e culturais
decorrentes da digitalização, envolvendo, ainda, a interação entre
produtor e receptor de conteúdo.
„„ Empoderamento do emissor: capaz de contribuir com o processo de
comunicação.
„„ Hibridação: diferentes formas discursivas (texto, som, imagem).

Outro fenômeno observado na forma como consumimos produtos e in-


formação é a mimetização do real (BRESSANE, 2013). A ambiência digital
cria uma vida virtual, uma similaridade com os espaços públicos nos quais
os indivíduos guardam a expectativa de transitar e relacionar-se como fa-
riam na esfera física. Você já observou como, em algumas revistas digitais,
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“viramos as páginas”, como faríamos com uma revista em papel? Castells


apud Bressane (2013, não paginado) chama isso de virtualidade real, em que
os indivíduos se encontram dentro e fora da internet, simultaneamente, e
observa que: “[...] em nenhum momento da história, estivemos tão imersos
num sistema de comunicação que configura nossos pensamentos, nossas
mentes, nossas decisões".
No que concerne à troca de informações, Bressane (2013) ressalta que,
muitas vezes, a circulação de informação e conteúdo ocorre sem filtro de
grandes publishers, tendo como consequência o fato de que empresas e
entidades da esfera pública se veem obrigadas a um formato de comunicação
circular, dialógico, “em que toda comunicação é de mão dupla”.
Martino (2015) também fala dessa mimetização do real, porém refere-se
a ela com o termo “virtualidade real”, no sentido de que não há fronteiras
entre o real e o virtual. Esse aspecto é fundamental para entendermos que,
para os indivíduos, especialmente para os nativos digitais, a separação entre
um e outro deixa de fazer sentido, pois há “[...] uma contínua migração de
ideias, práticas e conceitos entre os mundos real e virtual” (MARTINO, 2015,
p. 104), uma intersecção que suscita contradições e novas possibilidades.
Nesse cenário, o processo de recepção precisa considerar a dimensão
cultural do receptor (DIAS, 2017). Embora considerar o receptor seja algo
inerente aos processos comunicacionais, a construção de conteúdo em am-
bientes digitais precisa considerar que a compreensão do que será lido, ouvido
e visto e as relações na produção de sentido têm profunda dependência
do conhecimento, da experiência e das habilidades do receptor. Isso nos
leva a compreender que a produção de conteúdo precisa ancorar-se em um
conhecimento mais aprofundado da audiência a qual está direcionado se o
objetivo é a construção de sentido e o estabelecimento de uma relação que
propicie o efetivo engajamento da audiência.
Dessa forma, no ambiente das redes, as noções de produtos e públicos se
tornam tênues. No entanto, a produção de conteúdo e produtos midiáticos
continua tendo nos grandes publishers da indústria cultural uma fabricação
(produção) contínua de bens culturais, visando sempre à movimentação de
vendas e lucratividade. Martino (2015) diz que a flexibilidade das redes torna
possível abrir fronteiras de resistência a esse movimento corporativo, e a
criatividade da audiência é uma delas.
Castells apud Martino (2015, p. 105) propôs um modelo de estudos para
compreender o processo de autocomunicação de massa (Figura 1). Nesse
modelo, percebe-se que, na sociedade em rede, “[...] a recepção é uma
produção-recepção em rede”. No modelo proposto, emissores e receptores
Produção de conteúdo para audiência criativa 9

estão integrados e compartilhando o mesmo ambiente simbólico, e interagem


por meio das redes de significado que o compõem. Todos os receptores são
potencialmente emissores, do mesmo modo que todos os emissores são
potencialmente receptores. As mensagens construídas por ambos são multi-
modais (i.e., utilizam diversas tecnologias, como celulares, televisão e web) e
multicanais (i.e., distribuídas em diversos canais dentro de cada tecnologia).
Modo e canal possuem códigos e subcódigos próprios que lhe são inerentes,
sendo utilizados para criar a mensagem. O indivíduo, tanto como receptor
como emissor, escolherá os significados das mensagens que recebe e que
transmite, fazendo parte de redes de comunicação em que essas mensagens
(conteúdos em geral) são discutidas, ressignificadas e reelaboradas.

Figura 1. Modelo de estudos para a autocomunicação de massa.


Fonte: Adaptada de Martino (2015).

Recriação das mensagens: habilidades,


competências e impactos
A audiência criativa, ou a cultura participativa, sob a perspectiva tratada neste
capítulo, por meio da colaboração, é capaz de promover o “[...] engajamento
crítico com a cultura popular”, no sentido de que transforma usuários pas-
sivos em participantes ativos e colaborativos (BROUGH; SHERESTHOVA apud
MACEDO, 2016, p. 794). Esses usuários almejam que sua ação ganhe relevância
junto a públicos diversos, mesmo que seja apenas de seu grupo de influência,
para que possam ser ouvidos e vistos.
10 Produção de conteúdo para audiência criativa

Macedo (2016) destaca que, para a plena participação, o usuário tem a


necessidade de desenvolver competências e habilidades sociais essenciais.
Além disso, o próprio acesso aos “bens culturais midiáticos” esbarra nos
limites, nas diferenças e nas desigualdades associadas ao acesso, seja ele
tecnológico (dispor de instrumento eficiente de acesso digital) ou educacional,
no sentido da compreensão do conteúdo que se acessa. Portanto, a oportu-
nidade, o conhecimento, o nível educacional, as habilidades e a experiência
constituem o universo próprio de cada indivíduo e estão intrinsecamente
associados a uma capacidade maior ou menor de participação. Dessa forma,
os indivíduos não se envolvem e participam de maneira equilibrada com os
produtos midiáticos, mas sim em condições diversas, seja por não disporem
das habilidades e competências necessárias, seja por falta de tempo ou
pouco engajamento.
Monteiro, Ferreira Junior e Rodrigues (2018) destacam que esse novo leitor
demanda um novo modelo de narrativa (não só jornalística), pois faz parte
da geração Z, os nascidos virtuais, isto é, os diversos meios digitais são parte
intrínseca de sua vida cotidiana. Para ele, facilidade de uso, gratuidade de
acesso a conteúdos e descentralização são aspectos inerentes à sua forma
de viver e consumir informação. O tempo de acesso desses leitores é muito
maior, e eles interagem simultaneamente em diversas janelas com conteúdo
multimídia (imagens, textos, vídeos, música, podcasts, infográficos), pois
desejam consumir conteúdos em formatos diferenciados e, muitas vezes,
inusitados.
Surge, então, outro aspecto ligado à criação e à recriação de mensagens
e conteúdos: a sua característica hipertextual e multimidiática. A hipertex-
tualidade, ou a cultura da linkagem, como se referem os autores (MONTEIRO;
FERREIRA JUNIOR; RODRIGUES, 2018), tem na construção de trilhas de informa-
ção individualizadas um dos impactos a se considerar no processo de horizon-
talização de conteúdos. O leitor cria a sua própria trajetória pela informação
e pode, a cada acesso, criar diferentes linhas narrativas. Dessa forma, “[...] o
princípio de autoria é compartilhado entre usuário e autor” (SOUZA, 2010, p.
57 apud MONTEIRO; FERREIRA JUNIOR; RODRIGUES, 2018, p. 10). Para Palácios
apud Monteiro, Ferreira Junior e Rodrigues (2018), essa multilinearidade cria
coautores de uma narrativa que é predominantemente linear, mas que sofre
esse efeito a cada momento de leitura. O impacto é observado na forma de
leitura, sim, mas também no próprio leitor.
Assim, “[...] a aplicação da hipertextualidade exige uma reinterpretação da
percepção do leitor quanto à compreensão da narrativa” e das possibilidades
de construção de conteúdo, trazendo como consequência “[...] a elevação do
Produção de conteúdo para audiência criativa 11

repertório do indivíduo em função da pouca (ou mesmo nenhuma) retenção”


(PALÁCIOS apud MONTEIRO, FERREIRA JUNIOR E RODRIGUES, 2018). Outro as-
pecto a se considerar é que todo esse contexto (hipertexto, multilinearidade,
forma de leitura, participação ativa e construção de trilha de informação
individual) exige uma nova forma de escrever, de ler e de interagir no espaço
da web.
Sobre o modo de escrever, é preciso observar que exige uma linguagem
diferente, abrindo espaço para a colaboração, para a escrita coletiva, outra
faceta do processo de produção, que permite a colaboração de pessoas em
todo o mundo, do global ao local. Essa habilidade de fazer uso adequado
das ferramentas multimídia e constituir-se efetivamente como audiência
criativa é chamada de multiletramento (DIAS, 2017). Multiletramento é “[...]
a capacidade e a prática de compreender e produzir textos compostos por
muitas linguagens (ou modos, ou semioses) e, portanto, chamados de textos
muldimodais ou multissemióticos”. Como destaca Dias (2017), mais do que
a ampliação das habilidades associadas à alfabetização, faz-se necessária
a capacidade de codificação e decodificação em busca de sentido, em que
o indivíduo precisa ser capaz de “ler” imagens, vídeos e sons. A habilidade
de escrita e construção de sentido é exponenciada e exige novas formas de
ver e sentir o conteúdo.
Portanto, o multiletramento exige o desenvolvimento de habilidades em
linguagem textual, verbal e não verbal. Dias (2017) destaca a fala de Beth Brait:
“[...] a dimensão visual interage constitutivamente com o verbal (ou vice-versa)
acrescentando-lhe valores. Sem esse jogo não se dá a construção do objeto
de conhecimento, nem dos sujeitos da construção e da recepção” (BRAIT apud
DIAS, 2017, p. 39). Ou seja, sem o entendimento dessas relações, fica difícil a
construção de um conteúdo que suscite posicionamento crítico por parte dos
leitores/usuários. O autor também observa que esse posicionamento crítico,
chamado de postura, é adotado pelos indivíduos com relação a si mesmos,
ao que é dito a eles e por eles e a outras pessoas e objetos. Desse modo, a
produção de conteúdo é essencialmente a expressão da postura do autor
sobre um determinado assunto, ao passo que a recriação de mensagens
por parte da audiência criativa é uma reposta que reafirma, refuta ou altera
essa postura.
Conforme Monteiro, Ferreira Junior e Rodrigues (2018), a narrativa que
envolve os meios digitais está em pleno processo de transformação, o que
traz impactos diversos para os processos de produção, transmissão e con-
sumo de conteúdos. Os autores consideram o hipertexto eletrônico como
principal elemento para o desenvolvimento do web jornalismo, por exemplo.
12 Produção de conteúdo para audiência criativa

Assim, ele é visto como um novo modelo de linguagem que atua interligando
diferentes blocos de conteúdo: textos, imagens, vídeos, áudios e infográficos.
Os autores destacam, ainda, que essa linguagem é associada à lógica do pen-
samento humano, baseada na “[...] identificação e associação de significados
já armazenados em nossa mente” (MONTEIRO; FERREIRA JUNIOR; RODRIGUES,
2018, p. 2), em que um item suscita a memória de outro, e assim por diante.
Essa lógica liga os conteúdos de forma não linear, o que oferece ao usuário
a possibilidade de construção de sua própria trilha de informação.
Conforme Monteiro, Ferreira Junior e Rodrigues (2018), o hipertexto impacta
a elaboração de conteúdo e a criação e recriação de mensagens, na medida
em que permite um aprofundamento da narrativa dos fatos por meio de
links, o que influencia decisivamente “[...] o processo de apuração, produção,
redação, deadline, edição e publicação das narrativas na web” (MONTEIRO;
FERREIRA JUNIOR; RODRIGUES, 2018, p. 13). A própria práxis jornalística precisa
adaptar-se, observando que as notícias on-line precisam ser construídas de
forma multilinear, trazendo múltiplos blocos de conteúdo narrativo asso-
ciados (linkados).
Por fim, Martino (2015) aponta que, no “sistema modular das mídias di-
gitais”, os elementos confundem-se, sofrem intercâmbio, disputam espaço.
Em virtude de utilizarem a mesma lógica digital, afirma o autor, assuntos
sem importância se misturam com notícias relevantes, noticiários parecem
espetáculos audiovisuais e conteúdos educativos se confundem com games.
Segundo o autor, isso ocorre porque há uma troca de códigos às vezes inten-
cional, às vezes ocasional.
A audiência criativa e ativa atua fortemente sobre os conteúdos produzidos
pelos publishers, mas também traz a oportunidade de explorar conteúdos
de formas diferentes e diversas. Como visto, faz-se necessária a educação
do receptor, tanto em termos técnicos quanto culturais, para que a sua par-
ticipação se constitua em algo mais efetivo e possa trazer consequências
sociais positivas.
Portanto, a produção de conteúdo para a audiência criativa precisa con-
siderar todos esses aspectos: flexibilidade, amplitude e diferentes configu-
rações das redes, em âmbito local, regional, nacional ou global. Além disso,
é preciso entender que há uma dinâmica, um movimento contínuo de criação
e recriação de identidades por meio da ação ativa do indivíduo, bem como
entender que o indivíduo é agente de inovação e, ao mesmo tempo, cabe a ele
preservar a sua liberdade de ação e interação no ambiente das redes. Esse
receptor-produtor expressa sua postura, suas crenças, suas experiências e
Produção de conteúdo para audiência criativa 13

sua visão de mundo na forma como interfere, constrói e altera conteúdos, no


que compartilha, na sua construção de sentido muito própria.
Desse modo, cabe ao profissional que se dedica à produção de conteúdos
identificar esses elementos, associados de forma intrínseca à audiência que
se almeja alcançar, e contribuir ativamente, de forma dialógica, para que o
exercício da liberdade de recepção-produção ocorra em sua plenitude.

Referências
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