09 - Alinne Nogueira
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Resumo: O presente artigo interroga as possíveis consequências extraídas da realização dos atendimentos
psicanalíticos na modalidade on-line como consequência da pandemia da Covid-19 que nos assolou em 2020.
Problematizam-se os efeitos dessa experiência a partir de três eixos: a retomada de aspectos fundamentais
da técnica psicanalítica, o conceito de transferência e a presença do analista bem como os significantes
recolhidos de pares psicanalistas por meio de um questionário que lhes interrogou a prática dos atendimentos
on-line.
Palavras-chave: Psicanálise; atendimento on-line; pandemia.
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Allez-vous retourner au cabinet? Psychanalyse et suivi en ligne. Le présent article questionne les
conséquences possibles, observées lors de la réalisation des consultations psychanalytiques en ligne, à la suite
de la pandémie de Covide-19 qui nous a ravagés en 2020. Les effets de cette expérience sont interrogés à
partir de trois axes: la reprise des aspects fondamentaux de la technique psychanalytique, le concept de
transfert et la présence de l'analyste, ainsi que les signifiants recueillis auprès de pairs de psychanalystes à
travers un questionnaire qui les interroge la pratique des suivis en ligne.
Mots-clés: Psychanalyse; consultation en ligne; pandémie.
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Are you going back to the office? Psychoanalysis and online care. This article questions the possible
consequences, observed during the realization of online psychoanalytic consultations, following the Covide-19
pandemic which devastated us in 2020. The effects of this experience are examined from three axes: the
resumption of fundamental aspects of psychoanalytic technique, the concept of transference and the presence
of the analyst, as well as the signifiers collected from peers of psychoanalysts through a questionnaire which
questions them on the practice of on-line care.
Keywords: psychoanalysis; online consultations; pandemic.
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Guerra, Freud tirou dessas escutas – pesadelos, sonhos de guerra – experiências decisivas para a
psicanálise, entre as quais o início da formulação da pulsão de morte.
Embora, talvez, possamos dizer que analista e paciente estejam no mesmo front de
guerra, com certa equidade nos lugares, esse novo front em que os efeitos do real, recolhidos a
partir dessa ameaça invisível e capazes de alterar mercados, rotinas e laços, convoca o analista a
introduzir, ainda mais, uma diferença em relação aos lugares ocupados por cada um deles no
tratamento analítico. Uma diferença que resgata a importância da abstinência e do acolhimento do
analista, mesmo em momentos difíceis.
Os trabalhos mais consistentes de Sigmund Freud dedicados à técnica psicanalítica foram
publicados no período de 1912 a 1915. Nesses trabalhos, Freud apresentou algumas indicações de
como fazer e do que não fazer nos atendimentos psicanalíticos. Ganhou destaque a regra
fundamental –associação livre e atenção flutuante –, além de algumas indicações, como a
abstinência e a neutralidade do analista, o não estabelecimento de um tempo para o tratamento, a
importância do pagamento, o trabalho com a transferência.
Retrocedemos a dois artigos anteriores aos de 1912 – “O método psicanalítico de Freud”
(1904/1996a) e “Sobre a psicoterapia” (1905/1996b) – nos quais Freud revelou os germes das
suas ideias a respeito da técnica. No primeiro, o autor relata brevemente o percurso da psicanálise,
desde “o método catártico”, praticado em 1895, até “o singular método psicoterápico” (Freud,
1904/1996a, p. 233), designado psicanálise. Primeiramente, relata que o procedimento catártico
pressupõe que o paciente seja hipnotizado para que sua consciência seja ampliada. O método
consistia em levar o paciente a retroceder ao estado psíquico em que o sintoma surgira pela
primeira vez com o intuito de trazer à superfície lembranças, ideias e impulsos que se encontravam
até então excluídos da sua consciência.
No segundo artigo, que foi uma conferência pronunciada no Colégio Médico de Viena, em
12 de dezembro de 1904, Freud estabeleceu a diferença entre a psicanálise (conduzida pela
técnica analítica) e as outras psicoterapias que existiam em sua época (conduzidas pela técnica da
sugestão). Para ilustrar o seu argumento, ele se baseou no modelo pelo qual Leonardo da Vinci
diferenciou as artes: segundo o pintor, certas artes operam per via di porre – como a pintura, em
que o pintor deposita sobre a tela incolor partículas coloridas que antes não existiam –, enquanto
outras operam per via di levare – como a escultura, em que o escultor retira da pedra tudo o que
encobre a superfície da estátua (Freud, 1905/1996b, p. 244). Nessa analogia, identificou as
psicoterapias com o primeiro caso (a pintura), e a psicanálise com o segundo caso (a escultura),
em que a busca pela relação entre os sintomas e o inconsciente do paciente, através da
transferência, permite a queda do sentido satisfatório, que sustenta, muitas vezes, as
manifestações sintomáticas dos pacientes.
Já em “A dinâmica da transferência” (1912/1996a), Freud chegou a uma compreensão
mais ampliada do mecanismo da neurose, de modo que os fenômenos da transferência e da
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resistência também passaram a ser mais detalhados. Nesse artigo, propondo-se a resolver dois
problemas – a origem e a função da transferência no tratamento psicanalítico –, ele dispôs que a
origem da transferência deve ser buscada em certos modelos de conduta na vida erótica ou em
estereótipos constantemente repetidos, frutos da disposição inata e das experiências dos primeiros
anos de vida.
No mesmo ano, Freud publicou “Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise”
(1912/1996b), em que apresentou advertências técnicas oriundas de sua experiência com o
objetivo de poupar os médicos que exerciam a psicanálise de esforços desnecessários e de
resguardá-los. Para isso, de forma sucinta, tocou em diversos pontos passíveis de se tornarem
impasses, tais como o receio de se esquecer dos detalhes que cada paciente comunica no decurso
de meses e anos de tratamento, assim como a atitude do analista de tomar notas durante a
sessão. Nesse artigo, além de buscar apaziguar essas preocupações, uma vez que esse dispêndio
de energia apenas prejudicaria a regra fundamental para o analista, a saber, a contrapartida à
associação livre do paciente, a atenção uniformemente suspensa, ele também sublinhou a
importância da abstinência do analista em relação a suas questões e preconceitos como via de
primar para que o espaço analítico permita o destaque da fala e dos pontos de impasse do
analisando.
Para finalizar, vale lembrar que, ao sugerir o uso do divã no encontro com o analista,
Freud concebe quão importante é retirar o corpo da cena visual, seja o do analista seja o do
analisando, permitindo ao último falar mais livremente. Liberto das expressões do analista, o
analisando perde do campo visual, o que serviria como referência para sua fala; como
consequência dessa perda, o objeto voz ganha outro estatuto. Sem entrarmos na importante
problematização da função e do uso do divã, (Quinet, 2002), destacamos que, com essa sugestão,
Sigmund Freud ressalta que a presença do corpo, ou sua ausência, no encontro analítico, traz
consequências para o próprio processo. Essa discussão permeia também a atualidade dos
atendimentos on-line.
Quais seriam as consequências dessa retirada dos corpos, antes materialmente presentes,
para os atendimentos? E em relação à regra básica – associação livre e atenção flutuante –,
estamos sofrendo interferências em relação à dinâmica transferencial?
A presença do analista
No Seminário 11, ao abordar a transferência como um dos conceitos fundamentais,
Lacan usa uma expressão que nos foi cara na construção deste artigo: a presença do analista. No
referido seminário, Lacan define o conceito de transferência como determinado pela função que
tem numa práxis: o modo de tratar os pacientes comanda o conceito de transferência (Lacan,
1964/1998b, p. 120).
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Com o objetivo de recolher de um grupo de analistas suas impressões sobre este tempo
de atendimento on-line que ilustram, a partir da prática clínica, os impasses e questionamentos
propostos por este artigo, foi-lhes enviado um formulário com perguntas sobre o atendimento on-
line e um campo aberto para as respostas. Das mais de quarenta respostas recebidas, destacamos
alguns pontos que nos chamaram a atenção, seja pela repetição dos mesmos, seja pela sua
importância para as discussões quanto à técnica psicanalítica.
Em relação à primeira pergunta – O que mais lhe estranhou em relação aos
atendimentos on-line? –, ressalta-se a presença do cansaço nas respostas, relacionado à
necessidade de sustentar o olhar na tela, além da dificuldade de se fazer presente na escuta.
Muitos disseram que o corpo do analista é “exigido” de uma forma diferente, com a necessidade
de intervenções mais precisas (pontuações e silêncios) para que o atendimento não vire um bate-
papo e os efeitos clínicos apareçam. Tão presente quanto o cansaço foi a surpresa com a
receptividade dos pacientes, bem como a sensação de certa intimidade criada com os mesmos (o
que nos faz pensar no fato de ambos estarem submetidos ao real da pandemia).
À segunda pergunta ao analista – Como tem sido essa experiência? –, sobressaíram
respostas como cansaço, surpresa, constatação de perdas, pedido de invenção, impulso para o
estudo e a formação.
Quanto à terceira pergunta – Houve alguma situação que lhe chamou atenção e que
poderia ser creditada ao fato de o atendimento estar acontecendo on-line? –, vale destacar nos
depoimentos o aumento dos sonhos e da necessidade de falar deles, a mudança na posição
subjetiva indicando a mudança para o divã, a desatenção dos analistas – atenção flutuante (?) – e
dos próprios pacientes, as interferências de outros sons (interfone, voz de familiar, telefone que
toca) na fala dos pacientes. Em relação ao atendimento clínico com criança e adolescente, muitos
destacaram que esse formato tem permitido que o analisando fale mais, talvez, inclusive, pela falta
do corpo (do próprio sujeito e do analista) ali presente. Outros destacaram que o lugar da criança
se desvela para os pais.
À quarta pergunta – Em que pontos você percebe uma diferença em relação ao
atendimento presencial? –, percebemos maior facilidade para verbalizar, de forma que alguns
apontaram afrouxamento do recalque, produção maior de sonhos, diminuição das faltas, silêncios
mais curtos, alteração no tempo das pausas entre as falas.
À quinta pergunta – O uso da imagem ou da voz implica alguma diferença? –, a resposta
foi afirmativa para todos. Foi destacado que os pacientes pediam a imagem do analista como uma
espécie de testemunho do que ocorre no processo analítico. Já os pacientes de divã preferiam as
sessões por ligação telefônica. Questões que surgiram: muitos evidenciaram receio quanto à
distração por parte dos pacientes durante o atendimento (associação livre) além de dificuldade em
usar só a voz: ”A voz perde um pouco sua potência de intervenção sem o suporte do corpo
enquanto encontro real?”; “A imagem recortada ganha maior evidência?”. Entendemos que o
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pedido pela presença ou não da imagem, bem como a modulação da voz, sejam instrumentos que
permitem ouvir o singular de cada caso, não só transferencialmente, mas também a relação do
paciente com o próprio corpo.
A respeito do atendimento infantil, investigamos se o analista percebeu alguma diferença
quanto ao atendimento on-line. Ganhou destaque a dificuldade em relação à privacidade da
criança e à maior necessidade de manejo com os pais. Muitas crianças conseguem transpor o
brincar para os encontros virtuais, tornando possível a análise. Foi citada maior ludicidade nos
atendimentos: o paciente pega o celular com a imagem da analista e brinca com ele, faz a imagem
voar, coloca-o em um lugar alto, direciona a visão da analista para onde acha interessante; ou não
permite que ele veja ou ouça, desligando a câmera ou o áudio. Uma analista relatou que,
inicialmente, optou por não atender às crianças on-line. Com o tempo, recebeu mensagens de voz
das crianças pedindo pelo retorno do “nosso horário” por chamadas de vídeo. Dessa forma,
chegaram por demanda própria, formulada por elas, não mais pelos pais, o que também gerou um
impacto positivo no tratamento.
Corpo vivo
Atendendo a um pedido de uma paciente de realizar um atendimento presencial, esta
autora sente os efeitos de uma estranheza, do infamiliar. No entanto, seguindo Freud, a autora sai
da terceira pessoa e faz o relato em primeira.
Após cinco meses de atendimentos exclusivamente on-line, tive a experiência de atender
a uma paciente presencialmente. Não sem me estranhar, não sem me surpreender: tive a
sensação de estar diante de muitos corpos, ou diante de muito do corpo. Apesar de a paciente
estar há alguns anos no divã, ela pediu para, naquele dia, sentar-se de frente. O que não vejo
motivo para não acolher. Não sem questionamento… Pensei: esse longo tempo de atendimento
on-line, em que usamos apenas a voz, trará alguma consequência ao uso do divã? Seria esse
movimento de busca do olhar da analista uma tentativa de compensar, recuperar algo do objeto
olhar?
Ela me olha nos olhos e começa a falar. Há um certo desconforto. Ela olha minha boca,
minhas expressões. Estava sem máscara. Isso tem efeito sobre ela. Meu corpo na cena diante do
dela gera efeitos. Estranho o tempo das intervenções: parece um pouco mais lento. Retomando a
definição do inconsciente, de Lacan, de que o inconsciente é uma borda que se abre e que se
fecha, destacamos a indissociabilidade entre inconsciente e corpo. Sendo assim, cabe indagarmos:
a presença dos corpos na sessão permitiria um outro tempo para a abertura e o fechamento do
inconsciente? A presença dos corpos permitiria um movimento pulsional específico, um circuito
pulsional, não sem perdas?
Finalizo esse artigo com essas perguntas que restam, até o momento, de toda esta
experiência. Resta também o entusiasmo dos efeitos desta aposta que permitiu – e tem permitido
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Citação/Citation: N. Silva Coppus, A. (nov. 2019 a abr. 2020). Você vai voltar ao consultório?
Psicanálise e atendimento on-line. Revista aSEPHallus de Orientação Lacaniana, 15(29), 129-139.
Disponível em www.isepol.com/asephallus. Doi: 10.17852/1809-709x.2020v15n29p129-139
Editor do artigo: Tania Coelho dos Santos.
Recebido/Received: 10/03/2019 / 03/10/2019.
Aceito/Accepted: 10/20/2019 / 20/10/2019.
Copyright: © 2019 Associação Núcleo Sephora de Pesquisa sobre o moderno e o contemporâneo. Este é
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