Wachler Autoridade Das Escrituras

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A Autoridade das Sagradas Escrituras


Gottfried Wachler

Traduzido ao Inglês por †H.J.A. Bouman


Traduzido do Inglês ao Português por M.A. Swedberg*

Em nenhum outro lugar a igreja tem sido definida mais simples e apropriadamente do que nas palavras
de Lutero nos Artigos de Smalcald: "Graças a Deus uma criança de sete anos sabe o que é a igreja, a saber, crentes
santos e ovelhas que ouvem a voz do seu Pastor."1
Uma investigação desta definição logo esclarece a importância singular da voz do Bom Pastor para a
igreja. Somente esta voz salva os seres humanos, vagueando e perdidos, chamando-os ao Pastor e ao Seu
rebanho e mantendo-os na comunhão dEle. Não precisamos explicar mais profundamente que as pessoas se-
guirão a Palavra de Cristo com confiança somente se é para elas a única e suprema autoridade. Se a igreja hoje
não tem uma palavra a qual pertence esta autoridade final, ela é como um rebanho sem pastor. Se a igreja é
obrigada a depender das opiniões difusas de teólogos eruditos e professores do método histórico-crítico para
determinar o que nas Escrituras presumivelmente é genuíno ou espúrio, relatório de confiança ou distorção
lendária, testemunho produzido pelo Espírito Santo ou influência de religiões e filosofias pagãs, etc., então a
Palavra do Deus e Salvador dela não mais possui a autoridade final. Ela tem passada para homens que, porém,
nunca podem ter a autoridade final já que a pesquisa histórica nunca pode ir além do "presumivelmente". Além
do mais, a informação que Deus poderia comunicar por meio de um testemunho corrompido por ideias
primitivas e errôneas, por filosofias, lendas, mitos, e apocalíptica judaica não presta assistência nenhuma. Pois,
se aquilo que nosso Deus tem a nos falar não segue das palavras e do contexto da Palavra Escriturada, e se Deus
em lugar nenhum nos fala onde a verdade começa e a distorção acaba, todos podem ouvir ou imaginar o que eles
bem quiserem. Quem terá a audácia de ainda chamar isto de "Palavra de Deus"? Se nós pregadores temos uma
consciência, não podemos fugir da questão concernente à autoridade das Sagradas Escrituras.

As Próprias Escrituras Sagradas Demonstram a Sua Autoridade Divina

Auto-Autenticação
A autoridade divina da Bíblia não pode ser provada para alguém de fora, seja pela a idade dela, a extensão
dela, a confirmação dos contos dela por meio de escavações e coisas parecidas, ou por meio de provas racionais.
De fato é uma tarefa apologética (que não é sem importância) para refutar os argumentos contra a verdade das
Escrituras, especialmente na área de história, por meio de contra-argumentos. Porém, deste modo só se
demonstra que são críveis humanamente, mas não que são a Palavra de Deus. Um incrédulo também não será
movido a reconhecer a autoridade divina das Escrituras baseado naquilo que as Escrituras dizem a seu próprio
respeito, isto é, por meio da doutrina de sua inspiração e caráter divino. Ele não aceitará afirmações das
Escrituras como provas, já que ele primeiro quer prova que as Escrituras são a verdade. Porém, quando o
Espírito Santo abre o coração humano por meio daquilo que as Escrituras lhe falam na lei e no evangelho, as
Escrituras se autenticam como sendo a Palavra de Deus àquela pessoa. A Palavra Escriturada de Deus opera no
homem como um fogo, um martelo, uma espada (Hb 4:12; Jr 23:29). Mas alguém que tem conhecido o efeito de
um martelo e de uma espada não precisa de mais provas de que o martelo é um martelo e de que a espada é uma
espada.
Como todos que desejam fazer a vontade de Deus saberão, segundo a promessa de Cristo, se o
ensinamento é de Deus ou se Cristo está falando com Sua própria autoridade (Jo 7:17), assim também a pregação
dos apóstolos dEle não são em palavras plausíveis de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder

*
Este artigo por Dr. Gottfried Wachler no alemão original e a sua tradução inglesa foi originalmente publicado em duas partes
no Evangelium/Gospel 9(1982):7-23, 38-56. O autor, Dr. Gottfried Wachler, é Presidente do Seminário Teológico em Leipzig,
Alemanha Oriental. O tradutor, Dr. Herbert J. A. Bouman, foi professor no Concordia Seminary, St. Louis, de 1954-1974. O
tradutor do Inglês ao Português, Mark A. Swedberg, é professor e diretor do Instituto Batista Boas Novas, São José do Rio Preto,
SP.
2
(1Co 2:4). E isto se aplica tanto à palavra escrita dos apóstolos quanto à dos profetas. O próprio Cristo disse que
nem a palavra de um que ressuscitou dentre os mortes e milagrosamente apareceu entre os vivos como prova
da veracidade das suas palavras pode produzir arrependimento e salvar alguém do destino do homem rico;
somente os escritos de Moisés e dos profetas—sem provas, simplesmente por meio do seu conteúdo—podem
fazer isso (Lc 16:27ss). Provas externas compelem reconhecimento, mas compulsão não produz nem arrepen-
dimento nem confiança. Nos dias depois dos profetas somente os escritos proféticos, o Antigo Testamento, têm
o poder de efetuar ambos—simplesmente por meio de seu conteúdo, isto é, pela lei que convence do pecado e
pelo evangelho da graça de Deus no Messias prometido, a mensagem que examina o coração e a consciência
(2Tm 3:15ss). E a igreja dos tempos pós-apostólicos está presa aos escritos dos apóstolos ao lado do Antigo
Testamento, escritos que foram redigidos com o propósito de fazer homens felizes e confiantes por meio da fé
no Redentor que veio, foi crucificado, ressuscitou e que voltará (Jo 20:31; Fp 3:1; Jo 17:20).
Os apóstolos não realizaram isto tentando primeiramente provar a autoridade divina e a veracidade dos
seus escritos.
Qualquer um que percebe nas Escrituras a espada ameaçadora e punitiva de Deus, como fez Lutero, ou o
'trovão de Moisés' conhece a convicção terrível e indiscutível de que Deus está aqui falando. E ainda, àquele,
como a Lutero na sua 'experiência na torre', a quem as Escrituras se tornam a corda de socorro salvador,
guardando-o de cair no abismo de desespero, sabe também com uma segurança absoluta de fé que é o
próprio Deus que está aqui o sustentando. Cada forma de dúvida seria aqui um absurdo. Sua manifestação
seria imediata: como hybris quanto à Lei; como desperatio quanto ao Evangelho.2
Os velhos dogmatistas Luteranos chamavam este fato da autopistia ou auctoritas causativa das Escrituras que é
produzido pelo testemunho interno do Espírito Santo. Com referências copiosas às fontes, Echternach tem
demonstrado de uma maneira convincente que o ensinamento da ortodoxia luterana concernente à auto-
autenticação das Escrituras invalida o criticismo de que ela se esforçou para fazer a autoridade das Escrituras
aceitável ao raciocínio por meio de sua doutrina de inspiração. Echternach escreve: "Este novo tratamento da
autopistia assim acrescenta clareza à doutrina tradicional de inspiração, pois retira dela um desentendimento
que tem sido ligado com ela desde os dias mais antigos do Racionalismo e que tem vez após vez levantado o
criticismo de que a doutrina da inspiração foi desenhada como um argumento para provar a autoridade,
infabilidade e divindade das Escrituras".3

A Auto-Autenticação e a Alegação Autoritária das Escrituras Inteiras


Nem todas as afirmações das Escrituras demonstram em um lance sua veracidade, poder e autoridade
divina para os nossos corações. Em relação a algumas afirmações, talvez a alguns trechos inteiros das Escrituras,
certamente não sentimos, nesta vida, o testemunho interno do Espírito Santo. Isto significa que só aquelas partes
e palavras das Escrituras que tem me comovido no meu íntimo são a Palavra de Deus? Isto significaria que a
qualquer momento porções diferentes da Bíblia seriam autoritárias para cada cristão, mas que uma Palavra de
Deus válida objetivamente não existiria para a igreja. Os fatos da experiência já contradizem esta opinião.
Internamente, o Livro dos livros tem demonstrado sua divindade para indivíduos em lugares bem diferentes
uns dos outros; este Livro tem provado seu poder divino em grande parte do seu conteúdo a cada indivíduo só
gradualmente em situações específicas da vida, e cristãos de todas as épocas tem tido experiências com a Bíblia
inteira. Eu não poderia passar por cima deste fato mesmo se os escritos bíblicos não tivessem alegado terem
autoridade derradeiro como um todo—mesmo que fazem exatamente isso (como veremos mais tarde). Então,
é impossível que o crente faça suas experiências pessoais com passagens bíblicas normativos para o que é a
Palavra de Deus na Bíblia. Se, na minha experiência, uma palavra apostólica (não importa qual) tem se tornado
a palavra do próprio Cristo para mim, como poderia acusar sem razão aquele mesmo apóstolo de mentir
consciente ou inconscientemente quando ele alega ter autoridade divina para a sua inteira mensagem oral e
escrita? Se Jesus tem me tocado o coração através das Suas próprias palavras, como posso questionar o caráter
genuíno, veraz, e obrigatório dessas mesmas palavras que não me tocam pessoalmente tão diretamente hoje?
Quando a Sua Palavra tem me agarrado, como posso simplesmente ignorar o Seu testemunho a respeito da
autoridade do Velho Testamento? Nunca! A situação é, antes, assim: Se por fé eu vim a conhecer que em um
lugar a alegação das Escrituras proféticas e apostólicas é a verdade, isto confirma-me esta alegação na sua
totalidade e não somente em uma parte. Confiança não pode ser subdividida! Mesmo que os profetas e apóstolos
não provam a sua alegação, como indicamos acima, eles, todavia, apresentam-se com a alegação de estarem
falando a Palavra de seu Deus e Salvador. Se de início nós negamos esta alegação com referência a muitos de
3
suas palavras para permití-la posteriormente somente onde temos experimentado intimamente estas palavras
como a Palavra de Deus, privamo-nos de uma tesouraria de palavras úteis e guiadoras do nosso Deus: Palavras
que pedem simplesmente a serem cridos e seguidos com confiança naquele que os fala para nós. Bem que pode
acontecer nesta vida que não experimentaremos sua verdade nem interna nem externamente. E se, na hora de
provação, quando as águas chegam até aos nossos pescoços, nós queremos testar a confiança desta ou aquela
palavra, já temos sucumbidos. Naquela hora somente aquela Palavra que se oferece como um suporte infalível
e virtualmente nos desafia a confiar nela pela promessa, "Assim diz o Senhor", é capaz de reacender a fé.

As Próprias Sagradas Escrituras Testificam a Respeito da Sua Autoridade Divina


Eu sei, é claro, mesmo sem a lembrança de Willy Marxsen, que este cabeçalho é um resumo simplificador.
Ele será agora desembrulhado em detalhes.

Jesus Testifica a Respeito da Autoridade Divina do


Velho Testamento
Poderíamos também mostrar como os profetas do Velho Testamento, no sentido mais estreito e mais
amplo, levantam as suas vozes: "Escutai a Palavra do Senhor! Assim diz o Senhor!" Poderíamos mostrar como
recebem o mandamento de Deus de escrever a Lei de Deus, Suas obras, promessas, e ameaças para gerações
futuras; como exigem confiança e obediência incondicional quanto a esta Palavra; e como o desprezá-la chama
a ira de Deus. Quando todos estes itens são montados como um mosaico, eles produzem um grande auto-
atestação do Velho Testamento. Mas a objeção é colocada disto ainda não ser uma testemunha ininterrupta da
autoridade divina do inteiro Velho Testamento. Este ponto é indigno de ser discutido pois temos um testemunho
maior para o Velho Testamento, a saber, o testemunho do Filho de Deus. Quanto a Ele, uma objeção é impossível
pois Ele testifica do Velho Testamento inteiro, referindo-se ao seu cânon fechado em três partes (Lc 24:44ss); e
Ele—como faz Lucas aqui—chama-o pelo termo estabelecido "as Escrituras". Ele conhece completamente estas
Escrituras do Velho Testamento e os tem em vista constantemente. Por isso, pode sempre utilizar o tesouro do
Velho Testamento. Quando Ele o cita nos Seus sermões, Ele sempre o faz como a Palavra autoritária que é
incondicionalmente válido e que confirma os Seus ensinamentos, advertências e consolo. Na controvérsia é para
Ele o tribunal de derradeiro apelo que decide a respeito de verdade e erro porque é a Palavra de Deus. Ele diz
aos saduceus: "Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus. . . . Não tendes lido o que Deus vos
declarou?" (Mt 22:29ss). Um pouco mais tarde Ele mostra aos fariseus que o seu ensinamento parcial da
descendência davídica do Messias era falso citando-lhes Salmo 110. Ao diabo Ele lança este triplo "está escrito";
pois então não é mais filosofia ou fantasia humana, mas é uma questão da autoridade divina perante a qual até
Satanás tem de aquiescer (Mt 4:1ss). Quando o Pai leva o nosso Senhor para a escuridão cada vez maior, a
Escritura é a luz para o Seu caminho. Ela aponta-lhe a saída; e Ele, o Filho de Deus, não oferece nenhuma correção
por meio de argumentos histórico-críticos ou racionais de outro tipo, mas simplesmente submete-se a esta
autoridade. Se está escrito, "Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho ficarão dispersas", acontecerá. Então os
discípulos serão ofendidos nele e fugirão. Depois, Ele terá como inimigos não somente o Diabo e homens odiosos,
mas o Seu próprio Pai. Isto o causa a tremer e orar para uma maneira de escape (Mt 26:31-39). Já que Isaías
tinha profetizado, "Foi contado com os transgressores", era certo para Jesus sem nenhuma dúvida "que importa
que se cumpra em mim o que está escrito . . ." (Lc 22:37). Mas, por que tinha de ser cumprida? Por que o Filho
de Deus se submete à Escritura escrito por homens, mesmo que em outras ocasiões Ele rejeita a autoridade
reivindicada por todas as doutrinas de homens e todos os preceitos dos anciões (Mt 15:1-9)? Porque a Escritura
é a Palavra de Seu Pai. Não pode existir outra explicação! Ele considera como Palavra de Deus não somente as
palavras explícitas de Deus no Velho Testamento, como na Sua afirmação quanto à Palavra a Moisés, "Eu sou o
Deus de Abraão, Isaque, e Jacó" e quanto ao Decálogo (Mt 5:3ss; 22:31), mas também uma palavra de Isaías como
aquela citado acima. Em exatamente a mesma maneira Ele designe a palavra de Moisés, "Por esta causa deixará
o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, como falou Deus [sic]" (Mt 19:4ss), e tudo o que foi escrito a Seu
respeito na Lei de Moisés, nos Salmos, e nos Profetas, e, portanto, terão de ser cumpridos (Lc 24:44). De fato, a
Escritura inteira do Velho Testamento são para Ele a palavra autoritária de Deus. Ele nunca diz: este faz parte
do centro ou âmago das Escrituras e não pode ser cedido, mas simplesmente, "Está escrito". Por isso pode
também fazer a afirmação redonda: "A Escritura não pode ser quebrada ou dissolvida"—nem em uma só palavra
(Jo 10:35), nem em uma iota da lei (Mt 5:17ss).
Às questões se Jesus poderia ter considerado o Velho Testamento inteiro como autoridade divina por
4
inocência ou ignorância dos métodos histórico-críticos, ou se talvez acomodou-se à fé primitiva dos judeus nas
Escrituras, ou se as afirmações de Jesus apelando ao Velho Testamento possivelmente não são genuínas—eu
respondo com um franco, "Não". Para não interromper o contexto a esta altura, eu documentarei este não de
uma forma breve e temática num excurso no final.

Os Apóstolos Testificam a Respeito da Autoridade Divina do Velho Testamento


A autoridade singular com a qual é constituída o Velho Testamento inteiro para os apóstolos é
demonstrado especialmente pelo fato deles basearem seu ensinamento nele e constantemente recorrerem a ele
para evidência. Os exemplos na carta aos Romanos por si mesmos deixam isto bem claro!
Para provar que ninguém é justificado por obras, já que todos são pecadores, Paulo não utiliza a
experiência geral mas as Escrituras do Velho Testamento—"como está escrito"—e daí cita um número de
passagens (3:10ss). O seu ensinamento sobre o pecado original é também baseado no Velho Testamento. Para
ele, a queda ao pecado, como escrito, é um fato: "Assim como por um só homem entrou o pecado no mundo . . ."
(5:12ss). Aplicável em todas as épocas é a afirmação que "aquele que por fé é justo, viverá," "como está escrito"
(1:17). Esta justiça de fé é atestada na Lei e nos profetas (3:21). Por isso ele pergunta repetidamente, "Que diz a
Escritura?" (4:3). A Escritura diz que a fé de Abraão foi imputado a ele e a todos os seus descendentes pela fé
como justiça (4:16, 22)—"como está escrito" (4:17). Ninguém tem o direito inerente de ser semente de Abraão,
mas é graça gratuita—"como está escrito" (9:13, 15, 17). E assim segue pelo resto da carta. Então para Paulo,
"Deus diz" e "a Escritura diz" significam a mesma coisa (9:15, 17). Todos os escritos do Novo Testamento
atestam à mesma coisa com "para que possa ser cumprido o que o Senhor falou por meio do profeta" nos
evangelhos, e com a prova da Escritura em Atos e nas epístolas.

O Testemunho de Jesus e o Auto-Testemunho dos Apóstolos Concernente à Autoridade Divina da


Proclamação Apostólica Oral e Escrita
Em quase todas as cartas do Novo Testamento o autor não somente dá o seu nome mas também se
chama de um apóstolo de Jesus Cristo: assim fez Paulo na maioria das suas cartas, Pedro em ambas das suas
cartas, e João indiretamente em 1Jo 1:1ss, onde ele se identifica como um que tem visto, ouvido, e apalpado o
Senhor. Além do mais, Paulo enfatiza várias vezes que ele foi chamado para ser apóstolo pela vontade de Deus
(1Co e 2Co 1; Ef 1, etc.) ou pelo mandato de Deus nosso Salvador (1Tm 1), e não de homens ou por homens (Gl
1). Como um mensageiro imediatamente chamado, enviado e capacitado por Cristo, ele alega ter autoridade
incondicional para a Palavra que lhe foi dada. Ele expressamente considera a instrução dele (1Co 11:17) como
mandamentos no nome de Cristo que pedem obediência. "Se alguém se considera profeta, ou espiritual,
reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo. E se alguém o ignorar, será ignorado" (1Co 14:37ss;
veja 2Co 2:9; Fp 2:12). "Nós vos ordenamos, irmãos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo
irmão que ande desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebestes. . . . A elas, porém, determi-
namos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo. . . . Caso alguém não preste obediência à nossa palavra dada por esta
epístola, notai-o; nem vos associeis com ele" (2Ts 3:6-14). Aqui Paulo obviamente não definiria sua "palavra" no
sentido mais estreito de um mandamento somente. Ele claramente diz em 1 Tessalonicenses 2:13 não somente
que os mandamentos dele são os mandamentos de Deus, mas que toda a pregação dele é a Palavra de Deus e
assim—em contraste com todas as palavras de homens—são a autoridade final: "Outra razão ainda temos nós
para, incessantemente, dar graças a Deus: é que, tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus,
acolhestes não como palavra de homens e sim como, em verdade é, a palavra de Deus. . . ."
Pedro diz a mesma coisa em relação à palavra de todos os apóstolos, mencionando-os no mesmo instante
em que ele menciona os profetas do Velho Testamento, e ele exorta o cristãos "para que vos recordeis das
palavras que, anteriormente, foram ditas pelos santos profetas, bem como do mandamento do Senhor e Salva-
dor, ensinado pelos vossos apóstolos" (2Pe 3:2). No comentário Zahn, Wohlenberg escreve que o texto trata da
pregação salvadora dos apóstolos, que é a Palavra do Senhor exaltado e que está dirigida no imperativo à cons-
ciência. Aqui Paulo e Pedro asseveram nem mais nem menos do que o próprio Cristo afirma sobre a palavra dita
pelos mensageiros a quem Ele tem diretamente autorizado: "Quem vos der ouvidos ouve-me a mim; e quem vos
rejeitar a mim me rejeita; quem, porém, me rejeitar . . ." (Lc 10:16). O que foi aqui dito aos setenta discípulos
para a tarefa limitada deles se aplicou também, em primeiro lugar, aos doze para a comissão deles que era
limitada geográfica e temporalmente. Conseqüentemente, uma cidade que recusava a ouvir a pregação deles
recebia a mesma condenação que Cafarnaum, que desprezou o próprio Senhor (Mt 10:15). Mas isto se aplicou
5
também à comissão universal e igualmente imediata dada aos onze e a Paulo (Jo 20:21; Mt 28:16ss; At 26:16).
É somente esta certeza de que a palavra dele é a Palavra de Deus que pode mover o apóstolo a reivindicar
a obediência de fé (Rm 1:5) e de ação para a proclamação dele, mesmo que ele deseja ser apenas o servo das
igrejas e não o senhor sobre a fé deles (1Co 3:5; 2Co 1:24). Somente por esta razão o evangelho possui, da forma
que ele o proclamou, autoridade tal que ele pode anatematizar todos que proclamam-no de forma diferente,
mesmo se este for um anjo (Gl 1:8ss). Somente por esta razão ele pode até declarar a revogação de leis cerimo-
niais divinas do Velho Testamento (Cl 2:16). Somente por esta razão ele pode repetidamente exortar as igrejas
a se manterem conscientemente fieis à doutrina proclamada por ele; e ele não faz nenhuma distinção entre
proclamação oral ou escrita. (Veja, por exemplo 2Ts 2:15: "Assim, pois, irmãos, permanecei firmes e guardai as
tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa.") Somente por esta razão Pedro
pode dizer que os ignorantes e instáveis torcem o conteúdo de todas as cartas de Paulo e de outros escritos para
a própria destruição deles (2Pe 3:16). É notável que nesta passagem Pedro não denomina as cartas de Paulo
'trabalho de equipe', mas 'cartas de Paulo'. Mesmo quando Paulo alista outros como co-escritores de uma carta,
ele sempre si menciona primeiro, fazendo um apelo ao seu ofício de apóstolo. Então, mesmo quando ele
freqüentemente fala na primeira pessoa plural e diz, por exemplo, na passagem citada acima: "Permanecei
firmes e guardai as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa", ele está de fato
pensando no ensino dele, que os colaboradores dele pregam de forma não diferente dele que recebeu sua
comissão e seu conteúdo diretamente do Senhor. Por esta razão ele pode mudar rapidamente do "nós" de
Gálatas 1:8ss ao "eu" de 1:10ss. (Compare 1Co 2:9ss, "Deus no-lo revelou" com Ef 3:3, "segundo uma revelação,
me foi dado conhecer o mistério". Igualmente Gl 1:12.)
Esta passagem também indica claramente que já naquela época existia uma coleção das cartas e outros
escritos de Paulo, aos quais Pedro atribuiu autoridade suprema. Quanto às questões do cânone, precisamos
olhar ao testemunho da igreja antiga. Conforme todas as fontes sobreviventes, há testemunho unânime que pelo
menos, e sem qualquer dúvida, a Homologóumena foi escrita, ou pelos próprios apóstolos, ou na mais estreita
conexão com os apóstolos. Então Marcos é chamado do "hermeneuta" ou transmissor da pregação missionária
de Pedro. É dito que ele transcreveu exatamente tudo que Pedro proclamou, porém não em ordem cronológica
(Papias). Isto se harmoniza com a referência de Pedro a Marcos como sendo filho dele (1Pe 5:13) e à promessa
dele: "Esforçar-me-ei, diligentemente, por fazer que, a todo tempo, mesmo depois da minha partida, conserveis
lembrança de tudo" (2Pe 1:15). Orígenes denomina o Evangelho de Lucas "o Evangelho elogiado por Paulo". Já
que Lucas freqüentemente acompanhou o apóstolo Paulo e também estava com ele durante o aprisionamento
dele em Roma (2Tm 4:11; At 28), esta tradição é altamente provável. O próprio Lucas apela à tradição (para-
dosis) fundamental dos apóstolos quando ele fala daqueles "que desde o princípio foram deles testemunhas
oculares e ministros da palavra" (Lc 1:2).
A igreja antiga, que era muito cautelosa nestas questões, deveria ter tido razões muito poderosas para
estabelecer a plena autoridade apostólica destes dois evangelhos. Elert escreve:
A partir instante do nascimento dela, a igreja estava sob a autoridade dos apóstolos que tinham se tornados
instrumentos do Paracleto. Nunca houve uma igreja que era independente dela e, assim, que poderia ou
deveria ter chegada a uma conclusão acerca da autoridade do testemunho apostólico, tanto oral quanto
escrito. Assim, a única questão que permanece é, se na limitação definitiva subseqüente do cânone, a
autoridade do Novo Testamento se tornou dependente de guarantias 'eclesiásticas'. Respondemos, em
primeiro lugar, que esta limitação definitiva foi feita num tempo em que a igreja em todas as partes dela já
tinha reconhecido há muito a dependência dela no testemunho apostólico; segundo, quando em todas as
suas controvérsias doutrinárias seguiu o testemunho desta autoridade na prática. Terceiro, e mais impor-
tante, o cânone foi limitado em conexão somente com uma decisão a respeito da Antilegômina, assim
chamada. . . . Com respeito à Homologóumena o sínodo não poderia resolver mais a questão, já que era
pressuposto tanto por ele quanto por Atanasiano.4
É claro que não se pode provar que a Homologóumena é apostólica, dada à igreja pelos próprios
apóstolos, como disse Atanasiano.5 Mas para alguém que através da palavra dos apóstolos veio a confiar em
Jesus Cristo, que orou em favor daqueles que até o fim do tempo creriam através da palavra dos apóstolos—
para alguém assim é impossível ao mesmo tempo pressupor que a Palavra dos apóstolos não pode mais ser
encontrada em lugar algum com confiança. Neste caso, a mensagem pura de Jesus em Palavra e em ação também
não poderia mais ser descoberta com confiança. Teríamos, então, um Pastor em quem, infelizmente, não
podemos mais confiar e a quem não podemos mais seguir em tudo, já que, em conseqüência de distorções
6
posteriores, não podemos mais ter certeza que estamos ouvindo a voz dele. Para o crente, para Quem se ouve o
Novo Testamento enquanto se reflete na fonte e na norma da fé, tal pressuposto é impossível. Pelo contrário, o
testemunho unânime da igreja apostólica antiga em favor da Homologóumena—e, medida por esta norma,
também a Antilegômina contendo a mensagem apostólica—é para o crente a confissão externa necessária que
é selada pelo testemunho interno do Espírito Santo. Pela atividade de estampar a mensagem do Novo
Testamento como Palavra de Deus no coração, o Espírito Santo ao mesmo tempo corrobora tanto a reivindicação
dos autores de ser testemunhos oculares e auditivos e apóstolos de Cristo quanto o reconhecimento dos escritos
deles pela igreja antiga. É simplesmente impossível pressupor que, por dois mil anos, o Espírito Santo tem
tomado o partido de mentirosos que pretenderam ser testemunhos auditivos e apóstolos diretamente
chamados por Cristo quando não eram e cuja palavra foi erradamente reconhecida como autoridade pela igreja
antiga. Isto seria dano irreparável. Aqui também se aplica o que Elert diz com relação a outra coisa: "Toda
conclusão ou conexão falsa subseqüente . . . pode ser retificada—mas nunca a primeira."6

As Próprias Sagradas Escrituras Comprovam a Sua Autoridade Divina

Ela Apela a Revelação Direta


Freqüentemente se diz que é racionalístico comprovar a autoridade da Escritura ou por meio da
qualidade revelatória dela ou por meio da inspiração dela. Mas esta afirmação ignora 1) que é uma coisa quando
tento comprovar um milagre bíblico por meio de um hipótese pessoal meu e outra quando a Bíblia comprova
um milagre por meio de um outro milagre, e 2) é uma coisa provar algo para a razão e outra comprovar algo
para fé. Quando a Bíblia comprova o milagre da nossa reconciliação e redenção por meio daquele outro milagre,
isto é, que o Filho de Deus se tornou homem para nós, morreu e ressuscitou, isso não é nem speculação humana
nem prova racional. Deus poderia, é claro, simplesmente ter nos informado: "Vocês foram redimidos! Não
perguntem como nem por quê!" Mas podemos somente estar agradecidos a Ele que Ele nos disse mais. Aqui é a
mesma coisa. O grande milagre que a palavra profética e apostólica é a Palavra de Deus é comprovado na própria
Escritura por dois milagres. O próprio Deus sabe melhor por que Ele providenciou esta comprovação dupla.
Conseqüentemente não devemos ignorá-la, mas obedecê-la agradecidos. Parece muito piedoso dizer que fé não
precisa de confirmação do caráter divino da Escritura, mas normalmente esta faixada piedosa esconde uma
rejeição da divindade plena da Escritura. Desta perspectiva, as mesmas pessoas que rejeitam uma confirmação
bíblica têm uma para o seu ponto de vista. Por exemplo: Num certo sentido poderíamos denominar a Bíblia de
Palavra de Deus, porque em certas circunstâncias poderíamos ouvir Deus—falando a nós pela fé—testemunhar
de Israel e da igreja primitiva. É claro que não estamos presos aos conceitos de fé daqueles dias, nem devemos
esperar receber um registro histórico de confiança a partir de testemunhos de fé que são, afinal, tendenciosos.
Esta é uma razão pela qual a Bíblia é ou é denominada de Palavra de Deus—mas é uma razão falsa porque não
cogita "das coisas de Deus e sim das dos homens" (Mt 16:28). Além do mais, não é nem lógico. Um testemunho
de fé certamente pode oferecer uma descrição apta de fatos históricos e da natureza. Quando, por exemplo,
alguém descreve flores, animais, ou constelações e exalta-os como maravilhas de Deus nas quais o Criador Se
revela no Seu poder e na Sua sabedoria, o fato que isto é um testemunho de fé não prova que flores, animais e
constelações não existem, nem que a descrição destas coisas não é acurado.
De qualquer maneira, nos escritos bíblicos a reivindicação de proclamar a Palavra de Deus não é baseada
na idéia que pessoas pela fé tendenciosamente limitaram ou até inventaram eventos históricos, mas na idéia que
Deus realmente Se revelou por meio de eventos e palavras reais. Sobre as obras de Deus em prol do povo dEle,
Isaías diz: "O SENHOR desnudou o seu santo braço" (52:10). E com respeito às obras miraculosas praticadas pelo
Filho de Deus, a afirmação no final da história do casamento em Caná—"[Ele] manifestou a sua glória" (Jo
2:11)"—se aplica em todo lugar. É claro que precisamos admitir que a atividade de Deus na história é ambígua,
como também é para o crente. As obras de Deus na história não são principalmente revelação, mas são obras
que efetuam bênção ou ruína. A fé freqüentemente interpretaria mal estas obras se o próprio Deus não tivesse
revelado o significado delas e, assim, transformado-as em revelação reconhecível. Deus tem falado, nem sempre
e nem para todos, mas em tempos diversos e de maneiras diversas—às vezes no coração do profeta. Na minha
opinião, é isto que Pedro estava indicando quando ele diz, sobre os profetas, que eles estavam "investigando,
atentamente, qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles
estava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os segui-
riam" (1Pe 1:11). Às vezes ouviram a voz de Deus de outras maneiras, mas sempre de uma maneira que podiam
reconhecê-la como algo que não vinha dos seus próprios desejos e fantasias, mas algo que vinha de fora, como a
7
Palavra divina (Jr 20:7-9). Deus falou a Moisés como um homem fala com o seu amigo (Êx 33:11). Inúmeras
vezes é afirmado no Velho Testamento: "O Senhor falou a . . ." ou "o Senhor falou com . . . e disse . . ." ou "o Senhor
veio a . . . ." No interesse de uma mera revelação de história, a teologia contemporânea mantém um silêncio quase
completo sobre este fato ou o ridiculariza. Assim, por exemplo, Gerhardt Ebeling escreve:
Se "palavra" é entendida exclusivamente como um palavra articulada acusticamente num idioma específico
e é tratada como um Super Ser celestial, então "Palavra de Deus" pode, de fato, ser entendido apenas num
modo de expressão figurativo ou simbólico. De outro modo surge a questão, debatida de forma séria
antigamente, sobre qual é o idioma de Deus, se é hebraico ou russo, como russos piedosos criam. Porém,
Deus não deve continuar a ser apresentado como um Super Ser, existindo em Si mesmo e sendo, assim, uma
parte da realidade cósmica.7
Desta forma, o Deus da Bíblia—e não há nenhum outro—é ridicularizado. Somente um que nega o Deus da Bíblia,
o Pai de Jesus Cristo, que é um "Super Ser", existindo em Si mesmo, isto é, um Ser ou Ego pessoal Supremo—
somente uma pessoa assim pode negar que Deus pode falar palavras e que Ele tem falado aos profetas. Para o
crente, porém, seria completamente absurdo transformar o Deus que criou a nossa boca, a nossa mente, e, então,
a nossa linguagem, num ídolo mudo dos pagãos (1Co 12:2). Deus tem falado. E esta Palavra é uma Palavra
reveladora. É uma auto-revelação do Ser divino, tanto quanto uma revelação da vontade do Governador e
Salvador, tanto quanto uma revelação sobre o mundo e os seres humanos, tanto quanto uma interpretação da
atividade divina na história e uma profecia de eventos futuros. Todos os profetas confirmam o que Isaías
também diz: "Mas o SENHOR dos Exércitos se declara aos meus ouvidos" (Is 22:14). Amós até chega ao ponto de
dizer: "Certamente, o SENHOR Deus não fará cousa alguma, sem primeiro revelar o seu segredo aos seus servos,
os profetas. . . . Falou o SENHOR Deus, quem não profetizará?" (3:7-8). Assim, a Palavra de Deus veio não somente
aos profetas no sentido mais estreito, mas também a outros, como, por exemplo, aos líderes de Israel como Josué
(1:1) ou os juízes (e.g. Jz 6:14).
No plenitude dos tempos Deus enviou Seu Filho. Ele é a Palavra e a revelação de Deus em pessoa, bem
como em toda atividade relacionada à pessoa dEle, em ação e em sofrimento, mas também e acima de tudo, nas
Palavras dEle. Isto é grandemente suprimido hoje em dia. Mas, Ele mesmo indica que as Palavras dEle fazem
parte da Sua obra redentora à qual o Pai o enviou ao mundo (Lc 4:18-21, 43; Jo 18:37). Através das Suas Palavras,
cheias do Espírito e de vida, majestade, sabedoria e poder, Ele não somente Se revelou como Filho de Deus (Jo
6:68ss), mas também revelou o Pai e os segredos do Reino do Céu; e o fez com uma clareza e profundeza que
nenhum profeta poderia igualar. Pois, "ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é
quem o revelou" (Jo 1:18). João Batista diz o seguinte a respeito de Jesus: "Quem veio do céu está acima de todos
e testifica o que tem visto e ouvido" (Jo 3:31ss). Cada Palavra que o Filho falou era, de forma direta, a Palavra de
Deus em linguagem humana. Sem isto, Sua pessoa e Suas obras, Sua cruz e ressurreição, teriam permanecidos
um segredo misterioso. Mas, através da Palavra, tudo isto é a revelação mais gloriosa. Mais ninguém
experimentou isto tão intimamente e ouviu as Palavras de Jesus da própria boca dEle em toda a plenitude delas
como os doze discípulos que O acompanharam todo dia. Ele disse muitas coisas exclusivamente a eles quando
estavam a sós. Explicou-lhes as parábolas, falou-lhes a respeito do reino de Deus mesmo depois da Sua
ressurreição, e lhes confiou a Palavra do Pai. Então Ele diz na Sua oração sumo-sacerdotal: "Manifestei o teu
nome aos homens que me deste do mundo . . . nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que se
cumprisse a Escritura. . . . Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade" (Jo 17:6-17). Ele ordenou que estes
Seus discípulos passassem a outros tudo que Ele tinha confiado a eles (Mt 28:20). Mas, Ele acrescentou a
promessa sem a qual não poderiam ter cumprido a tarefa deles: "Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não
o podeis suportar agora; quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não
falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as cousas que hão de vir" (Jo 16:12ss). Da
mesma forma que não podemos aplicar a todos os cristãos, sem um estudo meticuloso, o que Paulo escreve na
primeira pessoa plural, não podemos, conforme as regras mais elementares de hermenêutica, fazer isto com as
Palavras que Jesus dirigiu aos Seus doze discípulos. Mas, depois da Sua ascensão, Ele chamou Paulo para ser um
apóstolo e lhe disse: "Por isto te apareci, para te constituir ministro e testemunha, tanto das cousas em que me
viste como daquelas pelas quais te aparecerei ainda" (At 26:16).
Assim, os apóstolos também se referem ao fato que não proclamam sabedoria humana ou mitos, mas
revelação divina que eles mesmos têm ouvido e visto, que eles têm recebido do próprio Senhor ou do Espírito
dEle (2Pe 1:16ss: "Porque não vos demos a conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo seguindo
fábulas engenhosamente inventadas . . ."; 1Jo 1:3ss: "O que temos visto e ouvido anunciamos também a vós
8
outros. . . . Estas cousas, pois, vos escrevemos . . ."; 1Co 11:23: "Porque eu recebi do Senhor o que também vos
entreguei"; 1Co 2:9ss "Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram . . . mas Deus no-lo revelou pelo Espírito . . ."; Ef
3:3: "Segundo uma revelação, me foi dado conhecer o mistério"; Gl 1:12: "Porque eu não o recebi, nem o aprendi
de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo"; veja também Ap 1).
O que Deus tem revelado em Palavra e ação através do testemunho profético e apostólico da Escritura é
agora revelado a nós como verdade salvadora. A Escritura não é simplesmente a Palavra revelada de Deus, mas
é também a Palavra de Deus que revela e é, conseqüentemente, dynamis (Rm 1:16ss; 16:25; 2Co 2:14, 27; Cl
1:25ss; Tt 1:3). Além disto, "tudo quanto, outrora, foi escrito", isto é, o Velho Testamento inteiro, não é um
memorial de Palavras e feitos antigos de Deus que não têm mais a ver conosco. Pelo contrário, é a Palavra de
Deus dirigida a nós para instrução, admoestação e consolação—ao passo que não foi explicitamente revogado
no Novo Testamento (Rm 15:4; 1Co 10:11; 2Tm 3:15ss). Por isso nas Confissões luteranas, as Escrituras são
tanto a Palavra revelada de Deus quanto à Palavra de Deus que revela (SA III, I, 3; SD XI, 12ss, 52; cf. 64). Quem
se opõe à igualação da Escritura e a revelação, se opõe não somente à ortodoxia luterana, mas também ao
testemunho das Escrituras e às Confissões. Lutero tinha certeza: "Não temos agora nenhuma outra revelação do
Espírito Santo a não ser a Escritura."8
Porém, a Escritura substancia a autoridade divina dela por mais um fato.

Ela Apela à Sua Inspiração Divina


Por que os profetas podiam falar e escrever: "Assim diz o Senhor"? Não somente porque haviam
recebido a revelação de Deus; pois é uma coisa receber revelação e outra transmitir tal revelação de forma
integral e com palavras que fielmente expressam o significado da mesma sem distorção. Deus providenciou que
não houvesse distorção como prometeu aos Seus mensageiros autorizados: "Serei com a tua boca e te ensinarei
o que hás de falar" (Êx 4:12). "Eis que ponha na tua boca as minhas palavras" (Jr 1:9). A Escritura não somente
diz que Deus falou aos profetas, mas também que falou por meio deles (Hb 11:1). Ambas destas afirmações são
feitas com respeito a Oséias: "Quando, pela primeira vez, falou o Senhor por intermédio de Oséias, então o
Senhor lhe disse" (Os 1:2). Nas suas últimas palavras Davi confessa: "O Espírito do Senhor fala por meu
intermédio, e a sua palavra está na minha língua" (2Sm 23:2). À luz desta passagem, Davi só poderia ter pensado
no Espírito Santo como um "habilidoso escritor" cuja caneta era a língua dele [i.e., de Davi—nota do trad.] (Sl
45:1). Jesus e os apóstolos também testificam que, ao falar, homens santos de Deus foram movidos ou
conduzidos pelo Espírito Santo (2Pe 1:21). Cristo disse: "O próprio Davi falou, pelo Espírito Santo" (Mc 12:36).
Paulo afirma: "Bem falou o Espírito Santo a vossos pais, por intermédio do profeta Isaías" (At 28:25). E Pedro:
"Irmãos, convinha que se cumprisse a Escritura que o Espírito Santo proferiu anteriormente por boca de Davi"
(At 1:16). Também, uma passagem de Salmo 95, cujo autor se desconhece, é citada da seguinte forma na epístola
aos Hebreus: "Assim, pois, como diz o Espírito Santo" (Hb 3:7). Em muitas passagens, porém, simplesmente se
afirma que Deus falou por meio deste ou daquele profeta ou por meio de todos eles (e.g., "Assim como também
[Deus] diz em Oséias", Rm 9:25; ou a fórmula familiar de Mt: "O que fora dito pelo Senhor por intermédio do
profeta"). O relacionamento entre o autor real e o instrumento não pode ser expressa de forma mais clara. Paulo
resume tudo isto e testifica que a Escritura do Velho Testamento inteira foi soprada por Deus (2Tm 3:16). Assim,
ele considera todo o Velho Testamento como escrito profético, da mesma forma que a referência de Pedro à
palavra profética que é uma luz num lugar tenebroso certamente inclui todo o Velho Testamento e não somente
as profecias messiânicas.
Se a inspiração se aplica aos escritos da Velha Aliança, que cessou, será que não se deve aplicar ainda
mais aos escritos da Nova Aliança que é bem mais gloriosa e permanecente? No início da nova era somos
informados a respeito do derramamento do Espírito Santo na Sua plenitude sobre os apóstolos de tal forma que
"passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem" (At 2:4). O Espírito Santo
guiou o espírito e a língua deles, mas não somente neste momento especial. Pedro escreve que aquilo que o
Espírito de Cristo já tinha dito concernente ao sofrimento e à glória de Cristo nos profetas é hoje proclamado a
vocês "por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho" (1Pe 1:12). Mesmo após
anos e décadas os apóstolos podiam transmitir as Palavras de Jesus com as próprias palavras deles sem alterar
o sentido original porque o Espírito Santo os lembrava de tudo que Jesus havia lhes falado (Jo 14:26). Mesmo
nas situações mais críticas, onde a reflexão calma era praticamente impossível, o Espírito Santo deu aos
apóstolos as palavras certas, porque Jesus cumpriu a promessa que Ele fez aos doze: "E, quando vos entregarem,
não cuideis em como ou o que haveis de falar, porque, naquela hora, vos será concedido o que haveis de dizer,
visto que não sois vós os que falais, mas o Espírito de vosso Pai é quem fala em vós" (Jo 10:19ss). Se isto acontecia
9
nas situações mais extraordinárias, quanto mais quando praticavam a sua comissão principal, isto é, de
proclamar o evangelho ao mundo. Não é, portanto, uma presunção da parte de Paulo quando ele diz referente à
pregação apostólica não somente que "Deus no-lo revelou pelo Espírito", mas também que "disto . . . falamos,
não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito" (1Co 2:10, 13).
Todas as passagens citadas se referem à atividade inspirativa do Espírito Santo sobre palavras faladas e
escritas. É, então, contrário às Escrituras aplicar a inspiração somente ao conteúdo, mas não à escolha de
palavras. Como o Espírito Santo assegurou que o conteúdo da mensagem divina foi transmitido a nós de forma
não adulterada, Ele também assegurou que os profetas e apóstolos encontraram os termos que adequadamente
expressaram o conteúdo. Sem estes termos, o conteúdo também estaria perdido. Somente depois de entender o
significado das palavras no seu contexto poderei passá-lo a outros. Eu não ouso primeiro corrigir o fraseado com
respeito ao que eu considero ser genuíno ou legendário, forma obsoleta ou cerne de verdade, etc. Àquele que faz
isto se aplica exatamente o que Peter Brunner diz a respeito do ensino romano de tradição e o ofício de ensino
infalível:
Se um membro de uma igreja, diretamente inspirado, ou um oficial chamado ou ordenado por uma igreja . .
. fosse o juiz na disputa entre tradição apostólica genuína ou espúria, sem permitir o cânon da Sagrada
Escritura agir como o juiz único, . . . a autoridade apostólica específica para ser o supremo tribunal de decisão
concernente ao que é a pregação correta do evangelho e a administração correta dos sacramentos tem sido,
de fato, transferida àquele membro da igreja. Desta forma o vis-à-vis fundamental de apóstolo e não-
apóstolo, do fundamento e do edifício da igreja seria abolido. Mas este vis-à-vis fundamental é indispensável
à vida da igreja.9
Lutero nunca presumiu criticar o Velho Testamento ou a Homologóumena do Novo Testamento. Ele afirmou
que a Escritura foi "reduzida ao escrito pelo Espírito Santo," "Pois, não somente o mundo mas o modo de falar
empregado pelo Espírito Santo e a Escritura vêm de Deus".10
Em lugar nenhum nas Escrituras há uma descrição do "como" do processo de inspiração. Em lugar
nenhum as Escrituras afirmam que houve inspiração por ditado. Mas o fato da inspiração é claramente atestado
e a autoridade da Palavra profética e apostólica é baseada neste fato. Este fundamento protege a afirmação, "a
Escritura é a Palavra de Deus", de dois desentendimentos que são desastrosos para a exegese. Primeiro, nos
lembra que Deus não fez a Bíblia cair dos céus, mas escolheu falar através de homens. Conseqüentemente não
podemos simplesmente ignorar as circunstâncias históricas e geograficas do escritor, nem a sua individualidade
pessoal de estilo e vocabulário, nem as regras de linguagem humana. Segundo, nos impede de asseverar uma
coexistência ou uma sucessão da palavra do homem e a Palavra de Deus. Há um intretecimento indissolúvel das
duas. É impossível distinguir as palavras do homem e as Palavras de Deus ou qualificar a Escritura como sendo
apenas a palavra do homem que pode, de vez em quando, se tornar a Palavra de Deus.
A verdade que toda a Escritura é a Palavra de Deus e, conseqüentemente, "autoritária" para cristãos não
significa que tudo nela é de peso igual ou igualmente central, ou que nos mostra o caminho à salvação em medida
igual, ou que as ordenanças teocráticas da Velha Aliança ainda vigoram no reino de Cristo. Para luteranos deve
ser auto-evidente que o "artigo principal" é o centro da Escritura e ao mesmo tempo a chave para o entendi-
mento correto dela. Porém, a chave e o centro da Escritura não é uma norma acima da Escritura de acordo com
a qual tudo que não "inculca Cristo" (o que Lutero nunca afirmou desta forma) é roubado da sua autoridade
divina. Não, toda a Escritura é autoridade. Ao reconhecer isto, não estamos dizendo que cremos no trino Deus,
mas dizemos com Paulo: "Porém confesso-te que, segundo o Caminho, a que chamam seita, assim eu sirvo ao
Deus de nossos pais, acreditando em todas as cousas que estejam de acordo com a lei e nos escritos dos profetas"
(At 24:14).
Lutero fez a mesma coisa. Se o "Está escrito" não fosse autoridade divina para ele, não teria, como
escreveu no "Cativeiro Babilônico da Igreja", sem a ajuda de ninguém, se encarregado da tarefa de Sísifo de rolar
uma pedra enorme morro acima, uma pedra que, humanamente falando, o esmagaria.11 Das muitas afirmações
de Lutero sobre as Escrituras, eu submeto apenas mais uma:
Conseqüentemente, se as pessoas se recusam a crer, você deve permanecer em silêncio; porque você não
tem obrigação nenhuma de obrigá-los a reconhecer que a Escritura é o Livro ou a Palavra de Deus. É
suficiente basear as suas provas na Escritura. Isto você precisa fazer quando eles dizem: "Você prega que
não se deve apegar ao ensinamento de homens, embora Pedro, Paulo, e até Cristo fossem homens também."
Se você escuta pessoas que estão tão completamente cegos e endurecidos que negam que esta é a Palavra
de Deus ou que tenham dúvidas a este respeito, simplesmente fique em silêncio; não diga uma palavra a eles,
10
deixe-os ir. Diga apenas: "Eu lhe darei provas suficientes da Escritura. Se você quer crer, isto é bom; se não,
eu não lhe darei mais nada." Talvez você diga: "Ah, desta forma a Palavra de Deus será trazida à desgraça!"
Deixe isto nas mãos de Deus.12
Desta mesma forma, Scheibel reconheceu a autoridade da Escritura. Somente assim poderia ter a
coragem de desafiar a ordem do seu rei para introduzir a União na Prússia e, como resultado, suportar ser
despedido e exilado. Ele escreveu:
1. Minha convicção é baseada inteiramente e exclusivamente nas afirmações da Bíblia, e não posso nem
desejo crer em qualquer outra palavra, e nunca o farei. . . . Pelo que eu conheço de dicionários, gramáticas e
hermenêutica, as afirmações desta Escritura Sagrada não admitem dez interpretações diferentes. . . . O uso
de linguagem pode ser distorcido e torneado à vontade tão pouco quanto as fontes históricas.... 2. Eu creio
nesta santa e divina Escritura palavra por palavra.... E o fato que eu tenho uma fé tão literal não deveria ser
posto à minha conta pelos filólogos que tomam tanto cuidado para não se desviarem da letra dos autores
deles. Além disso, a fé é exigida de todos os teólogos e todos os cristãos pelo Senhor e os Seus apóstolos.13

Excurso: Sobre a Verdade e Genuinidade das Palavras de Jesus


1. Já que a humanidade de Jesus não era e não é uma pessoa ou ego independente, compartilha da
onisciência divina—até no Seu estado de humilhação. Portanto não era automaticamente sujeito ao
conhecimento limitado que normalmente faz parte de ser humano, nem mesmo ao erro. (Veja Mt 9:4; 20:18ss;
24; 26:31, 34; Lc 5:4ss; 22:10ss; Mc 14:9; Jo 2:25; 16:30; 21:17 — SD VIII, 11-13, 25, 74ss; Ep. VIII, 36-38; provas
bíblicas em SD VIII, 55-59 e nos Catálogos de Testemunhos.)
2. As passagens bíblicas citadas atestam que nada foi excluído da onisciência de Jesus. Ele sabia dos
segredos do Reino dos Céus tanto quanto os pensamentos de homens; Ele previu os grande eventos futuros de
salvação e condenação tanto quanto incidentes quase insignificantes. Se o juízo pertinente de Jesus sobre os
pensamentos dos Seus inimigos ou sobre o relacionamento do coração de um discípulo a Ele é baseado na Sua
onisciência, isto exclui não somente a falsidão e a ignorância de verdade salvadora, mas também todo veredicto
errôneo.
3. É verdade que, por causa do seu amor divino e todo-poderoso, Jesus Cristo, por um tempo, não usou
a Sua onisciência no Seu estado de humilhação e permitiu-a—como a subconsciência do homem—ser mudo na
Sua natureza humana com o seu conhecimento natural limitado que era capaz de crescimento. (Veja Lc 2:52; Mc
13:32; Ep. VIII, 16; SD VIII, 26; também veja o Seu não-uso de onipotência em Jo 10:18; 18:6-9, 12.)
4. Porém, a afirmação de que Ele, na Sua pregação não usou a Sua onisciência e ensinou o que era
errônea seria uma contradição categórica do fato que a Sua pregação fazia parte da obra redentora à qual Ele foi
enviado (Lc 4:18-21, 43; Jo 18:37). Seria acusá-lo de ser infiel à tarefa dada a Ele pelo Seu Pai e seria tornar as
seguintes afirmações em mentira: "Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem
o revelou" (Jo 1:18). "Quem vem da terra é terreno e fala da terra, quem veio do céu está acima de todos e testifica
o que tem visto e ouvido" (Jo 3:31ss). "As coisas que dele [do Pai] tenho ouvido, essas digo ao mundo.... Falo
como o Pai me ensinou" (Jo 8:26, 28). "A própria palavra que tenho proferido, essa o julgará no último dia.
Porque eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, esse me tem prescrito o que dizer e o
que anunciar.... As cousas pois, que eu falo, como o Pai mo tem dito, assim falo" (Jo 12:48ss; veja também 17:8,
14, 17). Por esta razão também é verdade das Suas Palavras: "Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras
não passarão" (Mt 24:35), e: "Porque qualquer que ... se envergonhar de mim e das minhas palavras...." (Mc 8:38).
Se o Pai deixou de revelar algo ao Filho dele durante a humilhação deste por nossa causa, o Filho não falou nada
à respeito, mas Ele não ensinou algo falso.
5. Já que a pregação de Jesus fazia parte da Sua tarefa específica de salvar o mundo, Suas Palavras não
tinham a ver somente com os ouvintes daquele dia. Do contrário, por que Ele teria enviado testemunhas oculares
e auditivos e prometido-os o Espírito Santo para lembrá-los das Suas Palavras? Assim, quando se nega que as
Palavras de Jesus transmitidas pelos apóstolos são genuínas, ou quando são atribuídas à igreja primitiva, ou
quando a genuinidade delas é posto em dúvida, a unidade da obra da redenção é destruída. Uma parte do que o
Pai enviou o Seu Filho a fazer é suprimida ou feito incerta. Desta forma o evangelho é privado da sua plenitude,
aquilo que é mais precioso depois do fato da salvação, aquilo para o qual a proclamação apostólica apela e da
qual ela depende.
6. Através das Suas Palavras Cristo se revelou e continua a se revelar até o fim do tempo nos corações
dos homens da forma mais gloriosa como o Filho de Deus e o Salvador do mundo. Enquanto não podemos vê-lO,
11
não temos espelho melhor da Sua pessoa verdadeira (Lc 4:21ss; Jo 4:42; 6:68ss; 17:6-8). Se a genuinidade das
Suas Palavras é questionada, estas Palavras não mais revelarão quem Ele era e é, mas quem a igreja O considerou
ser. Certamente as Suas Palavras falarão por conta própria nos corações dos homens. Mas, freqüentemente a
promessa feita nas palavras, "O Senhor tem dito", é a pressuposição para acalmar um cristão e, assim, causá-lo
a experimentar o poder divino da mensagem ou mais cedo ou mais tarde.
7. Através da autoridade que pertence somente a Ele, Jesus também estabeleceu a Nova Aliança com as
Suas promessas e com os seus meios de graça (Mt 26:26ss.; 28:18ss; Jo 20:23; 3:16). Lutero está certo quando
diz: "Que isto, então, permaneça firme: A igreja não pode dar nenhuma promessa de graça; esta é a obra de Deus
somente. Por isso ela não pode instituir um sacramento."14 Se as Palavras de Jesus são questionadas, as
promessas e as instituições da Nova Aliança também serão questionáveis. Ninguém pode depender de promes-
sas e palavras de instituição que Jesus poderia ter feito e falado, mas de fato não fez.
Se as Palavras de Jesus no Novo Testamento são tachadas de "espúrias", a afirmação dos apóstolos,
"Jesus disse", é assim transformada em uma mentira. Não vem ao caso referir à prática dos antigos de colocar
palavras na boca do seu herói, que não era considerado mentira. Quem diz que tem ouvido e visto o que não
ouviu nem viu sempre foi considerado um mentiroso (1Co 15:15).
8. Certamente Jesus se acomodou ao modo de expressão usado por Seus ouvintes e recorreu a ilus-
trações e expressões que podiam entender. Porém, a magnitude e a importância singular do ofício profético de
Cristo para o mundo até o fim do tempo não permite a pressuposição que na Sua proclamação Jesus se acomodou
aos conceitos falsos do Seu tempo. Por exemplo, se Ele considerava a história de Jonas como ficção, enquanto os
Seus ouvintes consideravam-na como fato, Ele não poderia apresentá-la como uma analogia e protótipo do
maior de todos os milagres: a Sua ressurreição. Isto seria pior do que erro; seria decepção deliberada. Em outras
ocasiões Ele certamente não hesitou em chamar a atenção dos judeus às interpretações errôneas do Velho
Testamento. Um milagre que não ocorreu não é nenhum sinal e, conseqüentemente, um protótipo do maior
sinal, do qual tudo depende sobre a sua realidade física.
Se Jesus apresentou contos de fada como fatos, mesmo que Ele sabia o que eram, Ele só poderia Se culpar
pelo fato que pessoas, iluminadas por pesquisa histórica, perdem confiança na Palavra dEle. Se, por causa desta
perca de confiança já é duvidoso eticamente em acomodação falsa contar às crianças "a lenda estúpida da
cegonha"15 em vez de lhes contar a verdade em palavras simples, quanto mais duvidoso seria para Jesus agir
desta forma, já que vida e salvação dependem de confiança sem qualificações nEle e na Palavra dEle. E se, em
acomodação a conceitos falsos da época, Ele citou Palavras individuais do Velho Testamento como inspiradas e
apresentou a Escritura inteira como a autoridade suprema, então, Ele mesmo seria culpado de um ensinamento
falso fatal. Pois a Sua acomodação a estes conceitos alegadamente falsos teriam de ser aceitos como confirmação
e levar a uma doutrina das Escrituras e da inspiração que é tachada, do ponto de vista dos estudiosos histórico-
críticos, doutrina falsa, na qual a igreja foi cativeiro por 1800 anos.
12

1.SA III, XII, 2. 9.Peter Brunner, Schrift und Tradition, Schriften des
2.Helmut Echternach, "The Lutheran Doctrine of the Tehologischen Konvents Augsburgischen
'Autopistia' of the Holy Scripture" (A Doutrina Bekenntnesse, nº 2 (Berlin: Lutherisches
Luterana da 'Autopistia' das Sagradas Verlaghaus, 1951), p. 25.
Escrituras) trad. por J. T. Mueller na 10.As Obras de Lutero, ed. de St. Louis, vol. 22, col.
Concordia Theological Monthly 23 (Abril, 577; vol, 4, col. 1960.
1952):250. 11.Ed. americana, vol. 36, p. 11.
3.Echternach, p. 242. 12.Ed. americana, vol. 30, p. 107.
4.Werner Elert, Der Christliche Glaube, 5ª ed. 13.Citado por G. Rost, "Johann Gottfried Scheibel und
(Hamburgo: Furche-Verlag, 1960), seç. 31, pp. die ersten Werzeln der Selbständigen
179-180. Evangelisch-Lutherischen Kirche,"
5.Elert, pp. 180s. Lutherische Kirche 11 (Fevereiro, 1980):33.
6.Elert, seç. 30, p. 174. 14.Ed. americana, vol. 36, pp. 108, 118.
7.Gerhardt Ebeling, Das Wesen des Christliche 15.Helmut Thielicke, Theologische Ethik, ed. William
Glaubens (Tübingen: J.C.B. Mohr, 1963), pp. H. Lazareth (Tübigen: J. C. B. Mohr, 1951),
109-110). band 2/1, no. 356.
8.As Obras de Lutero, ed. americana, vol. 18, p. 108.

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