TJ-SP AC 10007173520208260344 5c2e1

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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2021.0000156700

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1000717-35.2020.8.26.0344, da Comarca de Marília, em que é apelante UNIMED
DE MARÍLIA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, são apelados
PRISCILLA MAZZAFERA FREITAS CIRINO (REPRESENTANDO
MENOR(ES)) e PEDRO MAZZAFERA FREITAS CIRINO (MENOR(ES)
REPRESENTADO(S)).

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 6ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram
parcial provimento ao recurso, por maioria, vencido em parte o 3º juiz que dava
parcial provimento em menor extensão. Em prosseguimento, nos termos do art.
942 do CPC foram convocados o 4º e 5º juízes. Por maioria deram parcial
provimento ao recurso, vencidos em parte o 3º e 4º juízes, que davam parcial
provimento em menor extensão. Declara o 3º juiz, de conformidade com o voto do
relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ALEXANDRE


MARCONDES (Presidente), ANA MARIA BALDY, VITO GUGLIELMI, PAULO
ALCIDES E MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES.

São Paulo, 4 de março de 2021.

ALEXANDRE MARCONDES
Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

6ª Câmara de Direito Privado


Apelação Cível nº 1000717-35.2020.8.26.0344
Comarca: Marília (5ª Vara Cível)
Apelante: Unimed de Marília Cooperativa de Trabalho Médico
Apelado: Pedro Mazzafera Freitas Cirino (Menor representado)
Juíza sentenciante: Angela Martinez Heirinch

Voto nº 21.511

PLANO DE SAÚDE. PLANO DE SAÚDE. Ação de


obrigação de fazer. Autor portador de “síndrome
de múltiplas malformações associadas ao gene
UBE 2-A”. Indicação de tratamento de reabilitação
com terapias dos métodos ABA, Pediasuit,
Bobath, Hanen, integração sensorial e Son Rise
[fisioterapia motora, terapia ocupacional,
fonoaudiologia, musicoterapia e psicologia].
Recusa de cobertura pela operadora do plano de
saúde sob o argumento de ausência de previsão
contratual e no rol de procedimentos da ANS.
Recusa indevida. Abusividade nos termos dos
arts. 14 e 51, IV e § 1º do CDC. Incidência da
Súmula nº 102 do TJSP. Impossibilidade de
limitação de sessões. Precedentes. Validade da
cláusula contratual que estabelece a
coparticipação do beneficiário do plano (art. 16,
VIII da Lei nº 9.656/98 e com o art. 22, II, “b” da
Resolução Normativa nº 428/17 da ANS). Sentença
reformada em parte. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO.

A r. sentença de fls. 445/453, de relatório


adotado, julgou procedente ação movida por Pedro Mazzafera Freitas
Cirino em face de Unimed de Marília Cooperativa de Trabalho
Médico, com confirmação da tutela concedida, obrigando a ré ao custeio

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“do tratamento integral do autor, sem limitação quanto ao número de


sessões e sem coparticipação, arcando com os custos correspondentes”.
A sentença condenou a ré, ainda, ao pagamento das custas, despesas
processuais e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa.

Recorre a ré, sustentando, em síntese, que as


terapias prescritas ao autor não estão inseridas no rol da ANS, de modo
que não há cobertura contratual. Afirma que a obrigação imposta
prejudica os cálculos atuariais do contrato. Aponta recente julgado do E.
Superior Tribunal de Justiça que determina apenas a cobertura dos
tratamentos inseridos no rol da ANS. Sustenta que a cláusula limitativa
foi redigida de forma clara e expressa e, por isso, deve ser considerada
válida. Pede, ainda, o pagamento de coparticipação pelo beneficiário
(fls. 459/482).

Contrarrazões a fls. 491/501.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo


desprovimento do recurso (fls. 518/521).

Não há oposição ao julgamento virtual.

É o relatório.

O recurso deve ser provido em parte.

O autor, nascido em 10 de março de 2017 (fl.

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17), é portador de “síndrome de múltiplas malformações associadas ao


gene UBE 2-A”, sendo prescrito tratamento de reabilitação
multidisciplinar com sessões de fisioterapia motora pelos métodos
Pediasuit, Bobath e integração sensorial com uso de AFO, terapia
ocupacional pelos métodos Bobath, Pediasuit e integração sensorial;
fonoaudiologia Hanen e Son Rise; musicoterapia aplicada à
neuropediatria e psicologia pelo método ABA” (fls. 48/53).

Embora a ré sustente que o tratamento prescrito


carece de cobertura contratual e não consta do rol da ANS, a referida
regulamentação administrativa possui somente natureza de diretriz,
constituindo referência básica aos operadores de planos e seguros de
saúde na prestação de seus serviços, não tendo o condão de limitar
direitos estipulados contratualmente, de modo que a recusa de cobertura
se mostra abusiva, sob a perspectiva dos artigos 14 e 51, IV e § 1º do
Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, a recomendação para a realização do


tratamento em questão é de ordem médica e é são os profissionais que
assistem o autor quem detêm o conhecimento sobre as suas
necessidades. É da responsabilidade deles a orientação terapêutica, não
cabendo aos planos negarem a cobertura, sob pena de colocar em risco a
saúde da paciente. Se a indicação foi médica para o procedimento, por
óbvio que é esta a medida mais correta e eficaz ao tratamento da doença.

Noutras palavras, cabe aos médico escolhido


pelo paciente estabelecer qual o método mais adequado para o

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tratamento da doença, observando-se que, se o beneficiário elegeu tais


profissionais e neles depositou sua confiança, o que vale é a prescrição
médica. Daí a razão pela qual não se mostrava necessária a produção da
prova oral pretendida pela ré. Nesse sentido, precisa a lição do eminente
Desembargador Francisco Loureiro:

“É rigorosamente irrelevante que a ANS


não tenha ainda catalogado o medicamento ou o
tratamento ministrado ao paciente pelo médico que o
assiste. Entre a aceitação da comunidade científica e os
demorados trâmites administrativos de classificação,
não pode o paciente permanecer a descoberto,
colocando em risco bens existenciais. Evidente que não
pode um catálogo de natureza administrativa
contemplar todos os avanços da ciência, muito menos
esgotar todas as moléstias e seus meio curativos usados
pela comunidade médica com base científica” (Planos e
Seguros de Saúde in Responsabilidade Civil na Área da
Saúde, Coord. Regina Beatriz Tavares da Silva, Ed.
Saraiva, Série GVlaw, 2007, p. 308).

Esse é o entendimento que prevalece nesta E.


Corte e está consolidado na Súmula nº 102 que, ao contrário do que
sustenta a recorrente, tem plena aplicabilidade no presente caso. Registre-
se referida premissa sumular:

“Havendo expressa indicação médica, é


abusiva a negativa de cobertura de custeio de
tratamento sob o argumento da sua natureza
experimental ou por não estar previsto no rol de
procedimentos da ANS”.

Ao contrário do que sustenta a apelante, a


jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça não se pacificou a
respeito da não obrigatoriedade de custeio de tratamentos não incluídos

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no rol da ANS. Basta conferir, por exemplo, o que decidido no REsp


1733013/PR:

“AGRAVO INTERNO NO RECURSO


ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PLANO DE
SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. ROL DA
ANS. EXEMPLIFICATIVO. 1. Recurso especial
interposto contra acórdão publicado na vigência do
Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados
Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O rol de
procedimentos da ANS tem caráter meramente
exemplificativo, sendo abusiva a negativa da cobertura
pelo plano de saúde do tratamento considerado
apropriado para resguardar a saúde e a vida do paciente.
3. Agravo interno não provido” (STJ, AgInt no REsp
1882735/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, j. 08/02/2021).

Também sem fundamento a alegação da ré


atinente à limitação de sessões.

Para que indivíduos portadores de


malformações genéticas atinjam o maior grau possível de independência
e integração social, são necessários estímulos constantes. Sendo assim, a
limitação de sessões é abusiva e não pode prevalecer, já que o plano de
saúde contratado tem por escopo a disponibilização de serviços para a
preservação/recuperação da saúde do contratante e para tanto deve
abranger todos os meios disponíveis na medicina.

Por estas razões, sob a perspectiva dos artigos


14 e 51, IV e §1º do Código de Defesa do Consumidor, qualquer
disposição contratual limitativa do número de sessões de terapia é nula e
não pode prevalecer.

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Nesta linha são inúmeros os precedentes desta


C. Câmara. Confira-se, exemplificativamente:

“Apelação cível. Plano de saúde. Ação


visando custeio de tratamento multidisciplinar indicado
ao requerente (portador de deficiência mental
moderada). Sentença de procedência. Inconformismo
da ré. Relatório médico. Prescrição de tratamento
experimental ou não previsto no rol de procedimentos
da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Havendo
expressa indicação médica, é abusiva a negativa de
cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da
sua natureza experimental ou por não estar previsto no
rol de procedimentos da ANS. Súmula nº 102 deste
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Código de Defesa do Consumidor. Aplicabilidade.
Artigos 2º e 3º da Lei nº 8.078/1990. Súmulas nº 100
deste Egrégio Tribunal de Justiça e nº 608 do Colendo
Superior Tribunal de Justiça. Fornecedor que deve
assumir o risco do negócio que está fornecendo. Caveat
venditor. Limitação do número de sessões.
Impossibilidade. Abusividade da pretensão restritiva
que, se acolhida, resultaria na entrega deficitária do
serviço contratado, contrariando a função social do
contrato. Precedentes desta 6ª Câmara de Direito
Privado. Sentença mantida. Recurso desprovido.”
(Apelação nº 1001421-15.2018.8.26.0604, Rel. Des.
Rodolfo Pellizari, j. 30/01/2020).

Ainda: Apelação nº
1028457-32.2017.8.26.0001, Rel. Des. Percival Nogueira, j. 28/11/2018;
Apelação nº 1036039-98.2018.8.26.0114, Rel. Des. Marcus Vinicius
Rios Gonçalves, j. 06/12/2019.

No mesmo sentido a jurisprudência do E.


Superior Tribunal de Justiça:

“À luz do Código de Defesa do

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Consumidor, devem ser reputadas como abusivas as


cláusulas que nitidamente afetam de maneira
significativa a própria essência do contrato, impondo
restrições ou limitações aos procedimentos médicos,
fisioterápicos e hospitalares (v.g. limitação do tempo de
internação, número de sessões de fisioterapia, entre
outros) prescritos para doenças cobertas nos contratos
de assistência e seguro de saúde dos contratantes. Se há
cobertura de doenças ou sequelas relacionadas a certos
eventos, em razão de previsão contratual, não há
possibilidade de restrição ou limitação de
procedimentos prescritos pelo médico como
imprescindíveis para o êxito do tratamento, inclusive no
campo da fisioterapia” (AgInt no REsp 1349647/RJ,
Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, julgado em
13/11/2018, DJe 23/11/2018).

“Há abusividade na cláusula contratual ou


em ato da operadora de plano de saúde que importe em
interrupção de tratamento de terapia por esgotamento
do número de sessões anuais asseguradas no Rol de
Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, visto que
se revela incompatível com a equidade e a boa-fé,
colocando o usuário (consumidor) em situação de
desvantagem exagerada (art. 51, IV, da Lei
8.078/1990).” (REsp 1642255/MS, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado
em 17/04/2018, DJe 20/04/2018).

Todavia, deve ser respeitada a cláusula


contratual que estabelece a coparticipação do beneficiário do plano a
partir de um determinado número de sessões por ano (fls. 39/40). A
cláusula contratual tem redação clara e o consumidor foi devidamente
informado da sua incidência, não se podendo falar em abusividade.

Além disso, o art. 16, VIII da Lei nº 9.656/98


dispõe que os contratos de plano ou seguro saúde podem prever a
coparticipação do beneficiário ou segurado nas despesas com assistência
médica, hospitalar e odontológica.

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Por sua vez, o art. 22, II, letra “b” da Resolução


Normativa nº 428/17 da ANS estabelece em 50% (cinquenta por cento)
o percentual máximo de coparticipação do beneficiária do seguro.

Acerca da não abusividade da cláusula


contratual que prevê a coparticipação confiram-se precedentes do E.
Superior Tribunal de Justiça:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. ROL
DA ANS. TAXATIVO. PROCEDIMENTO NÃO
CONSTANTE DA LISTA. RECUSA DE
COBERTURA. POSSIBILIDADE. CLÁUSULA DE
COPARTICIPAÇÃO. LICITUDE. AGRAVO NÃO
PROVIDO. 1. Não é abusiva a recusa de cobertura, por
parte das operadoras de plano de saúde, dos tratamentos
médicos, meios e materiais que não estejam previstos
no rol da ANS ou no contrato celebrado entre as partes.
2. Não é abusiva a cláusula do contrato de plano de
saúde que prevê a coparticipação do segurado para
as sessões que excedem os limites pactuados. 3.
Agravo interno a que se nega provimento” (AgInt no
AgInt no AREsp 1646143/SP, Rel. Ministra MARIA
ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em
23/11/2020, DJe 27/11/2020).

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE.
SESSÕES DE TERAPIA OCUPACIONAL
PRESCRITAS. PACIENTE PORTADOR DE
SÍNDROME DE DOWN. NEGATIVA. ALEGADA
AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DA ANS. ROL
EXEMPLIFICATIVO. ABUSIVIDADE.
COPARTICIPAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE
PACTUAÇÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ. 1. O fato de o
tratamento prescrito não constar no rol da ANS não
significa que não possa ser exigido pelo usuário, uma
vez que se trata de rol exemplificativo. Esta Corte
Superior firmou orientação de que é abusiva a recusa de
cobertura de procedimento terapêutico voltado ao
tratamento de doença coberta pelo plano de saúde

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contratado sob o argumento de não constar da lista da


ANS. 2. Consoante a jurisprudência deste Tribunal
Superior, "Há abusividade na cláusula contratual ou em
ato da operadora de plano de saúde que importe em
interrupção de tratamento de terapia por esgotamento
do número de sessões anuais asseguradas no Rol de
Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, visto que
se revela incompatível com a equidade e a boa-fé,
colocando o usuário (consumidor) em situação de
desvantagem exagerada (art. 51, IV, da Lei
8.078/1990). Precedente." (REsp 1642255/MS, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 17/04/2018, DJe 20/04/2018) 3. A
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é
firme no sentido de que não é abusiva a cláusula de
coparticipação expressamente contratada. Na
hipótese, a modificação do entendimento da Corte
estadual no sentido de ausência da pactuação para
coparticipação do beneficiário, encontra óbice nas
Súmulas 5 e 7/STJ. 4. Agravo Interno não
provido”(AgInt no AREsp 1597527/DF, Rel. Ministro
PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA
TURMA, julgado em 24/08/2020, DJe 28/08/2020)

Sendo assim, mantida a obrigação da ré de


cobrir o tratamento do autor, nos termos da r. sentença, o recurso é
provido em parte apenas para que seja observada a coparticipação
prevista no contrato, preservada a sucumbência integral da requerida.

Ante o exposto, DOU PARCIAL


PROVIMENTO ao recurso.

ALEXANDRE MARCONDES
Relator

Apelação Cível nº 1000717-35.2020.8.26.0344 -Voto nº 21.511 10

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