1.1. Filosofia Da Arte AE - Contextos
1.1. Filosofia Da Arte AE - Contextos
1.1. Filosofia Da Arte AE - Contextos
Filosofia
FILOSOFIA DA ARTE
Textos de apoio – Aprendizagens Essenciais – 11.º ano
Teorias da arte
Vamos abordar nesta secção algumas teorias essencialistas – teorias que
defendem a existência de propriedades essenciais ou intrínsecas comuns a todas
as obras de arte e que apenas se encontram nas obras de arte – e teorias não
essencialistas – teorias que defendem a impossibilidade de definir a arte a partir
John Cage: compositor, teórico de um conjunto de propriedades essenciais ou intrínsecas, apresentando defini-
musical e escritor norte
‑americano (1912-1992). Foi, ções que assentam em propriedades extrínsecas e relacionais.
entre outras coisas, pioneiro
da música aleatória, introduzindo No primeiro caso, estudaremos as teorias da arte como imitação e como
o acaso nas suas composições. representação, como expressão e como forma. No segundo caso, estudaremos
Marcel Duchamp: artista plástico as teorias institucional e histórica.
francês (1887-1968). Teve um
relevante papel no dadaísmo e
Perante a diversidade de obras no âmbito de cada
no surrealismo.
uma das formas de arte – pintura, música, literatura, tea-
tro, escultura, etc. –, é natural que sintamos alguma difi-
culdade em falar de arte como se este termo tivesse um
significado unívoco e universalmente aceite.
(continuação)
– Logo, se faz o que não existe, e não pode fazer o que existe, mas simples-
mente algo de semelhante ao que existe, mas que não existe, e se alguém afir-
masse que o produto do trabalho do marceneiro ou de qualquer outro artífice era
uma realidade completa, correria ele o risco de faltar à verdade?
– Assim pareceria aos que estão familiarizados com argumentos dessa
natureza.
(…)
– Por conseguinte, a arte de imitar está bem longe da verdade e se executa
tudo, ao que parece, é pelo facto de atingir apenas uma pequena porção de
cada coisa, que não passa de uma aparição. Por exemplo, dizemos que o pin-
tor nos pintará um sapateiro, um carpinteiro, e os demais artífices, sem nada
conhecer dos respetivos ofícios. Mas nem por isso deixará de ludibriar as
crianças e os homens ignorantes, se for bom pintor, desenhando um carpin-
teiro e mostrando-o de longe com a semelhança, que lhe imprimiu, de um
autêntico carpinteiro.
Platão (1993), A República, 7.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 453-457.
Será que a arte só é verdadeira arte quando imita a natureza? Será este um
critério aceitável para distinguir o que é arte daquilo que o não é? A verdade é
que há algumas objeções a esta teoria:
• Esta teoria reduz a arte, segundo Hegel, a uma caricatura da vida, que serve
quando muito para mostrar a habilidade técnica do artista e não para nos
oferecer um produto criativo.
A dimensão estética – a criação artística e a obra de arte
• Muitos dos objetos e das criações humanas que são reconhecidos como A imitação perfeita
sendo arte não se reduzem a meras imitações. Há quadros, peças musicais, «Uma das suas obras mais célebres, e
hoje desaparecida [de Zeuxis de
poemas, etc., que não se limitam a copiar o real. Por isso, ou os excluímos da Heracleia (ca. 464-398 a. C.)] foi
arte ou, se estamos dispostos a considerá-los arte, teremos de recusar a teo- Menino com Uvas, na qual as uvas
pareciam tão reais que os pássaros se
ria da arte como imitação. aproximavam para as bicar. O próprio
pintor explicou: “Pintei melhor as uvas
• Muitos autores, opondo-se à ideia de que a arte é uma imitação da natureza, que o menino; pois se o tivesse
consideram que a verdadeira arte é sempre uma transfiguração do real. Isso pintado igualmente bem, o pássaro
teria sentido medo.” Com esta obra
acontece mesmo com a arte mais vulgar ou banal. Através da imaginação, da Zeuxis pretendia vencer Parrásio de
sensibilidade e da inteligência, o artista transfigura o real e a perceção ime- Éfeso († 388), o outro grande pintor
diata, criando novas formas, nas quais se encontra a sua marca pessoal. daquela época e com quem decidira
fazer um concurso para ver qual dos
dois era o melhor.
• Na teoria da arte como imitação, acaba por se inferiorizar o belo artístico rela- Quando chegou a vez de Parrásio,
tivamente ao belo natural, reduzindo-se a arte a uma técnica de reprodução Zeuxis pediu-lhe que abrisse a cortina
que ocultava a sua pintura… Ganhara
do real. Dentro da perspetiva da arte como transfiguração da realidade, a
Parrásio pois essa cortina era o
própria beleza artística passa a ser encarada como superior à beleza natu- quadro. O próprio Zeuxis reconheceu:
ral, tal como o espírito é muitas vezes considerado superior à matéria. “Eu enganei os pássaros, mas Parrásio
enganou-me a mim.”»
Fernando G. Blázquez (2010), História do
Numa tentativa de melhorar esta teoria, alguns filó- Mundo sem as Partes Chatas, Alfragide,
sofos consideram que a arte, mais do que imitação, é Academia do Livro, pp. 80-81.
Texto Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que
me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que,
ainda criança, li pela primeira vez numa seleta o passo célebre de Vieira sobre o
Rei Salomão. «Fabricou Salomão um palácio…» E fui lendo, até ao fim, trémulo,
confuso; depois rompi em lágrimas, felizes, como nenhuma felicidade real me
fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento
hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras
inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os
sons são cores ideais – tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção
política. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda choro. Não é – não – a saudade
da infância de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento,
a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.
Fernando Pessoa (2006), Livro do Desassossego, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 230.
Um dos autores para quem a arte representa uma atividade em que se expri-
mem sentimentos/emoções é L. Tolstoi. Segundo este autor, a verdadeira arte:
Texto Para definir arte com precisão, devemos antes de tudo parar de olhar para ela
como veículo de prazer e considerá-la como uma das condições da vida humana.
Ao considerá-la dessa forma, não podemos deixar de ver que a arte é um meio de
comunhão entre as pessoas.
Cada obra de arte faz com que aquele que a recebe entre em um certo tipo de
comunhão com aquele que a produziu ou está produzindo e com todos aqueles
que, simultaneamente ou antes ou depois dele, receberam ou irão receber a
mesma impressão artística. (…)
(continua)
A dimensão estética – a criação artística e a obra de arte
(continuação)
Tolstoi (2002), O Que é Arte?, S. Paulo, Ediouro Publicações, pp. 72-74 e 76.
Através da palavra (literatura), dos sons (música), do mármore (escultura), Edvard Munch: pintor norueguês
do movimento (dança, teatro), das cores (pintura), o artista corporiza as suas (1863-1944). Sendo um dos
precursores do expressionismo
emoções, comunica vivências, experiências e o seu modo de ser e de sentir o alemão, Munch trata nas suas
mundo e a vida. Ao transmitir as suas emoções, o artista provoca idênticas obras os temas da angústia, da
emoções no público. solidão, do amor e da morte.
A teoria da arte como expressão levanta sérias dificuldades. Vejamos algumas delas:
• Esta teoria parece estabelecer a priori que a produção artística tem origem
na experiência emocional, quando talvez existam outros fatores e outras
condições causais que presidem à criação de obras de arte, sendo certo
que alguns artistas, inclusive, negaram que a emoção comandasse os seus
trabalhos criativos.
Dimensões da ação humana e dos valores
A referida qualidade, por sua vez, diz respeito à relação existente entre as
partes, o que é sobretudo notório nas artes visuais, embora se aplique a qualquer
outro tipo de artes: a harmonia dos sons, a combinação das cores, a estrutura do
Clive Bell (1881-1964). romance, a sequência das cenas, etc.
Texto O ponto de partida de todos os sistemas estéticos deve ser a experiência pes-
soal de uma emoção peculiar. Chamamos obras de arte a objetos que provocam
esta emoção. Todas as pessoas sensíveis concordam em afirmar que há uma emo-
ção particular causada por obras de arte. Não quero com isto dizer, evidente-
mente, que todas as obras de arte provocam a mesma emoção. Pelo contrário,
cada obra produz uma emoção diferente. Mas identificamos todas estas emoções
como pertencentes ao mesmo tipo. Pelo menos, até aqui, a melhor opinião está
do meu lado. Penso que a existência de um tipo particular de emoção, provocada
por obras de arte visuais, emoção causada por todos os géneros de arte visual (pin-
turas, esculturas, edifícios, vasos, gravuras, têxteis, etc.), não é contestada por nin-
guém que seja capaz de a sentir. Esta emoção chama-se emoção estética e, se
formos capazes de descobrir alguma propriedade particular que seja comum a
todos os objetos que a provocaram, então teremos solucionado aquele que consi-
dero ser o problema central da estética. Teremos descoberto qual a propriedade
essencial de uma obra de arte, a propriedade que distingue as obras de arte de
todas as outras classes de objetos.
Clive Bell (2009), Arte, Lisboa, Edições Texto & Grafia, pp. 22-23.
A dimensão estética – a criação artística e a obra de arte
Texto Tem de haver uma determinada propriedade sem a qual uma obra de arte não
existe; na posse da qual nenhuma obra é, no mínimo, destituída de valor. Que pro-
priedade é essa? Que propriedade é partilhada por todos os objetos que nos causam
emoções estéticas? Que característica é comum a Santa Sofia e aos vitrais de Chartres,
à escultura mexicana, a uma taça persa, aos tapetes chineses, aos frescos de Giotto em
Pádua, e às obras-primas de Poussin, Piero della Francesca e Cézanne? Só uma res-
posta parece possível – forma significante. São, em cada um dos casos, as linhas e
cores combinadas de um modo particular, certas formas e relações de formas, que
suscitam as nossas emoções estéticas. A estas relações e combinações de linhas e
cores, a estas formas esteticamente tocantes, chamo «Forma Significante»; e a
«Forma Significante» é a tal propriedade comum a todas as obras de arte visual.
Clive Bell (2009), Arte, Lisboa, Edições Texto & Grafia, p. 23.
Texto Vemos que há [na teoria da arte de Bell] uma explicação da forma significante:
é um padrão de linhas, formas e cores. Contudo, uma vez que isto apenas serve
para encontrar a forma e não a forma significante, não adianta muito na caracteri-
zação de uma teoria satisfatória da arte. A melhor maneira de definir a forma
significante é “aquilo que causa a emoção estética”. Ora, esta é simplesmente a
emoção sentida na presença da forma significante. Bell sugere de facto que esta
emoção pode ser extática ou arrebatadora, e diferente da emoção provocada pela
apreciação da beleza da natureza; mas isto não irá servir para a distinguir de
várias outras emoções que não são estéticas no seu sentido do termo. E, de facto,
Bell admite que a emoção estética não precisa de chegar a esse ponto de intensi-
dade, pelo que tais considerações são pouco informativas.
Nigel Warburton (2007), O Que é a Arte?, Lisboa, Editorial Bizâncio, pp. 37-38.
Dimensões da ação humana e dos valores
• Esta teoria parece apoiar-se num argumento circular, uma vez que refere
que a emoção estética resulta de uma propriedade (a forma significante)
destinada precisamente a desencadear essa emoção no espectador, a qual é
diferente da emoção experimentada diante da beleza natural. Aquilo que se
pretende explicar – a emoção estética sentida pelo espectador – faz parte da
própria explicação: a emoção estética resulta de algo que produz emoção
estética e do qual nada mais se pode afirmar.
– Se algum objeto a que chamamos obra de arte não desperta emoção estética
ao crítico sensível, dir-se-á que esse objeto não constitui uma verdadeira
obra de arte. Ora, nada existe que nos permita refutar uma perspetiva desse
género, já que estamos no pleno domínio da subjetividade do crítico. Uma
teoria que não pode ser refutada (visto ser sempre confirmada em qualquer
situação) é, segundo vários filósofos, desprovida de significado.
Assim, ser um artefacto é uma condição necessária para que algo seja consi-
derado obra de arte, embora não suficiente (caso contrário, todo o artefacto seria
obra de arte). Só satisfazendo as condições de artefactualidade e de atribuição de
estatuto é que algo pode ser considerado obra de arte. Mas afinal de que falamos
quando falamos em artefacto?
Texto Em geral, «artefacto» significa qualquer objeto que tenha sido de algum
modo trabalhado ou modificado através da intervenção humana. As obras artísti-
cas tradicionais não têm problemas em satisfazer este requisito. Por exemplo, as
pinturas e as esculturas são claramente artefactos no sentido habitual do termo.
Praticamente todas as teorias da arte propostas pressupõem a artefactuali-
dade neste sentido como uma condição necessária para que algo seja uma obra de
arte. É através desta estipulação que objetos que ocorrem na natureza, como o pôr
do sol e cenouras com formas interessantes, são excluídos como não arte (a não
ser, é claro, que achemos que são a obra de um artista divino).
Contudo, para Dickie, pelo menos nas primeiras formulações da teoria, a
artefactualidade é algo que pode ser atribuído aos objetos naturais, mesmo a
cenouras e ao pôr do sol, sem que sejam de algum modo modificados.
Nigel Warburton (2007), O Que é a Arte?, Lisboa, Editorial Bizâncio, pp. 109-110.
Tendo reconhecido algumas das imperfeições da sua teoria inicial, Dickie propôs
uma definição mais elaborada de arte, na qual relaciona os seguintes conceitos:
obra de arte, artista, público, mundo da arte e sistema do mundo da arte.
Texto Uma obra de arte é um artefacto do tipo criado para ser apresentado a um
público do mundo da arte.
Esta definição contém explicitamente os termos “mundo da arte” e “público”
e também envolve as noções de artista e sistema do mundo da arte. Defino agora
estes quatro do seguinte modo:
Um artista é uma pessoa que participa conscientemente na produção de uma
obra de arte.
Um público é um conjunto de pessoas cujos membros têm suficiente prepa-
ração para compreender um objeto que lhes é apresentado.
O mundo da arte é a totalidade de todos os sistemas do mundo da arte.
Um sistema do mundo da arte é um enquadramento para a apresentação de
uma obra de arte por um artista a um público do mundo da arte.
George Dickie (2008), Introdução à Estética, Lisboa, Editorial Bizâncio, p. 145.
Conclusão
Para concluir, não devemos afastar a hipótese de a própria arte não poder ser
definida. Como já vimos, a tentativa atual de classificar e ordenar as artes, em vir-
tude da emergência de novas formas de arte, torna-se praticamente impossível.
Texto O leitor pode parecer-se ligeiramente com o seu pai e o seu pai pode pare-
cer-se com a irmã dele. Contudo, é possível que o leitor não se pareça nada com
a irmã do seu pai. Por outras palavras, podem existir parecenças sobrepostas
entre diferentes membros de uma família, sem que exista uma característica
única observável, partilhada por todos. Analogamente, há muitos jogos seme-
lhantes, mas é difícil ver o que têm em comum as paciências, o xadrez, o râguebi
e a malha.
As semelhanças entre diferentes tipos de arte podem ser deste tipo: apesar
das semelhanças óbvias entre algumas obras de arte, podem não existir caracte-
rísticas observáveis partilhadas por todas: podem não existir denominadores
comuns. Se isto for verdade, é um erro procurar uma qualquer definição geral de
arte. O melhor que podemos desejar é uma definição de uma certa forma de arte,
como o romance, o filme de ficção ou a sinfonia.
Nigel Warburton (1998), Elementos Básicos de Filosofia, Lisboa, Gradiva, pp. 219-220.
Claro que também esta teoria está sujeita a objeções. Por exemplo, se existe
parecença familiar, então já há um denominador comum às obras de arte,
mesmo que isso possa não constituir um aspeto muito relevante.
Atividades 1. «É um velho preceito, este de que a arte deve imitar a natureza. (…) Segundo
esta conceção, o fim essencial da arte consistiria na hábil imitação ou reprodu-
ção dos objetos tal como existem na natureza, e a necessidade de uma reprodu-
ção assim feita em conformidade com a natureza seria uma origem de prazer.»
Hegel (1952), Estética – A Ideia e o Ideal, Lisboa, Guimarães Editores, pp. 49-50.