25 11 PB
25 11 PB
25 11 PB
novembro/2020
2
Arte, Cultura, Africanidades e Internacionalização
REITORIA
Arte da Capa
Roque do Nascimento Albuquerque
Reitor pro tempore
PRÓ-REITORIAS
A arte é a capacidade ou habilidade que uma Com isso, podemos entender a universidade
pessoa tem de fazer ou de construir algo, porém como um promovedor de espaços e de
ela e a cultura andam de mãos dadas. Portanto ambientes de liberdade de expressão e de
a cultura é conjunta de normas, tradições, arte, diversidade cultural no universo acadêmico,
costumes, de um determinado povo ou grupo como objetivo de fazer com que os
social. Eminentemente ambas têm ligação universitários e os demais nela envolvidos,
importante, a cultura geralmente está coligada tenham contato direto com toda diversidade
em diferentes tipos de artes como a música, que nela se encontra.
4
Então, esse dossiê vem no sentido de refletir pesquisa e extensão da UNILAB? Qual o papel
também no contexto de aniversário de da arte e cultura na articulação dos processos
dez anos da UNILAB, a situação política e de interiorização e internacionalização? De
sanitária do país, pensar o lugar da arte e que forma a arte e cultura na UNILAB pode
cultura numa instituição jovem e marcada por contribuir para reposicionar a centralidade
uma dupla e difícil inscrição de sua missão histórica do continente africano na constituição
regimental e territorialidade, a interiorização e a da sociedade brasileira? Qual o lugar da arte
internacionalização do ensino público brasileiro e cultura na luta contra o racismo? De que
que envolve seus campus avançados em dois forma podemos potencializar a arte e cultura
estados e regiões, o Maciço de Baturité no na luta pela igualdade de gênero? Por fim,
Ceará e o Recôncavo baiano, no estado da extrapolando o âmbito das perguntas para
Bahia. além da nossa universidade podemos ainda
nos questionar, qual o lugar e potencial da
Neste contexto, os questionamentos a seguir arte e cultura no ensino universitário no Brasil?
orientaram os textos propostos pelos autores Essas e outras questões serão respondidas nas
como referência nos seus ensaios. De que forma reflexões dos artigos aqui postas.
a arte e a cultura são ou podem ser propositivos
de um modelo diferenciado para uma
universidade como a UNILAB? Qual o lugar da Prof. Ricardo Ossagô de Carvalho1
arte e da cultura na promoção das lutas sociais
Prof. Bas’Illele Malomalo2
dos diferentes atores e agentes sociais de que a
universidade é composta? Como pode a arte e
cultura se articular com os contextos de ensino,
1. Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é docente de Graduação nos Cursos de Bacharelado Interdisciplinar
em Humanidades, Licenciatura em Sociologia e Mestrado Interdisciplinar em Humanidades (MIH) do Instituto de Humanidades (IH) da Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB/CE).
2. Doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita/UNESP, é docente de Graduação nos Cursos das Relações Internacionais,
Ciências Sociais e Mestrado Interdisciplinar em Humanidades (MIH) do Instituto de Humanidades e Letras (IHL) da Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB/BA).
5
Anéximandra da Silva1
1. Graduada em Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades e Licencianda em Sociologia pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
Afro Brasileira (UNILAB) e coordenadora do Grupo Cultural Firkidja di nô Kampada
6
questionamentos de partida, como os projetos artístico. Diante disso, podemos perceber que
de extensão pode ser pertinente para ajudar programa de extensão Vozes D´África o seu foco
na integração dos estudantes dentro e fora da principal é trabalhar a cultura sobretudo a cultura
Universidade através da promoção e divulgação africana. Neste caso podemos questionar, o que
das culturas? E em que medida o debate em impulsionou a criação desse programa?
torno da cultura nos possibilitará a construção de
uma rede de relação de igualdade na diferença? Podemos dizer que antes da instituição da Unilab-
CE foi instalado no Maciço de Baturité, essa região
Espera-se que este artigo possa contribuir tinha pouca informação sobre a África, ainda
tanto para campo acadêmico assim como social podemos afirmar que os estudantes internacionais
e cultural, para que a comunidade acadêmica testemunharam que os estudantes nacionais
e como também comunidade de Maciço de assim como os residentes das comunidades
Baturité possam usufruir dessa produção e arredores da Universidade quando se tratam as
instigar a comunidade em geral a pensar sobre África, se generalizam como se fosse um País.
a importância do projeto de extensão, sobretudo Portanto, foi nesse sentido tornou-se necessário
no domínio da cultura. Assim como, provocar a criar um projeto de extensão que possa possibilitar
reflexão sobre a diversidade cultural, de como as trocas conhecimentos e experiências culturais.
podemos aprender com as nossas diferenças. Programa Vozes D´África tem como objetivo,
7
Grupo de Danças Africanas e Afro-Brasileira, Assim podemos compreender o racismo
Grupo de Desfile e Moda Unifashion, Grupo de segundo Schwarcz (2010), como “naturalização
Teatro - Afrisamé, ainda proporciona Palestras, das diferenças” e é um “fenômeno social mesmo
Oficinas de Línguas e Minicursos tanto para os sendo justificado por fundamentos biológicos”, em
estudantes da Unilab assim como para as escolas outras palavras aponta que o racismo é construído
de ensino médio de municípios de Maciço de nas relações sociais, no meio da convivência, no
Baturité. encontro das culturas. Diante dessa abordagem
podemos perceber que a Unilab pode ser um
Este projeto é baseada no um dos proposito espaço de reprodução do racismo, porém é um
da Unilab que não é menos importante, que espaço de encontro das culturas e para que isso
é promover a integração, com isso o projeto possa ser trabalhado os projetos de extensão
Uniculturas: Unidos pela integração, propõe podem ser pertinentes.
demostrar “o que os Países parceiros da Unilab
tem de melhor e outro lado da África ainda Por outro lado, podemos verificar que nos
pouco conhecida além das suas fronteiras”, dois projetos de extensão é visível o desejo da
com objetivo de integrar os países parceiros da construção de uma sociedade multicultural
Unilab em um espaço de integração cultural e intercultural. Neste caso, percebe-se que,
e desenvolver atividades contínuas nos seus questão de multiculturalismo está relacionada
eixos de atuação, com a finalidade de mostrar as com a construção uma sociedade baseada na
diversidades culturais existentes na Universidade diversidade cultural e nesse relacionamento se
e as possibilidades de conhecer cada umas constrói uma relação intercultural que pode ser
delas, preparando assim o cidadão para viver em entendida como uma relação de igualdade na
sociedades multiculturais. diferença.
Neste caso, podemos fazer paralelo projeto de Neste sentido, que Touranine (1997), na base de uma
Uniculturas: unidos pela integração uma certa perspectiva multicultural foi assertiva á quando
afinidade similar com Programa Vozes D´África no respondeu à questão considerada indispensável
que tem a ver com intuito de divulgar as culturas na promoção de diálogo intercultural. Quando
africanas. Sendo assim, vimos uma grande im- problematiza o seguinte: “como podemos viver
portância nesses projetos de extensão, de certa juntos?”. Para Touranine (1997), podemos viver
forma estão contribuindo para integração, divul- juntos com a “democracia política e da diversidade
gação e promoção da cultura dentro e fora da cultural baseada na liberdade do Sujeito” isso
Unilab, principalmente culturas africanas. mostra que tudo que uma pessoa precisa é ser
livre para que ela possa desenvolver o que tem
Tanto Programa Vozes D´África, assim como para contribuir na sociedade.
Projeto Uniculturas: unidos pela integração, estão
inseridos na resistência em busca de diminuir o
conflito no que diz respeito a questão do racismo e
preconceito dentro da Unilab e nas comunidades Conclusão
de Maciço de Baturité. Sabendo que a pratica
do racismo no contexto brasileiro torna um Em forma de conclusão, podemos compreender
empecilho na aproximação entre os estudantes que a Unilab desde a sua construção aceita o
negros e de outros países. Na mesma ótica que desafio de enfrentar os conflitos que possa existir
o preconceito dentro no seio dos estudantes sobre a ideia de integração, mas essa ideia não se
internacionais (africanos) de diferentes países pode restringir só dentro da Universidade, também
podem reproduzir e isso pode ser vista como um deve chegar as comunidades arredores da Unilab.
desafio de diálogos. Na base disso podemos perceber a importância
8
dos projetos de extensão com caráter de
promoção da integração com base na divulgação
das culturas, estes estão a divulgar a riqueza da
diversidade cultural para fora da Universidade.
9
Referências
NOGUEIRA, Maria das Dores Pimentel, O Fórum de Pró-reitores de Extensão das Universidades Públicas
Brasileiras: um ator social em construção, UFMG, Interfaces - Revista de Extensão, v. 1, n. 1, 2013
SCHWARCZ, Lilian Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, Instituições e questão racial no Brasil – 1870-
1930, São Paulo: Campainha das letras, 1993.
TOUNAINE, Alain, Iguais e Diferentes, podemos viver juntos? Tradução Carlos Aboim de Brito, ed. Peaget,
Lisboa, 1997.
10
Justino Gomes1
Lucas Jaime Indi2
1. Justino Gomes nasceu no sector de São Domingos, Norte da Guiné-Bissau. É Técnico Médio em Administração pelo Centro de Formação Técnico
Profissional São Leonardo Murialdo, Guiné-Bissau; Bacharelado em Humanidades e Licenciando em Sociologia pela Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Membro do Conselho Editorial da Revista África e Africanidades; membro do Grupo Literário
Cultural Firkidja Di No Kampada; além de ser um dos organizadores, participou com poemas na primeira coletânea poética do grupo Firkidja Di No
Kampada, intitulada “Nos porões das palavras: primeiro tcholona di tambur” (2019); apresentou a obra literária do Yanique Nanque, intitulada Gritu di
Carnel, lançada pela editora CLASS, Porto Alegre, 2019; É 2º responsável do departamento de redação do grupo Firkidja Di No Kampada e segundo
secretário da Mesa da Assembleia Geral da Associação dos Estudantes Guineenses da UNILAB - AEGU. E-mail: [email protected]
2. Lucas Jaime Indi Gradou-se em bacharelado Interdisciplinar em Humanidades pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira
em 2018, atualmente Licenciando em Sociologia Plena pela mesma instituição. É membro e vice coordenador do grupo cultural Firkidja di no Kampada
da qual participou como escritor e um dos membros organizadores da primeira coletânea (Livro) intitulada - Nos porões das palavras: primeiro tcholona
di Tambur. Já trabalhou como professor de Inglês no projeto “ Ensino Multilíngue e Interculturalidade Lusófona no Maciço de Baturité cadastrado pelo
PIBELP\2017. Foi colaborador interno do projeto: Música e Nação em África: Os Sons da Diversidade Cultural na UNILAB. E-mail: [email protected]
11
cria dentro e fora da universidade. No Brasil do sé- as identidades imaginárias santomenses foram
culo XIX, melhor dos anos 1822, a poesia assumiu costuradas “fora” das coloniais que dantes
a (re) construção das caixas identitárias autônomas, abraçavam o pequeno Príncipe (LEITE, 2014;
independentes daquela mãe metropolitana. A ex- CHAVES, 2005).
pressão “Pátria Mãe” Brasil ganhou oxigênio da vida
nas imaginações e recriações poéticas rumo à uma Tudo isto, é o que as gerações anteriores
terra assente no seu misticismo e feiticismo ancora- fizeram para proteger os seus patrimônios
dos na sua natureza exuberante (LIMA, 2016). Ali se culturais, simbólicos e imateriais. É um desafio
encontrava a rebusca da mitologia fundadora da na- que, por mais que fosse difícil, foi encarado
ção por meio da literatura, principalmente, criação e vencido. Porque hoje, estas literaturas são
poética. As bases foram afuniladas no solo brasileiro autônomas que qualquer estudioso atento das
e a nação se ergueu no imaginário desse povo. Literaturas Africanas da Língua Portuguesa não
pode confundi-las. Pois, cada uma carrega a
Deixando a América para África, no séc. XIX, especificidade cultural do seu povo, espaço e
numa temperatura carbonizante insuflada pelo línguas. A universidade pode desempenhar um
colonialismo, romperam a terra, as literaturas dos papel fundamental no incentivo à continuidade
povos que hoje são conhecidos como Países destes exercícios de imaginação e construção
Africanos da Língua Oficial Português (PALOP). Os intelectual das memórias e culturas dos povos.
poetas clariosos caboverdianos (re)descobriram a A forma de o fazer acontecer pode ser pelo
“caboverdianidade” de Cabo-Verde na imaginação incremento dos espaços culturais por meio dos
poética, e atiraram o “caboverdianismo” às águas programas institucionais instando a criatividade
do Atlântico. Os poetas mensageiros angolanos artística e literária.
assumiram decisivamente a nobre missão de (re)
descobrir a Angola por meio do imaginário literário
e foi assim que a “angolanidade” soube saltitar
alegremente para aprumar a reflexão literária dos Realidade incontestável e a necessidade de
poetas e o “angolanismo” recebeu o julgamento repensá-la
encarnado que nem o cartão vermelho que o
sancionou (AUGEL, 2007; SECCO, 2002). A cultura literária, principalmente, a dos países
africanos da língua portuguesa existe e existia
Em Moçambique, a voz poética de seus escritores desde um período longínquo antes da chegada
soprou o mocambicanismo que até então insistia dos aventureiros portugueses nessas paradas.
em explicar, mas que só exibia o vazio, o exógeno As diferentes formas de manifestação cultural
e fez germinar sobre o solo moçambicano a que incluem as oraturas, contação de estórias,
moçambicanidade que expressa a “karingana” provérbios, mitos, fabulas etc., não são de hoje.
moçambicana. Na Guiné-Bissau, no meio do séc. Porém, estas formas de expressão cultural
XX, os djidius da caneta abraçaram freneticamente foram subjugadas pelos ventos fortes da
a resistência colonial na imaginação literária e, opressão colonial. Tão violento e ignorante
sem demoras, a guinendade orientou-se nos foi o sistema colonial que o poeta, contista e
líricos do Vasco Cabral, Amílcar Cabral, Pascoal romancista angolano Manuel Rui Alves Monteiro,
D´Artagnan Aurigemma etc., na busca do feiticismo exterioriza seus lamentos ao patrimônio cultural
e misticismo guineense. (RIBEIRO e SEMEDO, 2011). africano que o colonizador poderia aproveitar,
De outro lado do Atlântico, chega sopros literários mas, infelizmente, este aventureiro preferiu
das Ilhas de São Tomé e Príncipe no mesmo século. menosprezá-lo,
As águas, o azul do céu, o bater da maré nas rochas
e a brisa da frescura das ilhas implantaram-se na quando chegaste, mais velhos contavam
tinta das canetas endógenas dos escritores como estórias. Tudo estava no seu lugar. A água.
José Tenreiro, Alda Espírito dos Santos e outros e O som. A luz. Na nossa harmonia. [...] É certo
12
que podias ter pedido para ouvir e ver as estó- da expressão cultural. Pois, isto, o grupo Firkidja
rias que os mais velhos contavam quando che- Di No Kampada tenta fazer na medida do
gaste! Mas não! Preferiste disparar os canhões possível. E as universidades também, sobretudo
(MANUEL, 1987, apud CHAVES, 2005, p. 248). aquelas do espaço violentado pela empresa
colonial, devem encabeçar esta missão.
Obviamente, hoje, não se pode deixar de
perceber que as universidades empenhadas
na descolonização – ou proposta Pós-Colonial3,
como a UNILAB, estão a atender, paulatinamente, Breve apresentação das coordenações e
as lamentações do Rui Manuel que ancoram ações da Firkidja di no Kampada
no aproveitamento das diversidades para
o enriquecimento do aparato cultural da Tem pessoas que no meio da invernia decidiram
Humanidade. No contexto da UNILAB, a criação ser gênios. Andar no íngreme dos tempos
da Pró-Reitoria de Extensão, Arte e Cultura, cuja nostálgicos não lhes encabeçam a mínima
departamentos comprometidos com a valorização, desesperança. Mesmo nos momentos agrestes
promoção e difusão das artes e culturas dos países insuflam, escancaradamente, nos mais distintos
da integração, ou seja, da CPLP, que é visível não corações, amor fraterno. Nossos corações
só na criação dos espaços muito importantes para irrigados de bons exemplos da liderança
a divulgação das artes e culturas, por exemplo, deles: Liliane A. R. Costa, Mamadu Nanque e
Semana das Culturas da UNILAB, é um sinal Anéximandra da Silva, na Firkidja Di No Kampada,
evidente da disponibilidade desta universidade em enaltecem, ao mais alto nível, os consolantes
caminhar diferente daquela do comboio colonial, resultados das suas coordenações.
em que o dito “canibal 4” tinha que ser excluído e
desarticulado da sua base. Foram corações estremecendo de emoções
patrióticos nos auditórios da UNILAB, nosso
Além da existência das manifestações literárias embondeiro, com sexta poética; Foram espíritos
evidenciadas nesta breve citação do texto do Rui longe da terra que atravessaram, à distância,
Manuel, o desastre causado pela violência do o Oceano Atlântico para a Guiné-Bissau na
colonialismo aparece através da desarmonia que o noite poética; de comissões organizadoras dos
espaço viveu e evidenciou: nem águas, nem o som eventos, na UNILAB, vieram inúmeros convites
e ritmos, nem as estórias estão agora em harmonia bem respondidos com cantares poéticos
com as vidas humanas. Canhões ceifaram tudo. Isto dos poetas e das poetisas da Firkidja Di No
é uma metáfora da desestruturação dos sujeitos Kampada; os passos são das novas poetisas a
com a sua experiência prática cultural. Canhões engendrar novos cânticos poéticos no pátio da
existem além dos físicos ou materiais, porque esteira estendida por toda gente e para toda a
as simbólicas que alteraram as cosmovisões, gente, quando o apelo às novas ingressantes
as tradições, as crenças estão presentes. A foi aceito por elas e livremente começaram as
colonização cultural e das mentes são canhões que suas ações na família Firkidja como membros.
ainda persistem no subconsciente e na realidade
intersubjetiva do espaço colonizado. A reparação Desta vez, é a Universidade Federal do Ceará
dos danos causados por estes canhões passa, (UFC) que acolhe imemoráveis participações
entre outras formas, pela valorização e promoção da Firkidja Di No Kampada nos eventos
3. Sabemos que o termo pós-colonial é um termo muito complexo que carrega um conjunto de contextos: histórico, epistemológico, crítico, temporal etc. Mas
aqui o termo pós-colonial deve ser entendido como um conjunto de posicionamento crítico, releitura crítica da literatura colonial em todos os aspectos:
científico, cultural, político e econômico etc. Uma reinterpretação das bases herdadas da configuração da sociedade mundial. Na extensão, aproximação
com a proposta Decolonial do Sul Global.
4. O termo é usado no sentido introduzido pelo poeta e dramaturgo inglês, Willian Shakespeare.
13
caldeados com vozes cristalinos dos poetas e Afinal fala-se de quem? Entenda que se fala
das poetisas da nossa casa; já é o livro Nos Porões do poeta internacional guineense que tropeça
das Palavras: primeiro tcholona di tambur que, na “fidjus” (filhos) da nação num único cabaz “di
linguagem literária, se diz coletânea poética djunta mon” (unir as mãos), Tony Tcheca na
que está publicado, podendo os leitores fixarem homenagem que o grupo patrioticamente soube
seus articuladores linguísticos nos versos e nas hastear à comunidade acadêmica guineense na
estrofes para receber a contribuição dos Firkidjas UNILAB, no ano 2018. É a bandeira das cores
na literatura editorial guineense; de longe fala um Verde, amarela, vermelha e preta (Guiné-Bissau)
dos nossos humos da literatura contemporânea combinada com a das cores azul, branca, amarela
guineense, o nosso Luís Vaz de Camões; José e verde (Brasil) que se casam com a da Angola,
Craveirinha, o nosso Mário Pinto de Andrade, o Cabo-Verde, São Tome e Príncipe, Moçambique,
nosso José Tenreiro, a nossa Alda Espírito dos Timor Leste e Portugal, que de certa forma,
Santos, o nosso Baltazar Lopes, o nosso Machado constituem a bússola da Firkidja nos cantares
de Assis... literários dos seus poetas, poetisas, cineastas,
músicos e teatrólogos.
Fotos de algumas
atividades de Firkidja Di No
Kampada na UNILAB.
14
Firkidja, enaltece não apenas a coordenação e Cultura guineense; a Literatura e Cultura da CPLP
do Nanque, porém saudosamente passa pelas na UNILAB e nos espaços além dela.
labaredas do princípio e ziguezaguear ao alto a
primeira coordenação que sabiamente foi capaz De setembro do ano 2017, data da criação do
de erguer esta tão coesa plêiade guineense nas grupo, para junho deste ano 2020, Firkidja Di
silhuetas do embondeiro das nações da CPLP. No Kampada conta-se com três coordenações:
De palavras doces, pois, fraternas canta-se, Duas coordenações cessantes e uma em vigor.
sem cessar, o nome da Liliane Alice Resende A primeira é liderada pela admirável poetisa
Costa, a primeira coordenadora da Firkidja Di engajada, estudante da Engenharia de Energia
No Kampada. É nos ancoradoiros sem fim, na Universidade da Integração Internacional
nem rampa, que arrancou o barco dos poetas, da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Liliane
navegando nos oceanos que, outrora, foram Alice Resende Costa e a outra foi encabeçada
atormentados por algumas baleias gigantescas, pelo reconhecido Mamadu Nanque graduado
tentando interromper o destino da viagem, não em Humanidades, licenciado em História pela
obstante, cuidadosamente, os tormentos foram UNILAB e, atualmente, Mestrando nas Relações
esfumados e as incursões derrotaram-se nas Internacionais na Universidade Nova de Lisboa. No
fossas marianas, devido ao saber fazer e saber dia 05 de janeiro de 2019, na cidade de Acarape,
coordenar. Ceará, Brasil assiste-se mais uma passação
da coordenação da Firkidja para a sua terceira
Hoje, poetas e poetisas da Firkidja mais que nunca coordenadora, Anéximandra da Silva, poetisa,
agradecem, sem limite, a todos e a todas que no bacharelada em Humanidades e licencianda em
caminhar da turba zelaram-se pelo entendimento, Sociologia pela (UNILAB).
tolerância, compreensão e fraternidade para que
seja possível costurar os contrastes e as mais
diversas opiniões, com vista a uma Firkidja sólida
e consolidada. Construindo e conquistando Considerações Finais
mais espaços culturais com os seus mosaicos
poéticos, porém desafiadores no seu destino de O que se espera deste grupo Cultural e literário é
promover a cultura, literatura guineense e não só, um reforço dos laços de irmandade que ancoram
mas também da CPLP. os povos africanos e o povo brasileiro. Uma vivência
daquilo que aproximou e distanciou essas nações
A revitalidade é importante para uma sociedade. separadas pelo empurrão e o romper das águas
Na nossa Firkidja fala-se da revitalidade que não do Atlântico. Acreditando que o Departamento de
é renascença de um novo membro no lugar do Arte e Cultura da UNILAB foi e será um espaço
outro morto. Aqui não há lugar para modalidade de despertar interesse pela Cultura e Literatura
verbal deôntica e muito menos epistémica, à medida que incrementa abertura de espaços
apreciativa talvez. Do mesmo jeito, a (re)conjugação culturais, artísticos e literários com intuito de
das forças não significa a inutilidade do esforço incentivar mais o exercício artístico e literário.
anterior, mas sim a (re)atualização das esperanças
e desafios que entre interstícios da brisa saudável Espera-se que o navio da Firkidja não faltasse o
os poetas e as poetisas da Firkidja implantam nos combustível, assim como os líricos dos poetas e
corações a abertura de oportunidades para todos poetisas não faltassem vozes para exteriorizar
e todas num clima da irmandade. Neste deslizar os sentimentos e emoções amorosos também
íngreme, pois fácil para andar dos Firkidjas, críticos e revolucionários até no mais ímpeto
enraízam nossos princípios de liderança rotativa circunstância azeda.
e a convivência fraternal saboreada por todas e
todos, trilhando o desafio de promover a Literatura
15
Referências
CHAVES, Rita. Angola e Moçambique: experiência colonial e territórios literários. Cotia/SP: Ateliê Editorial,
2005.
LEITE, Eduardo Joaquim Costa da Bessa. A literatura guineense: contribuição para a identidade da nação.
2014. Tese (Doutorado em Letras, área de Línguas e Literaturas Modernas, especialidade de Literaturas dos
Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) – Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Coimbra,
2014.
LIMA, Rosa Norma Sueli. O ensino das literaturas de língua portuguesa no Brasil. Diadorim, Rio de Janeiro,
revista 18 volume 1, p. 172-184, jan-jun 2016.
SECCO, Tindó Lúcia Carmen. Travessia e Rotas das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa: Das
profecias libertárias às distopias contemporâneas. Légua Meia: Revista da Literatura e Diversidade
Cultural, nº 1, 2002.
RIBEIRO, Calafate Margarida; SEMEDO, Costa Odete (Org.) Literatura da Guiné Bissau: cantando os escritos
da história. Porto: Afrontamento, 2011.
16
Vico Melo1
Banuma Alberto Caetano Pinto2
Emílio dos Santos Fernandes Júnior3
1. Professor do Departamento de Gestão Pública do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (DGP/CCSA) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e ex-
coordenador do projeto de extensão “Encenando o Livro Didático de História”, quando atuou como professor do Instituto de Humanidades da UNILAB.
2. Bacharela em Humanidades pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) e licencianda em Sociologia pela
UNILAB. Estudante voluntária do projeto de extensão “Encenando o Livro Didático de História”.
3. Bacharel em Humanidades pela UNILAB, licenciando em Sociologia e mestrando no Programa de Mestrado Interdisciplinar em Humanidades (MIH),
ambas pela UNILAB. Estudante bolsista do projeto de extensão “Encenando o Livro Didático de História”.
17
Baseando-se nesses princípios e concepções é O estado da arte e a arte da teoria
que nós, enquanto grupo engajado no projeto
“Encenando o Livro Didático de História”4, Ao contrário do que o pensamento tradicional
buscamos nos sustentar nos paradigmas do afirma, cada pessoa é um “todo físico-químico-
Teatro do Oprimido, proposto pelo teatrólogo biológico-social-cultural” (CASTRO-GÓMEZ, 2007,
Augusto Boal, e no Teatro Experimental do p. 86), que faz parte de um universo heterogêneo
Negro, proposto por Abdias do Nascimento. com distintas realidades histórico-sociais-raciais-
Dentro dessas duas perspectivas, estão diversas sexuais-culturais-econômicas. Compreender a
modalidades de ação prática e teatral, a partir diversidade da nossa realidade sócio-histórica só
do Teatro-Imagem, Teatro-Fórum, Teatro-Jornal, é possível através de uma ecologia de saberes,
Teatro-Legislativo, Teatro-Invisível e Arco-Iris do baseada na ideia de “que todos os conhecimentos
Desejo, onde são usadas como ferramentas de têm limites internos e limites externos”, onde
participação popular e como forma de discutir “os internos dizem respeito aos limites das
os problemas sociais que nos rondam, a exemplo intervenções no real que permitem”, enquanto
da visibilização da população negra e periférica, “os externos decorrem do reconhecimento de
excluída dos espaços sociais e de representação intervenções alternativas tornadas possíveis por
(BOAL, 1991; NASCIMENTO, 1978). Dessa forma, outras formas de conhecimento” (Santos, 2007,
o teatro se torna um indutor da educação, se p. 26), sendo a interdisciplinaridade uma das
mostrando um importante instrumento didático e possibilidade de agir na produção e ampliação do
de reflexão do meio social e da própria História conhecimento.
– sendo estendida pra Sociologia, Geografia etc.
A arte, envolvida com o processo educativo formal
A História, enquanto disciplina, é extremamente da História, tem a possibilidade de transformar
importante para o desenvolvimento pessoal a percepção dos estudantes acerca do ensino,
do estudante, criando uma consciência de assim como de compreender melhor o seu
responsabilidade cidadã com a sociedade, quando próprio entorno social. O ensino se torna algo mais
aprendemos sobre o nosso passado e presente prazeroso e informal com o teatro, quebrando
através de um processo reflexivo. De acordo estruturas muitas vezes “duras”, daquilo que
com Ciro Flamarion Cardoso (1986, p 28), é parte se convencionou como ensino-aprendizagem
da construção da História enquanto ciência “o (educador-educandos). Paulo Freire chama esse
respeito pelas especificidades históricas de cada modo “formal” de educação como “concepção
época e sociedade”. É buscando respeitar essas bancária”, onde a “narração de conteúdos que, por
especificidades, não só históricas, mas de vida dos isto mesmo, tendem a pretrificar-se ou a fazer-se
participantes do projeto, que ao longo de dois anos algo quase morto, sejam valores ou dimensões
introduzimos uma metodologia interdisciplinar concretas da realidade. (...) Falar da realidade
entre o teatro e a História, em que pudesse como algo parado, estático, compartimentado e
conduzir o próximo num processo formativo e de bem-comportado, quando não falar ou dissertar
aprofundamento do conhecimento, além de se sobre algo completamente alheio à experiência
reconhecerem coetaneamente enquanto sujeitos existencial dos educandos, vem sendo, realmente,
ativos da própria História. A História não só como a suprema inquietação desta educação” (FREIRE,
uma disciplina teórico-abstrata, mas como uma 2014, p. 79). Ou seja, para se romper com essa
“práxis” de vida. concepção bancária é necessário repensar e
4. O projeto de extensão “Encenando o Livro Didático de História” faz parte do “Programa Vozes da África”, que tem como intuito visibilizar e refletir sobre
temáticas referente às realidades e especificidades dos contextos africanos. No “Programa” há vários outros projetos com diversos eixos de atuação
(dança, música, teatro, poesia, gastronomia, turbantes e tranças), tendo o interesse em visar a integração de estudantes de várias nacionalidades e
cursos, com experiência ou interesse em potencializar uma educação transformadora.
18
propor novas formas de ação entre o ensino- A História, por si, tem a possibilidade de nos
aprendizagem. fazer conhecer o nosso passado com intuito de
entendermos o nosso presente e projetarmos o
O teatro se torna possibilidade de método de nosso futuro. Segundo Fernand Braudel (2005),
ensino, pois abre ao estudante novas realidades e a História pode ser dividida em três formas:
perspectivas acerca da educação e do seu lugar uma história entre a humanidade e o meio que
enquanto sujeito na produção do conhecimento. lhe cerca; uma história social, ou dos grupos
São novas experiências de convivência entre e agrupamentos; e por último, uma história do
colegas e professores que o teatro oferece, indivíduo, ocorrencial, com oscilações breves e
reconhecendo na outra sua humanidade, aceitando ultrassensível. Como bem afirma Braudel (2005, p.
as diferenças, semelhanças e contrastes, além de 15), temos marcado, então, “um tempo geográfico,
dirimir possíveis conflitos. Essas múltiplas leituras um tempo social, um tempo individual”.
e diferentes interpretações provocadas pelo teatro
tem a capacidade de oferecer ferramentas que Para além desses tempos históricos propostos
nos permita adquirir a criatividade e a crítica sócio por Braudel, vem se formatando na estrutura
histórica, diante das diferentes situações que a curricular da educação brasileira uma forma mais
vida vais nos proporcionando. É nesse sentido plural de ver e entender a História que fazemos
que se faz necessário basear-se nos princípios parte, trazendo à luz do debate a construção
trabalhados por Augusto Boal no “Teatro de histórica das nossas realidades, a partir daqueles
Oprimido” e por Abdias do Nascimento no “Teatro que foram invisibilizados e silenciados pela
Experimental do Negro”, onde a conscientização História convencional, ao que Jack Goody (2015)
dos sujeitos subalternizados (negros, mulheres, convencionou como “o roubo da História”. A
pobres, etc.) são o centro da ação, promovida Lei 10.639/03, que institui a obrigatoriedade no
através de uma série de jogos, exercícios e currículo oficial da Rede de Ensino a temática
técnicas teatrais entre os participantes com intuito “História e Cultura Afro-Brasileira”, veio consolidar
crítico-reflexivo (NASCIMENTO, 1978; 2004; BOAL, essa nova perspectiva de discutir a História na
1982; 1991). Nas palavras de Abdias do Nascimento educação de base e superior. De acordo com o
(2004, p. 211), “teríamos que agir urgentemente em Artigo 26 da referida lei:
duas frentes: promover, de um lado, a denúncia
dos equívocos e da alienação dos chamados §1o O conteúdo programático a que se refere o
estudos afro-brasileiros, e fazer com que o próprio caput deste artigo incluirá o estudo da História
negro tomasse consciência da situação objetiva da África e dos Africanos, a luta dos negros no
em que se achava inserido”. Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na
formação da sociedade nacional, resgatando
Boal (1982) ainda afirma que o teatro não é uma a contribuição do povo negro nas áreas social,
forma de comunicação estática ou que representa econômica e política pertinentes à História do
a si mesmo como um fim. Na verdade, para Boal Brasil.
(1982, p. 13)
§2o Os conteúdos referentes à História e Cultura
O teatro é uma forma de comunicação Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de
entre os homens; as formas teatrais não se todo o currículo escolar, em especial nas áreas
desenvolvem de maneira autônoma, antes de Educação Artística e de Literatura e História
respondem sempre a necessidades sociais Brasileiras.
bem determinadas e a momentos precisos. O
espetáculo faz-se para o espectador e não o
espectador para o espetáculo; o espectador
muda, logo o espetáculo também terá de
mudar.
19
À guisa de conclusão: refletindo o lúdico e o Portanto, é preciso enfatizar – principalmente
entusiasmo como possibilidades dialógicas/ nesse tempo presente de incertezas, instabilidade,
pedagógicas vulnerabilidade e crise social-econômica-cultura
e de pensamento provocado no cenário nacional
É reconhecendo a importância da História e internacional – que não se pode deixar de lado o
no processo formativo das crianças e jovens universo das relações humanas com a diversidade
do ensino fundamental e médio – baseado e a diferença, em que é justamente nos processos
na Lei 9.934/96 e na Lei 10.639/03 – além da de se fazer-pensando e de pensar-fazendo, junto
necessidade de alargar cada vez mais o campo do ao diferente e/ou contraditório, que se educa
conhecimento, é que se faz necessário produzir para uma verdadeira cidadania, respeitando-se
uma metodologia particularmente interdisciplinar, a pluralidade daqueles/as que são educados/
onde o processo de ensino-aprendizagem entre as. Essa percepção do processo aprendizagem-
o lúdico e a “formalidade” possa ser dialógica. ensino e do fazer-pensando, através do respeito à
Dialógica no sentido de que só se constrói um diversidade e o reconhecimento do outro na sua
conhecimento plural e verdadeiro através de totalidade, se encaixa na filosofia africana Ubuntu,
um processo de horizontalidade e de respeito na afirmação de que eu sou porque nós somos, ou
as várias vivências e experiências existentes em seja, só nos tornamos pessoa (somente) perante
sala de aula. Como bem afirmava Césaire (2006, outras pessoas (RAMOSE, 2009)
p. 84), um conhecimento denso só é possível
através de “um universalismo depositário de todo
o particular, depositário de todos os particulares,
no aprofundamento e na coexistência de todos os
particulares”, representado pelo não desperdício
das experiências concretas.
20
Referências
BOAL, A. 200 exercícios e jogos para o ator e o não-ator com vontade de dizer algo através do teatro. Rio
de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1982
________. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1991.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Brasília,
D.F. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/ handle/id/70320/65.pdf -2005>. Acesso
em: 02 Set. 2017.
BRASIL. Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Lei que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira. Brasília, D.F. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>.
CARDOSO, Ciro Flamarion. Uma Introdução à História. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.
GOODY, Jack. O Roubo da História: como os europeus se apropriaram das ideias e invenções do Oriente.
São Paulo: Contexto, 2015.
HOOKS, bell. Ensinando a Transgredir: a educação como prática de liberdade. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2013.
NASCIMENTO, Abdias do. O Genocídio do Negro Brasileiro: Processo de um racismo mascarado. Rio de
Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1978.
_________. Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões. Estudos Avançados, 18, (50), 2004.
RAMOSE, Mogobe. “Globalização e Ubuntu”. Em: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula.
Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina, 2009
21
Antônio Gislailson Delfino da Silva1
1. Mestrando em Estudos Africanos -ISCSP-Universidade de Lisboa-Portugal. Especialista em Relações Internacionais (Faculdade Verbo Educacional),
especialista em Gestão Pública, licenciado em Sociologia e Bacharel em Humanidades pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
Afro-Brasileira (UNILAB) e representante externo do Grupo Uniculturas. E-mail: [email protected]
22
comunicação entre próximos e distantes. Afinal, Assim, conhecer o outro, nos reporta ao
a cultura se torna mais rica quando expandimos reconhecimento da complexidade do mundo,
as nossas trocas de imaginários, de saberes, de em busca de comunicação, esse movimento
fazeres e convivências. de descoberta grafado através das atividades
propostas no grupo Uniculturas: música, dança,
Favero (1983) é um dos autores que adotou essa de desfiles, de teatro, enfim, buscando sempre a
perspectiva teórica em sua reflexão sobre a invenção de outra forma de registros e trocas que
cultura, tendo definido com grande propriedade contribuam para o exercício pleno da integração.
o conceito em seu trabalho sobre cultura popular Nossa proposta se caracteriza por mobilizar,
e educação. Segundo o autor, através das atividades, as diferentes formas
de se integrar em um novo contexto, tendo
a cultura é tudo o que o homem acrescenta como referência atores/autores sociais em seus
à natureza; tudo o que não está inscrito no territórios de identidade, em especial estudantes
determinismo da natureza e que aí é incluído internacionais e nacionais de espaços culturais
pela ação humana. Distinguem-se na cultura diferentes. Para Silva (2016), “os encontros e
os seus produtos: instrumentos, linguagem, as atividades realizadas buscam incentivar a
ciência, a vida em sociedade; e os modos de integração no ambiente escolar. Procurando
agir e pensar comuns a uma determinada so- ‘desmitificar’ os estereótipos [de pobreza, miséria
ciedade, que tornam possíveis a essa socie- e fome] que a mídia brasileira passou e passa
dade a criação da cultura (FAVERO,1983, p.78). sobre o continente africano” (SILVA, 2016, p.75).
23
concerne ao contato com os cursos de licenciatura funcionamento. Durante esses três anos, a
da instituição, configurando possibilidades de comunidade “unilabiana” e a comunidade externa
trabalho colaborativo nas escolas da região. tiveram a oportunidade de conhecer um pouco
Assim, há no bojo de experiências de estágio, mais das culturas de cada país que fazem parte
PIBID ou Residência Pedagógica a mobilização da Unilab. De acordo com os dados da relatoria do
de uma diversidade cultural operando a favor do grupo, mais de oito mil pessoas participaram das
combate ao racismo e à xenofobia, por exemplo, diversas atividades realizadas pelo grupo (oficinas
ao mesmo tempo em que se oferece uma de danças, moda, música, culinária, línguas
imagem de África e suas expressões para além africanas, teatro), noites culturais, concursos de
dos estereótipos e apreciações petrificadas. danças, exposição e dentre outros. Ainda, o grupo
participou, na comunidade externa, em dezenas
de atividades nas escolas municipais do Maciço
de Baturité e de Fortaleza, além de atividades
Três anos incentivando a integração: alguns desenvolvidas em centros culturais, museus
resultados e em espaços artísticos. No que diz respeito a
quantidade de membros do Grupo, em 2017 o
Conforme citado anteriormente, o grupo grupo contava com 38 membros efetivos, hoje
Uniculturas foi criado em março de 2017, o grupo conta com mais de 140 membros de
completando este ano (2020), três anos de diferentes nacionalidades da Unilab.
24
Referências
FÁVERO, O. (Org.). Cultura popular, educação popular: memória dos anos 60. Rio de Janeiro: Graal, 1983.
SILVA, Antonio Gislailson Delfino da. Trajetórias De Estudantes Guineenses No Brasil: Do Processo De
Integração Ao Regresso/Retorno. /Antônio Gislaison Delfino Da Silva. Redenção, 2016.
25
Paulo Sérgio de Proença1
Xavier Sanca Mendes2
Gerson Felemon da Silva Less3
Piquinina Oliveira4
26
universidade; em suas diversas fases, o Coral sem importância da música em geral e do canto
Fronteiras chegou a congregar mais de cinquenta coral em particular. Partimos desta reflexão de
participantes. Nascimento (2011, p. 40):
27
Dessa forma, estímulos à experiência afetiva e de risco, são algumas das áreas que vêm
à sensibilidade estética se efetivam pessoal e sofrendo a influência dos ensinamentos de
comunitariamente; a socialização promove o Paulo Freire, na busca pela inclusão social e
encontro com o outro e valorização do grupo, pela participação de toda a população nos
além de incentivar a disciplina, o respeito e a diversos seguimentos, contribuindo desse
cooperação. Além disso, há conservação da modo para a democratização de nosso país.
memória cultural sedimentada em sons e ritmos
criados pela música. A autora tem consciência de que o método Paulo
Freire é resultado da forma com que aquele
Como se pode notar, a música é poderosa autor concebia a educação. Em todo caso, para
adjuvante no processo ensino-aprendizagem. entender o método e aplicá-lo em toda plenitude
Não só isso: a música em geral e o canto coral é necessária uma ação de conscientização, de
em particular se constituem relevante ferramenta libertação e de ética humanista (LIMA, 2007, p. 59).
de integração social. É por isso que até empresas E, nesse desafio, a música em todas as múltiplas
com fins lucrativos se empenham em incentivar e formas em que se expressa, é poderoso meio de
patrocinar iniciativas na área musical. construção desse ideal.
28
A segunda apresentação do Coral ocorreu no Canô, em Santo Amaro da Purificação, no dia 18
encerramento do XVI ECOS, no teatro Dona de novembro de 2017.
O Coral marcou presença na Semana da Cons- Antonio Carlos Magalhães do município Madre de
ciência Negra, organizada pela Escola Municipal Deus-BA, no dia 21 de novembro de 2017.
29
Em janeiro de 2018, o Coral participou da primei- Municipal da Educação – SEDUC e do Encontro
ra edição Festival de Arte e Educação de São Municipal da Diversidade Religiosa, organizado
Francisco do Conde, organizado pela Secretaria na Câmara Municipal da mesma cidade.
Imagens 9 e 10: Festival de Arte e Educação de São Francisco do Conde e Encontro Municipal
da Diversidade Religiosa, em janeiro de 2017
Imagens 11 e 12: Jornada Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de São Francisco do Conde, em 16/11/17
No dia 16 de junho de 2018, pela primeira numa da CPLP. O evento aconteceu na câmara dos
formatura do Campus dos Malês, o Coral sem vereadores de São Francisco do Conde.
Fronteiras cantou os hinos nacionais dos países
Imagens 13 e 14: Formatura da Unilab-Malês, em 16/06/18
30
Enfrentando desafios
Fechando a conversa
31
Referências
LIMA, Maria José Chevitarese de Souza. O canto coral como agente de transformação sociocultural
nas comunidades do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho: educação para liberdade e autonomia. Tese de
doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro (Instituto De Psicologia), 2007. Disponível em: http://pos.
eicos.psicologia.ufrj.br/wp-content/uploads/mjchevitarese.pdf.
NASCIMENTO, Jurema Lúcia de Jesus; BUSS, Ricardo Niehues. O canto coral como instrumento facilitador
da aprendizagem no ensino superior: o processo de socialização no canto coral. Revista São Luis Orione,
v.1, n. 5, p. 37-59, jan./dez. 2011. Disponível em: http://www.catolicaorione.edu.br/portal/wp-content/
uploads/2015/01/O-Canto-Coral-como-Instrumento-Facilitador-da-Aprendizagem-no-Ensino-Superior-
Revista-S%C3%A3o-Luis-Orione-v-1-n-5-jan-dez-2011.pdf. Acesso em: 23 mar. 2017.
32
Alexandre António Timbane1
33
Num primeiro momento (primeira seção) faremos congolesa (com 1436 línguas), afro-asiática (371
um breve historial dos estudos iniciais sobre as línguas), nilo-saariana (196 línguas) e khoisan (35
línguas africanas. Em seguida (segunda seção) línguas), dados que nos levam a estimar em mais
abordaremos o ensino das línguas africanas na de 2000 línguas, segundo Heine e Nurse (2000),
UNILAB, trazendo a experiência de coordenador Ngunga (2015), Maho (2009) e Petter (2015). As
de Projetos de Extensão virados para o ensino das sociedades africanas sempre souberam fazer
línguas africanas na UNILAB. A terceira e última uma política e o planejamento adequado das
seção faremos uma ponte entre as línguas e a suas línguas e, por essa razão, as línguas ficaram
culturas africanas apontando a relevância do seu preservadas ao longo dos séculos mesmo sem
ensino no resgate das identidades. O texto termina tradição escrita. Cada grupo étnico sabe qual
com apresentação de considerações finais e língua usar para cada situação de comunicação,
referências. uma vez que o plurilinguismo corresponde ao uso
comum no continente africano.
O continente africano possui quatro grandes Alguns estudantes africanos chegam na UNILAB
famílias de línguas, nomeadamente nigero- sem conhecer as línguas faladas nos seus
34
países porque têm o português como primeira proveniente da Guiné-Bissau e falar o guineense
língua. Os alunos brasileiros descobrem a sua (em geral como língua materna). Nos corredores
cultura por meio das línguas africanas porque da universidade e mesmo na cidade de São
o português brasileiro recebeu contribuição de Francisco do Conde, é comum ver os estudantes
diversas línguas africanas sobretudo em nível guineenses se comunicando entre eles em
do léxico (PETTER, 2015). Os diversos cursos de guineense, ininteligível para a maioria dos falantes
línguas africanas dos Cursos de Extensão na de português.
UNILAB despertam a curiosidade em muitos
estudantes porque esses estudantes nasceram Diante desse cenário, o ensino do guineense
e cresceram em ambientes onde se valorizava a permitiu que outros estudantes da UNILAB e
língua autóctone oficial (o português) em prejuízo (inclusive) a comunidade externa conheçam
das línguas autóctones. O projeto desenvolvido um pouco mais da cultura de outro país através
na UNILAB tinha como título: “Diálogos entre da língua. Ademais, para os guineenses, o
Línguas e Culturas africanas e afro-brasileiras no ensino de sua língua no ambiente universitário
campus dos Malês”. Os cursos de Língua e Cultura significa uma valorização dessa língua, que ainda
africanas constituem um espaço de partilha de hoje na Guiné-Bissau é alijada da escola e da
conhecimentos sobre as línguas africanas, em comunicação formal, e o reconhecimento de
especial as línguas do grupo bantu assim como que ela é tão legítima quanto o português, não
as culturas que moldam as mesmas. Muitos sendo defectiva ou inferior (rótulos muitas vezes
estudantes africanos nasceram e cresceram nas atribuídos às línguas crioulas).
grandes cidades dos PALOP e não conhecem as
línguas das suas comunidades. Foram realizados 10 cursos desde 2018 e muitos
alunos tiveram a oportunidade de redescobrir
Sendo assim, estes cursos são uma oportunidade as suas línguas maternas. Falar uma língua é
de aprender, valorizar e preservar essas línguas diferente de saber descrevê-la. Então, mesmo os
para que sejam revitalizadas e ensinadas pelas que falavam crioulo, kimbumdu, umbundo, etc.
futuras gerações. Para os brasileiros, é um tiveram a oportunidade de compreender como
momento de aprender as línguas dos ancestrais funciona a estrutura gramatical das suas línguas.
e conhecer os significados de diversas palavras Para além disso, fenômenos como provérbios,
ainda existentes no Candomblé, nas danças e nas idiofones e reduplicações constituíram um
tradições africanas e afro-brasileiras que resistem momento de descoberta da cultura dos povos
ao tempo. Os cursos não ensinam apenas as originários. De lembrar que os cursos foram
línguas africanas dos PALOP, mas também inclui ministrados por estudantes bolsistas e voluntários
aspetos da cultura que se voltam para essas provenientes dos grupos étnicos dessas línguas.
línguas.
35
que caracteriza a existência social de um povo realidades sociais, econômicas e políticas.
ou nação ou então de grupos no interior de uma Todas as manifestações da língua se verificam
sociedade. Mas também pode ser um conjunto (se materializam) na fala, no indivíduo e é lá
de conhecimentos, de ideias e de crenças, onde ocorrem as primeiras manifestações de
assim como as maneiras como esse conjunto de variação e mudança linguísticas. É um processo
conhecimento se manifesta na vida social. de formação de signos linguísticos, estruturas
semânticas, sintáticas, usados pelos falantes
Para Cuche, “o processo que cada cultura sofre (nativos e não nativos) que se relacionam ao
em situação de contato cultural, processo de contexto, ao ambiente em que os indivíduos
desestruturação e depois de reestruturação, é frequentam e/ou aqueles que estão ao seu redor.
em realidade o próprio princípio da evolução
de qualquer sistema cultural. Toda cultura A fala é um ato da faculdade humana, esse
é um processo permanente de construção, saber é depositado na mente de cada indivíduo,
desconstrução e reconstrução” (CUCHE, 1999, p. que necessita inteiramente deste emaranhado
137). Se a cultura é instável, como é que a língua de signos combinatórios para que haja uma
como parte integrante permanecerá estática? É compreensão, fazendo-se inicialmente uma
claro que a língua vai acompanhar esse processo comunicação. Desta forma, o léxico é geral
dinâmico da cultura. Cuche (1999) conclui que e a ampliação lexical num idioma é um
“não existem, conseqüentemente, de um lado as fenômeno natural, embora haja países que
culturas puras e de outro, as culturas mestiças. controlam (através de Comissões e Comitês de
Todas, devido ao fato universal dos contatos julgamento linguístico) a entrada e a integração
culturais, são, em diferentes graus, culturas mistas, de neologismos na língua. A cultura seria, no
feitas de continuidades e de descontinuidades” entanto, o conjunto de práticas sociais, situadas
(CUCHE, 1999, p. 140, grifos do autor). Esta reflexão historicamente, que se referem a uma sociedade
com a cultura nos leva a pensar que com língua e que a fazem diferente de outra. Baseia-se na
acontece a mesma coisa. Não existe uma língua construção social de sentidos a ações, crenças,
pura. Uma língua é uma soma de várias línguas e hábitos, objetos que passam a simbolizar aspectos
sempre está sujeita a influência de outras. da vivência humana em coletividade. Construída
socialmente no cotidiano das relações humanas
Ligando a palavra “léxico” com “cultura” surge o demanda que seja definida no seio das relações
neologismos lexicultura que segundo Timbane sociais e históricas que a amparam e por ela são
(2014, p. 46) é “o conjunto de itens lexicais que caracterizadas.
caracterizam e especificam uma determinada co-
munidade linguística”. A lexicultura se divide em A “nossa língua”, a LP é composta por um conjunto
duas partes: a) A lexicultura geral, aquele conjun- de possibilidades em todos os níveis (fonético-
to de itens lexicais que são identificados por toda fonológico, semântico, lexical, morfológico,
comunidade linguística, neste caso, a comunida- sintático e pragmático) que se ligam e se cruzam
de lusófona; e b) A lexicultura específica, que se no momento da comunicação. Em nível lexical,
refere ao conjunto de itens lexicais que caracte- Timbane (2013) cita diferenças dos termos de
rizam uma variedade ou variante específica, ou futebol no português do Brasil e no português de
seja, pertence a um grupo restrito. Pertencem a Moçambique. Observa-se, por exemplo, que as
este grupo os angolanismos (NEGRÃO & VIOTTI, palavras escanteio, gandula, tira-meta, rodada,
2014), os brasileirismos (MASSINI-CAGLIARI, 2011), cavadinha no português do Brasil correspondem
os moçambicanismos (TIMBANE, 2013) até os dia- a canto, apanha-bolas, ponta-pé de baliza, mão,
letos mais conhecidos como o dialeto caipira, etc. chapéu no português de Moçambique. Para
Timbane (2013) a língua portuguesa falada/escrita
A língua é instável, dinâmica e criativa. A todo hoje é resultado de constantes modificações
o momento, a língua tenta se adaptar às novas ao longo de vários séculos fato que confirma a
36
tese de que as línguas mudam, mas continuam histórico dos africanos que tanto contribuíram
organizadas e oferecendo a seus falantes os para a formação da identidade brasileira.
recursos necessários para a circulação de
significados. O lugar as línguas na UNILAB ainda são respeita-
das pela Pró-Reitoria de Extensão, Arte e Cultura
A língua portuguesa pertence aos falantes (PROEX) que ainda lança editais de projetos que
das variedades e a eles serve para satisfazer aceita cursos de línguas. Geralmente se oferece
as necessidades comunicativas pontuais. Sem uma bolsa apenas para cada professor, o que em
a variedade seria impossível exprimir ideias muitos momentos não é suficiente. A demanda
e realidades próprias dos diversos lugares por cursos de extensão na área de línguas é gran-
geográficos. Segundo Antunes (2009, p.22) a de porque a graduação é o momento em que os
“língua sob a forma de uma entidade concreta, estudantes aproveitam adquirir uma grande gama
não existe. O que existe são falantes; são grupos de conhecimentos que ajudarão na definição do
de falantes”. São estes grupos de falantes que que vão fazer na pós-graduação.
precisam ser respeitados, ser respeitado a sua
história, os seus modos de interpretar o mundo, O lugar das línguas ainda precisa ser maior porque
suas crenças, enfim sua cultura. Toda língua viva só assim é que se vai reduzir o preconceito
tem seus mecanismos de ampliação do léxico, da linguístico com relação às línguas não oficiais. No
semântica, da fonética e da morfossintaxe. Brasil tem várias línguas indígenas que ainda não
têm espaço na Universidade. Isso não é positivo se
A cultura o conjunto complexo que inclui o entendermos a língua como um fenômeno social
conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o que se liga à cultura de um povo. Nos PALOP, as
direito, os costumes e as outras capacidades línguas locais ainda não são meios de ensino. O
ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto preconceito ainda prevalece. Falta uma política
membro da sociedade. Se a cultura é instável linguística que efetivamente valorize e coloque
e dinâmica, então, a língua segue os mesmos em prática o ensino e divulgação nessas línguas
passos mudando e variando ao longo do tempo autóctones. A UNILAB deve se transformar
e no espaço. Se fenômeno variação e mudança num ambiente motivador para que as línguas
não ocorresse no espaço lusófono estaríamos indígenas brasileiras e línguas africanas tenham
falando latim ou galego em vez de português. espaço para expandir. Falta a criação, produção
e publicação de dicionários e gramáticas que
efetivamente descrevem as línguas autóctones.
Considerações Finais
37
Referências
ABDULA, R. A. M.; TIMBANE, A. A.; QUEBI, D. O. As políticas linguísticas nos PALOP e o desenvolvimento
endógeno. Revista Internacional em Língua Portuguesa. IV Série, n. 31, 2017, p. 23-46.
ANTUNES, I. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola, 2009.
CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais. Trad. Viviane Ribeiro. Bauru: EDUSC, 1999.
DONEUX, J. L. Histoire de La linguistique africaine: des précurseus aux années 70. Paris: PUP, 2003.
MAHO, J. F. The online version of the new updated Guthrie List, a referential classification of the Bantu
languages. NUGL Online. p.6-124, 2009.
NEGRAO, E. V.; VIOTTI, E. Contato entre quimbundo e português clássico: impactos na gramática de
impessoalização do português brasileiro e angolano. Revista Lingüística. v.30, n.2, p. 289-330, 2014.
TIMBANE, A. A.; MANUEL, C. Os crioulos em África são línguas de base portuguesa? Embate sobre os
conceitos. Revista de Letras Juçara, Caxias, v. 02, n. 02, p.107-126, dez. 2018.
38
Denise Ferreira da Costa Cruz1
“hasta aquí, hasta llegar a mí traços da boca, nariz e formato dos quadris.
(…) você diz reconhecer É o corpo que nos remete à nossa marca no
o gosto de amar que trago na boca mundo. Somos um corpo negro.
os tons de terra que trago na pele
fácil perceber então que Nosso corpo é suporte para a inventividade
atravessamos percorremos e para a arte. Carregamos vários símbolos
os mesmos oceanos os mesmos continentes diacríticos de nosso pertencimento étnico
hasta aquí em nossos corpos. Nos cabelos, essa parte
maleável e emoldurável, imprimimos formas
: somos filhos da África de estar no mundo. Nossos cabelos falam se
e tudo que contamos através dos nossos corpos estamos em uma festa, se nos amamos, se
fala sobre nós, mas no profundo da memória temos dificuldade em lidar com sua textura,
guarda nossos ancestrais.” se optamos por buscar a liberdade. Ademais,
podemos ver nas tatuagens de mulheres
Esse excerto da poesia de Lubi Prates, poeta, negras a expressão de nossa identidade negra,
editora e tradutora negra brasileira de São Paulo, é ligação com a ancestralidade, resistência.
elucidativo daquilo que pretendo trazer nas páginas As intervenções genitais femininas são tema
que seguem: marcas do corpo que caracterizam de debates acalorados em todo o mundo e
o que chamo de colorismo transatlântico. Toda dividem opiniões sobre ser contra ou a favor
marca que nesse corpo encontramos pode ser de suas práticas. As escarificações encontradas
produtora de traumas, força e resistência. “Tudo em alguns povos africanos contam a história
que contamos através de nossos corpos fala sobre das mulheres. Elas foram e são muito tempo
nós”. No corpo guardamos história e imprimimos alvo de variados preconceitos.
no mundo nossa forma de expressão artística.
Corpo se faz importante porque é através deles Variadas formas de conceber o corpo. Estamos
que construímos nossa história diaspórica. Foram falando de corporalidades. No plural. Mesmo
corpos, em sua materialidade, que atravessaram entre você e sua irmã o corpo se configura de
o Oceano Atlântico. É com nossos corpos que forma diferente. Como bem falou Grada Kilomba,
compusemos parte do continente africano em em seu livro Memórias da Plantação, nós
terras estrangeiras. Quando pensamos no que vem sujeites negres nos “tornamos a representação
a ser negre, pensamos em pele, textura do cabelo, mental daquilo que o sujeito branco não quer
1. Professora Adjunta no Instituto de Humanidades da Universidade da integração da Lusofonia Afro-brasileira. Doutora em Antropologia Social pela
Universidade de Brasília. Mestra em Antropologia Social pela Universidade de Brasília. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal
de Minas Gerais.
39
parecer”. Assim cabelo crespo é lido como sujo, corpo da África no Brasil. Quando pensarmos em
escarificações são lidas como feias, intervenções uma constituição de povo, devemos incluir nele
genitais femininas são lidas como proibitivas sem o continente africano – nossa Mãe África – e toda
pensar em soluções rituais que as substituam, a diáspora que está por todo espaço do mundo.
tatuagens são lidas como marcas de marginais.
Mas o que significa dizer que África comporta
Minhas palavras farão ecoar as de muitas espaços físicos para além do continente? Quais
mulheres negras que pensaram/pensam o nosso as implicações dessa afirmação? Quando fui pela
corpo negro. Teoricamente, na experiência de primeira vez em Maputo, capital de Moçambique,
vida, espiritualmente. Assim, irei delinear uma eu tinha construído um espelho que precisava ser
reflexão produzida a partir minha experiência ajustado. Um espelho distorcido: depois de anos
como mulher negra na diáspora e minhas negando minha negritude eu a assumi inspirada
investigações sobre as percepções étnicas no por uma estética africana. Ou seja, se quando eu
continente africano. Minha voz não está sozinha. era criança eu não via no espelho o que via na
Falo com e a partir de mulheres negras: nos televisão – corpos de mulheres brancas, muito
Estados Unidos, na América Latina, na Europa; e brancas, muitas delas loiras dos olhos azuis –,
também em Moçambique e a partir de mulheres quando fui me descobrindo negra eu me via em
de Guiné-Bissau. Essas vozes, múltiplas, formam fotografias de mulheres africanas e assim me
um palimpsesto de universos corpóreos que nos identificava com elas esteticamente. Criei para
diz de diferenças e aproximações. É preciso falar mim uma estética a seguir, um espelho onde eu
daquilo que nos separa e nos faz singular, porque finalmente eu poderia me enxergar.
é na diferença que compomos mundos. Mas é
preciso também falar do elo que nos aproxima. Qual não foi a minha surpresa quando minhas
E, malgrado, o colonialismo e seus efeitos sobre interlocutoras de pesquisa em Maputo não
nossos corpos é um deles. me identificaram como uma delas!? Quando
eu descobri que meus cabelos são os mais
Uma dessas mulheres que me ajudam a pensar desejados entre elas. E que ser mestiça em
é a Beatriz Nascimento. Mulher historiadora, uma capital multiétnica e com configurações
negra quilombola, Beatriz, escreveu ideias muito complexas tem seu mel e seu veneno? Precisei
potentes para nossa lida do cotidiano. Lida que olhar para mim novamente, pensar meu corpo
pode ser entendida como o trabalho árduo que e minha identidade e entender que corpo
o corpo escravizado teve que vivenciar. Foi lendo negro é esse o meu nesse mundo que agora
Nilma Lino Gomes, pedagoga, ex-ministra da se tornava ainda mais vasto. O tom de terra que
Secretaria de políticas de promoção da igualdade trago na minha pele me faz uma mulher negra
racial no governo Lula, que percebi que essa no contexto em que nasci. Esse mesmo tom de
lida remete à luta, remete ao esforço, remete terra em solo moçambicano me faz ser lida como
à superação, à resistência. Assim, a diáspora mestiça ou mesmo mulungo (branca). Quando
africana, esse espaço corpóreo formado por penso em meus cabelos penso no sofrimento
homens, mulheres, pessoas negres, enfim, é parte que senti quando era uma criança desprotegida
constitutiva do continente África. Esse continente e que odiava a sua textura capilar. Mas quando
imenso, cheio de histórias. Algumas dessas realizo o projeto de extensão “Tramas e tranças:
histórias interrompidas, outras apropriadas, foi e cabelos e tecidos na construção da identidade
é espaço presente no imaginário negre brasileiro africana e afro-brasileira” vejo que a indústria dos
e latino americano que se transforma e se recria cabelos cacheados elegeu um cabelo que é mais
no fazer, ser e sentir. A diáspora forma aquilo que bonito do que outro. Que existe uma hierarquia
Lélia Gonzales chamou de Améfrica: processo de das texturas. Vivemos o que nomeio colorismo
africanização do continente americano. Assim, é transatlântico.
importante considerar que somos um espaço-
40
Há um objeto cuja presença eu ouvia falar muito Muita tinta foi gasta para falar dos efeitos danosos
quando eu era criança: o pente de ferro. Eu início das teorias da democracia racial. Sabemos que
com ele porque sua presença diz sobre uma me- ela não passa de uma farsa que escamoteia as
mória vivas que marcam nossa psique. Presente relações de poder que encontramos no seio da
nas periferias negras do Brasil, no interior dos pa- sociedade brasileira. Ao contrário desse paraíso
íses africanos e na memória das mulheres negras idílico onde pessoas negras e brancas convivem
mundo afora, o pente quente, ou pente de ferro pacificamente gosto de pensar no Apartheid de
é um objeto-sacrifício: com ele deixamos quei- afetos que surgem quando há encontros entre
maduras de nossa pele e com ele lutamos para corpos-mundos: língua, corpo, cor da pele,
termos um cabelo liso. Se puxarmos em nossa textura do cabelo. Se temos em nossas famílias
memória lembraremos que ele fritava o cabelo e pessoas brancas, negras e indígenas sabemos
emitia um cheiro muito ruim, que lembra cheiro que nosso fenótipo vai criar uma relação de
de carne queimada. Quando o utilizávamos, ele rejeição, interdição ou de aceitação. Falando de
soltava uma fumaça e muitas vezes sua memória forma direta, minha mãe ouvia, quando criança
nos remete ao sofrimento. Mas rememorar o uso que era preciso embranquecer a família uma vez
do pente de ferro não é somente nos conectar que ela era a mais preta dentre nós.
à tristeza. Era também um momento de nos en-
contrar entre as pernas das nossas tias ou irmãs e Hoje, muitos movimentos negros têm se alastrado
trocas afetividades na família. pelo país provocando uma verdadeira revolução
interna em corpos e mentes de pessoas negras.
Esse instrumento, nos diz Silva (2008), pode ser Crianças estão aprendendo a amar seus cabelos
lido como objeto de tortura. Isso porque ele desde muito pequenas. Podemos pensar, por
significa a anulação de uma identidade – negra exemplo, na MC Sofia que canta rap sobre sua
- e a imposição de outra - branca. Ele deixa realidade de menina negra. Essa mudança, nada
marcas na pele com queimaduras. Essas marcas silenciosa, pode ser indício de que se construa
nos remetem às marcas que os senhores de não um apartheid de afetos, mas um amálgama
escravo deixavam nas peles dos seus objetos- de sentidos. O corpo negro é positivado, as
gente. Carne marcada como gado, desumanizava pessoas valorizam esse corpo e querem amá-lo.
e desumaniza nossos corpos. O pente de ferro Claro que essa realidade é ainda uma Utopia. Mas
pode ser entendido como extensão dessa o que seria de nós se não fabulássemos sobre os
memória dolorida, pois divide o mundo entre mundos que queremos?
“nós” e “eles”. E apaga nossas diferenças dentro do
nosso próprio universo que é rico e diversificado. Quando fui para Maputo, a capital de
Observe sua família, quantas texturas são Moçambique, eu pude presenciar o cotidiano
possíveis de encontrar na estrutura capilar? de mulheres, sobretudo de classe média e seus
Quantas possibilidades e diferenças temos entre rituais de cuidados com os cabelos. Geralmente
nós mulheres negras? Na textura da pele, nos localizados na parte de fora da casa, no quintal,
traços corporais, na textura do cabelo. O “nós” o momento de cuidar do cabelo era partilhado
que esse tipo de objeto cria remete ao normal, ao com as mulheres da família ouvindo música,
belo e ao desejado. Enquanto “eles” que somos vendo vídeo clipes e conversando. Muitas vezes
nós mulheres negras, somos relegadas ao sujo, bebendo a bebida preferida. Dentre as conversas
ao impuro, ao feio e indesejado. As origens da estavam presentes debates sobre o cuidado com
representação negativa do cabelo crespo nos a família, as relações com os maridos, o cuidado
remetem ao século XVIII. Cientistas evolucionistas com os filhos. Esse momento é vivenciado a
dessa época hierarquizavam as “raças” humanas e partir de variadas trocas: trocas de afetos, do
as categorizava a partir da pigmentação da pele, toque e da suspensão do tempo. O toque é algo
da textura do cabelo e da estrutura do crânio e compartilhado entre mulheres. Uma se acomoda
do corpo. entre as pernas da outra e sente o afago em suas
41
cabeças. O tempo dedicado à beleza, suspende
o tempo do trabalho e da dedicação ao trabalho.
42
Referências
NASCIMENTO, Beatriz (1974). In: RATTS, Alex. Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz
Nascimento. Instituto Kuanza; Imprensa Oficial: São Paulo, 2006.
GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou
ressignificação cultural? Revista Brasileira de Educação, no. 21, 2002.
GOMES, Nilma Lino. Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolos da identidade negra. Belo Horizonte,
Autêntica, 2008.
GONZALES, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: Revista de Ciências Sociais hoje, Anpocs,
1984.
KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação – episódios de racismo cotidiano / Grada Kilomba; tradução
Jess Oliveira. 1. ed. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
SILVA, Cláudia Rose Ribeiro. Cabelos e memória no museu da maré: reflexões sobre usos e significados do
pente quente. Anais do Museu Histórico Nacional Vol 1. (1940). Rio de Janeiro. Volume 40, 2008.
43