II - Dividido

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História das Religiões:

Cristianismo
Material Teórico
Cristianismo Dividido

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Ney de Souza

Revisão Textual:
Prof. Ms. Claudio Brites
Cristianismo Dividido

• Tempo de Mudança e Tempo de Reforma


• Lutero, seu Pensamento e Desdobramentos
• Concílio de Trento.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Entender os anseios de mudança na estrutura institucional religiosa e
o contexto ocidental propício para esse evento.
· Apresentar a reação do catolicismo à Reforma Protestante.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Cristianismo Dividido

Introdução
As Reformas Protestantes culminaram um extenso e mui complexo período na
História da Europa. Falar em Reforma Protestante requer um pano de fundo (ba-
ckground) histórico necessário para se entender o que estava realmente ocorrendo
na Europa e quais as causas que levaram a uma ruptura tão grande na cristandade.

Alguns historiadores discutem em relação ao fim da Idade Média e a passagem


para a Idade Moderna como algo que ocorreu com as Reformas Protestantes – e
não com a queda de Constantinopla, em 1453.

Por isso, será necessário apresentar esse pano de fundo que nos ajudará a
entender as Reformas como um processo – e não como uma ação.

Outro ponto importante que você já deve ter notado é que estamos utilizando
o plural: Reformas Protestantes – e não Reforma Protestante. Isso porque não
ocorreu uma Reforma, mas várias Reformas ao longo de um curto período. Muitos
livros tratam as Reformas como uma única ação, coordenada por Martinho Lutero,
como se isso fosse possível. Pois bem, não foi o que ocorreu.

Precisamos ter em mente que as motivações se aproximavam (crítica à Igreja


Católica), mas as Reformas não tiveram apenas essa motivação. Por isso, precisamos
aprofundar nossos estudos para entender o processo das Reformas nesse período.

Tempo de Mudança e Tempo de Reforma


Iniciamos nossa jornada pela Quarta Cruzada contra os mulçumanos e pela
libertação da Terra Santa (Jerusalém). Entretanto, essa Cruzada foi desviada de
seu intuito original e os cruzados, junto aos venezianos, tomaram e saquearam
Constantinopla, cidade cristã e capital do Império Bizantino. Este evento deu aos
cruzados o monopólio comercial marítimo do Mediterrâneo.

Tal ato mudou completamente os rumos da História e da vida da Europa. Isso


fortaleceu os diversos reinos italianos e a Igreja Católica, que participava dos lucros
(por meio dos dízimos) do desembarque das mercadorias e na venda das mesmas.
Houve, também, a intensificação do comércio e novas feiras surgiram por toda a
Europa com os produtos que vinham do Oriente.

Com a desintegração dos feudos, começou uma migração para as vilas que
logo se tornaram cidades, com um fluxo cada vez maior de pessoas, mercadorias
e dinheiro. No século XII, surgiram as Corporações de Ofício para regulamentar o
processo produtivo artesanal nas cidades.

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As Corporações agregavam pessoas que exerciam o mesmo ofício e delimitavam
sua atuação de forma precisa. Existiam também corporações intermunicipais, cha-
madas hansas, cujo objetivo era defender os interesses de mercadores de um grupo
de cidades.

Foi nesse período também que surgiram as Universidades. A razão é colocada


predominantemente em função da fé. A pesquisa racional autônoma deveria ser vista
dentro do quadro religioso de conversão dos infiéis para quem era necessário propor
uma doutrina cristã com base na argumentação racional.

Porém, o que estava na mão da Igreja começa a se tornar autônoma, com algumas
instituições bancadas por regiões e reinos. Para uma visão sintética, apresentamos:

Tabela 1 – Referente à criação das universidades


O Surgimento das Universidades
Universidade Fundação
Bolonha 1088
Oxford 1096
Paris 1170
Cambridge 1209
Salamanca 1218
Montpellier 1220
Pádua 1222
Toulouse 1229
Siena 1240
Valladolid 1241
Coimbra 1290
Roma 1303
Florença 1321
Praga 1348
Heidelberg 1386
Fonte: baseada em SANTOS, Pedro Ivo dos. Renascimento, Reforma e Guerra dos Trinta Anos. Rio de Janeiro, JCM; SCHAFF, Phillip. History of the
Christian Church. VI Vols. Grand Rapids, 1980; SENARCLENS, J. Herdeiros da Reforma. São Paulo, Aste, 1970; TREVOR-ROPER, Hugh. Religião Reforma e
Transformação Social. Lisboa, PRESENÇA, 1972; TROELTSCH, Ernst. El Protestantismo y el Mundo Moderno. México, Fondo De Cultura Económica, 2005;
VERGER, Jean. As Universidades na Idade Média. São Paulo, Unesp, 1990; WALKER, W. História da Igreja cristã, 2 vols. São Paulo, Aste, 1967.

Outro acontecimento importante nessa época foi a criação da imprensa. Atra-


vés de Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg (1398-1468), inventor e
gráfico alemão que introduziu a forma moderna de impressão de livros, que possi-
bilitou a divulgação e cópia de livros e jornais. Sua invenção iniciou a Revolução da
Imprensa e é considerado o evento mais importante do período para a transição da
Idade Média para a Idade Moderna. Ele teve um papel fundamental no desenvolvi-
mento da Renascença, Reforma e na Revolução Científica.

Após as Cruzadas, a Igreja Católica adquiriu enormes riquezas provindas dos dí-
zimos na Itália, Portugal, Espanha e outros países. Esta riqueza tornou o Papado e
sua corte cada vez mais corrupta e o Papado passou a ser alvo de disputas políticas.

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O Papado passou a ser disputado pelas famílias italianas, francesas e espanholas e


cargos eram comprados ou arranjados a base de subornos, extorsões e assassinatos.

Outro fato importante tem a ver com a questão de higiene e de disseminação de


doenças. Devido ao grande fluxo comercial no Mediterrâneo, os navios que iam da
Itália para o porto de Bizâncio não tinham praticamente parada e nem manutenção
e limpeza. Isso ocasionou a peste negra, que é a transmissão da peste bubônica
através da urina do rato nos alimentos estocados nos navios.

A peste negra foi uma pandemia que assolou a Europa durante o século XIV e
dizimou entre 25 e 75 milhões de pessoas, um terço da população da época. Essa
pandemia durou de 1346 a 1353.
Explor

Quer saber sobre a origem da peste negra? Veja: https://goo.gl/QoMOnW

A Igreja, principalmente nos altos escalões, afastava-se do povo e cuidava apenas


dos ricos. Os pobres eram abandonados e largados à própria sorte. A Igreja fechou
as portas aos pobres e doentes, causando uma terrível fama em toda a Europa.

A diminuição da mão de obra levou à diminuição da atividade artesanal e comer-


cial e ocasionou também um êxodo rural dos doentes para as cidades em busca de
ajuda. Por sua vez, esse êxodo levou à diminuição da produção agrícola, à falência
de muitos feudos e à diminuição da renda dos senhores feudais.

Iniciou-se um ciclo inflacionário e aumento geral de impostos, o que levou a


revoltas e sublevações da população. Essas revoltas foram seguidas de extrema
repressão e violência e a Igreja apoiou os nobres e reis nessa atitude.

Por diversas vezes, quando o assunto era de interesse geral dos nobres ou da
burguesia, a Igreja acabava por concordar e apoiar suas ações contra o povo. Tudo
isso levou ao desgaste da imagem da Igreja perante a população mais pobre.

Após a crise da peste negra, a cúpula da Igreja demonstrava sua opção pelos
ricos e poderosos. O Papado passou a ser disputado por duas facções dentro da
cúria romana. A facção francesa e a facção italiana.

Felipe IV, o Belo (rei da França) expandiu as fronteiras e centralizou o poder


real. Graças às dificuldades financeiras, Felipe IV resolveu cobrar impostos da
Igreja Católica.

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O Papa Bonifácio VIII acabou ameaçando o rei de excomunhão e, através da
Bula Unam Sanctam, reafirmou a autoridade da Igreja sobre os homens.
Explor

Quer conhecer o que diz a Bula Papal? Veja: https://goo.gl/rqCe2y

Graças ao agravamento da situação, Felipe IV, convocou a Assembleia dos Es-


tados Gerais, que reunia membros do clero, da nobreza e dos comerciantes que
acabou autorizando os impostos.

Com a morte de Bonifácio VIII, o rei interferiu na sucessão Papal, escolhendo


Clemente V e transferindo o Papado para Avignon, na França. Durante 70 anos
(1307-1377) o Papa esteve sob a tutela dos reis franceses, o que intensificou a
crise dentro da Cristandade. Assim, o Papado se dividiu, com eleições de pontífices
em Pisa e Roma determinando excomunhões e perseguições.

Para uma síntese:

Tabela 2 - Referente ao Cisma do Papado


Papas do período do Cisma do Ocidente
Local
Roma Pisa Avignon
Urbano VI Clemente VII
1378-1389 1378-1394
Bonifácio IX Benedito XIII
1389-1404 1394-1417
Inocêncio VII Alexandre V
1404-1406 1409-1410
Gregório XII João XXII
1406-1417 1410-1417
Fonte: baseada em: SANTOS, Pedro Ivo dos. Renascimento, Reforma e Guerra dos Trinta Anos. Rio de Janeiro, JCM; SCHAFF, Phillip. History of the
Christian Church. VI Vols. Grand Rapids, 1980; SENARCLENS, J. Herdeiros da Reforma. São Paulo, Aste, 1970; TREVOR-ROPER, Hugh. Religião Reforma e
transformação social. Lisboa, Presença, 1972; TROELTSCH, Ernst. El Protestantismo y el Mundo Moderno. México, Fondo De Cultura Económica, 2005.

Esse episódio ficou conhecido como o “Cisma do Ocidente”. A crise só terminou


em 1417, com a eleição de Martim V, no Concílio de Constança. A imagem da
Igreja ficou completamente desgastada entre as classes pobres e camponesas e
entre os ricos, tanto burgueses quanto os nobres.

A Igreja tinha uma relação conflituosa em relação aos Estados e à burguesia por
causa dos dízimos e dos vários desmandos que a mesma perpetuava.

Na França, o rei promulgou uma lei para proibição de apelar para Roma como
última instância, limitações dos direitos da Santa Sé nas nomeações para ofícios e
benefícios. Na Alemanha, os príncipes usurparam a jurisdição eclesiástica em seus
territórios com a imposição de taxas sobre os bens eclesiásticos.

Na Inglaterra, os nobres e o rei consideraram o Papa como instrumento do


soberano francês. Vários decretos do século XIV negam ao Papa o direito de

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nomeação para os ofícios eclesiásticos ingleses, proíbem o apelo a Roma e a


introdução das Bulas Papais.

Nesse período conturbado os Papas se sucederam com uma visão ora reformadora,
ora de aumento do poderio da Igreja. Ocorreram assassinatos, traições e a Igreja
entrou em decadência moral. Para uma visão sintética do período, apresentamos:

Tabela 3 – Referente aos papas do Renascimento


Os papas do Renascimento
Data Papa Ação
1417-1431 Martinho V Término do Cisma do Ocidente
1431-1447 Eugenio IV Quebra do poder conciliar
1447-1455 Nicolau V Intrigas para aumentar seu poder político na Itália
1455-1458 Calixto III Nepotista, da família Bórgia
1458-1464 Pio II Honesto e sério. Breve pontificado.
1464-1471 Paulo II Amante inveterado – transforma a corte em prostíbulo
1471-1484 Sixto IV Interessado em artes. Nepotista e corrupto
1484-1492 Inocêncio VIII Filhos ilegítimos. Autoriza a venda de indulgências
1492-1503 Alexandre VI Bórgia. Auge da corrupção – traição, assassinatos e guerras
1503 Pio III Reformador (morre 26 dias depois da eleição)
Prossegue em guerras para aumentar o poder. Promove artistas
1503-1513 Júlio II
como Miguelângelo e Rafael – Capela Sistina e Vaticano
Continua ampliando o poder através de guerras, termina
1513-1521 Leão X
a Basílica de São Pedro com a venda de indulgências
Fonte: baseada em: SANTOS, Pedro Ivo dos. Renascimento, Reforma e Guerra dos Trinta Anos. Rio de Janeiro, JCM; SCHAFF, Phillip. History of the
Christian Church. VI Vols. Grand Rapids, 1980; SENARCLENS, J. Herdeiros da Reforma. São Paulo, Aste, 1970; TREVOR-ROPER, Hugh. Religião Reforma e
transformação social. Lisboa, Presença, 1972; TROELTSCH, Ernst. El Protestantismo y el Mundo Moderno. México, Fondo de Cultura Económica, 2005.

Cada vez mais a Igreja passava a ser questionada, seja nos círculos das nobrezas
e nos círculos acadêmicos, seja entre as diversas classes camponesas e burguesas.
Dentro da Igreja, também havia uma série de questionamentos sobre a postura da
cúpula, dos bispos, dos arcebispos e mesmo sobre o comportamento dos Papas.

Desde o ano de 1000, em toda a Europa começaram a surgir resistências e


grupos que queriam seguir o evangelho de maneira simples e ter uma vida mais
próxima ao ideal bíblico de cuidado e amor aos necessitados.

Um desses grupos foram os cátaros. Eles pregavam a fraternidade, a vida simples


e a divisão dos bens eclesiásticos. Os cátaros cresceram e levaram diversas aldeias à
adesão de sua fé. Ao longo do tempo seu crescimento trouxe a preocupação tanto
do rei da França quanto ao Papado.
Por ordem do Papa Gregório IX se formou a Cruzada Albigense (1209-1244)
e, com o apoio dos príncipes, os cátaros foram massacrados. Estudiosos apontam
20.000 mortos pela sua fé.

Outro movimento importante foi o dos petrobrussianos. Esse movimento surgiu


por volta do ano 1110 no Sudoeste da França. Receberam este nome devido
seu fundador que se chamava Pedro de Bruys. Ele era padre, porém, tomado de

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indignação pela imoralidade do alto clero, abandonou a Igreja e começou a pregar
o Evangelho Genuíno de Cristo em 1104.

Pedro de Bruys declarou guerra ao Papado e aos dogmas de sua Igreja, combateu
a prostituição e perversão do clero, declarando que os ministros deveriam se casar.
O movimento foi extinto em 1148 com a prisão e morte dos líderes, entre eles
Pedro de Bruys (1126) e Henrique de Lausane (1148).

Nesse período a relação da Igreja e os nobres era ambígua. Dependendo da


situação, a Igreja apoiava determinado soberano ou ia contra ele. As alianças, em
geral, eram contra qualquer sublevação das massas pobres e camponesas.

Surgiram, então ao longo de todo o período, diversos homens e mulheres que


buscaram uma reforma espiritual da Igreja. Essas pessoas foram chamadas de
pré-reformadores.

Um desses chama-se Pedro Valdo que acabou por angariar diversos seguidores
que se denominavam de Valdenses (1174). Pedro Valdo, que tinha abandonado
tudo para se dedicar à vida ascética, foi proibido de pregar, mas seu movimento
continuou e se espalhou por diversas cidades. Quando as perseguições se tornaram
mais fortes, seus seguidores se refugiaram nos Alpes. Muitos dos valdenses mais
tarde aceitaram os mensageiros da Reforma e se uniram a eles.

Outra figura histórica importante foi Thomas Bradwardine. Ele foi filósofo, físico
matemático e monge inglês (1295-1349). Um dos autores da Matemática abstrata,
teórica, ligada a fenômenos naturais e questões místicas e religiosas. Realçava a
graça de Deus através da salvação e não da Igreja. Morreu devido à peste negra.

Outro nome de destaque foi Gregório de Rimini. Filósofo e teólogo cristão


(1300-1358). Realçava a graça de Deus na salvação – e não através da Igreja. Suas
obras mais conhecidas foram Super Primum et Secundum Sententiarum e De
imprestantiis Venetorum et de usura.

Dentre todas as figuras, uma se destaca. John Wycliffe, professor de teologia


da Universidade de Oxford, que se insurgira contra os tributos cobrados pela Igreja
e declarara ser a Bíblia a única regra de fé, sendo livre a sua interpretação. Seus
seguidores deram ao movimento um caráter de luta social contra a nobreza, e
chefiados por John Ball, revoltaram-se em 1383, tendo conseguido entrar em
Londres, onde, enganados por Ricardo II, foram eliminados completamente, sendo
seus chefes decapitados.

No final do século XIV e início do século XV na Inglaterra surgiram os lalardistas.


A origem do movimento encontra-se nos ensinamentos de John Wycliffe.

Eles queriam a reforma da Igreja Católica. Entre as suas principais doutrinas


estavam que a devoção era um requerimento para que um padre fosse um
“verdadeiro” padre. Acreditavam que a autoridade resulta da devoção e não da
hierarquia da Igreja. Advogavam a pobreza apostólica e a taxação das propriedades
da Igreja.

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Outro grande nome foi Jan Huss. Professor da Universidade de Praga,


influenciado pelas ideias de Wycliffe, tornou-se o chefe de um movimento religioso
nacionalista de caráter antigermânico e antipapista.

Havendo comparecido ao Concílio de Constança para justificar-se sob o ponto


de vista doutrinário, foi considerado herético. Além disto, acabou sendo executado,
não obstante possuir um salvo-conduto dado pelo imperador germânico. Sua
execução desencadeou sangrenta guerra religiosa na Boêmia.

Por fim, citamos Girolamo Savonarola, um reformador dominicano. Devotou-se


aos estudos de Filosofia e Medicina. Fortaleceu a instrução dos noviços no mosteiro
e começou a escrever os tratados filosóficos baseados em Aristóteles e em São
Tomás de Aquino.

Em seus novos sermões atacou violentamente os crimes do Vaticano. Em 1497,


foi excomungado. Preso por ordem papal e condenado à morte em 1498. Foi
torturado e enforcado e o seu corpo queimado em praça pública.

Todo esse ambiente preparou o pano de fundo histórico para as Reformas


Protestantes. Podemos citar, como síntese:
• A insatisfação da nobreza e da burguesia;
• As críticas crescentes do baixo clero;
• O crescente sentimento acadêmico anticlerical;
• A decepção das classes baixas com a postura da Igreja.

Ou seja, as Reformas foram um processo em que o ambiente na Europa foi se


apresentando de tal modo que o surgimento de Lutero não se deu por mero acaso
ou da vontade de uma ou duas pessoas. Foi um processo histórico que envolveu
uma série de situações e sentimentos.

Lutero, seu Pensamento e Desdobramentos


A Reforma Protestante que se iniciou com Lutero ocorreu no Sacro Império
Romano. O Sacro Império era a região mais católica, depois da Itália, e, também,
a maior e mais pobre.

Nessa ocasião, o Sacro Império estava dividido em diversos feudos, e com forte
dominação estrangeira (papal e espanhola) em vários pontos de seu território. Ha-
via uma crescente insatisfação quanto à presença estrangeira.

A Igreja Católica alemã era muito rica. Seus maiores domínios se localizavam
às margens do Reno, chamadas de “caminho do clero”, e eram estes territórios
alemães que mais impostos rendiam à Igreja. A Igreja era sempre associada a tudo
que estivesse ligado ao feudalismo.

Por isso, a burguesia via a Igreja como inimiga. Os anseios da burguesia eram de

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uma Igreja que gastasse menos, que absorvesse menos impostos e, principalmente,
que não condenasse a prática de ganhar dinheiro.

Já os senhores feudais alemães estavam interessados nas imensas propriedades


da Igreja e do clero alemão. Os pobres identificavam a Igreja com o sistema que os
oprimia: o feudalismo. Isto porque ela representava mais um senhor feudal, a quem
deviam muitos impostos.

Na época que antecedeu essa Reforma Protestante, Carlos V, rei do Sacro Im-
pério Romano Germânico, estava em grandes dificuldades em relação ao fragmen-
tado Império. Diversos duques questionavam sua liderança e pediam reformas.

Em 1495 foram criadas diversas circunscrições em uma tentativa de recuperar


a glória do Império durante a Idade Média. A Dieta de Augsburg, em 1500, criou
seis circunscrições: Distrito da Baviera, Distrito da Suábia, Distrito de Alto Reno,
Distrito de Westphalia, Distrito da Franconia, Distrito de Saxônia, na tentativa de
aplacar as críticas dos nobres e dar mais poder a esses em troca de apoio. O Sacro
Império estava dividido em mais de trezentas regiões e feudos. Isso enfraquecia o
Império e o imperador. Porém, tal atitude só fez reforçar em alguns setores a ideia
de levante.

A Igreja Católica detinha diversos territórios dentro do Império Germânico e


cobrava pesadas taxas do povo e da nobreza. Essas terras eram cobiçadas pelos
nobres e príncipes alemães e estavam no centro da insatisfação com a Igreja.

Quando a Igreja iniciou a cobrança das indulgências no intuito de arrecadar di-


nheiro para as obras no Vaticano e na Capela Sistina, Lutero deu voz aos protestos
anteriores de Wycliffe, Jan Hus e outros. A Reforma Protestante ocorreu com Mar-
tinho Lutero, afixando suas noventa e cinco teses contra a Igreja Católica (1517).

Capela Sistina: Situada no Palácio Apostólico, residência oficial do Papa na Cidade do


Explor

Vaticano. Inspirada no Templo de Salomão. Sua decoração em afrescos foi pintada pelos
maiores artistas da Renascença, incluindo Michelangelo, Rafael, Bernini e Sandro Botticelli.
A capela tem o seu nome em homenagem ao Papa Sisto IV, que restaurou a antiga Capela
Magna, entre 1477 e 1480. Estas pinturas foram concluídas em 1482.

O povo e a alta nobreza aguardavam por uma liderança que aglutinasse seus
anseios. Em relação aos pobres, a venda das indulgências e a falta de cuidado
dos necessitados, a péssima imagem dos cardeais e da Cúria romana. As histórias
sobre o Papado e sua corrupção. Por parte dos ricos e poderosos a avidez da co-
brança dos dízimos e a corrupção da Igreja e sua sede de poder e terras eram cada
vez deploradas e motivo de crítica.

Quando Lutero criticou a Igreja, obteve o apoio dos diversos príncipes alemães
que tinham interesse em mudanças na balança de poder junto à Igreja Católica e a
influência que esta exercia sobre Carlos V. É importante ressaltar que Lutero não
pretendia criar outra igreja. Ele fez críticas que já eram conhecidas do povo e já

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UNIDADE Cristianismo Dividido

estavam em circulação há muito tempo. Porém, o que Lutero aparentemente não


percebeu de início é que o seu gesto angariou apoio de muitos interesses de abrir
uma crise entre a população, os poderosos e a Igreja.

Martinho Lutero: Iniciador da Reforma Protestante e fundador da Igreja Luterana. Estudou


Explor

na Universidade de Erfurt e ingressou na Ordem dos Agostinianos. Passou a criticar a venda


de indulgências pela Igreja Católica e a defender a tese de que o homem só se salva pela fé.
Acusado de herege, fixou na porta da igreja do Castelo de Wittenberg as 95 teses que iniciam
a Reforma. Excomungado em 1520, publicou Manifesto à nobreza alemã, Do cativeiro
babilônico da Igreja e Da liberdade do cristão, os grandes escritos reformistas.
Em 1521, foi banido da Alemanha pelo imperador Carlos V. Apoiado por setores da nobreza,
traduziu o Novo Testamento para o alemão. Abandonou a ordem agostiniana em 1524.

O Império ficou dividido com o Norte, o Leste (Estrasburgo, Frankfurt, Nu-


remberg) apoiando a Reforma e o Sul e Oeste apoiando a Igreja Católica. Logo,
surgiram outros líderes na Europa também querendo reformar a Igreja ou mesmo
se separar dela.

Comecemos com um caso à parte, a Reforma Anglicana. O rei Henrique VIII,


rei da Inglaterra (de 1509 a 1547), era um aliado do papado, mas uma situação
inusitada colocou Henrique e o Papa em campos opostos. Casado com Catarina de
Aragão, Henrique teve seu pedido de anulação negado pelo Papa. Henrique queria
um herdeiro para o trono e, por conta disso, Henrique desejava se separar para
desposar sua amante, Ana Bolena.

Com o apoio do alto clero inglês e do Parlamento, Henrique reconheceu seu di-
vórcio e, em 1534, o Parlamento votou o Ato de Supremacia, tornando Henrique
VIII o chefe supremo da Igreja da Inglaterra (Anglicana).

Assim, a Igreja da Inglaterra separou-se de Roma e ficou em um meio termo


entre os protestantismos e o Catolicismo.

Em Zurique surgiu outro líder. Seu nome era Ulrico Zuínglio (1484-1531). Estu-
dou na Universidade de Viena, de Basileia e de Berna. Em 1506, Zuínglio tornou-
-se padre. Após anos de atividade sacerdotal, iniciou um trabalho de pregação do
Evangelho, baseando-se tão somente na Escritura Sagrada.

Poucos meses depois, o governo de Zurique, na Suíça, resolveu apoiar Zuínglio


que, em 1525, tornou-se protestante e iniciou outra Reforma. Em 1531, estourou
a guerra entre as regiões católicas e as protestantes, lideradas por Zurique. Zuínglio
morreu no dia 11 de outubro de 1531.

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As Igrejas que surgiram como resultado do movimento iniciado por Zuínglio são
chamadas de Igrejas Reformadas e em outros países adotou-se a nomenclatura de
Igrejas presbiterianas.
Outro importante líder foi João Calvino. Nasceu em Noyon, França. Antes de
completar doze anos, foi nomeado capelão de Lá Gesine, próximo de Noyon.
Com 14 anos ingressou na Universidade de Paris. Tornou-se profundo conhe-
cedor das línguas bíblicas. Foi para Basileia, cidade protestante.
Introduziu o estudo do seu catecismo, o uso de uma nova liturgia, um governo
eclesiástico presbiterial, disciplinou a vida civil, estabeleceu normas para o funcio-
namento do comércio e fez de Genebra uma Cidade-Modelo. Em 1559, fundou a
Academia – Universidade de – Genebra.
Um terceiro líder que iniciou outra Reforma foi John Knox. Reformador escocês
que liderou uma Reforma Religiosa na Escócia segundo a linha calvinista.
Recebeu influências do liberalismo humanista na Universidade de Glasgow. Pro-
fessou a fé protestante em finais de 1545 e fundou a Igreja Presbiteriana na Escócia.
Esses reformadores eram humanistas, ligados aos extratos nobres e ricos da
sociedade. O apoio que obtiveram dos nobres possibilitou o avanço de suas ideias.
Logo a Europa se dividiu em diversas regiões apoiando o Catolicismo e os
diversos Protestantismos.
A Espanha estava em crise na iminência da guerra com os turcos por conta da
queda de Constantinopla (1453). Carlos V não tinha condições de dar atenção
ao que acontecia nas suas possessões germânicas. A França, com Francisco I,
estava em constante disputa com a Espanha. Francisco I não apoiou a Reforma.
A Inglaterra de Henrique VIII faz sua própria Reforma, tornando a Igreja Católica
inglesa submissa ao Estado Britânico. Para uma visão de conjunto, apresentamos:

Tabela 4 – Referente às Reformas Protestantes


As Reformas Protestantes
Reforma Local Motivações/objetivos
Luterana Norte da Alemanha e Apoio dos príncipes alemães. Pretexto para tomar os bens
[Lutero] países escandinavos do clero e impedir o rei espanhol-católico Carlos V.
Anabatista Revolta camponesa antifeudal. Bíblia como motivadora de um
Alemanha
[Thomas Münzter] comunismo primitivo e utópico. Massacrado pelos príncipes feudais.
Suíça
Calvinista Inglaterra Igreja Católica condenava o lucro dos burgueses. Calvino
[Calvino] Holanda defendia o trabalho duro e a acumulação de capital.
França
Anglicana Reforço do absolutismo inglês. O divórcio de Henrique com Catarina
Inglaterra
[Henrique VIII] de Aragão foi o estopim para romper com o Papa e a Espanha.
Fonte: baseada em: SANTOS, Pedro Ivo dos. Renascimento, Reforma e Guerra dos Trinta Anos. Rio de Janeiro, JCM; SCHAFF, Phillip. History of the
Christian Church. VI Vols. Grand Rapids, 1980; SENARCLENS, J. Herdeiros da Reforma. São Paulo, Aste, 1970; TREVOR-ROPER, Hugh. Religião Reforma e
transformação social. Lisboa, Presença, 1972; TROELTSCH, Ernst. El Protestantismo y el Mundo Moderno. México, Fondo de Cultura Económica, 2005.

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UNIDADE Cristianismo Dividido

No campo religioso, o estopim da Reforma envolvendo Lutero foi a chamada


venda de indulgências. Na Doutrina Católica, indulgência – do latim: indulgentia:
“para ser gentil” – significa o perdão total ou parcial, e da pena temporal devida.
Historicamente, as indulgências eram conhecidas da população católica desde
muito tempo.
No século IV, autoridades eclesiásticas concediam indulgências para reduzir
as penitências muito longas e severas. Já no século VI, houve a substituição de
penas severas por jejuns e penitências. No século X, as indulgências passaram a
consistir em donativos, peregrinações e outras boas obras. No século XVI, o Papa
Leão X prometeu o perdão dos pecados (indulgência) para quem colaborasse na
reconstrução da Basílica de São Pedro.
Acreditava-se que Cristo e a Virgem Maria e os santos tivessem méritos que
poderiam ser distribuídos entre os cristãos que haviam acumulado déficit em razão
dos pecados cometidos. Os Papas tinham acesso a esse tesouro e podiam estendê-
lo aos pecadores que precisassem de uma diminuição na pena. Estes podiam,
assim, privar-se de parte das riquezas acumuladas durante a vida terrena e receber
em troca a riqueza espiritual dos santos.
O Papado necessitava de amplos recursos econômicos e o Cisma tinha tirado
boa parte da renda com as guerras constantes, o luxo das suas cortes e a avidez
pelo luxo. Restava então buscar recursos nos demais países da Europa ocidental.
Porém, havia uma forte resistência desses países em pagar mais taxas à Igreja.
Restava, então, buscar entre o povo os recursos necessários. Foi assim que o
Papa João XXII, elaborou um sistema de impostos eclesiásticos que ia da venda
de cargos eclesiásticos, venda de relíquias sagradas ou santas (simonia), à venda
de indulgências.
Em 1517, foi divulgada a taxa camarae, uma lista das indulgências previstas para
os vários pecados, com um tarifário estipulado. A título de ilustração, apresentamos:

Tabela 5 – Lista parcial referente às indulgências


O sistema de indulgências
Pecado Pagamento
Quem incorrer em pecado carnal, seja com freiras, primas,
67 libras e 12 soldos
sobrinhas, afilhadas ou com outra mulher qualquer
Se além do pecado de fornicação, pedir para ser absolvido
219 libras e 15 soldos
do pecado contra a natureza ou bestialidade
Se tiver fornicado contra a natureza com crianças ou animais 131 libras e 15 soldos
O sacerdote que deflorar uma virgem 2 libras e 8 soldos
A religiosa que quiser ser abadessa após ter se entregado a um ou mais homens
131 libras e 15 soldos
simultaneamente ou sucessivamente, dentro ou fora do convento
Os sacerdotes que quiserem viver em concubinato com seus parentes 76 libras e 1 soldo
Para cada pecado de luxúria cometido por um leigo 27 libras e 1 soldo
A mulher adúltera que pedir a absolvição para se ver livre de qualquer
87 libras e 3 soldos
processo e ser dispensada para continuar com a relação ilícita
Fonte: baseada em: TOMAT, Jacopo; MALUCELLI, Sergio. O livro negro do Cristianismo
– dois mil anos de crimes em nome de deus. São Paulo, Ediouro, 2000.

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Os chamados reformadores (Lutero, Calvino, Zuínglio e John Knox) acabaram
por constituir Igrejas voltadas para a classe média (burgueses) e para os nobres.

Essas Igrejas mantinham diversos pontos doutrinários da Igreja Católica, como


o batismo infantil. O povo mais humilde, trabalhadores, serviçais e camponeses
ansiavam por uma Igreja voltada para suas necessidades.

Em 1530, os luteranos preparam a confissão de fé que regeria as Igrejas lutera-


nas (Confissão de Augsburg). Ocorreu nesse período a chamada Reforma Radical.

A Reforma Radical, expressão como ficou conhecida, foi a revolta das massas
camponesas contra o controle dos anseios por uma Igreja livre e com justiça social.
Explor

Quer conhecer mais sobre a Reforma Radical? Veja: https://goo.gl/l06c56

Um dos líderes dessa revolta era Thomas Müntzer, quem nasceu por volta de
1490, em Stolberg, na região do Harz. Sua família fazia parte da burguesia, fi-
nanceiramente bem-situada. Estudou em Leipzig (1506) e em Frankfurt (1512).
Assumiu a função de colaborador do ministério eclesiástico e funções de professor.

Em 1513, foi ordenado sacerdote. Em 1518, entrou em contato com a discus-


são que se acendia em torno de Martinho Lutero. Em 1517, tornou-se adepto da
causa luterana. Por indicação de Lutero, Müntzer se tornou, em 1520, pregador
do evangelho na cidade de Zwickau.

Ao ver as condições precárias e sentir a revolta do povo, Müntzer acabou por


mudar sua pregação. Afirmou que o Cristianismo era uma doutrina para os humi-
lhados da Terra, criticou a exploração feudal e pregava o anabatismo, o batismo só
deveria ser feito em adultos conscientes, e que todos os bens deveriam ser distribu-
ídos igualmente para todos.

Para Müntzer a estrutura social e de domínio de sua época carecia de mudanças


radicais. Ele sabia que a pessoa chamada à Fé estava inserida e submetida a es-
truturas da sociedade. Nessa sociedade, vale apenas o lucro, o ganho, a honra e a
glória. Tal sociedade era contra Deus.

Tanto o Catolicismo quanto o Luteranismo e seus seguidores legitimavam a si-


tuação de poder e de sociedade existente. O Estado ajudava a Igreja como a Igreja
ajudava o Estado, um legitimando as atrocidades do outro.

Eles reivindicavam, a partir de uma leitura própria da Bíblia, uma série de mu-
danças:
• Impostos justos e tratamento humano;
• Volta ao ideal da Igreja primitiva;
• Separação entre Igreja e Estado;
• Batismo de adultos, por imersão;

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• Afastamento do mundo material;


• Fraternidade e igualdade;
• Pacifismo: proibição de porte de armas e serviço militar;
• Vida comunitária em colônias agrícolas.

Esse “comunismo fraternal cristão” assustou a nobreza, que tratou de exterminar


o que eles consideraram um excesso de liberdade dado pela Reforma Protestante.

O movimento foi abafado pelos nobres com o apoio de Lutero. Thomas e seus
seguidores foram capturados e decapitados. Historiadores estimam que morreram
cem mil camponeses. Um terço de toda a população camponesa do Império.

O Papa Paulo III convocou, em 1546, uma Cruzada contra os príncipes


protestantes, quase conseguindo acabar com o Luteranismo e os seus apoiadores.

Porém, Carlos V e o Papa Paulo III entraram em conflito e em 1552 Carlos V


chegou a uma trégua. Em 1555, Carlos V concedeu o direito à religião luterana
nos limites do seu reino, foi a chamada Paz de Augsburg.

Concílio de Trento
O Concílio de Trento foi uma reação às Reformas Protestantes. Desde há muito,
como vimos nos chamados pré-reformadores, a Igreja Católica tinha entre seus
membros muitos que desejavam e mesmo trabalhavam para uma revisão de suas
práticas e faziam críticas ao comportamento de muitos Papas.
Explor

Quer conhecer mais sobre o Concílio de Trento? Veja: https://goo.gl/QpkYDp

Porém, as Reformas Protestantes trouxeram dificuldades para esses movimentos,


pois a reação do Papado à época e mesmo dos grupos mais próximos do Papa
viram nas Reformas uma ameaça à própria Cristandade.
Por tudo isso, podemos dizer que em certa medida, o desejo de reforma acabou
por atrasar uma reforma profunda da Igreja Católica. Acirraram-se os ânimos e o
Concílio de Trento foi uma ação de contrarreforma.
Convocado em 1545 pelo Papa Paulo III, o Concílio durou 18 anos e teve à
frente diversos Papas, como Júlio III, Paulo IV, Pio V, Gregório XIII e Sisto V. Seu
término se deu em 1563.

O Concílio tinha o objetivo de assegurar a unidade da Fé e a disciplina eclesiástica


perante a Cristandade e dar uma resposta ao crescimento das Reformas Protestantes.

O nome do Concílio foi tirado do local onde foi realizado. A Cidade de Trento, na
Itália. O Concílio sofreu diversas interrupções por divergências políticas e religiosas
e se tornou o mais longo da História da Igreja Católica.

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Esse Concílio emitiu o maior número de decretos e produziu os resultados mais
profundos sobre a Fé e a disciplina da Igreja. Como forma de frear o avanço protes-
tante, foram apresentados diversos decretos disciplinares e muitos pontos doutriná-
rios tornaram-se dogmas.

Como exemplo, citamos os sete sacramentos, a transubstanciação, a Vulgata


como única Bíblia correta, a Tradição da Igreja passa a ser a fonte da verdade reve-
lada pelos Apóstolos.

Também se tornam dogmas da Igreja a doutrina da graça e do pecado original,


a justificação, a liturgia correta como a “Missa Tridentina”, o celibato clerical, a hie-
rarquia católica, o culto dos santos, das relíquias e das imagens, as indulgências e a
natureza da Igreja e as obrigações dos bispos.

Além disso, foram criados seminários nas dioceses como centros de forma-
ção sacerdotal e confirmou-se a superioridade do Papa sobre qualquer concílio
ecumênico. Foi instituído o Index Librorum Prohibitorum, um novo Breviário
(o Breviário romano) e um novo Catecismo (o Catecismo romano). Para uma
síntese, apresentamos:

Tabela 6 – Referente ao Concílio de Trento


Síntese do Concílio de Trento
Pontos Período
Primeiro período Segundo período Terceiro período
Líder Papa Paulo III Papa Júlio III Papa Pio IV
A comunhão sacramental

O sacrifício eucarístico da missa

Regras de vida e outras O sacramento da Ordem


atitudes a serem observadas
O sacramento do matrimônio
A profissão de Fé
O Santíssimo Sacramento Os bispos e cardeais
As Sagradas Escrituras da Eucaristia
Decisões O Purgatório
O Pecado Original Os Sacramentos da penitência
e da extrema-unção A invocação e veneração das
A Salvação (a Justificação) Sagradas Relíquias dos Santos
e das Sagradas Imagens
Os Sacramentos do
Batismo e da Crisma Os religiosos e as monjas

As indulgências

A mortificação

Transferência para Bolonha


por conta de um surto de
O Concílio determinou os
Observação tifo e pelo interesse de Retorno para Trento
parâmetros da Fé Católica
afastar a influência do
imperador Carlos V
Fonte: baseada em: WALKER, W. História da Igreja cristã. 2 vols. São Paulo, Aste, 1967; WILLIAMS, Terri. Cronologia da história eclesiástica em gráficos e
mapas. São Paulo, Vida Nova, 1993; WILSON, Drek. Reforma – o cristianismo e o mundo 1500-2000. São Paulo, Record, 1997; BRAUDEL, Fernand.
Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII. São Paulo, Martins Fontes, 1995.

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UNIDADE Cristianismo Dividido

Em 1540, foi criada a Companhia de Jesus, ordem religiosa fundada pelo


espanhol Inácio de Loyola. Foi fundada a Santa Inquisição e esta passou a varrer os
domínios da Igreja e os territórios onde a Igreja tinha influência, a fim de restabelecer
a Fé católica, perseguir, prender e matar os hereges, os judeus e qualquer resquício
de paganismo e bruxaria.

As resoluções do Concílio foram aceitas pela Espanha, Portugal, Polônia e


Estados italianos. A França só aceitou as resoluções cinquenta anos depois. Assim,
o Cristianismo se dividiu entre Católicos, Ortodoxos e Protestantes.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
A História das Doutrinas Cristãs
BERKHOF, Louis. A História das doutrinas cristãs. São Paulo, PES, 1992.
Documentos da Igreja Cristã
BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja cristã. 3. ed. rev. corr. atual. São
Paulo, Aste, 1998.
A Evolução do Capitalismo
BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja cristã. 3. ed. rev. corr. atual. São
Paulo, Aste, 1998.
A Civilização do Ocidente Medieval
LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente nedieval. Lisboa, Editorial
Estampa, 1984.
História da Igreja
PIERRARD, Pierre. História da Igreja. São Paulo, Paulus, 1982.

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UNIDADE Cristianismo Dividido

Referências
BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos
XV-XVIII. São Paulo, Martins Fontes, 1995.

CAIRNS, Earle. O Cristianismo através dos séculos. 2. ed. São Paulo, Vida
Nova, 1995.

CLOUSE, Robert. et al. Dois reinos: a Igreja e a cultura interagindo ao longo


dos séculos. São Paulo, CEP, 2003.

DEANESLEY, Margaret. A history of the medieval Church 590-1500. London,


Methuen, 1969.

FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe. Milênio: uma história de nossos últimos mil


anos. Rio de Janeiro, Record, 1999.

HOUSE, H. Wayne. História da Igreja em quadros. São Paulo, Vida, 1999.

LOHSE, B. A Fé cristã através dos tempos. 2. ed. São Leopoldo, Sinodal, 1981.

ORLANDIS, José. Historia de la Iglesia. 6. ed. Madrid, Ediciones Palabra, 1987.

PEREIRA DE FIGUEIREDO, Antônio. Bíblia Sagrada. Londres, SBBE, 1937.

NICHOLS, Robert H. História da Igreja cristã. 11. ed. rev. São Paulo, Cultura
Cristã, 2000.

NOLL, Mark A. Momentos decisivos na história do cristianismo. São Paulo,


Cultura Cristã, 2000.

REILLY, Bernard. Cristãos e muçulmanos. A luta pela Península Ibérica.


Lisboa, Teorema, 1992.

SANTIDRIÁN, Pedro R. (Org.). Breve dicionário de pensadores cristãos.


Aparecida, SP, Santuário, 1997.

SANTOS, Pedro Ivo dos. Renascimento, Reforma e Guerra dos Trinta Anos.
Rio de Janeiro, JCM.

SCHAFF, Phillip. History of the Christian Church. VI Vols. Grand Rapids, 1980.

SENARCLENS, J. Herdeiros da Reforma. São Paulo, Aste, 1970.

TREVOR-ROPER, Hugh. Religião Reforma e Transformação Social. Lisboa,


Presença, 1972.

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De Cultura Económica, 2005.

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VERGER, Jean. As Universidades na Idade Média. São Paulo, Unesp, 1990.

WALKER, W. História da Igreja cristã, 2 v. São Paulo, Aste, 1967.

WILLIAMS, Terri. Cronologia da história eclesiástica em gráficos e mapas.


São Paulo, Vida Nova, 1993.

WILSON, Drek. Reforma – o cristianismo e o mundo 1500-2000. São Paulo,


Record, 1997.

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