Uso de Redes Sociais e Solidão: Evidências Psicométricas de Escalas
Uso de Redes Sociais e Solidão: Evidências Psicométricas de Escalas
Uso de Redes Sociais e Solidão: Evidências Psicométricas de Escalas
RESUMO
ABSTRACT
The objective of this study was to gather evidence of validity and accuracy of the
Cuestionário de Adicción a Redes Sociales (CARS) and Revised UCLA Loneliness Scale
and to know the relationship between social network dependence and the perception
of loneliness. 234 university students from the city of João Pessoa (PB) participated,
with an average age of 23.94 years (SD = 6.67), most of them were female (58%)
and single (82.6%). They responded to CARS, UCLA, Scale of Problematic Internet,
Sigle Item Self-Esteem Scale and sociodemographic issues. The results of the explor-
atory factorial analysis indicated a single factor for the CARS and UCLA, which demon-
strated equally favorable evidence of precision, both with Cronbach’s alpha equal to
0.93. There was a positive relationship between the use of social networks and the
perception of loneliness and a negative relation of this last variable with self-esteem.
Therefore, the psychometric qualities of the instruments are ensured and it is verified
that the virtual contacts do not supply the need of face-to-face contact.
RESUMEN
Introdução
Nas duas últimas décadas, o uso da internet tem crescido de modo acelerado, atraindo
uma expressiva parcela da população mundial, aproximadamente 3,7 bilhões de usu-
ários no início de 2017. Especificamente, nos países desenvolvidos, a maioria das
pessoas que utilizam a internet (94%) estão na faixa de idade entre 15 a 24 anos
(International Telecommunications Union – ITU, 2017). No Brasil, de acordo com o
Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br,
2016), há 107,9 milhões de usuários que utilizam cotidianamente os serviços online.
Tal crescimento pode ser reflexo dos benefícios que a tecnologia traz, como a rapi-
dez da informação, a aproximação de pessoas, a redução nos custos dos apare-
lhos móveis e o acesso a conteúdo de pesquisas. Esse contexto também favorece o
aumento no número de acessos às redes sociais, independentemente de classe social
ou condição cultural (Batista & Barcelos, 2013).
Em relação às redes sociais, Recuero (2007) afirma que são interações sociais com-
plexas promovidas por tecnologias digitais de comunicação. Elas podem influenciar
a maneira como as pessoas se organizam na vida cotidiana e se configuram em uma
díade de elementos básicos, a saber: os atores (pessoas, instituição ou grupos) e
suas interações. Esses espaços virtuais são ferramentas de socialização, interação e
comunicação que interligam diversos usuários e proporcionam união entre eles.
Além dos benefícios enfocados anteriormente, o uso das redes sociais também pode
oferecer riscos à saúde mental das pessoas, os quais dependerão da forma como elas
são utilizadas. Sobre isso Mayate e Blas (2014) afirmam que é um verdadeiro para-
doxo, pois se por um lado as redes sociais auxiliam e aceleram a comunicação entre
as pessoas, por outro elas impedem o contato presencial, em que ocorrem as trocas
reais de afetos e interação.
Um dos sites de rede social mais popular é o Facebook, dentre as pessoas que utilizam
a internet, 92% estão conectados por meio de redes sociais, sendo o WhatsApp (58%) e
o Youtube (17%) as mais utilizadas depois do Facebook. Essas são acessadas por diver-
sos motivos, como interagir com amigos e familiares, buscar alguém para se relacionar,
realizar atividades profissionais e divulgar produtos e empresas (Portal Brasil, 2017).
Apesar dos vários benefícios que as redes sociais promovem, como estreitar as fron-
teiras e facilitar a vida das pessoas, é importante destacar que o uso excessivo pode
trazer prejuízos. Nessa linha, de acordo com Picon et al. (2015), a possibilidade de se
comunicar em redes online pelos celulares, permite uma maior facilidade de acesso
ao indivíduo, já que para isso, basta apenas ter o aparelho móvel e internet. Todavia
tal comportamento pode atrapalhar o cotidiano das relações pessoais, especialmente
o convívio com seus pares (por exemplo, familiares, amigos, colegas de trabalho/uni-
versidade), já que o indivíduo, mesmo na companhia de pessoas, pode permanecer
conectado às redes sociais e negligenciar os momentos compartilhados.
Neste sentido, ainda com relação aos riscos do uso excessivo de redes sociais, Isra-
elashvili, Kim e Bukobza (2012) encontraram que o nível de utilização da internet e
redes sociais se relaciona negativamente com o autoconhecimento e a autoestima.
Appel, Schreiner, Weber, Mara e Gnambs (2016) propuseram um estudo que procurou
reunir evidências referentes à relação entre a intensidade de conexão no Facebook
(rede social) com o autoconceito. Os resultados mostraram que a intensidade do uso
do Facebook foi um preditor negativo importante do modo como os participantes se
imaginavam em relações presenciais, os jovens preferiram manter amizades virtuais,
por terem uma autopercepção negativa.
A fim de investigar sobre esses aspectos, Mayate e Blas (2014) basearam-se em cri-
térios similares da dependência de substâncias e criaram o Cuestionario de Adicción
200
Patrícia Nunes da Fonsêca, Ricardo Neves Couto, Carolina Cândido do Vale Melo,
Luize Anny Guimarães Amorim, Viviany Silva Araújo Pessoa
Embora não haja consenso entre os estudiosos quanto à definição da solidão, tendo
em vista que pode se manifestar de diferentes maneiras, dependendo da faixa etária
(Liepins & Cline, 2011), há uma linha comum entre elas. Todas as definições repor-
tam a uma deficiência nas relações sociais; referem-se à solidão como algo subjetivo
e não objetivo, como o isolamento social; e aludem a uma insatisfação com os rela-
cionamentos sociais experienciados pelas pessoas, percebendo-os como insuficientes
ou inadequados, produzindo uma reação afetiva, representada por um sentimento
que inclui tristeza e vazio (Hawkley & Cacioppo, 2010).
Essa linha teórica define a interpretação da Escala de Solidão conhecida como Revi-
sed UCLA Loneliness Scale (Russel, Peplau, & Ferguson, 1978), a qual encara a soli-
dão como um estado psicológico, ou seja, as pessoas podem apresentar sentimento
de solidão ao longo de diversos percursos de tempo e diferentes situações da vida.
Utilizada no presente estudo, foi originalmente elaborada por Russel et al. (1978) e
demonstra consistência interna satisfatória, com um alfa de Cronbach igual a 0,78.
Tem como finalidade avaliar a solidão indiretamente, além de ser uma das escalas
mais empregadas na literatura para a avaliação da solidão e dos construtos associa-
dos (Correia, 2012).
No Brasil, a escala teve seus itens adaptados para o português por Barroso, Andrade,
Midgett, e Carvalho (2016), comportando-se em uma estrutura bifatorial. Porém, os
critérios psicométricos considerados foram confusos quanto a decisão da estrutura
e o pertencimento de cada item nas dimensões. Ademais, sendo a única evidência
encontrada, faz-se necessário avançar e reunir parâmetros psicométricos com amos-
tras diferentes no contexto brasileiro.
Ademais, a solidão é vivenciada por pessoas nas diferentes faixas de idade, sendo
mais comum entre jovens e idosos (Azeredo & Afonso, 2016). Utilizando a Escala
de Solidão da Revised UCLA Loneliness Scale (UCLA), Felix Neto (2001) contaram
com uma amostra de 105 adolescentes, 116 adultos e 104 idosos e corroboraram a
afirmativa supracitada, indicando um maior índice de solidão entre idosos e adoles-
centes, independente do sexo.
Partindo de uma amostra de 201 portugueses, com idade superior a 18 anos, e uti-
lizando a Escala de Solidão da UCLA, Reis, Leite, Amorim e Souto (2016) encontra-
ram maiores níveis de solidão em pessoas que dedicam mais tempo à utilização das
redes sociais. Além disso, Ceyhan e Ceyhan (2008) concluíram que a percepção de
solidão é um construto significativo, no estudo do uso problemático das redes sociais
por estudantes universitários, ainda mais forte do que a depressão. Dessa forma, é
possível verificar a relevância dos estudos com jovens que abordam o uso das redes
sociais e sua relação com o sentimento de solidão e as consequências psicológicas,
além de prejuízos ao rendimento acadêmico, profissional e desinteresse por outras
atividades (Braga & Dell’Aglio, 2013; Rangel & Miranda, 2016).
Neste sentido, o presente estudo tem como objetivo geral apresentar evidências de
validade e precisão do CARS e UCLA. Além disso, busca apresentar evidências de
validade externa com níveis de autoestima e, ainda, conhecer a relação da depen-
dência das redes sociais com a percepção de solidão em universitários.
Método
Participantes
A amostra foi composta por 234 universitários da cidade de João Pessoa (PB), com
idade média de 23,94 anos (amplitude de 19 a 56 anos; DP = 6,67). A maioria
era do sexo feminino (58,0%), solteira (82,6%), oriunda de instituições públicas
(54,0%) e com renda familiar variando de R$ 2.700,00 a R$ 5.600,00 (25,6%).
Afirmaram ficar conectados em média 5,79 horas por dia (DP = 4,34; variando de
uma hora até 18 horas).
Instrumentos
Os participantes responderam aos seguintes instrumentos:
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Patrícia Nunes da Fonsêca, Ricardo Neves Couto, Carolina Cândido do Vale Melo,
Luize Anny Guimarães Amorim, Viviany Silva Araújo Pessoa
CARS: desenvolvido por Mayaute e Blas (2014) no idioma espanhol, composto por
24 itens respondidos em uma escala tipo Likert de cinco pontos, que representam a
frequência de comportamentos relacionados ao uso dependente de celulares e redes
sociais, variando entre 1 = Nunca e 4 = Sempre. A estrutura fatorial é composta por
três fatores: obsessão por redes sociais (α = 0,91); falta de controle pessoal no uso
das redes sociais (α = 0,88) e uso excessivo das redes sociais (α = 0,92) e apresenta
índice de precisão geral considerado satisfatório (α = 0,95).
UCLA: construída por Russel, Peplau e Ferguson (1978), revisada por Russel et al.
(1980) e adaptada para o português brasileiro por Barroso et al. (2016). É utilizada
para avaliar o construto solidão, solicitando que os participantes relatem a sua per-
cepção com relação ao seu sentimento. É composta por 20 itens a serem respondidos
em uma escala tipo Likert, com quatro pontos, que variam de 1 = Nunca até 4 =
Muitas vezes. Apresenta uma estrutura unifatorial e consistência interna satisfatória
(alfa de Cronbach = 0,94; Russel et al., 1978).
Scale of Problematic Internet (SPI): elaborada no idioma espanhol por Salgado, Bou-
beta, Tobío, Malou e Couto (2014) e adaptada e validada para o contexto brasileiro
por Fonsêca, Couto, Melo, Machado e Souza Filho (2018). É uma medida de rastre-
amento sobre o uso problemático da internet, composto por oito itens (por exem-
plo, item 8. Tenho deixado de fazer coisas importantes para poder ficar conectado;
e item 2. Em algumas ocasiões tenho perdido horas de sono por usar a internet),
respondidos em uma escala tipo Likert com cinco opções de respostas, variando de
0 – Discordo totalmente a 4 – Concordo totalmente. Na versão adaptada, utilizada no
presente estudo, foi comprovada a estrutura unifatorial com bons índices de ajustes
e consistência interna (CFI = 0,99, TLI = 0,99, RMSEA = 0,03 (IC 90% = 0,00-0,07)
e Pclose = 0,72, além de um alfa de Cronbach de 0,82).
Sigle Item Self-Esteem Scale (SISES): construída e validada nos Estados Unidos por
Robins, Hendin e Trzesniewski (2001), é uma escala utilizada para avaliar a autoes-
tima. Foi adaptada e validada para o contexto brasileiro por Pimentel et al. (2018),
apresentando satisfatórias evidências de validade convergente. É composta por ape-
nas um item: “eu tenho autoestima elevada” respondido em uma escala tipo Likert
de 7 pontos, variando de 1 = Não muito frequente em mim a 7 = Muito frequente
em mim.
Procedimento
A fim de contar com a versão brasileira do CARS realizou-se a sua tradução por meio
da técnica de backtranslation (Sousa & Rojjanasrirat, 2010), auxiliada por profis-
sionais bilíngues (Português-Espanhol). A medida foi traduzida e, posteriormente,
retraduzida para o espanhol por dois profissionais mestres e doutores especialistas
na área. Em seguida, as traduções foram comparadas a fim de se verificar o quanto
havia de equivalência. Após a comprovação de correspondência entre as traduções,
constatou-se que a versão em português refletia igualmente o texto em espanhol.
Análise de dados
Com o software Factor 9.2 (Lorenzo-Seva & Ferrando, 2013), investigou-se a
dimensionalidade das medidas, através do método Hull Comparative Fit Index (CFI;
Lorenzo-Seva, Timmerman, & Kiers, 2011), por esse ser um dos métodos mais
acurados em retenção de fatores (Lorenzo-Seva et al., 2011) a partir de análises
fatoriais exploratórias categóricas Unweighted Least Squares (ULS) com correla-
ções policóricas. Foram, ainda, calculados o alfa de Cronbach com base nas correla-
ções policóricas e o ômega de McDonald com o objetivo de averiguar a consistência
interna dos instrumentos. No programa R foram realizadas as estatísticas descriti-
vas para caracterizar a amostra e as análises de correlações dos escores totais das
medidas utilizadas.
Resultados
Ademais, decidiu-se realizar uma análise fatorial no conjunto dos itens da UCLA por
não ter sua estrutura fatorial definida no contexto brasileiro. A adequação foi cons-
tatada através do KMO = 0,92 e do Teste de Esfericidade de Bartlett, χ² (190) =
2516,7, p < 0,001. Assim, seguiu-se com uma análise fatorial exploratória ULS com
base policórica, na qual o método Hull sugeriu a unidimensionalidade da medida.
O único fator (valor próprio = 9,48; variância explicada = 47,01) reuniu 19 itens e
apresentou evidências de precisão igualmente favoráveis. Esses resultados são des-
critos na Tabela 2.
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Patrícia Nunes da Fonsêca, Ricardo Neves Couto, Carolina Cândido do Vale Melo,
Luize Anny Guimarães Amorim, Viviany Silva Araújo Pessoa
Pode-se verificar que o CARS apresentou uma correlação positiva e significativa com
a SPI (r = 0,80; p < 0,001). Isso revela a validade convergente do instrumento,
uma vez que demonstrou uma alta correlação com o instrumento que mensura o uso
dependente da internet.
Discussão
No presente estudo foi possível verificar a estrutura fatorial de duas medidas (CARS e
UCLA) no contexto brasileiro, a fim de conhecer o padrão de relação entre uso depen-
dente das redes sociais e sentimento de solidão, além de relacioná-los com autoes-
tima. Assim, os objetivos propostos foram alcançados com êxito. Destaca-se que foi
utilizado um número amostral suficiente e adequado para as análises propostas, com
resultados relevantes, discutidos a seguir.
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Patrícia Nunes da Fonsêca, Ricardo Neves Couto, Carolina Cândido do Vale Melo,
Luize Anny Guimarães Amorim, Viviany Silva Araújo Pessoa
No que diz respeito às análises fatoriais realizadas nas duas medidas, pode-se reunir
evidências de validade interna e externa, nas quais todos os itens, exceto o item 2 da
escala UCLA [Eu não tolero ficar tão sozinho(a)], saturaram no mínimo 0,30, no fator
correspondente, ou seja, acima do ponto de corte indicado pela literatura (Pasquali,
2010). Ademais, ambas medidas apresentaram índices psicométricos excelentes no
que diz respeito a consistência interna, avaliada pelo alfa de Cronbach e ômega de
McDonald, superando o valor mínimo adequado de 0,70 (Cohen, Swerdlik, & Stur-
man, 2014; Nunnally, 1978).
Ainda com relação à dependência das redes sociais, os achados do presente estudo
apontam que não existem associações com autoestima. Tais resultados vão de encon-
tro a pesquisas recentes sobre a mesma temática, as quais identificaram associações
negativas entre o uso abusivo de redes sociais e a autoestima (Appel et al., 2016;
Davis, 2013; Israelashvili et al., 2012). Ou seja, quanto maior a dependência das
redes sociais, menor é a avaliação que o indivíduo faz de si mesmo. Esse resultado
inesperado carece de investigações futuras com outros estratos amostrais a fim de
verificar se esta é uma característica dessa amostra específica.
os quais afirmam que a baixa autoestima está na base da percepção de solidão. Tais
resultados corroboram o estudo original da UCLA Revisada, quando Russel, Peplau
e Cutona (1980) apresentam dados de validade discriminante com a autoestima
(r = -0,49), sugerindo que a solidão pode influenciar em como as pessoas avaliam a
si mesmas. Ou seja, quanto maiores os momentos isolados do convívio social, menor
será a forma como as pessoas se autoavaliam (autoestima baixa).
Dado o exposto, pode-se afirmar que é relevante o papel do uso das redes sociais
na vida das pessoas, sobretudo na dos jovens, que frequentemente conectam-se a
redes sociais (Ceyhan & Ceyhan, 2008). Logo, julga-se importante contar com as
versões das escalas (CARS e UCLA) adaptadas e com parâmetros psicométricos ade-
quados no contexto brasileiro no trabalho de avaliação e pesquisas futuras.
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