:r --~---- __ _ _ _ _ _ __ __

Há cerca de 2,3 bilhões de anos,

micróbios incomuns insuflaram vida nova no jovem planeta Terra,
preenchendo os céus com oxigênio. Sem esses seres, hoje denominados
cianobactérias, a maior parte da vida que conhecemos nunca teria evoluído.
Mas outro grupo de micróbios unicelu- A predominância do metano também um gás-estufa mais eficaz que o meta-
lares estava tornando o planeta habitável significa que uma nebulosidade róseo- no. Posteriormente, pesquisas revelaram
muito tempo antes delas. Metanógenos alaranjada pode ter envolvido o planeta, que os raios ultravioleta do Sol degra-
que detestam oxigênio reinaram supre- assim como acontece hoje com Tirã, a dam rapidamente a amônia na atmosfe-
mos durante os primeiros 2 bilhões de maior lua de Saturno. Embora o metano ra sem oxigênio. Por isso, essa explica-
anos de história da Terra, e o efeito estufa em Titã quase certamente tenha origem ção foi abandonada.
que eles produziam teve conseqüências não-biológica, as semelhanças dessa lua Outro candidato evidente era o dió-
profundas para o clima. com os primórdios da Terra poderiam xido de carbono (C02), um dos princi-
Os cientistas começaram a suspei- proporcionar novas informações sobre pais gases cuspidos pelos numerosos
tar da enorme importância do metano como gases-estufa regularam o clima no vulcões da época. Embora discordassem
há 25 anos, mas foi só nos últimos três passado distante de nosso planeta. nos detalhes, durante mais de 20 anos a
anos que os fragmentos dessa história maioria dos cientistas imaginou que esse
antiqüíssima se encaixaram. Simula- Sol Fraco gás fora o principal responsável. Em
ções em computador revelaram que o QUANDO A TERRA SE FORMOU há 4,6 bi- 1995, porém, pesquisadores da Uni-
gás (que sobrevive dez anos na atmos- lhões de anos, o Sol tinha apenas 70% de versidade Harvard descobriram evi-
fera de hoje) pode ter durado até 10 mil seu brilho atual. o entanto, o registro dências de que os níveis de CO2 eram
anos num mundo sem oxigênio. Não geológico não contém evidências de gla- baixos demais para que pudessem ter es-
existe nenhum fóssil daquela época, ciação generalizada até cerca de 2,3 bi- quentado a jovem Terra.
mas a maioria dos microbiólogos con- lhões de anos atrás, o que significa que o A equipe de Harvard sabia que, se as
sidera que os metanógenos estiveram planeta era até mais quente do que du- concentrações atmosféricas de CO2 tives-
entre as primeiras formas de vida. Em rante o ciclo moderno das eras glaciais, sem excedido seu valor atual, em torno
seu auge, esses micróbios podem ter nos últimos 100 mil anos. de 380 partes por milhão (pprn), o mine-
gerado metano suficiente para deter um °metano estava longe de ser o pri- ral siderita (FeC03) teria se formado nas
congelamento mundial. a época, o meiro candidato dos cientistas para ex- camadas superiores do solo, à medida que
Sol era consideravelmente menos bri- plicar como a jovem Terra evitou o con- o ferro reagisse com o CO2 na atmosfera
lhante, de modo que o efeito estufa pro- gelamento. Carl Sagan e George H. sem oxigênio. Mas quando os pesquisa-
vocado pelo metano pode ter sido exa- Mullen, da Universidade Cornell, su- dores estudaram amostras de solos anti-
tamente o que o planeta necessitava geriram, no início dos anos 1970, que gos, com idade entre 2,8 bilhões e 2,2
para se manter aquecido. a amônia seria a culpada, já que ela é bilhões de anos, não encontraram traços
de siderita. Essa ausência significa que a
concentração de CO2 deve ter sido mui-
• Antes de aproximadamente 2,3 bilhões de anos atrás, a atmosfera e os oceanos da Terra to menor do que a necessária para impe-
praticamente não continham oxigênio, tornando o mundo um paraíso para micróbios que dir o congelamento do planeta.
detestam oxigênio, como os metanógenos. Mesmo antes que o CO2 deixasse de
• Os cientistas agora julgam que os metanógenos - assim denominados porque liberam gás ser o primeiro da lista dos principais sus-
meta no como produto residual de seu processo biológico - poderiam ter preenchido os céus peitos, os pesquisadores tinham come-
de eras passadas com 600 vezes mais meta no do que existe hoje. çado a cogitar uma explicação alternati-
• Esse meta no extra teria produzido um efeito estufa forte o suficiente para aquecer o plane- va. No final dos anos 1980, os cientistas
ta, embora, naquela época, o Sol fosse menos luminoso. Assim foi até que a atmosfera se tinham aprendido que o metano aprisio-
encheu de oxigênio e isolou os metanógenos.
na mais calor do que uma concentração

40 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL SETEMBRO 2004

 ! -

- ---- -- - --- ---~

PRODUTORES DE METANO NAÁRVORE DA VIDA

ARCHAEA
Archaeoglobi

Methanobacteriales
Caldisphaerales

Methanococcales

Methanomicrobiales
...'''', - ~
.•.•.. .••. .• ""''
, >,\

Methanosarcinales
Methanopyrales
Sulfolobales

Thermococcales

Thermoplasmatales
Thermoproteales

Micróbios metanógenos (identificados em

vermelho) constituem perto de metade de
todos os organismos conhecidos no domínio
Archaea, um dos três domínios da vida ao lado
dos domínios Bacteria e Eukarya, que BACTÉRIAS
surgiram separadamente a partir de um inclui cianobactérias, inclui plantas, animais,
proteobactérias e I •.• • I • • I'· . I . protistas e fungos
ancestral desconhecido. Os metanógenos têm
bactérias grarn-posltlvas
diversas formas, como bastões e esferas (ver
fotos), e vivem exclusivamente em ambientes
onde não há oxigênio. Uma vez que a mais
antiga das cinco ordens de metanógenos
ocupa ramos mais baixos do domínio Archaea,
a maioria dos biólogos acredita que esses
ANCESTRALUNIVERSAL
micróbios foram alguns dos primeiros
organismos na evolução. -J.F.K.

equivalente de C02, porque absorve berando vapor d'água. Em conseqüên- sa Ames, da Nasa, para simular o antigo
uma gama mais ampla de comprimen- cia disso, o metano permanece na atmos- clima, Quando supusemos que o brilho
tos de onda de radiação. Mas esses fera durante apenas dez anos e tem papel do Sol era 80% do que é hoje, uma at-
estudos iniciais subestimaram a influên- pequeno no aquecimento do planeta. De mosfera sem nenhum metano precisaria
cia do metano. Meu grupo na Univer- fato, o gás existe nas concentrações mi- de fantásticas 20 mil ppm de CO2 para
sidade Estadual da Pensilvânia passou núsculas de apenas cerca de 1,7 ppm; o manter a temperatura da superfície aci-
a investigar o metano porque sabíamos CO2 tem concentração 220 vezes maior ma do congelamento. Essa concentração
que ele teria um tempo de vida muito na superfície, e o vapor d'água ocorre em é 50 vezes maior do que os valores con-
maior na atmosfera antiga. concentração 6 mil vezes maior. temporâneos e sete vezes superior à maior
Hoje, o carbono no metano tende Para determinar quão maiores preci- quantidade de CO2 de todos os tempos,
muito mais a se associar com o oxigênio sariam ter sido essas concentrações de revelada pelo estudo de solos antigos.
em radicais hidroxílicos, produzindo metano, meus alunos e eu trabalhamos Quando as simulações calcularam o CO2
CO2 e monóxido de carbono (CO) e li- com pesquisadores do Centro de Pesqui- em seu máximo valor possível, a atmos-

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 COMO A N EVOA SE FORMA
Uma névoa de partículas de hidrocarbonetos induzida pelo meta no aumentado (a) - intensificando, assim, o efeito estufa [b] - durante
pode ter mantido a Terra primitiva em um delicado equilíbrio entre não mais do que algumas dezenas de milhares de anos antes que a
uma sauna e o congelamento. A concentração de meta no teria névoa que esfriou o clima começasse a se formar (e).

O PAPEL PRINCIPAL DO METANO na atmosfera da

Terra pode ter começado praticamente junto com o
aparecimento da vida, há 3,5 bilhões de anos.
Micróbios oceânicos chamados metanógenos teriam
vicejado num mundo sem oxigênio - como era a Terra
na época - e o meta no que eles produziam teria
sobrevivido muito mais tempo na atmosfera do que
Gases-estufa hoje. Esse meta no, ao lado de outro gás-estufa mais
abundante, o dióxido de carbono (CO,) de vulcões
(no destaque), teria aquecido a superfície do planeta
aprisionando o
calor da Terra
(flechas pretos),
enquanto
pennitia a
passagem da luz
solar (flechas
amarelas).

UMA ESTUFA ÚMIDA é o ambiente preferido de muitos

metanógenos; quanto mais quente o mundo, mais
meta no eles teriam produzido. Essa retroalimentação
positiva teria fortalecido o efeito estufa, empurrando
as temperaturas ainda mais para cima. Um clima mais
quente teria intensificado o ciclo da água e aumentado
a erosão de rochas nos continentes - um processo
que retira CO, da atmosfera. As concentrações do gás
teriam caído enquanto as do metano continuavam a
aumentar, até que os dois gases existissem em
quantidades
quase iguais
(destaque). Sob
tais condições, o
comportamento do
meta no teria
mudado
dramaticamente.

ESSA QUíMICA EM MUTAÇÃOteria impedido os

níveis ascendentes de meta no de transfonnar a
Terra numa sauna. Parte do metano teria se
juntado para fonnar hidrocarbonetos complexos
(destaque) que se condensavam em partículas
Névoa de hidrocarbonetos poeirentas. Uma névoa dessas partículas em
altitudes elevadas teria impedido o efeito estufa ao
absorver a faixa visível da luz solar e irradiá-Ia de
volta para o espaço, reduzindo a quantidade total
de calor que alcançava a superfície do planeta.
Poucos metanógenos amantes do calor
conseguiriam
sobreviver em
clima mais frio;
a névoa, assim,
teria colocado
um limite na
produção total
de metano.

42 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL SETEMBRO 2004

~~~~---- -

I
I
 I

------ - -- ---- ---- - - - -

I 1 I
I 1 I
fera exigia a contribuição de 1.000 ppm
i Eras glaciais mundiais ~
I I I

de metano para manter a temperatura mé-

dia da superfície acima do congelamento
- em outras palavras, 0,1 % da atmosfera
1
ca
> Dióxido de carbono
I

II
I
I

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1"oJ
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precisava ser metano. Qj
o::
o
,ca Metano
o-
~
ÀAltura da Missão?
A ATMOSFERA PRIMORDIAL poderia ter
.,
E
u
c
o
mantido concentrações tão altas apenas w

se o metano estivesse sendo produzido a

taxas comparáveis às atuais. Os metanó-
genos primordiais estariam à altura dessa 4.5 2.5 1.5
missão? Meus colegas e eu nos juntamos Tempo (bilhões de anos atrás)

à microbióloga [aner L. Sieíert, da Uni- L Oxigênio começa a aparecer na atmosfera

versidade Rice, para tentar descobrir isso.
Surgem as bactérias produtoras de oxigênio
Os biólogos têm diversas razões
para suspeitar que níveis tão altos de Metanógenos começam a expelir grandes quantidades de gás
metano poderiam ter sido mantidos.
Siefert acredita que micróbios produto- Primeiras formas de vida microscópica começam a consumir dióxido de carbono

res de metano estavam entre os primei-

Elevada presença de dióxido de carbono compensa o Sol jovem e fraco
ros microrganismos. Os metanógenos
CONCENTRAÇÕESRELATIVAS de importantes gases atmosféricos podem explicar por que eras glaciais
teriam ocupado nichos hoje dominados mundiais (linhas tracejadas) ocorreram no passado distante da Terra. Inicialmente, microrganismos
por produtores de oxigênio e redutores produtores de metano floresceram, mas, à medida que a presença de oxigênio ficou muitíssimo
de sulfato, o que lhes daria um papel maior, cerca de 2,3 bilhões de anos atrás, esses micróbios passaram repentinamente a encontrar
poucos ambientes onde pudessem sobreviver. D simultâneo decréscimo de meta no - um potente gás-
biológico e climático muito mais des-
estufa - pode ter congelado o planeta inteiro. O papel do dióxido de carbono, o mais notável gás-
tacado do que o atual. estufa na atual atmosfera, era provavelmente muito menos intenso.
Os metanógenos teriam vicejado em
Europa, a lua gelada de J úpiter. De fato, de meta no necessárias para manter o
um ambiente alimentado por erupções
uma observação recente da sonda Mars planeta quente.
vulcânicas. Muitos se alimentam dire-
Express, da Agência Espacial Européia, Surgiram evidências ainda maiores da
tamente de hidrogênio (H) e CO2 e eli-
sugere que a atmosfera marciana pode predominância primordial de metanóge-
minam metano; outros consomem ace-
conter 10 partes por bilhão de metano. nos quando os microbiólogos analisaram
tatos e outras substâncias que se formam
Essa descoberta seria coerente com a como os atuais metanógenos teriam rea-
quando a matéria orgânica se decompõe
presença de metanógenos abaixo da su- gido a um clima muito quente. A maioria
na ausência de oxigênio. É por isso que
perfície de Marte. deles se desenvolve melhor a tempera-
os metanógenos atuais só vivem em
Os geoquímicos estimam que, na turas acima de 40°C; alguns chegam a
ambientes onde não há oxigênio, como
jovem Terra, o H2 atingia concentra- preferir quenríssimos 85°C. Os que se
estômago da vaca e a lama debaixo de
ções de centenas de milhares de partes desenvolvem a temperaturas mais altas
arrozais. Na jovem Terra, a atividade
por milhão - até que a evolução pro- também crescem mais depressa, de modo
vulcânica liberava quantidades signi-
duziu metanógenos e eles converteram que, conforme a intensificação do efeito
ficativas de H2• Sem oxigênio para for-
a maior parte do gás em metano. Nesse estufa aumentava as temperaturas, maio-
mar água, o hidrogênio provavelmente
cenário, os metanógenos teriam produ- res quantidades desses especialistas de
se acumulou na atmosfera e nos ocea-
zido as aproximadamente 1.000 ppm crescimento rápido e amantes do calor
nos em concentrações que podiam ser
usadas por metanógenos. JAMES F. KASTING estuda a origem e a evolução de atmosferas planetárias, especialmente as da Terra e de
Com base nessas considerações, al- seus vizinhos mais próximos, Vênus e Marte. Desde que obteve seu doutorado em ciência atmosférica, na
guns cientistas formularam a hipótese Universidade de Michigan, em AnnArbor, em 1979, ele vem usando modelos teóricos em computador para
investigar a química atmosférica e calcular o efeito estufa causado por diferentes gases e partículas,
de que metanógenos vivendo de hidro-
tanto atualmente quanto no passado distante. Recentemente, Kasting começou a investigar se planetas
gênio produzido geologicamente pode-
semelhantes à Terra poderiam existir em torno de outras estrelas em nossa galáxia. Ele é membro do
riam ser a base de ecossisternas micro- grupo de trabalho científico para o Terrestrial Planet Finder, da Nasa, um telescópio espacial projetado
bianos subterrâneos em Marte e em para localizar planetas em torno de outras estrelas e varrer suas atmosferas em busca de sinais de vida.

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o metano nunca mais voltaria
a exercer um efeito predominante sobre o clima, mas pode ter tido
influência importante em épocas posteriores ----------

teriam sobrevivido. °processo acabaria pécies de crescimento mais lento que pre- melho contendo hematita - mineral que
tornando o planeta ainda mais quente - ferem condições climáticas mais frias e, se forma apenas sob céus ricos em oxigê-
mais quente até do que hoje, apesar do portanto, limitando novos aumentos na nio. (A hematita também foi encontrada
Sol mais frio. produção de metano. Essa intensa retro- no lugar onde o jipe Opportunitypousou
alimentação negativa tenderia a estabili- em Marte.) A disposição das camadas des-
A Névoa Salva o Dia zar a temperatura e a composição atmos- ses tipos distintos de rocha indica que as
EM CONSEQÜÊNCIA dessa retroalimenta- férica da Terra exatamente no ponto no glaciações huronianas ocorreram exata-
ção positiva, o mundo poderia ter se tor- qual a camada de nebulosidade orgânica mente quando houve a primeira elevação
nado uma estufa tão abafada que a vida começou a se formar. nos níveis de 02 na atmosfera.
teria sido difícil até para os micróbios que Essa aparente coincidência permane-
se davam bem em temperaturas extremas. Nada é para Sempre ceu inexplicada até recentemente: se acei-
Mas essa espiral ascendente não poderia A NÉVOA I DUZIDA pelo metano manteve tarmos a hipótese de que o metano man-
ter se mantido para sempre. Depois que a jovem Terra confortavelmente aqueci- teve a jovem Terra aquecida, podemos
o metano se torna mais abundante que o da - mas não para sempre. Eras glaciais concluir que houve uma era glacial mun-
CO2, ocorre uma mudança na sua rea- mundiais ocorreram pelo menos três ve- dial há 2,3 bilhões de anos, porque isso
ção à luz do Sol. Em vez de ser oxidado, zes no período denominado Proterozóico, teria sido uma conseqüência natural do
virando CO ou CO2, o metano sofre po- primeiro há 2,3 bilhões de anos, novamen- aumento de oxigênio. Muitos dos meta-
limerização, ou seja, interliga-se, forman- te há 750 milhões de anos e, finalmente, nógenos e outros organismos anaeróbicos
do hidrocarbonetos complexos que se há 600 milhões de anos. Era difícil expli- que dominaram o planeta antes do aumen-
condensam em partículas de poeira, car essas glaciações, mas a hipótese do to da presença de oxigênio teriam pereci-
numa névoa orgânica. Os cientistas pla- papel do meta no oferece respostas convin- do nessa revolução ou se veriam confina-
netários observam coisa parecida na at- centes também nesse aspecto. dos a hábitats cada vez mais limitados.
mosfera de Titã, a maior lua de Saturno. ° primeiro desses períodos glaciais é Embora esse desfecho soe como o fim
Ela consiste principalmente em nitrogê- denominado glaciação huroniana, por- da história do metano, a coisa não é exata-
nio (N2), com um pequeno percentual de que é bastante evidente em rochas ao mente assim. ° metano nunca voltou a
metano (ver quadro na pág. ao lado). norte do lago Huron, no sul do Canadá. exercer um efeito dominante no clima, mas
A possível formação de névoa orgâ- Assim como as mais bem estudadas gla- ainda pode ter tido influência importante
nica na jovem atmosfera da Terra com- ciações do Proterozóico tardio, o evento mais tarde - por exemplo, durante o Pro-
plica ainda mais a história do clima. Por huroniano parece ter sido mundial, se nos terozóico tardio, quando, sugerem alguns
se formarem a grandes altitudes, essas basearmos em interpretações de que al- cientistas, os oceanos congelaram total-
partículas têm efeito contrário ao dos ga- guns dos continentes estavam próximos mente por ocasião de uma série de episó-
ses-estufa. Um gás-estufa permite que a do equador à época em que estavam co- dios em que a Terra virou uma bola de
maior parte da radiação solar visível o bertos de gelo. neve, a chamada Snowball Earth.
atravesse, mas absorve e torna a irradiar Esse surto de frio formou camadas de De fato, as concentrações de metano
ondas infravermelhas emitidas pela Ter- amontoados irregulares de fragmentos de poderiam ter se conservado substancial-
ra, o que resulta em aquecimento. Por rochas e de outros materiais que uma ge- mente mais altas do que são hoje durante
outro lado, a névoa orgânica absorve a luz leira arrastou para o sítio e depois deposi- grande parte do Proterozóico, que termi-
que chega do Sol e a irradia de volta para tou no solo, quando o gelo derreteu, em nou cerca de 600 milhões de anos atrás,
o espaço, reduzindo, assim, a quantida- algum momento entre 2,45 bilhões e 2,2 se a quantidade de oxigênio atmosférico
de total de radiação que atinge a superfí- bilhões de anos atrás. As rochas mais anti- tivesse permanecido um pouco menor e
cie. Em Titã, esse antiefeito estufa resfria gas sob esses depósitos glaciais são forma- se as profundezas oceânicas ainda fossem
a superfície em cerca de 7°C. Uma ca- das por detritos de uraninita e pirita, dois pouco oxigenadas e com baixos teores de
mada semelhante na jovem Terra também minerais que são evidência de níveis mui- sulfato, um sal comumente presente na
a teria resfriado, reconvertendo, assim, a to baixos de oxigênio atmosférico. Acima água do mar em nossa época. A taxa à
população de metanógenos naquelas es- das camadas glaciais há um arenito ver- qual o meta no escapou dos mares para a

44 SCIENTlFIC AMERICAN BRASIL SETEMBRO 2004

 I

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atmosfera pode ter sido até dez vezes su- pótese é coerente com diversos frag- da ESA) deverão ser capazes de detectar a
perior à atual, e a concentração de me- mentos indiretos de evidência - espe- presença de gases que sinalizariam a exis-
tano na atmosfera poderia ter sido de até cialmente os baixos níveis de CO2 at- tência de vida em suas atmosferas.
100 ppm. Esse cenário poderia explicar mosférico inferidos de solos antigos e o Oxigênio em qualquer quantidade
por que o Proterozóico permaneceu livre momento em que ocorreu a primeira era apreciável quase certamente indicaria
do gelo por quase 1,5 bilhão de anos, glacial envolvendo o planeta inteiro. uma biologia comparável à da Terra mo-
embora o Sol ainda estivesse relativamen- Embora talvez nunca possamos com- derna, desde que o planeta fosse também
te frio. Meus colegas e eu especulamos provar essa hipótese na Terra, talvez possa- dotado da água líqüida necessária à vida.
que um segundo aumento no 02 atmos- mos testá-Ia indiretamente observando pla- Elevados níveis de metano também su-
férico, ou no sulfato, poderia também ter netas semelhantes à Terra orbitando outras geririam alguma forma de vida. Até onde
provocado os episódios de transformação estrelas. Tanto a Nasa quanto a Agência sabemos, apenas organismos vivos po-
da Terra em Snowball Earth. Espacial Européia (ESA) estão projetando dem produzir metano em níveis elevados.
grandes telescópios que operarão no espa- Esse fato poderá ser a base para uma das
Metano Extraterrestre ço para procurar planetas do tamanho da melhores maneiras de os cientistas am-
POR MAIS PERSUASIVO que possa parecer Terra orbitando 120 estrelas próximas. pliarem sua compreensão sobre como era
esse relato de um passado em que os Se tais planetas existem, essas missões nosso próprio planeta durante os está-
metanógenos dominaram o mundo, os (TerrestrialPlanet Finder, da Nasa, e Darwin, gios iniciais de sua história. lirJ
cientistas são obrigados a admitir que
não há nenhuma evidência direta para PARA CONHECER MAIS
fundamentar essa história. Encontrar Greenhouse Warming by CH4 in the Atmosphere of Early Earth. Alexander A. Pavlov, James F. Kasting,
uma rocha que contenha bolhas da at- Lisa L. Brown, Kathy A. Rages e Richard Freedman em Journal of Geophysical Research - Planets, VaI.
105, No. E5, págs. 11.981-11.990; maio de 2000.
mosfera daquela época constituiria uma
Life and the Evolution of Earth'sAtmosphere. James F. Kasting and Janet L. Siefert in Science, VaI. 296,
evidência definitiva, mas é improvável
que deparemos com tal revelação. ° págs. 1066-1068; 10 de maio de 2002.
Methane-Rich ProterozoicAtmosphere? Alexander A. Pavlov, Matthew T. Hurtgen, James F. Kasting and
melhor que podemos dizer é que a hi- Michael A. Arthur in Geology, VaI. 31, No. 1, págs. 87-90; janeiro de 2003.

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