FARIAS e SILVA 2009 PPP II Pedagogia
FARIAS e SILVA 2009 PPP II Pedagogia
FARIAS e SILVA 2009 PPP II Pedagogia
Fortaleza, Ceará
2009
AS AUTORAS
SUMÁRIO
UNIDADE I
Produção de Conhecimento - o que isso tem a ver com você, professor? p.04
UNIDADE II
Paradigmas de Pesquisa – o que é e para que serve p.
UNIDADE III
Métodos de pesquisa – caminho de acesso para conhecer
UNIDADE IV
Os Procedimentos de coletas de dados
UNIDADE V
O processo de investigação qualitativa – do planejamento aos resultados
5.1 Ponto de partida
5.2 A Fase Preparatória
5.2.1 A problematização da realidade
5.2.2 O planejamento da pesquisa
5.3 O Trabalho de Campo
5.4 A Fase Analítica
5.5 A Fase Informativa
REFERÊNCIAS
4
5
UNIDADE I
Produção de Conhecimento - o que isso tem a ver com você, professor?
Objetivos da Unidade:
• Situar o objetivo do componente curricular
Pesquisa e Prática Pedagógica (PPP) na
proposta de formação do pedagogo;
• Discutir a importância da pesquisa na
formação e na prática docente na atualidade.
leitura mais ordenada dos significados e das implicações de nossas ações cotidianas
impregnadas de teorias educacionais” (Id. Ibid ), sendo, assim, uma lição a ser considerada.
Tal procedimento dificilmente pode acontecer sem o domínio da metodologia de
pesquisa. Fazer, refazer, aprender e desaprender são vitais para lidar com a realização de
trabalhos acadêmico-científicos e, portanto, para aprender a pesquisar, o que, de acordo André
(2006, p. 223), acontece com a criação de
[...] situações de atividades que propiciem aos alunos aprender a observar,
a formular uma questão de pesquisa, a encontrar dados e instrumentais
que lhes permitam elucidar tal questão e sejam capazes de expressar os
seus achados e suas dúvidas.
A autora destaca que o uso de metodologias de pesquisas resulta de uma
aprendizagem. Criar situações que propiciem esse exercício é orientar para a busca
sistemática do conhecimento; é aprender a fazer escolhas na definição dos melhores caminhos
sobre o que investiga.
Inegavelmente, é tarefa das instituições formadoras, sejam elas de educação básica
ou de ensino superior, cumprir propósitos fundamentais na elaboração e na transmissão do
conhecimento acumulado historicamente e de preparar os que nela se formam para atuar com
a devida competência no desempenho de suas funções.
Nesse contexto, uma variedade de práticas vêm sendo desenvolvidas visando
redesenhar a formação dos professores, entre as quais se sobressai a perspectiva reflexiva
apoiada numa epistemologia da prática. Contudo, a realização de mudanças é um processo
complexo. Sermos professor reflexivo é sermos capazes de tomarmos a própria prática como
objeto de investigação e de pensamento, embora não seja simples. O exercício da reflexão
como horizonte de alcance da realidade, como mecanismo de conquista da autonomia,
constitui-se como desafio da formação. A pesquisa, por sua vez, deve ser tida como o espaço
para pensar sobre práticas reais, como instrumento da observação, da reflexão, da elaboração
e da sistematização do conhecimento, elementos imprescindíveis da formação do profissional
reflexivo.
O prejuizo da ausência da pesquisa na formação é algo a ser considerado. A falta
dessa vivência pode ser um dos determinantes da relativa fragilidade com a fundamentação
teórico-prática, com o pouco domínio da metodologia de pesquisa e, por conseqüência, da
inabilidade inicial para realizar trabalhos acadêmicos científicos a que alunos de Pedagogia
fazem referência, e demonstram para a realização do trabalho de conclusão de curso. Na
verdade, a presença desses sintomas, dentre outros que largamente podem ser apreciados, por
dedução, insinuam-se como fruto do pouco contato com práticas investigativas no decurso da
formação.
Transformar a pesquisa e as estratégias de ensino também em princípio educativo
de formação não há dúvidas de que seja preciso, mas, acima de tudo, ancoradas na premissa
básica de que a pesquisa é elemento fundamental da formulação do conhecimento, que, uma
vez sistematizado e refletido, alimenta as teorizações das descobertas, atividade intencional e
inseparável dos objetivos da vida escolar e acadêmica.
Essas ideias ampliam a perspectiva de formação sob tal óptica, princípios
formativos devem se nutrir dinâmica e coerentemente, para que homens e mulheres sejam
capazes de romper com valores políticos e sociais meramente instituídos como hegemônicos
pelo capitalismo. Supõe, portanto, uma formação que se empenhe em criar ambientes de
aprendizagem, voltados para a superação de “uma perspectiva fragmentada, estática” de
8
Atividade 1
1. Madalena Freire (2008) chama atenção para a necessidade do professor estudar a própria
prática. No dia-a-dia de trabalho não são raras as ocasiões em que o professor precisa discutir,
trocar experiências, argumentar, apresentar seu pensamento, enfim, enfrentar situações que
reclamam uma reflexão sobre as ações desenvolvidas, ponderando vantagens, limitações,
significados. A reflexão, nesse sentido, se apresenta como uma estratégia de investigação.
Para tanto é imprescindível que o professor sistematize seu pensamento, transforme seus
anseios, vivências e argumentações em um instrumento material de análise, procurando
entender os elementos que potenciam e determinam seu trabalho.
Identifique uma situação de trabalho que você tenha vivenciado e que teve dificuldade de
lidar. Descreva-o, produzindo uma narrativa com diálogos e sentimentos que o fato despertou.
Socialize na rede seu “episódio de ensino” (ALARCÃO, 1998) e aguarde os comentários de
colegas e tutores.
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10
UNIDADE II
Paradigmas de Pesquisa – o que é e para que serve
Objetivos da Unidade:
• Compreender os fundamentos que
sustentam os diferentes modos de produção do
conhecimento;
• Discutir o papel dos paradigmas no
desenvolvimento de uma investigação, com
ênfase nas decisões do pesquisador.
Há muitas centenas de anos, um rei e seu exército viajaram pelas altas montanhas da
Índia para mostrar à gente simples sua riqueza e onipotência. De tudo, o mais
impressionante era o pujante elefante do rei, cujo tamanho e força atemorizaram a
ralé.
Um dia o séqüito do rei montou acampamento nos arredores de uma pequena aldeia
onde todos os habitantes eram cegos. À noite vários homens cegos penetraram às
escondidas no acampamento, esperando descobrir a verdade sobre aquela
extraordinária criatura, de maneira que pudessem partilhar a descoberta com os
vizinhos cegos. Quando voltaram para a aldeia, relataram com grande entusiasmo os
fatos que haviam reunido.
– É grande e áspero – disse o cego que havia tocado na orelha do elefante –, e se
move na brisa como uma pesada tela de tapeçaria.
– Não, não, realmente não é nada disso – interrompeu o cego que havia passado as
mãos na tromba do elefante. – Na verdade é como uma poderosíssima cobra de pele
áspera que se enrosca e se desenrosca, mas não dá o bote.
– Permita-me discordar – disse o homem que havia tocado nas pernas do animal –
pois é sólido e firme como uma árvore com um tronco áspero e enrugado.
Cada um dos cegos havia tocado apenas uma parte do animal, mas cada um deles
acreditava que compreendia o todo. Porque tinham moldado a realidade de acordo
com suas percepções limitadas, a verdade permaneceu desconhecida.
(Jason Elias e Katherine Ketcham – Na casa da lua:
resgatando o espírito feminino da cura)
Que relação podemos estabelecer entre esta história e o modo como produzimos
uma interpretação dos acontecimentos, fenômenos e/ou processos que ocorrem ao nosso
redor? Analisemos esta questão com base na narrativa dos cegos, considerando as seguintes
indagações:
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A história dos cegos nos ensina que a verdade não é dogmática, tão pouco produto
do labor solitário de algumas pessoas; ela é uma elaboração humana, social, histórica e, por
isso mesmo, uma produção provisória, relativa e cumulativa. Também indica alguns cuidados
importantes, entre eles não tomar a parte como o todo, como fizeram os cegos ao reduzirem o
fenômeno investigado a impressões parciais e primeiras. Nesse sentido, podemos dizer que
um dos desafios da produção do conhecimento consiste em enxergar para além do aparente,
bem como em urdir uma interpretação não fragmentada da realidade investigada.
Não esqueça: o conhecimento é sempre aproximativo. Sua validade encontra-se na
sua capacidade explicativa, elucidativa e projetiva que, por sua vez, é reconhecida pelos pares
da comunidade.
Atividade 1
Por que os autores disseram que “a verdade permaneceu desconhecida”?
Pondere sobre essa assertiva e exercite re-inventar a ilustração dos cegos e o elefante,
elaborando um desfecho coerente com a noção de verdade e de produção de conhecimento
discutida até aqui.
Boa sorte!
Esses critérios traduzem um modo de pensar, expressando a linha de pensamento que ilumina
o trabalho investigativo. Enfim, o modo como o homem produz conhecimento sobre
determinado fenômeno apóia-se em uma “rede de premissas” ontológicas (relativas à natureza
da realidade e da natureza do ser humano no mundo), epistemológicas (voltadas para a relação
entre o indivíduo e o conhecido), éticas (ligadas a postura ético-moral face a sociedade e o
próprio pesquisador) e metodológicas (refere-se aos meios pertinentes para conhecer)
(GUBA, 1990, p.18). Este conjunto de preceitos, noções e processos caracterizam um
paradigma2 ou o “esquema interpretativo” norteador da investigação científica enquanto ação
disciplinada de produção de conhecimento, cujo papel pode ser claramente compreendido a
partir das formulações de Denzin e Lincoln (2006, p. 34): “Toda pesquisa é interpretativa; é
guiada por um conjunto de crenças e de sentimentos em relação ao mundo e ao modo como
este deveria ser compreendido e estudado. [...]”.
Segundo estes autores, quatro paradigmas têm influenciado a pesquisa científica,
quais sejam: o positivismo, o pós-positivismo, a teoria crítica e o construtivismo. Cabe
assinalar, entretanto, que esta tipologia não é homogênea, sendo possível encontrar
formulações diversas. No Quadro I é possível visualizar algumas dessas classificações:
QUADRO I
Síntese das Tipologias sobre os Paradigmas da Pesquisa Científica
Autores Nomenclatura usada Tipologia
pelos autores
Egon Guba (1990) Paradigmas de pesquisa Positivista, Pós-positivista, Teoria
Normam K. Denzin e Crítica, Construtivismo,
Yvonna S. Lincoln (2006)
Alda Judith Alves-Mazzotti Paradigmas de pesquisa Positivista, Pós-positivista, Teoria
(1996) Crítica, Construtivismo.
Augusto Nibaldo Silva Correntes de Positivismo, Fenomenologia,
Trivinos (1987) pensamento Marxismo.
Cecília Minayo (1992, Correntes de Positivismo sociológico, Teorias
2008) pensamento Compreensivas, Marxismo, Pensamento
Sistêmico.
Kelma Socorro L. de Matos Eixos epistemológicos Positivismo, Abordagem interpretativo-
e Sofia Lerche Vieira Vertentes norteadoras idealistas, fenomenologia, materialismo
(2001) histórico dialético.
Importa destacar, ainda, que estes “esquemas interpretativos” acerca do modo como
a ciência é compreendida e produzida não são únicos, mas, como frisam Matos e Vieira
(2001, p.24), “possuem grande importância na discussão sobre a ciência, o sujeito e o objeto
de pesquisa”.
2
Thomas Kuhn (1987) em “Estrutura das revoluções Científicas” faz um balanço histórico das
estratégias e métodos empregados no esforço sistemático do homem de investigar o mundo e a si
próprio. O autor defende que a ciência estrutura um conjunto de preceitos, noções e processos que
caracterizam os procedimentos dominantes em uma comunidade científica nacional ou internacional
durante um determinado período de tempo. Este é revolucionado quando esses preceitos, noções e
processos as certezas científicas entram em crise. É este conjunto de preceitos, noções e processos que
constitui um paradigma.
13
Do mais simples ao mais erudito, como nos ensina o educador pernambucano, todo
homem busca compreender seu estar no mundo, elaboração que traduz a forma como o
apreende e o interpreta, por isso mesmo eivada de significados que evidenciam seu esforço
para nele se situar e intervir.
É possível afirmar, nesse sentido, que a Teoria Crítica tem como desiderato
fundamental o comprometimento com a crítica social e a capacitação dos indivíduos mediante
o desvelamento das ideologias que conformam suas subjetividades na contemporaneidade.
Inscreve-se nesse intento as perspectivas de pesquisa7 cooperativas/participativas, fundadas
em metodologia voltada para a participação política nas práticas sociais e que se apoiam em
múltiplas fontes e procedimentos. Esta orientação postula uma subjetividade crítica e o saber
prático como gerador de um conhecimento vivo e significativo.
conhecimento de modo mais “circular ou amebóide, com diferentes tipos de saber assumindo
formas diversas, ou ainda, construindo pontes que liguem corpos distintos de conhecimento”
(IBIDEM). Este modelo, acrescenta Yvonna Lincoln, não está formulado.
O relativismo construtivista/naturalista, ao desconsiderar as idéias de objetividade e
de acumulação do conhecimento instituídas, serve de munição a oposição frontal assumida
por positivistas e pós-positivitas e teóricos críticos aos pressupostos desse paradigma. Esta
divergência coloca em pauta uma questão clássica da tematização sobre a investigação
científica: a acomodação entre paradigmas (SANTOS FILHO e GAMBOA, 1995; ALVES-
MAZZOTTI, 1996), objeto de debates ainda intensos no âmbito das ciências sociais. Tal
tendência, segundo Masterman, citado por Alves-Mazzotti (1996), é devido o caráter
multiparadigmático desse campo. Se não há consenso sobre o assunto, é certo que vivemos
um tempo que reclama uma reinvenção das possibilidades de como conhecemos o mundo e a
nós mesmos.
Atividade 2
1. Auguste Comte, Marx, Weber, Horkheimer, Habermas, Paulo Freire. O que você sabe
sobre esses pensadores? Faça um levantamento de suas biografias e construa uma linha de
suas principais idéias. Depois, socialize seu trabalho na rede, comparando seus achados com o
de outros colegas que também realizaram esta atividade.
2. Realize pesquisa bibliográfica sobre o que outros autores definem como positivismo.
3. Identifique exemplos de pesquisas que possam ser definidas como puras ou aplicadas.
4. Considerando as discussões presentes neste capítulo, pondere: em que uma postura
dogmática, por parte do pesquisador(a), pode ser prejudicial na realização de uma pesquisa?
17
UNIDADE III
Métodos de pesquisa – caminho de acesso para conhecer
Ao decidirmos fazer algo, nosso primeiro passo é escolher um caminho que nos
possibilite chegar onde desejamos. Assim também o é quando nos colocamos frente ao
desafio de produzir conhecimento sobre um determinado fenômeno, quando resolvemos
desenvolver uma pesquisa. Esta ação orienta-se por elementos teóricos e procedimentos, sem
dispensar, obviamente, a criatividade do pesquisador.
Estamos falando do método que o pesquisador toma como forma para construir o
conhecimento, recorrendo aos termos de Gatti (2002). É comum concebermos o método de
pesquisa como um conjunto ordenado de passos que ditam um caminho, como uma fórmula
que, seguida passo a passo, assegura um conhecimento com validade e rigor. Esta é uma
compreensão reducionista do processo de investigação. Os métodos envolvem tanto uma
lógica de pensar quanto de fazer, originando-se do confronto entre perspectivas teóricas com a
prática, acepção que reconhece a marca daquele que lhe dá existência. Isto porque, como
lembra a autora mencionada, “para além da lógica, são vivências do próprio pesquisador com
o que é pesquisado” (IBIDEM, p.55).
Não temos a pretensão de abordar todos os métodos identificados na literatura. O rol
das possibilidades é extenso: etnografia, etnometodologia, survey, métodos mistos, pesquisa
bibliográfica, pesquisa documental, estudo de caso, pesquisa-ação, entre outros. Deteremos-
nos, entretanto, sobre os quatro últimos métodos por serem os mais recorrentes nas iniciativas
realizadas na graduação.
8
Ciência que estuda os aspectos do uso e da disseminação da informação através de serviços e
produtos informacionais. Trata sobre a análise, planejamento, implementação, organização e a
administração da informação em bibliotecas, bancos de dados, centros de documentação, sistemas de
informação e sites, entre outros (retirado do endereço: http://pt.wikipedia.org/wiki/Biblioteconomia).
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que eles dispõem de pouco tempo e esta é uma alternativa menos exigente. Esta é uma falsa
ideia!
A escolha de um método não deriva de nossa comodidade pessoal; ela está
diretamente relacionada ao problema que estrutura e move a busca do conhecimento. Além
disso, o desenvolvimento de uma investigação, independente do método, implica em uma
tarefa trabalhosa, quer do ponto de vista físico e intelectual, quer do ponto de vista emocional.
Exige dedicação, estudo sistemático, investimento de recursos, seja para a aquisição de livros,
seja para o deslocamento durante a busca dos materiais necessários. Enfim, há um conjunto de
grandes e pequenas atividades envolvidas em sua prática.
Com a pesquisa bibliográfica10 não é diferente, pois sua natureza teórica demanda
do pesquisador a capacidade de elaborar um quadro relacional da rede conceitual explicativa
do fenômeno em análise. Este processo requer um conjunto de operações de pensamento
complexas, indo da identificação dos conceitos-chaves relacionados ao objeto de estudo, da
sua seleção e organização por ordem de abrangência e ou interfaces, do estabelecimento de
relações entre as idéias/conceitos identificados até elaboração de sua síntese, numa
perspectiva de totalidade. Este movimento, tomando emprestado a formulação de Anastasiou
e Alves (2003), possibilita ampliar a compreensão e a construção do conhecimento.
Um pesquisador interessado em realizar um estudo bibliográfico tem sua atenção
voltada para questões cujos elementos elucidativos demandam um mergulho nas discussões
compiladas na literatura sobre o assunto. A título de ilustração poderíamos evocar dois
exemplos de problema de pesquisa que se inscrevem nessa orientação metodológica:
a) Qual a contribuição de Paulo Freire no pensamento educacional brasileiro?
b) Que metodologias tem predominado na produção acadêmica em educação nos cursos
de pós-graduação lato sensu11 ofertados pelas universidades públicas cearenses?
Para encontrar pistas que respondam a qualquer uma das duas preocupações o
pesquisador certamente precisará empreender um conjunto de ações que caracterizam uma
pesquisa bibliográfica. Além do planejamento, etapa presente em todo processo qualitativo de
investigação, este método compreende as seguintes fases: identificação das fontes, localização
e obtenção do material, leitura, tomada de apontamento, fichamentos e redação final (GIL,
2002; MARCONI e LAKATOS, 2003).
A identificação das fontes consiste no trabalho de mapeamento da produção
existente, considerando materiais diversificados, tais como: livros, revistas, jornais, boletins,
monografias, dissertações e teses. Hoje boa parte dessa tarefa é executada e facilitada pelo uso
da rede mundial de computadores, pois como esclarece Nunes (2006, p. 352), “estima-se que
anualmente haja um acréscimo de 170 terabytes de informação na World Wide Web. Isso
compreende a 17 vezes os 19 milhões de livros e outras coleções impressas da Biblioteca do
Congresso norte-americano”, uma das mais bem equipadas do mundo. Obviamente que este
não é o único meio de realizar esta busca, recomendando-se também a consulta a bibliotecas,
9
O TCC é um trabalho científico, de cunho monográfico, que os alunos concluintes devem elaborar
(retirado do endereço: http://www.zemoleza.com.br/como_fazer_tcc.asp).
10
Reservamos a expressão pesquisa bibliográfica para referirmo-nos ao método de investigação. Este
difere do “levantamento bibliográfico” adotado em diferentes métodos como um dos procedimentos de
seu ciclo de desenvolvimento.
11
Sub-nível da Educação Superior que sucede a graduação – formação inicial. Ela compreende cursos
de especialização (pós-graduação lato sensu) e cursos de mestrado e de doutorado (pós-graduação
stricto sensu).
19
significa que toda pesquisa documental é, necessariamente, uma pesquisa histórica. Uma
pesquisa documental pode também incidir sobre um acontecimento ou processo
contemporâneo.
Vejamos um exemplo: uma estudante interessada em direitos humanos, ao final de
seu curso de graduação, deseja investigar sobre a violência contra a mulher em seu município.
Sua experiência de militante política propiciou uma série de desconfianças/suposições em
relação ao assunto, tais como: as mulheres que vivem esta situação não gostam de falar sobre
isso; no município onde mora os indicadores sobre esta realidade praticamente inexistem; a
delegacia onde estes registros são efetuados carece de funcionários qualificado e de melhores
condições para a realização dessa atividade. Diante desse quadro, ela decide fazer um
mapeamento dos boletins de ocorrência (BO). Sua intenção é conhecer tanto a forma de
acondicionamento desse documento (onde ele é guardado? De que modo está organizado, por
período, modalidade de agressão, ou outro indexador? Qual a característica textual desses
escritos? Quem os elabora: homens ou mulheres?) quanto as características predominantes nas
ações violentas contra mulheres no município (que tipo de violência ocorrem? Quem as
comete: maridos, namorados, conhecidos ou mesmo outras mulheres? Qual a freqüência
desses registros?). Observem: a estudante não tem interesse em entrevistar ou observar o fato
em seu acontecer natural. Ela busca uma fonte específica de seu registro na nossa sociedade e
que não foi, ou raramente é, explorada como objeto material de análise. O método da pesquisa
documental busca compreender uma dada realidade não em sua concretização imediata, mas
de forma indireta, por meio da análise de documentos produzidos pelo homem a seu respeito.
A esta altura de nossa conversa você poderia perguntar: mas um BO pode ser
considerado um documento, uma fonte válida para o desenvolvimento da investigação
científica? Esta interrogação nos leva a ponderar sobre o que é um documento. Tomaremos
como ponto de partida sua etimologia. Documentum é um termo latino derivado de docere,
que significa ensinar. Esta noção assume, posteriormente, a conotação de “prova”, largamente
empregada no “vocabulário legislativo. É no século XVII que se difunde, na linguagem
jurídica francesa, a expressão titres et documents” enquanto o “sentido moderno de
testemunho histórico data apenas do início do século XIX” (LE GOFF, 1996, p. 536). Na
concepção positivista de História o documento é algo objetivo, neutro, prova que serve para
comprovar fatos e acontecimentos numa perspectiva linear (IBIDEM). A idéia do documento
como monumento12, erigida sob os auspícios da Nova História, contrapõe-se a esta acepção,
postulando que toda fonte histórica “exprime o poder da sociedade do passado sobre a
memória e o futuro” (IBIDEM, p. 10). Como produto de uma sociedade, o documento
manifesta o jogo de força dos que detêm o poder. Não são, portanto, produções isentas,
ingênuas; traduzem leituras e modos de interpretação do vivido por um determinado grupo de
pessoas em um dado tempo e espaço.
12
Monumentum, palavra latina cuja “raiz indo-européia men” expressa “uma das funções essenciais do
espírito (mens), a memória (memini)”. Está associada a significados como ‘fazer recordar’, de onde
‘avisar’, ‘iluminar’ e ‘instruir’, ambos relacionados ao verbo monere (LE GOFF, 1996, p. 535).
21
fenômeno contemporâneo dentro do contexto da vida real. Seu uso é indicado quando a
atenção do pesquisador recai sobre elementos contextuais, “quando se colocam questões do
tipo como e por que” (IBIDEM, p. 19).
O estudo de caso enfatiza o conhecimento do particular (ANDRÉ, 1995, 1994;
BOGDAN e BIKLEN, 1994; LUDKE e ANDRÉ, 1986). Consiste na descrição detalhada de
um contexto específico, de uma pessoa, de um grupo, ou seja, uma escola, um aluno, um
grupo de professores, respectivamente. O caso é sempre bem delimitado, devendo apresentar
contornos claramente definidos. Ele se destaca por se constituir numa unidade de um sistema
maior. O interesse, portanto, incide sobre aquilo que ele tem de único, de particular. Este
método possibilita colher uma gama significativa de informações, aprofundando determinados
aspectos da realidade investigada.
O uso de múltiplos procedimentos na coleta de dados é outro traço que torna ainda
mais atraente este modus operandi de investigação. Para acessar ao ‘caso’ em análise o
pesquisador qualitativo pode combinar observação direta, entrevista, aplicação de
questionário, análise documental ou, até mesmo, outros meios que considerar pertinente. O
resumo extraído de trabalho acadêmico recém concluído oferece uma visão panorâmica das
características principais de uma pesquisa do tipo estudo de caso:
VERAS, João Batista Rosendo. Docência na Polícia Militar do Ceará: Curso de Formação de
Soldado de Fileiras (Turma 2007). Dissertação de Mestrado. Fortaleza: UECE, 2008, 194p.
RESUMO
Este estudo sobre a docência na Polícia Militar do Ceará originou-se da inquietação em relação à
maneira como os professores trabalham em sala de aula nos cursos de formação e a contribuição desta
prática para a configuração da nova identidade profissional do soldado PM. Ao mesmo tempo sua
realização foi motivada pelo interesse pessoal e profissional em contribuir com a investigação sobre o
ensino policial, tema carente de exploração sistemática, sobretudo no Ceará. Teve como objetivo
central analisar a prática pedagógica dos professores formadores do Curso de Formação de Soldados
da Polícia Militar da turma 2007 e sua articulação com as diretrizes da atual política de formação para
profissionais da área de segurança do cidadão. Trata-se de um estudo de caso com abordagem
qualitativa na coleta e análise dos dados. O trabalho de campo foi desenvolvido na sala de aula do 2º
Pelotão do CFSDF/2007, o qual funcionou na Academia de Polícia Militar General Edgard Facó, no
período de 13/09/2007 a 25/10/2007. Contou com 08 (oito) professores interlocutores, sendo 04
(quatro) professores militares e 04 (quatro) professores civis, como também 29 (vinte e nove) alunos.
Foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas com os professores, observação da ação pedagógica
docente na sala de aula, além de questionário misto para os alunos. A investigação revelou práticas
pedagógicas fundamentadas na transmissão de conhecimento e apoiada nos pressupostos da pedagogia
liberal tradicional entre metade dos professores civis pesquisados. Entre os professores militares, na
sua totalidade, suas práticas também se situando na perspectiva da transmissão de conteúdo.
Constatou-se que a maioria dos professores percebe avanços na formação do policial militar,
ressaltando-se disciplinas profissionais na proposta curricular, a presença de disciplinas associadas aos
aspectos sócio-político, econômicos e culturais da sociedade contemporânea. Não obstante, percebeu-
se que a maioria dos professores detinha poucas informações e leituras sistematizadas a respeito do
ensino policial. O desconhecimento da proposta do CFSDF/2007 entre a maioria dos docentes
formadores é um dos fatores que responde por esta característica da prática pedagógica presente no
contexto pesquisado. Verificou-se que metade dos professores civis apresentava postura mais abertas
ao diálogo enquanto que a totalidade dos professores policiais militares mantinham certo
distanciamento dos alunos. Foi unânime a percepção de melhoria na formação do policial militar pelos
professores, bem como o entendimento de que sendo o policial militar responsável pela segurança das
pessoas foi apontada a universidade como necessária para compartilhar dessa formação. Entre os
23
Barbier (2002, p. 14), por sua vez, ressalta o papel do pesquisador como alguém que “não
trabalha sobre os outros, mas e sempre com os outros”. Nesse sentido, assumir a pesquisa-
ação como método exige saber-se também co-responsável pela situação problema em análise,
bem como entender que sua visão de mundo e seu modo de agir intervém sobre as demais
pessoas ao seu redor, ao mesmo tempo em que é condicionada por fatores estruturais da vida
política e social.
Estas são algumas características da pesquisa-ação, que pode ser definida como
pesquisa social de base empírica “concebida e realizada em estreita associação com uma ação
ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo e
participativo” (THIOLLENT, 1985, p.14). Como é possível perceber, esta perspectiva
metodológica configura-se, sobretudo, como um instrumento de análise e de mudança de um
dado fenômeno social. Por isso, ela é situacional e continua, tem forte componente de
imprevisibilidade, é auto-avaliativa e seu processo integra pesquisa, reflexão e ação.
A expressão pesquisa-ação, criada por Kurt Lewin (a action research) ainda nos
anos de 1940, tem como foco a melhora da ação prática. Ao conceber a pesquisa-ação como
posicionamento realista da ação, permeada pela reflexão autocrítica objetiva e a avaliação de
resultados, propôs para seu ciclo os seguintes momentos: análise, coleta de dados e
conceituação dos problemas; planejamento da ação, execução e nova coleta de dados para
avaliá-la; repetição desse ciclo de atividades (ANDRÉ, 1995, p.31). Com suas idéias o
educador americano abriu caminhos para o desenvolvimento de investigação sobre os
problemas enfrentados pelos práticos, visando intervir para mudar.
Nos anos subseqüentes estes delineamentos, pouco a pouco, dão corpo a diferentes
correntes. André (1995) apresenta uma síntese dos matizes que emergiram desde então,
conforme procuramos mostrar no Quadro II:
QUADRO II
Pesquisa-ação e suas principais correntes
Correntes Representantes Foco/Ênfase
Anglo- Lawrence Stenhouse Caráter diagnóstico, evoluindo para perspectiva
saxônica John Elliott colaborativa centrada no currículo e condições
institucionais
W. Carr
Australiana S. Kemmis Caráter diagnóstico, evoluindo para perspectiva
Espanhola e Pérez Gómez colaborativa centrada no currículo, no
portuguesa Antonio Nóvoa
Norte- Kurt Lewin Foco nos problemas dos práticos, evoluindo para
americana K. Zeichner perspectiva colaborativa.
Atividade 3
UNIDADE IV
Os procedimentos de coleta de dados.
Objetivos da Unidade:
• Conhecer as técnicas de coleta de dados mais usuais na
pesquisa em educação;
• Fornecer subsídio para a elaboração dos instrumentos
de coleta de dados.
4.2.1 Observação
ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO
Local da pesquisa: ______________________________________________________
Data da Observação: ____________________ Sessão: ________________________
então são bolsistas da prefeitura, é isso. Eles confirmam. Pouco depois resolvo sair um pouco da sala,
indo em direção a secretaria. Lá encontro 3 pessoas. Trato logo de iniciar uma conversa me
apresentando para uma das funcionárias, que me parece trabalhar na secretaria. Descubro que ela
responde pela secretaria na parte da manhã, embora não seja a secretária (esta só trabalha pela noite).
Feita as apresentações pergunto se ela pode me fornecer algumas informações sobre a escola: a
quantidade de alunos por série; o número de funcionários, a função e situação; os professores, situação
e série que ensinam. Ela se prontifica sem problema. Algum tempo depois, uma das funcionárias que
estava na secretaria diz: está na hora do recreio. Vou tocar. Aproveito para interromper minha
conversa e voltar para a sala dos professores.
Durante o intervalo as professoras não chegam na sala dos professores. Descubro logo que estão
reunidas na biblioteca organizando a comemoração do dia das mães. Aproveito então para dar um
passeio pelas dependências da escola. Paro então para observar a escola, me dando conta de sua
arquitetura. Trata-se um corredor comprido e largo. Do lado esquerdo fica a secretaria, a biblioteca e
mais quatro salas de aula; no meio fica uma área livre, sem cobertura e cimentada, com algumas
árvores e bancos de cimento. Neste espaço os alunos de 1ª a 4ª série correm e procuram se divertir no
hora do recreio. Do outro lado, fica o banheiro masculino – professores e alunos, a cozinha, o depósito
da merenda, um almoxarifado e mais quatro salas de aula. No fundo há uma murada com um pequeno
portão que dá para um terreno baldio, incluso na área da escola. Na parte que fica de frente para esta
murada fica a sala dos professores, a direção, a sala de reforço e o banheiro feminino – professores e
alunas. Chamou minha atenção o fato de algumas funcionárias monitorarem o comportamento dos
alunos, tentando controlar suas peraltices: chamam atenção daqueles que correm e derrubam os
colegas, daqueles que jogam lixo no chão... Outro aspecto também observado foi o fato dos problemas
de indisciplina serem levados para a funcionária responsável pela secretaria na parte da manhã. Ela
conversa com os alunos, manda chamar outros no pátio, toma providências ...
CO: Este, a rigor, não seria o tipo de trabalho de sua alçada. Ela assume responsabilidades extras
(pedagógicas).
Fiquei imaginando o que isso significava: terá sido uma função atribuída pela direção na sua falta ou
de uma supervisora/coordenadora? Ou isso foi acontecendo... ? O que os professores pensam sobre
isso?
Após o recreio retorno a secretaria, retomando o levantamento das informações. Nesse momento,
por diversas vezes, algumas professoras foram a secretaria procurar por materiais (papel 40 kg, arame,
papel colorido verde...), sempre se dirigindo a funcionária responsável por este setor naquele turno. Ao
explicar que não tinha o material procurado, disse para uma das professoras: vou providenciar uma
listinha de coisas que estamos precisando... Eu estou sem grampeador, sem ... um monte de coisas . A
professora complementa: se quiser eu posso ajudar. As duas acham graça, num tom de cumplicidade.
Nesse instante pergunto: e você, sua função? Sorrindo, olhando para a porta, responde: funcionária
administrativa da secretaria, temporária. Nas horas vagas, diretora adjunta...
CO: O tom é de brincadeira, mas a prática parece ser real.??????????
Pouco depois chega a diretora. A funcionária imediatamente se dirigi para a sua sala, repassando-
lhe as novidades. Ao retornar, concluo e agradeço a ajuda. Vou até a direção para me despedir. As sair
da sala avisto uma profesaora na cozinha e me aproximo para colher seus dados. Mais uma recém
concursada. Aproveito para escutar uma funcionária da cozinha – a merendeira. Ela, sem que eu
perguntasse, após ouvir minha conversa com a professora, foi logo me dizendo: eu estou aqui na
escola tem mais de 20 anos. Foi meu primeiro emprego. Vi muita gente passar aqui. Muita gente já se
aposentou, hoje tem muita gente nova. Cheguei aqui em 1983. Fiquei alguns minutos ouvindo sua
história e depois sai.
Ainda sobre o registro das observações cabe ressaltar que este deve ser produzido o
mais rápido possível, sobretudo nas duas alternativas aqui apresentadas, as quais recorrem a
31
memória para sua sistematização. Quanto mais distância o pesquisador tomar dos
acontecimentos observado menores são as chances de conseguir compor um retrato com
riqueza de detalhes (LUDKE e ANDRÉ, 1986), razão pela qual sublinhamos o papel decisivo
assumido pelo pesquisador na observação. Não basta simplesmente olhar. Ele deve “saber ver,
identificar e descrever diversos tipos de interações e processos humanos” (VIANNA, 2003,
p.12). Possuir capacidade de concentração, paciência, espírito alerta, sensibilidade e,
sobretudo, energia física é vital para concretizar a tarefa de observar.
Um bom observador, como lembram Bogdan e Biklen (1994), deve ser discreto,
evitar tomar partido nas situações de conflito presentes no cotidiano pesquisado e ser
cuidadoso com suas reações emocionais em relação ao fato ou processo observado. Pensemos
novamente no estudante de licenciatura interessado na gestão da escola de ensino médio. Ele
não pode esquecer que não está em sua casa e que acompanhar um processo in loco reclama
interagir com os vários sujeitos nele envolvidos. É fundamental que procure conhecer a
dinâmica do lugar e das pessoas, pedir autorização, ser cortez e comportar-se conforme a
‘ordem’ reinante no contexto da investigação. Este, como qualquer outro espaço, é sempre
permeado por situações de disputa, de poder, sejam explícitas ou não. Assim, não tomar
partido diante de momentos delicados, assumindo uma postura de escuta das posições pode
ser decisivo tanto para sua permanência quanto para a coleta de informações enriquecedoras.
Ao mesmo tempo, é importante que o pesquisador fique vigilante em relação as suas reações e
sentimentos frentes as situações do cotidiano que acompanhar, sejam elas delicadas ou não.
Por vezes, sem percebermos, manifestamos nossos sentimentos com um olhar, um gesto, uma
atitude, reação que pode não ser devidamente interpretada ou até resultar em retraimento do
sujeitos implicados na situação e aos quais você observa.
Outro aspecto a sublinhar diz respeito à duração e a quantidade de observações.
Aqui vale notar que esta não é uma questão que tenha resposta precisa, pois vinculada
principalmente ao problema investigado. De todo modo, lembramos a advertência de Bogdan
e Biklen (1994) que orientam a realização de sessões mais curtas no início do processo (cerca
de uma hora ou menos) e, paulatinamente, prolongar os horários. Tudo é uma questão de
conquistar a confiança dos envolvidos na observação, fator facilitador da permanência e
acesso aos dados.
Essas, obviamente, são noções gerais sobre a observação como procedimento de
coleta de dado recorrente nas pesquisas sociais, todavia, não existe uma única forma de
utilizá-la. Ela depende, conforme salientamos anteriormente, da postura teórico-metodológica
adotada pelo pesquisador. Bogdan e Biklen (1994, p. 125), situam os diferentes papéis que os
observadores podem assumir em uma investigação em dois pólos. Em um encontra-se o
“observador completo”, isto é, aquele que “não participa de nenhuma das atividades do local
onde decorre o estudo.” Ele assiste ao que se passa no ambiente, investiga passivamente,
registrando o que acontece como um expectador que acompanha um filme sentado em sua
cadeira. Neste caso, realiza o que a literatura identifica como observação direta. No outro
pólo, encontra-se o “observador que tem um envolvimento completo com a instituição” e
com seus acontecimentos. Em situações dessa natureza caracteriza-se a observação
participante, a qual pode apresentar graus de envolvimento variáveis, decisão esta diretamente
relacionada aos objetivos do estudo e sua orientação metodológica e epistemológica.
Para além da observação de fatos in natura está a observação documental (BRAVO,
1991). A princípio pode parecer estranho mencionar a observação de documentos, mas, afinal,
o que fazemos quando nos postamos frente a uma ata de reunião de colegiado ou um relatório
de prestação de contas dos recursos da escola senão ver e ouvir o que ali está escrito? Quando
32
nos lançamos ao escrutínio desses materiais nada mais fazemos que uma observação
documental.
A observação documental, como qualquer outra, também requer planejamento. Um
passo inicial consiste na realização de sucessivas leituras da fonte a ser examinada, guiada por
critérios que favoreçam a explicitação de elementos (idéias, expressões, indicadores, etc)
sobre o assunto pesquisado. Outro momento é a identificação das idéias contidas em cada
fonte, que deve ser orientada por um roteiro/instrumento para selecionar os dados. Este
procedimento foi empregado na pesquisa Profissão Professor: políticas e memórias15
(FARIAS et all, 2007), iniciativa desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Educação, Cultura
Escolar e Docência (EDUCAS) da Universidade Estadual do Ceará. Uma das vertentes desta
investigação visava analisar o que registravam os documentos produzidos pelo Poder Público
sobre a profissão professor no Ceará no período de 1930/1964, sendo as Mensagens
Governamentais da época uma das fontes estudadas. Vejamos o roteiro utilizado na
observação documental:
15
Para saber mais sobre esta iniciativa acesse o endereço eletrônico http://educas.com.br/blog/.
33
Atividade 4
Leia com atenção o poema e depois diga o que você entendeu pela expressão a gente
banaliza o olhar. Vê não –vendo. Estabeleça uma correlação entre esta idéia e a observação
como procedimento científico de coleta de dados.
Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo
modo de viver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não -vendo.
Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O
que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um
vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê
no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32
anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o
mesmo porteiro. Dava-lhe bom dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência.
Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.
Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima idéia. Em 32 anos,
nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia, no seu lugar, estivesse
uma girafa, cumprindo o rito, pode ser que também ninguém desse por sua ausência. O hábito
suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E
vemos? Não, não vemos.
Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo.
O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de tão visto, ninguém vê. Há pai que nunca viu
o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pancas. Nossos olhos se
gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.
(Otto Lara Rezende – Vista Cansada)
4.2.2 Questionário
QUESTIONÁRIO – PROFESSOR
Caro professor,
O estudo “A prática da gestão, seus mecanismos e dificuldades na Escola de Ensino Médio” objetiva
conhecer o desenvolvimento dessa atividade no contexto local. Sua participação é muito importante.
As questões foram formuladas pensando em você. Leias com atenção e procure respondê-las da
forma mais coerente com sua experiência profissional. Lembro que não divulgarei o nome dos
participantes da pesquisa. Agradeço sua colaboração.
Atenciosamente,
Graduando de Pedagogia da UECE
2. Qual a sua opinião sobre o funcionamento dos mecanismos democráticos de participação existente
na escola em que você trabalha?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________
36
3. Escolha as opções que expressam a forma de participação dos sujeitos que integram os organismos
democráticos existentes em sua escola na tomada de decisões:
( ) O diretor é quem decide “o quê” e “quando” fazer na escola.
( ) Os membros do Núcleo Gestor participam na tomada de decisões.
( ) Os representantes dos diversos organismos colegiados existentes na escola participam no momento
de decidir sobre a vida de escola.
( ) Os órgãos intermediários (CREDE/SEM/SER) do sistema educacional interferem na tomada de
decisões na escola.
4. Como você caracteriza a gestão vivenciada na escola em que trabalha?
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________
5. Indique, por ordem de prioridade, as características que melhor definem a postura do gestor da
escola em que você trabalha:
( ) Sabe ouvir as pessoas e considera seus pontos de vista na tomada de decisões na escola.
( ) É rigoroso na cobrança de tarefas e de horários dos funcionários da escola.
( ) Tem sensibilidade e diplomacia para resolver conflitos e fazer encaminhamentos.
( ) Tem habilidades para construir parcerias dentro e fora da escola.
( ) Preocupa-se com o bem público e com a conscientização da comunidade escolar no que diz
respeito a sua conservação.
( ) Tem compromisso com a participação da comunidade da escola.
( ) Preocupa-se em fazer cumprir as orientações administrativas, pedagógicas e financeiras advindas
do órgão central do sistema educacional ao qual a escola está vinculada.
( ) Outras. Especifique. ___________________________________________
Atividade 5
2. Leia com atenção o questionário apresentado nesta sessão, bem como os cincos aplicados.
Considerando suas impressões sobre este material faça uma análise de suas características, das
dificuldades que você percebeu entre os professores para responder o questionário e de outros
aspectos que você notou. Não esqueça de observar se os deslizes identificados por Bell
(2008) estão presentes.
Boa sorte!!!
4.2.3 Entrevista
ressaltar, que é perfeitamente possível utilizar mais de um tipo de entrevista em uma mesma
investigação (BOGDAN e BIKLEN, 1994). Por exemplo, em uma pesquisa de avaliação de
impacto de um programa de formação de professores pode-se optar por realizar entrevistas
individuais com os docentes e entrevista coletiva com os estudantes, assegurando-se assim o
acesso a maior número de representantes desse segmento.
Encontramos em Minayo (2008) uma tipologia que consideramos sintetizar, em
muitos aspectos, as formulações de vários autores acerca dos tipos de entrevista (BOGDAN e
BIKLEN, 1994; BAUER e GASKELL, 2002; MATOS e VIEIRA, 2001, entre outros). Para a
autora a entrevista pode ser classificada em: a) sondagem de opinião; b) entrevista semi-
estruturada; c) entrevista aberta ou em profundidade; d) entrevista focalizada; e) entrevista
projetiva. A sondagem de opinião apresenta um roteiro estruturado, marcado por “perguntas,
aplicadas igualmente a todos os entrevistados” e que “permite realizarmos uma análise
quantitativa” (MATOS e VIEIRA, 2001, p. 62). Nela questões fechadas, com múltiplas
escolhas, predomina. A entrevista semi-estruturada combina questões fechadas e abertas,
havendo abertura para explorar aspectos não previstos inicialmente pelo entrevistador. Mais
orientada por pautas, a entrevista aberta ou em profundidade é apresentadas quase como um
convite ao entrevistado para que ele discorra detidamente, com suas próprias palavras e com
tempo para refletir, sobre o assunto. Como dizem Bauer e Gaskell (2002, p. 75), nela
prevalece a “cosmovisão pessoal do entrevistado”. Por sua vez, a entrevista focalizada dá
ênfase a um “determinado problema”, exaustivamente explorado. No caso da entrevista
projetiva, geralmente empregada para abordar temas delicados, recorre-se a dispositivos
visuais diversos (slides, fotos, filmes, desenhos, poesias, etc) para estimular o entrevistado a
falar “sobre o que ver ou ler” (MINAYO, 2008, p. 262).
Cecília Minayo destaca ainda o grupo focal e as narrativas de vida como
modalidades recorrentes na investigação no campo das Ciências Sociais. As entrevistas do
tipo narrativas de vida são também conhecidas como “histórias de vida, histórias biográficas,
etnobiografias ou etno-histórias” (IBIDEM). O estudo “A política educacional expressa nas
idéias e práticas de educadores cearenses”, uma das vertentes da investigação integrada
Profissão Professor: políticas e memórias (FARIAS et all, 2007) que mencionamos
anteriormente, empregou esta estratégia de coleta de dados. Reproduzimos uma parte do
guia/roteiro utilizado nesta iniciativa:
3.1 Gostaria que o(a) senhor(a) explicitasse por que escolheu ser professor(a).
3.2 Fale sobre como aconteceu seu ingresso no magistério.
3.3 O(a) senhor(a) exercia no seu tempo de magistério alguma atividade política vinculada à sua
profissão?
3.4 Fale sobre como acontecia a preparação das aulas.
3.5 Fale sobre sua prática em sala de aula (metodologia, relação com os alunos, avaliação).
3.6 Fale sobre suas experiências mais marcantes como professor (a).
3.7 Considerando suas respostas até aqui, gostaria que o(a) senhor(a) definisse que tipo de professor
o(a) senhor(a) era.
4. Outras experiências
4.1 Além do magistério o(a) senhor(a) exerceu outras atividades profissionais ligadas a educação? Por
que?
4.2. Em caso positivo, o(a) senhor(a) poderia descrever cada uma delas?
5. Motivações e Imagens sobre o Magistério
5.1 Gostaria que o(a) senhor(a) explicasse o que significava no seu tempo ser um professor.
5.2 Gostaria que o(a) senhor(a) fizesse um paralelo entre a profissão professor no seu tempo e nos dias
de hoje.
(Adaptação)
Observe que as questões presentes no roteiro recorrem a memória dos entrevistados, posto
que o estudo envolveu educadores com uma história profissional construída na cena educacional
cearense, sendo seu objetivo examinar a relação entre o pensamento pedagógico desses
professores e as políticas educacionais encaminhadas no momento histórico em que viveram
(FARIAS et all, 2007). Atente ainda para o propósito de situar a entrevista para além do
esquema pergunta-resposta mediante o estímulo a produção de narrativas em que o
entrevistado tem a oportunidade de expressar livremente sua compreensão dos
acontecimentos. É importante destacar que a guia apresentada é apenas uma possibilidade,
não havendo regras rígidas acerca de sua organização e estilo.
A entrevista focal, que também não é estruturada, tem assumido espaço crescente
nos estudos no campo das Ciências Sociais. A obra Pesquisa em Educação: alternativas
investigativas com objetos complexos, organizada por Pimenta, Ghedin e Franco (2006) é um
indicativo dessa emergência. O grupo focal (focus group), grupo de opinião ou grupo de
discussão pode ser apresentado como uma entrevista coletiva, caracterizando-se por “centrar o
foco da coleta de dados num ou mais grupos específicos, ou explorar um foco, um aspecto
específico de uma questão a partir de um ou mais grupos” (IBIDEM, p. 22). Nele prevalece o
indivíduo como componente de um grupo e não o ponto de vista individual da pessoa.
Sobre a organização deste procedimento Guimarães (2006, 158) esclarece:
[...] deve ser conduzido por um coordenador com bom preparo e clareza em relação
ao projeto de pesquisa. O grupo deve ser homogêneo e, de preferência, com sete a
doze componentes. É necessário que a condução seja feita com base num roteiro
previamente estabelecido, mesmo com a inserção de questões circunstancias. Pode
ser registrado em fitas cassetes e/ ou videocassete. E sua duração, em geral, pode
variar de uma a três horas.
pode ser feito por meio de filmagem ou gravação em áudio, aconselhando-se também a
presença de um relator para apoiar seu desenvolvimento.
De todo modo, seja qual for o tipo de entrevista, ao iniciá-la você deve esclarecer de
modo preciso sua finalidade e agradecer a disponibilidade do entrevistado. Antes dessa
ocasião, cabe solicitar autorização por escrito de cada sujeito envolvido, saber como ele se
sente em relação a sua identificação e combinar a forma de registro, evitando surpresas e
reações que podem dificultar a coleta das informações.
Atividade 6
1. Você já fez uma entrevista? De acordo com Pedro Demo (1988) aprendemos a pesquisar,
pesquisando. Então, o que você acha de exercitar esta prática da investigação científica?
Você pode utilizar o roteiro apresentado nesta sessão. Escolha um(a) professor(a) reconhecido(a) em
seu município por ter contribuído com o desenvolvimento da educação local. Marque com
antecedência a entrevista, conforme a disponibilidade do entrevistado. Prepare com antecedência o
material (cópia do roteiro e o gravador). Chegue no horário previsto e, ao iniciar, não esqueça de
agradecer a colaboração do(a) professor(a).
Realizada a entrevista, ouça-a com atenção e, depois, reflita sobre os aspectos positivos que poderiam
ser melhorados na execução dessa tarefa. Faça isso tendo como ponto de partida o papel de um bom
entrevistador, conforme abordado em nosso estudo. REGISTRE por escrito suas constatações.
Boa sorte!!
41
UNIDADE V
O processo de investigação qualitativa – do planejamento aos resultados
Objetivos da Unidade:
• Compreender o ciclo da investigação
qualitativa e suas características, desde
planejamento até a socialização dos resultados;
• Caracterizar os elementos básicos do projeto
de pesquisa;
• Discutir o memorial como instrumento
investigativo da prática dos professores nos
processos de formação e desenvolvimento
profissional.
16
Como anuncia a própria expressão, esta atividade consiste no processo de aproximação aos estudos produzidos
sobre o tema. Segunda Alves-Mazzotti (2002, p.26-27) a revisão da literatura objetiva “iluminar o
caminho a ser trilhado pelo pesquisador, desde a definição do problema até a interpretação dos
resultados. [...] deve estar a serviço do problema de pesquisa”.
43
Nesse movimento muitas outras perguntas surgirão. Estas são intermináveis, mas
importantes para melhores e maiores aproximações com o objeto investigado. No entanto, a
experiência de diversos pesquisadores recomenda que ele seja apresentado por meio de
interrogações claras e precisas, delimitando um aspecto viável da temática de ser pesquisada.
A clareza em relação ao que perguntamos à realidade é fundamental, amplia as
possibilidades de adentrarmos no campo do conhecimento sobre determinado fenômeno.
Portanto, fazer a opção acerca do que queremos investigar não é uma empreitada simples,
porém, a demarcação do problema é condição para o desenvolvimento da investigação.
A sistematização de todos esses passos é essencial para conduzirmos a investigação
do problema proposto. A fábula abaixo é importante mensagem do que temos destacado.
Vejamos:
Autor: Esopo
Moral da história: O motivo que nos leva a realizar uma tarefa é que produz a qualidade
final do trabalho de investigação.
17
Iniciação Científica têm como finalidade favorecer ao desenvolvimento do pensamento científico e
promover a iniciação à pesquisa de alunos da graduação, tendo como compromisso básico o despertar
das vocações para a ciência.
45
Atividade 7
1. A leitura desta fábula ajuda-nos a compreender o que acontece quando nossos objetivos não
estão previamente definidos. Leia e discuta com seus colegas a relação da fábula com a fase
preparatória da investigação, conforme discutido até aqui.
"Está com sorte, disse a Esponja. "Vendo-lhe esta prancha de propulsão a jato por muito pouco
dinheiro, para que chegue mais rápido".
Foi assim que o Cavalo-Marinho pagou o resto de seu dinheiro pela prancha e sulcou os mares com
velocidade quintuplicada. De repente encontrou um Tubarão, que lhe disse:
"Para onde vai, meu bom amigo?"
"Vou em busca da fortuna", respondeu o Cavalo-Marinho.
"Está com sorte. Se tomar este atalho", disse o Tubarão, apontando para sua imensa boca, "ganhará
muito tempo".
"Está bem, eu lhe agradeço muito", disse o Cavalo-Marinho, e se lançou ao interior do Tubarão, sendo
devorado.
2. Você já assistiu o filme O óleo de Lorenzo? Ele aborda a luta de uma família pela vida de
seu filho. A narrativa inicia em 1984, quando um médico diagnostica em um garoto uma
doença rara, dando-lhe no máximo mais 2 anos de vida. Seus pais inconformados com esta
situação, passam então a pesquisar sobre a doença, a fim de encontrar algo que possa ajudar o
filho. Dirigido por George Miller (Mad Max) e com Nick Nolte, Susan Sarandon e Peter
Ustinov no elenco. Recebeu 2 indicações ao Oscar.
Em grupo, discuta com seus colegas sobre o processo investigativo empreendido pelos pais
de Lorenzo e faça correlações com o ciclo da investigação qualitativa.
ele lhe informará se é necessário ou não buscar o aceite de instância externa superior.
Resolvido essa etapa é que você deve se aproximar dos professores. Lembre-se: seja precisa,
clara, não se detenha em pormenores. O importante é que você o faça entender que a
cooperação dele é fundamental e que o estudo pode trazer uma contribuição relevante para a
área.
Os primeiros dias são os mais delicados. O pesquisador tende a se sentir como se
estivesse “pisando em ovos”, como costumamos dizer. Procure ser agradável, mas discreto;
acessível, mas não precisa ir mostrar o projeto na íntegra nem todos os seus registros. Comece
devagar, exercitando o ouvir, procurando conhecer as rotinas, os espaços e as pessoas. Pouco
a pouco você se sentirá mais a vontade. Aproveite este momentos iniciais para criar laços de
aproximação e confiabilidade.
Iniciar o trabalho de campo é sempre um desafio, mas abandoná-lo também não é
nada fácil. Como saber que esta hora chegou? A saturação das informações (os dados
começam a se repetir) é um dos sinais que indicam que a coleta de dados está findando. Ao
perceberem que isso acontece alguns pesquisadores pensam que “sair a francesa”, sem
despedir de ninguém; outros vão reduzindo, paulatinamente, sua presença no contexto. De
todo modo, vale o alerta de Bogdan e Biklen (1994, p. 144) ao dizerem que “freqüentemente,
os investigadores param de recolher dados e verificam, mais tarde, que é necessário continuar
o trabalho de campo, precisando por isso, de voltar”. Esse fato não deve causar estranheza. A
realidade é complexa e sempre mais ampla do que dela apreendemos. Todavia, aconselham
ainda os autores, “para se preparar para esta contingência, ao terminar o trabalho de campo é
importante deixar uma porta aberta”. Deixar a porta aberta, ao nosso ver, implicar ter uma
atitude respeitosa e objetiva com as pessoas que cooperaram com a investigação, conforme
gostaríamos que elas agissem conosco.
Tomando de empréstimo as palavras de Madalena Freire (2008, p.30) poderíamos
dizer que o trabalho de campo é um tempo de aprendizado em que:
O recado é: leveza!
Nada de agressão ao próprio ritmo e limite!
Leveza.
Simplicidade na essência, sem peso.
Nada vai acabar. Tudo continua sempre.
Concentração. Foco. Determinação.
Devagar, no próprio ritmo, mas mantendo a constância
sem desfocar, sem desconcentrar e tudo na leveza.
modo explícito e detalhado como desenvolver esta tarefa (GÓMEZ, FLORES e JIMÉNEZ,
1996).
A fase analítica se aproxima do processo de produção de pedras preciosas. As lascas
ou pedaços em estado natural só revelam sua beleza e valor quando lapidados. Na pesquisa os
dados, como resultado de uma elaboração da realidade, são como as lascas. Eles precisam ser
lapidados pois é este processo que vai trazer a tona o conteúdo nele contido sobre o fenômeno
em estudo. O dado é um material bruto e que contém um “conteúdo informativo acerca da
realidade interna ou externa aos sujeitos pesquisados que será utilizado com propósitos
indagativos” (IBIDEM, p. 198). Sua produção, efetuada pelo pesquisador e intimamente
associada a um modo de registro e de comunicação, envolve uma certa elaboração conceitual
sobre esta realidade. A análise busca explicitar elementos teóricos e práticos que,
consorciados, permitem interpretar sob uma determinada ótica o fenômeno investigado. Trata-
se de “um conjunto de manipulações, transformações, operações, reflexões, comprovações
que realizamos sobre os dados com o fim de extrair significado relevante em relação a um
problema [...]” (IBIDEM, p. 200).
Como isso é feito, ou melhor, que procedimentos auxiliam nesta tarefa? A literatura
sobre o assunto mostra que este ainda é um dos pontos críticos na investigação qualitativa, ao
contrário dos estudos de cunho experimental ou quantitativos onde é possível encontrar
procedimentos de análise claramente delimitados. Note que não estamos dizendo que não
existem meios para realizarmos a análise de dados na investigação qualitativa, mas, tão
somente alertando para a complexidade desse exercício quando voltamos nossa atenção para
os significados e os contextos. De acordo com Miles e Huberman (1994) é possível identificar
três tarefas básicas nesse processo: a redução dos dados, a disposição e transformação dos
dados, a obtenção e verificação dos resultados.
Reduzir os dados consiste em fazer uma decomposição do conteúdo das informações
coletadas visando a identificação de suas partes. Para isso o primeiro passo é a leitura atenta
do material. Este mergulho no seu conteúdo propiciará, com base no problema e/ ou objetivos
da pesquisa, bem como no seu aporte teórico, estabelecer critérios para identificar e separar as
partes do material. Por exemplo, na análise de entrevistas em profundidade em que o material
está na forma de texto narrativo geralmente se utiliza o critério temático, o qual considera
unidades em função do tema abordado. As unidades são os assuntos que aparecem nas
entrevistas colhidas. Para identificá-las o pesquisador deve reler o material, nomeando-as ou
codificando-as. Sugere-se ir fazendo anotações em um dos lados do texto impresso. Feito isso,
é chegada a hora de realizar o agrupamento dos assuntos identificados, estabelecendo uma
classificação com base em uma categoria, termo definido por Gomes (2003, p.70) como “um
conceito que abrange elementos ou aspectos com características comuns ou que se relacionam
entre si”. O estabelecimento de categorias, procedimento denominado de categorização,
permite agrupar elementos, idéias ou expressões em torno de um conceito.
Outra tarefa importante durante a análise refere-se a disposição e transformação dos
dados, definida por Gómez, Flores e Jiménez (1996) como um conjunto organizado de
informações, apresentadas em alguma forma espacial ordenável, inteligível e operativa” tendo
em vista a resolução/compreensão do problema investigado. A produção de gráficos e
diagramas é recorrente nesse exercício, procedimento que permite evidenciar as interconexões
existentes entre as categorias do estudo. Também é comum uso de matrizes envolvendo
informações variadas, geralmente expressas por fragmentos textuais. Estas costumam ter
formatos variados, sendo freqüente quadros com duas entradas. Enfim, a ênfase nesse
momento da análise é dar visibilidade ao conteúdo agregado dos dados da pesquisa.
51
19
O Progestão é uma iniciativa de formação contínua a distância que visa capacitar gestores para
melhorar o desempenho profissional e a qualidade dos serviços das instituições que dirigem. No
Estado do Ceará, esse programa vem sendo desenvolvido através de um convênio interinstitucional
entre a Secretaria da Educação Básica do Estado, a Universidade Estadual do Ceará e a Universidade
do Estado de Santa Catarina, esta última responsável pelo projeto que agrega um curso de extensão e
de especialização oferecidos simultaneamente para públicos com perfil de formação diversificado.
Cada um dos cursos conta com carga horária específica, tendo a extensão 270 horas-aula e a
especialização 450 hora-aulas, sendo parte da carga horária dos dois cursos realizadas na modalidade
de educação a distância. Este programa foi implantado em março de 2002 nos municípios cearenses,
abrangendo aproximadamente 9.224 servidores das redes públicas estadual e municipal, sendo que
desse total, 4.771 são alunos matriculados no curso de especialização.
53
20
A obra “Metamemória-memórias: travessia de uma educadora” (1991), da professora Magda Soares,
é um exemplo de memorial bem sucedido literariamente. O texto foi redigido para o concurso de
professor titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.
54
Exemplo de Introdução
O memorial é um trabalho acadêmico-científico, cuja finalidade é inserir o projeto de quem o
escreve num projeto pessoal mais amplo. Seu objetivo é levar o autor a estabelecer uma relação entre
as teorias estudadas e sua prática, a partir da reflexão sobre momentos relevantes de sua vida pessoal e
formação profissional, analisando o presente, como resultado do passado e traçando rumos a uma
trajetória futura (SEVERINO, 1992).
Assim, neste trabalho, foco de forma sintética, aspectos relacionados à minha vida. Contém,
portanto, descrições de minha origem, infância, adolescência, e de minha vida escolar de 1º e 2º graus,
hoje Ensino Fundamental e Médio. Nele registro também minha trajetória profissional no magistério,
minha formação acadêmica e, contextualizo as etapas dessas vivências, com algumas reflexões.
Para melhor acompanhamento de algum curioso leitor, divido-o em quatro partes: na primeira,
relato minha origem, dando ênfase à infância e adolescência. Descrevo os primeiros passos de minha
vida simples, porém cheia de encantos e início de lutas. Na segunda, descrevo minha escolaridade,
época acompanhada de sonhos e descobertas reais. Na terceira, apresento minha trajetória profissional
que é constituída de esforço, realizações e importantes conquistas. Na quarta, abordo minha formação
acadêmica. Ressalto, então, as influências das disciplinas estudadas e as contribuições recebidas de
cada docente, ao longo do curso superior de Formação de Professores para o Ensino Fundamental em
áreas específicas, ministrado pela Universidade Estadual do Ceará – UECE, através de convênio com a
Prefeitura Municipal de Maranguape
Romper com ideias cartesianas, primar pela criação, pela descoberta, imbuídos pelo
espírito científico, o nosso ponto de partida e de chegada para a produção do novo e do
necessário à compreensão e intervenção no mundo a nossa volta, sobretudo nas pautas
relativas ao nosso fazer profissional. As dúvidas, as incertezas diluir-se-ão progressivamente à
proporção que vamos desenvolvendo as pesquisas. A consulta a materiais de apoio, a
57
Atividade 8
1. Vimos que uma das tarefas básicas da fase analítica do processo investigativo é a redução
dos dados. Vamos exercitá-la? Utilizaremos como fonte de informação a Resolução nº.
1/2002 – CNE/CP que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica (DCNs). Você pode acessá-la no endereço:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_02.pdf. Para realizar este exercício use o
mapa de observação abaixo:
Faça conforme o modelo. Não se esqueça: no processo de redução dos dados o primeiro passo
é a leitura do material, seguido da identificação das idéias abordadas sobre o tema em análise
(no caso, a pesquisa na formação docente). Somente depois disso faça o registro por escrito
dos achados, finalizando o mapeamento das informações presentes na fonte em estudo.
2. De posse do levantamento dos dados sobre o que diz a Resolução nº. 01/2002 acerca da
pesquisa na formação docente nos cursos de licenciatura, e considerando as reflexões
presentes neste volume da PPP, elabore um texto sobre o assunto.
58
UNIDADE VI
Certo ou errado? Dilemas éticos na prática da pesquisa
Objetivos da Unidade:
• Oferecer subsídios para a análise da relação
ética e pesquisa científica;
• Identificar condutas não éticas recorrentes no
desenvolvimento da formação em pesquisa na
graduação.
O termo ética deve ser entendido na perspectiva de um saber que não visa,
em primeiro lugar, a apontar o que se deve fazer ou evitar concretamente do
ponto de vista moral, mas indicar os princípios básicos que qualificam o agir
humano sob esse mesmo prisma. Explica-se numa reflexão racionalmente
fundamentada e crítica do agir.
É com base nessa acepção que nos propomos a compartilhar e discutir algumas
preocupações que atravessam nossa prática como docentes universitárias, quer atuando em
disciplinas pedagógicas ou ligadas a iniciação científica
em cursos de licenciatura, quer participando de grupos de
pesquisa e de atividades de orientação na graduação e
pós-graduação. Situações constrangedoras devido
posturas e procedimentos não éticos nos desafiam
constantemente, momento em que nos interrogamos
sobre a contribuição da ação educativa na formação
humana.
O filme “O Clube do Imperador” nos convida a
essa reflexão. A película apresenta a história de Mr.
Hundert, um professor de História que atribui à educação
59
a) Ser ético e honesto são os princípios que norteiam a prática docente de Mr. Hundert. Na sua
opinião, é possível ao professor ensinar conteúdos escolares e, ainda assim, trabalhar valores
como a ética e a honestidade em sala de aula? Em que medida isso se torna real?
b) Para Mr. Hundert, a educação pode mudar o caráter de uma pessoa. Será possível aos
professores, por meio de suas atitudes, modificar o futuro de seus alunos? Até que ponto o
convívio diário com os professores pode influenciar o caráter e as atitudes dos estudantes?
c) O filme evidencia a valorização da glória individual (o vencedor). Mas, ao mesmo tempo,
confirma que educar é ampliar horizontes, redefinir metas, aguçar a sensibilidade, e não
simplesmente obter um diploma. A competitividade, o individualismo e a busca da ‘vitória’ a
qualquer preço são ensinamentos que devem continuar fazendo parte das lições trabalhadas na
escola?
d) Mr. Hundert deu uma oportunidade a Sedgewick na esperança de que ele mudasse de
atitude. Esse ato mostrou-se idealista ou antiético? E mais: o idealismo pode cegar os
professores em seus julgamentos e procedimentos em relação a seus estudantes?
e) Até que ponto os professores devem acreditar e investir na recuperação de seus alunos (seja
na formação ética ou na acadêmica)?
Assista o filme e pense sobre as questões apresentadas. Registre por escrito suas
reflexões e socialize na rede.
É cada vez mais freqüente o registro, por parte de docentes universitários, de condutas
indevidas no cotidiano do aprender a pesquisar. Quem nunca recebeu como resposta o
argumento “eu pensei que podia” ao questionar a autoria de uma idéia presente em um
trabalho acadêmico?
Ilustremos a situação. Um estudante de Pedagogia, cursando a disciplina
“Fundamentos da leitura e escrita”, é solicitado a desenvolver um artigo científico sobre os
métodos de alfabetização. Um de suas primeiras ações foi identificar a produção existente
sobre o assunto, iniciando concomitantemente a leitura das fontes coletadas. Leu tudo, mas
não se preocupou em tomar notas ou fazer fichamentos pessoais. Dias depois resolveu iniciar
a escrita do seu texto, percebendo que as ideias fluíam facilmente, sem necessitar retomar as
leituras efetuadas. Entregou o trabalho no tempo previsto. Ao receber o retorno do professor
ficou surpreso com algumas observações nele registradas, tais como: “faça referência à fonte
utilizada”, “quem é o autor dessa idéia?”, “com base em que produção você faz essa
afirmação?”, “no trabalho do autor X há uma afirmação semelhante”. Estranhou as
advertências, pois havia escrito o texto sem abrir os livros e artigos lidos durante sua
preparação.
60
Quando escrevemos é preciso considerar que nossas ideias não nascem do nada, não
operam no vazio. No processo de objetivação do pensamento na forma de texto escrito
buscamos suporte diversos, isto é, formulações anteriores que nos ajudam a conhecer e a
refletir sobre o assunto em análise. Nesse percurso acumulamos na memória um conjunto de
informações que, por diferentes meios, fomos selecionando, mesmo quando não realizamos
um registro formal. Ao desconsiderar este movimento corremos o risco de sermos acusados
de plágio, pois usamos indevidamente “idéias, organização, estrutura, expressões, ilustrações,
exemplos, citações, dados, modelos ou outra parte qualquer” de uma fonte consultada,
conforme adverte Luiz Carlos dos Santos (2009).
A relação ética e pesquisa, objeto de debates calorosos, tem ganho maior visibilidade
nos últimos anos em face do aumento de registro de condutas impertinentes. Celani (2005)
aborda o tema chamando atenção para sua importância, especialmente no que concerne a
necessidade de evitar abalos no apoio e credibilidade social à produção científica. Citando
Moraes a autora identifica duas categorias de procedimentos não éticos no campo da pesquisa
científica: má conduta e fraude, os quais são assim descritos:
[...] Seriam exemplos de má conduta: não arquivar os dados, não aceitar
avaliações, encomendar dados estatísticos, explorar subalternos, publicar
precocemente (para correr na frente), fazer mau uso de verbas, tratar mal a
amostra, provocar medo, fazer retaliação política, indicar co-autoria
inapropriada, preocupar-se mais com a quantidade do que com a qualidade
(a síndrome publish or perish), mentir, degradar a natureza, roubar
documentos, avalizar erros, procurar a fama, fornecer maus pareceres,
exercer liderança inadequada, formar “panelas”, abusar do poder, induzir
jovens ao erro (por mau exemplo ou por descaso), fazer troca de convites e
de favores, republicar os mesmos dados maquiados, dar cartas de
recomendação inverídicas, ignorar interesses conflitantes com as agências
de fomento, [...] a fraude se caracterizaria como: plagiar, falsificar dados e
inventar resultados.
Embora assuma essa classificação, Celani (2005) lembra que ela não é consensual,
predominando divergências sobre a distinção existente entre má conduta e fraude. Tomando-a
como referência ela nos ajuda a pensar na conduta do estudante de graduação antes descrita
durante a produção de um artigo científico, passível de ser identificada na categoria fraude do
tipo plágio.
O termo plágio faz referência a cópia, o que implica na utilização de idéias formuladas
por outras pessoas sem sua autorização. Embora o estudante de nossa ilustração tenha escrito
seu texto “sem abrir o livro”, portanto, sem fazer transcrições literais das palavras das fontes
consultadas, é provável que ele tenha retido na memória, durante a leitura e estudo, muito das
informações presentes nesses materiais. Por esta razão Carmo Neto (1998, p.266) aconselha
que ao desenvolver um trabalho que demande levantamento de dados secundários o estudante
“deve reconhecer, cuidadosa e apropriadamente, o que, onde e como” conseguiu tais
informações. O uso de aspas quando empregar termos, expressões ou frases de alguém é regra
básica e da qual não é possível descuidar, assim como a indicação correta de sua origem.
O plágio é hoje uma praga, prática cada vez mais abusiva nesses tempos de
conhecimento volátil, progressivo, acelerado e de acesso facilitado pelas tecnologias da
informação e comunicação. Seu emprego evidencia desrespeito ao outro e, por que não dizer,
com quem a realiza (consigo próprio). Afinal, quem copia coloca-se em situação delicada,
uma vez que se expõe a um confronto constrangedor e fragiliza sua credibilidade perante os
pares. Ao estudante universitário cabe vigilância com seu aprendizado, pois copia quem não
demonstra preocupação e interesse em crescer e aprender de modo significativo. Mais vale
61
um trabalho simples, mas fruto do esforço intelectual próprio, que uma produção copiada e
que lhe retira a oportunidade de desenvolver seu potencial.
Obviamente que o debate sobre os procedimentos não éticos na pesquisa científica
extrapola a discussão sobre plágio, envolvendo um conjunto muito maior de preocupações.
Embora não seja propósito desse capítulo detalhá-las, apresentamos a seguir reflexão
elaborada por Lidiane Rodrigues Campêlo da Silva, aluna do Mestrado Acadêmico em Educação da
UECE, sobre a questão.
Toda pesquisa parte de uma problemática e objetiva resolvê-la, senão, pelo menos
compreendê-la, gerar novas informações e elementos para possíveis intervenções. Assim, a pesquisa
educacional e a natureza particular do seu objeto de estudo, que aspira compreender as múltiplas e
complexas relações a ela inerentes, requer uma rigorosa sistematicidade metodológica. Essa
organicidade se constitui como um dos fatores que conferem o estatuto de qualidade à investigação e a
credibilidade ao trabalho desenvolvido pelo investigador.
Pela multiplicidade e complexidade das ações e dos contextos em que desenvolve sua ação,
torna-se necessário que o pesquisador, além de dominar tecnicamente seu fazer, seja consciente da
natureza ética e política inerentes à sua prática. O investigador competente precisa ter clareza acerca
das implicações psicológicas e práticas dos estudos que desenvolve na vida cotidiana das pessoas, bem
como de alterações de ordens diversas possíveis de se efetivar nas instituições envolvidas no estudo.
Sabe-se que toda investigação parte de um determinado ponto de compreensão de mundo, de homem,
de ciência, de educação e do próprio conhecimento e essas concepções exigem constantes tomadas de
decisão. O pesquisador faz opção por este(s) ou aquele(s) método(s), enfoque(s), instrumento(s) de
coleta de dados e tratamento das informações, essas escolhas revelam muito do ideário e da identidade
do pesquisador, o que evidencia a impossibilidade de uma pesquisa eticamente neutra.
A atividade da pesquisa se funda, em grande medida, na relação entre o investigador e o objeto
de estudo. Nas ciências humanas, sociais e educacionais esses objetos não se tratam de matéria
inanimada ou de seres irracionais, mas de pessoas, fatos ou informações diretamente ligados a elas e
eivados de subjetividades e idiossincrasias. Essas escolhas são mais fortes e exigem do pesquisador
um posicionamento que revela uma natureza ética, pois cabe a ele decidir como vai pesquisar. Uma
tomada de decisão duplamente ética uma vez que considera suas próprias escolhas e de outro modo
por tratar de pessoas, de seres que são seus iguais, pela sua responsabilidade com os mesmos. Assim, o
respeito aos princípios éticos devem permear todas as fases da pesquisa, desde o âmbito das escolhas,
do acesso ao campo à informação dos resultados.
Nos estudos de abordagem qualitativa as questões éticas incidem com maior freqüência, pois o
pesquisador se insere diretamente no universo da investigação em uma intensa relação de natureza
interativa com todo o universo da pesquisa, sobretudo com os sujeitos investigados, os influenciando e
por eles sendo afetado. No entanto, essa inserção se apresenta de forma intencional e objetiva
conhecer e interpretar a realidade percebida nesse cenário; aproximam-se do cotidiano, mas dele
precisam se afastar para delinearem seus esquemas de compreensão dos fatos. Durante o processo de
investigação podem surgir questões como: o que pode ser considerado correto ou incorreto na atuação
dos pesquisadores? Quem faz esses julgamentos? Existem documentos que balizam as ações dos
investigadores? Os conflitos inerentes às investigações pouco são atenuados quando se consideram os
códigos de ética, pois muitas vezes constituem-se em tratados generalistas que não dão conta de
orientar tantas questões específicas e de naturezas tão diversas.
Sabe-se que os princípios éticos não compõem um todo coeso entre os pesquisadores, eles
dizem respeito às vinculações teóricas as quais se filiam. Atitudes coerentes para uns podem ser
questionáveis para outros, no entanto, os códigos de ética de pesquisa científica coincidem no que diz
respeito ao consentimento dos sujeitos acerca de sua participação na investigação, discorrendo sobre a
salvaguarda dos direitos, interesses e sensibilidade dos informantes durante a coleta de informações e
aos princípios de responsabilidade profissional do pesquisador. Essas questões giram em torno de
62
aspectos como a relação de confiança que se estabelece entre o pesquisador e os informantes, o acesso
às informações, o desejo de que alguns fatos - embora relatados - não sejam divulgados diretamente
ainda que sejam considerados de forma mais geral, a segurança de que a identidade dos sujeitos
investigados será preservada, principalmente, quando isto represente algum tipo de ameaça a eles.
Esses são alguns aspectos que merecem ser tratados com devida seriedade e responsabilidade.
A relação de confiança entre pesquisador e investigados se faz imprescindível para que estes
se sintam à vontade, seguros para fornecer informações, partilharem suas experiências de vida e suas
concepções. O investigador projeta na sua ação valores e comportamentos éticos e estes aspectos
supõem a integridade moral desse profissional e delineia o estabelecimento dessas relações.
Novas questões surgem: como o investigador deve se comportar diante dos sujeitos da
pesquisa para conseguir extrair deles as informações necessárias ao seu estudo? Quais dos dados
coletados em campo merecem mais atenção e são relevantes ao desenvolvimento do estudo? Por que
outros são descartados? Em situações semelhantes dois investigadores tomariam as mesmas decisões?
O anonimato dos sujeitos deve ser mantido? Qual o tratamento adequado quando os instrumentos de
coletas de dados podem levar a identificação dos informantes como nas gravações em áudio e,
sobretudo, em vídeo? E quando os sujeitos da pesquisa são crianças quem tem autoridade para permitir
sua participação? Os pais, os professores?
A pesquisa qualitativa necessita de um bom planejamento, de organização prévia, embora o
desenho da pesquisa possa ir se delineando com mais propriedade no decorrer de sua efetivação, pois
nos estudos etnográficos a flexibilidade é um componente a ser considerado. No entanto, apesar dessa
maleabilidade as intenções da pesquisa devem ser delineadas desde o princípio para que os sujeitos
investigados tomem conhecimento dos propósitos do estudo e, assim, possam decidir a respeito de sua
participação. Os direitos das pessoas devem ser respeitados e os resultados da pesquisa não podem ser
usados para fins distintos dos propostos. As investigações carecem, de algum modo, interessar aos
sujeitos investigados e se potencializar em significados práticos na vida dos mesmos.
A discussão sobre ética na pesquisa científica deve ser instigada de forma permanente para
que se possa balizar de modo mais coerente o trabalho de investigação. Nessa direção se precisa
considerar que as pessoas estão circunscritas em espaços sociais historicamente situados, dinâmicos e
em permanente transformação, bem como suas problemáticas e a forma de encará-las. Desse modo,
dá-se a relevância da reflexão acerca do que é recomendável no universo da pesquisa, pois as decisões
eticamente mais difíceis de ser tomadas acabam ficando sob a responsabilidade do investigador.
Incitemos o debate: a universidade, as instituições e grupos de pesquisa têm sido espaços para
a reflexão sobre as condições de efetivação de pesquisas coerentes com as necessidades coletivas? O
retorno desses estudos chega ao ambiente em que foi realizado? A pesquisa tem dado respostas
concretas às problemáticas investigadas? Quais são as modificações processadas a partir delas? De
forma mais incisiva: O que temos feito com as pesquisas da área educacional, temos transformado-as
em reivindicações, em ações concretas ou temos feito delas meros acervos bibliográficos? Pensemos
os rumos e prumos da pesquisa!
Lidiane Rodrigues Campêlo da Silva
(Professora da rede municipal de ensino de Crateús)
1. No contexto dos processos investigativos como você interpreta a fala de Antônio Machado
ao afirmar: “caminheiro, não existe um caminho, o caminho se faz ao caminhar”
Pesquisar
• Inquirir
• Procurar
• Realizar uma
investigação científica
• Investigar;
• Procurar com diligência.
Você pode observar que os dois termos, de um modo geral, têm o mesmo significado. Assim:
a) Consulte outros dicionários de que disponha e amplie essa conceituação.
b) Compare os resultados.
c) Socialize com seus colegas os achados.
3. Relate sobre pesquisas que você participou no espaço de sua formação ou na sua
experiência como docente.
6. “Com mérito” é um drama americano dirigido por Alek Keshishian. Trata-se de uma
narrativa instigante sobre as diferentes formas de conhecer, aprender e interpretar o mundo.
Vejamos o que diz a sinopse registrado no endereço:
http://www.webcine.com.br/filmessi/withhono.htm
c) Todo filme quer discutir temas ou valores importantes. Em “Com mérito” uma das
pautas abordadas refere-se a disciplina no ato de produção de um trabalho
científico. Identifique outras pautas tratadas no filme, especialmente as
relacionadas a relação entre ética e pesquisa.
UNIDADE I:
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares nacionais para a
formação de professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura, de
graduação plena. (CNE. Parecer nº. 009/2001).
Neste documento encontramos as diretrizes para a formação para professores da Educação
Básica, nas quais a pesquisa se apresenta como fundamental instrumento dos processos
formativos, da análise e aplicação dos resultados de investigações sobre questões de interesse
da área educacional.
UNIDADE II:
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. 2ª. Ed. São Paulo: Cortez,
1991.
Esta obra responde a indagações mais freqüentes que, mestrandos e doutorandos defrontam-se
no curso de suas pesquisas. De forma sintética e breve o autor oferece subsídios que vem em
auxílio aos diversos pesquisadores permitindo-lhes a posse de informações básicas e respostas
para suas dúvidas.
UNIDADE III:
GIL. Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.
Tem como propósito oferecer aos estudantes e pesquisadores bases conceituais e
instrumentalização técnica necessários ao desenvolvimento de pesquisas no âmbito das
ciências humanas e sociais. Trata-se de um livro introdutório, apresentado de maneira
bastante clara constituindo-se, porém, em importante aporte teórico para a elaboração de
projetos de pesquisas, bem como para a execução e apresentação.
UNIDADE IV:
JOVCHELOVIYCH, Sandra; BAUER, Matin, W. Entrevista narrativa. In: Pesquisa
Qualitativa com texto, imagem e som. 4ª. Ed.Tradução de Pedrinho Guareschi. Petrópolis: Rio
Janeiro, 2002.
Esta literatura oferece ao pesquisador social um leque vasto de informações importantes sobre
pesquisa qualitativa. É um manual prático sobre uma gama de métodos de pesquisa, com o
objetivo de esclarecer procedimentos, compreendendo entre eles: diferentes maneiras de
coletar dados, entrevistas individuais e grupais, interpretações de dados, análise qualitativa
com o auxílio do computador e análise de palavras no contexto. É uma obra merecedora de
consulta e estudo.
UNIDADE V:
MATOS, Kelma Socorro Lima; VIEIRA, Sofia Lerche. Pesquisa educacional: o prazer de
conhecer. Fortaleza-CE: Demócrito Rocha, 2001.
As autoras tratam o ato de pesquisar de maneira simples e prazerosa. Apresentam análise
reflexiva sobre a pesquisa qualitativa, trazendo conceitos básicos e aspectos metodológicos do
fazer investigativo. Descreve experiências docentes com pesquisas em sala de aula,
demonstram com clareza as possibilidades de articular teoria e prática no contexto dos estudos
acadêmicos. Portanto, importante leitura para os que lidam com pesquisa.
66
UNIDADE VI:
VEIGA, Ilma Passos Alencastro; ARAÚJO, José Carlos Souza; KAPUZINIAK, Célia.
Docência: uma construção ético-profissional. Campinas, São Paulo, 2005. (Coleção
Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).
Os autores partem do reconhecimento da natureza ética da prática educativa enquanto prática
especificamente humana para argumentar em torno da necessidade de construção de um
projeto ético-profissional para a docência. Organizada em quatro capítulos, a obra traz
informações que permitem uma visão de conjunto dos diversos aspectos que entremeiam o
tema no âmbito da profissão docente. O texto é de leitura agradável.
VÁZQUEZ, Adolfo Sãnchez. Ética. Tradução de João dellAnna. 15ª edição. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
Uma introdução ao estudo das questões fundamentais da ética é como pode ser apresentado
a obra de Vázquez. Nela o autor tece considerações sobre ética, moral, história e liberdade.
Para o autor a ética deve fornecer a compreensão racional de um aspecto real, efetivo, do
comportamento humano. O autor trata de forma didática, sem ser superficial, um assunto
complexo e atual.
Referências
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Linguagem & Ensino, vol. 8, nº. 1, 2005 (101-122).
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. 2ª. Ed. São Paulo: Cortez,
1991.
DAMASCENO, Maria Nobre. A construção de categorias no estudo da práxis educativa. In:
DAMASCENO, Maria Nobre & SALES, Celecina de M. Veras (Orgs.). O Caminho se Faz
ao Caminhar. Fortaleza: Ed. UFC, 2005.
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FARIAS, I.M.S. et all. Relatório Técnico Profissão Professor: políticas e memórias.
Fortaleza: UECE, 2007.
_________. Didática e Docência: aprendendo a profissão. 2ª edição. Brasília: Líber Livro,
2009.
_________; BEZERRA; J. E. B.; ALBUQUERQUE, M. G. M. T. Discurso Governamental e
Profissão Docente: Aprendendo Significados. In: Anais do 18 º EPENN - Encontro de
Pesquisa Educacional do Norte - Nordeste. Alagoas: UFAL, 2007.
FRANCO, M. L. P. B. Análise de conteúdo. Brasília: Plano Editora, 2003.
FRANÇA, M. S. L. M.; FARIAS, I. M. S. Formar sujeitos éticos: reflexão à luz das lições do
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LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Metodologia científica. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1991a.
68