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079-39

POLIAMOR: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA DECISÃO


DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E DOS
REFLEXOS DO POLIAMORISMO NO DIREITO DE
FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES

José Roberto Moreira Filho

Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica


de Minas Gerais. Especialista em Bioética, Direito e Aplicações pelo IEC
PUC-Minas. Diretor Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família.
Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em Minas Gerais.
Presidente da Comissão de Direito de Família da OAB/MG.
Professor Universitário e Advogado militante.
39

Resumo: Este estudo tem por objetivo analisar os fundamentos


9-

jurídicos que levaram o Conselho Nacional de Justiça a proibir a


07

feitura de escrituras públicas de uniões poliafetivas e apresentar


uma análise crítica de tal decisão, bem como delinear os
3.

principais contornos, requisitos e características do poliamor.


23

Dissertamos, também, sobre os efeitos do poliamor no Direito de


7.

Família e no Direito das Sucessões e suas principais controvérsias.


01

A metodologia utilizada baseou-se na análise doutrinária e


legislativa sobre o tema e o atual posicionamento jurisprudencial
sobre a matéria, em que concluímos pelo desacerto da decisão
do CNJ por afrontar os princípios do pluralismo familiar, do livre
planejamento familiar, da afetividade e da dignidade da pessoa
humana e pela necessidade de proteção da família em todos os
seus contornos e configurações.

Palavras-chave: Poliamor. Conselho Nacional de Justiça.


Família. Princípios. Reflexos.

Sumário: 1. Introdução. 2. O poliamor. 3. Análise da decisão


do Conselho Nacional de Justiça. 4. Efeitos jurídicos do
poliamorismo. 5. Considerações finais. 6. Referências.

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1  INTRODUÇÃO

No dia 26 de junho de 2018, o plenário do Conselho Nacional de


Justiça decidiu julgar procedente o pedido de providências interposto pela
Associação de Direito de Família e das Sucessões – ADFAS, que tinha por
objeto declarar a inconstitucionalidade e proibir a lavratura de escritura
pública de “união poliafetiva”, bem como regulamentar tal questão no âmbito
da Corregedoria Nacional de Justiça.

O voto do relator, da lavra do eminente Corregedor Nacional de


Justiça Ministro João Otávio de Noronha, definiu pela procedência do pedido
de providências utilizando-se das seguintes premissas e fundamentos: a) Que
o instituto encontra dificuldade de conceituação clara; b) A diversidade de
experiências, de formas e a falta de amadurecimento do debate dificulta
a aceitação do poliafeto como entidade familiar; c) A questão ainda é
embrionária e possui pouquíssimos adeptos; d) Uniões formadas por mais
de dois cônjuges sofrem forte repulsa social e não representa uma alteração
social hábil a alterar o mundo jurídico; e) Terceiros não devem suportar os
ônus da declaração de vontade envolvida na relação “poliamorosa”, citando
o caso de planos de saúde, filiação e parentesco por afinidade; f) Para ser
39

lavrado em escritura pública o conteúdo declarado tem de ser lícito e a união


9-

poliafetiva viola o direito em vigência no país que veda expressamente a


07

possibilidade de mais de um vínculo matrimonial simultâneo e uniões


estáveis múltiplas; g) A escritura pública não tem o condão de criar direitos
3.

e uma nova estrutura familiar não se cria por mera declaração de vontade.
23
7.

O único voto divergente foi apresentado pelo Conselheiro Luciano


01

Frota, que pautou suas argumentações no princípio do pluralismo familiar


reconhecido por decisão do STF no julgamento da ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF,
de que não caberia ao CNJ definir efeitos jurídicos das relações poliafetivas e
sim limitar-se às questões que envolvem as serventias extrajudiciais e de que
as escrituras públicas são instrumentos de formalização de uma declaração
de vontade celebrada perante um tabelião, que tem por função conferir
validade formal ao negócio jurídico e dar maior segurança aos interessados.

Os conselheiros Aloysio Corrêa da Veiga, Daldice Santana, Arnaldo


Hossepian, Henrique Ávila e a presidente do CNJ, Cármen Lúcia, foram
vencidos parcialmente porque no entendimento dos mesmos poder-se-ia lavrar
uma escritura pública de poliamorismo apenas para regular uma sociedade
de fato e os seus aspectos meramente patrimoniais, mas sem a possibilidade
da declaração ou analogia à união estável ou entidade familiar, justamente
para se prevenir direitos e definir obrigações.

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Os demais conselheiros votaram de acordo com o relator e restou


definido pela maioria dos conselheiros do CNJ que o pedido de providências
era procedente e que todas as corregedorias estaduais seriam intimadas a
proibir a lavratura de escrituras públicas declaratórias de união poliafetiva.

Portanto, esse é o cenário atual do poliamor no Brasil, e em face


dessa decisão e dos seus desdobramentos é que iremos neste artigo discorrer
um pouco sobre o conceito e requisitos do poliamorismo e das famílias
simultâneas e seus reflexos no Direito de Família e das Sucessões.

2  O POLIAMOR

De acordo com Cardoso,1 o primeiro registro bibliográfico sobre a


palavra poliamor surgiu em 1953 na Illustrated History of English Literature,
volume 1, por Alfred Charles Ward – na qual a Henrique VIII é dado o adjetivo
de “determinado poliamorista”. De acordo com o mesmo autor, somente em
agosto de 1990 é que surgiu, no âmbito da Igreja de Todos os Mundos, a
noção de poliamor na sua vertente espiritual e pagã num evento ocorrido
em Berkeley, onde se organizou um glossário de terminologia relacional, no
39

qual, pela primeira vez, foi utilizada a terminologia Polyamory, mas para
9-

um público restrito de pessoas. Cardoso ainda relata que, em 20 de maio de


07

1992, Jennifer Wesp, durante um debate sobre “a moralidade de ter relações


não-monogâmicas”, num grupo de discussões da internet, empregou o termo
3.

como sinônimo de uma relação “não-monogâmica”, criando o primeiro


23

grupo de e-mail destinado a discutir o poliamor ou seja, o alt.polyamory.


7.
01

Várias são as definições de poliamor e elas variam não só em estilo,


mas também em conteúdo.

Rodrigo da Cunha Pereira, em seu Dicionário de Direito de Família


e Sucessões,2 assim conceitua as uniões poliafetivas: “É a união afetiva
estabelecida entre mais de duas pessoas em uma interação recíproca,
constituindo família ou não”.

1 
CARDOSO, Daniel. Amando vári@s - individualização, redes, ética e poliamor. Tese (Ciências da Comuni-
cação). 2010. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa. Disponível em: <file:///C:/
Users/Flavia/Downloads/14231-23070-1-SM%20(1).pdf>. Acesso em: 01 ago. 2018.
2
  PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões: ilustrado. São Paulo: Saraiva, 2015,
p. 705.

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E a diferencia das uniões simultâneas ou paralelas

porque nesta nem sempre as pessoas têm conhecimento da outra relação,


e geralmente acontece na clandestinidade, ou seja, “uma das partes não
sabe que o(a) marido/esposa companheiro(a) tem outra relação” e “na
união poliafetiva, todos os envolvidos sabem da existência de outros
afetos, e muitas vezes vivem sob o mesmo teto compartilhando entre si
os afetos”.3

Stolze e Pamplona dizem que:

Poliamorismo ou poliamor, teoria psicológica que começa a descortinar-se


para o Direito, admite a possibilidade de coexistirem duas ou mais relações
afetivas paralelas, em que os seus partícipes conhecem-se e aceitam-se uns
aos outros, em uma relação múltipla e aberta.4

Dimas Messias de Carvalho, por sua vez, pontua que “A família


39

poliafetiva se constitui pelo vínculo amoroso de mais de duas pessoas, com


9-

plena concordância dos envolvidos, vivendo juntos, sob o mesmo teto ou


07

não, de forma afetiva e recíproca”.5


3.

Por sua vez Anderson Passos diz que:


23
7.
01

Em suma, pode-se definir o poliamor como sendo uma relação conjugal


envolvendo simultaneamente mais de duas pessoas, de forma consensual,
e onde os envolvidos vivem como uma única família, em comunhão plena
de vidas. Ou seja, os requisitos básicos para a configuração de uma
união poliafetiva são os seguintes: a) convivência conjugal entre mais
de duas pessoas; b) que a convivência seja pública, contínua e duradoura;
c) que seja consensual e admitida por todos os envolvidos; e d) que haja o
objetivo de constituir família (affectio maritalis).6

3 
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões: ilustrado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 705.
4
  GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: Direito de Família – As
famílias em perspectiva constitucional. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2012, v. 6, p. 465.
5
  CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das famílias. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 71.
6
  PASSOS, Anderson. Família de ontem e de hoje: estudo sobre os aspectos constitucionais e civis do poliamor.
Letras Jurídicas, Maceió, ano 52, n. 1, p. 50, dez. 2014.

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Contudo, foi na internet que o conceito se criou e se difundiu7 e de lá


podemos também extrair vários outros conceitos.

A enciclopédia livre Wikipédia o define da seguinte forma:


“Poliamor (do grego πολύ - poli, que significa muitos ou vários, e do Latim amor,
significando amor) é a prática, o desejo de ter mais de um relacionamento
íntimo simultaneamente com o conhecimento e consentimento de todos os
envolvidos”.8

No site “meus dicionários”, encontramos a seguinte definição:


“Poliamor é um substantivo masculino. O termo veio da junção do
Grego  polys, que significa ‘vários, muitos’, mais a palavra amor, que
vem do Latim amor, que quer dizer, obviamente, ‘amor’ (sua base vem da
Indo-Europeia am-, que também foi responsável pela formação do termo
‘mãe’)”.9 O significado de poliamor se refere ao modelo de relacionamento
entre três ou mais pessoas ao mesmo tempo e com o conhecimento de
todos os envolvidos. Isso quer dizer que o poliamor é um tipo de relação
amorosa em que uma pessoa mantém um relacionamento com mais de um
parceiro ao mesmo tempo, sendo que isto é aceito por todos os que estão
envolvidos.
39

No Oxford Dictionaires, a definição inglesa do poliamor é “The


9-

practice of engaging in multiple sexual relationships with the consent of all


07

the people involved”.10


3.

E por sua vez o site Vida Poliamor assim o conceitua:


23
7.
01

O Poliamor pode ser definido como a prática, o desejo, ou a aceitação


de ter mais de um relacionamento íntimo simultaneamente com o
conhecimento e consentimento de todos os envolvidos. Ou ainda como o
exercício de estar aberto para relacionar-se afetiva e romanticamente de
forma não-monogâmica, ética, consensual e responsável.11

7 
CARDOSO, Daniel. Amando vári@s - individualização, redes, ética e poliamor. Tese (Ciências da Comuni-
cação). 2010. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa. Disponível em: <file:///C:/
Users/Flavia/Downloads/14231-23070-1-SM%20(1).pdf>. Acesso em: 01 ago. 2018.
8
  POLIAMOR. Wikipédia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Poliamor>. Acesso em: 06 ago. 2018.
9
  O QUE É POLIAMOR. Meus dicionários. Disponível em: <https://www.meusdicionarios.com.br/poliamor>.
Acesso em: 03 out. 2018.
10 
DEFINITION, Oxford Dicionaire. Disponível em: <https://en.oxforddictionaries.com/definition/polyamory>. :
Numa tradução livre temos: “A prática de envolver-se em múltiplos relacionamentos sexuais com o consenti-
mento de todas as pessoas envolvidas”.
11 
DEFINIÇÃO. Vida Poliamor. Disponível em: <https://vidapoliamor.wordpress.com/definicao/>. Acesso em: 06
ago. 2018.

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Vejam, portanto, que apesar dos vários conceitos podemos extrair


premissas que devem estar presentes para que a relação se caracterize
como uma relação de poliamor, ou seja, a) uma relação amorosa, não
necessariamente sexual, entre três ou mais pessoas; b) uma relação amorosa
plúrima, mas com lealdade recíproca entre os seus partícipes; c) conhecimento
e aceitação de todos; d) relação pública, contínua e duradoura; e) relação
amorosa com o objetivo de todos em constituírem um núcleo familiar único.

Apesar dos conceitos acima é muito comum confundir os conceitos


de poliamor com os de poligamia, bigamia, promiscuidade, não monogamia
e traição.

Poliamor não é poligamia, pois esta é um formato essencialmente


hierarquizado de relacionamento, em que uma pessoa pode relacionar-se com
outras pessoas sem que esse direito seja dado aos seus parceiros amorosos.
Podemos ter a Poliginia, que é a relação de um homem com duas esposas ou
a Poliandria, que é a relação de uma mulher com dois maridos.

Poliamor não é bigamia, pois esta significa o casamento simultâneo de


uma pessoa já casada e que se casa com outra. Invariavelmente, o bígamo
engana tanto a pessoa com a qual se casou primeiro quanto à pessoa com a
39

qual contraiu o segundo casamento. Bigamia é crime definido no artigo 235


9-

do Código Penal, que o conceitua da seguinte forma: “Contrair alguém, sendo


07

casado, novo casamento. Pena: reclusão, de dois a seis anos”.12 Poliamor não
é promiscuidade, pois esta implica em relações amorosas e sexuais diversas,
3.

não criteriosas e sem qualquer compromisso entre os partícipes. No poliamor,


23

geralmente, existe fidelidade e lealdade entre os partícipes e o conhecimento


7.

e consentimento das relações amorosas de todos eles.


01

Poliamor também não é “não monogamia”, pois existem diferentes


possibilidades de relações não monogâmicas que não se encaixam no
conceito e requisitos do poliamor. Podemos dizer que o poliamor é uma
das espécies de relações não monogâmicas. Pessoas que vivem relações
não monogâmicas podem viver em poliamor, mas também como casais de
relacionamento aberto ou adeptos de swing que é “um estilo de vida que
casais adultos assumem para permitir e realizar suas próprias fantasias,
juntando-se com outros casais com a mesma filosofia para compartilharem
a amizade e a intimidade sexual”.13 Dessa forma, não podemos dizer que
poliamor é sinônimo de não monogamia porque existem diversas formas
de relações não monogâmicas e o poliamor é apenas uma delas, mas com
características e requisitos próprios.

12
 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 15 set. 2018.
13
  SWING. Wikipédia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Swing_(sexo)>. Acesso em: 17 ago. 2018.

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E poliamor não é traição porque nesta relação todos os envolvidos


têm ciência e consciência das outras relações amorosas e consente com as
mesmas.

Dado o conceito de poliamor, seus requisitos e características mais


significantes, justamente para que possamos firmar o entendimento sobre o
tema, passaremos a discorrer e analisar as razões que levaram o CNJ a impor
a impossibilidade da lavratura de escritura pública de poliamorismo.

3  ANÁLISE DA DECISÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Conforme anteriormente relatado, o Conselho Nacional de Justiça


determinou que todas as corregedorias estaduais fossem intimadas a proibir a
lavratura de escrituras públicas declaratórias de união poliafetiva. Tal decisão,
tomada pela maioria dos conselheiros do CNJ, teve por fundamento o voto da
lavra do Conselheiro Relator da matéria e Ministro do Superior Tribunal de
Justiça, João Otávio de Noronha.

Dessa forma, iremos analisar e discorrer sobre os fundamentos postos


39

no voto condutor para que possamos definir sobre o acerto ou não de tal
9-

decisão.
07

Primeiramente, o douto Relator alega que a forma de relacionamento


3.

de poliamor é muito recente, de difícil conceituação e pouco debatida em


23

nossa sociedade e também na classe jurídica, senão vejamos:


7.
01

Destaco esses exemplos para explicitar que a diversidade de experiências


e a falta de amadurecimento do debate é uma das dificuldades no
tratamento do poliafeto como instituidor de entidade familiar no atual
estágio da sociedade e da compreensão jurisprudencial: a pretexto de se
criar um grupo único, poder-se-ia reconhecer como família a existência de
uniões estáveis simultâneas, tese que hoje é rechaçada pelos tribunais.14

Em seguida, diz o relator que essa forma de família possui


pouquíssimos adeptos, é uma questão ainda embrionária e que essa falta de
amadurecimento indica que os pouquíssimos casos existentes não são aptos
a provocar mudança de costumes em nossa sociedade:

14
 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providência nº 0001459-08.2016.2.00.0000, Corregedoria
do Conselho Nacional de Justiça. Voto do Relator.

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Apesar da inexistência de dados estatísticos, observa-se que


a ausência de provocação judicial, os raríssimos casos de
lavratura de escritura pública, os incipientes debates e o fato de
o comportamento ser bastante recente indicam que a questão
ainda é embrionária e possui pouquíssimos adeptos. Acrescente-
se a isso a falta de amadurecimento acerca das implicações e
consequências advindas da relação “poliamorosa”, para que então
se conclua que os pouquíssimos casos existentes no país não são
aptos a demonstrar mudança do pensamento social e levar ao
reconhecimento de entidade familiar.15

Relata ainda que a sociedade repulsa esse tipo de relação amorosa:

Uniões formadas por mais de dois cônjuges sofrem forte repulsa social e
os poucos casos existentes não refletem a posição da sociedade acerca do
tema; consequentemente a situação não representa alteração social hábil
a alterar o mundo jurídico.16
39

Reflete dizendo, ainda, que existe dificuldade de se aplicar a analogia


9-

ao casamento ou à união estável para a resolução dos problemas jurídicos


07

trazidos pelo poliamor e que esses vínculos jurídicos não podem afetar
terceiros:
3.
23
7.

Sob o enfoque do tratamento jurídico, existe certa dificuldade para


01

aplicação analógica das regras que regulam as relações monogâmicas às


“uniões poliafetivas”. A regulação da vida amorosa plural não pode ser
comparada à da vida amorosa em dupla por ser aquela mais complexa e
sujeita a mais conflitos, dada a maior quantidade de vínculos. Além disso,
existem consequências jurídicas que podem envolver terceiros alheios à
convivência e criar novas obrigações ou proibições. Normas referentes à
filiação, à inclusão em plano de saúde e ao estabelecimento de parentesco
por afinidade, por exemplo, são questões que envolvem terceiros que
não devem suportar ônus advindos da simples declaração de vontade dos
envolvidos na relação “poliamorosa”. Há questões que transcendem o
subjetivismo amoroso e a vontade dos envolvidos.17

15
 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providência nº 0001459-08.2016.2.00.0000, Corregedoria
do Conselho Nacional de Justiça. Voto do Relator.
16
 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providência nº 0001459-08.2016.2.00.0000, Corregedoria
do Conselho Nacional de Justiça. Voto do Relator.
17
 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providência nº 0001459-08.2016.2.00.0000, Corregedoria
do Conselho Nacional de Justiça. Voto do Relator.

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E conclui fundamentando que as relações de poliamor violam as


normas legais e, portanto, não podem ser registradas em cartório porque atos
contrários à lei não podem ser objeto de escritura pública:

Além de observar os elementos formais, essenciais para a validade da


escritura pública, o notário formaliza juridicamente a manifestação de
vontade do declarante. Para ser lavrado em escritura pública declaratória,
o conteúdo declarado deve ser lícito. Situações contrárias à lei não podem
ser objeto de escritura pública. Hoje a união “poliafetiva” viola o direito
em vigência no país que veda expressamente a possibilidade de mais de
um vínculo matrimonial simultâneo e proíbe, por analogia, uniões estáveis
múltiplas.18

Diante desses argumentos e fundamentos que impedem a lavratura


de escrituras públicas de uniões de poliamor, iremos nos posicionar sobre a
decisão do Conselho Nacional de Justiça.

Dizer que o poliamor é recente e pouco difundido é desconhecer por


completo o fato de que tais relações sempre existiram desde os primórdios de
39

nossa existência. Em algumas civilizações e países árabes e muçulmanos a


9-

prática é corriqueira e consentida e em nossa sociedade sempre foi praticada,


07

mas de forma claramente velada e fortemente escondida, tendo em vista as


normas sociais da época e a legislação existente antes da Constituição da
3.

República de 1988.
23
7.

O primeiro relato de uma relação de poliamorismo podemos ver na


01

Bíblia, quando em Gênesis 4:19 há a informação de que Lameque, descendente


direto de Caim, tomou para si duas mulheres: uma se chamava Ada e a outra
Zilá.19 Em 2 Samuel 12:8, Deus, falando a Davi, por intermédio do profeta
Natã, disse-lhe que deu a ele casa e mulheres e que se as mesmas não fossem
suficientes ele daria mais e disse-lhe, ainda, que por ter desprezado a palavra
do Senhor, fazendo o que ele reprova, iria tomar-lhe as mulheres e dá-las a
outro.20 Em outra passagem da Bíblia, há o relato de que Salomão casou-se
com 700 princesas e trezentas concubinas. Além disso, há relatos na Bíblia
de que vários homens eram polígamos, tais como Abraão, Jacó e Davi, para
ficarmos nos mais importantes.21

18 
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providência nº 0001459-08.2016.2.00.0000, Corregedoria
do Conselho Nacional de Justiça. Voto do Relator.
19
 CAIM e ABEL. Disponível em: <https://www.bibliaon.com/genesis_4/>. Acesso em: 15 ago. 2018.
20
 NATÂ. Disponível em: <https://www.bibliaon.com/2_samuel_12/>. Acesso em: 15 ago. 2018.
21
 SILVA. Juliana Moreira de Araújo. O que a Bíblia diz sobre poligamia ou poliamor? Disponível em:
<https://bibliacomentada.com.br/index.php/o-que-biblia-diz-sobre-poligamia-ou-poliamor/>. Acesso em: 15
ago. 2018.

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Relações poliamorosas já são, desde há muito tempo, retratadas


em obras literárias e artísticas. O filme The Captain’s Paradise, de 1953,
dirigido por Anthony Kimmins, conta a história do comandante de navio
Henry, estrelado por Alec Guinness, que se divide entre o amor por suas
duas esposas. Jorge Amado, em 1966, publica o livro Dona Flor e seus dois
maridos, que conta a história da viúva Florípedes Guimarães com seus dois
maridos, Teodoro e Vadinho. Em 1986, o diretor Spike Lee lança o filme She’s
Gotta Have It, que conta a história de Nola Darling, moradora do Brooklyn,
que vive um verdadeiro quadrado amoroso com três pretendentes. O filme
Eu, Tu, Eles, de 2000, dirigido por Andrucha Waddington, conta a história
de Darlene (Regina Casé), grávida e solteira, que se casa com Osias (Lima
Duarte) e também tem um relacionamento com Zezinho (Stênio Garcia) e
com Ciro (Luiz Carlos Vasconcelos) dos quais também se engravida e passam
a morar juntos.22

Várias séries de televisão e vários filmes já foram feitos sobre o assunto,


tais como: Prazer a três (EUA, 2006), Dieta mediterrânea (Espanha, 2008),
Os três (Brasil, 2011), Vicky Cristina Barcelona (EUA, 2008), Três formas de
amar (EUA, 1993), Cidade Baixa (Brasil, 2005), Os sonhadores (França, Reino
Unido, Itália, 2004), Jules e Jim - Uma Mulher para Dois (França, 1961),
Caramuru, a invenção do Brasil (Brasil, 2001), Eu e sua Mãe também (México,
39

2001), Canções de amor (França, 2007), Amor intenso (série da HBO), Eu, tu
9-

e ela (série Netflix), entre vários outros do gênero.23


07

Na literatura, podemos citar o mineiro Carlos Drummond de Andrade,


3.

que em sua primeira obra Alguma Poesia, publicada em 1930, nos brindou
23

com o poema “Quadrilha”, no qual revela os descompassos do amor e os


7.

desejos não realizados ou frustrados dos relacionamentos amorosos:


01

João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava
Joaquim que amava Lili, que não amava ninguém. João foi para os
Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre,
Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto
Fernandes que não tinha entrado na história.24

Podemos claramente perceber que o poeta não acreditava na


felicidade que poderia advir de um casamento e o tratava como uma mera

22 
SETE personagens que chutaram o pau da barraca e decidiram viver um poliamor. 30.11.2017. Disponível em:
<https://gente.ig.com.br/cultura/2017-11-30/poliamor.html> Acesso em: 17 ago. 2018.
23
 SETE personagens que chutaram o pau da barraca e decidiram viver um poliamor. 30.11.2017. Disponível em:
<https://gente.ig.com.br/cultura/2017-11-30/poliamor.html> Acesso em: 17 ago. 2018.
24
 QUADRILHA. Horizonte. Disponível em: <http://www.horizonte.unam.mx/brasil/drumm7.html>. Acesso em:
28 ago. 2018.

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convenção social, pois Lili, que não amava ninguém, foi a única que se
casou e os demais apaixonados tiveram vários percalços e problemas em
suas vidas.

Em tempos modernos das redes sociais, podemos também perceber


a grande difusão de grupos que se destinam a discutir, debater e mostrar a
todos a vivência do poliamor. Na rede social Facebook, foi realizada uma
pesquisa, na data 23 de agosto de 2018, com o termo “Poliamor” e foram
encontrados 94 grupos, sendo 68 no Brasil e 26 no exterior e o grupo com
mais membros no Brasil tinha 4.451 pessoas, e em pesquisa, na mesma data,
com o termo “Polyamory” foram encontrados 98 grupos no exterior e o grupo
com mais membros no exterior tinha 25.454 pessoas,25 isso sem falar nos
milhares de vídeos sobre o assunto no site youtube.com e com amplo acesso
dos internautas.

Recentemente, em 09 de setembro de 2018, faleceu, em São Paulo,


Wagner Domingues Costa, o conhecido funkeiro Mr. Catra, e de acordo
com a assessoria de imprensa do cantor, divulgada na internet (EXTRA,
2018),26 ele faleceu deixando 3 esposas, 32 filhos e 4 netos. Mr. Catra
tinha três mulheres: Silvia Regina, 36, Layana, 25, e Larissa, 19 e alguns
concubinatos, como gostava de dizer,27 além de 32 filhos de 14 mulheres
39

diferentes.28 Mr. Catra era o mais significativo exemplo de poliamorismo na


9-

classe artística contemporânea.


07

De outra ponta, alegar uma dificuldade de conceituação jurídica


3.

para negar efeitos ao poliamorismo é confessar que fatos sociais que não
23

tenham conceituação clara ou consolidada não poderiam ter uma chancela


7.

ou proteção jurídica. Ocorre que não é isso que comumente vemos nas novas
01

relações de família. As relações familiares estão em constante mutação, as


opções de vida, as crenças religiosas e a forma de definição da opção sexual
mudam a cada dia e nem por isso deixam de ser protegidas juridicamente.

Até bem pouco tempo atrás, a definição de família era única, ou seja,
a comunidade formada pelos pais e seus filhos. Contudo, hoje temos uma
definição exata do que seja família? Existem conceitos e requisitos imutáveis
para defini-la jurídica e conceitualmente? Lógico que não!

25
 Pesquisa realizada no site <www.facebook.com>, em 30 ago. 2018.
26

FAMOSOS. Disponível em: <https://extra.globo.com/famosos/morre-em-sao-paulo-funkeiro-mr-catra-aos-
-49-anos-vitima-de-cancer-23053380.html>. Acesso em: 10 set. 2018.
27
 MDEMULHER. Disponível em: <https://mdemulher.abril.com.br/famosos-e-tv/com-3-mulheres-e-quase-27-fi-
lhos-mr-catra-afirma-deus-fez-isso-por-mim-deixo-tudo-nas-maos-dele/>. Acesso em: 10 set. 2018.
28 
DIÁRIO GAÚCHO. Disponível em: <http://diariogaucho.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/noticia/2016/08/
pai-de-32-filhos-mr-catra-conta-como-vai-passar-o-dia-dos-pais-7253833.html>. Acesso em: 10 set. 2018.

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Não existe mais um conceito estigmatizado, próprio e imutável do que


seja família e a doutrina já a conceitua não mais de uma forma rígida, mas
baseada em suas principais características e princípios ordenadores. Flávio
Tartuce e José Simão analisam a família “do ponto de vista do afeto, do amor
que deve existir entre as pessoas, da ética, da valorização da pessoa e da
sua dignidade, do solidarismo social e da isonomia constitucional”.29 Por
sua vez, Maria Berenice Dias nos ensina que “Dispondo a família de várias
formatações, também o direito das famílias precisa ter espectro cada vez mais
abrangente. Assim, difícil sua definição sem incidir num vício de lógica”.30

O Ministro Luiz Fux, quando do julgamento da ADPF 132,


expressamente esclareceu que a família é o núcleo do afeto, do amor e do
sentimento nutrido pelos partícipes de formarem uma entidade familiar e que
a mesma se caracteriza com a presença de três requisitos básicos e subjetivos:
o amor familiar, a comunhão em um projeto coletivo de vida em comum e
a identidade e a certeza da existência entre seus integrantes de um vínculo
que os une:

O que, então, caracteriza, do ponto de vista ontológico, uma família?


39

Certamente não são os laços sanguíneos, pois os cônjuges ou companheiros


não os têm entre si e, mesmo sem filhos, podem ser uma família; entre pais
9-

e filhos adotivos também não os haverá. De igual modo, a coabitação


07

não será necessariamente um requisito – uma família se desintegra se, por


exemplo, um filho vai estudar no exterior? É claro que não. O que faz uma
3.

família é, sobretudo, o amor – não a mera afeição entre os indivíduos, mas


23

o verdadeiro amor familiar, que estabelece relações de afeto, assistência e


7.

suporte recíprocos entre os integrantes do grupo. O que faz uma família é


01

a comunhão, a existência de um projeto coletivo, permanente e duradouro


de vida em comum. O que faz uma família é a identidade, a certeza de
seus integrantes quanto à existência de um vínculo inquebrantável que os
une e que os identifica uns perante os outros e cada um deles perante a
sociedade. Presentes esses três requisitos, tem-se uma família, incidindo,
com isso, a respectiva proteção constitucional.31

Vejam que a dificuldade de conceituação e das várias acepções do


que seja atualmente família não retiram sua proteção jurídica e por que
deveria sê-lo com o poliamor? Apesar de conceituação múltipla podemos, da

29
 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil – Família. São Paulo: Método, 2007, v. 5, p. 22.
30 
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2015, p. 33. (Grifo nosso).
31
 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental 132. Rio de Janeiro.
Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633>. Acesso em:
25 set. 2018.

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mesma forma, estabelecer as principais características, requisitos e princípios


que regulam atualmente o poliamor, ou seja, uma relação amorosa entre três
ou mais pessoas, com fidelidade recíproca, com conhecimento e aceitação
de seus partícipes e feita de forma pública, contínua, duradoura e com o
objetivo de todos em constituírem um núcleo familiar único.

Também o fato de que são poucos os adeptos do poliamorismo não é


justificativa plausível para negar-lhe proteção jurídica. Também são poucas
as pessoas solteiras que adotam, são poucas as pessoas que se casam no
regime da participação final nos aquestos, são poucas as pessoas adeptas a
uma relação homossexual aberta e pública, são poucas as pessoas que têm
dois pais e/ou duas mães, são poucas as pessoas que aceitam se submeter a
uma inseminação artificial heteróloga para terem filhos, ou seja, são poucas
as pessoas que fogem do modelo “tradicional” de família, mas isso não as
impediu de terem proteção jurídica na relação familiar que escolheram.

Vivemos em um país democrático e já nos acostumamos a ouvir que


a democracia é o governo da maioria, mas essa democracia não pode ser
despótica e nem autoritária, pois mesmo sendo a voz da maioria ela não pode
escravizar a minoria, ou seja, a vontade e os direitos da minoria também
devem ser respeitados. Hugo Nigro Mazzilli nos ensina que
39
9-
07

Entre os direitos básicos das minorias, está o de poderem existir, o de


poderem dissentir e exprimir sua dissensão, o de verem-se representadas
3.

nas decisões que interessem a toda a sociedade, o direito de fiscalizarem


23

de maneira efetiva a maioria, e o de, eventualmente, um dia tornarem-se


7.

maioria. Enfim, têm o direito de não se verem discriminadas. E complementa


01

dizendo “O combate à discriminação é, porém, uma via de dois sentidos:


da mesma maneira que não se admite a discriminação da maioria contra
a minoria, também o contrário é verdadeiro. Assim, por exemplo, tanto
é reprovável a xenofobia, quanto o auto-enquistamento do estrangeiro
que não queira realmente se integrar à sociedade onde vive; tanto é
reprovável o racismo da maioria de uma população contra a minoria,
como o racismo do grupo minoritário em relação aos demais. Tanto num
caso como noutro, há discriminação social implícita e estigmatizante.
As pessoas são naturalmente diferentes e têm de ser respeitadas nas
suas diferenças, mas não podem ser discriminadas naquilo que elas
têm de igual, quais sejam seus direitos fundamentais (à vida, à saúde, à
educação, ao trabalho, à dignidade, ao lazer etc).32

32
 MAZZILI, Hugo Nigro. O direito das minorias. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,-
MI49350,61044-O+direito+das+minorias>. Acesso em: 17 ago. 2018.

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O direito das minorias também deve ser respeitado por meio de


políticas públicas que assegurem o exercício da cidadania de forma difusa ou
de forma concentrada para certas e determinadas pessoas ou comunidades
para assegurar-lhes uma igualdade de tratamento com a maioria.

Foram essas políticas públicas de empoderamento e de proteção ao


direito das minorias que garantiram o surgimento de leis protetivas tais como
a Lei Maria da Penha, Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Estatuto da
Igualdade Racial, por exemplo, bem como normas legais protetivas como a
possibilidade de casamento civil por homossexuais (Resolução n. 175/2013,
do CNJ), adoção por casais homoafetivos (RE 846.102, STF) e recentemente
a possibilidade de alteração do nome e do sexo no caso de transexuais
(Provimento n. 73/2018).

De outra ponta o caráter universalista de nossa Constituição, que diz


que todos são iguais perante a lei, garante igualdade, não mais meramente
formal, entre os direitos da maioria e os direitos das minorias, conferindo a
esses últimos melhores condições para que possam se igualar aos primeiros.

A falta de amadurecimento do debate sobre o assunto, também


alegada para fundamentar o voto condutor, também se revela uma premissa
39

totalmente equivocada. Vivemos hoje em uma sociedade “antenada” e ligada,


9-

literalmente, à internet e às discussões e debates sobre o poliamorismo em sites


07

especializados, blogs e redes sociais é enorme. Em rápida pesquisa realizada


em 28 de agosto de 2018, no site <www.google.com>, com a palavra poliamor
3.

encontramos 756.000 referências, com a palavra poliamorismo foram


23

encontradas 12.500 e com a palavra polyamory encontramos 5.680.000.


7.

Em pesquisa no site <https://scholar.google.com.br>, que é um site de busca


01

especializado em pesquisa acadêmica, com a palavra poliamor encontramos


873 resultados, com a palavra poliamorismo encontramos 217 resultados33 e
com a palavra polyamory encontramos 4.820 resultados. Isso demonstra que
o tema é bastante difundido e discutido na rede mundial de computadores.

A repulsa da sociedade a esse tipo de relação amorosa plúrima também


é questionável do ponto de vista jurídico. Nossa sociedade está em constante
evolução de seus costumes, dogmas, crenças, regras de conduta e de vivência
e o que é repulsivo hoje poderá não sê-lo futuramente.

Até a década de 1960, a sociedade tinha total aversão e repulsa a


qualquer outra relação familiar que não fosse a do casamento e somente em
maio de 1964, após várias decisões judiciais sobre o assunto, é que foram
publicadas as Súmulas 380 e 382, ambas do Supremo Tribunal Federal,
que garantiram direitos aos concubinos, nos seguintes termos: Súmula 380:

33
  Pesquisa realizada em 28.08.2018.

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“Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é


cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido
pelo esforço comum”.34 E Súmula 382: “A vida em comum sob o mesmo
teto, ‘more uxorio’, não é indispensável à caracterização do concubinato”.35
Somente após a Constituição da República de 1988 é que a expressão
pejorativa do concubinato foi transmudada para união estável.

Antes da década de 1940, também não eram reconhecidos os direitos


aos filhos ilegítimos e era negado ao pai reconhecê-los, justamente para
não haver desintegração do núcleo familiar. A sociedade da época também
tinha repulsa e aversão às relações extramatrimoniais e o filho, fruto dessa
relação, sofria os efeitos da culpa pela conduta imoral dos pais. Somente
em 21 de outubro de 1949, é que foi publicada a Lei n. 883, permitindo
o reconhecimento da filiação chamada, na época, ilegítima, e somente em
1988, com a promulgação da Constituição da República, é que a igualdade
da filiação foi finalmente reconhecida em todos os seus sentidos e efeitos.

Nossa sociedade também sempre teve dificuldade de reconhecer


as relações familiares homossexuais e a adoção por casais ou pessoas
confessadamente homossexuais. Somente em 2011, por decisão do Supremo
Tribunal Federal, é que tais relações foram equiparadas às relações de união
39

estável por força do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)


9-

4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)


07

132 e, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução n. 175,


de 14.05.2013, autorizando o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a
3.

conversão de união estável entre pessoas do mesmo sexo em casamento.


23
7.

Vê-se, pois, que a repulsa da sociedade às novas formas de família


01

pode se alterar ao longo do tempo e essa mesma sociedade, que hoje rejeita,
poderá, no futuro, aceitar e até mesmo legislar em sentido contrário ao que
outrora defendia.

O que se questiona é que o douto Relator reconhece a possibilidade do


amadurecimento do tema para futuro disciplinamento legal ao dizer: “Entendo
que, futuramente, caso haja o amadurecimento da “união poliafetiva” como
entidade familiar na sociedade brasileira, a matéria pode ser disciplinada por
lei destinada a tratar das suas especificidades”,36 mas nega que tais relações
sejam reconhecidas por escritura pública pelos partícipes do poliamor.

34
 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 380. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/
menuSumarioSumulas.asp?sumula=2482>. Acesso em: 03 out. 2018.
35 
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 382. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/
menuSumarioSumulas.asp?sumula=2488>. Acesso em: 03 out. 2018.
36
 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providência nº 0001459-08.2016.2.00.0000, Corregedoria
do Conselho Nacional de Justiça. Voto do Relator.

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Como alcançar a robustez do tema na sociedade se quem vive


em poliamor não tem o direito de lavrar uma escritura pública para a
declaração expressa e formal de suas condutas e para a caracterização de
seus efeitos jurídicos, especialmente os patrimoniais? Pode até ser que não
haja ainda um amadurecimento social para uma legislação específica do
tema da mesma forma que ainda não há para uma lei que regule as uniões
estáveis homossexuais, mas isso não foi impeditivo para estas últimas serem
reconhecidas judicialmente pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Conselho
Nacional de Justiça.

Não seria refrear o amadurecimento do tema em nossa sociedade


impedir a lavratura de escritura pública de poliamor? Como defender o
posicionamento do douto Relator que diz que “se passa ao longe a pretensão de
condenar a forma de convivência alheia se desejada e consentida pelo grupo,
bem como a ideia de marginalizar relacionamentos ou tentativa de impor
visão conservadora sobre os fatos”37 se ele mesmo nega tal reconhecimento
por escritura pública e até mesmo fundamenta tal negativa dizendo que tais
relações violam o direito em vigência no país?

Quanto à afetação de terceiros que “não devem suportar ônus advindos


da simples declaração de vontade dos envolvidos na relação “poliamorosa”,38
39

fica claramente uma incógnita. Será que uma relação familiar pode ser
9-

impedida de proteção jurídica ou de reconhecimento porque terceiros não


07

querem suportar os “ônus” dessa relação? Um casal homossexual poderia


ter sua relação familiar negada pelo fato dos pais de um deles não querer ter
3.

um genro homossexual? Uma adoção poderia ser negada pelo fato de o pai
23

ou mãe do adotante não querer ter netos? Um seguro de vida poderia negar
7.

proteção jurídica ao sobrevivente só pelo fato de viver em união estável com


01

o segurado e o seguro prevê apenas pagamento ao cônjuge?

A nossa Constituição da República traz em seu artigo 226, § 7º, o


princípio do livre planejamento familiar ao dizer que

Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade


responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo
ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício
desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições
oficiais ou privadas.39

37
 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providência nº 0001459-08.2016.2.00.0000, Corregedoria
do Conselho Nacional de Justiça. Voto do Relator.
38
 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providência nº 0001459-08.2016.2.00.0000, Corregedoria
do Conselho Nacional de Justiça. Voto do Relator.
39
 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 03 out. 2018.

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Dessa forma, podemos afirmar que as crenças, modos de vida,


ideologias e opiniões de terceiros não podem ser capazes de negar, por si só,
o reconhecimento de uma relação de poliamor, pois mesmo que uma pessoa
não aceite a relação homossexual de seu(ua) filho(a), que não concorde
com uma adoção, que não admita o uso de tecnologias reprodutivas para
a geração de filhos, que não concorde com um casamento aberto ou que
não coadune com uma relação de poliamor não pode, por conta de suas
convicções e crenças, negar proteção jurídica a estas entidades familiares.

Se uma pessoa adota outra, o ascendente do adotante passa a ser


ascendente do adotado mesmo que não tenha consentido com a adoção
e os filhos do adotante também passam a ser irmãos do adotado mesmo
que não tenham interesse nessa relação fraterna, pois a lei não exige o
consentimento ou aceitação deles para o ato. Se um filho consegue o
reconhecimento de uma relação de multiparentalidade todos os ascendentes
serão corresponsáveis pela educação e criação desse descendente mesmo
que não tenham concordado com essa relação multiparental. Portanto, as
escolhas das pessoas no estabelecimento das suas relações parentais e de
filiação afetam terceiros independentemente de quererem ou não suportar
os ônus dessas escolhas, revelando-se claramente frágil a argumentação do
voto condutor.
39
9-

Negar também efeitos jurídicos às uniões de poliamor pela dificuldade


07

de se aplicar a analogia ao casamento ou à união estável para a resolução


dos problemas jurídicos trazidos pelo poliamor é confessar que o Direito não
3.

pode amoldar-se às novas realidades e nem criar regras próprias e inatas a


23

essas relações familiares.


7.
01

É expressamente defeso a um juiz, por força do que dispõe o artigo


140 do CPC,40 se eximir de decidir um litígio sob a alegação de lacuna ou
obscuridade do ordenamento jurídico. Diferentemente do alegado pelo
douto Relator, data maxima venia¸ não vemos dificuldades de se aplicar de
forma analógica e amoldada, as regras legais do casamento e da união estável
nas relações de poliamor. Logicamente que as relações jurídicas aplicadas a
um casal podem se amoldar às relações familiares de três ou mais consortes
ou companheiros.

Talvez, justamente por essa dificuldade alardeada pelo douto Relator,


seria esse um incentivo maior para a lavratura de escrituras públicas de
poliamor e não uma justificativa para negá-las, justamente porque as situações
jurídicas que não pudessem ser analogicamente interpretadas com as regras

40
 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 03 out. 2018.

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da união estável e do casamento seriam dirimidas pelo contrato feito entre as


partes envolvidas, sejam elas de cunho pessoal ou patrimonial.

De outra ponta, o argumento posto no voto condutor de que as relações


de poliamor violam as normas legais e, portanto, não podem ser registradas
em cartório porque atos contrários à lei não podem ser objeto de escritura
pública é tema mais do que controverso.

Não há em nosso ordenamento jurídico nenhuma lei que proíba a


convivência em poliamor. Poliamor não é bigamia e não pode tal relação ser
considerada um ilícito penal porque não há dois casamentos simultâneos.
Poliamor também não é uma relação de “uniões estáveis simultâneas ao
casamento”, pois nessas relações não há o consentimento, a ciência e a
convivência de todos os partícipes em uma mesma relação amorosa.

Nosso ordenamento jurídico permite que dois casamentos simultâneos


tenham seus efeitos jurídicos reconhecidos quando o segundo casamento é
realizado de boa-fé por um ou por ambos os contraentes, nos termos do
artigo 1.561 do Código Civil.41 De outra ponta, o artigo 1.72342 permite que
uma pessoa casada, mas separada de fato, possa constituir com outra uma
união estável. A jurisprudência também tem reconhecido a chamada união
39

estável putativa dando direitos a uniões estáveis simultâneas quando exista


9-

a boa-fé e o desconhecimento da relação paralela como podemos ver nas


07

seguintes ementas proferidas pelos Tribunais de Justiça de Minas Gerais, Rio


Grande do Sul e do Rio de Janeiro:
3.
23
7.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL.


01

ESPÓLIO. AUTORA QUE COMPROVA DE FORMA CONTUNDENTE A


CONVIVÊNCIA COM O DE CUJUS DURANTE 28 (VINTE E OITO) ANOS,
NÃO TENDO CONHECIMENTO DOS OUTROS RELACIONAMENTOS
DO MESMO. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA QUE VEM ADMITINDO
A EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL CONCOMITANTE, DESDE QUE
UMA DELAS SE CARACTERIZE POR SER PUTATIVA, OU SEJA, QUANDO
UMAS DAS PARTES ACREDITA QUE ESTÁ CONVIVENDO EM UNIÃO
ESTÁVEL POR ESTAR INCIDINDO EM ERRO SOBRE SUA SITUAÇÃO
DE FATO, RECEBENDO ESTA TODOS OS DIREITOS ORIUNDOS DO
SEU RECONHECIMENTO. PRECEDENTES DESTE TJERJ. NEGADO
PROVIMENTO AO RECURSO. (RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro. Apelação nº 0002770-30.2006.8.19.0008, 18ª Câmara

41
 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 03 out. 2018.
42
 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 03 out. 2018.

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Cível. Relator: Helena Cândida Lisboa Gaede. Julgado em 19.07.2011).


(Grifo nosso).43

DIREITO DAS FAMÍLIAS. UNIÃO ESTÁVEL CONTEMPORÂNEA


A CASAMENTO. UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE DE
RECONHECIMENTO FACE ÀS PECULIARIDADES DO CASO. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO. Ao longo de vinte e cinco anos, a apelante
e o apelado mantiveram um relacionamento afetivo, que possibilitou
o nascimento de três filhos. Nesse período de convivência afetiva –
pública, contínua e duradoura – um cuidou do outro, amorosamente,
emocionalmente, materialmente, fisicamente e sexualmente. Durante
esses anos, amaram, sofreram, brigaram, reconciliaram, choraram, riram,
cresceram, evoluíram, criaram os filhos e cuidaram dos netos. Tais
fatos comprovam a concreta disposição do casal para construir um lar
com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente
confirma. Isso é família. O que no caso é polêmico é o fato de o apelado,
à época dos fatos, estar casado civilmente. Há, ainda, dificuldade de o
Poder Judiciário lidar com a existência de uniões dúplices. Há muito
moralismo, conservadorismo e preconceito em matéria de Direito de
Família. No caso dos autos, a apelada, além de compartilhar o leito
39

com o apelado, também compartilhou a vida em todos os seus aspectos.


Ela não é concubina – palavra preconceituosa – mas companheira. Por
9-

tal razão, possui direito a reclamar pelo fim da união estável. Entender
07

o contrário é estabelecer um retrocesso em relação a lentas e sofridas


conquistas da mulher para ser tratada como sujeito de igualdade
3.

jurídica e de igualdade social. Negar a existência de união estável,


23

quando um dos companheiros é casado, é solução fácil. Mantém-se ao


7.

desamparo do Direito, na clandestinidade, o que parte da sociedade


01

prefere esconder. Como se uma suposta invisibilidade fosse capaz de


negar a existência de um fato social que sempre aconteceu, acontece e
continuará acontecendo. A solução para tais uniões está em reconhecer
que ela gera efeitos jurídicos, de forma a evitar irresponsabilidades e
o enriquecimento ilícito de um companheiro em desfavor do outro.
(MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº
1.0017.05.016882-6/003, 5ª Câmara Cível. Relatora: Maria Elza. Julgado
em 20.11.2008). (Grifo nosso).44

UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA. Caso em que a autora uniu-se ao “de


cujus” de boa fé sem ter conhecimento que se tratava de homem casado.

43 
RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação nº 0002770-30.2006.8.19.0008, 18ª
Câmara Cível. Relator: Helena Cândida Lisboa Gaede. Julgado em 19.07.2011. Disponível em: <http://
www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=201100138082>. Acesso em: 03 out. 2018.
44
 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 1.0017.05.016882-6/003, 5ª
Câmara Cível. Relatora: Maria Elza. Julgado em 20.11.2008. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso
em: 03 out. 2018..

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Reconhecimento de união estável putativa. DERAM PROVIMENTO. POR


MAIORIA. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul. Apelação Cível nº 70003251469, Oitava Câmara Cível, Relator: Rui
Portanova. Julgado em 13.12.2001). (Grifo nosso).45

Portanto, soa totalmente falaciosa a assertiva de que o nosso


ordenamento jurídico “veda expressamente a possibilidade de mais de um
vínculo matrimonial simultâneo e proíbe, por analogia, uniões estáveis
múltiplas”,46 pois apresentamos provas cabais e fundadas em lei e em decisões
judiciais de que tais vínculos simultâneos podem ter seus efeitos jurídicos
reconhecidos, especialmente se existem a boa-fé e aceitação dos partícipes.

A sociedade brasileira realmente apresenta a monogamia como


regra social, mas não como um princípio jurídico. Vários doutrinadores já
questionam a monogamia como um princípio jurídico.

Walsir Edson e Renata Barbosa afirmam que:


39

À monogamia padece poder ser reconhecida apenas a qualidade de valor,


posto representar um parâmetro do que seja bom e, assim não coincidente
9-

para todos. É possível perceber, socialmente, a descrença de alguns a esse


07

parâmetro. Há quem escolha a poligamia.


Nessa esteira, pretender dar à monogamia a qualidade de princípio
3.

jurídico é o mesmo que impor a todos que se sujeitem a ela. Isso seria, ao
23

mesmo tempo, desmerecer o conteúdo e o propósito das famílias – qual


7.

seja permitir a realização pessoal –, bem como e, sobretudo, desmerecer


01

a conotação dos princípios e sua distinção frente aos valores. A solução


parece, mesmo, inaceitável. A monogamia é valor que não alcança, por si,
o status de princípio jurídico.47

45
 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70003251469, Oitava Câ-
mara Cível, Relator: Rui Portanova. Julgado em 13.12.2001. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/
search?q=uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+putativa+&proxystylesheet=tjrs_index&getfields=*&entsp=a__
politica-site&wc=200&wc_mc=1&oe=UTF-8&ie=UTF-8&ud=1&sort=date:D:S:d1&as_qj=&as_epq=&as_
oq=&as_eq=&as_q=+&ulang=pt-BR&ip=200.229.42.222&access=p&entqr=3&entqrm=0&client=tjrs_in-
dex&filter=0&start=40&aba=juris&site=ementario#main_res_juris>. Acesso em: 03 out. 2018.
46
 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providência nº 0001459-08.2016.2.00.0000, Corregedoria
do Conselho Nacional de Justiça. Voto do Relator.
47
ALMEIDA, Renata Barbosa de; RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Direito civil: famílias. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010, p. 56-57.

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Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, por sua vez, defendem que:

Do quanto exposto, podemos concluir que, embora a fidelidade (e


a monogamia, por consequência) seja consagrada como um valor
juridicamente tutelado, não se trata de um aspecto comportamental
absoluto e inalterável pela vontade das partes.
Nessa linha, por coerência lógica, preferimos simplesmente encarar
a monogamia como uma nota característica do nosso sistema, e não
como um princípio, porquanto, dada a forte carga normativa desse
último conceito, é preferível evitá-lo, mormente em se considerando as
peculiaridades culturais de cada sociedade.48

Maria Berenice Dias, por sua vez, é enfática em dizer que:

Uma ressalva merece ser feita com relação à monogamia. Não se trata
de um princípio do direito estatal de família, mas sim de uma regra
restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas, constituídas
39

sob a chancela do Estado. Ainda que a lei recrimine de diversas formas


quem descumpre o dever de fidelidade, não há como considerar a
9-

monogamia como princípio constitucional, até porque a Constituição não


07

a contempla.49
3.
23

Decisões judiciais também revelam que essa regra de conduta, ou


7.

seja, a monogamia pode ser claramente desconsiderada em casos concretos.


01

Diante disso não é raro encontrar decisões, como as abaixo declinadas e


extraídas do banco de jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça, que
conferem direitos igualitários em relações familiares simultâneas:50

REsp 1673283 / PI
RECURSO ESPECIAL: 2017/0108436-0
Relator(a)Ministro HERMAN BENJAMIN
Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA
Data do Julgamento: 03/08/2017
Data da Publicação/Fonte: DJe 12/09/2017

48
 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: Direito de Família – As
famílias em perspectiva constitucional. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2012, v. 6., p. 108.
49
 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009, p. 60.
50
 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1673283/PI. Disponível em: <http://www.stj.jus.br.>. Acesso em:
10 set. 2018.

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Ementa: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE.


UNIÃO ESTÁVEL CARACTERIZADA. DIVISÃO DO BENEFÍCIO ENTRE
EX-ESPOSA E COMPANHEIRA. POSSIBILIDADE.
1. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem, ao decidir a vexata
quaestio, consignou (fl. 166/e-STJ): “(...) Porém, como suscitou a autarquia
apelante, quanto ao recebimento do benefício pelo cônjuge virago e a
companheira, é mister ressaltar que uma beneficiária não exclui a outra,
não existindo ordem de preferência entre ambas, in casu fora confirmado
o rateio do benefício ente ambas (...).”
2. Extrai-se do acórdão objurgado que o entendimento da Corte a quo
está em consonância com a orientação do Superior de que por não haver
ordem de preferência entre ex-esposa e companheira o benefício poderá
ser dividido entre ambas.
3. Recurso Especial não provido. (BRASIL, 2017)

AgRg no AgRg no AREsp 24358 / ES


AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL: 2011/0095844-9
Relator(a): Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES
Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA
39

Data do Julgamento: 02/08/2012


Data da Publicação/Fonte: DJe 09/08/2012
9-

Ementa: ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. PENSÃO POR


07

MORTE DE EX-MILITAR. RATEIO ENTRE EX-COMPANHEIRA E VIÚVA.


POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. DATA DO ÓBITO DO
3.

INSTITUIDOR DO BENEFÍCIO. SÚMULA 7/STJ.


23

1. Esta Corte perfilha entendimento no sentido de que, em se tratando


7.

de pensão por morte de militar, o benefício pode ser dividido entre a ex-
01

companheira e a viúva, concomitantemente.


2. O fato alegado pela União (óbito do instituidor da pensão anteriormente
à 1988) não foi objeto de análise pelo Tribunal a quo, sendo que seria
necessária a incursão na seara fático-probatória dos autos para se aferir a
referida data do óbito, providência que encontra óbice na Súmula 7/STJ.
3. Agravo regimental não provido.51

REsp 742685 / RJ
RECURSO ESPECIAL: 2005/0062201-1
Relator(a): Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA
Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento: 04/08/2005
Data da Publicação/Fonte: DJ 05/09/2005 p. 484

51
 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AgRg no AREsp 24358/ES. Disponível em: <http://www.stj.jus.
br>. Acesso em: 10 set. 2018.

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Ementa: RECURSO ESPECIAL. PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. PARTILHA


DA PENSÃO ENTRE A VIÚVA E A CONCUBINA. COEXISTÊNCIA DE
VÍNCULO CONJUGAL E A NÃO SEPARAÇÃO DE FATO DA ESPOSA.
CONCUBINATO IMPURO DE LONGA DURAÇÃO.
“Circunstâncias especiais reconhecidas em juízo”. Possibilidade de
geração de direitos e obrigações, máxime, no plano da assistência social.
Acórdão recorrido não deliberou à luz dos preceitos legais invocados.
Recurso especial não conhecido.52

Vê-se, pois, que ao contrário do alegado no voto condutor nunca


poderíamos afirmar que as relações de poliamor são relações ilegais ou
contrárias à lei, pois como a monogamia não é um princípio e sim uma
conduta moral e um valor que varia de gradação e importância em cada
indivíduo ou grupo social é certo que sua violação não poderia ser encarada
como um ato ilícito.

Além do mais, não mais existe um conceito único de família. A família


é plural! E conceituá-la atualmente é tarefa das mais complexas. Temos o
gênero entidade familiar que congrega várias espécies de famílias, sejam as
formadas pelo casamento, pela união estável e pela monoparentalidade, estas
39

expressamente consignadas no texto constitucional, sejam as várias outras


9-

espécies reconhecidas doutrinária e jurisprudencialmente, tais como a família


07

anaparental, família ectogenética, família recomposta ou mosaico, família


eudemonista, família homoafetiva, família socioafetiva, família unipessoal e
3.

as famílias simultâneas.53
23
7.

A proteção a todas as espécies de família é direito que se impõe.


01

Rodrigo da Cunha nos ensina que:

Família ou entidade familiar é um gênero que comporta duas espécies


em sua constituição: a família conjugal e a família parental. A conjugal é
aquela que se estabelece com base em uma relação amorosa, envolvendo
sexualidade e pode advir daí filhos ou não. Pode ser heteroafetiva ou
homoafetiva, pelo casamento ou união estável, simultânea à outra,
quebrando o princípio da monogamia, ou não; família parental é aquela
que decorre da formação de laços consanguíneos ou socioafetivos.
Pode ser por inseminação natural ou artificial, geradas em útero próprio
ou de substituição (barriga de aluguel). Seja como for, parental ou
conjugal, interessa ao Direito de Família a inclusão de todas essas novas

52
 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 742685/RJ. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 10
set. 2018.
53
 Por todos, ver as várias espécies de família em PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e
sucessões: ilustrado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 287-324.

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configurações para que se possa atribuir direitos e receber a proteção do


Estado.54

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADPF 132,


expressamente consignou na ementa da decisão o caráter plural da Família:

3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA.


RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO
EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO
ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO
CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO
SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-
REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade,
especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família.
Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico,
pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada
por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de
1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a
39

casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou


liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente
9-

constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade


07

civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal


lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria
3.

Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º).


23

Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente


7.

ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à


01

formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou


continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação
não-reducionista do conceito de família como instituição que também se
forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal
de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo
como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal
Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do
seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de
preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.55

54 
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões: ilustrado. São Paulo: Saraiva, 2015,
p. 288.
55
 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 132, julgado em 05 nov. 2011. Disponível em: <http://redir.stf.jus.
br/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=HNoJ6wvo5LyvpoaB9ocbpAfDssv0GgX63ITDIdNX2RY>. Aces-
so em: 03 out. 2018.

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Por fim também contestamos a alegação do relator de que “A escritura


pública não tem o condão de criar direitos e uma nova estrutura familiar não
se cria por mera declaração de vontade”,56 pois sabemos que as pessoas que
vivem em união estável podem estipular por meio de uma escritura pública
as regras patrimoniais dessa união estável e caracterizá-la para fins de se
evitar questionamentos futuros acerca da relação jurídica vivenciada entre
as partes. Portanto, a escritura pública de união estável tem sim o condão de
criar direitos, especialmente os patrimoniais, entre as pessoas que a fazem em
um cartório de notas.

De outra ponta, afirmar que uma estrutura familiar não se cria por
mera declaração de vontade é desconhecer a fase de celebração de um
casamento, em que a entidade familiar somente surge com a declaração de
vontade dos nubentes perante o presidente do ato. O artigo 1.514 do Código
Civil expressamente nos diz que “O casamento se realiza no momento
em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade
de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados”,57 ou seja, o
casamento somente surge com a declaração de vontade dos noivos ao juiz
de casamentos. Portanto, uma estrutura familiar fundada em um casamento
somente surge com uma mera declaração de vontade dos nubentes de querer
contrair matrimônio.
39
9-

Podemos concluir, portanto, que os argumentos jurídicos postos no


07

voto do relator revelam, sem sombra de dúvidas, o claro desrespeito ao


princípio constitucional do pluralismo familiar que permite que uma família
3.

seja formada de vários modos e maneiras; ao princípio do livre planejamento


23

familiar, que veda a qualquer pessoa física ou jurídica interferir na comunhão


7.

de vida instituída pelo núcleo familiar; ao princípio da dignidade da pessoa


01

humana no sentido de negar-lhes a possibilidade de constituírem um núcleo


familiar e também ao princípio da afetividade na medida em que tal decisão
anula, por completo, os desejos, as vontades e o amor que existe entre os
adeptos de uma relação poliamorosa.

Analisados os fundamentos que levaram o Conselho Nacional de


Justiça a impedir o registro de escrituras públicas de poliamor, resta ainda
a análise da competência do CNJ para decidir a matéria.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade


da criação do Conselho Nacional de Justiça quando do julgamento da
ADI 3.367/DF e esclareceu que as atribuições do CNJ são de natureza

56 
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providência nº 0001459-08.2016.2.00.0000, Corregedoria
do Conselho Nacional de Justiça. Voto do Relator.
57
 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 03 out. 2018.

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exclusivamente administrativa, financeira e disciplinar da magistratura,


senão vejamos a ementa do referido acórdão neste sentido:58

EMENTAS: 1. AÇÃO. Condição. Interesse processual, ou de agir.


Caracterização. Ação direta de inconstitucionalidade. Propositura antes
da publicação oficial da Emenda Constitucional nº 45/2004. Publicação
superveniente, antes do julgamento da causa. Suficiência. Carência da
ação não configurada. Preliminar repelida. Inteligência do art. 267, VI,
do CPC. Devendo as condições da ação coexistir à data da sentença,
considera-se presente o interesse processual, ou de agir, em ação
direta de inconstitucionalidade de Emenda Constitucional que só foi
publicada, oficialmente, no curso do processo, mas antes da sentença.
2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Emenda Constitucional nº
45/2004. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Instituição e
disciplina. Natureza meramente administrativa. Órgão interno de controle
administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura. Constitucionalidade
reconhecida. Separação e independência dos Poderes. História, significado
e alcance concreto do princípio. Ofensa a cláusula constitucional imutável
(cláusula pétrea). Inexistência. Subsistência do núcleo político do princípio,
mediante preservação da função jurisdicional, típica do Judiciário, e
39

das condições materiais do seu exercício imparcial e independente.


Precedentes e súmula 649. Inaplicabilidade ao caso. Interpretação
9-

dos arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF. Ação julgada improcedente. Votos
07

vencidos. São constitucionais as normas que, introduzidas pela Emenda


Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, instituem e disciplinam
3.

o Conselho Nacional de Justiça, como órgão administrativo do Poder


23

Judiciário nacional. 3. PODER JUDICIÁRIO. Caráter nacional. Regime


7.

orgânico unitário. Controle administrativo, financeiro e disciplinar. Órgão


01

interno ou externo. Conselho de Justiça. Criação por Estado membro.


Inadmissibilidade. Falta de competência constitucional. Os Estados
membros carecem de competência constitucional para instituir, como
órgão interno ou externo do Judiciário, conselho destinado ao controle da
atividade administrativa, financeira ou disciplinar da respectiva Justiça. 4.
PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza
exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade
administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência
relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do
Supremo Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do
Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a
seu controle jurisdicional. Inteligência dos art. 102, caput, inc. I, letra “r”, e
§ 4º, da CF. O Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência
sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão

58
 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3367/DF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/
visualizarEmenta.asp?s1=000094652&base=baseAcordaos>. Acesso em: 21 set. 2018.

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máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito. 5. PODER


JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Competência. Magistratura.
Magistrado vitalício. Cargo. Perda mediante decisão administrativa.
Previsão em texto aprovado pela Câmara dos Deputados e constante do
Projeto que resultou na Emenda Constitucional nº 45/2004. Supressão pelo
Senado Federal. Reapreciação pela Câmara. Desnecessidade. Subsistência
do sentido normativo do texto residual aprovado e promulgado (art.
103-B, § 4º, III). Expressão que, ademais, ofenderia o disposto no art.
95, I, parte final, da CF. Ofensa ao art. 60, § 2º, da CF. Não ocorrência.
Argüição repelida. Precedentes. Não precisa ser reapreciada pela Câmara
dos Deputados expressão suprimida pelo Senado Federal em texto de
projeto que, na redação remanescente, aprovada de ambas as Casas
do Congresso, não perdeu sentido normativo. 6. PODER JUDICIÁRIO.
Conselho Nacional de Justiça. Membro. Advogados e cidadãos. Exercício
do mandato. Atividades incompatíveis com tal exercício. Proibição não
constante das normas da Emenda Constitucional nº 45/2004. Pendência
de projeto tendente a torná-la expressa, mediante acréscimo de § 8º ao
art. 103-B da CF. Irrelevância. Ofensa ao princípio da isonomia. Não
ocorrência. Impedimentos já previstos à conjugação dos arts. 95, § único,
e 127, § 5º, II, da CF. Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido
39

aditado. Improcedência. Nenhum dos advogados ou cidadãos membros


do Conselho Nacional de Justiça pode, durante o exercício do mandato,
9-

exercer atividades incompatíveis com essa condição, tais como exercer


07

outro cargo ou função, salvo uma de magistério, dedicar-se a atividade


político-partidária e exercer a advocacia no território nacional.
3.
23
7.

O artigo 103-B, § 4º, da Constituição Federal, enumera as atribuições


01

e competências do CNJ e é certo que a análise do pedido administrativo feito


pela Associação de Direito de Família e das Sucessões – ADFAS se deu com
base no inciso III do artigo 103-B, § 4º, da Constituição Federal, que permite
ao CNJ “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do
Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos
prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do
poder público ou oficializados”.59

O Conselho Nacional de Justiça, portanto, tem competência para


fiscalizar e decidir sobre reclamações feitas contra atos praticados pelos
tabeliães prestadores de serviços notariais e de registro, mas teria ele
competência para decidir, como decidiu, se uma união de poliamor é lícita
ou permitida pelo ordenamento jurídico brasileiro?

59 
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 03 out. 2018.

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Quando um casal, por exemplo, vai a um cartório de notas declarar a


existência de uma união estável e lavrar uma escritura pública neste sentido
não há a necessidade de se provar documentalmente a existência do vínculo
afetivo e com o objetivo de constituição de família por parte dos requerentes,
bastando apenas a manifestação de suas vontades ao tabelião para que a
escritura seja lavrada.

Ocorre que essa escritura é apenas a formalização da vontade dos


companheiros e um inequívoco indício de prova da existência de uma união
estável entre o casal, mas não uma prova absoluta e extreme de dúvidas,
pois mesmo que haja uma escritura pública declaratória de união estável
cabe ao Judiciário, caso impugnado tal documento, a palavra final sobre a
caracterização ou não da união estável entre o casal.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já decidiu neste sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO.


RELAÇÃO NÃO DURADOURA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO
DECLARATÓRIO DE DISSOLUÇÃO. 1. O curto relacionamento vivenciado
39

entre o par (seis meses) não se amolda às previsões do art. 1.723 do CC,
não tendo se revestido de durabilidade, estabilidade e seriedade inerentes
9-

ao objetivo de constituir família. 2. A simples existência de escritura


07

pública de declaração de união estável não possui força probante absoluta,


notadamente porque relacionamento estável é fato, cuja efetiva existência
3.

não foi demonstrada durante a instrução do feito. (RIO GRANDE DO SUL.


23

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70076137819


7.

(CNJ: 0377896-46.2017.8.21.7000).60
01

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal também:

APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE


FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO
DE UNIÃO ESTÁVEL. RELAÇÃO PÚBLICA, CONTÍNUA, DURADOURA.
AFFECTIO MARITALIS. NÃO COMPROVAÇÃO. ESCRITURA
PÚBLICA DECLARATÓRIA. NECESSIDADE DE OUTRAS PROVAS.
INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS ESSENCIAIS. ARTIGO 1.521, VI
DO CÓDIGO CIVIL. CIRCUNSTÂNCIA IMPEDITIVA. SEPARAÇÃO DE

60
 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70076137819 (CNJ:
0377896-46.2017.8.21.7000). Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=A+simples+exist%-
C3%AAncia+de+escritura+p%C3%BAblica+de+declara%C3%A7%C3%A3o+de+uni%C3%A3o+est%-
C3%A1vel&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&filter=0&getfields=*&aba=juris&entsp=a__politi-
ca-site&wc=200&wc_mc=1&oe=UTF-8&ie=UTF-8&ud=1&sort=date%3AD%3AS%3Ad1&as_qj=&site=e-
mentario&as_epq=&as_oq=&as_eq=&as_q=+#main_res_juris>. Acesso em: 21 set. 2018.

36 REVISTA IBDFAM - Famílias e Sucessões


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FATO NÃO DEMONSTRADA. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR INEXISTENTE.


SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS. FIXAÇÃO.
1. Para a configuração da união estável, é imprescindível a convivência
pública, contínua e duradoura entre o casal, estabelecida com o objetivo
de constituição de família, além da ausência de impedimento matrimonial
entre os conviventes e da presença da notoriedade de afeições recíprocas
e da honorabilidade.
2. A escritura pública declaratória de união estável, bem como
declaração que tenha a mesma finalidade, com firma reconhecida, não
pode ser utilizada como condição de prova insofismável da alegação
da convivência marital, sendo necessária a análise de todo o conjunto
probatório.
3. Verificado um dos impedimentos previstos no art. 1521 do Código
Civil, e ausente a ressalva da segunda parte do §1º do art. 1723 do mesmo
diploma legal, não se pode reconhecer a existência de união estável, posto
que, no Brasil, adota-se o princípio da monogamia.
4. Uma vez não reconhecida a existência da união estável vindicada,
inviável a condenação do réu em prestar alimentos à autora, posto que
inexistente o dever de mútua assistência previsto no art. 1.694 do Código
Civil.
39

5. Em razão da sucumbência recursal, a verba honorária fixada


anteriormente deverá ser majorada, na forma do artigo 85, § 11, do CPC.
9-

6. Apelação conhecida e não provida. (DISTRITO FEDERAL. Tribunal de


07

Justiça. Apelação Cível nº 1072112, da 1º Turma Cível do Tribunal de


Justiça do Distrito Federal).61
3.
23
7.

O Superior Tribunal de Justiça também já se pronunciou, por diversas


01

vezes, que a presunção de veracidade de um documento público é iuris


tantum e, por isso, poderia o documento ser impugnado ou desconsiderado
em face das demais provas existentes nos autos. O Ministro Castro Meira, da 2ª
Turma do STJ, quando do julgamento do REsp 1099127, assim consignou em
seu voto: “5. A presunção de veracidade inerente aos documentos públicos
é iuris tantum, podendo ser descaraterizada pelo magistrado, ao examinar
o acervo fático da demanda”,62 no que foi recentemente corroborado pelo
Ministro Herman Benjamim, quando do julgamento do REsp 1682141, em
3 de outubro de 2017.63

61
 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1072112, da 1º Turma Cível do Tribunal de Justi-
ça do Distrito Federal. Disponível em: <https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj.> Acesso
em: 21 set. 2018.
62
 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1099127. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurispru-
dencia/doc.jsp?processo=1099127&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=2>. Acesso em: 21 set. 2018.
63
 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1682141. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/
doc.jsp?livre=escritura+publica+de+uniao+estavel&b=ACOR&p=true&l=10&i=5>. Acesso em: 21 set. 2018.

REVISTA IBDFAM - Famílias e Sucessões 37


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O legislador, por meio da Lei 8.971, de 1994,64 tentou trazer requisitos


objetivos para a caracterização da união estável, tais como existência de
prole comum e convivência por mais de 5 anos, e como percebeu que
isso trouxe muito mais problemas para sua configuração tratou de alterar o
conceito de união estável dois anos depois, na Lei 9.278, de 1996,65 para
inserir requisitos abertos e subjetivos para sua caracterização, tais como uma
convivência pública, contínua e duradoura entre duas pessoas e com objetivo
de constituição de família.

Portanto, as entidades familiares diversas do casamento se provam não


apenas com documentos ou com requisitos estanques e objetivos, mas pelo
modo que o casal vive, pelo modo como se comportam na sociedade, pelo
tempo contínuo e duradouro do relacionamento e, primordialmente, pela
prova da existência do desejo de constituírem uma família.

Diante disso, podemos afirmar que não é com a lavratura de uma


escritura pública de união estável que ela começa a ter existência e proteção
jurídica, mas sim pelo modo com que o casal vive e se porta em sociedade
como se casados fossem. A escritura pública é somente um documento que
comprova que aquele casal declarou, perante um tabelião de notas, viver em
união estável, em consonância com o artigo 405 do CPC, que assim dispõe:
39

“O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos
9-

fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor declarar


07

que ocorreram em sua presença”.66


3.

Podemos, então, também concluir que se um tabelião conhece e


23

convive com um trisal, se sabe da relação de poliamor existente entre eles


7.

ou se esse trisal expressamente declarar perante ele conviverem em união


01

estável ou como se família fosse ser-lhe-á claramente lícito declarar tais fatos,
que ocorreram em sua presença, em uma escritura pública de poliamor, pois
corroborado está nos ditames do artigo 405 do CPC, mesmo que tal relação
ainda penda de reconhecimento expresso pela justiça ou legislação.

Alguns dos conselheiros do Conselho Nacional de Justiça, quando


do julgamento do pedido de providências, argumentaram que não teria o
Conselho Nacional de Justiça nenhuma competência para fazer qualquer
juízo de valor sobre os efeitos jurídicos de uma relação de poliamor ou para
caracterizá-la ou não como uma união estável ou entidade familiar, senão
vejamos.

64
 BRASIL. Lei 8.971 de 29 de dezembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/Leis/
L8971.htm>. Acesso em: 05 set. 2018.
65
 BRASIL. Lei 9.278 de 10 de maio de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9278.
htm>. Acesso em: 05 set. 2018.
66 
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 03 out. 2018.

38 REVISTA IBDFAM - Famílias e Sucessões


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O Conselheiro Valdetário Andrade Monteiro, mesmo acompanhando


integralmente o voto do Relator, assim consignou:

Como se observa das disposições acima, não parece ter sido atribuída, ao
Conselho Nacional de Justiça, a possibilidade de se imiscuir na seara que,
indubitavelmente, toca no direito civil das pessoas, inclusive no direito de
família, estando a competência para regular a matéria adstrita ao Poder
Legislativo, representante do povo e que, em tese, poderá num amplo
debate em suas várias Comissões Temáticas, atender ou não os anseios
sociais.67

O Conselheiro André Godinho divergiu parcialmente do voto do


Relator, mas deixou expresso em seu voto que o CNJ não teria competência para
decidir sobre a legalidade ou não de uma união de poliamor ao destacar que:

À luz da competência constitucional que lhe é atribuída, não cabe a este


Conselho Nacional de Justiça emitir juízo de valor acerca do tema, senão
39

apenas controlar eventual ato ilegal praticado pelo Poder Judiciário e pelas
serventias cartoriais por ele delegadas.68
9-
07

A divergência apontada pelo Conselheiro André Godinho era no


3.

sentido de se apenas proibir escrituras públicas de poliamor que tivessem


23

caráter constitutivo de união estável.


7.
01

O Conselheiro Luciano Frota, único que julgou totalmente improcedente


o pedido de providências, também foi enfático em afirmar: “Não cabe ao CNJ
definir quais efeitos jurídicos serão atribuídos a essas relações, devendo se
limitar à questão que envolve a atuação das serventias extrajudiciais”.69

Acreditamos, portanto, que o Conselho Nacional de Justiça extrapolou


de sua competência para adentrar em questões que somente seriam de
competência da justiça comum resolver, pois mesmo que dotada de fé pública
acerca dos fatos que foram pessoalmente relatados ao tabelião somente a
justiça é que poderá definir os contornos e efeitos jurídicos dessa declaração
lavrada em instrumento público.

67
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de providência 0001459-08.2016.2.00.0000, Corregedoria do
Conselho Nacional de Justiça. Acórdão ID 3095628, p. 22.
68
 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de providência 0001459-08.2016.2.00.0000, Corregedoria do
Conselho Nacional de Justiça. Acórdão ID 3095628, p. 25.
69
 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de providência 0001459-08.2016.2.00.0000, Corregedoria do
Conselho Nacional de Justiça. Acórdão ID 3095628, p. 37.

REVISTA IBDFAM - Famílias e Sucessões 39


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4  EFEITOS JURÍDICOS DO POLIAMORISMO

O tema “Poliamor”, apesar de bastante debatido na internet e também


doutrinariamente, é de discussão jurídica recente, mas nem por isso pode
ficar desprotegido em relação aos seus efeitos jurídicos.

Se três ou mais pessoas vivem como se casadas fossem, se amam e


desejam constituir um núcleo familiar único e se tal relação é pública, contínua
e duradoura faz-se necessário que o direito a ampare, sob pena de haver
prejuízo aos demais, pessoal e/ou patrimonialmente, e um enriquecimento
ilícito e injustificado de apenas um ou de alguns dos partícipes.

Quem pleiteia direito traz para si obrigações! Se esse trisal ou essa


família poliamorosa estabelece essa convivência entre eles como uma relação
apta à constituição de um núcleo familiar, eles devem ter os mesmos direitos
assegurados como as demais entidades familiares e também os deveres
inerentes aos integrantes de uma família.

Geralmente, as questões jurídicas de um relacionamento só aparecem


quando há o término ou a dissolução da relação familiar e elas podem ser
39

questões que dizem respeito aos filhos (guarda, convivência e alimentos),


9-

ao casal (nome e alimentos) e ao patrimônio comum (partilha dos bens e


07

herança).
3.

Entendemos que as questões que dizem respeito aos filhos de um


23

trisal ou de uma entidade familiar poliamorosa podem e devem ser dirimidas


7.

com base no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.


01

Portanto, a definição quanto à guarda e a convivência dos filhos devem ser


tomadas com base na análise do caso concreto, em que se definirá o melhor
modelo de exercício da guarda e como será realizada a convivência entre
os filhos e seus genitores. Não havendo litígio no exercício da guarda e da
convivência apurar-se-á o que ficar decidido entre os conviventes, cabendo
ao juiz homologar a transação caso convergente com o melhor interesse dos
filhos. Em caso de litígio, a guarda e a convivência devem ser definidas após
a efetiva realização de um estudo biopsicossocial que apurará qual o melhor
modelo a ser adotado no caso concreto.

Pode ocorrer que três pessoas tenham uma relação de poliamor


e também uma relação jurídica de filiação entre elas, tal como ocorre no
compartilhamento gestacional em reprodução humana artificial,70 como na
situação de um homem e duas mulheres, em que uma cede o óvulo que será
fertilizado pelo companheiro e gestado no útero da outra companheira do

70
 Hipótese prevista no capítulo IV, inciso 9 da Resolução 2168/17 do Conselho Federal de Medicina.

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trisal. Nesses casos, é perfeitamente possível e aceitável juridicamente que


essa criança tenha em seu registro duas mães (biológica e socioafetiva) e um
pai. Diante disso, teremos uma criança que tem três genitores e todos eles
aptos ao exercício do poder familiar e, da mesma forma que ocorre com um
casal, é certo que se houver divergência entre eles sobre o exercício do poder
familiar caberá ao juiz decidir o desacordo nos termos do parágrafo único
do artigo 1.631 do Código Civil: “Divergindo os pais quanto ao exercício do
poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução
do desacordo”.71

Portanto, plenamente possível a utilização analógica dos institutos


da guarda, poder familiar e convivência familiar e dos princípios que lhes
amparam para dirimir eventuais problemas ou litígios nas relações familiares
de poliamor.

No que diz respeito aos alimentos a serem prestados aos filhos, deve
restar apurado se os filhos estão registrados em nome de todos os partícipes
da relação poliamorosa ou se apenas de um ou de dois deles, pois a relação
obrigacional dos alimentos é inerente à prova da relação de parentesco, seja
ela consanguínea, afetiva ou de outra origem. Da mesma forma que um filho
que tenha dois pais e uma mãe registrados em sua certidão de nascimento
39

poderia acionar a ambos os pais ou a todos os genitores para que eles dividam,
9-

na proporção de seus rendimentos, as despesas de sua subsistência, ele


07

também poderia ser acionado por seus pais quando os mesmos não tiverem
recursos financeiros e nem aptidão para se manter dignamente.
3.
23

Estabelecida a relação poliamorosa e reconhecida a entidade familiar


7.

dela advinda seria, da mesma forma, recíproco o dever de alimentos entre os


01

genitores e seus descendentes.

Em relação à pensão alimentícia entre os conviventes em poliamor


poderemos também aplicar por analogia as regras que estabelecem a
possibilidade de pensão alimentícia entre os cônjuges e companheiros para
que sejam igualmente responsáveis pelo pagamento de pensão alimentícia
para aquele(s) que não possa(m) trabalhar e nem auferir, por si próprio, renda
apta a sua manutenção até que consiga se manter. Mesmo direito lhes são
assegurados nos chamados alimentos compensatórios ou indenizatórios.

O Ministro João Otávio de Noronha, do STJ, o mesmo que relatou o pedido


de providência junto ao CNJ sobre o poliamor, decidiu, em 2015, ao julgar o
REsp 1185337, que seria devida uma pensão alimentícia a uma concubina idosa

71
 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/2002/l10406compilad a.htm>. Acesso em: 03 out. 2018.

REVISTA IBDFAM - Famílias e Sucessões 41


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que os recebeu por mais de quatro décadas, mesmo sendo o alimentante casado
e que isso não representaria risco para a estruturação familiar:

Processo: REsp 1185337 / RS


Relator(a): Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (1123)
Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA
Data do Julgamento: 17/03/2015
Data da Publicação/Fonte: DJe 31/03/2015
RECURSO ESPECIAL. CONCUBINATO DE LONGA DURAÇÃO.
CONDENAÇÃO A ALIMENTOS. NEGATIVA DE VIGÊNCIA DE LEI FEDERAL.
CASO PECULIARÍSSIMO. PRESERVAÇÃO DA FAMÍLIA X DIGNIDADE E
SOLIDARIEDADE HUMANAS. SUSTENTO DA ALIMENTANDA PELO
ALIMENTANTE POR QUATRO DÉCADAS. DECISÃO. MANUTENÇÃO
DE SITUAÇÃO FÁTICA PREEXISTENTE. INEXISTÊNCIA DE RISCO PARA
A FAMÍLIA EM RAZÃO DO DECURSO DO TEMPO. COMPROVADO
RISCO DE DEIXAR DESASSISTIDA PESSOA IDOSA. INCIDÊNCIA DOS
PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE E SOLIDARIEDADE HUMANAS. DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL. INEXISTÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICO-JURÍDICA.
1. De regra, o reconhecimento da existência e dissolução de concubinato
39

impuro, ainda que de longa duração, não gera o dever de prestar alimentos
a concubina, pois a família é um bem a ser preservado a qualquer custo.
9-

2. Nada obstante, dada a peculiaridade do caso e em face da incidência


07

dos princípios da dignidade e solidariedade humanas, há de se manter a


obrigação de prestação de alimentos a concubina idosa que os recebeu
3.

por mais de quatro décadas, sob pena de causar-lhe desamparo, mormente


23

quando o longo decurso do tempo afasta qualquer risco de desestruturação


7.

familiar para o prestador de alimentos.


01

3. O acórdão recorrido, com base na existência de circunstâncias


peculiaríssimas – ser a alimentanda septuagenária e ter, na sua juventude,
desistido de sua atividade profissional para dedicar-se ao alimentante;
haver prova inconteste da dependência econômica; ter o alimentante, ao
longo dos quarenta anos em que perdurou o relacionamento amoroso,
provido espontaneamente o sustento da alimentanda –, determinou que
o recorrente voltasse a prover o sustento da recorrida. Ao assim decidir,
amparou-se em interpretação que evitou solução absurda e manifestamente
injusta do caso submetido à deliberação jurisprudencial.
4. Não se conhece da divergência jurisprudencial quando os julgados
dissidentes tratam de situações fáticas diversas.
5. Recurso especial conhecido em parte e desprovido.72

72
 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1185337/RS. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurispru-
dencia/doc.jsp?livre=%28longo+decurso+de+tempo%29+E+%28%22JO%C3O+OT%C1VIO+DE+NORO-
NHA%22%29.min.&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=3>. Acesso em: 13 set. 2018.

42 REVISTA IBDFAM - Famílias e Sucessões


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Na questão de alimentos entre os conviventes poderemos ter uma


relação obrigacional entre dois ou mais conviventes devedores de pensão
alimentícia em relação ao terceiro convivente necessitado, bem como
poderemos ter dois ou mais credores de alimentos em face de um dos
conviventes mais abastado ou com recursos financeiros. O valor da pensão
devida seria, logicamente, proporcional aos recursos e rendas da pessoa
obrigada e na proporção das necessidades de quem pleiteia, sendo que
o Superior Tribunal de Justiça já tem entendimento consolidado de que a
pensão entre cônjuges e companheiros é, em regra, excepcional e temporária:

AgInt nos EDcl no AREsp 679175 / SP


AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO
EM RECURSO ESPECIAL
Relator(a): Ministro RAUL ARAÚJO (1143)
Relator(a) p/ Acórdão: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI (1145)
Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA
Data do Julgamento: 07/03/2017
Data da Publicação/Fonte: DJe 18/04/2017
Ementa: AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
39

NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALIMENTOS. EX-CÔNJUGES.


EXCEPCIONALIDADE. OBRIGAÇÃO COM TERMO CERTO. AÇÃO
9-

DE EXONERAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. ALIMENTANDA QUE


07

TRABALHA EM EMPRESA FAMILIAR E AUFERE RENDA DOS BENS


PARTILHADOS QUANDO DA SEPARAÇÃO. TESE DO RECURSO
3.

ESPECIAL QUE DEMANDA REEXAME DE CONTEXTO FÁTICO E


23

PROBATÓRIO DOS AUTOS. ÓBICE CONTIDO NA SÚMULA Nº 7/STJ.


7.

AGRAVO INTERNO PROVIDO.


01

1 - Nos termos da jurisprudência atualmente consolidada no STJ, os


alimentos entre ex-cônjuges devem ser fixados, como regra, com termo
certo, somente se justificando a manutenção por prazo indeterminado do
pensionamento em face de situação excepcional, como a incapacidade
permanente para o trabalho ou a impossibilidade de reinserção no
mercado de trabalho.
2 - Hipótese em que Tribunal de origem, soberano na análise da prova,
concluiu pela procedência do pedido de exoneração, em face das
possibilidades financeiras da alimentanda, bem como em razão da não
comprovação da incapacidade de prover o próprio sustento, de forma que
a tese defendida no recurso especial demanda reexame do contexto fático
e probatório dos autos, vedado pela Súmula nº 7/STJ.
3 - Agravo interno a que se dá provimento para negar provimento ao
agravo em recurso especial.73

73
 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt nos EDcl no AREsp 679175/ P. Julgado em 07 mar. 2017. Disponí-
vel em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=pensao+alimenticia+conjuges+excepcio-
nal&b=ACOR&p=true&l=10&i=4>. Acesso em: 05 out. 2018.

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No que diz respeito à partilha dos bens adquiridos numa relação


de poliamor, acreditamos que também poderemos aplicar por analogia as
regras inerentes à união estável no sentido em que não havendo contrato
escrito entre os conviventes aplicar-se-iam as regras da comunhão parcial de
bens. Caso haja contrato escrito às regras patrimoniais e da partilha dos bens
seriam por ele dirimidas. Daí resta clara a importância de um contrato escrito,
principalmente para regular as questões patrimoniais do poliamorismo. Não
se trata aqui de uniões estáveis paralelas ou de famílias paralelas cuja partilha
de bens já vem sendo indeferida pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a
alegação da impossibilidade de constituição de união estável quando um dos
conviventes ainda porta a condição de casado de fato e de direito, mas de uma
entidade familiar poliamorista, em que existe uma relação de convivência, de
respeito e de aceitação por todos os envolvidos que objetivam a constituição
de um núcleo familiar único.

Certo que as decisões judiciais que negam efeitos patrimoniais o fazem


em relação às chamadas famílias paralelas ou simultâneas, em que uma
pessoa é casada de fato e de direito com outra e vive uma relação amorosa
com uma terceira pessoa constituindo um outro “núcleo familiar”. Nesses
casos, o entendimento é pela impossibilidade de direitos patrimoniais para
o(a) companheiro(a) do segundo núcleo, salvo se provar que contribuiu
39

financeiramente ou com o seu esforço na aquisição dos bens que alega


9-

ser comum conforme podemos extrair do recente julgamento do Superior


07

Tribunal de Justiça:
3.
23

REsp 1628701 / BA
7.

Relator(a): Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (1147)


01

Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA


Data do Julgamento: 07/11/2017
Data da Publicação/Fonte: DJe 17/11/2017
Ementa: RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO E
CONCUBINATO IMPURO SIMULTÂNEOS. COMPETÊNCIA. ART. 1.727
DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. ART. 9º DA LEI 9.278/1996. JUÍZO DE
FAMÍLIA. SEPARAÇÃO DE FATO OU DE DIREITO. INEXISTÊNCIA.
CASAMENTO CONCOMITANTE. PARTILHA. PROVA. AUSÊNCIA.
SÚMULAS Nº 380/STF E Nº 7/STJ.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do
Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/
STJ).
2. A relação concubinária mantida simultaneamente ao matrimônio não
pode ser reconhecida como união estável quando ausente separação de
fato ou de direito do cônjuge.

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3. A Vara de Família não está impedida de analisar o concubinato impuro,


e seus eventuais reflexos jurídicos no âmbito familiar, nos termos dos arts.
1.727 do Código Civil de 2002 e 9º da Lei nº 9.278/1996.
4. Não há falar em nulidade absoluta por incompetência da Vara de
Família para julgar a causa, como devidamente decidido pelo Tribunal
local, especialmente quando se deve considerar que as relações de afeto
não se coadunam ao direito obrigacional, principalmente após o advento
da Constituição Federal de 1988.
5. Nas hipóteses em que o concubinato impuro repercute no patrimônio
da sociedade de fato aplica-se o Direito das obrigações.
6 . A partilha decorrente de sociedade de fato entre pessoas impõe a prova
do esforço comum na construção patrimonial (Súmula nº 380/STF).
7. O recorrente não se desincumbiu de demonstrar que o patrimônio
adquirido pela recorrida teria decorrido do esforço comum de ambas
as partes, circunstância que não pode ser reanalisada nesse momento
processual ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.
8. Recurso especial não provido.74

Apesar de o Superior Tribunal de Justiça ter posição contrária à partilha


de bens em casos de relações plúrimas é certo que os Tribunais estaduais
39

já vêm decidindo essa matéria de forma diferente, senão vejamos alguns


9-

julgados que possibilitam a divisão patrimonial entre todos os partícipes:


07
3.

DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÕES ESTÁVEIS SIMULTÂNEAS.


23

RECONHECIMENTO. PARTILHA DE BENS. TRIAÇÃO. 1. Estando


7.

demonstrada, no plano dos fatos, a coexistência de duas relações afetivas


01

públicas, duradouras e contínuas, mantidas com a finalidade de constituir


família, é devido o seu reconhecimento jurídico à conta de uniões
estáveis, sob pena de negar a ambas a proteção do direito.2. Ausentes os
impedimentos previstos no art. 1.521 do Código Civil, a caracterização
da união estável paralela como concubinato somente decorreria da
aplicação analógica do art. 1.727 da mesma lei, o que implicaria ofensa ao
postulado hermenêutico que veda o emprego da analogia para a restrição
de direitos. 3. Os princípios do moderno direito de família, alicerçados
na Constituição de 1988, consagram uma noção ampliativa e inclusiva
da entidade familiar, que se caracteriza, diante do arcabouço normativo
constitucional, como o lócus institucional para a concretização de direitos
fundamentais. Entendimento do STF na análise das uniões homoafetivas
(ADI 4277/DF e ADPF 132/RJ). 4. Numa democracia pluralista, o sistema
jurídico-positivo deve acolher as multifárias manifestações familiares

74
 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1628701/BA. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurispru-
dencia/doc.jsp?livre=CASAMENTO+E+CONCUBINATO+IMPURO&b=ACOR&p=true&l=10&i=1>. Acesso
em: 03 out. 2018.

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cultivadas no meio social, abstendo-se de, pela defesa de um conceito


restritivo de família, pretender controlar a conduta dos indivíduos no
campo afetivo. 5. Os bens adquiridos na constância da união dúplice
são partilhados entre as companheiras e o companheiro. Meação que se
transmuda em “triação”, pela simultaneidade das relações. 6. Precedentes
do TJDF e do TJRS. (PERNAMBUCO, Tribunal de Justiça. Apelação Cível
nº 296862-5. Processo 0007024-48.2011.8.17.0001 da 5º Câmara Cível
do TJPE, Dje 28.11.2013. Relator: José Fernandes de Lemos).75

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO DÚPLICE. UNIÃO ESTÁVEL. PROVA.


MEAÇÃO. “TRIAÇÃO”. PROVA DO PERÍODO DE UNIÃO. CAUTELAR DE
BUSCA E APREENSÃO DE BENS. A prova dos autos é firme a demonstrar
a existência de união entre a autora e o apelado em período concomitante
ao casamento do companheiro. Reconhecimento de união dúplice paralela
ao casamento. Precedentes jurisprudenciais. MEAÇÃO (TRIAÇÃO) Os
bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre as
companheiras e o companheiro. Meação que se transmuda em «triação»,
pela duplicidade de vínculos familiares. A inconformidade recursal, no que
toca à cautelar de busca e apreensão dos bens móveis, fica prejudicada
em razão do reconhecimento do direito da apelante na forma de crédito
39

a ser apurado em liquidação de sentença. DERAM PROVIMENTO, POR


MAIORIA. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do
9-

Sul. Apelação Cível nº 70033154303, Oitava Câmara Cível, Relator: Rui


07

Portanova. Julgado em 03.12.2009).76


3.
23

Ocorre que, conforme já dissemos, o poliamor não pode ser confundido


7.

como uma família paralela ou simultânea, pois para a sua caracterização


01

é necessário que haja a aceitação de todos os conviventes e que eles


estabeleçam um núcleo familiar único e não dois núcleos familiares distintos.
Necessário, portanto, que se considerem os bens adquiridos onerosamente
durante a relação como se fossem presumidamente de todos os partícipes que
teriam, ao final dessa relação, uma quota igual aos demais na partilha desses
bens, salvo convenção disposta em contrário em contrato escrito.

Outra questão complexa é a relativa à partilha da herança no caso


de morte de um ou de alguns dos componentes da relação de poliamor e as

75 
PERNAMBUCO, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 296862-5. Processo 0007024-48.2011.8.17.0001 da
5º Câmara Cível do TJPE, Dje 28.11.2013. Relator: José Fernandes de Lemos. Disponível em: <http://www.tjpe.
jus.br/consultajurisprudenciaweb/xhtml/consulta/escolhaResultado.xhtml>. Acesso em: 03 out. 2018.
76
 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70033154303, Oitava
Câmara Cível, Relator: Rui Portanova. Julgado em 03.12.2009. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/
search?q=tria%C3%A7%C3%A3o&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&filter=0&getfields=*&aba=-
juris&entsp=a__politica-site&wc=200&wc_mc=1&oe=UTF-8&ie=UTF-8&ud=1&sort=date%3AD%3AS%3A-
d1&as_qj=&site=ementario&as_epq=&as_oq=&as_eq=&as_q=+#main_res_juris>. Acesso em: 03 out. 2018.

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conclusões que chegamos adiante são meras reflexões que ainda carecem de
debate e de amadurecimento doutrinário e jurisprudencial.

A herança, nos termos do artigo 1.829 do Código Civil, primeiramente


é deferida aos descendentes do de cujus em concorrência com o cônjuge
ou companheiro sobrevivente a depender do regime de bens do casal; na
falta dos descendentes caberá a herança aos ascendentes em concorrência
com o cônjuge ou companheiro sobrevivente, independentemente do regime
de bens do casal; e na falta de descendentes e ascendentes a totalidade da
herança seria deferida ao cônjuge ou companheiro sobrevivente e somente se
não houvesse nenhum descendente, ascendente ou cônjuge é que a herança
seria deferida aos colaterais até o quarto grau.77

O cônjuge e o companheiro, portanto, passam a concorrer com


descendentes e ascendentes e a suceder a totalidade da herança na falta deles.
Ocorre que é de entendimento doutrinário e majoritário, na jurisprudência,
que a concorrência do cônjuge com os descendentes somente incidiria sobre
a chamada “herança particular”, ou seja, a parte da herança da qual o cônjuge
ou companheiro sobrevivente não fosse meeiro, conforme podemos ver no
Enunciado 270 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:
39
9-

Art. 1.829, I Autora: Nilza Maria Costa dos Reis, Juíza Federal da Seção
07

Judiciária da Bahia ENUNCIADO 270: O cônjuge casado sob o regime


da comunhão parcial de bens concorre com os descendentes do outro
3.

na sucessão legítima apenas com relação aos bens particulares que este
23

deixou, afastando-se da herança, nesse caso, os bens que integravam a


7.

sua meação.78
01

Esse entendimento foi incorporado pelo Superior Tribunal de Justiça


quando do julgamento do REsp 1368123/SP, que consolidou a matéria
perante a 3º e 4º Câmaras daquele Tribunal superior:

REsp 1368123 / SP
Relator(a): Ministro SIDNEI BENETI (1137)
Relator(a) p/ Acórdão: Ministro RAUL ARAÚJO (1143)
Órgão Julgador: S2 - SEGUNDA SEÇÃO
Data do Julgamento: 22/04/2015

77
 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 03 out. 2018.
78
 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. III Jornada de Direito Civil. Enunciado 270. Disponível em:
<file:///C:/Users/Flavia/Downloads/III%20JORNADA%20DE%20DIREITO%20CIVIL.pdf>. Acesso em: 04
out. 2018.

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Data da Publicação/Fonte: DJe 08/06/2015


Ementa: RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES.
CÔNJUGE SOBREVIVENTE. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE
BENS. HERDEIRO NECESSÁRIO. EXISTÊNCIA DE DESCENDENTES DO
CÔNJUGE FALECIDO. CONCORRÊNCIA. ACERVO HEREDITÁRIO.
EXISTÊNCIA DE BENS PARTICULARES DO DE CUJUS. INTERPRETAÇÃO
DO ART. 1.829, I, DO CÓDIGO CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO
CPC. INEXISTÊNCIA.
1. Não se constata violação ao art. 535 do Código de Processo Civil quando
a Corte de origem dirime, fundamentadamente, todas as questões que
lhe foram submetidas. Havendo manifestação expressa acerca dos temas
necessários à integral solução da lide, ainda que em sentido contrário
à pretensão da parte, fica afastada qualquer omissão, contradição ou
obscuridade.
2. Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge
sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá
com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver
deixado bens particulares.
3. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens
particulares constantes do acervo hereditário do de cujus.
39

4. Recurso especial provido.79


9-
07

Acreditamos, portanto, que se todos os bens forem adquiridos


onerosamente na constância da relação familiar poliamorosa haveria a
3.

possibilidade de triação ou de divisão pelo número de componentes dessa


23

relação, os quais não teriam direitos sucessórios assegurados quando


7.

concorressem com descendentes do falecido em face da inexistência de


01

bens particulares do finado, e do regime de bens ser equiparado ao da


comunhão parcial e também pela consolidação do entendimento de que,
independentemente do regime de bens escolhido, a concorrência somente
incidiria nos bens particulares. Dessa forma, caso o finado deixe, por
exemplo, duas companheiras e três filhos vivos, dois terços do patrimônio
comum pertenceriam às duas companheiras sobreviventes como pagamento
de sua triação e o restante, o outro um terço, seria dividido igualmente entre
os filhos.

Se todos os bens do finado forem adquiridos antes do início da relação


de poliamor acreditamos que os conviventes sobreviventes não teriam direito
de triação, em face da inexistência de bens comuns, salvo estipulação de
regime de bens em contrário, mas dividiriam a herança em igualdade de
condições com os descendentes do finado como se fossem apenas uma
79
 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1368123/SP. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurispru-
dencia/doc.jsp?livre=HERAN%C7A+BENS+PARTICULARES&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=3>.
Acesso em: 15 set. 2018.

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cabeça e a quota-parte cabível a essa cabeça seria dividida em tantas partes


quantos fossem os conviventes poliamoristas sobreviventes. Portanto, se o
finado deixou 3 filhos e duas companheiras, a sua herança, toda ela particular,
seria dividida em quatro partes, sendo uma para cada um dos filhos e a quarta
parte dividida entre as duas companheiras.

Complexidade maior haveria se bens fossem adquiridos antes da


formação da relação poliamorosa e se bens fossem adquiridos depois da
formação dessa relação. Se por exemplo, um casal numa relação tradicional
houvesse adquirido um imóvel em comum e se depois dessa aquisição
resolvesse viver uma relação de poliamor com uma terceira pessoa, e se
durante essa nova relação houvesse adquirido um outro imóvel. Nesse caso,
teríamos uma situação difícil de ser resolvida pelas regras atuais do direito
sucessório, pois para a primeira convivente todos os bens seriam adquiridos
onerosamente durante o relacionamento e, portanto, com a morte do
companheiro essa pessoa seria somente meeira desses bens e não teria direito
algum à herança por força do que dispõe o artigo 1.829, I, do Código Civil, e
para a segunda convivente ela teria a triação do imóvel adquirido durante a
convivência em poliamor e teria, ainda, o direito de concorrer com eventuais
descendentes no imóvel que foi primeiramente adquirido e que para ela seria
considerado como herança particular. Ocorre que teríamos um tratamento
39

totalmente desigual entre as duas companheiras que portariam, em tese, a


9-

igualdade de direitos sucessórios. Uma solução possível para dirimir eventuais


07

contradições seria dividir essa herança particular em igualdade de condições


entre as duas companheiras sobreviventes ou negar a ambas o direito de
3.

concorrer com os descendentes para que não tenhamos uma desigualdade


23

de direitos entre as mesmas.


7.
01

No caso de concorrência com ascendentes, o artigo 1.837 do Código


Civil estipula que o cônjuge ou companheiro teria direito a um terço da
totalidade da herança, se concorrer com pai e mãe do de cujus e que teria
direito à metade da totalidade da herança caso concorra somente com o
pai ou somente com a mãe ou se concorrer com ascendentes de 2º grau em
diante.

Trazendo a partilha com ascendentes para as questões do poliamor,


concluímos que duas poderiam ser as soluções possíveis para a concorrência
com ascendentes de 1º grau: ou os conviventes sobreviventes assumiriam a
posição jurídica do cônjuge ou companheiro sobrevivente como se fossem
uma única cabeça e, ao final, dividiriam entre si o quinhão hereditário
ou seriam considerados de forma individualizada e receberiam o mesmo
quinhão cabível ao pai e a mãe do de cujus, ou seja, se uma pessoa falece e
deixa seus dois companheiros sobreviventes e também seus dois ascendentes
de 1º grau, a herança seria dividida um terço para o pai, um terço para a

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mãe e um terço para os dois conviventes sobreviventes ou seria dividida em


quatro quotas iguais.

Na concorrência com somente um dos ascendentes de 1º grau, duas


possibilidades também se vislumbram: ou se aplicaria a regra do artigo 1.837
do Código Civil e se daria metade para o ascendente de 1º grau sobrevivo e
a outra metade seria dividida igualmente entre os conviventes sobreviventes
ou se dividiria a herança entre todos os sobreviventes, ou seja, se restarem
dois conviventes sobreviventes e um ascendente de 1º grau a herança seria
dividida em três partes iguais.

Por fim, na concorrência dos conviventes sobreviventes com


ascendentes de 2º grau em diante acreditamos que metade da herança
seria deferida aos ascendentes de 2º grau, que a dividiriam em linha e a
outra metade dividida entre os conviventes sobreviventes. Outra solução
imaginável, mas que quebraria com toda a lógica da partilha por linha,
seria dividir a herança entre todos os sobreviventes, ou seja, entre todos os
ascendentes e os conviventes sobreviventes.

Na falta de descendentes e ascendentes a herança seria devida, na


integralidade, aos conviventes sobreviventes que dividiriam a herança
39

deixada em partes iguais entre eles, sem prejuízo de eventual meação ou


9-

aquestos.
07

Acreditamos, ainda, que havendo uma relação de poliamor, e sendo


3.

reconhecida como entidade familiar, o princípio da igualdade deverá


23

prevalecer no sentido de que todos os conviventes sobreviventes seriam


7.

considerados como herdeiros necessários, teriam direitos igualitários à


01

legítima e poderiam exercer em igualdade de condições o direito real de


habitação, qualquer que fosse o regime de bens, em relação ao imóvel
destinado à moradia do trisal ou da entidade poliamorosa.

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desse estudo verificamos que as relações de poliamor já


existem desde os primórdios de nossa civilização e que em países mulçumanos
tal prática ainda é corriqueira e consentida. Analisamos que o debate sobre
o tema é bastante amplo na doutrina e também na mídia e em redes sociais e
que vários filmes, documentários e séries já abordaram o assunto.

A questão do poliamor foi levada ao crivo do Conselho Nacional


de Justiça por meio de um pedido de providência feito pela Associação de
Direito de Família e das Sucessões – ADFAS, que tinha por objeto declarar

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a inconstitucionalidade e proibir a lavratura de escritura pública de “união


poliafetiva”, bem como regulamentar tal questão no âmbito da Corregedoria
Nacional de Justiça.

As principais premissas e fundamentos utilizados pelo douto Relator da


matéria no CNJ, Ministro João Otávio de Noronha, para impedir a lavratura
de escrituras públicas de poliamor foram analisadas e rechaçadas na medida
em que foi demonstrado que o poliamor não é tema novo e nem carente de
debate e que seu conceito é claro e definido na doutrina e em vários sites
especializados sobre o tema e que não se pode negar efeitos jurídicos a uma
entidade familiar pela dificuldade de conceituá-la. Contestamos também
o fato de se negar proteção jurídica ao poliamor sob o argumento de que
são poucos os seus adeptos como se os direitos da minoria pudessem ser
desmerecidos ou não exercidos pelo simples fato de serem minoria.

Criticamos o fundamento de que a falta de amadurecimento sobre


o tema e repulsa atual da sociedade às relações de poliamor não podem
servir para lhes negar proteção jurídica, pois a não permissão da lavratura
da escritura pública acarretaria justamente no arrefecimento das discussões e
dos amadurecimentos doutrinários acerca do poliamor e que a sociedade está
em constante mutação e evolução e vários dos fatos sociais que antigamente
39

repulsava são hoje amplamente aceitos e até mesmo legislados.


9-
07

Outra crítica foi feita sobre a necessidade que o Relator indica de se


observar direitos de terceiros para a constituição de uma entidade familiar,
3.

como se terceiros pudessem impedir, por si só, que uma entidade familiar
23

fosse reconhecida por não corresponder aos seus anseios.


7.
01

Concluímos ser totalmente frágil o argumento da impossibilidade de


se aplicar a analogia com o casamento e com a união estável para dirimir as
questões do poliamor e que esse poderia, ao contrário, ser um argumento mais
do que favorável para a feitura de escrituras públicas de poliamor, justamente
para suprir eventuais omissões legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais.

Dissemos, ainda, que a monogamia não é mais vista como um


princípio jurídico, por não ter caráter universal e nem de norma legal, e sim
como um valor intrínseco a cada pessoa e que tal conduta tem a gradação e a
importância que quiser ser dada pela pessoa, pelo casal ou pelo trisal.

E chegamos à conclusão, na análise da decisão do CNJ, que a escritura


pública seria um documento hábil a firmar responsabilidades, direitos e
deveres, especialmente os patrimoniais, entre os conviventes e que não teria
ela força absoluta para a constituição de uma entidade familiar, sendo que o
Conselho Nacional de Justiça extrapola de suas atribuições e competências

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para adentrar em matéria que somente poderia ser dirimida pela justiça
comum.

A decisão do Conselho Nacional de Justiça, proibitiva da lavratura de


escritura pública de poliamor, desconsidera, por completo, o princípio do
pluralismo familiar, que permite a constituição de família de diversas formas
e maneiras, bem como o princípio do livre planejamento familiar ao interferir
na comunhão de vida instituída e querida pelos conviventes de poliamor e
afronta, claramente, a dignidade da pessoa humana e o princípio basilar do
Direito de Família que é o da afetividade.

Por fim, considerando a possibilidade jurídica do poliamor como


entidade familiar dissertamos sobre os reflexos no Direito de Família e
também no Direito das Sucessões, e concluímos ser claramente plausível
aplicar, por analogia, a legislação e os princípios atuais do casamento e da
união estável nas questões de guarda, convivência, alimentos e partilha dos
bens entre os conviventes.

Nas questões sucessórias, demonstramos a dificuldade de se aplicar


as regras atuais às relações poliamorosas, tendo em vista que a concorrência
sucessória e todo o arcabouço legislativo relativo à ordem de vocação
39

hereditária não previu a existência de mais de um cônjuge ou companheiro do


9-

autor da herança e, portanto, concluímos que ou os conviventes sobreviventes


07

serão encarados como se fossem uma única cabeça com partilha do quinhão
cabível igualmente entre eles ou serão considerados de forma individualizada
3.

e em concorrência com os descendentes e ascendentes.


23
7.

Certo é que mesmo com a decisão do Conselho Nacional de Justiça


01

as pessoas não se privarão de exercer seus direitos e de serem livres em suas


escolhas, seja a de viver relações familiares já consolidadas socialmente ou
estabelecer novas relações familiares nos ditames de suas vontades.

6  REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Renata Barbosa de; RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Direito


civil: famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.
htm>. Acesso em: 15 set. 2018.

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BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providência nº 0001459-


08.2016.2.00.0000, Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça. Voto do
Relator.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito


fundamental 132. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633>. Acesso em: 25
set. 2018.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 03 out. 2018.

BRASIL. Conselho da Justiça Federal. III Jornada de Direito Civil.


Enunciado 270. Disponível em: <file:///C:/Users/Flavia/Downloads/III%20
JORNADA%20DE%20DIREITO%20CIVIL.pdf>. Acesso em: 04 out. 2018.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/
Lei/L13105.htm>. Acesso em: 03 out. 2018.
39

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível


9-

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.
07

htm>. Acesso em: 03 out. 2018.


3.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1673283/PI. Disponível em:


23

<http://www.stj.jus.br.>. Acesso em: 10 set. 2018.


7.
01

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 132, julgado em 05 nov. 2011.


Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?
id=HNoJ6wvo5LyvpoaB9ocbpAfDssv0GgX63ITDIdNX2RY>. Acesso em: 03
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3367/DF. Disponível em:


<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=
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www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=escritura +publica+
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BRASIL. Lei 8.971 de 29 de dezembro de 1994. Disponível em: <http://www.


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39
9-

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1368123/SP. Disponível em: <http://


07

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PARTICULARES&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=3>. Acesso em:
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23
7.

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REVISTA IBDFAM - Famílias e Sucessões 55


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politica-site&wc=200&wc_mc=1&oe=UTF-8&ie=UTF-8&ud=1&sort=

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index&getfields=*&entsp=a__politica-site&wc=200&wc_mc=1&oe=UTF-
8&ie=UTF-8&ud=1&sort=date:D:S:d1&as_qj=&as_epq=&as_oq=&as_
eq=&as_q=+&ulang=pt-BR&ip=200.229.42.222&access=p&entqr=3&entqr
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RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.


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