História Da África (20 Unid - História - SEC)

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HISTÓRIA

HISTÓRIA DA ÁFRICA

Rudnei Francisco Funes


HISTÓRIA DA ÁFRICA

Prof. Rudnei Francisco Funes


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA ............................................................................................................. 3


PROGRAMA DA DISCIPLINA ..................................................................................................................... 6
UNIDADE 01. PRÉ-HISTÓRIA ..................................................................................................................... 9
UNIDADE 02. PRÉ-HISTÓRIA – O HOMO SAPIENS........................................................................ 19
UNIDADE 03. PRIMÓRDIOS DO HOMEM MODERNO.................................................................. 23
UNIDADE 04. PRIMÓRDIOS DO HOMEM MODERNO – A AGRICULTURA ........................... 29
UNIDADE 05. PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES DA ÁFRICA .................................................................... 36
UNIDADE 06. CIVILIZAÇÃO NÚBIA ...................................................................................................... 40
UNIDADE 07. O MERCANTILISMO EUROPEU...................................................................................51
UNIDADE 08. EUROPEUS E ÁRABES NO ÍNDICO E PORTUGUESES EM DECLÍNIO............57
UNIDADE 09. A ESCRAVIDÃO NO MUNDO......................................................................................68
UNIDADE 10. INGLESES NA ÁFRICA DO SUL....................................................................................71
UNIDADE 11. INVASÃO EUROPEIA E RESISTÊNCIA AFRICANA.................................................88
UNIDADE 12. JUSTIFICANDO A DOMINAÇÃO.................................................................................92
UNIDADE 13. CONSTRUÇÃO DE INFRAESTRUTURA: EDUCAÇÃO E SAÚDE........................97
UNIDADE 14. ÁFRICA SÉCULO XX - ÁFRICA DO SUL..................................................................102
UNIDADE 15. DESCOLONIZAÇÃO.......................................................................................................113
UNIDADE 16. DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA FRANCESA ....................................................... 118
UNIDADE 17. DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA BRITÂNICA....................................................... 139
UNIDADE 18. COLÔNIAS BRITÂNICAS NA REGIÃO CENTRO AFRICANA ........................... 143
UNIDADE 19. IMPÉRIOS DE CONCEPÇÃO PATERNALISTA.......................................................152
UNIDADE 20. O FIM DO IMPÉRIO PORTUGUÊS ........................................................................... 156

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APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

Vivemos em um mundo onde as diversidades culturais são marcantes.


Estas entendidas em seu sentido social e antropológico possibilitam a nós

compreensão do comportamento dos indivíduos no contexto das sociedades.


Este entendimento da diversidade sócio cultural é de extrema importância para

construirmos uma relação social que respeite os limites legais de cada cultura

preservando a estas o direito da manifestação de suas heranças históricas.


A disciplina História da África pode nos apontar como a historiografia

ocidental, no correr dos séculos XIX e XX, criou estereótipos que marcaram com
o símbolo da apatia e da indolência sociedades que se construíram no

transcorrer de séculos no continente africano. Transformaram as mesmas em


pré-figuração do conceito de civilização não respeitando o seu tempo de

desenvolvimento sócio cultural, político e econômico, delegando as mesmas


uma rusticidade que chegava próximo do conceito de sociedades bestiais.

As incorporações de tais valores nestas sociedades criaram por décadas


um sentimento de inferioridade em seus povos e descendentes que somente

contribuíram para alimentar o interesse mal intencionado das nações


desenvolvidas sobre mão de obra e os recursos naturais existentes em seus

territórios.
Para desmistificar os fatores que ajudaram na criação desses

preconceitos, buscaremos trazer como referência de estudo, documentos que


demonstram como o processo de desenvolvimento no continente africano se

deu dentro de um imbricado curso de formação social.


A história da África vem sendo relegada em seu passado histórico, nos

principais círculos acadêmicos, frutos e mais fruto de uma historiografia


absolutamente eurocêntrica, estas ficaram no limbo da história.

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Povos subjugados tiveram seus matizes culturais dilapidados e

dilacerados como se fossem desprovidas de humanidade.


Para tanto este curso de história necessita a invenção das invenções,

descobrimos que o homem tangenciou séculos e séculos de transposições.


Muitas vezes anômalas em territórios hostis foram capazes de dar

soluções a seus problemas através de técnicas que permitiram a sua


sobrevivência e coexistência com o meio natural. Dessa feita e de imprescindível

responsabilidade reforçar novamente que toda epopéia do grande e

magnânimo continente africano, não seria possível se não nos tivéssemos dado
a oportunidade, para avançarmos sobre territórios “nunca dantes caminhados”;

a História estaria sem seu principal fundamento.


Pretendemos inicialmente demonstrar com foi o processo das primeiras

hordas neanderthalenses no continente africano, como os homens pré-


históricos conseguiram sobreviver a tantos neofitismo pungente e as várias

dificuldades geográficas do continente. Em seguida, apresentaremos as várias


adaptações dos africanos a climas e topografias do continente.

Em etapa posterior buscaremos mostrar como o século XV foi marcante


no processo de modificação de hábitos civilizacionais e tribais com o período

das grandes navegações.


O século XIX observará no decorrer dos estudos, é de extrema

importância para a compreensão do novo colonialismo e a destruição das


estruturas políticas do continente africano.

Para finalizar analisaremos o difícil processo pós segunda guerra mundial,


o da descolonização.bem como espaço potencial de produção de cidadania; a

Museologia e sua relação com o ensino de História na Educação Básica,


apresentando as possibilidades do museu como produtor de educação não

formal e importante parceiro da escola e dos professores nos processos


educativos; as possibilidades de programas educativos em museus com

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evidências de práticas importantes para estudos interdisciplinares; Tipos de
museu, acervos, temáticas e recursos museográficos revelando o vasto campo que pode
contribuir com o trabalho do professor de história; arquivo e memória instigando a percepção
desse espaço como possibilidade de preservação da memória social; o documento e sua
função para o ensino de História ilustrando com exemplos as suas formas de utilização como
recurso didático; as formas de organização dos arquivos oportunizando o diálogo entre
técnicas e potencialidades para o ensino e, finalmente, algumas perspectivas para essas duas
instituições na sociedade contemporânea.

Como você já sabe, o ensino por meio da EAD é um recurso inovador e


muito importante na sociedade atual. É bastante flexível, dinâmico e permite ao

aluno adequar suas condições de vida e de trabalho à formação acadêmica. No


entanto, ressaltamos que é fundamental o estabelecimento de uma rigorosa

disciplina de estudos que concilie as leituras e a realização de todas as


atividades complementares. Afinal, o que está em jogo é a qualidade da sua

formação.
Bom estudo.

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PROGRAMA DA DISCIPLINA

Ementa
A importância do estudo da História da África. Fontes documentais e

metodologia. Origens da espécie humana e da cultura. As grandes migrações


ancestrais, civilizações e impérios africanos. Diferentes colonialismos. O

comércio atlântico e a formação do Brasil nos seus aspectos culturais.

Neocolonialismo. A questão do subdesenvolvimento africano como


consequência da exploração europeia. As lutas pela independência. Guerras

civis e regionais na atualidade.

Objetivos
· Levar o aluno a entender o desenvolvimento político, econômico e

cultural do continente africano, como forma de compreensão da


importância histórica do mesmo.

Programa da Disciplina

· Pré-história africana
· Precedentes da organização social do homem moderno

· Primeiras civilizações da África


· O mercantilismo europeu e seus impactos no continente africano

· A presença de europeus e árabes no oceano Indico e o declínio do


domínio português

· A escravidão no mundo e na África


· A presença dos Ingleses na África do Sul

· As sucessivas ocupações europeias no continente e a resistência dos


povos africanos.

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· As bases da elaboração da infraestrutura: a questão da educação e da

saúde.
· A África do século XX – África do Sul

· O processo de descolonização
· As colônias britânicas na região central da África

Bibliografia Básica para o aluno

COSTA E SILVA, Alberto. A enxada e a lança. A África antes dos portugueses.

São Paulo: Nova Fronteira, 1996.


FLORENTINO, Manolo. Em costas negras. Uma história do tráfico de escravos

entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. KI-ZERBO,
Joseph. Metodologia e pré-história da África. In: História Geral da África. São

Paulo/Paris, Ed. Ática/UNESCO, 1982.


Viscentini, Paulo Fagundes. Breve história da África/Paulo Fagundes

Vicentini; Luiz Dario Ribeiro e Analucia Danilevicz Pereira – Porto Alegre:


Leitura XXI, 2007.

Bibliografia Complementar para o aluno

ALENCASTRO, Luiz Felipe. O Trato dos Viventes. Formação do Brasil no


Atlântico Sul. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.

AZIZ, Philippe. Os impérios negros da Idade Média. Col. Grandes Civilizações


desaparecidas. Rio de Janeiro: Otto Pierre Editores, 1978.

CUNHA, Manuela Carneiro. Negros estrangeiros. Os escravos libertos e sua


volta à África. São Paulo: Brasiliense, 1985.

DAVIDSON, Basil. Os africanos. Uma introdução à sua história cultural. Edições


70, Lisboa, 1981.

KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra. Publicações Europa-América.


Portugal, s/d. (1ª ed. francesa, 1972).

7
MILLER, Joseph. O Atlântico escravista: açúcar, escravos e engenhos. Salvador:

CEAO, Afro-Asia 19-20, 1997.

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UNIDADE 01. PRÉ-HISTÓRIA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivos
Identificar as características da evolução da espécie humana;
Relacionar as principais características da indústria lítica, compreendendo a
lugar de destaque que ela produz para o desenvolvimento da vida em sociedade.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Sobre a descendência do homem e a seleção sexual, Charles Darwin, 1871,
escreveu o seguinte: “Em cada grande região do mundo os mamíferos existentes
relacionam-se de modo estreito com as espécies extintas da mesma área.” (Silva 2006,
pag. 57)
Como a África era habitada por macacos extintos, ligados aos chipanzés e ao
gorila, espécie esta mais afim com os seres humanos, é mais provável que nossos
primitivos ancestrais vivessem em algum lugar da África do que qualquer outro lugar
do mundo.
Essa intuição de Darwin parece ser confirmada por pesquisas científicas dos
últimos tempos.
Os estudiosos, a partir de 1924, embora divirjam bastante, fixam-se no
Australopithecus, encontrado em várias regiões da África, como os primeiros bípedes e
ancestrais de Homo Habilis, datando-os de mais de 2.900 mil anos, dos quais se
recolheram ossos e vestígios de utensílios feitos de pedra ou ossos no vale do rio Omo.
“O primeiro australophiteco foi localizado por Raimond A. Dart, em 1924, em
Taig, na África do Sul. Desde então, descobriram-se várias centenas de

espécimes, classificados, geralmente, em dois gêneros, embora ocorram

grandes divergências a respeito da taxionomia dos australophitecus: um


franzino e baixo, com cerca de 1 a 1,40 metro de altura e peso estimado em

23 a 45 quilos, nominado australophiteco graciles; o outro mais alto, com


quase 1,60m, mais corpulento, pesando 35 a 68 kg, caracterizado por uma

crista óssea a correr desde a frente até a parte posterior do crânio, o

Australophitecus robustus”.
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Figura 1- australophiteco graciles
Fonte: http://www.sciencephoto.com/media/170833/enlarge

Figura 2- Australophitecus robustus.

Fonte: http://recursostic.educacion.es/ciencias/biosfera/web/alumno/4ESO/evolucion/paranthropus.htm

Considera-se do primeiro gênero a mais antiga espécie de Australophitecus,


revelada até agora e morfologicamente a mais primitiva no rosto e na dentadura. Tinha
apenas 1,25 m o australopitécus ramidus ou (Ardipithecus), revelado por Tim White em
1994. Este hominídeo deve ter vivido na floresta que então cobria a região de Aramis,
ao nordeste de Adis Abeba, há uns quatro milhões e 400 mil anos. Um pouco maiores
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seriam os australophitecus anamensis, datados de quatro milhões e duzentos mil anos e
descobertos entre 1988 e 1995, nas margens do lago Turcana e o australophitecus
afarensis, nome que deu Donald Johanson aos restos achados em 1973, em Hadar, na
Etiópia. Tanto este último quanto os hominidas que se creem da mesma espécie e
cujos ossos foram escavados de Laetole e do Vale do Omo (na Etiópia), viveram a uns
três milhões e seiscentos mil anos.

Figura 3- australopitécus ramidus

Fonte: http://www.sciencenews.org/view/access/id/52262/title/Standing_tall

Figura 4- australophitecus anamensis

Fonte: http://www.biolib.cz/en/taxonimage/id124269/

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Figura 5: australophitecus afarensis

Fonte: http://picasaweb.google.com/lh/photo/K2Cj2mjebkFLSEQeYyP3uw

Acredita-se que deles possa ter derivado o australophitecus graciles a que Dart
chamou africanus e que alguns consideram como restrito à África do Sul, enquanto
outros classificam como tal muito dos australophitecus baixos e franzinos do Rift Valley
“(Silva 2006 p. 59, 60.)

Figura 6-

Fonte: http://www.transformingcommunication.com/sign-up/australopithecus-africanus/

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Posterior ao Homo Habilis surge o Homo Erectus, cujos instrumentos de osso
(biface), forma oval, ponta saliente (machado de mão), o cutelo, encontrado em várias
regiões da África, próximo ao Saara no Quênia Thanzania, Quênia Zâmbia e Etiópia, de
forma padronizada, dão a entender que o Homo Erectus já se comunicava para
transferir conhecimento e habilidades.
As teses de que o Homo Erectus teriam, através do Nilo, chegado ao Jordão,
região onde se descobriram instrumentos, acheulenses dos mais antigos fora da África,
os quais teriam 1 milhão de anos a.C. ou pouco mais, prosseguindo posteriormente
para o interior da Europa.

Figura 7- Homo Erectus

Fonte: http://www.britannica.com/EBchecked/media/73034/Artists-rendering-of-Homo-erectus-which-

lived-from-approximately-1700000

Respaldado na descoberta de restos do Homo Sapiens Sapiens, na África do Sul,


em Clasies, River Month na base de um depósito com mais de 150 mil anos que não
diferem dos nossos, criou-se a teoria da Eva Africana, enquanto, na Europa, os vestígios
do Sapiens Sapiens datam de 95 a 30 mil anos apenas. Além desses foram encontrados
ossos de Homens Modernos, porém menos evoluídos datados de 195 mil anos em

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Border Cave em Suazilândia em Floeresbad, África do Sul, Kaugera no Quênia na
formação Kisbich vale do Rio Omo e na caverna Porc Epic na Etiópia.
Essas últimas descobertas levam a suspeita de que o Homo Sapiens Sapiens
surgiu na parte Sul Oriental da África e que tal qual o homo Erectus se propagou da
África da Ásia para a Europa.

BUSCANDO CONHECIMENTO
GÊNESE DA VIDA HUMANA
Antonio Rodrigues Cordeiro
A gênese da vida humana na Terra é uma complexa história evolutiva devido ao
excepcional desenvolvimento mental que nossa espécie alcançou, possibilitando a
povoação gradual de todos os continentes, a partir da África, há cerca de 200 mil anos.
Stringler e Gambler (1993) propuseram quatro graus na evolução dos Hominidae até
o Homo sapiens sapiens, iniciando com os Australopitecinos há 4 milhões de anos, que
adotaram uma posição ereta mas cujo crânio era reduzido a cerca de 1/3 do tamanho
do crânio do homem atual. Os primeiros Homo habilis são reconhecidos cerca de 2
milhões de anos atrás como primitivos do gênero Homo, que inclui o Homo erectus da
Ásia há pouco mais de 1 milhão de anos, que derivou do primitivo H. erectus da África
há 2 milhões de anos. No estágio de Homo erectus, o cérebro dobrou de tamanho, mas
não está claro quais as forças seletivas que levaram nosso cérebro a aumentar de
tamanho nessa época.
A maior parte dos utensílios permaneceu sem melhorias por milhões de anos;
inovações maiores só ocorreram há 40 mil anos. Esse aumento da capacidade craniana
em quase três vezes não parece ser devido somente ao aumento das habilidades
técnicas: devemos acrescentar-lhe o aumento da complexidade da linguagem e do
tamanho das tribos, ou grupos sociais segundo Dumbar (1992). Esse aumento de
tamanho das tribos exigiu aumento das interações sociais e, conseqüentemente, da
linguagem.
Cerca de meio milhão de anos atrás, o Homo erectus estava vivendo nas regiões
temperadas e tropicais da Europa, fato que suscitou uma disputa entre os que
acreditavam que o H. sapiens se teria originado localmente nas diversas regiões e os
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que acreditavam na origem única, na África, subseqüentemente se expandindo pelo
mundo, substituindo as populações locais do H. erectus. Essa última hipótese foi
reforçada pela análise de DNA mitocondrial (mitDNA) por Cann et al. (1987). Sendo o
mitDNA transmitido somente pela linha materna, seu grau de variação pode ser
determinado. Cann e os demais autores estimaram que a mulher ancestral comum
viveu há uns 200 mil anos atrás na África em uma pequena tribo. Essa conclusão é
coerente com os dados sobre fósseis e arqueológicos.
Há cerca de 40 mil anos, as populações da Europa e de outras regiões
produziram grande variedade de artefatos, começaram a enterrar seus mortos, a pintar
as paredes de suas cavernas e a negociar seus produtos, desenvolvimento esse que foi
acompanhado pelo aprimoramento da linguagem.

DESCOBERTAS RECENTES
Apesar de haver controvérsia sobre os detalhes do processo migratório dos
nossos ancestrais, os dados paleontológicos demonstram que, a partir da África central,
houve uma ampla dispersão direcionada a norte, atingindo a Europa, e a oeste,
chegando à China, há cerca de 45 mil anos. Na Europa, distinguimos o Neanderthal e o
menos dominante Cromagnon, prováveis ancestrais do Homo sapiens sapiens.
Aparentemente a vantagem do Neanderthal deveu-se à sua superioridade física,
estrutura e tamanho de suas tribos, maior variedade de caça etc, sendo intrigante o
fato de terem sido os Neanderthal indivíduos com significante superioridade no
tamanho cerebral.
O trabalho de Hong et al. (2007) sobre o homem da caverna de Tanyuan, "An
early modern human from Tianyuan Cave, Zhoukoudian, China", descreve
detalhadamente 34 elementos, datando-os em 39 mil a 42 mil anos de idade, usando
modernos métodos de espectrometria de rádio carbono. Um esqueleto mostra uma
série de características do homem moderno. Considerando que várias características
arcaicas estão também presentes, o conjunto dessa mistura de características indica
que uma única invasão do homem moderno proveniente da África não é provável.
Esses achados de fósseis reforçam outros tantos que constam do quadro da evolução
humana multifilética, rechaçando ideias da evolução supostamente monofilética. Essas

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descobertas reforçam a observação de que foi mais rápida a evolução dos Hominidae
que a dos chimpanzés, em parte devida à vigorosa tendência migratória destes,
exigindo um processo adaptativo mais amplo.
Os Hominidae também se diferenciaram dos grupos de chimpanzés com
relativa rapidez por terem uma estrutura de "pequenas populações semi-isoladas",
tribos de algumas centenas de indivíduos, trocando genes, sendo sujeitas à deriva
genética, oscilação genética que, segundo demonstrou Sewall Wrigth (1940), constitui
um excelente complemento à seleção natural, acelerando o processo evolutivo pela
perda e/ou fixação casual de novos mutantes, posteriormente sujeitos à seleção
natural.
Em grandes populações, os novos mutantes têm menos chance de se expressar,
enquanto não alcançam freqüências suficientes. A concepção de Sewall Wright
constitui a mais importante contribuição para a teoria evolutiva darwiniana,
completando-a, e, no caso da gênese da vida humana, fornecendo a chave para
explicar a diferenciação da "linhagem" humana das demais do grupo de populações de
primatas.
Ainda podemos perguntar: que outras vantagens tiveram essas populações para
desenvolverem tanto sua capacidade mental? Se a inteligência é uma vantagem para
toda e qualquer espécie ou raça, é provável que a supremacia dessas populações foi
favorecida por essa vantagem na dinâmica da estrutura em pequenas populações
semi-isoladas.
Bakewell, Shi e Zhang (2007) testaram a opinião comum segundo a qual mais
genes foram selecionados positivamente em humanos do que em chimpanzés, nos
últimos 6 a 7 milhões de anos de sua divergência e isolamento.
Para testar essa hipótese analisaram cerca de 14 mil genes de humanos e
chimpanzés que mostraram substituições não sinônimas. Os autores estudaram 154
genes em humanos e 233 genes em chimpanzés, e com P = 5% pelo método da
máxima verossimilhança foi obtido 1,7% para os chimpanzés e 1,1 % para o H. sapiens
sapiens.
A questão é: quais são esses genes e qual sua importância na evolução humana
e dos macacos? Os humanos evoluindo em pequenas populações semi-isoladas foram

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beneficiados por um processo evolutivo mais rápido, associando a seleção natural com
a deriva genética (genetic drift).
Outro interessante trabalho sobre o homem moderno foi desenvolvido por uma
equipe liderada por Erik Trinkaus, analisando fósseis de primitivos homens modernos
da caverna de Tianyuan, Zhoukoudian, China, de 42 mil a 39 mil anos atrás. As óbvias
diferenças na mandíbula, úmeros e peitorais indicam sua posição como um humano
moderno primitivo, migrante direto da África, no fim do Pleistoceno, confirmando que
houve uma dispersão múltipla da África, com sucessivas migrações.
Essa dispersão foi em todas as direções a partir de uma ampla zona central da
África para o norte, alcançando a Europa e daí para o Oriente; outros grupos
atravessaram o centro da Abissínia, os estreitos do Mar Vermelho e do Golfo Pérsico
em direção à China, enquanto outros foram para o norte da África, atravessando o
delta do Nilo em direção ao leste atingindo a China. Esses migrantes apresentam
características variáveis que são distintivas dos Neanderthal e ancestrais, que foram
perdidas entre os africanos do Paleolítico moderno. Essas características incluem a
forma craniana, a base cranial externa, ramal mandibular, forma sinfiseal, morfologia
dentária, além de proporções antero-posteriores, assim como aspectos das clavículas e
metacarpos. Concluindo, os autores indicam que houve um modesto nível de
assimilação dos Neanderthal que se dispersaram na Europa, e essa análise coincide
com os dados moleculares atuais e do passado.
Quais os fatores determinantes da divergência evolutiva do Homo sapiens
sapiens que promoveram a separação definitiva dessa espécie das diferentes formas do
gênero Homo? Todos os dados indicam que a exclusão dos dinossauros facilitou o
domínio dos mamíferos, dentre os quais os placentários se mostraram mais ativos,
talvez por não se isolarem em um continente reduzido. As vantagens dos antropóides e
do Homo s. s. foram mais consistentes para o progressivo uso das mãos, conduzindo o
cérebro ao aperfeiçoamento da visão próxima, detalhada, e o progressivo uso de
utensílios, a manufatura de armas, a representação simbólica de seus sentimentos,
desejos e temores. O custo, em termos de tempo, para a evolução biológica da célula
aos vermes procordados foi de 3,5 bilhões de anos; depois, para toda a evolução dos
seres multicelulares até o H. sapiens sapiens foram suficientes 650 milhões de anos.

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Antonio Rodrigues Cordeiro é professor emérito da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e foi fundador do Departamento de Genética da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKEWELL, Margaret A.; SHI, Peng & ZHANG, Jianzhi. 2007. "More genes underwent
positive selection in chimpanzee evolution than in human evolution". PNAS 104, pp.
7489-7494.
CANN, R. L.; STONEKING, M. & WILSON, A. C. 1987. "Mitochondrial DNA and human
evolution". Nature 325, pp. 31-6.
DUMBAR, R. I. M. 1992. "Neocortex size as a constraint on group size in
primates". Journal of Human Evolution 20, pp. 469-93.
DOBZHANSKY, Th. 1951. Genetics and the origin of species. Nova York: Columbia
University Press.
HONG, Shang; TONG, Haowen; ZHANG, Shuangquan; CHEN, Fuyon & TRINKAUS, Erik.
2007. "An early moderm human from Tianyuan Cave, Zhoukoudian, China". PNAS 104,
pp. 6573-78.
MAYNARD SMITH, J. & SZATHMÁRY, Eörs. 1995. The major transitions in evolution.
Oxford: W. H. Freeman Spektrum.
STRINGLER, C. & GAMBLER, R. 1993. In search of the Neanderthals: solving the puzzle of
human origins. Londres: Thames and Hudson.
TRINKAUS, Eric. 2007. "European early modern human and the fate of
Neandethal". PNAS104, pp. 7367-7372.
WRIGHT, Sewall. 1940. "The breeding structure of populations in relation to
speciation".American Naturalist 74, pp. 148-232.

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UNIDADE 02. PRÉ-HISTÓRIA – O HOMO SAPIENS

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivo
Conhecer os processos que marcaram a produção do homo sapiens.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Pesquisas modernas com DNA mitocondrial em indivíduos contemporâneos
indicam que todos os investigados descendem de uma só ancestral - uma única Eva –
que viveu na África entre 143 a 233 mil anos. Por que Eva? Porque a mitocôndria,
embora existindo em cada uma de nossas células, possui DNA próprio; que a nós
transmitidos pela mãe; os homens não as transmitem aos filhos.
Existem os que têm crítica a fazer a respeito das pesquisas do DNA
mitocondrial, mas praticamente todos concordam que a Eva surgiu na África e que
coincide com a datação dos mais antigos fósseis Homo Sapiens Sapiens encontrados
naquele continente.
Parece claro, contudo, que a aparição do Homo Sapiens diversifica e espalha
por quase todas as regiões da África, a indústria Lítica. Dos instrumentos de pedra
mudam-se apenas suas formas e tamanhos, de conformidade com as variações das
rochas a serem trabalhadas, da aplicação, tipo de caça ou coleta de vegetal da região,
enfim dos desafios que o homem tinha pela frente.
Nas regiões de terrenos fortemente arborizados, os instrumentos, embora

pertencentes às tradições acheulense, apresentam-se mais pesados, os bifaces


mais maciços e mais largos, desaparecem o cutelo e a machadinha e surgem

peças bifaciais longas e estreitas, goivos bupes e punhais, os quais


ultrapassam os vinte e cinco centímetros de comprimento, o chamado

complexo cultural Sangoense, com os quais o homem arranca raízes, corta

galhos de árvores e trabalha a madeira. Estes instrumentos são encontrados


na Baía de Sango, parte ocidental do lago Vitória, predominam na África

Atlântica, na Zâmbia, Zimbábue e planície de Moçambique e ficou conhecido

como cultura Sangoense. Ou seja, cultura procedente da Baía de Sango, parte


ocidental do lago Vitória SILVA, 2006, p. 72

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Ao norte do continente, bem como na península Ibérica, França, Itália
prevaleceu a cultura musteriensi, também incidente no Oriente Próximo, caracterizada
por duas novas técnicas de talhar as pedras, a saber: método levallois, que consistia em
arranjar pedras que pudessem resultar em lascas ovais e blocos triangulares, que
davam lascas triangulares.
Havia o método discóide, no qual se utilizavam pedras arredondadas, lascadas
como se foram descascadas com intuito de obter peças triangulares bem menores que
as obtidas pela técnica levallois.
Vale dizer que, embora ainda ocorram pequenos bifaces em forma de coração,
eles eram mais leves e finos, sendo empregados como raspadores. Ressalte-se que as
com pontas triangulares serviam para lanças ou outros projéteis.
Provavelmente, originária da cultura musteriense, estendeu-se pelo Saara a
cultura ateriense que vivia, sobretudo nas montanhas, então verdejantes e nas margens
dos rios, num período compreendido entre 100 a 38 mil a.C.
Aos instrumentos que herdaram da cultura musteriense os Ateriense
acrescentaram nova invenção: consistindo em uma espécie de pedículo que servia para
inserir o instrumento no cabo, encaixá-la no instrumento de um caniço, de um bambu
ou de um osso.
A espiga permitia uma ligação segura da peça de pedra com seu cabo,
reduzindo o peso do utensílio.
Prova-se assim que há mais de quarenta mil anos o homem aprendeu a fixar na
ponta de um fuste uma ponta de pedra, formando lanças úteis na caça.
Possivelmente, até antes desses povos da Etiópia ao extremo Meridional do
continente, já se usavam essas lâminas de pedras, muitas vezes, triangulares formando
lanças, ligadas à extremidade da madeira por fibras, resinas ou gomas, sem o uso dos
pedículos.
Na África Indica e Meridional, as técnicas Levallois e do Núcleo discóide
apresentam-se com algumas modificações, rareando os bifaces, ou machado de mão,
predominando lascas em lâminas de lados paralelos, de talhadeiras, goivas, buris, facas,
raspaduras e pontas de lança, estas importantes como armas de caça. Na África
meridional, a produção desse tipo de utensílio é chamada de “Pietersburg”.

20
BUSCANDO CONHECIMENTO
HOMO SAPIEN SAPIENS
Nos arredores do lago Vitória, quando o Sangoense foi substituído, há pelo

menos 40 mil anos, na bacia do Rio Zaire, pelo complexo que se denominou
Lupembiense, o Homo Sapiens Sapiens, possivelmente já seria senhor do

terreno.

Entre os Lupembienses, de Lupemba, República do Congo, os instrumentos


Sangoenses, subsistiram, como os bifaces e picões, mas surgem longas

lâminas de duas pontas. Nestas, uma das pontas poderia servir para ser

inseridas no cabo, ou usadas como punhais, pois possuía 15 a 35 cm de


comprimento. Ali se desenvolveu também; grande variedade de peças

pequenas como: pontas triangulares com espiga, enxós, serras e trinchete de


gume oblíquo ou reto.

SILVA, 2006, pag.73/74.

Figura 8: Homo sapiens sapiens


Fonte: http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=24055&op=all

Por toda África registram-se pegadas do Homo Sapiens Sapiens na fase lítica,
com pequenas variações no formato, tamanho peso ou sofisticação dos artefatos
fabricados, possivelmente dada a variação do entorno, topografia, animais vegetação
ou clima.

21
Há incidência de registros, muitas vezes, paralelos com o Homo Erectus ou
Neendertalis e Homo Sapiens Sapiens, na fase lítica. Tal fato parece ter se dado num
longo período, cerca de 70 mil anos, com início por volta dos 100 milhões distantes de
nós.
Ao longo desse período, o homem aprendeu a transportar e armazenar água,
utilizando-se de cabaças, cascas de árvores, ovos de avestruz e sacos de couro. Com
isso, tornou-se apto a se afastar da beira dos rios e lagos, carregando seus apetrechos,
às vezes, vivendo em abrigos de pedra ou cavernas. Acabou alcançando as praias do
Sul, conforme se constatou em Klasies River Mouth e na Baia do Saldanha, na Líbia
(Hua Fteah) e, pela primeira vez, explorou os recursos do oceano, caçando focas,
mariscando e pegando pássaros, tipo pinguins, ou seja, pássaros incapazes de alçar
voo.
Que tenham tido certa capacidade de criar utensílios para necessidades
específicas, dão testemunho almofarizes e quebra nozes de pedra, encontrados nas
savanas, utilizados para partir ou moer grãos e sementes, dos quais alguns grupos se
alimentavam. Há a possibilidade de que almofarizes tenham se prestado a triturar
minérios corantes, para com o pó, pintarem seus corpos ou suas armas ou utensílios.
Achados desenterrados em Haua Ftea, na Líbia, bocais de flauta e apitos, podem
indicar preocupação estética ou noção de vida sobrenatural, o que dá a entender o
cuidado maior, em algumas regiões, ao enterrarem os mortos.
A não ser nas Costas do Mediterrâneo, com poucas evidências, nas demais
regiões Africanas, não há como determinar, com precisão, na pré-história, povos que
não estejam num estágio bem primitivo da era neolítica.
Encontrou-se em Kelasies Mouth, Border Caver, África do Sul, peças líticas que
remontam há 150 mil anos, interpostas ao material da indústria Putersburg. Descendo
do lago Vitória e do Sul do Quênia até o Rio Zambé, registra-se uma diminuição
sistemática no tamanho das lamelas, ao longo do tempo, chegando a peças com
menos de um centímetro, aperfeiçoamento considerável em peças de pedra.
No nordeste de Angola, em Dundo, dá para se acompanhar a redução dos
artefatos, bem como um microtrinchete que se fazia cada vez menor, possivelmente,
para utilizar com ponta de flecha.

22
UNIDADE 03. PRIMÓRDIOS DO HOMEM MODERNO

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivos
Identificar as principais produções de utensílios e técnicas que caracterizaram os
agrupamentos humanos, no período que compreende os anos 12.000 a 1.000 a.C.
Analisar as características físicas e biológicas dos grupos humanos que se
distribuíram pelo território africano e que deram origem ao Homem Moderno.
Relacionar as técnicas de cultivo ao processo de sedentarização dos
agrupamentos humanos.

ESTUDANDO E REFLETINDO
O aparecimento do arco e flecha, na África, acredita-se que tenha ocorrido há
mais ou menos 12 mil anos, tendo revolucionado a caça, já que alonga o braço
humano, mais que a lança. Permite abater pássaro em pleno voo e animais na carreira.
Percebe-se a diminuição no tamanho das lamelas que eram colocadas na ponta do
hastil, os quais podiam ter mais uma lamela logo abaixo da ponta, formando uma
farpa.
Conforme (Silva, 2006, pag.77), ao Norte da Etiópia e da Somália, ao redor do
lago Nakuru; trabalhava-se uma pedra muito dura, a absidiana, com a qual faziam
talhadeiras, buris, longas lâminas, com um lado rombudo, como facas modernas, e
mais tarde lamelas em forma de crescente.
A essa altura, cerca de doze mil anos, deu-se o nome de Capisiense do Quênia,
à cultura Eburriense no Norte da África.
Ainda entre os doze e sete mil anos, variando sua maior ou menor sofisticação,
o homem dispunha de uma gama bastante variada de utensílios de pedra, osso e
madeira, aprendera usar cavilha e cunhas, a usar cortiças como bandeja, palhas e
folhas. Para forrar onde dormia; começava a fabricar as primeiras agulhas com fibras
vegetais ou tiras de pele, costurar o couro, já fabricava adornos de conchas e osso.

23
Ao longo dos milênios aumentaram cuidados no sepultamento dos mortos,
encontram-se restos acompanhados de adornos, instrumentos ou troféus de caças,
aparecem os primeiros sinais de rituais mágicos.

BUSCANDO CONHECIMENTO
No cabo da Boa Esperança, foram localizados vestígios, de grupos de até 25
pessoas, que viviam da coleta de frutos raízes, ovos, mel, pesca e caça e que alternavam
sua permanência, litoral no inverno e verão na montanha.
Existe registro, na Etiópia, no norte do Quênia, África do Norte, o chamado
Chifre da África, de terem essas regiões sido habitadas há dez mil anos por
caucasóides, semelhantes aos que habitavam a Europa o Oriente Médio e Costas do
Mediterrâneo.
Segundo Silva (2006, pag. 78), há esta época, o Saara Meridional, desde o
atlântico até o sul do Nilo e o largo Turcana já eram habitados pelos negróides. Os
antepassados khoissan ou coissã ocupavam as savanas, as estepes e os serrados do
leste e do sul do continente. Há registros de proto-bosquimanos, há 17 mil anos a. C,
nos campos da África Oriental e Meridional estendendo-se até o norte. Seus
descendentes seriam os Khoisan, de Kahoi, (homem) que os hostentotes se
denominam, e San (bosques) aos homens da floresta, aqueles que colhem frutos, raízes
e pequenos animais. Suas características linguísticas seriam cliques ou estalidos com
valor de consoantes.
Ambos, hostentotes e bosquímanos, têm face e nariz achatado, cor da pele
parda amarela, olhos estreito e oblíquos, diferem na cultura; só os bosquímanos têm
cabelos encarapinhados e rolinhos pregados ao crânio parecendo grãos de pimenta do
reino. Em ambos, as mulheres são famosas pela esteatopigia.

24
Figura 9: Mulher com esteatopigia
Fonte: http://gaveta-da-sis.blogspot.com/2008/11/tribo-das-bundas-grandes.html

Os bosquímanos são marcados por estatura média bem menor que os


ostentotes, medem cerca de um metro e quarenta, enquanto os últimos chegam a um
metro e setenta e cinco.
Existem teses de que os pigmeus também descenderiam dos bosquímanos.
Teriam os pigmeus sofrido esta redução no processo biológico de adaptação com as
matas muito úmidas, quentes e em função da necessidade de se esgueirarem no
interior das mesmas.
É certo que as condições adversas na floresta não permitiram a conservação dos
restos dos ossos de pigmeus da antiguidade, mas é possível que sejam tão antigos,

25
quanto os demais habitantes da África e que antes de se circunscreveram à selva do
Congo, tenham estado em várias partes do continente como indicam as lendas do lago
Caha no Senegal e no Quênia. Existem lendas sobre gente miúda que povoam também
as superstições nas regiões onde predominou o trabalho escravo, nas Américas.
Os ossos descobertos em Iwo Elerú, em um abrigo rochoso a 24 km de Acure,
na Nigéria, com 12 milênios e do lago Eduardo (ou Kotewe), no nordeste da República
do Congo, cerca de oito a nove mil anos, indicam que o surgimento do negro se deu
na orla das florestas, nas regiões limítrofes com as Savanas do Saara. Acredita-se que
dessa região, por volta de 6.000 a.C., tenham chegado a Tamaya Milet, no Níger, às
margens do lago Turcana no vale oriental das grandes falhas e avançado norte acima,
atingindo Cartun, primitiva Amekni, locais onde se encontraram restos negróides.
Alguns teriam descido o Nilo e se miscigenado com caucasóides, dando origem à
predominância de mestiços na cultura pré- dinástica de Badari (4.000 anos a.C.).
Há mais de 12.000 a.C., os caucasóides, chamados afro-mediterrâneos, entraram
na África pelo istmo de Suez e se espalharam pelo Magrebe, substituindo populações
do tipo Cro-Magnon. Chegaram às savanas e estepes, ao norte do Saara pela Etiópia,
Somália e norte do Quênia. O Saara alterna períodos extremamente secos e áridos,
com outros bem úmidos, o que parece fazer o trabalho de unir culturas, forçar o
aprendizado na domesticação.
O período de maior umidade na África, aproximadamente dez mil a.C., o Saara
passou a abrigar grande lagos e rios, formou-se extensas Savanas, as quais se tornaram
ricas e diversificadas em caças, fazendo com que multiplicassem os grupos humanos no
seu entorno. Por volta de oito a seis milênios a.C, o mais intenso de umidade, podia-se
traçar uma curva imaginária, unindo as águas do Níger até o Nilo Médio e dali seguir
pelos vales das grandes falhas Sul a baixo.
Nessa curva de grande lagos e rios, desenvolveu-se, por volta do oitavo milênio
a.C., novos sistemas de vida, ensejou o surgimento de moradias fixas, já que a
abundância de pesca, animais aquáticos plantas domesticáveis, induziam a um modo
de vida mais sedentário.
O meio favorável levou ao aprimoramento no fabrico de pontas de arpões de
osso, em cuja extremidade havia, de início, uma ranhura, mais tarde um entalhe, ou

26
furo, onde se amarrava o cordel ou tira de pele. Teceram puçás, construíram-se barcos,
fizeram cestas, poliram pratos de pedra, modelaram os potes de barro e outros
recipientes, às vezes, de grandes proporções que lhes permitiam guardar líquidos e
cozinhar peixes, mariscos, a carne de tartaruga, de hipopótamo, outros animais e ainda
plantas aquáticas e grãos.
Admite-se que a cerâmica tenha sido inventada na África por essa gente
ribeirinha, antes de aparecerem na Cilícia, Síria e Iraque; assim indicam numerosos
restos de louça e barro encontrados do Quênia ao Saara, datados de mais de oito mil
anos a.C.
Estudiosos afirmam também que tais peças precedem as do Egito, Núbia ou
Magrebe, revelando o fato de descerem e não subirem o Nilo, procedentes da África
Subsaariana e da região dos grandes lagos, onde a pesca favoreceu um tipo de vida
sedentária e a adoção da agricultura e da pecuária. Certamente, eram negros ou
negróides os que impunham o arpão de ponta de osso, embora não se descarte para
essa região de abundantes rios e lagos tenha afluído povos do Norte do Sul e Oeste,
tipos diferentes que se miscigenaram entre si.
Ao sul, em Gamblé Cave, próximo ao lago Elmeteita e ao norte na Cantun
primitiva, esses povos enterravam seus mortos em posição contraída, fetal, sugerindo
um novo nascimento, em outra vida. Por volta de seis mil anos a.C, na Cantun primitiva,
detectaram-se vestígios de choupanas de barro. Morada permanente ou semi-
permanente, acompanhadas de cerâmicas, peças frágeis para a vida nômade.

Figura 10

Fonte: http://discoveryblog-discoveryblog.blogspot.com/2011/04/cientistas-encontram-esqueleto-do-
que.html
27
Há cinco mil anos a.C., novo ressecamento na África, força a mudança de
costumes ligados à sobrevivência, devido ao estancamento de Rios e secagem de
lagos.
Posteriormente, no quarto e terceiro milênio, o clima volta a melhorar,
renascem as culturas aquáticas no médio Nilo e vários pontos da faixa sudanesa e no
Chade. As pontas dos arpões são agora sempre furadas para atar a corda. As mós são
maiores, mais numerosas e diversificadas, presumindo-se aumento de consumo de
grãos.
Surge o anzol, cortado na concha, a leste, e, no osso, a oeste.
Nesse mesmo período no Oriente Médio, ocorre a domesticação das gramíneas
e animais e consequente sedentarização do Homem, a que Gordon “Child” denominou
“Revolução Neolítica”.
O êxito da cultura aquática, rica e diversificada no período úmido, em uma faixa
horizontal, cortando o continente, do Níger, lado do Atlântico, até o baixo Nilo,
próximo do Índico; parece explicar o atraso da cultura agrícola no interior da África, em
relação ao Oriente e dali ao Egito. No Oriente Médio, há dez mil e sete mil a.C., já se
semeava o trigo e cevada e o linho, os quais cresciam selvagem na região, criava-se
cabra, carneiro, boi e outros animais.
Embora a agricultura tenha sido praticada em várias partes do mundo, Sudoeste
da Ásia e nas Américas do Sul e Central, mais de uma vez e em mais de um lugar na
própria África, foi daquele duplo Crescente fértil, no Oriente Médio que o cultivo da
terra se propagou para a Europa e o Egito.

28
UNIDADE 04. PRIMÓRDIOS DO HOMEM MODERNO – A
AGRICULTURA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivo
Analisar o processo de sedentarização humana e o desenvolvimento da
agricultura no vale do rio Nilo.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Na África, a prática da agricultura chegou ao Delta do Nilo, entre 6.000 e 5.000
a.C., embora já estivesse mil anos antes no Deserto Ocidental em Bir Kesseiba e Nabta
Playa. Em Nabta Playa, ao redor de um pequeno lago, ficaram vestígios de uma gente
caçadora e coletora, que vivia numa aldeia com casas de planta oval ou circular, com
poços cavados na terra, os quais parecem ter cultivado sorgo, tamareiras e dois tipos
de cevadas (uma das quais de origem local), bem como ter possuído alguns bois.
Para que a cultura agrícola da África tenha grande defasagem em relação às
demais regiões, mesmo as vazantes próximas, o Nilo serve a duas teses.
É possível que o vale Nilótico, tido por muitos como coberto de densas florestas
e cheio de pântanos, tenha sido um obstáculo à marcha da agricultura para o nordeste
do continente africano, tão próximo das terras palestinas.
Para outros, o vale do Nilo, durante esse período úmido, não guardava, a não
ser no Delta, maior semelhança com o atual Sud. Nas entre cheias ele se cobria de
gramíneas e matas baixas ladeado por acácias, socomoros e tamareiras, com um ou
outro charco, deixado pelo fluir do rio, o vale em nada se oporia à ocupação humana.
Para os que assim pensam o avanço lento da agricultura ter-se-ia ocorrido devido à
resistência cultural a novas práticas. Serviam de barreira, o próprio êxito com que, a
partir de 16 mil anos a.C. e, portanto, em período bem anterior, de extrema aridez dos
desertos cortados pelo Nilo, comunidades ribeirinhas, sobretudo no Alto Egito (como
se vê no ued Kubbaniya), faziam uso intensivo de tubérculos e grãos selvagens e
procuravam aumentar a densidade e a qualidade dessas plantas silvestres, por meio de
29
combate às ervas daninhas que entre elas cresciam, da limpeza do solo e, talvez, da
rega em épocas de seca.
Na longa fase úmida que se seguiu, de predomínio no vale expandido do Nilo,
das chamadas culturas aquáticas, as plantas silvestres de beira rio e das terras
molhadas continuaram a ser, logo após o pescado, o elemento principal da dieta de
suas populações. Não que faltem sinais de caça, ossos de galeirões, gansos, patos e
outros pássaros migratórios, bem como, ainda que menos freqüentes, de gazelas
arouques (o Bos primogenius) e hipopótamos. O ajuste de milênios a um tipo de vida
em que não faltavam, além do peixe e da caça, os tubérculos, os grãos, as nozes, os
brotos, os talos, as folhas e os frutos, de plantas silvestres, tendiam a desestimular as
inovações, conforme Silva (2006).
Admite-se que, ao longo dos milênios, aqueles povos perceberem as

vantagens do cultivo dos alimentos e assim, aos poucos, a dependência


exclusiva da natureza e, ao mesmo tempo, desenvolveram atividades como a

pesca, caça e criação de animais possibilitando estacionarem-se mais em

locais propícios, inclusive pela dificuldade de se locomover dado o aumento


de bagagens ou pela existência de competidores em outros lugares. Só ao

longo do tempo, perceberam que algumas plantas não suportavam o excesso

de água e desapareciam. Para produzi-las, passaram a transferi-las, ou suas


sementes para locais mais altos onde conseguissem produzir. Na vazante, as

margens dos rios ressecavam, morriam as plantas que necessitavam de


bastante umidade. Dessa maneira, antes que se exaurissem, passaram a
transferir as mudas para sítios úmidos ou possíveis de se regar.

Existem sérias razões para supor, que dessa prática teria surgido a domesticação
do arroz africano, (Oriza glaberrima stendel), sorgo o milhete, um tipo de cevada,
outros milhos miúdos, como o fonio negro, o carite, a melancia, a batata de cafre e a
batata hauca.
As terras africanas são ricas em animais, os rios piscosos, há abundância de
frutos raízes e mel. Caçar pescar e colher frutos supriam até as necessidades de lazer,
demandavam menos esforços e horas de trabalho. Juntem-se a isso tudo o isolamento
que o ressecamento do Saara provocou por volta de 1.000 a.C. e se completam as
razões do atraso cultural africano, no que diz respeito à agricultura.

30
No Egito, a cultura agrícola e o sedentarismo parecem se consolidar, a partir,
aproximadamente, de 3.000 a.C., de quando dataria a cultura amratiana. O linho vai se
tornando material corrente para enrolar os mortos. Os acampamentos assumem feição
de aldeotas com cabanas ovais ou redondas, semi-afundadas no terreno e que podiam
ser moradia ou depósitos. No final da ocupação de Hermamieh, os silos passam de
subterrâneos a construídos acima da terra. Talvez, não mais precisassem ser mantidos
em segredo, pois recebiam a proteção dos que teriam passado a viver quase todo o
ano, senão o tempo todo junto deles.
Desses acampamentos ou vilotas, no alto dos tabuleiros que margeiam o Nilo,
com pequenas choças feitas de palma entrançadas ou de uma mistura de palha e
barro, a agricultura desceu, de forma permanente, para o vale, quando o clima se
tornou mais seco. Foi desse início de aparência modesta, que se desenvolveu a grande
civilização agrícola do Egito, na qual o culto da terra iria provocar as invenções da
drenagem do regadio e do arado que multiplicariam seus efeitos.
Por volta de 1.000 a.C., o Saara converte-se, novamente, num imenso oceano
árido a separar a África Mediterrânea da maior parte do continente. Só a parte norte do
deserto que se situa na grande faixa asiática e europeia, face ao Mediterrâneo,
continuou percorrida pelo comércio e pelos exércitos. Cada cultura adiciona aos seus
achados os inventos das outras. Ali há intensa troca de Deuses, costumes e bens há a
rivalidade criadora entre as culturas.
O insulamento fez com que as invenções de outros povos só muito depois,
quando já não era novidade, se tornassem conhecidas dos africanos ao Sul do Saara;
de muitas descobertas, só quase em nossos tempos chegaram a ter ciência. Doravante
necessitam de um intercâmbio justo ou até favorecido para atingirem o nível das
demais regiões.

BUSCANDO CONHECIMENTO
Civilizações africanas da Antiguidade: Vale do Nilo e Península Somali
Érica Turci

Egito e Núbia
31
Segundo os arqueólogos, o vale do rio Nilo já era habitado desde o Paleolítico,
ou seja, entre 3 milhões e 100 mil anos atrás. Muitos séculos depois, em torno do 7º
milênio a.C., a agricultura e o pastoreio já eram praticados no delta do rio Nilo, e
progressivamente se expandiram em direção ao sul, seguindo as margens desse rio.
A partir do 5º milênio a.C., com o processo de formação do deserto do Saara,
vários povos nômades e seminômades, do norte da África e do Oriente Médio,
buscaram as margens do rio Nilo para ali se fixarem.
Esses migrantes se misturaram com os povos locais e fundaram aldeias tanto no
Alto Nilo (ao sul), quanto no Baixo Nilo (ao norte). Em algum momento (ainda não se
sabe quando), essas aldeias se unificaram, formando pequenas cidades independentes.
Até então existia certa identidade cultural entre as várias cidades ao longo do vale do
Nilo, devido a suas origens comuns e suas relações comerciais. Com o passar do
tempo, o processo de centralização política se acelerou na região do Baixo Nilo, até
que, em torno de 3100 a.C., um rei chamado Menés unificou toda a região, tornando-
se o primeiro faraó de uma das mais antigas civilizações: o Egito.
Enquanto isso, ao sul, pequenos reinos se mantiveram independentes e
formaram a civilização Núbia. A fronteira entre as duas civilizações ficava próxima da
primeira catarata do Nilo; e a mais importante cidade núbia era Siene (atual Assuan),
um rico centro comercial.
Sabemos pouco sobre como os núbios se organizavam ou o que pensavam
sobre eles mesmos, já que não desenvolveram a escrita. Mas os egípcios deixaram
muitos documentos que demonstram a importância da Núbia.
Os núbios praticavam a agricultura e o pastoreio às margens do Nilo, e
desenvolveram uma sofisticada cerâmica. As riquezas da Núbia, como o ouro, o ébano,
o marfim, atraíam a atenção dos egípcios, que desde a 1ª Dinastia já travavam guerras
com os núbios.
Os conflitos entre o Egito e a Núbia ocorreram por séculos, sendo a Núbia uma
poderosa rival do Egito. Muitas muralhas foram construídas pelos egípcios na fronteira
com a Núbia, o que prova que não só o Egito queria controlar as riquezas da Núbia,
mas que os núbios também atacavam o território egípcio.

32
Foi somente durante a 18ª Dinastia egípcia (século 15 a.C.) que a Núbia foi ocupada
pelos egípcios, tornando-se um vice-reino. A partir de então a cultura núbia passou a
sofrer forte influência egípcia: a escrita hieroglífica, os deuses e os costumes egípcios
foram impostos à Núbia.

O reino de Kush
Dentre os reinos núbios, um merece destaque: Kush (ou Cush). Não se sabe ao
certo quando surgiu o reino de Kush, mas documentos egípcios já citam os kushitas
desde o século 20 a.C. A primeira capital de Kush teria sido Kerma, na região da terceira
catarata do Nilo, mas a capital kushita mais importante foi Napata, próxima da quarta
catarata do Nilo. Muitos arqueólogos supõem que a transferência da capital para uma
região mais ao sul foi uma forma de os kushitas se afastarem da ameaça egípcia.
Num revés da história, ainda pouco compreendido, mas ligado ao
enfraquecimento do Egito, causado por disputas políticas internas, em 713 a.C. o rei
kushita Shabaka invadiu e controlou o Egito, iniciando assim a 25ª Dinastia. No Antigo
Testamento, encontramos várias citações sobre os temíveis guerreiros negros do
império kushita.
Contudo, em sua expansão pelo delta do Nilo, os kushitas entraram em contato
com guerreiros ainda mais poderosos: os assírios (da Mesopotâmia). O rei assírio
Assaradão tentou conquistar o Egito governado pelos kushitas, mas foi derrotado. Seu
sucessor, Assurbanipal, no entanto, ocupou o delta do Nilo em 663 a.C.
A partir de então os kushitas se retiraram para o sul e mantiveram o controle
sobre a Núbia, a partir de Napata. A fim de se afastarem ainda mais dos conflitos do
território egípcio, os kushitas transferiram sua capital para Meroé (século 6 a.C.), ainda
mais ao sul. Essa cidade era um dos mais importantes entrepostos comerciais entre a
África e o mar Vermelho, além de possuir ricas minas de ferro. (A tecnologia de
fundição do ferro é uma das principais características dos povos africanos dessa região.
Aliás, quando os portugueses chegaram à África, no século 15 d.C., aprenderam com os
africanos como fundir ferro de maneira mais eficiente.)
Enquanto o Egito foi sucessivamente conquistado por assírios, persas,
macedônicos e romanos, o reino de Kush (a partir de então também conhecido como

33
reino Meroíta) manteve sua independência por mais 9 séculos (alguns historiadores
falam em 8 séculos), controlando várias rotas comerciais que ligavam o interior da
África ao mar Vermelho, e ainda mantiveram relações amistosas com os faraós da
linhagem macedônica (os ptolomaicos).
Quando os romanos conquistaram o Egito e não conseguiram submeter os
kushitas, cortaram o comércio kushita com o Oriente Médio e o Mediterrâneo, o que
levou Meroé a uma progressiva crise econômica. No século 4 d.C., a já decadente
Meroé foi conquistada por povos vindo do Chifre da África (ou península Somali): os
axumitas.

O reino de Axum
O reino de Axum se localizava na atual Etiópia. Segundo a lenda, esse reino teria
sido fundado por Menelik, filho do rei Salomão com a rainha de Sabá (o que nos
remete à história contada no Livro dos Reis, no Antigo Testamento. Apesar de tal lenda
não ter ainda nenhum fundamento comprovado, manteve-se por muitos séculos).
A cidade de Axum se localizava às margens do rio Atbara. Sua população era
formada por povos locais (a Etiópia é considerada um dos mais antigos berços da
humanidade) e por migrantes vindos da Arábia antes do século 6 a.C.
Em torno do século 3 a.C., os kushitas (ou meroítas) mantinham comércio com
Axum. Em torno do século 2 a.C., o porto de Adulis, no mar Vermelho (que ficava a oito
dias de viagem até Axum), era um dos maiores centros comerciais entre a África e a
Arábia.
No século 1 d.C., o comércio transformou Axum num dos centros mais ricos da
África. Entre os séculos 2 e 4 d.C., os axumitas controlavam grande parte da navegação,
tanto mercante quanto de guerra, no mar Vermelho. Embaixadores axumitas viajavam
pelos grandes reinos do Oriente Médio e da África, impondo os interesses comerciais
de Axum.
Como os axumitas desenvolveram a escrita (chamada de gueze ou geês),
escavações arqueológicas ainda hoje revelam muitos textos axumitas talhados em
argila e pedra. E devido à grande atividade política de Axum, vários desses textos

34
trazem uma versão em grego (a língua diplomática da época), o que facilita muito a
compreensão da história desse povo.
Em 335 d.C., os axumitas invadiram, saquearam e incendiaram a capital kushita,
Meroé, pondo fim ao reino de Kush, que representava um centro comercial
concorrente. Acredita-se que a elite kushita tenha fugido em direção do oeste,
chegando até o Chade, e difundindo assim a cultura kushita.
O império axumita se cristianizou a partir da influência egípcia, e se tornou um
importante centro de difusão dessa nova religião no leste da África.
Com a expansão árabe muçulmana, a partir do século 7, o reino axumita cristão
perdeu sua força, tanto econômica quanto cultural. Mesmo assim, séculos mais tarde,
durante a expansão marítima e comercial de Portugal (século 15), muitos navegadores
tinham como meta encontrar o reino lendário de Prestes João, um reino cristão
africano que, provavelmente, seria o antigo reino de Axum.
E vale lembrar: muito tempo depois, enquanto toda a África era repartida e
dominada pelas potências imperialistas europeias (no século 19), a Etiópia foi um dos
poucos reinos que conseguiu manter sua independência. Ainda hoje, portanto,
conhecer e valorizar a cultura etíope pode ser um caminho interessante para se
compreender parte da história da humanidade.

Bibliografia
GIORDANI, M. C. História da África anterior aos descobrimentos. RJ: Vozes, 1985.
MUNANGA, K. Origens africanas do Brasil contemporâneo. SP: Global, 2009.
SILVA, A. C. A África explicada aos meus filhos. RJ: Agir, 2008.
Disponível em: http://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/civilizacoes-africanas-
da-antiguidade-vale-do-nilo-e-peninsula-somali.htm

35
UNIDADE 05. PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES DA ÁFRICA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivos
Objetivos: Identificar as primeiras civilizações do continente africano e suas
características econômicas, sociais e políticas.
Analisar o reino de Axum nos seus aspectos geopolítico, econômico, com ênfase
nas principais episódios que marcaram o seu domínio na região.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Não há uma só e simples resposta, o Brasil tem interesse em participar no
desenvolvimento daqueles povos, ali exercer influência e não só naqueles que utilizam
a Língua Portuguesa.
Muito mais que isso, tem afinidades e esses povos são vistos como parceiros
capazes, mais confiáveis do que aqueles que por lá estiveram e dos quais ficaram
ressentimentos pela exploração humana, da quase exaustão de alguns recursos
naturais e que nada lhes deixaram em contrapartida. Mais que exaurir recursos naturais,
desestruturaram culturas, desmontaram suas lideranças, impuseram-lhes estereótipos
prejudiciais a sua autoestima e imagem, colocaram uns contra os outros em lutas
fratricidas. Por preconceito, ignorância ou presunção, consideraram e trataram o
Africano como não humano, como mais um animal exótico do continente, não muito
diferente dos naturais das Américas, indivíduo sem a alma do conceito cristão, o
mesmo que macaco, girafa ou onça, ou seja, por não corresponder aos padrões
Europeus, lhes foi negada a condição de humanos.
Obviamente, não teremos, nesta unidade, estudo completo das primeiras
civilizações da África, não caberia nela a grandiosidade, riqueza, os enigmas, variedade
de formas organizacionais e culturais daquele imenso continente.
Mesmo as grandes obras de pesquisadores, assumem a precariedade de alguns
dados e informações colhidas, pesquisadas e deixam clara a necessidade de contínua

36
busca e interpretação dos arquivos que o subsolo esconde e até releitura de achados
para aos quais ainda não há consenso.

BUSCANDO CONHECIMENTO
O reino de Axum
O reino de Axum foi um dos mais poderosos da África. Chegou ao seu apogeu
no século IV d.C., e neste mesmo século se converteu ao cristianismo.

O reino de Axum se notabilizou por se tornar um reino cristão na África e por


fazer grandes edificações religiosas
A história do reino de Axum está relacionada à das civilizações que se
desenvolveram na África, abaixo do Egito. Isto é, nas antigas regiões da Núbia e da
Etiópia. Os vestígios deste reino datam do século V a.C., mas seu apogeu se deu por
volta de meados do século IV d.C., quando os axumitas (nome que designa os
habitantes de Axum) levarem o reino Kush, seu rival, à ruína.
Durante os séculos III e IV, Axum conquistou territórios da Península Arábica, a
Etiópia do Norte e parte da antiga Pérsia, tornando-se um dos mais poderosos
impérios da passagem da Idade Antiga para a Idade Média. Ainda no século IV, os
axumitas destruíram a cidade de Meroé, capital do império Kush, fragmentando então
este antigo centro político do sul do Egito. Da derrota de Kush nasceram três reinos
diferentes, o Nobatia, o Makuria e o Alodia, que ficaram todos sobre influência de
Axum.
37
Com o vasto território conquistado, o reino de Axum passou a dominar todas as
rotas de comércio que passavam pelo sul da Península Arábica e pela Arábia
meridional, pela região da Núbia e da Etiópia, que atravessavam o Mar Vermelho.
Conseguiu também terras férteis que possibilitaram a agricultura e a pastagem de
alguns bovinos. Para administrar e controlar o fluxo comercial desta região, o reino de
Axum cunhou sua própria moeda também, chegando a estabelecer trocas comerciais
com a Índia e a China.
Um dos acontecimentos mais importantes da história do reino de Axum foi a
conversão ao cristianismo do rei Ezana, no século IV, por um monge cristão de origem
fenícia, chamado Frumêncio (que depois foi bispo de Axum e considerado santo). Após
a conversão do rei Ezana, toda a região da Etiópia e grande parte da região da Núbia
receberam forte influência do cristianismo e a maior parte da população também se
converteu, tornando Axum um império eminentemente cristão.

38
As Igrejas esculpidas em rocha, em Axum, na Etiópia, são hoje consideradas
patrimônio histórico da humanidade.
Uma das características desta fase é a construção das famosas onze Igrejas, que
foram esculpidas em rochas, no solo. Essas Igrejas são consideradas patrimônio
histórico da humanidade e fazem parte da tradição da Igreja Ortodoxa Etíope. Além
das Igrejas, várias outras construções do reino de Axum são notáveis, tais como
obelisco, imensas torres de pedra, tumbas e outros templos na época anterior à
conversão ao cristianismo.
O reino de Axum continuou imponente até o século XI d.C., época em que o
islamismo já havia se expandido pela Península Arábica e conquistado boa parte do
território que os axumitas dominavam.

Por Me. Cláudio Fernandes


Disponível em: http://www.brasilescola.com/historiag/o-reino-axum.htm

39
UNIDADE 06. CIVILIZAÇÃO NÚBIA
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE
Objetivos
Conhecer as principais características da civilização Núbia.
Analisar a Civilização Núbia nos seus aspectos geopolítico, econômico, com
ênfase nas principais episódios que marcaram o seu domínio na região.

ESTUDANDO E REFLETINDO
As fronteiras da civilização Núbia foram sempre imprecisas, suas divisões
políticas sempre multifacetadas por convivência com outros povos, não raras impostas
por invasores. Considerada na antiguidade um prolongamento do Egito, a região que
se denomina por esse nome está dividida hoje entre o norte do Sudão e o Sul do Egito.
Uma só característica geográfica pode defini-la. Começa ao Sul em Cantun, com a
junção do Nilo Azul e do Nilo Branco e termina em Assua – antiga Siena – com a
primeira catarata. O Egito propriamente dito se estende do Mediterrâneo a Assua. O
nome Núbia deriva da palavra hieroglífica nub, o mesmo que ouro, adaptada pelos
árabes para nuba, visto que a região era realmente rica em ouro.

Figura 11
Fonte: http://www.specialtyinterests.net/map_nile2nubia.html
40
Núbia e Egito, na pré- história, fazem parte de única entidade: o vale do Nilo.
Sobre as margens desse Rio se estabelece uma civilização comum ainda que primitiva e
pouco a pouco se diferencie. Ao norte da primeira catarata, desenvolve-se brilhante
civilização agrícola: a Egípcia, que segundo (SILVA: 2006. p.86), desceu da África
Meridional de Aldeolas localizadas entre a primeira e segunda catarata, e não como se
pensa, tenham se iniciado ao longo do Mediterrâneo. Ao sul da primeira catarata,
ficaram populações variadas, originais, mais rústicas, mas que já trabalhavam uma
cerâmica diferenciada das do Egito e dominavam a criação de gado. Esses países até o
longínquo Sudão serão, por inúmeras vezes, invadidos, conquistados e pilhados pelos
Egípcios, a exemplo do ano 2680 a.C., na quarta dinastia, o faraó, Esneferu, regressa de
uma expedição a Núbia conduzindo sete mil escravos e duzentas mil cabeças de gado,
deixando a região completamente debilitada.
Essa expedição conduziu os Egípcios até a segunda catarata, a partir da qual o

rio se tornava impróprio para navegação. Não longe de lá, Bouhen, seria
instalado um centro metalúrgico especializado no tratamento do cobre.

Em 1961, 1962, o Professor W. B. Emery reencontra os cadinhos, as mós e o

que servia de autos fornos; ele afirma que por volta de 2600 a.C., os reis do
Antigo Império aí vinham se abastecer de metal, os Egípcios exploraram,

igualmente as pedreiras de diorito situadas no deserto núbio ao norte de Abu


Simbel, não longe de Huadi Halfa; daí extraíram sobretudo as pedras da

estátua do Rei Quéopes. Eles controlavam também o tráfico de caravanas

carregadas de ébano, marfim, pedras preciosas, ungüentos, peles de panteras,


penas de avestruz e incenso, vindos da Núbia ou da profunda África

Civilização Núbia (BRISSAUD: 1978. p.64).

Por volta 2.423 a.C., sentindo diminuir sua autoridade percebendo que se
agitavam as tribos não pacificadas na fronteira meridional, o faraó Pepi I nomeou
Merirenefer em Edfu, acima de Elefantina, encarregou-o da abertura da porta de
Elefantina, de controlar as marchas núbias e de examinar uma possível colonização da
Baixa Núbia.
Enfraquecido o Egito, há um recuo de sua influência na Baixa Núbia, onde se
instala por volta de 2300 a.C., à cultura do “Grupo C”, que será a civilização indígena
que a domina durante 700 anos aproximadamente. Dela restam poucos vestígios e

41
nada se sabe dessas tribos de pastores criadores de cabras e de bois de chifres longos,
que são representados sobre falésias nílicas, e vindos das estepes do sudoeste,
expulsos pela seca prolongada.
Únicos vestígios encontrados, túmulos rudes, posteriormente mais elaborados,
registram as deduções seguintes:
As sepultura redondas as vezes ligeiramente ovais, escreve Jean Leclant em
Historie Générale de /Àfrique Noire (P.U.F., 1970), são construídas de pedras

secas, com a forma de cilindros, tendo a parte superior plana; perto do

cadáver, muita vezes envolvida em pele de animais,só são depositados


objetos muito pessoais,amuletos jóias, conchas do mar vermelho) as vezes

armas (adagas com botão de punho redondo). Vasos de oferendas são

colocados no exterior, lado leste, onde se encontram as vezes uma capela e


um nicho para culto; ao lado das tigelas e taças vermelhas de borda

negra.que são uma sobrevivência do Grupo A Vê-se aparecer uma belíssima

louça de barro ( tigelas hemisféricas vasos com pé ) com motivos geométricos


incisos, muito variados. As casas dos ricos eram provavelmente situadas sobre

os terraços férteis do Nilo; o que explica porque nada resta delas hoje. Apenas
as moradas humildes da margem desértica do vale chegaram até nos;

entretanto não devemos concluir que todos os membros do Grupo C, viviam

em tais condições primitivas Essas pobres habitações consistiam em uma série


de peças de forma desiguais, coladas uma as outras, construídas com

grosseiras pedras chatas colocadas diretamente sobre o solo e unidas por um

cimento enlameado. A guisa de teto,esteiras ou tecidos de tenda.


BRISSAUD,1978, pag. 70/71.

Nessa época, a Baixa Núbia afastada da zona das agitações que devastavam o
Egito, era praticamente independente. Foi encontrado o nome de dois príncipes locais
de origem egípcia que a governavam: Kakarê Anef e ly-ib-Khent-rá.
Ao sul, na bacia de Dongola, estende-se a cultura dita de Kerma, tipicamente
Núbia, aparentadas do chamado Grupo C, que por volta de dois mil a.C., formam o país
de Cuch, como os egípcios os chamavam, a uns 700 km de Elefantina, levados pelo
ressecamento ao redor da primeira catarata, procurando ali terras mais úmidas para
pastorear seus rebanhos dos bois de chifre longos. Em Dongola, curva Ocidental do
grande S do Nilo médio, não só as margens planas, mas muito amplas, também

42
existem áreas formadas por leitos abandonados do Nilo, como Querma e Letti, que
permitem fácil cultivo, dado a pequena umidade e aluvião que permanecia no ex- leito
do rio. Todos os anos o rio deposita seu aluvião nessas terras baixas, um rio que entre a
quarta e a terceira catarata, corre largo e tranqüilo, deixando ver, além de suas
margens, estepes ralas, interrompidas aqui e acolá por acácias e palmeiras. Quase todo
o ano chove, nos meses de verão, pouquíssimo, fazendo enverdecer as fimbrias dos
uedes, os rios geralmente secos, do deserto. ”Os dirigentes, assinala Jean Legrant”, se
fazem enterrar em sepulturas cuja superestrutura é um túmulo achatado de grandes
dimensões e por ocasião dos funerais havia sacrifícios humanos que atingiam até 300
pessoas. Acompanhavam-no também, vasos de vários tipos, com um bico longo à
moda de chaleira, de base arredondada e boca bem ampla; ou com alça e forma de
animais.
Ali também foram alcançados pela XII dinastia egípcia com Sesóstris III, (1887-
1850), um dos maiores faraós do Egito, cujas conquistas se deram, igualmente grande
parte da Ásia. Excessivamente severo com os Néhsey, negros no dizer egípcio,
”Civilização Núbia até a conquista Árabe” (Brissud 1978. p.83), onde o Professor
Reisner, relata o enterro em Kerma de um príncipe Egípcio, monarca de Assiut,
chamado Hapidjéfa, e que Sesóstris enviara como governador do novo território.
Deram um festim funerário por ocasião do qual abateram mais de mil bois,
cujos crânios foram inumados ao sul, no exterior da cerca. O corpo do príncipe foi
então, depositado para seu último repouso na Câmara abobadada, no meio das
oferendas e selaram a porta de madeira. As vítimas do sacrifício - em número de dois a
três centos, inclusive crianças - apenas Núbios, drogados durante a última refeição,
foram deitados no chão no corredor. Depois “entulharam o corredor, o que formou um
montículo, que foi recoberto de tijolos crus.”, conforme Brissaud, 1978, p 135.
A Núbia torna-se importante como parte do império Egípcio e Ramsés II
nomeia para governá-la vários vice-reis, como Hequanekhty, Paser II Ey, Mersuwy,
Sethi, Hori I, seu filho Hori II, e Uentauat e Panehsi, já sob Ramsés X e XI, incorporando
dessa forma, na defesa ou conquistas egípcias, soldados, quando não o exército Núbio.
Assim a Núbia permaneceu sob domínio egípcio até a XX dinastia com os
últimos Ramsés.

43
Em seguida um silêncio quase total cai sobre a Núbia por três séculos, constata
Jean Leclant, a ligação entre a África e o mundo mediterrâneo parece cortada até que a
dinastia cuchita de Napata suba ao trono do Egito.

BUSCANDO CONHECIMENTO
DOMÍNIO NÚBIO NO EGITO
Por volta do ano 730 a.C., o reino da Núbia acha-se consolidado, e se estende
desde a sexta catarata até Heracleópolis, bem ao sul do Delta e tem como centro de
poder Napata, cujos dirigentes estão totalmente egipcianizados, religião, cultura escrita
e mesmo raça bem miscigenada. Em 751 a.C. morre seu rei Kachta; sucede-o seu filho
Piânki. Em 730 a.C., Tefnakht, fundador da XXIV dinastia em Tebas, decide uma vez
reunificado o Baixo Egito, opor-se ao domínio cuchita sobre o Alto Egito. Para isso
prepara o cerco diante da cidade de Heracleópolis. Piânki contra ataca descendo o Nilo
com seus exércitos e vence o faraó egípcio e torna-se assim senhor de todo o Egito.
No ano 21 do reinado de Piânki, que permaneceu governando de Napata, o
príncipe de Neter, Tefnakht, reagrupa seus exércitos, apoderou-se de todo o Oeste
desde as terras baixas, chegando ao Sul, sem que as fortalezas reagissem em nome de
Piânki e montou cerco diante de Heracleópolis dominando-a completamente.
Piânk, instado pelos príncipes e os oficiais militares das cidades tomadas dos
nomos (estados) do Sul, toma consciência de que o faraó do delta se aproxima
perigosamente de Tebas e reage contra seu ex- vassalo, mandando atacar a cidade de
Hermópolis, cidade principal do nomo da Lebre ao sul do Oryx e do qual Nemrod é o
príncipe. Sua Majestade enviou (suas ordens) aos príncipes e aos comandantes dos
exércitos que estavam no Egito.
Acelerem a colocação em linha de combate, ataquem-na (Hermópolis) e
capturem seus habitantes, seu gado e seus barcos no rio. Não deixem os

camponeses irem ao campo, nem os lavradores lavrarem: cerquem as


fronteiras do nomo da Lebre e suas ordens foram cumpridas.

Como Piânki, que ficou em Napata ordenara, seus exércitos desceram o Nilo e

passaram por Tebas para receber a benção de Amon. Partindo para o Norte
ao encontro dos Egípcios, ultrapassaram a cidade rebelde de Hermópolis.

Logo o grosso dos exércitos núbios chegava a Heracleópolis aonde a batalha

44
ia-se desenrolar ao mesmo tempo em terra e na água. Encontraram, subindo a

corrente, numerosos barcos carregados de soldados, de marinheiros e de

comandantes. Todos esses homens bravos do norte estavam equipados com


armas de guerra para combater o exército de sua Majestade Piânki. Então

foram feito um grande massacre ente eles, cujo número era desconhecido. Os

barcos foram capturados e suas tropas conduzidas cativas até onde estava sua
Majestade. BRISSAUD, 1978, p: 148.

Comandados por Piânki, os Núbios vencem os Egípcios os quais fogem para as


terras do Norte, prosseguindo Piânki vence o príncipe Nemrod em Hermópolis, lhe
perdoa a infidelidade, mas toma seus tesouros e prossegue com seus exércitos a
caminho de Mênfis no Baixo Egito, onde Tefenakht, tenta resistir exortando sua
infantaria e marinheiros afirmando estarem à cidade abastecida de grãos, os celeiros
cheios, tem todas as armas de guerra e está fortificada por uma grande muralha. Em
seguida, Tefnakht parte para o Norte aonde vai se assegurar da cooperação dos
príncipes do Delta, e promete voltar em poucos dias.
No mesmo dia da partida de Tefmokht, os exércitos de Piânki chegam a Mênfis
desembarcam pelo lado norte e se apoderam do porto e de uma frota intacta. Diante
das altas muralhas banhadas pelas vagas do Nilo, encimada por fortes soldados, o rei
enfileirou seus navios juntamente com os que capturaram e através de seus mastros,
ordenou que suas tropas galgassem o cimo da muralha para combater os egípcios.
Dessa forma o exercito núbio invadiu a cidade massacrando seus defensores inclusive
iniciando uma pilhagem.
No dia seguinte, o rei Piânki tomou posse da cidade e restaurou a ordem.
Determinou a limpeza da cidade, a purificação por incenso e a proteção dos templos
com a reintegração dos sacerdotes em suas funções.Purificada a cidade, dirige-se ao
templo de Ptah para se fazer reconhecer Rei, pelos Deuses.
Depois de seus exércitos serem esmagado na cidade de Mesed, Tefnakht,
rende-se e promete fidelidade ao soberano Piânki o qual se tornou assim, soberano do
Egito, filho de Amon, designado pelos Deuses com autoridade para governar aquele
império das margens do Mediterrâneo até a sexta catarata.

45
Contudo, os egípcios do norte continuam suas divisões, após a morte de Piânki,
reina no Norte Bocchoris, filho de Ternakht, mas Shabaka sucessor de Piânki em 711
a.C. conquista o Egito como fizera seu pai, esfola e queima vivo a Bocchoris e se instala
em Tebas onde se proclama único faraó de Cuch e do Egito.
Embora com algum desagrado, os egípcios do norte, por se acharem diferentes,
pois tinham a tez mais clara, em virtude de sua miscigenação com povos do outro lado
do Mediterrâneo, submetem-se ao monarca Núbio, pois confiavam nos exércitos
núbios com seus grandes guerreiros, para resistirem a poderosa Assíria de Senaquerib,
o qual ameaçava dominar todo o Oriente inclusive o Egito.
Em 705 a.C., atendendo pedido do rei de Judá, Ezequias, o faraó Shabaka envia
um exército núbio, chefiado pelo seu irmão Taharqua em socorro a Jerusalém. Não
chega a se defrontar com os Assírios que fogem. O exército Sírio sofre baixa estimada
em 185 mil homens. Segundo a Bíblia, livro dos Reis XIX; versículo 35 é Javé quem
intervêm por intermédio do gládio de um Anjo.
Para Heródoto, o faraó do Egito antes de seus exércitos partirem ora a seu
Deus e esse lhe diz que nada aconteceria se enfrentasse os Assírios. A noite

uma onda de ratos dos campos se espalhou entre os Assírios roendo as

correias das armas e dos escudos, de forma que,no dia seguinte sem armas
nem defesas, os mesmos fugiram e pereceram em grande número. BRISSAUD:

1978. p. 170.

Segundo registros de Heródoto, o faraó núbio Shabataka, teve reinado piedoso


e tranqüilo, reinando de 701 a. 687 a.C.; sucede-o seu irmão Taharqua, 689 a 664 a.C.
Taharqua, inquieto com a potência Assíria, abandona Tebas e se instala em
Tânis, no delta, de onde se dedica a administrar seu vasto império que vai do
Mediterrâneo ao Sudão, além da sexta catarata, até Kosti no Nilo Branco e Semnar no
Nilo azul; Sucede-o Tanutamon.
Assurbanipal rei da Assíria invade o Egito, destrói e pilha Tebas. Tanutamon
foge para Napata, segundo registros do próprio Assurbanipal e alusão feita na Bíblia,
Livro de Naun (III, 8), descrevendo a queda de No-Amon, isto é, Tebas; a Capital;
terminando assim a XXV Dinastia e os faraós vindos da Núbia.

46
A dinastia núbia não influencia as crenças egípcias, os deuses núbios não se
misturam com o panteão egípcio. Amon com cabeça de carneiro em Napata é
representado antropomorfo em Tebas. Nos mesmos recintos acolhem-se capelas de
Ozires e de Amon e os sacerdotes tebanos invocam as tríades amonianas e ozirianas,
não aparece no período; falando como rivais, desenvolve-se, antes, uma divindade
solar comum “Amon-Rá-Montu”, são cultuados paralelamente.

Divinas Adoradoras
A função de Divina Adoradora surgiu no período agitado que precede a
instalação, no Egito da XXV dinastia. Consagrada ao culto de Amon, esposa do

Deus é forçada ao celibato, a Divina Adoradora é bem mais que uma princesa:
é uma verdadeira soberana espiritual. Representa sob a forma de esfinge real,

ela figura, depois de sua morte, entre os Deuses. Tem a realeza do Duplo País;

e seu trono deve ser honrado em todos os países. BRISSAUD;1978, p.190.

Jean Leclant descreve assim as representações dessas Divinas Adoradoras, que


se conservam muito femininas:
Estreitamente apertadas num vestido colante, que anima o contorno

arredondado de suas longas coxas, elas deixam irromper, acima de seu talhe
alto e delgado, a brusca plenitude de seus seios...

Ordinariamente, sua cabeça é coberta por uma grande touca, de várias


camadas de pregas, que encerra a pele de um abutre, cuja cabeça aponta para

frente. “A cabeça do pássaro é às vezes, substituída por uma uraeus, proteção

suprema. BRISSAUD,1978 p.191.

O Egito sob Psamético I, XXVI dinastia, restabelece sua autoridade, expulsa os


Assírios, retoma os antigos Deuses e cultos e tenta novamente englobar a Núbia o seu
império. Só em 594, 588 a.C., sob Psamético II os egípcios usando mercenários Gregos
Judeus e fenícios, derrotam os exércitos Cuchitas e passam a dominar até a terceira
catarata.
Após essa derrota dos exércitos cuchitas e da pilhagem do reino núbio, os
soberanos de Napata renunciaram, definitivamente a se expandir para o Norte.
Voltaram-se ao contrário para o Sul e logo, abandonando sua antiga capital, foram se

47
instalar em Méroe, entre a quinta e sexta catarata, não longe da atual Cartun. Aí
estabeleceu por numerosos séculos uma civilização original, se desvencilhando aos
poucos das influências egípcias as quais foram se diluindo aos poucos, nos legados
locais.

NÚBIA MERÓITCA
A data da transferência da capital núbia de Napata para Méroe, não é
conhecida, cogita-se, contudo tenha ocorrido no século IV a.C.
Segundo Bressaud (1978 p.206), arqueólogos como Reisner, pensam que desde
o reinado de Pânki, um ramo da família real se instalara em Méroe para governar os
territórios do sul. O primeiro rei enterrado em Méroe é em todo caso, Arakamani que
reinou na Núbia no fim do século IV.
Os historiadores antigos nos informam muito mal sobre o império meróitico e
sua civilização. Existe a maior dificuldade em fazer coincidir o que dizem com o que as
obras arqueológicas modernas nos ensinam. É o que ocorre com a civilização e
também com a história; e é necessário confessá-lo, a Núbia (Etiópia) que nos descreve
Estrabão em sua Géographie (livro XVII) parece muito pouco com a que nos deixaram
os testemunhos do solo.
Sabe-se que Persas e Romanos e Árabes dominaram o Egito e chegaram à
região Núbia até o início de nossa era. Contudo ainda que tenha durado um milênio, a
civilização meróitica, a história da Núbia nos fornece pouco material arqueológico, nem
mesmo sua língua é convenientemente decifrada.
Pesquisas estudos e sínteses prosseguem, com vários estudiosos da região,
podemos esperar daqui a mais alguns anos descobertas que permitam mostrar essa
civilização africana em todo seu esplendor.

BUSCANDO CONHECIMENTO
O continente africano constitui-se em um território de trinta mil quilômetros
quadrados, ou seja, três vezes o território da Europa; por outro lado, quanto a sua costa
os dados se invertem, seus vinte e oito mil e quinhentos quilômetros equivalem a um
terço da costa da Europa. Além de menor, na costa africana, são raros os golfos e baías
48
propícios a portos naturais e apenas um rio, o Nilo, navegável a partir do mar. Junte-se
a esses dados desfavoráveis o deserto do Saara que separa e dificulta a penetração ao
interior do continente, pois se estende do mar Vermelho no leste, o mediterrâneo ao
norte e chega no Oceano Atlântico a oeste na Mauritânia, dando forma ao que se
denominou África Subsaariana, a parte ao sul do deserto, também denominado África
Negra e ao Norte o Ocidente, Magreb em árabe.
Para os povos da África, não existia o africano, mas se identificavam por grupos,
tribos, costumes, muitas vezes, completamente distintos, por força de isolamentos e de
adaptação ao bioma, os quais mudavam drasticamente de uma região para outra e
interferiam até quanto á aparência anatômico do povo, formato do rosto, nariz,
estatura, casos especiais como os pigmeus, os bosquimanos ou boximane, inclusive a
cor da pele dos indivíduos, como ocorria com os povos do norte, “os berberes e
mouros”.
A ideia de africano é uma generalização imposta pelos europeus, na intenção de
considerá-los distintos da humanidade cristã europeia, para sem problema de
consciência explorá-los e escravizá-los, classificando-os como mais um animal da
África, pouco acima dos primatas, logo não fazendo parte dos filhos de Deus.
Com suporte, entre outras teses, os europeus se amparavam também na
declaração do filósofo Hegel, de que, “os povos negros são incapazes de se
desenvolver e receber uma educação”, e os consideravam e muitos ainda consideram,
como unidade pobre inculta e subumana.
Contudo, como não poderia deixar de ser, a África tinha história, alguns dos
Reinos com organização e hierarquia própria do continente, foram contatados pelos
europeus, como os Monomotapas, significando em Bantu, “Senhor das minas”, e que
conforme Philepe Aziz, em Os Impérios Negros da Idade Média.
Provavelmente foi criado no século VII, como indica a data no carbono 14 das
pérolas de vidro encontradas nas imponentes ruínas de Zimbábue, perto do

atual forte Vitória e que ocupam 30 hectares, abrangendo uma muralha, um


grande templo elítico de 88 metros de comprimento; decorado com asnas,

uma torre cônica e uma acrópole fortificada. Os objetos encontrados nas

ruínas atestam um importante comércio com os mercadores árabes. Porem

49
nada mais se sabe sobre a organização e a arte do Monomotapa. AZIS, 1978,

p: 317.

Além de importante período de história do povo núbio que já citamos, no


mesmo livro acima, de Philipe Aziz 1978, são relatadas histórias de outros impérios
negros da idade média e que desapareceram; mas que a moderna arqueologia e
paleontologia pesquisaram, buscaram decifrar e registrar, dando-nos a conhecer como:
a Civilização de Ifé e sua bela cultura, e que ainda transita entre o mito e a realidade; o
Império do Benim, de Gana, da Etiópia, do Mali, do Gao, ou Sonrai, do Bornu e o já
citado Monomotapa.
Essas são algumas das razões da pouca interação dos africanos com outros
povos por um longo período, mas que vai se modificar e se intensificar no século XIV,
com os portugueses e Espanhóis a princípio, quando buscavam descobrir novos
caminhos para chegar as Índias e suas especiarias, e conhecer outras regiões que lhes
dessem acesso a metais de que a Europa era carente para lastrear sua economia e
desenvolver o mercantilismo a seu favor.

50
UNIDADE 07. O MERCANTILISMO EUROPEU

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivos
Analisar o processo de transição do feudalismo para o mercantilismo.
Identificar as principais características que determinaram as relações entre os
europeus e os povos africanos no decorrer dos séculos XV e XVI.
Conhecer aspectos das sociedades dos povos africanos que estabeleceram
contatos com os países europeus no período analisado.

ESTUDANDO E REFLETINDO
O NASCIMENTO DO COMÉRCIO MUNDIAL E A ÁFRICA
Vamos ler um fragmento de “Breve História da África”, de Paulo G. F. Vicentini,
Luiz D. T. Ribeiro e Ana Lúcia D. Pereira.
Antes da chegada dos Europeus, a maior parte dos povos africanos estava
organizada em reinos independentes, mas não isolados do mundo exterior.

Antes da chegada dos traficantes europeus, os árabes já praticavam o

comércio negreiro, de ouro, ferro e marfim transportando-os para a Arábia e


para os mercados do mediterrâneo. Portanto antes das grandes navegações

europeias, o continente africano já era conhecido dos europeus, no comércio


do mediterrâneo, mas nunca se interessaram por conhecê-los diretamente.
Esse desinteresse possivelmente estava ligado a superstições religiosas, que

colocavam a África como território de monstros bestiais e animais fantásticos


Os primeiros contatos surgiram por intermédio dos muçulmanos, que

realizavam trocas de mercadorias e as revendiam aos europeus. O principal

elemento que possibilitou o início desse intercâmbio por parte dos


muçulmanos foi a descoberta de ouro em algumas regiões africanas já

conquistadas por eles, como o Sudão. Assim mais que uma aventura

expansionista, os motivos que trouxeram os europeus em direção à costa


africana foram resultante do desenvolvimento do poderio da civilização

islâmica no mediterrâneo, ou seja, no norte da África; nas regiões periféricas


do sul da Europa e em todo o Oriente Próximo.

VICENTINI, RIBEIRO, PEREIRA, 2007, p: 37

51
O crescimento da população europeia, a passagem do feudalismo para estados
absolutistas, a necessidade de mercados para trocas, o argumento religioso de
converter povos para o cristianismo, a sistematização da aquisição de tecnologias,
como o Astrolábio, a bússola e o conhecimento astronômico deu a Europa Meridional
e não ao mundo islâmico, a capitalização das habilidades e do conhecimento para
navegar em alto mar, buscando novos caminhos, alternativas, evitando os portos do
mediterrâneo, objeto de monopólio das cidades Italianas, principalmente Veneza.
Na Europa, após lenta saída do feudalismo, início da Idade Moderna, estados
absolutistas, a riqueza estava diretamente ligada a capacidade em acumular metais
preciosos. Nessa perspectiva, os monarcas adotaram política mercantilista
consubstanciada em uma série de medidas visando acumular ouro e prata para o
tesouro.
Embora cada Estado tivesse necessidades e possibilidades específicas para seus
interesses, algumas características tornadas leis são mais ou menos comum a quase
todos, ou seja:
1. Leis proibindo a exportação de ouro e prata.
2. Manutenção de uma balança comercial favorável.
3. Priorizar as exportações de produtos manufaturados por ter este maior
valor no comércio facilitava os monopólios dos mercados ou mercadorias,
aos burgueses ricos, ficando o estado com os tributos.
É nesse contexto político e econômico que Portugal se torna potência marítima,
comandados pelo Infante Don Henrique, terceiro filho de D. João I da Dinastia de Avis.
Em 1415, os portugueses As façanhas marítimas dos portugueses foram
cantadas em versos pelo poeta Fernando Pessoa,
chegam e conquistam a cidade de como se pode verificar abaixo.
MAR PORTUGUÊS
Ceuta, norte da África, próximo ao
Ó mar salgado, quanto do teu sal
estreito de Gibraltar. Com o São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
controle desse importante porto Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
de comércio, Portugal Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
sistematizou seus avanços pela Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
costa africana e em 1439, 19 anos Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
após conquista de Ceuta, os
Mas nele é que espelhou o céu.

52
portugueses ultrapassam o cabo do Bojador e passam 10 anos explorando a costa
Saariana; porém, Sagres, na Vila do Infante, continuava os preparativos para novas
tentativas de progressão no sentido de atingir as Índias contornando a costa africana.
Os capitães de D. Henrique atingem Serra Leoa e as Ilhas canárias em 1460, ano
em que falece o Infante, o empreendimento passa a ser financiado por empresários
privados.
Os portugueses prosseguem na tarefa exploratória do trecho de costa
conhecido, intensificam suas relações com a população nativa, e passam a
comercializar alem do ouro, escravos que a princípio se destinavam as terras do
Algarves, região meridional de Portugal ou para ilhas Atlânticas.

BUSCANDO CONHECIMENTO
ESTRATÉGIA DE CONTROLE DAS ROTAS
Em 1497, Vasco da Gama foi enviado a uma viagem de ida e volta à Índia.
Dirigiu-se direto ao sul da África, tendo desembarcado a norte do local aonde viria a
ser a cidade do Cabo. Saindo dali, ultrapassou o Cabo da Boa Esperança, continuou
pela costa oriental; passou por Moçambique, tocou Kilwa, Kisivane e Songo Mnara,
duas pequenas ilhas as quais, com Moçambique; do século IX ao XVI, associados a
Sofala, faziam trocas de ouro, ferro do Zimbábue, e escravos e marfim de toda a África
Oriental, por tecidos, porcelanas, jóias e especiarias da Ásia; porém enfrentou
hostilidade das populações locais influenciadas pelos muçulmanos. Pouco mais de um
ano após essa viagem, Vasco da Gama de volta a Lisboa, convence as autoridades a
desenvolver um poderio Naval no Oceano Indico e assim monopolizar o transporte de
mercadorias asiáticas, (muito solicitadas na Europa), através de navios portugueses que
contornariam as costas da África ida e volta.
A viagem seguinte de Vasco da Gama foi seguida pelo envio de armadas; a
primeira era comandada por Pedro Álvares Cabral, 1499/1501, a qual acabou chegando
ao Brasil antes de prosseguir até a Índia.
Em 1502, já estabelecido o Estado português da Índia, Vasco da Gama passou a
impor soberania aos principais portos da África Oriental a partir de Gõa, na costa do
mar da Arábia com base permanente. De Malaca ou Malásia, estabelecidas como
53
território português, entre 1511 a 1641, Vasco da Gama passou a controlar as principais
rotas marítimas.
Para os portugueses o comércio asiático era bem mais interessante, mas o
continente africano era estratégico para o controle marítimo e comercial; da África só
interessava aos portugueses o ouro e os escravos, logo sua atenção se fixava na Costa
do Ouro (atual Gana).
Nessa área, em função das divisões políticas, os portugueses conseguiram
penetrar e realizar acordos com os chefes locais, em troca de produtos

comerciais. Para os portugueses essa troca era extremamente vantajosas – os

lusos davam “presentes” em troca do atendimento a seus interesses. Para os


africanos essa relação significava uma espécie de pagamento de tributos. Os

portugueses tentaram, através da construção de fortes, manterem o

monopólio na região e realizaram, inclusive expedições punitivas contra


grupos que comercializavam com embarcações de outros países europeus.Em

1576, o rei Gã ordenou a destruição do forte português em Acra, pois


percebeu as desvantagens de ter súditos tão poderosos em seu território.

Entretanto de 1457 a 1578, os portugueses dominaram a região.

Durante os três séculos seguintes, portugueses, suecos, dinamarqueses


holandeses e alemães, controlaram várias partes da Costa do Ouro.

Na Costa dos escravos (atual Benin), como o nome sugere, os portugueses

tinham a principal fonte de fornecimento de escravos, tecidos e contas da


África Ocidental. “A região era importante produtora de tecidos e contas, mas

não tinha contato direto com outros povos africanos. VICENTINI, RIBEIRO,

PEREIRA, 2007, p:43.

Por mais de um século Portugal deteve o monopólio europeu do comércio


com a África tropical, mas já havia aguçado a cobiça das potências ocidentais da
Europa, França, Inglaterra, Holanda, Alemanha, cujas nações mais ricas, levavam
algumas vantagens, entre as quais, de serem mais populosas que Portugal. O sucesso
português mostrou à Europa que a África não era apenas fornecedora de ouro e
especiarias, ou oportunidade de expansão do cristianismo, pois além de escravos (sua
principal mercadoria de troca) para exploração das Américas, existiam outras
potencialidades.

54
Os portugueses, desde 1485, instalaram-se em ilhas do golfo da Guiné; ponto
ideal para abastecer navios a caminho da Europa e posteriormente para os que se
destinavam ou voltavam do Brasil. A área era colonizada por Judeus deportados, os
quais passaram a cultivar plantas tropicais, inclusive cana de açúcar. O cultivo exigia
abundante mão de obra, mas os escravos tornaram-se muito numerosos, ficando difícil
controlá-los.
Como o Brasil fazia concorrência na área, o centro de produção se transferiu
para aquela colônia e São Tomé de centro produtivo passou a entreposto de tráfego
de escravos.
Do lado Oriental da Costa africana, Portugal aliou-se ao Reino cristão da
Etiópia: conseguiu o controle das minas do império Monomotapa, significando em
Bantu, “Senhor das Minas”, na região sul do rio Zambeze até o Rio Limpopo, império
que floresceu do século VII ao XVIII. A princípio, houve certa resistência aos avanços
portugueses, mas diante dos perigos dos Otomanos que vinham do interior,
resolveram aceitar ajuda portuguesa, os quais treinaram soldados africanos no uso de
armas de fogo e na construção da Capital para o rei, que vivia se deslocando pelas
províncias do reino.
Várias tentativas dos portugueses de conquistar Monomotapa fracassaram
diante das desconfianças dos africanos e instigações dos muçulmanos.
Em 1564, aventureiros portugueses conseguiram alguns acordos, nos quais
estavam previstas concessões de terras e que lhes permitiram constituir pequenos
reinos.
Outro processo que auxiliou o reconhecimento da autoridade portuguesa foi a
prática de casamento com membros das principais famílias locais; expediente pelo qual
a população nativa, tornava-se partidária ou escrava dos chefes lusos. Por outro lado, o
fluxo do ouro para os portugueses estagnou, pois sofria a concorrência dos
muçulmanos, estes mais hábeis no comércio com os Bantos, e tinham motivos para
prejudicar as bases de comércio português, visto que estes, no seu processo de
expansão até a Índia destruíram os entrepostos costeiros dos muçulmanos.

55
Os portugueses foram expulsos em definitivo da região, no final do século
XVII, pelo imperador Monomotapa, auxiliado pelo novo reino da região, o Chamgamire,
atual Zimbábue.

56
UNIDADE 08. EUROPEUS E ÁRABES NO ÍNDICO E
PORTUGUESES EM DECLÍNIO

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivos
Analisar o processo que caracterizou a derrota dos portugueses na exploração
do monopólio do comércio na rota no Oceano Índico Oriental.
Identificar as principais ilhas que foram disputadas por ingleses e franceses,
para a exploração comercial, na Costa Oriental do Continente africano.

ESTUDANDO E REFLETINDO
As tentativas dos portugueses de reconhecimento e incorporação da África a
um sistema mundial de comércio, dominado pelos europeus ocidentais, levou a Europa
a controlar praticamente todo o continente.
Com a queda da Dinastia de Avis, resultante da derrota e morte do rei
português, (sem descendente direta); em Alcaces Quibir, em 1579, Portugal ficou
incorporado ao Reino de Espanha e Holandeses. Os descontentamentos deste último
povo, com seu rei Felipe II, transformou-se em rebelião, dentro da qual os holandeses
criaram as Companhias holandesas das Índias Orientais e Ocidentais
A União Ibérica (1580/1640) impôs sanções aos rebeldes, mas as Companhias
Holandesas, sabendo da maior fragilidade dos portugueses, no Oceano Índico do que
as dos espanhóis nas Américas e, considerando mais atrativo ainda o comércio de
especiarias no Oriente, já nas primeiras décadas do século XVII, aniquilaram o poderio
português no Oceano Índico. Na ocasião, os holandeses possuíam melhores barcos e
técnicas mais avançadas que as dos portugueses e navegavam, desde o Cabo da Boa
Esperança, direto às Índias Orientais. Através do estreito de Sonda, chegavam a Batávia
(atual Jacarta), a qual se tornou sede da Companhia e que inicialmente com Santa
Helena, no sul da África, se constituíam as duas bases que deveriam vigiar o acesso ao
Oceano Índico na rota do Oriente, excluindo os portugueses daquela rota.

57
Com a derrota frente às Companhias Holandesas, as Companhias Inglesas e
Francesas das Índias Ocidentais concentraram suas atividades no sub-Continente
Indiano e, para isso, criaram portos de apoio equivalentes a cidade do Cabo; nas ilhas,
Maurício Madagascar e Ca mores, tornando as bases portuguesa instaladas entre
Moçambique e Malaca, no Oceano Índico, sem qualquer importância.
As ilhas Mascarenhas, principalmente (Maurício, Reunião e Rodrigues), tornadas
colônias francesas no século XVIII, e ocupadas intensivamente por plantações de cana-
de-açúcar, levando ao aumento substancial do interesse dos Europeus, por mão de
obra escrava na costa Oriental africana e Madagascar a fonte de abastecimento mais
próxima. Porém os franceses foram constantemente combatidos pelo poderio naval
britânico, os quais no século XIX ocupam as ilhas Maurício e as tornam suas colônias.
Os muçulmanos, desde o ano 632, impunham seu poder no norte e Oeste da
África, onde se constituíram grande senhores e propagaram o islamismo. Nesse local,
por volta de 1500, começam a ser incomodados pelos portugueses. Em 1650, árabes
omaneses expulsaram os portugueses de Mascate, no estreito de Hormús, conquistou
Zanzibar potenciais entrepostos na Costa da África, com o aumento de seu poderio
naval no Oceano Índico ocidental, retomaram o comércio naquela área.
Os mesmos omaneses da faixa costeira improdutiva da Arábia, continuaram
pressionando e em 1698, apoderou-se do último bastião português da parte norte da
Costa Oriental africana. Os portugueses ficaram limitados ao litoral sul do Cabo
Delgado (norte de Moçambique) e ao curso inferior do rio Zambeze que nasce na
Zâmbia passa pela província angolana do Moxico, estabelece a fronteira entre a Zâmbia
e o Zimbábue e atravessa Moçambique de Oeste para Leste e deságua no Oceano
Indico num grande Delta.
Do século XVII até meados do século XIX, o comércio Europeu com a África
aumentou substancialmente, embora em parte como reforço dos interesses Europeu
nas colônias Americana, e mais ou menos restrito a Costa Ocidental da África, no
trecho compreendido entre o Senegal e o Congo.
Em 1640, quando os portugueses se livraram do domínio espanhol, voltaram a
intensificar suas atividades com as colônias. Expulsaram os holandeses do Brasil,
retomaram Angola e suas Ilhas no Golfo da Guiné e aumentaram substancialmente o

58
comércio negreiro no Atlântico sul, porém, os holandeses continuaram com suas
posições ao norte da Costa do ouro e Costa dos escravos, mas enfrentavam sérios
obstáculos com os governos mercantilistas da Inglaterra e da França, nada dispostos a
permitir relações dos seus colonos americanos com os holandeses para fornecimento
de escravos.
Como o comércio negreiro tinha como destino quase exclusivo as colônias dos
Europeus nas America, recrudesceram os desentendimentos entre França, Inglaterra
com os holandeses, terminando com a eliminação deste último desse tipo de comércio.
Por outro lado, os mercadores portugueses e brasileiros, reapareceram na cena
comercial, ao mesmo tempo em que os governos europeus da Suécia, Dinamarca e
Brandes burgo, juntaram-se a Ingleses e Franceses na aplicação do modelo holandês
na criação de Companhias nacionais para exercer o tráfego de escravos. A concorrência
se ampliou e não raras vezes as Companhias tiveram o apoio das marinhas nacionais.
Nessas condições, os franceses que em 1639 haviam se instalado em uma ilha
na foz do Senegal, passaram a dominar o trecho da Costa, entre o Senegal até a região
de Gâmbia. Os rios e as ilhas ao sul de Gâmbia eram exclusivos de domínio português,
já os Ingleses ficaram com a costa a partir de Serra Leoa até a ilha de Sherbo.
A costa da pimenta (atual Libéria) e a Costa do Marfim, foram de pouco
interesse para colonização permanente na época.
Ingleses Suecos, Dinamarqueses, Brandem burgueses e Holandeses, disputaram
a posse de fortes no mar, frente à Costa do Ouro, mas o domínio efetivo da região
acabou ficando com os Ingleses.
Como a prerrogativa de comerciar com os europeus era exclusiva dos governos
Africanos, e estes acostumados e bem preparados para exercê-lo, e como acreditavam
haver comércio para todos: geralmente concediam-no a qualquer europeu disposto a
reconhecer sua soberania e a pagar as taxas e direitos exigidos.
De parte dos europeus eram oferecidos, tecidos (às vezes asiáticos), no fim do
século XVII, já produzindo manufaturados, ofereciam Chumbo, pólvora, aguardente
Gim, Run, utensílios metálicos e outras quinquilharias, em troca de qualquer produto
africano que lhes ocasionassem grandes benefícios, mas a principal mercadoria eram os

59
escravos, os quais se destinavam as Américas para suprir carência de mão de obra
barata.

BUSCANDO CONHECIMENTO
Para aprofundar seu conhecimento sobre esse tema, leia atentamente o artigo
parcialmente transcrito a seguir:

OS PORTUGUESES E A ÁSIA MARÍTIMA, C. 1500 - C. 1640: CONTRIBUTO PARA


UMA LEITURA GLOBAL DA PRIMEIRA EXPANSÃO EUROPEIA NO ORIENTE. 1ª
PARTE: OS MARES DA ÁSIA NO INÍCIO DO SÉCULO XVI
Francisco Roque de Oliveira
Universidad Autónoma de Barcelona

Os Mares da Ásia no início do século XVI


(...)
Portos da Índia e Ceilão
Os portos do Ocidente indiano eram os maiores beneficiários do assentamento político
em curso no interior do subcontinente, reflexo a longo prazo das invasões turco-afegãs
da primeira metade do século XIV. Se os descendentes destes não haviam ainda
transposto o Hindu Kursh (Hindukoh) para ocuparem as planícies do Indostão, quase
todo o Norte estava em mãos muçulmanas e o momento era o de um reagrupamento
em sultanatos como os do Guzerate e Bengala, que desafiavam o poder de Deli. O
sultanato dos Bahmânidas, que existira no Norte do Decão entre meados do século XIV
e os fins do século XV, cuja matriz administrativa tinha sido a das instituições do
sultanato de Deli, de que fora progénie, e cujo acesso à costa oriental (à parte Norte do
Coromandel) fora sempre precário, desagregava-se em cinco sultanatos rivais entre si:
os de Bijapur (na posse do florescente porto de Goa) e Ahmadnagar a Oeste, Golconda
a Leste, Berar e Bidar no centro. Em conjunto, mantinham ainda uma guerra
prolongada com o Vijayanagar, o grande reino hindu da península, fundado como esse
sultanato original em meados do século XIV e com um poder que se estendia por todo
o interior do Decão a Sul do rio Krishna, para além do que conseguia exercer ao longo
60
da costa do Coromandel até ao Cabo Comorim e pela costa de Canará (Kanara, de Goa
a Mangalor). As dificuldades de uma ligação directa com o mar pelo Ocidente faziam
dele cliente certo dos mercados de cavalos persas e árabes dos portos do Oeste,
indispensáveis para a resistência às ofensivas constantes dos muçulmanos. Neste
quadro, apenas os reinos costeiros de Canará e do Malabar, a Sul de Goa, separados do
interior pela cordilheira dos Gates Ocidentais, ofereciam aos seus rajás hindus uma
independência relativa. Calecute representava aqui o porto mais importante.
No Guzerate, dominado pelo porto de Cambaia e pelos de Diu, Rander e Surrate
(Surat/Çurrate), a exportação principal representada pelos algodões indianos chegados
das cidades do interior tinha como destino os mercados do Mar Vermelho, do Golfo
Pérsico e Malaca. Era acompanhada da de trigo, de anil do próprio Guzerate e do ópio
vindo da Índia Central através do comércio terrestre, este destinado ao Malabar. O
trato atingia também os portos da costa ocidental de África, os da península malaia e
do Pegu, sendo na sua maior parte muçulmanos os armadores das rotas marítimas com
esta procedência, enquanto o comércio em terra era repartido pelos mercadores
residentes nos diversos portos, uns pertencentes às comunidades de vainas (tanto
hindus como jainas), outros às comunidades muçulmanas, se bem que o financiamento
do comércio organizado em todas estas cidades marítimas fosse maioritariamente
hindu.
Mais para Sul, o tráfego oceânico servia-se sobretudo dos cavalos que recebiam Chaul,
Dabhol, Goa, Bhatkal e Honavar e, em plena costa do Malabar, da oferta de pimenta e
gengibre de Cranganor, Cochim (que beneficiava do declínio desta última), Cananor,
Coulão (Kollam) e da preponderante Calecute, seguindo estas especiarias para os
mercados da Índia, da Pérsia e para os países sob domínio Otomano. O Malabar
constituía ainda escala da navegação que se dirigia do Mar Vermelho e do Golfo
Pérsico para Malaca, uma vez mais por via da estreita articulação que mantém com a
rede comercial guzerate. Tudo somado, resulta no grande entreposto comercial que
referimos e que o regime estacional assegura (toda a navegação encaminhada do
Médio Oriente para lá da costa ocidental da Índia é forçada a esperar aqui a estação
seguinte), onde se cruzam os produtos europeus e do Levante destinados à Insulíndia e
ao Extremo Oriente com o cravo, a noz-moscada, as sedas e as porcelanas com esta

61
origem e destinadas ao Próximo Oriente e ao Mediterrâneo. A par, processa-se
também o comércio de pequeno e médio curso que depois distribuía a partir destes
portos a canela, os elefantes e as pedras preciosas de Ceilão, o cairo das Maldivas e o
arroz do Canará e do Coromandel. À semelhança de muitas outras cidades da costa
ocidental, Cananor, Cochim e Coulão praticam ainda um significativo comércio de
cabotagem de bens alimentares e produtos locais de uso corrente.
Em Ceilão, povoado sobretudo por cingaleses budistas, a maior parcela do trato
oceânico faz-se a partir da costa Sudoeste, ou seja, das cidades marítimas situadas a
Sul de Colombo, que se integravam no reino de Kotte. No interior montanhoso
mantinha-se o reino de Cândi (Kandy), enquanto que o reino tâmil hindu de Jaffna, no
Norte da ilha, permanecia sob tutela política e cultural do Império de Vijayanagar. A
prosperidade da rede portuária do Sul conhece-se desde os primeiros tempos da era
cristã, se bem que a organização do respectivo trato tenha sofrido desde então uma
mudança estrutural que contribui para a aproximar da generalidade das demais
realidades do Índico: os mercadores locais foram-se tornando progressivamente
marginais, primeiro face ao predomínio dos árabes, e agora, quer diante da
concorrência guzerate, quer diante da talvez ainda mais importante concorrência dos
Mappilla do Malabar (os mouros indígenas) que os substituíam no trato local. De novo
favorecidos pelo regime de ventos, as correntes e os métodos de navegação, os portos
desse litoral Sudoeste ofereciam o indispensável ponto de apoio ao comércio entre as
duas metades do Índico, permitindo a aguada aos navios vindos da China, de Malaca
ou do Golfo de Bengala. No entanto, para Colombo e demais portos satélites
sobrepõe-se à importância deste o comércio com destino aos potentados económicos
do Índico ocidental: Adém, Ormuz, Cambaia e, sobretudo, os portos do Quêrala.
Daqui saía a canela para todo o Índico, em especial para o Mar Vermelho, o Golfo
Pérsico (muitas vezes com uma escala não despiciente no Guzerate, que serve para que
aqui cheguem também os elefantes, além de cocos e da areca) e o Malabar. Este
recebe grande parte das exportações da ilha — a referida canela, assim como as pedras
preciosas, elefantes (que, como os cavalos, Vijayanagar paga a qualquer preço) e o
peixe atingem Cananor, Calecute, Cochim e Coulão. Para o Coromandel, Pegu e
Marbatão envia-se areca. Através do Mar de Ceilão, entre o extremo Sudeste da Índia e

62
a fachada interior da ilha — entre os portos do Kaveri, Colombo e pequenos portos
como Manar, Kalpitiya, Puttalam, Chilaw e Negombo — desenvolve-se um importante
volume de trocas de pequeno curso, centrado no comércio de alimentos: o arroz e os
tecidos do Coromandel, os tecidos de Cambaia (maioritários em relação aos primeiros),
o arroz e o açúcar de Bengala são recebidos por essa via.
À parte estes fluxos, ocorre através das águas do Canal de Ceilão o trânsito que ficou
indiciado entre os portos do delta do Ganges, do Coromandel, da Costa da Pescaria e
os mercados do Malabar, constituído no essencial pelos mesmos produtos e a cujos
lucros a ilha não é insensível: o arroz de que o Quêrala necessita e que o Coromandel
favorece com baixos preços domina este tráfego, seguido da manteiga, das carnes e
ainda dos panos da mesma região; na volta, carrega-se a pimenta, assim como
mercadorias de Cambaia, os cavalos de Ormuz e da Arábia e produtos do Ocidente,
como o cobre, o azougue e o vermelhão; os escravos traficam-se do Coromandel em
direcção ao Quêrala quando sucedem maus anos agrícolas naquela costa. Por último,
outro, tal como muito deste comércio, está também disponível em pleno Mar do Ceilão
— em Kunjimedu, Kilakkarai, no delta do Tambraparni. Em Kunjimedu existe ainda
madeira e ferro, sendo certa a actividade da indústria metalúrgica na costa oposta, em
Jaffna. As pérolas pescam-se a pensar nos bons preços oferecidos no Malabar.
Coromandel, Bengala, Pegu e Sião
No Coromandel de c. 1500 Paleacate (Pulicate/Pulicat) era o porto mais importante,
impondo-se pelas relações comerciais que mantinha com Malaca, Pegu (a parte Sul da
actual Birmânia), Tanaçarim (Tenasserim) e outros portos do litoral do Golfo de
Bengala, para onde exportava, acima de qualquer outro produto, os tecidos de
algodão. Portos de menor importância, em especial aqueles localizados no delta do
reino Kaveri, a Sul, especializavam-se na exportação de arroz, areca e outros produtos
vegetais (menos significativa é aqui a exportação de manufactura têxtil) que integravam
o comércio costeiro de grande volume que acabamos de mencionar, pondo em
contacto os portos de Bengala, Orixá e Coromandel com os do Ceilão e a parte austral
da costa do Malabar. No Norte do Golfo de Bengala, as cidades portuárias de Satigão
(Satgaon) e Chatigão (Chittagong), que no início do século XVI regressam à soberania
do reino muçulmano de Bengala depois de, ao longo de um século, terem sido

63
sucessivamente ocupadas pelo reino birmano, budista, do Arracão (Arakan), anexadas
pelo sultão de Bengala e disputadas pelos rajás de Tripura (Tiperath), davam
continuidade a este registo de intercâmbio marítimo, atingindo os portos distribuidores
de arroz, benjoim e laca do Pegu e os da costa Norte da ilha de Samatra (Pedir e,
sobretudo, Pacém), exportadores de pimenta e seda bruta.
A Sul do reino budista do Pegu, no Sião ou reino de Ayudhya (Ayuthia/Aiutia), o
exercício do monopólio régio sobre o comércio internacional ditava o
desfavorecimento dos mercadores locais contra a prosperidade dos estrangeiros,
persas, quelins, bengalas, mouros e, sobretudo, chineses. Estado agrário produtor do
arroz que a posse da planície do Menão (Menan Chai Phya) assegura, exportava-o
desde logo para Malaca, participando ainda no tráfego que cruzava o Golfo de Bengala
por via das drogas da região e das sedas chinesas que passavam pelos seus portos. A
política expansionista que o leva a controlar o reino de Sukhotai, a Norte, a apoderar-
se de Angkor, a Leste, e a dominar, a Sul, diversos principados malaios, oferece-lhe
também o controlo de portos como Tanaçarim e Tavoy na costa Oeste da península
indochinesa, o primeiro dos quais situado nas proximidades de boa oferta de benjoim
e lenho aloés. Na ilha de Phuket extraía-se estanho, e as exportações somavam, para
além disso, pimenta de Quedá, marfim, couros de veado, fios e tecidos de ouro, lacre e
prata de Chiang Mai, rubis e outras pedras preciosas da Birmânia. Este tipo
característico de trato tinha como contrapartida importações de grandes quantidades
de tecidos de algodão indiano, musselinas, sândalo branco, vermelhão, especiarias e
demais mercadorias de luxo como as sedas e as porcelanas chinesas.
(...)

Samatra e Malaca
Na parte setentrional de Samatra, pequenos principados islamizados como Pedir,
Pacém (Pasai/Samuda-Pasai) ou Pirada faziam fortuna com a exportação da pimenta,
moeda de troca para o arroz de Bengala e do Pegu e para as sedas e porcelanas da
China que aí afluíam depois de escalarem Malaca (o sultanato do Achém/Aceh/Atjeh,
no topo Nordeste da ilha, beneficiava por enquanto mais das razias e da guerra de
corso com que vitimava Pedir). Esta produção própria — a que se junta o ouro,

64
estanho, ferro, algum cobre, salitre, enxofre, canela e a seda — seria em breve
procurada pelos muçulmanos, que tentarão contornar a vigilância e o bloqueio das
armadas portuguesas nas rotas tradicionais de escoamento para o Mar Vermelho
seguindo para o efeito rotas alternativas em direcção ao “Estreito de Meca” como a das
Maldivas, uma das poucas que lhes garante o abastecimento da especiaria a Veneza.
Nessa conjuntura de pleno século XVI, em que os percursos caravaneiros através da
península malaia ou o que atravessa o Estreito de Sunda depois de baixar a costa
ocidental de Samatra evitam Malaca, esta e Pacém vêem fugir-lhes a preponderância, o
que permite assistir a um processo de homogeneização relativa entre entrepostos
novos ou ressurgidos: Achém, Tanaçarim (na costa ocidental do Sião), Ayudhya, Patane,
Pahang, Joore e Bintão (Bintan), ambos no extremo da referida península. Antes disso,
porém, são a fundação e a liderança de Malaca como primeiro entreposto no comércio
entre o Índico ocidental e o Golfo de Bengala, por um lado, e entre o arquipélago da
Indonésia e o Mar da China, por outro, que contribuem para o progresso e a
redefinição dos papéis de Pedir ou Pacém, permitindo-lhes designadamente que, como
seus fornecedores de pimenta e arroz, adquiram uma importância relativa dentro do
conjunto.
Sobre a primazia comercial de Malaca na Ásia do Sudeste já se deixaram os elementos
essenciais. Homólogo de Ormuz como plataforma asiática para a recolha e a
distribuição de bens de luxo e como cidade desprovida de hinterland, o sultanato
regia-se como um mercado livre com uma economia monetária, o modelo que, mais
do que para qualquer outro local, se exportava daqui para o arquipélago indonésio,
onde os antigos reinos agrários medievais, de cultura hindu, dentro em breve dariam
lugar à ideologia islâmica — antes de todos, o Império de Mojopahit, que entre 1330 e
1400 influenciara grande parte do Arquipélago (ainda que controlo efectivo dentro
dessa área talvez até então apenas o exercesse sobre duas terças partes de Java,
Samatra, Madura e Bali), e que no presente recuara já para posições ao centro e a
Oriente de Java, sendo claro que não resistira ao ascendente de Mataram. Cedo
declarada vassalo do Celeste Império, o que lhe garantia independência face ao Sião, se
era obrigada a importar a quase totalidade dos bens de primeira necessidade, como o
arroz (visto afluir vindo do Sião, do Pegu e também descarregado de Java), Malaca

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retirava o seu poder do papel intermediário que exercia entre a Insulíndia produtora de
matérias-primas e de bens equatoriais, de um lado, e a Índia e a China, do outro,
produtores de sedas, algodões, cerâmicas e demais produtos fabricados. À parte o seu
pequeno território próprio, alargava-se como um império de reduzidas proporções,
controlando boa parte da península malaia e da costa de Samatra que tinha defronte. A
sua rede comercial estendia-se da China — mantendo um entreposto comercial na ilha
de Tumon — às Molucas, cobrindo, assim, toda a Ínsulíndia, ao mesmo tempo que se
prolongava para Oeste, em direcção aos portos de Cambaia, onde acertava os seus
interesses com o Mar Vermelho e o Golfo Pérsico.
Depois da dos guzerates do Coromandel, as comunidades estrangeiras residentes de
Malaca mostravam três outras colónias principais: a dos quelins ou tâmiles do
Coromandel, a dos javaneses (a comunidade mais numerosa, constituída por pequenos
comerciantes, artífices, vendedores ambulantes, pescadores, marinheiros, artilheiros,
fora os muitos que eram escravos do sultão ou criados de bordo), e a dos chineses.
Cada uma delas resguardava-se sob a autoridade de um xabandar (termo de origem
persa sinónimo de “chefe” ou de “rei do porto”, e que também passa ao malaio como
syahbandar), responsável pela recepção dos mercadores da sua nação ou de nação
vizinha e ainda com incumbências laterais de ordem militar.
O xabandar guzerate acolhia os mercadores vindos de além-Ceilão, especializando-se
esta comunidade no trato das drogas, especiarias e madeiras da Insulíndia com o
Próximo Oriente e o Egipto mameluco, de cuja escalas em Adém e Ormuz recebia o
ópio, águas de rosas, armas, tecidos de lã e tintas. O xabandar dos quelins estava
encarregue dos navios vindos de todos os limites do Golfo de Bengala, de Ceilão a
Malaca. Do Coromendel transportavam os algodões indianos que lhes serviam para
trocar pelas especiarias da Insulíndia. Quanto ao xabandar da colónia jau — dividida, na
prática, entre os originários do Leste de Java, por um lado, e os de Tubão (Tubon) e
Japará (Japara), de Sunda e do país Lampund, por outro, este por certo o grupo mais
próspero —, supervisionava todos os navios provenientes da Insulíndia, de Palimbão
(Palembang) às Molucas e a Manila, especializando-se a comunidade em causa no
comércio de arroz e outros víveres, que fazia com viagens de pequeno e médio curso.
O xabandar chinês exercia autoridade sobre os mercadores que vinham do Champá e

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de Cauchi (Cochinchina ou Tonquim/Tongking), das ilhas Léquias (escala nas viagens
para o Japão) e de Chinchéu (Zhangzhou, no Fujian). Para além destes quatro grupos,
notava-se ainda uma pequena e próspera comunidade de luções (tagalogs islamizados)
ligada ao comércio do Mar da China, um numeroso contingente de bengalas pobres,
alfaiates, pescadores ou operários, e um número apreciável de marinheiros pegus.
(…)

Fonte: disponível em http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-151.htm. Acesso em 15 de julho


de 2011.

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UNIDADE 09. A ESCRAVIDÃO NO MUNDO

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivos
Analisar o conceito de escravidão, bem como as características da escravidão no
continente africano.
Refletir, com base em elementos conceituais, sobre a produção de mercadorias
para o comércio com os europeus, após a proibição do tráfico de escravos.
Conhecer o processo ideológico que transforma a visão europeia a respeito da
África.

ESTUDANDO E REFLETINDO
É bom salientar que a escravidão, bem como o tráfego de escravos na África,
já existia antes da chegada dos europeus e abasteciam o mercado árabe, através de
rotas terrestres transsariana e eram comercializados no mediterrâneo.
A comunidade doméstica na África, de forma geral, tinha dois elementos
identificadores: de um lado o parente; de outro, o estranho. Os parentes eram homens
livres que nasceram e se desenvolveram conjuntamente e que estão inseridos na
sociedade como produtores e reprodutores; já os estranhos da comunidade doméstica
são aqueles que não se desenvolveram no meio social em que se encontram, dentro
dos laços sociais e econômicos que relacionam os homens livres. Assim sendo, na
economia doméstica, a escravidão apresenta-se como antítese das relações parentais,
só se podendo pensar em escravidão, como um modo de exploração a partir do
contato de diferentes civilizações.
A África era composta por civilizações variadas, pois não se tratava de um país,
mas de um grande continente, com áreas de boa terra, de terra ruim, florestas e
desertos, períodos chuvosos e secas prolongadas que forçavam deslocamentos para
sobrevivência e o confronto entre elas era quase natural.
Esse fenômeno ocorria, principalmente, na zona sahelo-sudanesa, na qual as
guerras entre os diferentes povos, muitas vezes, constituíam-se como a forma que os

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mesmos tinham para sobreviver. Nessas condições, formavam-se Estados Militares que
objetivavam principalmente a obtenção de escravos através das populações que
perdiam a guerra. Tais guerras de sobrevivência ganharam com o comércio e o tráfico
de escravos com os europeus uma dimensão inimaginável.
O negro se tornava escravo quando, depois de capturado, era inserido na
sociedade em seu estado de estranho, onde todas suas relações e laços de parentescos
estavam rompidos, caracterizando sua dessocialização. Quando se encontrava fora do
seu meio de origem, o cativo passava por uma “morte social”, como se tivesse sido
vencido e morto em combate. Em seguida, o cativo era renegado na sociedade
escravista sendo considerado um “não nascido”, perdendo todos os seus direitos.
É bom salientar que a escravidão não ocorreu somente na África; a Bíblia
menciona inúmeras, entre as quais, os quatrocentos anos dos Hebreus no Egito. O
império Romano os tinha; principalmente provindo dos povos que venciam nas guerras
de expansão do mesmo.
Na Europa do século VII ao X, deixa transparecer que os Wikings escravizaram
também europeus, ”História Medieval” (J. Heers: 1981. p.54), “Os piratas do norte, os
Wikings, estabeleceram algumas relações comerciais, mas estas seriam apenas os do
infeliz tráfego de escravos”.

BUSCANDO CONHECIMENTO
AS TRANSFORMAÇÕENS DE OBJETIVOS
De um início em que a África era pensada quase que exclusivamente como
ponto de referência e reabastecimento para se chegar as Índias, os europeus
descobriram e passaram a se interessar por mercadorias, principalmente escravos,
integrando aquele continente ao sistema de comércio mundial na era moderna.
Em decorrência disso houve mudanças nas relações sociais, política e
econômicas, gerando novos estados: N Gola, Benim e Ashantis, os quais
monopolizaram o comércio e mantiveram os europeus circunscritos ao litoral; mas eles
mesmos destroçaram reinos e tribos, em guerras de caça a escravos e ampliação de
suas terras, utilizando-os, posteriormente, com a proibição do tráfego de escravos, no
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sistema de produção de monoculturas, (plantation) característica do modelo americano
de cultura, para a qual faz-se necessário grandes latifúndios e mão de obra barata.
Com isso, aqueles Estados entraram no comércio legal de produtos como óleo
de palma, amendoim algodão e ouro, gerando riqueza para os governantes, seus
séquitos, funcionários, militares e comerciantes, o empobrecimento e escravidão da
maioria do povo, ao mesmo tempo em que provocaram profundas mudanças nas rotas
de comércio e de parceiros.
Por outro lado, a passagem do mercantilismo para o Capitalismo provocou
profundas mudanças no pólo central, a Europa, com as chamadas “revoluções
Burguesas”, revolução Inglesa e revolução Francesa.
Essas revoluções dentro do sistema, ou transição para o capitalismo, exigiram
transformações contraditórias em todos os parceiros do antigo regime, pegando-os em
fases e ritmos desiguais, causando mudanças e instabilidade em todo o planeta.

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UNIDADE 10. INGLESES NA ÁFRICA DO SUL

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivos
Analisar o processo de dominação que os Ingleses empreenderam na África do
Sul.
Identificar os interesses colonizadores que determinaram a intervenção dos
ingleses em território africano.

ESTUDANDO E REFLETINDO
A essa altura, durante a revolução francesa em 1795, a Inglaterra com o pretexto
de evitar que o sul da África caísse em mãos inimigas, anexou a colônia do Cabo,
fazendo-o formalmente em 1806.
Os ingleses, livres cambistas, pretendiam colonizar sem ocupação explicita do
território, e sim estabelecer alianças com os chefferies nativos, integrando a população
nativa, na economia colonial, chegando inclusive a introduzir um imposto em dinheiro
sobre cada choça e convertendo os chefes negros em administração monetarizada.
Os Boers, que viviam de uma agropecuária atrasada sentiram-se prejudicados,
sua produção não era competitiva e buscaram desarticular os Chefferies negros,
conservar o trabalho escravo e o apartheid. Pressionados, os Boers reagiram migrando
em suas carroças rumo ao planalto nordeste, pois desejavam fugir da autoridade
inglesa.
Buscando conquistar terras, derrotaram os Bantos, submetendo-os à escravidão.
Combateram também os Zulus (estes comandados pelo lendário Chaka) e se
estabeleceram em Natal, nas montanhas do dragão (Draknsbsergo) em 1839.
Em 1843, os ingleses os alcançaram e ocuparam a região. Nessa perseguição ao
nacionalismo africaaner, os ingleses chegaram ao estado livre de Orange, criado pelos
Boers e República do Transval, posterior, República Sul Africana, com legislação racista.
No contexto dessa guerra contra os Boers, em 1867, ano da construção do canal de
Suez, ocorreu a descoberta de diamantes e ouro em território dominado pelos Boers.

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Considerando, as dificuldades em vencer os nacionalistas Boers, e a África sendo
invadida por outras potências, os ingleses concluíram que não podiam se dar o luxo de
rivalidades internas.
Estabeleceu-se o domínio da África do Sul, formando a aliança do ouro com o
milho em 1910. O império Britânico ficou composto pelas províncias do Cabo e Natal,
(Ingleses), Orange e Transval (Boers) e em l948 se consagrou o apartheid (separação),
entre negros e brancos.
O fluxo de escravos de Madagascar do século, XVIII e XIX, foi substituído pela
migração indiana, para lavoura de cana e de africanos de Moçambique para as minas
do Transval.

OS BOERS
No Sul da África ocorreu algo inusitado, conforme ”Breve História da África”.
Leia, atentamente, o texto abaixo.
Em 1652, a Companhia Holandesa das Índias Orientais
hoje é a República da África do Sul, Os Khoi (chamados “Hotentotes”), eram

pastores e os Sans (pejorativamente chamados “Bosquimanos”), eram

caçadores, enquanto os Bantos eram agricultores e pastores seminômades.


Ao longo do século XVII, a burguesia compradora crescia e se antagonizavam

com os que se assentavam na agro-pecuária. A medida que os holandeses

iam ultrapassando os limites do porto do Cabo,dominavam as terras e


exploravam o trabalho dos Khoisans. Em meio a tranqüilidade do século XVIII,

foi se formando o grupo bôer (camponês em holandês). Esses movendo para

o interior com suas carroças e seus rebanhos, vão deixando de ser europeus e
passam a se considerar “africanos”, isto é a considerar a África sua terra.

Os colonos holandeses professavam um calvinismo radical e constituíam, na


Europa minoria religiosa. Posteriormente, a eles se juntaram no sul da África

os Huguenotes, calvinistas franceses perseguidos em sua terra natal. Ao virem

para a África rompiam com a metrópole e não se consideravam colonos dela.


No cabo lutavam contra o domínio da Companhia e contra a barbárie negra.

Tornaram-se afrikaaners e criaram a língua afrikaans derivada do idioma

holandês. Assim ao longo de um século e meio o entreposto do cabo foi se


tornando uma colônia de povoamento, que se expandia na busca de terra

para gado. Os pastores Khoi foram exterminados ou escravizados, enquanto


os caçadores Sans foram expulsos para o deserto ao norte.A Companhia

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proibiu a imigração, e os colonos buscavam mão-de–obra, forçando os

Koisans a trabalharem para eles. Os casamentos mistos eram proibidos, mas a

mestiçagem era imensa, gerando os (mestiços ou coloureds).


Assim, a raça vai se constituindo um critério de posição social em relação a

propriedade dos meios de produção (terras e rebanhos. Segundo Lefort, “a

escravidão, fruto da pobreza da colônia,vira sua causa”. Em fins do século


XVIII, a colônia evolui sem uma ordem, devido ao declínio da Holanda e à

falência da Companhia Holandesa das Índias Orientais, um quadro que seria


alterado pelas rivalidades europeias. VICENTINI, RIBEIRO, PEREIRA, 2007, p:61.

BUSCANDO CONHECIMENTO
Fonte: http://tropasdeelite.5gbfree.com/Boers.html

A defesa dos Boers


Quando em 1658, eclodiu uma guerra entre os colonos holandeses da Colônia
do Cabo e os Khoi Kho, para se protegerem os colonos determinaram que todos os
homens capazes fisicamente deviam ser recrutados. Após a conclusão desta guerra,
todos os homens da colônia eram responsáveis em prestar o serviço militar e estava
prevista uma mobilização de curto prazo. Este método de defesa não era uma ideia
nova, e foi utilizado com sucesso na Europa e América. Em 1700, o tamanho da colônia
aumentou imensamente e foi dividida em distritos.
A pequena guarnição militar estacionada em Castle de Goede Hoop não podia
ser acionada para reagir rapidamente nos distritos de fronteira, por isso um sistema de
commandos foi formalizado. Cada distrito tinha um Comandante que era responsável
em convocar todos os cidadãos em momentos de necessidade. Em 1795, com a
primeira ocupação britânica e novamente em 1806 com a segunda ocupação britânica,
os commandos foram chamados para defender a colônia do Cabo. Na Batalha de
Blaauwberg (06 de janeiro de 1806), o Commando Swellendam manteve as tropas
britânicas afastadas tempo suficiente para o resto do exército recuar para a segurança.
Durante a Grande Jornada, este sistema foi utilizado e permaneceu em uso nas
repúblicas Boer. Ambas as repúblicas emitiram leis de commando, fazendo com que o

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serviço de commando fosse obrigatório em tempos de necessidade para todos os
cidadãos do sexo masculino com idades entre 16 e 60. Durante a Segunda Guerra
Anglo-Boer (1899-1902) o Comando Boer formou a espinha dorsal das forças Boer. A
força de Boer é o exemplo clássico de um exército de cidadãos, porque praticamente
toda a população branca do sexo masculino das duas repúblicas, compreendida entre
os 16 e 60 se apresentou para o serviço militar não remunerado.
Pelo menos durante a Segunda Guerra Boer cada commando era anexado a
uma cidade, e era conhecida pelo nome desta mesma cidade (por exemplo,
Bloemfontein Commando). Cada cidade era responsável por um distrito, que por sua
vez era dividido em alas. Um comandante estava frente de cada commando cada
distrito tinha a liderança de um a veldkornet ou corneteiro de campo (o equivalente a
um alto NCO). Um Commando poderia consistir de dez ou dez mil homens e
equivaleria a um regimento britânico.
Os burgueses eram eleitos os oficiais, incluindo o Comandante-em-Chefe do
Transvaal. Quando mobilizado, um burguês tinha que estar preparado com o seu
cavalo, rifle e 50 (depois 30) cartuchos de munição e alimentos suficientes para durar
oito dias, após o qual o governo iria abastecê-lo.
Na verdade em meados do século XIX quase todas as cidades nas duas
repúblicas tinham um Commando e, uma vez que a guerra era iminente, outros,
incluindo os irlandeses, escandinavos, alemães e muitos outros formaram
commandos.
Commandos do Transvaal: Amesterdão; Bloemhof; Bethal; Boksburg, Carolina;
Christiana; Elandsfontein; Rio Elands; Ermelo; Fordsburg; Germiston; Heidelberg;
Jeppestown; Joanesburgo; Klerksdorp; Krugersdorp; Lichtenburg; Lydenburg; Marico,
Piet, Retief Middelburg; Potchefstroom; Pretória; Standerton; Rustenburg; Suazilândia;
Utrecht; Wakkerstroom; Vryheid; Waterberg; Zoutpansberg; Wolmaransstad;
Zwartruggens. Todas essas unidades foram sob o comando de Joubert PJ Comandante-
Geral.
Commandos do Estado Livre de Orange: Belém; Bethulie; Bloemfontein; Boshof;
Brandfort; Bothaville; rio Caledon; Edenburg; Fauresmith; Frankfort; Ficksburg;
Harrismith; Heilbron; Hoopstad; Jacobsdal; Ladybrand; Kroonstad; Lindley; Parys;

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Philippolis; Rouxville; Senekal; Smithfield; Nchu Thaba; Ventersburg; Vrede; Vredefort;
Wepener; Winsburg.
Comandos Estrangeiros: Americanos; Alemães, Franceses, Holandeses, Irlandeses,
Italianos; Escandinavos, Russos, Suíços.
Outras unidades: Boksburg Polícia; de Scouts Edward; de Scouts Fichardt; de Scouts
Hassell, Joanesburgo Polícia; de Scouts Jooste; de Scouts Kirsten; Pretoria Mounted
Rifles, Pretória Polícia; de Scouts Ricchiardi; de Scouts Runck; de Scouts Scheeper;
Suazilândia Polícia; de Scouts Theron, de Scouts Theunissen; Transvaal Polícia; Scouts
Von Goeben's; Zarps, Joanesburgo e Pretória Polícia; Staats Artillerie Artilharia e Estado
Transvaal.
O veldkornet era o responsável não apenas para convocar os cidadãos, mas
também para prover o policiamento, coleta de impostos, emissão de armas de fogo e
outros materiais em tempos de guerra. Teoricamente, um distrito era dividido em
corporalships. Um corporalship normalmente era composta por cerca de 20 homens.
Às vezes, famílias inteiras (pais, filhos, tios, primos) preenchiam um corporalship.
O veldkornet respondia ao Comandante, que por sua vez, era responsável
perante um general. Em teoria, um general era responsável por quatro commandos. Ele
por sua vez, estava subordinado ao comandante-em-chefe da República. No Transvaal,
o Comandamte-em-Chefe era chamado de Comandante-Geral e no Estado Livre de
Orange era chamada de Hoofdkommandant (Comandante-Chefe). O C-em-C era
subordinado ao presidente. No Transvaal, o C-em-Cele eleito para um período de cinco
anos por voto geral de todos os cidadãos, no Estado Livre de Orange, o presidente era
o chefe militar e só em caso de guerra um C-em-C era eleito. Havia seis níveis de
hierarquia, o Comandante-em-Chefe, Assistente Geral, General de Combate,
Comandante, Corneteiro de Campo e Assitente de Corneteiro de Campo.
Outros postos auxiliares foram criados em tempo de guerra, como o
vleiskorporaal, responsáveis pela emissão de rações. O commando era formado por
voluntários, todos os oficiais eram nomeados pelos membros do commando, e não
pelo governo. Isso deu a chance para alguns comandantes de aparecer, como o
General de la Koos Rey e o General CR de Wet, mas também tinha as suas
desvantagem de, por vezes, colocar comandantes ineptos responsáveis pelas tropas. A

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disciplina também era um problema, como não havia nenhuma maneira real de aplicá-
la.
Desde os primeiros dias dos comandos o governo provia as armas de fogo. Os
alistados eram obrigados a manter essas armas reparadas e prontas para uso a
qualquer momento. Na Segunda Guerra Anglo-Boer, a maioria dos boers usava o
moderno rifle Mauser. Antes da Guerra dos Bôeres, as duas repúblicas Boer já eram
dotadas de unidades permanentes de artilharia (por exemplo, o Staatsartillerie
Transvaalse), equipadas com canhões Krupp ou Creusot.
O Boer era por natureza um homem de família e tinha um intenso desagrado
por estar longe de casa e, se ele tinha que passar por qualquer período longo de
tempo, ele sempre levava parentes com ele. Foi isto o que exatamente a maioria deles
fez quando chamado para lutar levando seus filhos e, em alguns casos, netos.
Havia aproximadamente 15.140 commandos na fronteira de Natal, 4.140 a partir
do Estado Livre e 11.000 do Transvaal, incluindo baterias de artilharia. Nos primeiros
estágios do conflito, o commandos fizeram uso extensivo de transporte ferroviário, o
que lhes dava maior mobilidade. Uma vez que desembarcavam dos trens usavam
cavalos para adicionar velocidade aos seus movimentos. O Exército Britânico porém
continuava marchando com sua infantaria para a guerra a pé e usava suas ferrovias
basicamente para o transporte de equipamentos. Os comandos ainda tinha uma
impressora governamental e um hospital nos trens.

Primeira Guerra Boer - 16 de Dezembro de 1880 a 23 de Março de1881.


Em 1867, Lord Carnarvon, Secretário de Estado para as Colônias, propôs
convidar representantes das várias partes da África do Sul, para uma conferência em
que se estudaria a criação de uma federação de todas essas partes. A conferência,
realizada em Londres, em 1876, não atingiu seu objetivo. Lord Carnarvon decidiu então
tomar outro caminho e anexar o Transvaal. Deu ordem a Theophilus Shepstone, que foi
legado de Natal na conferência de Londres, para levar a cabo a anexação. Shepstone se
entendeu com Sir Bartle Frere, governador da Colônia do Cabo. Por sua posição, Frere
seria o chefe da missão.

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Shepstone, com uma pequena cavalaria, entrou no Transvaal e dirigiu-se a
Pretória, no dia 4 de janeiro de 1877. Conferenciou com a Assembléia do Transvaal
durante quatro meses e, no dia 12 de abril de 1877, proclamou a anexação do
Transvaal ao Império Britânico. Quando Shepstone anexou o Transvaal, o Vice-
Presidente desse país, Paul Kruger (eleito Presidente em 1881) foi um dos poucos que
protestou. Quando seu protesto não foi atendido, formou um triunvirato com Piet
Joubert e Marthinus Pretorius, com o expresso fim de resistir aos britânicos.
A primeira guerra bôer começou em 1880. Os bôeres sitiaram Pretória,
Potchefstroom e Lydenburg. Derrotaram os britânicos em Laing’s Nek e Manjuba. A
captura de Manjuba teve muita repercussão. Foi grande o entusiasmo no Estado Livre
de Orange e entre os “africânderes” que viviam na Colônia do Cabo.
Antes da Primeira Guerra Boer, o Exército britânico respirando ainda a
atmosfera vitoriana tinha se envolvido em muitas campanhas contra irregulares
coloniais que eram inferiores em armamento, organização e disciplina. A experiência de
Boer, portanto, veio como uma surpresa fatal para muitas unidades.
Na primeira Guerra Boer, os uniformes britânicos consistiam de uma
sobrecasaca de sarja, que era vermelha para a infantaria e engenheiros, verde-escuro
para os fuzileiros e azul para todos os outros. a calça azul escura era usada com um
debrum vermelho por baixo da costura para a infantaria e uma faixa larga vermelha
para a artilharia, com botas de couro preto. Os regimentos Highland usavam kilts de
tartan, em vez de calças. Assim sendo os uniformes britânicos contrastavam muito com
a paisagem africana, o que permitia aos Boers, facilmente identificá-los e atingir as
tropas britânicas à distância. Já os Boers estavam vestidos com as suas roupas civis de
trabalho, normalmente em tons escuros, que utilizavam nas suas fazendas, as quais
consistiam numa calça, jaqueta e chapéu.
Isso começou a mudar quando o 92º Highlanders chegou à África do Sul com
túnicas caqui, em vez das escarlate. Khaki foi finalmente aprovado em 1897, como
padrão para o serviço no exterior, de modo que o soldado britânico da Segunda
Guerra Boer, estava vestido de caqui.
Crescendo nas fazendas com um rifle sempre em suas mãos os boers eram
atiradores geralmente muito bons, com a capacidade de julgar a distância do alvo com

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precisão. Uma vez que o inimigo era localizado por esclarecedores eficientes, o
commando se aproximaria sorrateiramente, a fim de obter um bom campo de tiro.
Então os homens desmontavam de seus cavalos e abriam fogo individual.
Eles eram muito eficientes nas táticas essenciais de concentração de fogo e
velocidade de ataque. Seu sistema de comando incentivava a iniciativa e a
autoconfiança, que eram essenciais numa guerra irregular quando os homens estavam
muito dispersos e a comunicação entre as tropas era limitada. Embora os commandos
tivessem sucesso contra as tribos nativas dentro de suas fronteiras, eles foram
provados ao máximo em sua coragem nas guerras contra os ingleses.
Após a humilhante derrota, o governo inglês, cujo Primeiro Ministro era
Gladstone, optou pela negociação. Em 5 de abril de 1881, foi assinada a convenção de
Pretória. Por ela, a Grã-Bretanha reconhecia a independência do Transvaal. Por outro
lado, o Transvaal reconhecia a suserania da Grã-Bretanha, simbolizada por um
residente britânico em Pretória. Em fins de 1883, o Presidente Kruger viajou para
Londres a fim de negociar. Seu objetivo era a independência completa do Transvaal. Ele
conseguiu o que queria na Convenção de Londres, de 27 de fevereiro de 1887. Com
ela, eliminou-se a suserania e o residente retirou-se de Pretória.

Segunda Guerra Boer - de 11 de outubro de 1899 a 31 de maio de 1902.


Em 1887, prospectores descobriram o maior campo de ouro do mundo em
Witwatersrand ("The Rand"), com uma área de 60 milhas de leste para oeste a 30
milhas a sul de Pretória. Todo este potencial e beneficio pode ser entendido nas
palavras do Presidente do Transvaal Paul Kruger quando disse "Todo o regozijo que
vocês podem ter, com este ouro será porventura por ele que o nosso país será
mergulhado em sangue."
Com a descoberta do ouro no Transvaal, milhares de colonos britânicos
passaram a fronteira da Colônia do Cabo. A cidade de Johannesburg cresceu e ao pé
das minas os pobres uitlander, estrangeiro em afrikaans, fizeram crescer bairros
degradados. Havia pouca afinidade entre os dois grupos populacionais: o antigo e o
novo. O primeiro constituía-se de famílias grandes, tradicionais e religiosas; o outro de
jovens aventureiros, geralmente solteiros e sem religião. A sociedade bôer era agrária e

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quase autárquica. Os uitlanders vinculavam-se às minas e suas indústrias associadas.
Paul Kruger, antevendo que em um futuro próximo haveria mais uitlanders do que
bôeres, nunca lhes deu o direito de voto.
Os uitlanders rapidamente ultrapassaram em número os Boers no Rand, mas
permaneciam em minoria no Transvaal. Os Afrikaners, nervosos e receosos com a
presença dos uitlanders, negaram-lhe o direito de votar como visto acima e taxaram a
indústria do ouro pesadamente. Em resposta, os uitlanders pressionaram os
proprietários da minas para derrubarem o governo Boer. Em 1895 Cecil Rhodes apoiou
uma fracassada tentativa de golpe de estado apoiada por uma incursão armada, a
Jameson Raid.
O fracasso para ganhar direitos para bretões foi usado para justificar uma maior
concentração militar no Cabo, muitos líderes coloniais britânicos eram favoráveis à
anexação das repúblicas Boers. Esses líderes incluíam o Governador da Colônia do
Cabo Sir Alfred Milner, O Secretário Colonial Britânico Joseph Chamberlain e os
sindicatos dos proprietários das minas (golg bugs) tais como Alfred Beit, Barney
Barnato e Lionel Phillips. Confiantes de que os Boers seriam rapidamente derrotados,
tentaram assim precipitar a guerra.
O Presidente Marthinius Stevn do Estado Livre de Orange convidou Milner e
Kruger para uma conferência em Bloemfontein a qual começou a 30 de Maio de 1899,
mas as negociações falharam. Em Setembro de 1899 Chamberlain enviou um ultimato
exigindo direitos iguais para os residentes britânicos no Transvaal.
Kruger, tendo a certeza de que a guerra era inevitável, simultaneamente enviou o seu
próprio ultimato a Chamberlain. Dando 48 horas aos britânicos para retirarem as tropas
da fronteira do Transvaal, de outra maneira o Transvaal, aliava-se com o Estado de
Orange, e entraria em guerra contra os britânicos.
A guerra foi declarada em 12 de Outubro de 1899, e os Boers atacaram
primeiro invandindo a Colónia do Cabo e do Natal entre Outubro de 1899 e Janeiro de
1900. Isto foi seguido por algumas acções militares bem sucedidas contra o
inexperiente General Redvers Buller. Os Boers estavam prontos apara sitiar as cidade de
Ladysmith, Mafeking(defendidas pela tropas de Robert Baden Powell), e Kimberley.

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O cerco foi combatido por soldados e civis nas cidades de Mafeking, Ladysmith, and
Kimberley onde a comida começou a escassear em poucas semanas. Em Mafeking, Sol
Plaatje escreveu na altura,"Eu vi carne de cavalo pela primeira vez ser consumida por
humanos." As cidades sob cerco também eram bombardeadas por tiros constantes de
artilharia, fazendo das ruas um lugar perigoso. Perto do fim do cerco de Kimberley, era
esperado que os Boers intensificassem o seu bombardeamento, então a noticia levou
as pessoas das cidades para o interior das minas para se protegerem. As pessoas em
pânico refugiaram-se nas minas durante 12 horas. contudo o bombardeamento
esperado nunca chegou a acontecer, mas isto não fez diminuir a aflição dos civis.
A meio de Dezembro foi difícil para o exército britânico. No período que ficou
conhecido como Semana Negra (Black Week 10-15 de Dezembro de 1899), os
britânicos sofreram uma série de perdas devastadoras em Magersfontein, Stormberg, e
Colenso. Na Batalha de Stormberg em 10 de Dezembro, O General Sir William Gatacre,
que estava no comando de 3,000 tropas para derrotar as ofensivas Boer na Colônia do
Cabo, tentou recapturar a linha de caminho de ferro a cerca de 50 milhas a sul do Rio
Orange. Mas Gatacre escolheu assaltar as posições dos Boers do Estado de Orange no
qual ele perdeu 135 homens entre mortos e feridos, assim como dois canhões e 600
tropas capturadas, Na Batalha de Magersfontein a 11 Dezembro, 14.000 tropas
britânicas, sob o comando de Lord Methen, tentou lutar para socorrer Kimberly. Os
comandantes Boers, Koos de la Rey e Piet Cronie, elaboraram um plano para abrir
trincheiras num lugar não condicional para baralhar os britânicos e para dar aos seus
atiradores um grande alcxance de tiro. O seu plano funcionou. Os britânicos foram
derrotados, sofrendo 120 baixas mortais e 690 feridos, que pretendiam socorrer
Kimberley e Mafeking. Mas o auge da Semana Negra foi a Batalha de Colenso a 15 de
Dezembro onde 21.000 tropas britânicas, sob o comando de Redvers Buller, tentaram
atravessar o Rio Tugela para socorrer Ladysmith onde 8,000 Boers do Transvaal, sob o
comando de Louis Botha, os esperavam. Através da combinação da artilharia e tiro de
precisão, os Boers deitaram por tera as tentativas britânicas de atravessar o rio. Os
britânicos sofreram mais de 1,127 baixas, e durante a retirada, deixaram para trás 10
peças de artilharia que foram capturadas pelos Boers que depois da batalha apenas
tinham sofrido 40 baixas.

80
Os britânicos sofreram várias derrotas nas suas tentativas de ajudar Ladysmith
na Batalha de Spionkop em 19 a 24 de Janeiro de 1900 onde Redvers Bullers tentou
mais uma vez atravessar o Tugela a oeste de Colenso e foi derrotado outra vez por
Louis Botha depois de uma grande batalha da qual resultaram 1,000 baixas britânicas e
perto de 300 Boers. Buller atacao Botha outra vez em 5 de Fevereiro em Val Krantz e foi
novamente derrotado.
Os reforços chegaram em 14 de Fevereiro de 1900, as tropas comandadas por
Lord Roberts podiam agora lançar contra-ofensivas para ajudar as guarnições.
Kimberley foi alcançada em 15 de Fevereiro pela divisão de cavalaria do General John
French. Na Batalha de Paardeberg em 18-27 de Fevereiro de 1900 Lord Roberts
finalmente derrotou os Boers e forçou á rendição do General Piet Cronie onde ele e
4,000 dos seus homens foram capturados, o que permitiu enfraquecer a força Boer que
cercava Ladysmith e chegar aí no dia seguinte. A entrada em Mafeking em 18 de Maio
de 1900 provocou grandes celebrações em Inglaterra. Os Britânicos tinham avançado
no interior das duas repúblicas, capturando a capital do Estado Livre de Orange,
Bloemfontein em 13 de Março e a capital do Transvaal, Pretória em 5 de Junho.
Uma das grandes vantagens dos Boers era conseguir operar com uma pequena
força, que apesar do tamanho era fortemente armada e tinha um poder de fogo
considerável. Isto explica porque muitas vezes uma pequena força Boer derrotou tropas
britânicas bem maiores. A pequena força de Boers era capaz de direcionar um volume
de fogo sem igual contra o seu inimigo. Por quê? Por duas razões, primeiro, enquanto
as tropas britânicas estavam limitadas pela disciplina de fogo, os atiradores Boer
dispararam livremente. Em segundo lugar, os Boers carregavam seus cartuchos em
clips, um clipe de cinco balas podia ser inseridos rapidamente pela pressão do polegar.
O magazine dos rifles britânico tinha que ser carregado com um cartucho em um
tempo e os soldados levaram suas balas em bolsas de munição. Enquanto um soldado
britânico podia disparar cinco rodadas tão rápido como um Boer, o Boer podia disparar
cinqüenta tiros mais rápido que o soldado britânico por causa da velocidade em que
ele poderia recarregar. A superioridade do Mauser com seu disparo rápido fez uma
diferença decisiva no campo de batalha.

81
Na luta contra os Boers os britânicos ainda estavam presos a velhas formas de
combate em que os ataques seguiam formas rígidas mais adequadas a época das
Guerras Napoleônicas. Contra um inimigo entrincheirado cujas posições eram invisíveis
(devido ausência de fumo emitido pelos velhos fuzis), oculto (como no caso da batalha
de Magersfontein, onde Cronje usado trincheiras escondidas dizimou um avanço
britânico) ou altamente móvel, esta estratégia era completamente ineficaz. Os avanços
tecnológicos em fogo discutido anteriormente significava que era efetivamente
impossível quebrar uma linha estabelecida pelo assalto de infantaria em terreno aberto.
Os avanços britânicos contra as trincheiras dos Boers paravam entre 500 e 800 metros
do seu objetivo devido à precisão do de fogo dos rifles eficazmente dirigido contra
eles. Os Boers eram muito móveis, tomaram posições que lhe eram vantajosas para
futuros ataques, mas se ameaçados não hesitaram em abandoná-las, geralmente em
direção a um outro conjunto de defesas pré-preparados. Outra tática Boer era colocar
pedras brancas no terreno, para determinar as distâncias de tiro, ajustando assim o
fogo de sua artilharia e também dos seus rifles, aumentar a sua eficácia.
As forças de Boer estavam mais bem equipadas, além de serem lideradas por
homens de maior calibre e experiência comprovada, e melhor acostumados ao terreno
e clima africano, do que seus adversários.
Muitos observadores britânicos acreditavam que a guerra tinha acabado com a
conquista das duas capitais. Contudo, os Boers encontraram uma nova capital
Kroonstad, e planearam uma campanha de guerrilha para atingir os abastecimentos e
linhas de comunicação britânicas. O primeiro uso desta forma de guerra aconteceu em
Sanna Post em 31 de Março onde 1.500 Boers sob o comando de Christian De Wet
atacaram o sistema hidráulico de Bloemfontein a 23 milhas a leste da cidade, e
embuscaram um pesado comboio do qual resultaram a morte de 155 ingleses, 117
vagões e 428 tropas britânicas capturadas. Uma das últimas batalhas formais foi a
Batalha de Diamond Hill entre 11-12 de Junho, onde o Lord Roberts tentou guiar o
exército Boer até a uma pouca distância de Pretória.
Contudo Roberts levou os Boers para o monte, o comandante Boer Louis
Botha não olhou isso como uma derrota, e infligiu mais baixas entre os ingleses(162
homens) enquanto ele apenas sofria 50 perdas. Esta Batalha foi o ponto final formal

82
nas operações militares e o passo seguinte para uma nova fase da guerra.

Os Campos de Concentração
Estes campos eram para onde eram enviados os refugiados aos quais tinham
sido destruído na guerra as suas propriedades, e o termo "Campo de Concentração"
não tinha o significado maléfico, mas simplesmente era um campo de refugiados.
Contudo a nova política de Kitchener mais foram construídos e convertidos em prisões.
Esta nova ideia era essencialmente humana no seu planejamento em Londres mas veio-
se a provar brutal na sua implementação.
Existia um total de 45 campos com tendas construídas para internar os Boers e
64 para os negros africanos. Os campos dos Boers tinham de uma maneira geral
mulheres e crianças e cerca de 28,000 prisioneiros de guerra Boers, 25,630 foram
enviados para campos fora do país; mas os nativos africanos na sua maioria homens
ficaram. Então quando foram forçados a sair das áreas Boers, os negros africanos não
eram considerados hostis aos britânicos, e providenciavam força de trabalho
remunerada
As condições nos campos eram humilhantes e a comida em rações era escassa.
Mulheres e crianças lutam entre si para obter as pequenas rações. A pobre dieta e falta
de higiene deu origem a uma série de doenças contagiosas tais como sarampo, febre
tifóide e disenteria. A falta de cuidados médicos, levou a um grande número de mortes
-- um relatório realizado depois da guerra concluiu que 27,927 Boers e 14,154 negros
africanos tinham morrido de fome, e exposição ás doenças. Num total de cerca de 25%
dos prisioneiros Boers e 12 % de negros tinham morrido.
Uma delegada do Fundo das Mulheres e Crianças da África do Sul para a
Miséria, fez publicar a desgraça dos prisioneiros após o seu regresso a Grã-Bretanha
após ter visitado o Estado livre de Orange. O seu relatório de 15 páginas causou
impacto, e levou uma comissão governamental, a Comissão Fawcett a visitar os campo
entre Agosto e Dezembro de 1901, confirmando o seu relatório. Fizeram muitas
recomendações, por exemplo melhoramentos na dieta e nos cuidados médicos. Em
Fevereiro de 1902 a taxa anual de mortalidade baixou dos 6.9 % para 2%.

83
O Fim da Guerra
Mas com o peso de um grande império que contava com maciços recursos
econômicos e militares, era uma questão de tempo até que os Boers fossem dobrados
diante da pressão inimiga que era exercida sobre as duas repúblicas, e o resultado não
poderia ser qualquer outra coisa senão a vitória britânica.
No total, a guerra custou cerca de 75.000 vidas: 22.000 soldados britânicos
(7.792 baixas em combate, e o resto de doenças) e 6.000-7.000 soldados Boer, 20.000-
28.000 Civis Boers e talvez 20.000 nativos africanos. O fim da rendição Boer aconteceu
em Maio de 1902 e a guerra acabou com o Tratado de Vereeniging no mesmo mês.
Aos Boers foi dado £3,000,000 como compensação e a promessa de um eventual
governo, o estabelecimento da União da África do Sul em 1910. O tratado acabava com
a existência do Transvaal e do Orange como repúblicas Boers e colocou-as dentro do
Império Britânico. Os Boers referiam-se a estas duas guerras como Guerras de
Libertação. Durante o conflito, 78 Victory Cross (VC), a mais alta condecoração nas
forças armadas britânicas para bravura contra o inimigo, foi atribuída aos soldados
coloniais e britânicos.

Efeitos da Guerra na Política Doméstica Britânica


A guerra trouxe a luz os perigos da política britânica de "Isolamento
Esplêndido". As eleições gerais, também conhecidas como "Eleições Khaki", foram
ganhas pelo Primeiro Ministro, Lord Salisbury, por causa das recentes vitórias
britânicas. Houve muito entusiasmo ao ponto do povo das classes mais desfavorecidas
votarem no que resultou na vitória dos Conservadores para o governo.
Contudo, o apoio público tornou-se aparente depois de verificarem que a
guerra não seria fácil e que podia arrastar-se. Houve também uma condenação pública
pelo uso de tácticas de terror na guerra -- como, por exemplo, queimar as casas dos
Boers -- e as condições nos campos de concentração. Tornou-se evidente que havia
sérios problemas de saúde pública: mais de 40 % dos recrutas que podiam ir para o
serviço militar, sofriam de problemas médicos tais como raquitismo e outros problemas
de saúde. Isto se tornou com o passar do tempo para o aumento do estado da pobreza
na Grã-Bretanha.

84
O uso de trabalhadores chineses, conhecidos como Coolies, depois da guerra
para as novas colônias da coroa, Lord Alfred Milner, também causou muita celeuma no
Reino Unido. Os trabalhadores eram mantidos em condições degradantes, recebendo
somente um pequeno salário, e estavam proibidos de contactos sociais com a
população local -- isto levou ao choque da opinião pública como resultado dos atos
homossexuais entre eles visto estarem proibidos de usar os serviços das prostitutas.
Alguns acreditam que a escravatura chinesa pode ser vista como o clímax da antipatia
pública contra a guerra.
Muitos nacionalistas irlandeses simpatizavam com os Boers, viam neles um
povo oprimido pelo imperialismo britânico, muito parecido com o que acontecia com
eles. Pequenos grupos de voluntários irlandeses partiram para a África do Sul para
lutarem ao lado dos Boers -- isto apesar de fato de muitas tropas irlandesas lutarem ao
lado do exército britânico.
A segunda Guerra dos Bôeres também teve um grande impacto sobre as táticas
militares britânicas que antecederam a Primeira Guerra Mundial. A guerra tinha
mostrado que os rifles modernos e artilharia proporcionavam uma maior precisão,
alcance e atas taxas de fogo do já vistas antes. Isto levou à crença em uma zona de
fogo de maior profundidade, e da necessidade de formações que deviam ser mais
abertas. Uma das lições mais útil foi a necessidade de cobertura para os atacantes.
Durante a guerra na África do Sul, o terreno tinha sido limpo quando se procurou a
ofensiva, e o terreno acidentado para a defesa. A nova ênfase em campos de fogo
significou uma reversão na política. E, finalmente, depois os franceses e britânicos
começaram a considerar os ataques frontais como decisivos, dando-lhes sanção oficial
na regulamentação do serviço de campo de 1912. Isto marcou o maior desvio a partir
da experiência da Guerra dos Boers e os ataques de flanco de Lord Roberts.

Africanos no teatro de operações


Tanto Boers como britânicos acreditavam que essa devia ser uma "guerra do
homem branco", apesar disso os negros desempenharam um papel importante, e
também sofreram severamente. Desde o início, as forças britânicas e Boer empregaram
os negros em papéis não-combatentes. Cerca de 10.000 agterryers ("pós-riders"),

85
acompanharam os Boers para executar pequenas tarefas pequeno suporte. Um número
muito pequeno de forma oficiosa pegou em armas ao lado dos Boer.
No exército britânico, pelo menos 14 mil negros trabalharam nas operações de
transporte ferroviário. O Exército Britânico cada vez mais empregou negros em papéis
combatentes, como espiões, guias e finalmente soldados. Sob o comando de Kitchener,
eles estavam armados para autodefesa contra os Boers. Até o final da guerra, havia
provavelmente 30 mil homens negros armados no exército britânico. A guerra trouxe
muita devastação para as populações negras, que nada ganharam com este conflito.

Acontecimentos posteriores
Após a declaração de paz em 1902, os comandos boer foram dissolvidos. Em
1912, os comandos foram reformados e formaram a Active Citizen Force como parte da
Força de Defesa da União. Este sistema esteve em operação até 2005, quando todos os
comandos foram dissolvidos novamente.
Em 1910, os “africânderes” reconciliaram-se com os britânicos. Como resultado,
o Transvaal, Orange, Natal e a Colônia do Cabo passaram a integrar um Estado
unificado, a União Sul-Africana, que se vinculou à Commonwealth.
A guerra devastou os africânderes econômica e psicologicamente. Isso
contribuiu para a pobreza dos Boer e a urbanização acelerada. Não só a guerra,
destruiu as cidades e as fazendas dos Boer, como destruiu completamente o modo de
vida Boer. No decorrer do século 20, os africânderes assumiram o controle da política
da África do Sul, profundamente ressentidos pelo tratamento recebido dos britânicos e
se sentido isolados do mundo. Por isso eles buscaram se tornar independentes da
esfera de influência britânica. Existia na sociedade “africânderes” um forte sentimento
nacionalista e do "patriotismo da raça", associado a um profundo medo da maioria
negra, o que levou infelizmente a implantação de uma política de apartheid
(segregação racial). Com a formação da República da África do Sul em 1961, a Paz de
Vereeniging parecia ter sido vingada.

86
Figura 12- Bôeres
Fonte: http://tropasdeelite.5gbfree.com/Boers.html

87
UNIDADE 11. INVASÃO EUROPEIA E RESISTÊNCIA
AFRICANA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivos
Analisar as características dos impérios e reinos da África.
Refletir sobre os movimentos produzidos pelos povos africanos durante a
ocupação do seu território pelos europeus.
Reconhecer as formas de governo adotadas nas colônias africanas, bem como
as estratégias que foram implantadas para obrigar os africanos a entrar no mercado de
trabalho.

ESTUDANDO E REFLETINDO
É bom lembrar que os africanos já passavam por transformações, antes das
invasões dos europeus e, nesse processo, foram formados novos grandes conjuntos
supra-tribais. As pequenas unidades políticas tornavam-se escassas à medida que
passavam a compor novos reinos ou impérios, entre os quais destacamos: os Ashantis e
Dogomba, na Costa do ouro, na região da Guiné, os reinos Futa e Tucolor, no Alto
Voga, os reinos Ugandú e o Iatenga, na Costa do Benin os Daomé e Ioruba, na Bacia
do Zaire os reinos Kuba, e Luba, no Sul da África os Zullu (“o céu”), este, formado pela
integração dos povos Limpopo e Zambeze. Essas instituições não eram constituídas
nos moldes europeus, mas distinguimo-las nas estruturas seguintes:
· Os reinos, administrativamente, eram bastante centralizados no líder, não
possuíam colônias e raramente possuíam exército permanente.
· Os impérios possuíam estrutura administrativa e militar, com ministros e noção
de soberania.
· O território era composto de províncias e postos avançados ou vassalos; reinos
ou colônias.
As denominações atuais não correspondem aos territórios das entidades
nominadas, tendo em vista que os europeus os dividiram em linhas mais ou menos
88
retas, sem considerar geografia, etnias, tribos ou costumes. Os conceitos construídos a
partir da história da Europa, não se aplicam aqui, principalmente, porque os territórios
não eram claramente delimitados, suas fronteiras não eram nítidas.
Os teóricos e os capitalistas europeus orientavam a forma de explorar
economicamente o continente, adaptando-o à nova divisão de trabalho capitalista, no
sentido de região periférica subordinada a seus interesses de acumulação de riquezas,
com extração de minérios, matérias prima e gêneros tropicais monopolizados e
gerados com baixo custo.
As potências europeias, diante da resistência dos impérios africanos, partiram
para a guerra de conquista territorial. A resistência foi sendo vencida, dada a
superioridade em armas, logística e a não articulação entre os vários reinos; porém
jamais ficaram passivos frente à ocupação europeia. São provas de resistência a
ocupação a Chimurenga na Matabelândia e na Mashonolândia, em 1896; a revolta da
palhota na Serra Leoa, em 1898, o levante dos Maji-Maji na África Oriental em 1905/07,
entre inúmeros outros exemplos de reação e oposição dos africanos a exploração
colonial.

BUSCANDO CONHECIMENTO
TRANSFORMANDO A SOCIEDADE AFRICANA
A ocupação dos territórios visando a sua exploração implicava introduzir
profundas modificações no modo de vida das sociedades africanas. Duas, em especial,
causaram enorme impacto: a expropriação das terras e a imposição forçada do
trabalho.
Essas modificações eram condições para que as principais atividades
econômicas e investimentos dos europeus se tornassem viáveis; ou seja, elas
viabilizariam os investimentos na agricultura, na mineração e na criação de estradas,
garantindo o retorno do capital investido, principalmente as ferrovias, não só
representavam um investimento de prestação de serviços, mas tinham a função
estratégica de garantir o escoamento da produção.
Preocupados em aumentar a quantidade de produtos nativos colocados à
venda nos portos; lançaram mão da simples requisição mediante coação. O sistema
89
funcionava da seguinte maneira: era estabelecida uma cota do produto a ser fornecido
pelas aldeias, caso contrário sofreriam ações punitivas (execuções, mutilações punitivas,
sequestros ou violação das mulheres).
Como a agricultura intensiva depende da propriedade da terra, esta foi retirada
dos nativos e transferida para os colonos e empresas que exploravam o continente.
Exemplificando, no Congo Belga, um decreto de 1889 considerava todas as
terras “vagas” como propriedade do Estado. O decreto representou uma gigantesca
expropriação das terras dos nativos, dado que dos 2.450.000 quilômetros quadrados
existentes na colônia, 2.430.000 passaram para o domínio do estado e das empresas
contempladas com a distribuição do território. O mesmo ocorreu em 1901, nas
colônias portuguesas, pois as terras “vagas” passaram ao poder do estado. Em
praticamente todo o continente a prática foi implementada e, posteriormente, as terras
transferidas às companhias e empresas para exploração. Dessa forma, os colonos e
colonizadores tomavam para si as terras que, até então, pertenciam aos africanos em
comum e que lhes garantiam seu sustento e modo de vida.
Restava ainda resolver o problema da mão de obra, ou seja, criar condições tais
que transformassem os nativos em trabalhadores. Com o objetivo de recrutar e manter
a mão-de-obra nos locais de trabalho, diferentes estratégias foram implementadas nas
colônias. Entre elas podemos destacar o trabalho forçado, “contratado”; o ”voluntário”,
obrigatório e compulsório. Apesar de não serem chamadas sempre de escravidão,
todas essas formas de trabalho têm um componente obrigatório e compulsório. Nas
colônias portuguesas, contava-se a história de uma correspondência de uma
administração para outra, na qual informava que estava enviando “50 voluntários todos
devidamente algemados”.
Os trabalhadores presos, por não pagarem impostos, ou por delitos menores,
eram fornecidos às empresas mediante contrato com as autoridades, nisto consistia o
trabalho contratado. Havia também a obrigatoriedade de prestar serviços por um
tempo determinado de 15 a 40 dias.
Nessas condições, os africanos, além de perder as terras, foram submetidos a
impostos monetários para financiar o custo da colônia e para que fossem obrigados
ao trabalho assalariado. Os impostos devidos, variando conforme a região e o

90
colonizador eram a captação pessoal para adultos do sexo masculino e o imposto
sobre a residência (palhota), que aumentava conforme o número de peças que a casa
possuía. Como os africanos eram submetidos a legislação administrativa, a
inadimplência podia acarretar trabalhos forçados.
Para explorar a mão-de-obra africana, outras formas, unificadas sob o nome de
trabalho obrigatório, eram utilizadas, a partir de convocação para trabalhar em serviços
de interesse da colônia; enquadrando nessas condições, serviços de construção de
portos, de estradas (rodovias ou ferrovias), ou de habitação para os funcionários.
Decorrente dessa exploração desmedida e pela redução da alimentação e
empobrecimento dietético, difundiram-se doenças, antes restritas territorialmente
(doença do sono e malária) os quais tomavam caráter epidêmico.

91
UNIDADE 12. JUSTIFICANDO A DOMINAÇÃO

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivos
Conhecer as abordagens ideológicas criadas para justificar a exploração do
continente africano: Pragmático-utilitarista; racistas; sociais darwinistas ou filantrópicas.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Para justificar a conquista e a exploração do continente, os colonialistas criaram
ideologias com variadas formas ou teses: Pragmático-utilitarista; racistas; sociais
darwinistas ou filantrópicas.
Os pragmáticos utilitaristas justificavam a dominação pelos benefícios que
trariam para as economias metropolitanas, além da criação e acesso assegurado, a
mercados de matérias-primas e de trabalho, fundamentais para a sobrevivência e
expansão da sociedade capitalista.
Os racistas defendiam a existência de diferenças naturais e hierárquicas entre as
capacidades das raças, logo, natural e lógica as raças superiores se beneficiarem e
explorarem as raças inferiores. Estes incorporavam a doutrina do “destino manifesto e
do fardo do homem branco”, um princípio de revelação Divina e de dever de conquista
e domínio, como destino pré-determinado e irrevogável.
Os sociais darwinistas levavam para as relações humanas e sociais, os princípios
da luta pela sobrevivência das espécies, logo, a dominação dos mais fracos pelos mais
fortes, transferindo para a sociedade humana, relações da natureza. Esta visão se
justificava como científica.
As doutrinas filantrópicas justificavam a dominação na necessidade de
promover a civilização, educar e eliminar os costumes bárbaros que caracterizavam as
sociedades africanas.
Materialistas ou idealistas, na prática das ideologias, combinavam entre si, de
acordo com as circunstâncias, mas na realidade a base era material, tiravam proveito de
sua superioridade tecnológica desenvolvida no Capitalismo que na Europa tinha

92
atingido a maturidade, derivando daí seu julgamento, etno-eurocêntrico, e deste as
justificativas para seus direitos.
Do ponto de vista formal eram duas as formas de governo: a colônia e o
protetorado.
No sistema de colônia, a população autóctone era administrada diretamente
pelo império europeu, através seus representantes; estruturação e reestruturação
territoriais eram realizadas como bem entendessem os colonizadores. Leis ou regras
eram estabelecidas, inclusive a posição das pessoas na sociedade colonial, a partir da
corte europeia e o descumprimento, punido conforme o estipulado, podendo chegar
de mutilação e até a morte.
As autoridades da metrópole exerciam o controle delegando poderes
discricionários a seus representantes e por forças militares e policiais das colônias, onde
os Oficiais eram europeus. Com o cuidado de recrutá-los de etnias diferente as da
região, formada por escravos ou ex-escravos.
O protetorado, (região ou reino protegido pela metrópole) ocorriam através de
acordos formais com os estados africanos já existentes. A lógica era dar a impressão
aos colonizados de que mantinham sua soberania, pois podiam expandir conquistando
territórios e estavam obrigados a impedir a conquista, quando ameaçado por outra
potência europeia.
O controle efetivo era feito através de conselheiros residentes, atuando nas
instituições nativas, na realidade funcionavam como verdadeiros governantes. A
soberania nas relações diplomáticas, já era transferida para a metrópole quando da
assinatura do acordo de protetorado, ocasião em que também se extinguia as forças
militares própria das colônias.
A realidade era a dominação; essa aparente situação idílica dependia da
subordinação e adequação da área aos desígnios do domínio europeu, ou seja,
mudavam as formas ou aparências de ocupação, mas os objetivos permaneciam:
implantar economia de mercado, a propriedade privada, a exploração dos recursos
naturais da região, em proveito dos colonizadores.

BUSCANDO CONHECIMENTO
93
Imperialismo na África
Por Antonio Gasparetto Junior

O Imperialismo na África determinou a repartição do continente entre as


potências europeias do final do século XIX e início do século XX. Durante vários séculos
o continente foi explorado por colonizadores estrangeiros e até hoje sofre as
consequências das intervenções de outrora.

Imperialismo na África. Ilustração: Edward Linley Sambourne (1844–1910) / Gutenberg.org

[domínio público]

O primeiro momento de conquista do território africano na modernidade


aconteceu com o avanço das grandes navegações. Inicialmente, Portugal e
Espanha foram os colonizadores da África entre os séculos XV e XVII. Esta primeira fase
é conhecida como Colonialismo.
Até o século XIX a intervenção europeia esteve presente apenas no litoral do
continente africano, com uma exploração especialmente marcada pelo trafico
94
negreiro que acontecia no Oceano Atlântico. Mas com a ascensão de outras potências
europeias acirrou a corrida pelo domínio do continente e ampliou a exploração,
adentrando no território.
A entrada de novos países europeus no cenário de dominação do continente
africano causou uma imensa fragmentação das comunidades e das culturas nativas, a
exploração passou a ser guiada pelos interesses ligados às riquezas naturais – como
ouro, cobre e diamantes – e pelas estratégicas regiões localizadas próximas ao Mar
Mediterrâneo visando os privilégios no comércio marítimo.
O primeiro país europeu, após Portugal e Espanha, a invadir o continente
africano foi a França, que desenvolveu sua conquista imperialista entre 1830 e 1857
na Argélia. Era apenas o começo de uma nova fase de exploração intensa da África. Os
franceses prosseguiram a conquista estabelecendo-se na Tunísia, na África Ocidental e
na África Equatorial, sendo que o domínio se expandiu ainda até regiões
como Madagascar e Marrocos.
Em seguida aos franceses vieram os ingleses, os quais promoveram a conquista
imperialista no Egito e o domínio do Canal de Suez. Os alemães vieram em seguida
conquistando a África Oriental e Camarões, Togo e Namíbia, estes na parte ocidental
do continente. Já atrasados, chegaram os italianos promovendo o domínio na Líbia,
na Eritréia e na Somália.
Os povos europeus tinham grande supremacia no processo de conquista
imperialista no continente africano. A capacidade de tais países, pelo crescimento
conquistado ao longo dos séculos com base na exploração, era inegável e oferecia
condições de enfrentamento com grande poderio. As comunidades africanas, contudo,
não deixaram de enfrentar os europeus, é bem verdade que a derrota era quase
inevitável, mas o processo de dominação imperialista na África não foi tão fácil quanto
se pode parecer.
Já entre os países europeus, as disputas por territórios imperialistas no
continente africano, onde se pudesse explorar as riquezas e estabelecer a influência
ideológica, também foram motivo de atritos. As tensões entre as novas potências
europeias foram crescendo gradativamente, em simultaneidade com a intensificação
do processo de dominação. O ambiente se tornou tão instável que a corrida pela

95
conquista do continente africano e também do asiático foi um dos motivos para a
eclosão da Primeira Grande Guerra Mundial em 1914.

Disponível em: http://www.infoescola.com/historia/imperialismo-na-africa/

96
UNIDADE 13. CONSTRUÇÃO DE INFRAESTRUTURA:
EDUCAÇÃO E SAÚDE

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivos
Identificar o processo de construção de infraestrutura nas colônias africanas e
comparar com os benefícios que esses empreendimentos promoveram para a
população.
Relacionar as consequências que a exploração do trabalhador africano
desencadeou.

ESTUDANDO E REFLETINDO
A conquista e exploração do território africano iniciaram-se através das bacias
dos rios, derrubando matas com empresas instalando as plantation (grandes
monoculturas), usando quase que exclusivamente os rios como estradas.
Ocupadas essas regiões, a conquista toma o caminho do interior dos territórios
e, em decorrência, acrescida da mineração, das jazidas, objeto de concepções da
metrópole com compromisso de favorecê-las, vem a necessidade de outros meios de
transporte.
Para escoar a produção, essas empresas e colonos contavam com a construção
de ferrovias, portos e estradas, os quais, embora também propriedades de empresas
metropolitanas de exploração de serviços, foram construídas, usando o trabalho
obrigatório, não remunerado dos africanos, deslocados de várias regiões, minimizando
os custos desses empreendimentos.
Às margens das ferrovias, nos entroncamentos e portos, foram surgindo
cidades, beneficiando proprietários de terras e incorporando populações dispersas.
Essas novas atividades modernas expandiam o campo de trabalho assalariado
especializados, obrigando o colonizador a estendê-los aos jovens africanos. Com o
aumento de renda de operários especializados e o crescimento das cidades, surgiu o

97
comércio varejista, a serviço de concessionárias ou por conta própria, resultando, em
uma nova classe social, a burguesia nativa.
A crescente complexidade da economia exigia pessoas melhor preparadas, logo
a necessidade de um sistema educativo de formação geral e técnica.
Esta formação privilegiava poucos jovens e os primeiros o fizeram na metrópole,
que posteriormente os implantariam na colônia. Estes jovens viriam a se constituir
numa nova elite, os quais conhecendo das metrópoles, os modernos sistemas de
autogoverno, formaram os movimentos nacionalistas, com vistas a se autogovernarem.
Nessa progressão, foram formados operários, técnicos, militares e professores,
os quais, junto aos religiosos nativos, educados para essa sociedade moderna –
formaram uma nova elite, onde a capacidade e o mérito contavam.
Porém, o longo tempo em que os africanos foram deslocados de suas áreas,
explorados, ou submetidos a trabalhos extenuantes, os enfraqueceram, possibilitando o
aparecimento de doenças, males crônicos, que lhes reduzia a capacidade de trabalho,
baixando a produtividade.
A situação punha em perigo a colônia, tornava-a incapaz de cumprir sua função
de fornecedora de utilidades e de se constituírem em mercado para o consumo de
produtos industrializados das metrópoles e até de fornecer soldados para seus
exércitos. Para mudar esse quadro, passaram a implantar o saneamento básico, redes
de atendimento médico aos africanos e determinaram-se pesquisas das doenças
tropicais e produção de vacinas.
O governo assumiu, através de missionários ou diretamente, o atendimento, por
meio de dispensários, formação de auxiliares de enfermagens e vacinação geral.
Essas modernizações provindas da construção de infrainstrutoras, educação e
atendimento a saúde, não provinham de sentimentos humanitários, dos colonizadores,
e sim da necessidade que tem o Capitalismo internacional de transformar os
trabalhadores livres em assalariados disciplinados, para produzir mercadorias nas
indústrias, proletarizar o campesinato autônomo e criar mercados de consumo.
No início do século XX, os impérios europeus na África, eram os seguintes:
Britânico: 9 milhões Km2: 30 vezes maior que a metrópole. Aproximadamente 50
milhões hab.

98
Francês: 9 milhões Km2 - 17 vezes maior que a metrópole. Aproximadamente 40
milhões hab.
Alemão: quase 3 milhões Km2 - 5 vezes maior que a metrópole. Aproximadamente 10
a 15 milhões de hab.
Italiano: 1,6 milhões Km2 - 5,3 vezes maior que a metrópole. Aproximadamente
1,3milhões hab.
Belga: 2,3 milhões Km2 - 100 vezes maior que a metrópole. Aproximadamente
20 milhões hab.
Português: 2,3 milhões Km2 - 2,5 vezes maior que metrópole. Aproximadamente 8-9
milhões hab.
Espanhol: 400 mil Km2. Aproximadamente 1 milhão hab. 25 hab. Km2

BUSCANDO CONHECIMENTO
Partilha da África
Por Felipe Araújo
A divisão do continente africano teve seu início na segunda parte do século XIX.
Porém, foi um pouco depois, na Conferência de Berlim (1884 – 1885) que a
delimitação das fronteiras da África atingiu seu ponto máximo. Nesta conferência
foram decididas normas a serem obedecidas pelas potências colonizadoras. Apesar do
intuito inicial da reunião ter sido o de acertar os limites de interesse econômicos destes
países na região, não foi possível alcançar um equilíbrio entre as ambições imperialistas
de cada nação. A partilha da África foi decidida por Rússia, EUA e 14 países da Europa.

Partilha da África entre impérios europeus. (Mapa

de base: Eric Gaba [CC-BY-SA 3.0] / via

Wikimedia Commons). [CC-BY-SA 3.0]

99
Líder do imperialismo na época, a Inglaterra dominou o norte do Mar
Mediterrâneo até o extremo Sul do continente africano, região onde se encontrava
o Cabo da Boa Esperança. Um importante nome britânico neste processo foi o de
Benjamin Disraeli, que conseguiu tomar o Canal de Suez do completo domínio francês
e egípcio. Este canal encurtava a distância entre os centros da indústria europeia e as
áreas de colonização da Ásia, além disso, ligava o mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho.
Disraeli adquiriu ações do governo egípcio, fazendo com que o canal de Suez e todo
Egito tivessem dupla administração: inglesa e francesa. Já em 1904, o governo inglês
apoiou a França na conquista do Marrocos, tendo como moeda de troca o abandono
dos franceses das terras egípcias. Por fim, em 1885, a Inglaterra ainda anexou o Sudão,
país ao Sul do Egito.
A França, apesar de ter perdido o Egito para os britânicos,
dominava Argélia, Tunísia, ilha de Madagascar, Somália Francesa, Marrocos e Sudão
(depois dominado pela Inglaterra) desde 1830.

Guerras
Com a constante presença dos europeus no continente africano,
desencadearam-se diversas disputas colonialistas. Uma delas foi a Guerra dos
Bôeres(1899-1902). A Inglaterra, que dominava há muito tempo a Colônia do Cabo
(África do Sul), entrou em conflito com os bôeres – colonos holandeses que
dominavam Orange e Transvaal. A descoberta de ouro e diamantes na região e
Joanesburgo, área dos bôeres, foi o que atraiu o interesse britânico. A Guerra dos
Bôeres estourou em 1899 e foi até 1902. A Inglaterra saiu vitoriosa e anexou o território
de Orange e Transvaal às suas colônias.

Outros países
A Alemanha dominava a região que atualmente é conhecida como República
dos Camarões, Togo, sudeste e oriente da África. Já a Itália deteve o litoral da
Líbia, Somália e Eritréia. A Bélgica ficou com o Congo.

100
Consequências
Esta divisão, feita de acordo com os interesses coloniais, criou conflitos na
sociedade africana, problemas étnicos, econômicos e políticos. Nenhum regime político
funcionou no continente. O socialismo não foi eficiente e os estados capitalistas
tornaram-se tristes exemplos do mau funcionamento da economia liberal. A miséria
que toma a população do continente tem origens na dívida externa que cresce a cada
ano.

Fonte: http://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2010/05/partilha-da-africa.png

101
UNIDADE 14. ÁFRICA SÉCULO XX - ÁFRICA DO SUL

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivos
Analisar a relação de trabalho dos brancos para com os negros, relacionando os
fatores que possibilitam inferir que os negros se tornaram reserva de mão de obra
barata a partir de 1913.
Formular questionamentos sobre quem eram os Boers, bem como a sua
representatividade social.
Analisar o processo de surgimento, oficialização e medidas de combate do
apartheid.

ESTUDANDO E REFLETINDO
A apartheid, na realidade, nasceu logo no princípio do século XIX, assim que os
europeus se instalam em território africano, imbuídos de suas teorias de superioridade
étnica, embora no discurso dos intelectuais e políticos, remetam o início de sua história,
para 1948.
Os afrikaaners (holandeses, franceses e outros europeus, chegados com a Cia
Holandesa das Índias Orientais) e que apesar de adotarem a África como sua pátria,
carregavam consigo a teoria da superioridade do homem europeu, logo, o direito de
escravizar os não brancos “etnicamente inferiores”, para executarem todo trabalho que
julgassem indignos do homem branco.
Os ingleses que tomaram para si as províncias do Cabo e Natal, após a
decadência holandesa, implantam cultura agrícola extensiva mais lucrativa.
Preocupados em criar mercados consumidores, consideravam a escravidão um
empecilho, porém não deixavam de criar meios que dificultassem a ascensão
econômica e social de negros, indianos e asiáticos. Exemplificando, em 1809, o Decreto
Caledon, tornava obrigatório contrato de trabalho e severas punições; considerando
crime a mudança de emprego. Os objetivos dos ingleses era forçar a redução de
salários dos trabalhadores brancos; e nessa intenção, aí pelo ano de 1850, iniciaram

102
contratação de negros de Moçambique, Lesoto e Botsuana, bem como Indianos e
chineses, porém com a condição de não levarem a família, de que parte do salário seria
retida e seriam obrigados a voltar para seus lugares de procedência, no caso de
perderem o emprego.
É bom lembrar que a união dos ingleses com os Afrikaaners ocorreu, em 1910,
com autonomia dentro do império britânico, na intenção de liberar forças a serem
utilizadas em áreas no território africano, ainda não ocupados, antes que outras
potências europeias o fizessem. Nesse tempo, intensificava-se, a exploração das minas
de ouro e diamantes, obrigando os capitalistas europeus a lançar mão de operários
brancos os quais detinham algum preparo cultural e especialização. Além de europeus
atraídos pela corrida do ouro, chamavam-se em maioria, os fazendeiros Boers, que
haviam perdido todos os seus bens na guerra, 1899 a 1902, os quais, conhecedores do
funcionamento do capitalismo industrial na Inglaterra, faziam exigências trabalhistas.
A barreira da cor (Colaur Bar) de 1898 tomou sua plenitude, no setor de
mineração e nos núcleos urbanos, para que os ingleses melhor pudessem explorar a
mão-de–obra negra, prometendo vantagens aos trabalhadores brancos, que se
tornassem cúmplices nessa política de exploração.
Com a independência da coroa Britânica, obtida, juntamente com Austrália e
Canadá, em 1910, implantaram-se várias leis segregacionistas, como a Native Labour
Act, de l913, que estendeu aos trabalhadores urbanos, o sistema de submissão que
vigorava nas fazendas, dividindo a África do Sul em duas partes: - 7% do território
nacional para os negros, os quais representavam 75% da população (bantustões), e
93% das melhores terras para os brancos, os quais correspondiam a 10% da população.
Obviamente, os negros passaram a ser vistos como reserva de mão de obra
barata, dada a exiguidade e pobreza de suas terras e ainda limitaram a movimentação
dos mesmos, por meio de medidas policiais e a proibição de casamentos.
Após o término da primeira guerra Mundial, o mundo capitalista entra em
recessão e, em decorrência, houve queda na lucratividade das Companhias
mineradoras, as quais se defenderam contratando trabalhadores negros, fato que levou
a disputa racial entre trabalhadores assalariados. Essa disputa terminou na greve de
Rand, reprimida com severidade pelo governo. A maioria dos grevistas era brancos

103
descendentes dos Boers, os quais, nas eleições de 1924, foram à desforra, alinhando-se
com os nacionalistas de extrema direita, dando a estes a vitória. Estes, vitoriosos e
coligados com o Partido Trabalhista, defensores dos interesses da burguesia urbana,
deram início a um processo de industrialização interna, com recursos da agricultura dos
brancos; para beneficiar os trabalhadores de origem europeia.
O objetivo era combater a remessa de lucros das Companhias mineradoras,
sediadas no exterior, e romper com a política liberal praticada por essas Companhias e
ao mesmo tempo implantar um capitalismo de Estado.
Através dessa política nacionalista, conseguiram criar, siderúrgicas, centrais
elétricas e ferrovias, proporcionando um rápido crescimento da economia do país, o
que fez com que muitos classificassem como “milagre econômico”
No final da década de 1920, com a queda do valor do dólar, um novo período
de crise econômica anunciava-se, e os nacionalistas afrikaaner, para permanecer no
poder, deixaram os Trabalhistas, se aliaram ao outrora combatido capital externo, os
quais, com vistas ao alargamento de seus lucros, favoreceram a política aos brancos,
segregacionista. Porém, o novo surto de crescimento industrial, no decorrer da
segunda Guerra Mundial, levou ao aumento de empregados negros nas indústrias da
cidade, fazendo reabrir o debate entre nacionalistas e pró-Britânicos.
Com a grande concentração de negros nas cidades, levados para suprir carência
de mão de obra no boom do período de guerra e mediante a pressão dos brancos, em
1948, tribalizaram os negros urbanos, oficializando a apartheid.
Daí em diante ocorreu grandes mudanças sociais, com a população de origem
inglesa detendo o poder econômico e os nacionalistas o poder político, tendo o
apartheid como um dos pilares do novo surto de desenvolvimento, porém a nação
ficou, diríamos, “colocada na contra mão da História”.
Em vista da posição geoestratégica e riqueza de seu subsolo em minerais
importantes, a África do Sul se identificou como, “um país Europeu estabelecido na
África” e, em decorrência, mantinha vínculos tradicionais com a Europa Ocidental e com
os Estados Unidos, agindo nos conflitos africanos segundo interesses dessas nações.
Por outro lado, foi estabelecido embargo internacional de comércio visando a
pressionar a União Sul Africana a mudar sua política racista, segregacionista. Por sua

104
vez, os nacionalistas afrikaaners implantaram política de desenvolvimento direcionado
a substituição de importação principalmente a artigos objetos de embargo.

BUSCANDO CONHECIMENTO
Para entender melhor como foi o processo que possibilitou aos ingleses o
domínio da África do Sul, leia atentamente o fragmento de texto abaixo:
(...)
O Regime de Apartheid
A política de apartheid, ou segregação, foi institucionalizada na África do
Sulem1948 e legitimouumsistema totalitário de discriminação racial, espacial, jurídico,
político, econômico, social e cultural.
No entanto, a África do Sul tem experimentado racismo e opressão desde a
chegada dos primeiros colonizadores. O país está localizado ao sul do continente
africano, banhado pelos oceanos Atlântico e Índico, tornando-se um ponto estratégico
das rotas comerciais europeias para o Oriente. Os europeus chegaram ao país em 1487,
quando o navegador português Bartolomeu Dias contornou o Cabo da Boa Esperança
em busca das rotas comerciais para as Índias. Habitada inicialmente por diversos
grupos negros, como os boxímanes, khoikhois, xhosas, sans e zulus, a região foi
colonizada por imigrantes holandeses, franceses e alemães no século XVII.
Apesar de a institucionalização do apartheid se dar somente em 1948, a história
da colonização da África do Sul é marcada pela separação étnica e pela escravidão. O
país foi colonizado primeiro pelos holandeses e depois pelos britânicos. Quando da
chegada dos holandeses, o povo khoikhois, essencialmente formado por pastores de
gado, e o povo sans, caçadores e coletores, habitavama terra que hoje constitui o país.
Outros povos agricultores, como os xhosas, zulus, suazis e ndebeles, tswanas e
basothos, habitavam o interior do território (JONGE, 1991, p. 16).
A colonização holandesa começou com a chegada da Companhia das Índias
Orientais, que a princípio intencionava apenas estabelecer um entreposto de
abastecimento dos navios em trânsito para a Ásia. Em poucos anos, os holandeses
começaram a se estabelecer na Cidade do Cabo, tornando-se os novos colonos,
juntamente com alguns alemães e franceses vindos da Europa. A expansão da
105
colonização deu-se por meio de numerosas guerras contra os khoikhois, que foram
dizimados pela varíola, mortos pelos colonos ou escravizados.
Ainda no século XIX, a Companhia das Índias proibiu a escravização dos
khoikhois e eles foram integrados na sociedade por meio de um sistema de clientela
que não era muito melhor do que o de escravidão.
Apesar de livres, eles ocupavam uma posição muito inferior na sociedade. Jan
van Riebeeck, o primeiro governador da Colônia do Cabo referiu-se a eles como “gente
estúpida e malcheirosa” (JONGE, 1991, p. 10). Com relação ao povo san, os colonos
holandeses adotaram uma clara política de genocídio. Em 1798, a Colônia do Cabo
tinha 26 mil escravos, 15 mil khoikhois e 22 mil africânderes.
O pequeno número de mulheres brancas facilitou uma ampla miscigenação,
fazendo surgir os mestiços.
Com o fortalecimento do poder da Inglaterra na Europa, o império colonial
holandês perdeu força e os ingleses passaram a dominar o Cabo. A administração
britânica era mais liberal. Em 1828, decretou direitos iguais entre os habitantes da
colônia e, mais tarde, aboliu a escravidão. Para os africânderes, a libertação dos
escravos constituiu uma abominação. Uma forte ideologia, baseada em distorções da
Bíblia, mantinha os africânderes contrários à igualdade com os negros.
Estas medidas, aliadas à escassez de terras, levaram a população africânder a
migrar para o interior, onde fundaram duas repúblicas independentes, o Transvaal e o
Estado Livre de Orange. Estas repúblicas praticavam uma política racial rígida e os não-
brancos eram considerados estrangeiros e tolerados somente como força de trabalho
subordinada (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1985, p. 55). Da mesma forma que
acontece hoje, o fim legal do apartheid não elimina de imediato o fim do apartheid
social. Uma sociedade construída sobre a visão da separação, da superioridade racial e
da intolerância resiste em aceitar uma igualdade firmada por lei. Por isto, a transição
precisa ser feita levando em consideração a necessidade de derrubar estas fortes
barreiras sociais e culturais, buscando afetar e alterar a cosmo visão de toda uma
nação.
A tentativa de anexação da República do Transvaal pelos ingleses deu início a
um nacionalismo africânder, que se reforçava na ideia de que os colonos holandeses

106
eram uma nação única, falante de uma língua dada por Deus e perseguida por um
inimigo pérfido. Preocupados com a diversidade de unidades políticas, os ingleses
iniciaram guerras sangrentas contra a resistência zulu e as repúblicas bôeres.
Para consolidar a dominação inglesa, Alfred Milner, alto comissário britânico da
África do Sul desde 1897, provocou a Segunda Guerra Anglo-Bôer, derrotando os
africânderes e dominando Orange e o Transvaal. A fim de atender à necessidade de
força de trabalho, Milner, sustentado pela ideologia do darwinismo social, intensificou
as práticas relativas às reservas tribais, mais tarde chamadas de bantustões, e às leis do
passe. O apartheid, após se consolidar como política, também reformulou sua
ideologia. Esta, antes baseada na ideia da desigualdade, quando se tornou um projeto
político passou a ser identificada como desenvolvimento separado. Os bantustões
passaram a se chamar homelands e tornaram-se o ícone da separação racial (BOBBIO;
MATTEUCCI; PASQUINO, 1985, p. 55).
Para garantir a mão-de-obra negra, muitas medidas foram adotadas ainda no
século XIX. Além da apropriação das terras dos povos nativos, foram instituídos
impostos altos que obrigavam os negros a procurarem fontes de renda para pagá-los.
Também as leis do passe compeliram os negros a conseguirem emprego em no
máximo seis dias a partir de sua chegada em uma área de trabalho, sob pena de multa,
prisão ou expulsão, caso o prazo não fosse cumprido. Os negros eram apenas
permitidos fora das reservas tribais se fossem considerados força de trabalho essencial
à economia branca. As ideias evolucionistas que encheram a Europa neste período
ganharam significado especial no regime sul-africano. Os negros foram considerados
uma raça forte, boa para trabalhos braçais e não apta à educação mais refinada.
Respaldados nesta doutrina considerada “científica”, muitos empregadores puderam
ter suas consciências aplacadas, caso houvesse algum lampejo de dúvida a respeito do
regime de apartheid.
A Lei da Terra, de 1913, impedia que negros possuíssem mais de 13% da área
total do país, porcentagem referente aos bantustões. Rapidamente, estas áreas ficaram
superlotadas, impedindo a agricultura e o pastoreio. Assim, os negros viram-se
obrigados a vender sua força de trabalho aos brancos. Mesmo em áreas urbanas, a
permanência de negros era restrita.

107
Como reação a este processo de proletarização e segregação dos negros, foi
fundado o Congresso Nacional Africano (CNA), em 1912.
Em1914, o ex-general bôer, Barry Hertzog, fundou o Partido Nacional (PN), que
proclamava um racismo radical. Em 1918, foi fundada a Liga Africânder dos Irmãos,
uma organização semi-religiosa que mais tarde se tornou secreta (JONGE, 1991, p. 42).
A Liga penetrou rapidamente em todas as esferas da sociedade, em associações
culturais, igrejas, sindicatos e partidos. Seu papel foi fundamental na construção de um
pensamento conservador e na reafirmação da obsessão por uma pureza racial.
A política de segregação racial do apartheid foi oficializada em 1948, com a
chegada ao poder do Partido Nacional, que dominou a política por mais de quarenta
anos. O apartheid impediu o acesso dos negros à propriedade da terra e à participação
política e obrigou-os a viver em zonas residenciais segregadas. A Lei de Registro
Populacional, de 1950, garantiu uma rígida hierarquização racial, outorgando direitos
políticos, econômicos e sociais desiguais para cada uma das categorias raciais. A lei
institucionalizou quatro categorias raciais – branco, mestiço, asiático e negro. A forma
de classificação era arbitrária e baseada em critérios de aparência. Ser classificado
como negro trazia consequências graves. A Lei das Áreas de Grupo, também de 1950,
estabeleceu a separação espacial das categorias raciais, obrigando as pessoas a fixarem
suas residências em áreas determinadas.
A Lei da Conservação de Diversões Separadas instituiu o uso separado de
praias, transportes, piscinas, bibliotecas, banheiros públicos, teatros, cinemas e praças.
A segregação das áreas residenciais e locais e serviços públicos gerou a criação dos
passes e dos assentamentos negros, chamados bantustões. Outras leis garantiam a
posse da terra para os brancos, a proibição de casamentos mistos, a regulamentação
da educação banto, a censura etc.
Havia muitas leis de controle ideológico, como o estabelecimento de punição
para o jornal que publicasse qualquer artigo que “prejudicasse” as relações entre
brancos e negros ou que afirmasse que o regime de apartheid era injusto. Da mesma
forma, o branco que declarasse que as leis do apartheid eram injustas poderia ser
condenado à prisão e ao pagamento de multas.

108
Na década de 1950, em reação a este conjunto de leis separatistas, a oposição
ao apartheid tomou forma e o Congresso Nacional Africano lançou uma campanha de
desobediência civil, que foi respondida com mais violência.Em1960, o CNA organizou
uma campanha antipasses – o negro que era pego sem o seu passe,um livrinho de
quase cem páginas, era preso e punido. Em 21 de março, uma multidão de voluntários
foi arregimentada para se apresentar sem seus passes em frente à delegacia de polícia
de Shaperville, em uma demonstração pacífica de resistência. A manifestação foi
reprimida com extrema violência, gerando 67 mortos. Como forma de repressão, o
CNA foi declarado ilegal e seu líder, Nelson Mandela, foi preso e condenado à prisão
perpétua em 1962. O Massacre de Shaperville, como ficou conhecido, provocou
protestos no país e no exterior.
Em 1969, surgiu o Movimento da Consciência Negra, liderado por Steve Biko.
Biko, influenciado por Frantz Fanon, lutava pela libertação psicológica do povo e contra
a educação inferior e destrutiva dos valores dos povos negros. Quando o ministro-
adjunto da Educação banta, Andries Treurnicht, um africânder conservador, quis
introduzir a língua africânder nas escolas negras, alunos da cidade negra de Soweto,
próxima a Joanesburgo, iniciaram uma greve, inspirados pelas ideias da Consciência
Negra. Durante uma demonstração pacífica em 1976, muitas crianças foram mortas. As
manifestações eclodiram em outras cidades e, no fim de dezesseis meses, já havia
seiscentos mortos. Esses massacres chamaram a atenção internacional e fortaleceram o
CNA, que operava no exílio.
Os governos dos primeiros-ministros Hendrik Verwoerd (1958-1966) e B.
J.Vorster (1966-1978) recrudesceram a política de apartheid. Uma série de leis foram
promulgadas para classificar e separar os negros em grupos étnicos, na tentativa de
confiná-los em territórios tribais, denominados bantustões. Em1976, P.W. Botha
assumiu como primeiro-ministro, acirrando a luta contra a oposição. Ao mesmo tempo
que crescia a repressão, Botha começava pequenas reformas para conquistar uma
classe média negra. Em 1983, ele apresentou uma nova Constituição, referendada por
66% dos brancos, que previa alguma participação de outros grupos raciais que não os
brancos na política. Mas a conjugação de reforma e repressão não funcionou para
aplacar as reivindicações por democracia. Se, por um lado, as reformas mostravam

109
disposição de abertura política, a repressão aumentava a opressão sobre os grupos
negros.
Com o fim do império colonial português na África (1975) e a queda do
governo de minoria branca na Rodésia, atual Zimbábue, o domínio branco na África do
Sul entrou em crise. A militância negra cresceu cada vez mais e os problemas
econômicos agravaram a situação.
A queda do preço do ouro, principal produto de exportação, o custo das
incursões na Namíbia e Angola, o custo do sistema de repressão interno e,
principalmente, a reação estrangeira são fatores que contribuíram para a crise do
regime.
Os bancos internacionais, pressionados pela sociedade civil estrangeira e por
razões econômicas e políticas, cancelaram os créditos à África do Sul e exigiram o
pagamento de seus débitos a curto prazo.
Amoeda caiu e houve fuga de capitais, espantando grandes empresas – como a
General Motors, a Kodak, a IBM, a Ford e a Coca-Cola – do país. Em 1984, uma revolta
popular contra o apartheid levou o governo a decretar lei marcial, restringindo ainda
mais os parcos direitos dos negros. A Organização das Nações Unidas (ONU) reagiu
impondo sanções à África do Sul como forma de pressão. Acuado, Pieter Botha
promoveu reformas, mas manteve os aspectos essenciais do regime racista.
Paralelamente, no mundo todo crescia o movimento pela libertação de Mandela.
Em1989, Botha sofreu um ataque cardíaco e abdicou da função de líder do Partido
Nacional. Frederik W. De Klerk chegou à Presidência por meio de eleições em setembro
de 1989. No dia 2 de fevereiro de 1990, De Klerk anunciou a legalização do CNA, do
Partido Comunista, do Congresso Pan-Africano e de outros grupos de oposição, além
da libertação de alguns presos políticos, dentre eles Mandela. A decisão também
incluía uma moratória nas execuções de pena de morte e a revogação da censura da
imprensa. Externamente, o clima de pós-Guerra Fria predominava. Com a nova
configuração do sistema internacional, a África do Sul tornou-se um problema
periférico, que não despertava o interesse nem da Rússia, que buscava se reestruturar,
nem dos EUA, que já não sentiam a ameaça comunista no continente africano. Sem o
apoio dos EUA, o regime conservador sul-africano não duraria muito.

110
Internamente, o Partido Conservador de Andries Treurnicht e a organização paramilitar
e fascista de Eugene Terre blance–o Movimento de Resistência Africânder – logo se
mostraram insatisfeitos com as reformas e, por meio de ameaças de violência,
prometiam proteger os interesses da minoria branca. Pressionado pelas condições
políticas internas e externas e pela economia, De Klerk começou a negociar a transição
política.
Em 1990, Mandela foi libertado e o CNA recuperou a legalidade. As leis raciais
foram revogadas e um plebiscito só para brancos, realizado em 1992, apontou que 69%
dos votantes eram a favor do fim do regime de apartheid. Assim, em 1994, foram
convocadas as primeiras eleições multirraciais para um governo de transição, nas quais
venceu Nelson Mandela.
A África do Sul elaborou sua Constituição de transição sem a mediação de
forças externas, enfatizando a noção de contrato entre todas as partes envolvidas. A
nova Constituição, de 1996, tentou equilibrar o poder de brancos e negros, procurando
manter o espírito de compromisso entre as facções. O novo Estado operou largamente
por meio da velha burocracia do apartheid, evitando qualquer ruptura mais brusca. Em
muitos casos, isto causou ações de obstrução e manutenção do status quo, mas
garantiu uma transição mais tranquila.
Outro grande desafio era que a maioria das províncias estava dividida em linhas
étnicas. O Nordeste do país é predominantemente tswana, a província de Free State é
sotho, KwaZulu-Natal é zulu, Cabo Oriental é xhosa, Cabo Setentrional e Cabo
Ocidental são predominantemente habitadas por povos africânderes (SELETI, 1998, p.
88). No entanto, a maioria dos partidos da transição, como o Congresso Nacional
Africano e o Congresso Pan-Africano, não usaram as identidades étnicas em suas
agendas políticas, evitando possíveis manipulações de ideologias nacionalistas e
sectárias. Muitos apostaram que a África pós-apartheid iria se diluir em guerra étnica,
mas isto não ocorreu.
A transição deu lugar à construção de uma nova história. A celebração de heróis
e heroínas africanas passou a fazer parte do discurso político. Por meio de seus
intelectuais, o CNA iniciou um processo de reinterpretação do passado para justificar o
compromisso com a revolução democrática. O então presidente do CNA, Thabo Mbeki,

111
discursando no estádio de Mafeking em dezembro de 1997, relembrou a resistência da
província à ocupação colonial e depois a exaltou como baluarte da luta contra o
apartheid. O simbolismo destas lembranças ajudou a refazer a identidade da África do
Sul. A celebração do Dia de Shaka, um chefe zulu reconhecido pela luta contra o
colonialismo, fez parte da tentativa de forjar um novo patriotismo. Em 1997, foi
construída a estátua em memória de Steve Bantuboke Biko, o líder negro morto pela
polícia no período do apartheid. A busca da Cabeça de Hintsa, um guerreiro e chefe
xhosa que foi morto pelos britânicos no século XIX e que, segundo a lenda, teve sua
cabeça levada para a Escócia, fez parte da busca de novos símbolos nacionais.
O grande interesse da mídia e da comunidade científica em investigar se a cabeça
encontrada na Escócia era mesmo do chefe xhosa produziu um novo movimento de
recuperação da história de resistência (SELETI, 1998, p. 93).
Apesar da recuperação da cultura negra, o CNA preocupou-se em criar uma
identidade nacional de um país unitário, não racista, multicultural e democrático. O
arco-íris foi a marca e o símbolo deste novo Estado. Na busca de uma nova identidade
sul-africana e a fim de evitar as divisões maléficas existentes no país, Mbeki (apud
SELETI, 1998, p. 95, tradução minha) declarou na ocasião da adoção da nova
Constituição em maio de 1997:
Nós estamos reunidos aqui hoje para comemorar a vitória na aquisição e

exercício do direito de formular nossa própria definição do que significa ser

sul-africano. A Constituição cuja adoção nós celebramos constitui uma


declaração inequívoca de que nós nos recusamos a aceitar que nossa

africanidade deve ser definida pela nossa raça, cor, gênero ou origem histórica

[…]. Ela expressa concretamente o sentimento que compartilhamos como


africanos […] que o povo deve governar.

Alguns partidos, como o ultra direitista Movimento de Resistência Africânder,


liderado por Eugene Terre blanche, ainda continuaram suas tentativas de proteger as
minorias, mas em geral o país embarcou na ideia da unidade.

Fonte: http://www.scielo.br/pdf/cint/v29n2/v29n2a05.pdf. Acesso em 15 de julho de


2011.

112
UNIDADE 15. DESCOLONIZAÇÃO

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivos
Conhecer os desdobramentos ocorridos após o Congresso de Manchester.
Analisar os objetivos o Pan Africanismo e o valor positivo do movimento,
negritude.
Identificar o processo que levou os franceses e ingleses a ocuparem territórios
africanos, bem como analisar os tipos de estruturas de governo que se impuseram
após a ocupação desses territórios.
Relacionar os principais episódios que aceleraram os processos emancipa tórios
das colônias francesas e inglesas.
Entender o significado do processo de balcanização.

ESTUDANDO E REFLETINDO
NEGRITUDE
Negritude foi um movimento cultural nascido entre filhos de ex-escravos, nas
Antilhas francesa, os quais se propunham buscar sua humanidade, recuperação da
identidade e a restauração da dignidade do negro.
Suas proposições se tornaram anti-Históricas, quando, ao invés de
propugnarem pelo desenvolvimento africano, cujo continente já estava
inexoravelmente inserido na modernidade, passaram a defender a volta à cultura e
estruturas, pré existentes, antes dos contatos com os europeus. Da busca de sua
humanidade nas suas raízes, transformaram-se num racismo às avessas.
Pode-se considerar como única reação positiva do movimento, o despertar
cultural contra o escravismo e colonialismo e “suas perversões”, porém, descartando a
especificidade africana, a qual se reconhecida como determinação biológica, levava a
uma teoria racista, a mesma defendida pelos europeus.

PAN – AFRICANISMO

113
Originado nas colônias britânicas do Caribe e dos Estados Unidos, o Pan
Africanismo, criado na passagem do século XX, por ex-escravos, objetivava,
inicialmente, a promoção social e política dos negros na América racista e acabou
evoluindo para movimento de promoção política e social e de descolonização da
África. Seu principal divulgador e organizador foi o Sociólogo “Afro-Americano” W. E. B.
Dubois, responsável pelos quatro primeiros congressos: 1919,1921 e 1923, na Europa,
e, em 1927, nos EUA, mas o comparecimento de representantes da África foi
minoritário.
Em 1930, sua militância combateu, na Etiópia contra o fascismo italiano, que
tentava ocupar a região.
Em 1945, em Manchester, Grã-Bretanha, realizou-se o quinto Congresso Pan
Africano, ainda sob influência de Dubois, dessa vez, com expressiva participação de
representantes da África. Assim tomou impulso o movimento, em cujo Congresso
destacaram-se delegados, posteriormente, importantes na descolonização, como
Nkruma de Gana e Kenyata do Quênia.
As lideranças africanas inspiraram-se muito, na declaração do líder Russo, Lênin,
de que há necessidade de uma liderança partidária capaz de fazer avançar o
movimento social e na declaração sobre o direito de autodeterminação dos povos,
ratificado oficialmente pela carta de São Francisco que criou a ONU, em 24/10/1945.
De luta pela independência, passou-se a defender o anti-imperialismo e o anti-
colonialismo, tomando forma socialista, mas não comunista. A independência dos
países africanos era condição primeira para a unificação do continente.
Do Congresso de Manchester em diante, mudou-se o eixo geográfico e político
para a África, passando a atuar em todos os planos: no cultural, na valorização da
identidade africana; no político, na organização de congressos, conferências e reuniões,
os quais resultaram na criação da (O.U.A.), Organização de Unidade Africana, na cidade
de Addis-Abeba, na Etiópia, em 1963, dando impulso à militância pela descolonização.
O Pan Africanismo atuou ainda na procura de meios para superar os problemas
econômicos, no atraso tecnológico e interesses particularistas. Em nível diplomático,
atuou contra a balcanização continental e o envolvimento na Guerra Fria. Teve que
encarar reveses contra a negritude, em que, por pressão destes, foi excluído o Norte do

114
continente por considerar seus habitantes Árabes. Outro fato foi a necessidade de
admitir os conservadores na constituição da OUA e os confrontos de interesses, criados
com as independências, que impediram a progressão da política de unificação africana.
Por outro lado, foi marcante no processo de descolonização, na promoção do
desenvolvimento africano, em patrocinar e organizar congressos de variados objetivos,
tais como, a criação de organismos representativos de trabalhadores urbanos e rurais,
de modo a transcenderem fronteiras. Na diplomacia, foi decisiva sua atuação política e
diplomática contra o colonialismo português e o apartheid sul-africana.

INFLUÊNCIAS NAS LIDERANÇAS AFRICANAS


As lideranças africanas, basicamente instruídas na Europa ou nos Estados
Unidos, inspiraram-se no pensamento de Lênin “de que há a necessidade de uma
liderança partidária capaz de fazer avançar o movimento social”; na declaração sobre o
direito de autodeterminação dos povos, ratificada oficialmente pela carta de São
Francisco, que criou a ONU, em 1945, e, principalmente, no sucesso dos vietnamitas
que enxotaram os franceses de seu território, ficando claro que era possível, sim,
expulsar seus opressores.
O nacionalismo veiculado através dos partidos políticos representou a aspiração
de um povo oprimido e humilhado e foi a senha, foi a mensagem de resistência, uma
força moral contra o agressor, foi uma resposta concreta a um problema real, a
expulsão de um inimigo estrangeiro. Entretanto, alcançada a independência, colocado
para fora fisicamente o inimigo comum, o nacionalismo transformou-se em palavra
mágica na boca das elites dominantes; não se fez acompanhar de transformações
corajosas em benefício da totalidade dos nacionais. As elites dirigentes, na maioria pré
corrompidos pelas potências capitalistas, ficaram no discurso do nacionalismo e até
reprimiram os que exigiam reformulações mais profundas, alegando evitar conflitos
sociais e mesmo sufocando os conflitos em nome da “unidade nacional”; o inimigo,
agora, não era mais tão concreto, camuflava-se, disfarçava-se de amigo. Parte da
camada técnica burocrática até propôs a restauração da dignidade nacional e a
promoção de um progresso e modernização abrangente, porém quase nada mudou na
estrutura fundiária que continuou priorizando atender os interesses dos países

115
industrializados. Sem as transformações básicas, os países industrializados com
pretexto de “ajuda” social, transformaram esses recursos, num instrumento de
corrupção dos altos funcionários como é característico do neo-capitalismo.
A ONU, Nações Unidas, recomendou aos países desenvolvidos que reservassem
1% dos seus rendimentos, para ajuda aos países subdesenvolvidos, pois, se assim o
fizessem, a pobreza extrema terminaria em uma ou duas gerações. Essas “ajudas” foram
quase toda concedida,quando o foram nessa porcentagem, como empréstimo e para
pagar dívidas anteriores, ou alimentando sistemas de interesses financeiros externos,
no território africano, onde os recursos acabavam enriquecendo poucos, ou
retornando, na forma de pagamento de royalties ou de juros.
De 1963 a 1965, as dívidas dos países subdesenvolvidos cresceram 30% e os
termos de troca não param de se agravar, pois as mercadorias importadas dos países
desenvolvidos têm preços sempre em alta, enquanto produtos exportados pelos
subdesenvolvidos seguem tendência inversa, ou seja, sempre em baixa.
As nações ricas têm compromisso mútuo, para elevar o nível de vida de suas
populações; isto só pode acontecer em detrimento, ou a custa das populações dos
países fornecedores de matéria prima não elaborada; ou seja, pouca coisa muda, se é
que muda com a independência dessas nações.

BUSCANDO CONHECIMENTO
ANTECEDENTES DA DESCOLONIZAÇÃO
A África pré-descolonização encontrava-se ocupada por quatro potências da
Europa: Grã-Bretanha, França, Bélgica e Portugal, as quais diferiam quanto ao grau de
riqueza, desenvolvimento e necessidades, condições secundárias determinantes, visto
tratar-se de colônias, onde predominava a exploração e não o povoamento. Essas
potências reorganizaram geográfica e politicamente o continente de modo a atender
interesses do mercado metropolitano, unindo e separando áreas, economias, povos e
sociedades, criando novas realidades sociais e internacionalizando sua economia.
Os 75 anos de duração do colonialismo clássico da África foram suficientes para
sua inserção no mercado mundial das economias capitalistas monopolistas e tornar o

116
movimento emancipacionista bastante problemático e multe facetado, devido à junção
ou divisão de tribos, povos e idiomas.
O maior império europeu na África foi o da França, que o dividiu em blocos
administrativos, mas pouco integrados econômica e politicamente.
Esses blocos artificialmente criados não chegaram a formar nova identidade e
se desintegraram em inúmeros estados, quando da descolonização, provocando o que
se convencionou chamar de “balcanização” do continente.
O império português tinha suas colônias dispersas e diretamente vinculadas à
metrópole.
O império Belga se constituía em uma unidade geográfica, formada pelo Congo
e as ex-colônias alemãs de Ruanda e Burundi.
O império britânico possuía território contínuo na parte Oriental da África e
dispersa no Ocidente, aplicando diferentes sistemas administrativos.
A descolonização se deu pela pura e simples retirada, ou através da guerra de
libertação.
Os europeus contavam com um longo processo evolutivo para a emancipação
das colônias, porém a situação crítica em que ficaram após o fim da segunda guerra
mundial, com poucos recursos para se impor, somadas ao fato de que certas empresas
descobriram que dinheiro não tem pátria, a oposição de URSS e EUA, como potências
anti-colonialistas e a pressão das multinacionais norte americanas, impedidas de
disputar mercado africano, pelo monopólio dos europeus, tonificaram as pretensões de
emancipação dos africanos, acelerando o processo de independência das colônias na
África toda.

117
UNIDADE 16. DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA FRANCESA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivo
Identificar a forma de atuação francesa no processo de descolonização da África

ESTUDANDO E REFLETINDO
DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA FRANCESA
Embora contínuo, o território colonial Francês na África, possuía duas
denominações: África Ocidental Francesa e África Equatorial Francesa e o papel
desempenhado pelas mesmas na segunda Guerra Mundial, credenciou-lhes a uma
evolução mínima da situação de colônia. Na Conferência de Brazzaville, no início de
1944, os administradores coloniais planejaram linhas gerais de reformas
administrativas.
Em 1946 a constituição francesa estabeleceu sistema eleitoral de duplo colégio
e continuou a impor direção administrativa das colônias sob firme controle da
metrópole, frustrando as esperanças de integração e de autonomia.
Na constituinte de Paris, criou-se a União Francesa, porém, no mesmo mês da
promulgação da constituição, ocorreu o Congresso de Bamako; no qual se cria o RDA
(União dos Povos Africanos). Trata-se de um partido ligado ao Partido Comunista
Francês, porém que deseja a autonomia interna, mas nos marcos constitucionais. Seus
líderes eram H. Boigny da Costa do Marfim e Sékou Touré da Guiné, com pretensões
de abranger o conjunto do território colonial; porém em 1948, Sedar Senghor, cria no
Senegal o BDS (Bloc Democratique Senegalais) nacionalista.
O parlamento Francês cria a (Lei do Marco) em junho de 1956, que institui a
africanização administrativa, a ampliação dos direitos eleitorais e normatiza a
descentralização administrativa.
A incapacidade do império de conter o nacionalismo e a guerra de libertação

da Argélia levaram ao golpe de 1958. De Gaulle substitui a Quarta República,


desmoralizada e em frangalhos. A constituição do mesmo ano, que cria a

Quinta República, substitui a União Francesa por uma comunidade Francesa.


118
Embora apresentada sob a forma federalista, propõe para a África colonial a

manutenção de subordinação à metrópole. A constituição transformava os

territórios em Estados comunitários. O resultado previsível seria a efetiva


consolidação da balcanização iniciada poucos anos antes. A divisão entre as

lideranças africanas possibilitou que De Gaulle apostasse no tudo ou nada,

propondo um referendum. O voto negativo possibilitaria a imediata


concessão da independência, conforme artigos 78 e 86 da constituição

Gaulista de 1958.
No referendum, apenas a Guiné (dirigida por Sékou Toure) vota massivamente

pelo não. Os outros 12 “Estados” coloniais votam pela comunidade. O

resultado foi a emancipação da Guiné a colônia do não, em outubro de 1958,


que adere ao “socialismo africano” do qual será um dos impulsionadores. A

adesão das outras colônias á Comunidade Francesa desgasta-se rapidamente

por causa do centralismo metropolitano e do exemplo da Guiné. Em 1959,


reúne-se outra Conferência em Bamako. Nessa o Senegal e o Sudão Francês

(Mali, Níger e Alto Volta) formam a Federação do Mali, que solicita a

independência para 1960. Tal federação dura poucos meses, resultando na


constituição do Senegal e do Mali independentes. “O Senegal constitui em

1982, juntamente com Gâmbia, a Confederação da Senegâmbia, que também


não vinga”. VICENTINI, RIBEIRO, PEREIRA, 2007, p: 88.

As quatro colônias restantes da África Ocidental Francesa, em 1960 organizam


uma aliança e alcança a independência, nesse mesmo ano. Daomé, Níger, Alto Volta e
Costa do Marfim tornam-se repúblicas independentes.
O Império Francês na África desfaz-se de vez, no mesmo ano de 1960, com a
Independência e formação das Repúblicas do Chade, Centro-Africana, do Congo
(Brazzaville) e do Gabão. Os novos países formados da divisão administrativa colonial
no pós-guerra são uma realidade, como o são a pobreza, miséria e a balcanização que
sepultou as possibilidades de uma federação de Estados Africanos e em decorrência a
de um desenvolvimento integrado.

MADAGASCAR
Ilha-continente no Oceano Índico, costa Oriental da África, entre esta e a Ásia
insular, ponto de cruzamento étnico-cultural e de relações econômicas, é povoada por
malaio-polinésios no leste e por bantos africanos no oeste, possui originalíssimas flora
119
e fauna. Ocupada por Anglo-Americanos, em 1942, foi entregue no ano seguinte aos
Franceses Livres de De Gaulle. Recebeu status de autogoverno, em 1946, mas a França
não reconheceu a oposição nacionalista, o Movimento Democrático da Renovação
Malgaxe, que coordenou levante geral, em 1947. A repressão massiva dos franceses
causou 80 mil mortos, porém, em 1958, ela se tornou membro da Comunidade
Francesa e em 1960, tornou-se independente sob a presidência de Philibert Tsiranana,
do Partido Social Democrata, que manteve regime parlamentarista e neocolonial.
O Togo e Camarões, antigas colônias alemã, a princípio, ficou sobre tutela de
França e Inglaterra, por último, sob mandato da ONU, tornaram-se independentes em
1960.
O Pan-Africanismo e a Negritude, os quais seriam as bases da moderna África,
com a balcanização, tornou-se discursos mobilizadores e objetivo de longo prazo, pois
de imediato o trabalho era montar os estados, inseri-los na política internacional e
administrar os pesados déficits gerados pelo colonialismo. A França nesse quadro
manteve sua preponderância através da área do Franco, nas nações constituídas pelas
suas ex-colônias.

BUSCANDO CONHECIMENTO
O PAN-AFRICANISMO E A FORMAÇÃO DA OUA.
Érica Reis de Almeida
(Geógrafa pela Universidade Fluminense, email [email protected] )

O pan-africanismo tem uma importância vital para a história da África, bem


como para a formação da Organização da Unidade Africana e de sua sucessora, a
União Africana. Esse movimento foi crucial na constituição da identidade negra, tendo
sido um instrumento de unidade de luta destes por reconhecimento, direitos humanos,
igualdade racial e depois como elemento agregador na luta pela independência
(nacionalismo) através de seus congressos, e também como componente aglutinador
para formação de uma instituição continental que também tinha como um dos seus
objetivos a descolonização de todo território africano.

120
A concepção de unidade dos africanos no período de formação da OUA foi, e é
fomentado até hoje, pelo pensamento pan-africanista. O pan-africanismo surge como
um movimento que tinha como objetivo fazer com que os próprios negros se
entendessem como um povo. Ou seja, o pan-africanismo tinha como conceito central a
ideia de raça, a ideia de que uma vez que uma pessoa tenha a cor da pele negra ela faz
parte de um povo negro. Mas do que um pensamento o pan-africanismo se constituiu
num “movimento político-ideológico centrado na noção de raça, noção que se torna
primordial para unir aqueles que a despeito de suas especificidades históricas são
assemelhados por sua origem humana e negra” 3. O pan-africanismo enquanto
movimento político e ideológico organizado surge na verdade fora da África, ele ganha
força com os negros da diáspora que se unem contra a discriminação e subjugação a
que eram sujeitos nas colônias americanas e isso ainda no século XIX.
Podemos citar como antecedentes desse movimento na África intelectuais
negros, na sua maioria provenientes da África Ocidental sob domínio colonial inglês.
Devido ao intenso intercâmbio entre esses estudantes africanos ocidentais e
pensadores do pan-africanismo, especialmente nos EUA, os líderes dessa região foram
fortemente influenciados, implicando assim num diferencial em relação as lideranças
das outras colônias. Outro aspecto importante do movimento pan-africano nessa
região foi o papel desempenhado pela imprensa que se incumbiu de difundir as
condições subumanas impostas pelo regime colonial aos negros.
Dessa forma, o movimento pan-africano logo no seu surgimento era composto
por um seleto grupo de africanos com formação no ensino superior nas metrópoles
europeias e nos EUA. Sua manifestação se deu de diferentes formas sendo as principais
as conferências e congressos, publicações em jornais, discursos, livros e formação de
associações.
A fundamentação teórica do pan-africanismo é iniciada por
Alexander Crummell4 que tem no cerne de seu pensamento o conceito de raça que por
sua vez será a diretriz de sua visão para os negros e para a África. Para ele a África é a
pátria da raça negra e que ele como negro tinha direito de falar, agir e programar o
futuro desse continente como seu legítimo representante.5 Para ele a ideia da África
enquanto uma unidade decorria do fato dela ser a pátria dos negros. 6 Esse

121
pensamento de Crummell manifestado em seus textos inauguraram o discurso do pan-
africanismo, pois ele traduz exatamente a ideia da existência de um povo negro que
por sua vez constituía uma unidade que teria no continente africano o seu lugar. Ele
tinha a concepção, que vai se perpetuar no século XIX, da existência de uma unidade
política natural, ou seja, uma vez que se tenha um único povo reunido num mesmo
lugar consequentemente se tem uma unidade política. Nesse sentido Crummell
também foi considerado um dos pais do nacionalismo africano7. Além disso, ele
defendia a adoção da língua inglesa como a língua a ser empregada na construção de
um estado negro africano.
Com essa atitude estava resgatando ou simplesmente reproduzindo o espírito
do nacionalismo europeu que previa a utilização de uma única língua a fim de
promover a unidade nacional. No caso da África existiam muitas línguas e essas por sua
vez não poderiam suprir essa necessidade, segundo Crummell, de um único idioma
para proporcionar a unidade da África Ocidental, logo o melhor caminho, na
concepção de Crummell, era a adoção da língua inglesa, que na verdade, também
segundo o mesmo era superior e por isso a “melhor opção”. 8
A trajetória do pan-africanismo está entrelaçada com a trajetória do
nacionalismo africano, dessa forma assim como o pan-africanismo tem como eixo de
sua formação o conceito de raça o mesmo acontece na construção do nacionalismo na
África.
Embora falemos do conceito de raça como fundamental componente do
movimento pan-africanista e sua influência no nacionalismo africano o objetivo do
texto não é discutir o conceito nem suas implicações e sim situar o leitor das bases
desse movimento e os desdobramentos mais significativos. Entende-se por raça um
conceito diferenciador dos homens que por sua vez, a partir de critérios físicos ou
morais determina a diferença entre os mesmos. Derivado desse termo surgiu a palavra
racismo, este termo está associado a um comportamento moral de não somente
diferenciação a partir do critério de raça, mas a partir do estabelecimento de uma
hierarquia sobre as mesmas onde há a implicação de que algumas raças seriam
inferiores ou superiores as outras resultando num tratamento diferenciado das
mesmas.

122
Como já afirmamos o pan-africanismo teve a sua fundamentação teórica a
partir do conceito de raça, dessa forma traz consigo o pressuposto da aceitação dessa
diferenciação e dessa hierarquia. No entanto, vamos continuar esclarecendo os termos
referentes a raça. Kwame Anthony Apiah9 descreve que existe uma diferença entre os
termos frequentemente utilizados nos assuntos concernentes a raça, ele diferencia
racialismo e racismo. Para este autor o racialismo seria a:
visão de que existem características hereditárias, possuídas por membros de
nossa espécie, que nos permitem dividi-lo num pequeno conjunto de raças,

de tal modo que todos os membros dessas raças compartilhem entre si certos

traços e tendências que eles não têm em comum com membros de nenhuma
outra raça. Esses traços e tendências característicos de uma raça constituem,

segundo a visão racialista, uma espécie de essência racial; e faz parte do teor

do racialismo que as características hereditárias essenciais das “Raças do


Homem” respondam mais do que características morfológicas visíveis com

base nas quais formulamos nossas classificações informais. (Appiah, pág. 33)

O racialismo em si, não seria um conceito que contemplaria um problema moral


e sim cognitivo, pois se trata de entender um mundo em que existam diferenças, mas
um mundo em que essas diferenças podem ser respeitadas, ou seja, as diferenças não
dão lugar a uma hierarquia moral das diferentes raças, mas cada uma teria o seu
espaço e também a sua contribuição. A partir desse conceito foram formuladas outras
doutrinas denominadas de “racismo”, essas por sua vez já resultaram em questões
morais e até mesmo criminosas ao longo da história.
O racismo seria distribuído em duas concepções diferentes. O racismo
extrínseco10 é manifestado quando há distinção moral entre os membros das diferentes
raças por se acreditar que a essência racial implica em certas qualidades moralmente
relevantes e essas diferenças por sua vez justificariam o tratamento diferencial entre as
mesmas. Um exemplo clássico da manifestação desse tipo de racismo foi aquela
dispensada pelo nazismo aos judeus, embora não houvesse nenhuma justificativa
racional para o holocausto ele foi realizado simplesmente porque o nazismo
estabeleceu a ideologia que os judeus fossem moralmente inferiores e responsáveis
pelas mazelas alemãs. Esse fato serve para ilustrar o racismo extrínseco que muitas

123
vezes foi utilizado para fomentar ódios infundados contra um outro grupo por motivos
apoiados na noção de raça.
Já o racismo intrínseco
sustenta que o simples fato de ser de uma mesma raça é razão suficiente para

preferir uma pessoa a outra. Então esse tipo de racismo estabelece diferenças
morais entre os membros das diferentes raças, por acreditarem que cada raça

tem um status moral diferente, independente das características partilhadas

por seus membros. (Appiah, pág. 35)

O racismo intrínseco consiste num erro moral, pois ele defende a ideia que por
se pertencer a uma determinada “raça” devo tratar melhor um “semelhante” em
detrimento de outro que não faz parte da mesma “raça”. 11 A base para o tratamento
entre as pessoas deveriam ser baseadas em suas características morais e não partir da
cor de sua pele. 12 A base da solidariedade racial africana se apóia no racismo
intrínseco que pressupõe que todos os negros por pertencerem a uma mesma raça
devem preferir uns aos outros, devem estar ligados por uma solidariedade semelhante
a solidariedade familiar.
Crummell13 se apropriou de uma concepção moderna de raça para justificar a
sua visão, a concepção de hereditariedade biológica e também de “uma nova
compreensão do povo como nação, e do papel da cultura na vida das nações”. Para
Appiah 14Crumell era racialista e racista e, embora, segundo ele, não se possa ter
certeza quanto a qual tipo de racismo ele manifestava, afirma que quanto ao pan-
africanismo, esse era, supostamente, embasado num racismo intrínseco. E isso significa
que o pan-africanismo se apoiava no fato de uma solidariedade racial onde aqueles
que se enxergavam como negros deveriam ser solidários entre si, dando preferência ao
que fossem de sua própria raça.
Assim como Crummell, Edward Wilmont Blyden15, também tinha a raça como
conceito norteador de seu pensamento e defende a existência de uma civilização
negro-africana. Isso significa que ele condena o racismo extrínseco contra os africanos,
afirmando que os mesmos não eram inferiores, mas possuíam uma própria história e
“elementos constitutivos na construção de uma personalidade africana”. 16 Explicava as
diferenças entre africanos e ocidentais devido as diferentes circunstâncias que

124
vivenciaram, se opondo a ideia de que as diferenças seriam resultado de uma inaptidão
intrínseca ao povo africano.17
Blyden defendeu em 1884, numa declaração em Freetow, a recolonização da
África a partir da Libéria afirmando que “só em África a raça negra pode realizar o seu
destino”. Para ele a Libéria seria o primeiro estado africano independente construído
por negros e a partir daí construiriam uma grande nação negra. Demonstrando, assim,
um caráter anticolonialista, que só vai influenciar mais incisivamente o movimento
pan-africano após a Segunda Guerra Mundial.18
Outro importante pensador e difusor do movimento pan-africano foi William
Edward Du Bois19, para ele a raça é um conceito associado à construção histórica
comum e ao fator biológico, no entanto considera o primeiro elemento ainda mais
importante. E que cada raça contribui de forma diferente para a humanidade, negando
assim a inferioridade da “raça negra”, tendo a função de apresentar a humanidade algo
que só ela tem a oferecer. Admite a diferença, mas nega a existência de superiores e
inferiores, defende a ideia de complementaridade. Para ele a contribuição negra ao
mundo não é só diferente, mas única e valiosa.
Du Bois foi na verdade a primeira figura a lançar bases teóricas mais
organizadas e práticas para o movimento pan-africano. 20 Estabelecendo
sistematicamente as suas intenções que além de defender uma igualdade racial, incluía
a luta “pela autodeterminação nacional, pela liberdade individual e por um socialismo
democrático.”21 Opunha-se radicalmente a ideia utópica de repatriação dos negros dos
EUA para retornar a África, ideia essa fomentada por Blyden e defendida por outro
ícone do movimento pan-africano, o jamaicano Marcus Garvey22.
Este foi responsável pela criação da Associação Universal para o Aprimoramento
do Negro (UNIA) e caracterizado como líder carismático de um movimento que se
propôs a promover a emigração de negros de volta para a África, elegendo, então, a
Libéria como a pátria ideal para início da constituição de uma nação negra. Segundo
Ki-Zerbo “Não hesitou em colaborar com os racistas do Ku Klux Klan, que como ele, mas
por razões inversas, preconizavam que os Negros americanos fossem mandados para a
África”23

125
O conceito de unidade racial da UNIA envolvia um projeto político e defendia a
ideia de uma “federação imperial geopoliticamente determinada” sendo possível de ser
alcançada pela “unidade imperial entre a Grã-Bretanha e suas colônias”24. Percebemos
que até então não existiam no discurso pan-africanista uma perspectiva anti- colonial e
que a ideia de unidade se restringia basicamente a África Ocidental de colonização
britânica, pelo menos como ponto de partida para o restante do continente.
Embora pressionado quanto à oposição ao movimento e também problemas na
administração da UNIA, Garvey juntamente com Du Bois representou um papel
fundamental na divulgação da luta dos negros por reconhecimento enquanto uma
cultura negra, não somente nos Estados Unidos da América e Antilhas, mas também na
Europa e na África.
O pan-africanismo na África de colonização francesa apresentava uma
abordagem diferenciada quanto àquela desenvolvida pelo pan-africanismo de vertente
anglófona, tinha duas principais preocupações: a construção de uma identidade que
fizesse frente às mazelas do colonialismo e a fundamentação intelectual e política que
viabilizasse futuramente a “emancipação política”.
O pan-africanismo da África francófona difere da de colonização britânica em
pelo menos três aspectos, primeiramente o pan-africanismo nessa região foi elaborado
mais tardiamente em relação ao outro, sendo este no período entre guerras. Além de
permanecerem apenas mais contundentemente em Paris do que propriamente no
continente africano e finalmente ficou mais restrito a um seleto grupo de intelectuais,
artistas e políticos africanos com formação europeia.
Podemos destacar desta vertente a participação fundamental da obra literária
como difusora das realidades da atuação colonial francesa em África, se tornando
assim um instrumento de denúncia na Europa bem representados na figura de René
Maran25e André Gide26.
A maior expressão de um movimento pan-africano da África colonial francesa
foi o movimento denominado de negritude. Movimento literário que vem resgatar as
tradições culturais do continente africano. Encontrando em Leopold Seghor27 e Aimé
Césaire28 seus principais representantes. A principal ideia desse movimento é a de que

126
“todos os povos de ascendência africana tinham um patrimônio cultural comum”29 Dessa
forma esse movimento também tem sua centralidade na noção de raça. 30
Assim como houve uma diferença no processo de colonização das colônias
britânicas e das colônias francesas, houve também uma diferença na forma que se
desenvolveu o pan-africanismo nessas duas vertentes o que também vai delinear o
perfil político continental desses dois blocos que vão ter seu papéis mais definidos no
período que antecedeu as suas independências. No entanto, o movimento pan-
africano passou a se manifestar de forma mais prática quando iniciou a realização de
uma série de congressos, se tornando um dos principais instrumentos para expansão
do movimento.
As realizações desses congressos manifestam o caráter da primeira etapa do
movimento pan-africano que ainda se encontrava mais restrito aos EUA, Caribe e
Europa, e ainda a uma tímida participação dos negros africanos. Prova disso é que
nenhum dos congressos desse período foi realizado na África e apenas no último é que
foram iniciados discursos anti-coloniais, antes disso os congressos basicamente
promoviam a reunião para reivindicar direitos civis dos negros e igualdade racial. A
primeira Conferência Pan-africana ocorreu em 1900 em Londres e com o intervalo de
19 anos deu-se início a uma série de realizações de Congressos Pan-africanos, cinco ao
todo começando em Paris, 1919 e findando após a Segunda Guerra Mundial, em 1945,
esse realizado em Manchester. Todos organizados por Du Bois.
A participação nos congressos foi aumentando a medida que os mesmos foram
conquistando a atenção dos negros e de suas lideranças tanto nas colônias americanas
e caribenhas como no prórprio continente africano. O primeiro contou com a
participação de “57 delegados negros dos territórios africanos sob colonização francesa e
britânica, das Antilhas e dos EUA.” No quarto já contava com com a maior participação
até então em congressos, 208 delegados provenientes de 22 Estados americanos e de
uma dezena de países europeus.
As principais reivindicações realizadas nesses congressos foram a adoção de
um “código de proteção internacional dos indígenas da África; o direito à terra, à
educação e ao trabalho livre; e a abolição dos castigos corporais nas colônias 31;a
“Declaração ao Mundo” que em sua essência, reclamava para os negros iguais direitos

127
aos dos brancos; a assinatura de um manifesto final com um “Apelo ao Mundo” pela
igualdade e cooperação de todas as raças e pela justiça e solidariedade universal e a
criação da “Associação Internacional Africana”; um manifesto que formulava
reivindicações para o tratamento dos negros como homens, caminho condutor para a
paz e para o progresso, e também se referia ao desarmamento mundial e à
organização do comércio e indústria, já assumindo assim uma visão global do mundo.
E ainda “a representação e participação dos negros nos governos que os representam, a
justiça adaptada às condições locais, a extensão. do ensino primário gratuito e um
desenvolvimento do ensino técnico. ”32
Após esse período houve um intervalo extenso na realização dos congressos
que só vai voltar a se realizar com o término da Segunda Guerra Mundial. Nessa
ocasião muitos africanos lutaram pela liberdade, ironicamente, de suas metrópoles e a
partir de então as ideias independentistas foram se tornando cada vez mais concretas.
Durante esse período de permanência dos negros africanos na Europa eles se
aperceberam que além de ter em comum o anseio pela independência da Europa eram
vistos como uma unidade, um povo, os africanos. Esse momento então representou
uma maior identificação com o movimento pan-africano que até então era um
movimento de solidariedade racial mais especificamente fora da África, contra a
discriminação sofrida nas colônias americanas e no Caribe. Agora passa a ser um
instrumento na luta anti-colonial e pela emancipação. Podemos dizer que a vontade
de realizar a independência das colônias europeias na África fortaleceu a ideia de uma
identidade africana, de uma unidade do povo negro que agora luta por um objetivo
comum, a descolonização. Esse aspecto fortalece no movimento pan-africano o espírito
de unir forças para alcançar os objetivos.
Verificamos, então, que o conceito de raça foi um “princípio organizador
central” nesse período de aspiração pela descolonização da África, princípio este que se
manifestou tanto no pan-africanismo caracteristicamente afro-americano e caribenho
como no francófono tendo a negritude como seu maior expoente.
Cabe aqui ressaltar o quinto Congresso Pan-africano que já será realizado em
1945, após a guerra, quando já se estava configurando um outro cenário no contexto
internacional, as potências europeias enfraquecidas, a formação de uma bipolaridade

128
política, econômico e ideológica e também a organização e fortalecimentos de
movimentos de resistências anti-coloniais.
O Congresso Pan-africano de Manchester já pode contar com a presença de
“políticos, sindicalistas e estudantes, basicamente representantes das colônias inglesas e a
independência imediata e incondicional foi enfatizada como a maior de todas as
reivindicações”33 Destacando a presença de lideranças africanas como Kwame
Nkrumah34, Wallace Johnson35, da Serra Leoa, e Jomo36 Kenyatta. 37
Pela primeira vez há uma manifestação objetiva e clara anti-colonialista e anti-
imperialista, sendo reivindicada a independência nacional e já um direcionamento, um
alinhamento junto ao socialismo ou socialismo-marxista38. George Padmore39“propõea
adoção de um manifesto em que se opunha à discriminação racial e condenava o
apartheid na África do Sul além de afirmar que os africanos estavam resolvidos a serem
livres, conclamando a unir-se contra o colonialismo40”. Nesse ponto percebemos nas
palavras de Padmore o componente de unidade racial característico do pan-
africanismo. Ele conclama o povo negro, o povo africano, para se unir contra um
inimigo comum, o colonialismo.
E ainda nesse congresso a Resolução Final “assumiu a condenação global
do capitalismo europeu nos territórios africanos.”41. Adotando claramente uma postura
de influência marxista que vai influenciar inúmeros intelectuais e líderes políticos
africanos tanto nesse período como no pós-independência.
A partir do Congresso de Manchester foi dado um novo impulso ao Pan-
Africanismo, que agora passa a ter uma participação africana mais direta, o pan-
africanismo passa a ser um instrumento significativo para os africanos que passam a
utilizar a concepção de solidariedade racial para promover a luta pela independência
do continente africano.
Da realização do V Congresso Pan-Africano houve um intervalo de mais de 10
anos para a realização de uma série de conferências e congressos que vão acabar
resultando na constituição da OUA, nesse intervalo ocorreu um importante encontro
que foi a Conferência de Bandung. O movimento pan-africanista vai se tornar mais
atuante, especialmente no continente africano, após a realização dessa conferência que
embora não fosse um encontro estritamente de interesse das colônias africanas tem

129
direta relação ao continente africano por representar “o marco do aparecimento formal
do Terceiro Mundo como uma unidade ideológica” 42
A Conferência de Bandung, realizada na Indonésia. entre os dia de 18 a 24 de
Abril de 1955, foi organizada pelos países asiáticos e contou com apoio de países
africanos Etiópia, Líbia, Libéria e Egito. A Conferência se propunha a promover uma
cooperação econômica e cultural afro-asiática, com o objetivo de formar uma base
sólida de oposição ao que era considerado colonialismo ou neocolonialismo43. Pela
primeira vez em uma conferência o racismo44 e o imperialismo são denunciados como
crime e também nessa mesma conferência o não-alinhamento é estabelecido como um
posicionamento político a ser adotado em oposição aos mesmos. Apesar do não
alinhamento todos os países declararam que eram socialistas, mas não iriam se alinhar
ou sofrer influência Soviética.45
Durante o encerramento da Conferência de Bandung ficou previsto a realização
de uma outra conferência a ser realizada no Cairo entre 26 de Dezembro de 1957 a 1
de Janeiro de 1958. O neutralismo assume um papel importante nesse momento, pois
irá se traduzir numa aproximação com a URSS que a partir da Conferência do Cairo
exercerá uma maior influência comparada a Bandung nas colônias e ex-colônias
africanas já dando inicio a um posicionamento claramente estratégico da Guerra Fria46.
E ainda afirma as intenções de Nasser então presidente do Egito, na conquista de uma
liderança na África do Norte com uma perspectiva pan-arabista.
No Cairo ocorre uma modificação na denominação dos encontros que deixam
de se chamar conferência entre estados passando a ser conhecido como “Conferências
dos Povos”. O objetivo aqui era possibilitar “a mobilização das forças revolucionárias
contra as soberanias” e mobilizar um maior número de pessoas ou grupos contra o
colonialismo, era uma luta “contra a raça branca” prioridade que transcendia o
princípio nacionalista. Baseando-se no princípio da autodeterminação47, o movimento
afro-asiático articula-se com o sentimento anti-colonialista, procurando encaminhar
para a emancipação imediata todos os povos ainda colonizados48. No entanto, esse
pensamento não é hegemônico no continente africano, embora todos os estados
africanos estivessem ávidos pela descolonização, para muitos o nacionalismo era uma
prioridade e a formação de uma unidade nacional baseada naquilo que os unia era

130
fundamental, logo a autodeterminação dos povos se tornará um ponto de discussão
entre os grupos que irão se desenhar nesse momento para traçar os rumos nesse novo
contexto do continente.
Foram realizadas três Conferências dos Povos Africanos, a primeira em Acra, em
1958, em que estiveram no cerne das questões a conquista da liberdade e da
independência, consolidação e criação de uma unidade africana que viabilizasse a
constituição de uma comunidade dos “Estados livres de África” e ainda investir na
reestruturação econômica social deste continente49. Foi criado um secretariado
permanente que tinha como principal função “acelerar a libertação de África” e
“desenvolver um sentimento de solidariedade Pan-Africano”. As bases da futura
Organização de Unidade Africana foram assim lançadas50.
A segunda ocorre em Tunes (Tunísia) em 1960 e a terceira ocorreu em março de
1961 no Cairo já no contexto de definição de dois grupos antagônicos o grupo de
Casablanca e o grupo de Brazzaville51. Estes grupos já começaram a ser definidos a
partir do congresso de Manchester, quando foram classificados, respectivamente, de
maximalistas e minimalistas. O maximalismo, com uma postura definida como mais
radical defendia asuperação das fronteiras que haviam sido definidas pela Conferência
de Berlim52. E ainda propunha a formação de um Estados Unidos da África e esteve
representado pela liderança de Nukrumah. Já a concepção minimalista ou moderada
não questionava a divisão de fronteiras estabelecidas na Conferência de Berlim e
defendia a constituição de Estados Nacionais com soberanias internas e externas.
Em Abril de 1958 foi realizada em Acra outra Conferência de Estados Africanos
Independentes (CEAI) sob a liderança de Nkrumah e de George Padmore, contando
com representantes tanto da África do Norte como da Subsaariana. Já nessa
conferência aparece na ordem do dia “a criação de um organismo pan-africano
“permanente” entre outros itens “a discriminação racial, (...), a colaboração econômica e
técnico-cultural entre os países independentes do continente negro, a manutenção da paz
mundial” 53. Ainda em Acra foram estabelecidas diretrizes importantes para o
movimento anti-colonialista com destaque para a reafirmação da não adesão a
nenhum bloco político-ideológico.

131
Já em Julho, ainda no mesmo ano, ocorreu o Congresso de Cotonou (Benim)
reafirmando um caráter essencialmente pan-africano e anti-colonialista esse congresso
tinha até mesmo “a intenção de constituir o Partido do Reagrupamento Africano”. Foram
deixados bem claro suas pretensões de uma “independência imediata” e a formação de
um “Estados Unidos de África” e ainda “a supressão de todas as fronteiras estabelecidas
após o Congresso de Berlim de 1885, para que os povos africanos pudessem unir as suas
'complementaridades' e manifestaram vontade de concretizar a união do Cairo a
Joanesburgo”54.
Em 1960 foi realizada a 2ª Conferência de Estados Africanos Independentes em
Adis Abeba (Etiópia) em que a proposta de unidade africana antes defendida foi
negada pela delegação da Nigéria que só acatou e concordou com a proposta de
criação de dois bancos interafricanos. Outro aspecto importante foi a aprovação do
embargo à África do Sul incluindo boicotes comerciais e diplomáticos pela sua prática
racial segregacionista, embora essa decisões não tenham chegado a ser colocadas em
prática efetivamente55.. Será realizada ainda uma terceira CEAI em 1962 já no ano
anterior a formação da OUA.
A Conferência dos Povos Africanos de 1961, realizada no Cairo, promovida pelo
grupo de Casablanca vai ressaltar Pratice Lumumba56 como herói africano e revelar
duas vertentes dentro do Congo: os congueses os quais apoiavam Kasavubu e
Tchombé de imperialistas (grupo associado aos interesses coloniais) e os lumumbistas
(grupo que nega a continuação das relações com os interesses coloniais e defende os
interesses nacionais), liderados por Gizenga de nacionalistas africanos. Esse é um
aspecto importante, pois a questão do Congo foi um dos pontos de discordância
entres os dois grupos já mencionados, maximalistas e minimalistas.
O Congo belga se tornou um importante componente nesse período que
antecedeu a formação da OUA. Colonizado pela Bélgica numa orquestração magistral
de Leopoldo II57 o Congo tem uma história muito particular no continente africano e o
processo de sua independência se tornou marcante na história do continente. Na
década de 1950 por concessão da Bélgica puderam ser formados os primeiros partidos
políticos na colônia e inúmeros movimentos separatistas foram criados. Nesse mesmo
contexto foi criado o Movimento Nacional Congolês na liderança de Pratice

132
Lumumba que se opunham as tendências separatistas, defendia o unitarismo, Estado
Centralizado, e principalmente lutava pela independência. Inúmeros conflitos
ocorreram no período que antecedeu a independência dessa colônia e como resultado
para acalmar os ânimos foram convocadas eleições em 1960 que elegeram Lumumba
como primeiro-ministro e, seu opositor, o federalista Kasavubu como presidente da
República.
No entanto, os conflitos não cessaram e os movimentos separatistas
permaneceram sob a liderança de Moisés Tshombe (primeiro-ministro de Katanga) e
Kalondji (primeiro-ministro do Kasai), que associados aos interesses das grandes
companhias mineradoras buscavam enfraquecer Lumumba. Foi um conflito intenso e
inúmeras atrocidades estavam sendo cometidas, foi uma guerra civil das mais
sangrentas testemunhadas na África. A Bélgica enviou pára-quedistas e a ONU uma
Força de Paz. Kasavubu liderou um golpe de Estado que destituiu Lumumba que foi
entregue ao movimento separatista de Katanga e assassinado. A guerra civil persistiu
até 1963, ano de formação da OUA. Tshombe foi nomeado primeiro-ministro e a
fragmentação do Congo não se realizou, pois, com apoio da Bélgica e dos EUA, ele
derrotou os movimentos regionais. Tshombe terminou destituído do cargo por
Kasavubu, que o obrigou a renunciar, no entanto o próprio Kasavubu foi destituído do
cargo num golpe militar em 1965 que passou o governo do Congo ao coronel Mobuto,
que muda o nome do país para Zaire.
Todo esse processo no Congo contou com a participação dos estados africanos,
especialmente os maximalistas que apoiava Lumumba e após o seu assassinato, seu
sucessor Gizenga, chegando a colocar tropas suas em território congolês. O grupo
minimalista por sua vez apoiava Kasavubu e posteriormente Tshombe para liderar o
Congo. O fato de estarem apoiando intensamente interesses opostos no Congo, o que
na verdade refletia interesses alheios ao continente africano como os das mineradoras,
dos governos europeus, da ONU, dos EUA preocupado com a nova configuração da
Guerra Fria, só vieram enfraquecer as relações intra-africanas e aprofundar as
diferenças entre as propostas dos estados maximalistas e as dos estados minimalistas.
Embora houvesse uma divergência entre esses dois grupos a despeito do
Congo e da Argélia, que também vivenciou um processo violento de independência,

133
existiam diferenças mais profundas referentes à “inserção internacional dos novos
estados africanos e sobre suas relações com as ex-potências coloniais”58. Os minimalistas
manifestavam uma postura favorável a perpetuar uma relação mais estreita com sua
antiga metrópole, uma vez conquistando suas independências, enquanto os estados
maximalistas atacavam o grupo adversário os acusando de se colocarem numa situação
neocolonial.
Em Julho de 1959, em Sanniquellé (Libéria), foi criada a Comunidade dos
Estados Africanos Independentes uma união realizada por Gana, Guiné e Libéria
(maximalistas) que não terá vida longa. Já nessa ocasião vai ficando cada vez mais claro
as dificuldades de manter uma postura radical, quanto a uma ideologia pan-africansita
militante dos maximalistas devido às dificuldades dos próprios estados recém
independentes e a Libéria, por exemplo, ainda bem ligada aos Estados Unidos. Não
havia por parte desses estados estrutura suficiente para dar suporte a essa empreitada.
Além do grupo resistente a essa concepção que foi crescendo e criando bases mais
fortes de oposição.
Uma evidência dessa afirmação é a realização no ano seguinte da Conferência
de Brazaville, de 15 a 19 de Dezembro, encontro esse de inicialmente doze estados
conservadores recém independentes da França (Congo-Brazzaville, Senegal, Chade,
República Centro-Africana, Costa do Marfim, Níger, Alto Volta, Mauritânia, Gabão,
Benin, Camarões e Madagáscar) que fundaram a União Africana e Malgaxe (UAM).
Esta se propunha procurar uma espécie de paz africana. Tal paz - declaravam

os Estados da UAM - só podia assentar na não ingerência nos assuntos


internos dos Estados, na cooperação econômica e cultural numa base de

igualdade e, enfim, numa 'diplomacia concertada. (KI-ZERBO, 1972)

No entanto, a postura adotada por esse grupo de zelar por manter relações
pacíficas e de cooperação coma suas antigas colônias não foi bem aceita por demais
estados africanos e como chega a afirmar Ki-Zerbo “Tratava-se, portanto, na verdade,
de um bloco político que só reunia países francófonos e que a Guiné e o Mali não
tardaram a denunciar como sendo uma “sobrevivência do colonialismo”59.
Em contrapartida da realização da conferência do grupo conservador de
Brazzaville foi realizado em 4 a 7 de janeiro do ano seguinte a Conferência de
134
Casablanca que contou com os maximalistas (Gana, Guiné, Marrocos, Mali, Egito e a
Frente de Libertação Argelina). Foi realizado por iniciativa de Mohammed V (Marrocos)
e buscava apresentar “um cunho afro-asiático”. O principal resultado desta conferência
foi a publicação da “Carta de Casablanca” com conteúdo expressamente anti-
colonialista destacava a necessidade da formação de uma unidade africana a partir dos
estados independentes. O objetivo era de "fazer triunfar as liberdades em toda a África,
de realizar a sua unidade; e isso no quadro do não alinhamento, da liquidação do
colonialismo e do neocolonialismo sob todas as suas formas.”60 Esse grupo assumiu uma
postura totalmente avessa a qualquer tipo de vínculo com as antigas potências
coloniais.
Os estados que já haviam se identificado com a postura minimalista, mas ainda
não tinham se posicionado efetivamente ao lado de nenhum grupo se juntaram ao
grupo de Brazzaville formando um terceiro grupo denominado de Monróvia liderados
pelospresidentes Félix Houphouet Boigny, da Costa do Marfim, e Léopold Sédar
Senghor, do Senegal, e tinham em comum “o respeito ao status quo territorial” e “a
não-interferência na política doméstica”61. Reuniram-se de 8 a 13 de Maio de 1961 e
realizaram a Conferência em Monróvia organizada pela Libéria, Camarões, Nigéria e
pelo Togo reunindo também os doze da UAM, mais a Etiópia, a Líbia, a Serra Leoa, a
Tunísia, a Somália. Era também uma estratégia de reunir forças e “estender à sua
influência geográfica para além da zona linguística francófona”. 62
Ainda houve uma tentativa por parte do Grupo da Monróvia de realizar uma
aproximação entre os grupos de Brazzville e de Casablanca na Conferência dos Estados
Africanos Independentes em Lagos no ano de 1961. No entanto o fato do governo
provisório da Republica Argelina não haver sido convidado para a Conferência
culminou num boicote por parte dos Estados da África do Norte e do grupo de
Casablanca não comparecendo à conferência.
O Grupo de Casablanca, maximalista, adotou uma postura mais radical durante
esse período não somente em relação às antigas potências coloniais, exigindo a
superação da “balcanização” do continente africano com a revisão de todas as
fronteiras determinadas pelo poder colonial, mas também na relação intra-africana,
conclamando todos os povos africanos a se unirem num Estados Unidos da África.

135
Dessa forma foi ficando isolado à medida que sua pretensões não encontravam apoio
dos demais estados africanos. Tanto Nukrumah(Gana), representante do pan-
africanismo de Casablanca, como Nasser (Egito), não levaram em consideração
importantes aspectos do contexto em questão. O primeiro seria que embora as
potências coloniais estivessem debilitadas ainda pela Segunda Guerra Mundial e as
determinações da ONU quanto ao fim da descolonização, estas ainda gozavam de
forças para impor restrições a qualquer projeto que viesse contra seus interesses no
continente africano. E a unificação do continente não era de interesse dos mesmos.
Outro aspecto foi à expectativa criada do grupo de Casablanca quanto ao apoio da
União Soviética e da China Popular que nunca chegou a se efetivar e ainda dos EUA.
No entanto em tempos de Guerra Fria os EUA se posicionou ao lado da potências
coloniais a fim de conter o avanço do comunismo no contexto internacional e isso
incluía a África obviamente63. Então,
o isolamento das posições pan-africanas radicais, junto com o

encaminhamento dos conflitos na Argélia e no Congo e uma mudança na


política do Ocidente acerca da secessão de Katanga, contribuiu para uma

reconciliação e um rapprochemente entre diversos Estados, culminando na


formação da Organização da Unidade Africana (OUA) em 1963. (WOLFGANG,

2002, p. 9).

CONCLUSÃO
A formação da Organização da Unidade Africana vai afirmar basicamente a
postura do Grupo de Monróvia. A conferência que deu origem a instituição abriu
oportunidades para ambos os grupos colocarem suas propostas, sendo vencedor os
minimalistas que defendiam arduamente a não-ingerência nos estados africanos
independentes e a não revisão das fronteiras herdadas do período colonial. Abaixo se
segue uma parte do discurso de “inauguração” da OUA, palavra do imperador Halie
Salassie (Etiópia), figura única do continente africano e governante do país que se
tornou sede da organização,
"Reunimo-nos para reforçar o nosso papel na condução dos assuntos do
mundo e para cumprir o nosso dever para com este grande continente... O

conhecimento da nossa história é indispensável para estabelecer a nossa


personalidade e a nossa identidade de africanos. Proclamamos hoje aqui que

136
a nossa maior tarefa consiste na libertação definitiva de todos os nossos

irmãos africanos que se encontram ainda sob o jugo da exploração e do

domínio estrangeiro... Sejamos isentos de recriminação e de rancor... Que a


nossa acção (sic) se coadune com a dignidade que reclamamos para nós

próprios como africanos orgulhosos das nossas qualidades próprias, das

nossas características e das nossas capacidades. Temos de evitar, antes de


tudo, cair nas ciladas do tribalismo. Se nos dividirmos entre nós numa base

tribal, isso constitui um convite à intervenção estrangeira, com todas as


conseqüências nefastas que daí advém. “Reconhecendo que o futuro deste

continente reside em última instância, numa reunião política, devemos

reconhecer também que são numerosos e difíceis os obstáculos a vencer para


lá chegar”. “Por conseqüência, é inevitável um período de transição”... certas

organizações regionais devem assumir funções e satisfizer necessidades que

não poderiam ser satisfeitas de outra maneira. Mas o que existe de diferente
aqui é que reconhecemos estas situações no seu justo valor, isto é, como

sucedâneos e expedientes temporários de que nos servimos até o dia em que

tivermos atingido as condições que tornem possível a unidade africana total


ao nosso alcance... Esta conferência não pode terminar sem a adoção de uma

carta africana única. Não nos podemos separar sem criar uma organização
africana una que reúna os atributos que descrevemos. A carta africana de que

falamos deve ficar de harmonia com a das Nações Unidas." (Ki-Zerbo, 1972).

BIBLIOGRAFIA
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Janeiro: Contraponto, 1997. 304 p.
BOAHEN, A ADU. (coord.). História Geral da África. A África sob dominação colonial.
São Paulo: Ática / UNESCO, v. VII, 1991.
ENCICLOPÉDIA DO MUNDO CONTEMPORÂNEO [tradução: Jones de Freitas, Japiassu
Brício, Renato Aguiar] São Paulo: Publifolha; Rio de Janeiro: Editora Terceiro Milênio,
1999.
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<http://www.angoenciclo.de/nkrumah.html> Acesso em: 12/11/2007.
GARCIA, Francisco Miguel Gouveia Pinto Proença. Análise Global de uma Guerra :
Moçambique 1964-1974. 2001. Dissertação (doutorado) - Universidade Portucalense.
Disponível em: <
137
http://www.triplov.com/miguelgarcia/mocambique/index.htm>. Acesso em:
20/04/2007.
HERNANDEZ, Leila Leite.O Pan Africanismo. In:_________. A África na Sala de Aula: Visita
à História Contemporânea. São Paulo: Selo Negro Edições, 679 p.131-155.
KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra II. 1972. Disponível em:
<http://www.angolapress-angop.ao/diadeafrica-historia.asp/> . Acesso em:
16/04/2007.
Disponível em: http://www.feth.ggf.br/%C3%81frica.htm

138
UNIDADE 17. DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA
BRITÂNICA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivo
Identificar a forma de atuação inglesa no processo de descolonização da África

ESTUDANDO E REFLETINDO
DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA BRITÂNICA
As colônias britânicas, na África, embora incorporadas em momentos e por
razões diferentes, basicamente possuíam as mesmas estruturas do imperialismo da
metrópole, fundadas na administração indireta. Fortes concentrações de ricas minorias
brancas, beneficiárias da expropriação das terras nativas, e grupos maiores de
imigrantes asiáticos, só existiam na África Ocidental.
Em vista do rápido crescimento do nacionalismo e da inexistência de colonos
brancos, após o término da Segunda Guerra Mundial, os britânicos implantaram
política de unificação unitária ou federal, em cada colônia. Imaginavam uma longa e
lenta transição ao sistema de participação na Comunidade Britânica, porém a crise
econômica e as diferenças internas de desenvolvimento aceleraram a concessão de
independência antes que a situação avançasse para insurreições.
Em 1957, a Costa do Ouro foi a primeira colônia de exploração a conseguir a
independência, na forma republicana, com o nome de “Gana”, e liderada por Nkrumah,
ativista do partido Convention Peoples Party - o CPP. O país participará ativamente do
movimento terceiro-mundista, desde 1957 até a queda de Nkrumah, (em 1960), o qual
se destacou na construção do Pan-africanismo e pela luta de emancipação de todas as
colônias.
Sem haver solucionado as contradições resultantes da junção pelo império
britânico, de três regiões com estruturas, economias, etnias e culturas diferentes e
antagônicas, em 1960, a Nigéria se torna independente. O trágico resultado foi a
guerra civil de Biafra de 1967 a 1970. A persistência das contradições e da artificialidade
139
da Nigéria impediu que exploração petrolífera possibilitasse o desenvolvimento do país
mais populoso do continente. As três regiões (Hauça, feudal e muçulmana ao norte,
Yoruba, camponesa e animista a oeste; e Ibo, camponesa, mercadõra e cristã, ao leste)
perseveraram em permanente conflito político pelo controle do poder federal,
problemas herdados dos tempos de colônia.

SERRA LEOA
Constituída para abrigar escravos resgatados do tráfico clandestino, Serra Leoa
recebeu sua independência em 1961; e, em 1965, Gambia – um pequeno enclave ao
longo do rio Gâmbia – insignificante colônia, foi o último país da África Ocidental
britânica a obter sua independência.

ESTUDANDO E REFLETINDO
A ÁFRICA ORIENTAL BRITÂNICA
A estratégia dos britânicos na área era dar estabilidade ao Egito, ao Canal de
Suez e, principalmente, dominar o Oceano Índico, garantindo a sua maior e principal
colônia; a Índia. O segundo plano vinha dos projetos dos imperialistas instalados na
África do Sul, de construírem uma ferrovia Cabo - Cairo, para ligar o sul da África ao
Mediterrâneo.
As ocupações dos territórios deram-se antes da primeira Guerra Mundial, em
um clima de intensa rivalidade com a Alemanha, utilizando sistema de administração
indireta, mantendo os sistemas das sociedades tradicionais.
Somente nos férteis e saudáveis planaltos do Quênia, foram instalados
poderosos colonos brancos, os quais formaram grandes fazendas agrícolas e de criação
de gado, transformados numa minoria branca europeia poderosa e contrária ao
desligamento da metrópole. Nas demais colônias, na África Oriental, continuaram com
a exploração de produtos tradicionais e a exploração de poucas matérias primas, com
pequeno número de colonos brancos e algumas comunidades de imigrantes asiáticos
aplicados na prestação de serviços.

140
A descolonização iniciou-se pela Somália (britânica e italiana), em 1960, tratava-
se de um território estratégico no Chifre da África, que perdeu seu significado com a
nacionalização do Canal de Suez por Nasser, e com a independência obtida pela Índia.
Com o término da Segunda Guerra Mundial e a vitória do Partido Trabalhista, a
Inglaterra reconhece a necessidade de acabar com as colônias. Nessa linha, propôs a
formação de uma Federação da África Oriental, centralizada no Quênia, Uganda e
Tanganica, a qual gradualmente evoluiria para o auto-governo e para a soberania
dentro da Comunidade Britânica, com estrutura multirracial, mas de representação
desproporcional. A sub-representação (um eleitor branco valeria por 450 nativos
africanos) e a incapacidade britânica de integrar política e economicamente as várias
regiões provocaram reações do Reino de Buganda e o fracasso da proposta inglesa e
posterior independência individual das colônias.
A primeira colônia da área da fracassada Federação, proposta pelos ingleses, foi
Tanganíca, em dezembro de 1961. A pequena mais expressiva minoria de árabes e
asiáticos foram subsumidas pela maioria organizada no TANU (Tanganíca African
Nacional Union). Esse partido nacionalista, criado por Julius Nyerere, consegue a
independência e transforma o país numa república socializante. Em 1964, funde-se com
Zanzibar, um ex protetorado britânico da África Ocidental, com a denominação de
República Federal da Tanzânia.
Uganda, constituída de vários reinos locais, onde o mais rico e poderoso era o
autocrático de Buganda, originado da administração indireta inglesa e da artificialidade
dos protetorados no quadro do colonialismo como sistema. Em eleição ocorrida, em
1961, obteve a vitória o UPC, (Congresso do Povo de Uganda, dirigido por Nilton
Abote, alimentando o entusiasmo para a luta pela independência, a qual foi obtida, em
outubro de 1962. Em 1966, a monarquia foi substituída por uma república presidida
por Nilton Abote, nascendo aí um Estado unificador de uma rica sociedade agrícola de
camponeses e granjeiros africanos.
Já o processo de independência do Quênia foi bastante conturbado, dado que
os ingleses instalaram uma forte e rica minoria branca de grandes proprietários, nos
planaltos, onde existia a melhor terra do Quênia, cuja minoria, através de um conselho,
manejava a administração colonial. Essas minorias expandiam suas terras apropriando-

141
se das terras dos nativos de maioria Kikuio. Esses empobrecidos e espoliados reagiram
na forma de terrorismo, a partir de 1949, sob a direção do movimento mau–mau. Por
sua vez, os ingleses revidaram com violenta repressão; com operações policiais;
instalações de campo de prisioneiros, controle da população e prisão do dirigente
moderado Jomo Kenyata, dirigente da KAU (União Africana do Quênia). Mediante a
resistência dos africanos, a insegurança dos colonos e a impossibilidade da
implantação do multirracial ismo- forma política em que a minoria branca teria o
mesmo número de representantes que a maioria de nativos- e a resistência do Reino
de Buganda teve que evoluir para uma solução negociada. Em 1960, criou-se o KADU
(União Democrática Africana do Quênia), vitorioso nas eleições de 1961, que resultou
na instituição de um autogoverno dirigido por Kenyatta, posto em liberdade e Tom
Mboya dirigente do KADU. A independência foi obtida em 1963, e no ano seguinte
tornou-se república governada pelo moderado e pró-ocidental Kenyatta.
Embora os países independentes tenham permanecido na Comunidade
Britânica, obtiveram soberania política com divisão territorial, segundo seus estágios
diferenciados no desenvolvimento e em sua história.

142
UNIDADE 18. COLÔNIAS BRITÂNICAS NA REGIÃO
CENTRO AFRICANA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivos
Identificar os motivos que desencadearam a formação das colônias centro
africanas e relacionar o nome assumido por cada uma dessas colônias após a
independência.

ESTUDANDO E REFLETINDO
As colônias britânicas da região centro da África foram obras dos imperialistas
instalados na África do Sul, liderados por Cecil Rhodes, em constantes enfrentamentos
com os Boers, pelo projeto da ferrovia Cabo - Cairo e pelo expansionismo colonial. As
duas Rodésia, a do Sul (atual Zimbábue), agrícola com terras férteis e a do norte (atual
Zâmbia), rica em minerais, com Niassa (atual Malui), ricas em mão de obra; em 1952,
foram federadas e organizadas com autonomia governamental e uma assembléia
multirracial, com predomínio absoluto dos brancos racistas. A Inglaterra permaneceu
na área como (árbitro e protetor), garantindo o predomínio dos colonos brancos.
Os africanos da Rodésia do norte e de Niassa acreditavam, com razão, que iria
prevalecer na área o sistema racista da África do Sul e intensificaram seu movimento
nacionalista, os quais, mediante a intransigência dos colonos, levaram a deterioração
do convívio. Em 1959, foi implantado o estado de emergência na Federação e na
Rodésia do Sul, o grande número de colonos brancos que controlavam o governo
processou verdadeiro caça e submissão dos africanos, por outro lado, na Rodésia do
Norte, o Partido Nacional Unido da Independência (PNUI) e, em Niassa, o Partido do
Congresso do Maluí (PCM), consolidou-se e acelerou-se a luta para acabar com a
Federação e obter a independência dos africanos. Em 1963, dissolveu-se a Federação
em razão do racismo, supremacia dos colonos e a incapacidade de integrar as três
áreas em uma unidade, desaguando na independência conflituosa e formando três
países.
143
Niassa e a Rodésia do Norte, num processo progressivo, conseguiram,
inicialmente, governos autônomos africanos e, em seguida, a independência. Niassa
tornou-se independente, em 1964, sob governo do PCM, dirigido pelo médico africano
H. Banda, e em 1966, tornou-se a República do Maluí de tendência conservadora. Em
outubro de1964, a Rodésia do Norte conquistou a independência e tornou-se a
República de Zâmbia, presidida pelo líder do PNUI, Kenneth Kaunda.
Na Rodésia do Sul, a intransigência racista dos colonos brancos e a repressão
aos movimentos nacionalistas levaram os africanos à luta de guerrilhas, partindo ou
recuando para os territórios dos países vizinhos que lhes davam cobertura. Com
pressões internacionais de africanos e ingleses, o governo branco proclamou
independência unilateral, em 1965, contando com a conivência e apoio de Portugal e
República Sul Africana. Em vista da intransigência dos racistas brancos, a guerrilha
prosseguiu, tornando o campo de prisioneiros, num campo de batalha. A República da
Rodésia, a ZAPU (União Popular Africana do Zimbábue) e a ZANU (União Nacional
Africana do Zimbábue), em 1979, reunidos em Londres conseguiram um acordo,
buscando solução pacífica para a já consagrada derrota dos racistas. Realizaram-se
eleições, onde a Frente Patriótica (aliança da ZANU com a ZAPU) alcançaram ampla
maioria. Com a vitória no campo de batalha e nas urnas a independência é
reconhecida, em 1980, tendo Robert Mugabe do ZANU como presidente.
Os protetorados britânicos, no Sul da África; Bachuanalândia, torna-se República
de Botsuana, em 1966, o denominado Basutolândia, torna-se o Reino do Lesoto. A
Suazilândia tornou-se uma monarquia independente em 1968, mas estes dois últimos
tornaram-se reserva de mão-de-obra para a África do Sul, por estarem encravados em
seu território.

BUSCANDO CONHECIMENTO
Texto extraído de Estudos de África I “A emergência dos novos Estados
Africanos ao sul do Sahara, suas relações com as antigas metrópoles e as demais
nações desenvolvidas” de autoria de Guido Fernando Silva Soares
Disponível em: www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/67068/69678

144
[...]
II- A INDEPENDÊNCIA DAS ANTIGAS COLÔNIAS BRITÂNICAS
A análise dos movimentos de independência das antigas colônias britânicas,
mostra uma ausência de política global de descolonização por parte de Londres, sendo
os novos Estados reconhecidos pela Metrópole, para cada caso específico. A tal
pragmatismo caótico, que DUROSELL E. atribui à falta de prática de um a política de
assimilação por parte dos ingleses nos territórios coloniais da África, contudo não
faltou um a sistematização frente às instituições jurídico-políticas do Império Britânico:
a descolonização seguiu grosso modo e m todos os casos, o mesmo procedimento. Eis
a descrição de DUROSELLE, em que pese a violenta confrontação que existiu entre
colonos brancos e o movimento Mao-Mao no Quênia, a situação particularíssima da
antiga Rodesia do Sul (atual Zimbabwe) e a declaração unilateral de independência da
África do Sul:
"Do estatuto de 'colônias da Coroa' administradas diretamente, passavam ao

de colônias com um governo responsável, providas de um legislativo e


capazes de gerir suas próprias finanças; depois se tornavam colônias com um

'self-government', ainda mais autônomas. Assim, os britânicos procediam por


etapas, ao utilizar ao máximo a negociação, sob o controle do 'Colonial Office'

de Londres, e por intermédio de Comissões de Investigações da Coroa,

encarregados de recolher os votos da população" (op. cit., p. 688, - grifos


adicionados).

Enfim, o procedimento se terminava com o reconhecimento da independência


pelo "Colonial Office" e o novo Estado passava a fazer parte da "Commonwealth",
como país independente.
A primeira colônia britânica que se tornou Estado, foi a antiga Costa do Ouro
(Gold Coast), que, independente em 6 de maio de 1957, e república em 12 de julho de
1960, tomou o nome de Gana. A partir de um movimento nacionalista bastante
pronunciado, cujo secretário geral era um professor católico, Kwam e Nkrumah,
formou-se o "Convention People Party", sob a conduta do qual, e m 1954, foi
promulgada uma constituição que praticamente outorgava à Costa do Ouro um "self-
government". Nas eleições gerais de 1951 o partido de Nkrumah foi vencedor e ele
tomou-se o primeiro chefe de Governo, tendo o "Colonial Office" acordado a

145
independência ao País na data mencionada. O território sob tutela da ONU e colocado
sob administração da Grã-Bretanha, a British Togoland, após plebiscito em 9 de maio
de 1956, foi imediatamente incorporado ao território de Gana. É uma república unitária
de partido único.
A Nigéria, profundamente dividida entre diversas etnias, línguas e religiões, teve
os primórdios de sua independência estabelecidos em 1944, com a criação de um
partido nacionalista chefiado por Nandi Azikiwe. O sistema de "self-government" foi-
lhe acordado em 1951 e, posteriormente uma constituição do tipo federal lhe foi
outorgada, sob a direção de um Governador Geral e se amalgavam os Protetorados do
Norte da Nigéria e do Sul da Nigéria. Por sua reforma e m 1957, foi o supremo cargo
do Poder Executivo transformado e m "Prime Minister" e as regiões federadas
ganharam um governo local. Tornada independente em 12 de outubro de 1960, a
Nigéria tornou-se membro da "Commonwealth", na forma de uma república
parlamentarista federativa, composta de 4 "regions, that is to say, Northen Nigéria,
Eastern Nigéria, Western Nigéria and Mid-Western Nigéria" (Const. art. 3 § 19), mais um
Território federal(*). A parte norte dos Camarões Britânicos, que se encontrava sob
tutela da ONU e entregue à administração britânica, após referendo de fevereiro de
1961, nesta data, incorporou-se à Nigéria, com o nome de Província de Sardauna.
Outra ex-colônia britânica a ganhar independência foi Sierra Leone, em 27 de
abril de 1961, após uma conferência constitucional em Londres em maio do ano
anterior. O poder executivo pertence ao soberano do Reino Unido (a rainha do Reino
Unido) e exercido, em seu lugar, por um Governador Geral, que age "on advice of the
Prime Minister" e o Gabinete de Ministros, coletivamente responsável perante o
Parlamento.
Menos integradas no comércio internacional que as colônias britânicas da África
Ocidental, na África Oriental encontravam-se quatro territórios, com uma população de
maioria negros nativos, e minorias de colonos europeus e comerciantes árabes e
indianos: Tanganica, Quênia, Uganda e Zanzibar.
Na Tanganica, antiga colônia alemã, que fora colocada sob o regime de
mandato da ex-sociedade das Nações após 1919 a favor da Grã-Bretanha, e sob tutela
da ONU, igualmente a favor do Reino Unido, surgiu um partido nacionalista popular, o

146
"Tanganyka African National Union" (T.A.N.U.) fundado em 1944 por Julius Nyerere.
Instituído u m "governo responsável" em 1960, no mesmo ano as eleições deram
vitória esmagadora ao TANU, o que significaria a independência total proclamada em
28 de dezembro de 1961, no quadro da "Cammonwealth", de regime parlamentarista,
com J. Nyerere, Primeiro Ministro.
A ilha de Zanzibar teve seu processo de independência caracterizado, no
conjunto das antigas colônias britânicas, de forma violenta e já deixando antever a
interiorização e oposição entre as várias linhas do Comunismo: soviético e chinês. A
presença de árabes, indianos, comorianos, portugueses de Goa, europeus e somalis, ao
lado dos 75 % de nativos africanos, tornou a luta pelo poder u m fenômeno propício
aos revezes da guerra fria. Concedido pelos britânicos, em 1960, um "status de governo
responsável", nas eleições de 1961, as cadeiras do legislativo se dividiram igualmente
entre o "Zanzibar Nationalist Party", dominado pelos árabes, apoiado pelo Egito, a
esquerda britânica, a esquerda comunista e Gana e o "Afro-Shierazi Party", dominado
pelos africanos e apoiado por Tanganica e seu Primeiro-Ministro Nyerere (veja-se
DUROSEL - L E, op. cit. p. 690). Um a conferência constitucional decidiu que a
autonomia deveria ser conseguida em 1963. Proclamada a independência e m 12 de
janeiro de 1964, uma revolução conduzida por elementos de extrema esquerda
treinados em Cuba, e chefiados pelo ugandense John Okello, depôs o governo árabe
apoiado pelos indianos, em proveito dos africanos. Instituído o Conselho da Revolução,
apoiado por elementos pró-chineses, imediatamente os Países do Leste Europeu se
aproximaram e m enviar conselheiros civis, médicos, professores e construíram no país
uma estação de rádio, u m porto e diversos hospitais. Em 22 de abril de 1964 um "Act
of Union" foi celebrado entre Tanganica e Zanzibar e a união tomou o nome de
República Unida da Tanzânia, presidida por Nyerere, com dois Vice-Presidentes, um em
Tanganica, outro em Zanzibar. É mister acentuar, como o faz DUROSELLE, que
"Zanzibar é um dos únicos pontos da África onde a influência comunista se

tornou importante, dividida, contudo, entre comunismo chinês, comunismo

soviético e comunismo cubano". "O problema que subsiste é o dos árabes e


indianos que detêm o controle do comércio e que os africanos de extrema

esquerda consideram como um dos principais obstáculos ao progresso" (op.

cit., p. 690)

147
Vale acrescentar às palavras de DUROSELL E que o Presidente Nyerere se tem
mantido numa prudente eqüidistância entre soviéticos e chineses.
No Quênia, o processo de independência foi mais difícil, uma vez que a
repartição das terras férteis do país (1/6) era disputada por entre 6 milhões de
africanos, 150.000 indianos, 50.000 árabes e várias dezenas de milhares de colonos
britânicos que possuíam as melhores terras. Em 1947, Jomo Kenyatta, intelectual
formado em Londres (primeiro antropólogo africano a criticar o colonialismo), e líder
nacionalista, funda o partido popular "Kenya African Union"; paralelamente a ele, e por
vezes com sua cumplicidade, surge o movimento Mau-Mau, sociedade secreta, política
e religiosa, que pregava a independência através de atentados terroristas, a tomada
violenta das terras dos colonos brancos e a supressão do cristianismo. Em 1952 o
Governo britânico decidiu prender Kenyatta e os seguidores da seita Mau-Mau, assim
como os membros do "Kenya Àfrican Union". Após uma revolta que durou até 1955, os
Britânicos acordaram uma Constituição em 1958 e em 1960 novo partido foi formado e
presidido por Kenyatta, a "Kenya African National Union" (KANU); no ano seguinte, nas
eleições de 1962, a "KANU " vence as eleições, derrotando os partidos apoiados pelos
britânicos. Nas eleições de maio de 1963, a "KANU" por ter obtido 75% das cadeiras do
parlamento, a independência foi outorgada a Quênia em 12 de dezembro de 1963.
Uganda, constituída de uma colônia e pequenos reinados, obteve sua
independência em 9 de novembro de 1962, como membro da Commonwealth, não
sem terem os ingleses obtido, com grandes esforços, que aqueles reinados se
unificassem no futuro Estado.
No Sudeste da África, delimitados pela então União Sul Africana, independente
desde 1910 e que abandonaria a Commonwealth e m 1961, as possessões britânicas
compreendiam a Rodesia do Sul, a Rodesia do Norte e a Nyassalandia, as duas últimas,
protetorados, onde a situação dos colonos brancos compreendia bem menos dos 10%
da população total, índice esse que é a presença de colonos brancos da Rodesia do Sul.
No sentido de contra-arrestar a influência da União Sul Africana sobre os elementos
favoráveis ao poder aos brancos e de minar a política de "apartheid" dos sul-africanos,
o "Colonial Office" de Londres, na tentativa de manter unidas as três possessões,
instituiria em 1953 uma Federação da África Central, onde os brancos detinham 35

148
votos e os negros 6 votos de seus representantes na Assembléia federal. Após vários
incidentes sangrentos, Nyassalandia foi a primeira a deixar a Federação, sob a direção
de um partido nacionalista dirigido por Hastings Banda, que em fevereiro de 1963,
accedeu à independência, e em 1964, 1- de julho, assumiu seu novo nome de MALAWI,
na forma de república.
A Rodesia do Norte, país rico em minas de cobre, sob a liderança de Kaunda,
suscitou u m movimento ferrenho em favor da secessão da Federação. Em 1962 o
"Colonial Office" aceitaria um compromisso e eleições garantiram 67 maioria aos
partidos dos africanos. Obtido voto da Federação, Kaunda faz a retirada de seu país da
Federação e em 24/X/1964 a Rodesia do Norte se torna República de Zâmbia.
Quanto à Rodesia do Sul (atual Zimbabwe) largamente dominada pela minoria
branca, e m especial no plano de representação parlamentar (sua constitui- ção de
1901 permitia aos negros assento no Parlamento, mas e m minoria); foi organizado u m
referendo, onde quase que só os brancos puderam votar, que dotou o país de nova
constituição, restringindo ainda mais a representatividade dos negros. Nas eleições de
1962 os moderados foram batidos pela "Frente Rodesiana" de extrema direita e o novo
Governo, além de votar leis ainda mais racistas, decretou a residência forçada dos
líderes negros. Em inícios de 1970, Yan Smith decretou unilateralmente a
independência do país, sem consultas à Grã-Bretanha decretando, ao mesmo tempo, a
morte da Federação da África Central e a definitiva incorporação da Rodesia do Sul à
política racista e segregacionista (apartheid) da África do Sul.
Até 1974, a África Austral conheceria um período de relativa calma e na antiga
Rodesia o regime racista de Ian Smith podia prosseguir com sua política de dominação
pela minoria branca. Naquele ano, e m abril, a derrubada do regime de Marcelo
Caetano em Portugal e a vitória das forças de libertação de Angola e Moçambique,
com a presença de tropas cubanas e o apoio de armas e conselheiros soviéticos, bem
como o auxílio dos EUA a seu aliado da OTAN e África do Sul, vieram desestabilizar a
região e reacender os ânimos de independência na ex-Rodesia. E m particular, a
independência de Moçambique iria fazer as fronteiras da ex-Rodesia aberta aos
guerrilheiros da ZANU (Zimbawe African National Union) dirigida por R. Muzabe, que
prosseguiriam a guerra começada em 1972. Os sucessos angolano e moçambiquenhos

149
iriam encorajar outros Estados africanos a dar seu apoio à ZÁNU, como também à
ZAPU (Zimbawe African People's Union), dirigida por Yoshua Nkom e e apoiada pela
URSS, que operava a partir do Zâmbia. O aparecimento de uma forte oposição
organizada, o African National Council, sob a direção do bispo Abel Murozewa, viria
ainda a acrescentar novos fatores na independência da ex-Rodesia. Veja-se, a
propósito, o artigo de John Barrat "L'apparition d'un noveau Zimbabwe dans une
Afrique Australe en mutation: origines et répercussions" in 2 Politique Étrangère,
Institut Français des Relations Internationales, Paris, junho, 1980, p. 407-434.
Deve dizer-se que, à diferença da independência de outras ex-colônias
britânicas, que se processou com relativa tranqüilidade e m relação à ex-metrópole, no
caso de Zimbabwe, já houve interferência dos países vizinhos negros (denominados
"Países da Linha de Frente: Tanzânia, Zâmbia, Moçambique, Angola e Botswana), da
África do Sul e a ativa participação da URS S e dos EUA, tornando a questão ainda mais
intrincada. No fundo, o principal problema era a passagem do poder que restava e m
mãos da minoria branca, aos parti-68 dos representativos de maioria da população
negra, que se encontravam desunidos. Em fins de 1976, por insistência dos países da
linha de Frente, a ZANU e a ZAPU concluíram uma aliança Patriotic Front, PF, que
substituiria o "African National Council" e que deveria desde então, coordenar as
atividades militares dos grupos guerrilheiros e as negociações.
Excluídos do PF, Murozewa e Sithoie, este, antigo dirigente da ZANU, concluem
com Jan Smith um regulamento interno de 1978, sobre as bases de u ma constituição,
que daria maior representantividade à maioria negra no parlamento e eliminaria
algumas restrições racistas do país. Contudo, nem os Países da Linha de Frente nem a
PF aceitariam tal regulamento e a guerra prosseguiria, com os guerrilheiros da ZANU
operando a partir de Moçambique e os da ZAPU, a partir de Zâmbia. A África do Sul, de
seu lado, fortemente apoiava a política do regulamento de 1978 e, a tal ponto chegou
sua intervenção, que o Conselho de Segurança da ONU proclamou por unanimidade,
em outubro de 1978 o embargo total de armas destinadas à África do Sul.
Realizadas as eleições, conforme o regulamento interno, em abril de 1979, com
grande sucesso e grande participação do eleitorado (64%) branco e negro, obteve
vitória o bispo Murozewa, então chefe do novo partido UANC (United African National

150
Council), contra a ZANU de Sithoie, e outros partidos menores. O parlamento ficou
constituído de 72 votos aos africanos (51 ao UANC) e os 28 destinados aos brancos,
foram ganhados pela Rhodesian Front de Jan Smith, em escrutínio separado. O novo
Estado passou a denominar-se Zimbabwe-Rodesia, o que bem demonstra o
compromisso político para apaziguar os brancos; na verdade, pouca coisa foi
modificada quanto à estrutura legal, que consagrava o "apartheid", na nova
constituição.
Persistindo a implacável hostilidade do PF e dos "Países da Linha de Frente", a
guerra continuaria.
Em agosto de 1979, na conferência dos países da Commonwealth em Lusaka,
Zâmbia, colocaram-se os princípios para a independência do Zimbabwe Rodesia, que
foram aceitos por todos, inclusive Moçambique (não membro da Commonwealth),
seriamente prejudicado com a guerra de libertação no país vizinho.
Enfim, uma conferência constituinte reuniu-se na Lancaster House, em Londres,
de setembro a dezembro de 1979, na qual se declarou a independência do novo país,
denominado Zimbabwe, e nas eleições de fevereiro de 1980, o partido da ZANU - PF
de Robert Mugabe foi o vencedor, sendo ele proclamado primeiro-ministro.
Importa transcrever as observações de John Barrai no caso da independência do
Zimbabwe:
... a URSS exerceu um papel fraco - se é que exerceu algum- nas negociações

que precederam a regulamentação política de Zimbabwe. Da mesma forma,

depois da eleição de Mugabe não houve qualquer traço de influência da


URSS, enquanto que os governos ocidentais e a Comunidade Europeia foram

realçados pela publicação de planos relativos à ajuda prevista em favor do


novo Estado. Também a criação de um novo exército tem tido êxito, com a

assistência dos britânicos, conquanto os russos tenham fornecido armas e

instrutores ao tempo do conflito militar (op. ciL, p. 429).

Enfim, para completar o quadro, na atualidade (julho/1983) dos países


independentes e antigas colônias da Inglaterra, é necessário acrescentar os novos
Estados reconhecidos como tais, tanto pela antiga metrópole, como pela O.U.A., e o
resto-do-mundo: Botswana (1966), Lesotho (1966) e Swazilandia (1968).

151
UNIDADE 19. IMPÉRIOS DE CONCEPÇÃO
PATERNALISTA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivos
Analisar o contexto no qual foram produzidas as condições para a
independência do Congo, Ruanda e Borundi.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Dos impérios, o Português e o Espanhol, tiveram longa duração, já o Belga,
acrescido das ex-colônias alemãs, Luanda e Burundi, cujo domínio era exercido em
nome da ONU, tiveram curto tempo de duração.
Esses impérios, ao contrário do Francês e Inglês, governavam suas respectivas
colônias, como se jamais fossem deixar de lhes pertencerem, ou seja, não preparavam
elites e o povo local, não os alfabetizaram para se autogovernarem, obviamente, no
receio de que viessem se capacitar para a independência. Os governos das colônias
eram formados por pessoas vindas da metrópole.
Possivelmente, até por essas razões, a independência das mesmas foram
obtidas de forma traumática e crítica.

O IMPÉRIO BELGA
Como já citamos, quando do processo de descolonização, o Congo Belga
achava-se acrescido do Burundi e Ruanda, recebidos pela Bélgica em Mandato da
Sociedade das Nações, após a primeira guerra mundial e confirmada pela ONU, após o
término da segunda guerra mundial. Burundi e Ruanda localizam-se no coração do
continente com fronteiras ligadas ao Congo, formando um só bloco. Sua alta
potencialidade agrícola e mineral era explorada por monopólio metropolitano e o
paternalismo desta impunha a população o atraso e a inferioridade orquestrada.
Os colonizadores exploraram a colônia, sem considerar as estruturas
existentes, dominadas pelos tutsis, (pastores aristocratas e guerreiros) que exploravam
152
os hutus (Camponeses), cristalizando e, até certo ponto, politizando-as, levando estas a
se organizarem em partidos com propostas diferentes.
Essas diferenças levaram à luta armada sangrenta, onde os hutus derrotaram
os Tutsis, destruíram a monarquia, ganharam as eleições, obtiveram a independência
de Ruanda em julho de 1962 e se tornaram uma república.
O Burundi tornou-se independente, em 1962, no sistema monárquico de
minoria Tutsi. Os confrontos étnicos prosseguiram nas mesmas condições que em
Ruanda. Em 1966, torna-se uma república de partido único de domínio Tutsi, mas
como em Ruanda permaneceram os conflitos étnicos.

CONGO
INDEPENDÊNCIA TRAUMÁTICA E SANGRENTA
As possibilidades de uma emancipação a longo prazo começam a ser pensada
pelos belgas, em 1950, porém, nada fizeram para corrigir os problemas econômicos e
disputas políticas, por eles criadas. Nessas circunstâncias, começam a surgir os
primeiros movimentos nacionalistas entre os quais o ABAKO, de base étnica, dirigido
por Josseph Kasavubu que conquista vitória nas eleições municipais de 1957. Em 1958
é criado o (Movimento Nacional Congolês), fundado por Patrice Lumumba com
proposta unitária e um Congo centralizado e inter étnico; ao mesmo tempo surge na
rica província mineradora do sul, sob a liderança de Moisés Tchombe, tendências
federalistas, com apoio da Union Miniéri Du Haut Katanga-um monopólio minerador,
desencadeando a tensão política interna e com a metrópole.
Em 1959, A Bélgica muda radicalmente de posição; seria importante explorar

os fatores da conjuntura: Guerra Fria, riqueza mineral (principalmente urânio)


reflexos da conferência de Bandung (em 1955) e desenvolvimento do

nacionalismo no continente africano. No início de 1960, foi convocada uma


conferência em Bruxelas, que determinou a independência para junho do

mesmo ano. Após realização de eleições o Congo alcança a independência

sob presidência de Kasavubu, tendo Lumumba como primeiro ministro. A


rápida deserção belga abriu espaço a confrontos e conflitos. Os efeitos do

paternalismo colonial e da diferença de desenvolvimento regional afloraram.

Nenhuma negociação interna e nenhuma disputa arbitrada preparara campo


para acelerada retirada.

153
O efeito foi o endurecimento do conflito entre unitários (Lumumba) e

federalistas (Kasavubu e Tchombé), o que levou a guerra civil e étnica (de

bases regionais) e a secessão de Katanga em 1960. Tratava-se de impedir que


o MNC impusesse o modelo político e nacional em prejuízo dos interesses

locais e particulares. Com o apoio da Union Miniéri, o uso de mercenários e de

tropas belgas (para evacuar os europeus), Tchombe iniciou uma das mais
sangrentas guerras civis. O discutido apoio militar da ONU, ao pedido de

Lumumba não impediu sua destituição, prisão e morte (1961) nas mãos dos
katangeses. A ONU impediu a fragmentação do Congo, permanecendo até

1964. “Em 1963, Katanga foi incorporada, e o chefe da secessão, Tchombe,

nomeado primeiro ministro”. Em 1965, Mobutu deu um golpe de estado


centralizou o poder, organizou nova constituição (1966), impondo ditadura

pessoal de partido único, sempre apoiado e sustentado pelos países

ocidentais. VICENTINI, RIBEIRO, PEREIRA, 2007, p: 100.

RUANDA E BORUNDI
Em 1960, foi instalado o autogoverno de Ruanda, apesar dos conflitos entre
(hutu) maioria e republicana e os (tutsi), minoria monarquista.
Em 1962, já com os hutus tendo derrotado os tutsis nas eleições e destruído a
monarquia, foi proclamada a independência e instalado a república. Nesse ano
assinou-se um tratado de amizade e cooperação passando o país para a esfera de
influência francesa, mas a história do país continuou registrando o permanente conflito
político e social, justificado pela ideia de luta étnica e tribal.
O Burundi tornou-se independente, em 1962, com governo monarquista tutsi
composta de minoria da população. Em 1966, foi proclamada a república, sob domínio
tutsi e partido único, contudo sua história daí em diante não foge muito da de Ruanda.

IMPÉRIO ESPANHOL
Na África subsaariana, única colônia espanhola era a Guiné Equatorial
constituída dos territórios; Rio Muni e as Ilhas de Fernando Pó, Anabon, Corisco e
Elobeyes, um enclave territorial, tornou-se o menor pais continental independente na
África. Nas condições de província, desenvolveram-se vários movimentos nacionalistas,
obtendo, em 1963, o estatuto de autonomia interna. Na Conferência de Madri em

154
1967, realizada entre nacionalistas e espanhóis, chegou-se a acordo para
descolonização.
Tornou-se independente, em 1968, sobre a presidência de Macías, vindo a
transformar-se em repressiva ditadura pessoal que provocou o empobrecimento
emigração e em 1979, Macías foi deposto por um golpe.

155
UNIDADE 20. O FIM DO IMPÉRIO PORTUGUÊS

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Objetivo
Analisar o contexto no qual foram produzidas as condições para a
independência de Angola

ESTUDANDO E REFLETINDO
INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA
Três eram os movimentos em Angola, que vinham lutando pela sua
independência: o MPLA, (Movimento Popular de Libertação de Angola), FNLA, (Frente
Nacional de Libertação de Angola) e a UNITA, União Nacional para a Independência
Total de Angola, liderados, respectivamente, por Agostinho Neto, Jonas Savimbi e
Holden Roberto.
O crescimento sistemático da colônia inicia-se, após 1930, com Portugal já no
sistema republicano, com o incremento na produção de cana de açúcar, sisal, café e
milho, todos destinados à exportação e ainda restrito ao entorno da cidade, agora
capital Luanda, e Benguela próximas ao litoral, em cujo entorno também se situavam as
indústrias. Para se ter ideia da aceleração da produção, registram-se, em 1920, 62
toneladas de exportação, em 1941, pula para 3.888 toneladas e, em 1973, salta para
53.499 toneladas.
Registre-se também que, de 1941 a 1950, saíram de Portugal 110 mil
imigrantes, sendo que a grande maioria se fixou em Angola.
Desde o princípio de 1960, os três movimentos de libertação, FNLA, MPLA e
UNITAS, dado a intransigência da ditadura portuguesa (1926 a 1974), desencadearam
luta armada, objetivando a independência. A reação dos Portugueses foi o envio de
centenas de milhares de soldados para Angola. Portugal, para se consolidar na colônia,
promoveu importantes obras públicas as quais, acrescidas da intensificação da
produção de petróleo em Cabinda, resultaram num crescimento do PIB (Produto
Interno Bruto), para o período 1960 a 1973, de 7% ao ano.

156
Em Portugal, ocorreu a ditadura de Salazar, cuja derrubada foi, em 25 de abril
de 1974. O governo revolucionário português abriu negociação com os três principais
movimentos populares de libertação de Angola, o FNLA, MPLA e UNITA, saindo dessas
negociações, o acordo de Alvor, em janeiro de 1975, estabelecendo o dia 11 de
novembro de 1975 para a independência de Angola.
Pouco após ser marcada a data para a independência, os grupos nacionalistas
que lutaram contra o colonialismo, entraram em guerra entre si, pela posse do
governo. A África do Sul, em apoio à UNITA, de Jonas Savimbi, invade Angola, em 9 de
agosto de 1975; o Zaire, dando apoio ao FNLA, de Holdem Roberto, ao Norte, invadiu
Angola, em julho de 1975. Esses dois grupos recebiam apoio em armas e dinheiro da
China, dos mercenários portugueses, dos ingleses da África do Sul e dos Estados
Unidos, em especial, na época governado por Nixon, cujo ministro Henry Kissinger, não
obtendo apoio do congresso, utilizou-se de verbas secretas da CIA, para financiar os
adversários do MPLA, de Agostinho Neto, que ocupava a cidade de Luanda, já
considerada Capital de Angola.
O MPLA, de Agostinho Neto, solicitou ajuda da União Soviética e de Cuba,
pedido que resultou uma revoada de aviões soviéticos, entre Havana e Luanda,
transportando armas e tropas cubanas, 20 mil homens, tendo estes desembarcado em
Angola em 05 de outubro de 1975, transformando a ex colônia de Portugal em campo
de batalha, envolvendo aquela colônia na Guerra fria entre as duas super potências,
EUA e União Soviética.
Em princípio, os cubanos derrotaram os Sul africanos, fazendo com que
recuassem ao seu próprio território. A independência de Angola ficou sendo o 11-11-
1975, sendo o Brasil, sob governo Geisel, em 06/11/1975, o primeiro país a reconhecer
a independência e legitimidade do governo de Agostinho Neto.
No dia 10 de Novembro de 1975, o Alto Comissário e Governador-Geral de
Angola, almirante Leonel Cardoso, em nome do Governo Português,

proclamou a independência de Angola, transferindo a soberania de Portugal,


não para um determinado movimento político, mas sim para o “Povo

Angolano”, de forma efectiva a partir de 11 de Novembro de 1975:

E assim Portugal entrega Angola aos angolanos, depois de quase 500 anos de
presença, durante os quais se foram cimentando amizades e caldeando

157
culturas, com ingredientes que nada poderá destruir. Os homens

desaparecem, mas a obra fica. Portugal parte sem sentimentos de culpa e sem

ter de que se envergonhar. Deixa um país que está na vanguarda dos estados
africanos, deixa um país de que se orgulha e de que todos os angolanos

podem orgulhar-se.

(Fonte: http//.terrasdeveracruz.freewebpages.orgiangola.htm), consulta de


15/5/2011.

Contudo, o povo angolano só se livra das guerras e começa a organizar sua


nação, a partir de 1988, em acordo efetuado, em Nova Yorque, em virtude do início do
fim da guerra fria entre União Soviética e Estados Unidos.

BUSCANDO CONHECIMENTO
INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE
Moçambique, através da FRELIMO, movimento que aglutinava distintas
orientações em uma mesma organização, já controlava boa parte do território, quando
da Revolução dos Cravos em Portugal, tendo este, acelerado os acontecimentos,
provocando a fuga de grande parte da elite branca, passando Moçambique a ser
governado por quadros predominantemente negro e que se proclamavam marxista-
leninista. Da mesma forma que Angola, eram apoiados por assessores militar e civis,
cubanos, soviético e do leste europeu, sobretudo alemães orientais, mas não com
tropas. Mesmo com essa ligação com o campo soviético, mantiveram relações
econômicas, voltadas para os países ocidentais e até com a África do Sul,
imposibilitados que se achavam de se emancipar da produção e comércio exterior e
evitar isolamento diplomático, dado a problemas herdados do colonialismo.
A Guerra de Independência de Moçambique gerou a independência da
antiga colônia portuguesa de Moçambique, a 25 de Junho de 1975, uma luta

de guerrilha contra o exército português, também conhecida como Luta

Armada de Libertação Nacional. O levantamento armado foi lançado


oficialmente em 25 de Setembro de 1964, com um ataque ao posto

administrativo de Chai no então distrito (actualmente província) de Cabo


Delgado.

Esta luta foi organizada pela FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique),

formada em 25 de Junho de 1962, pela fusão de três movimentos já


158
existentes. Este movimento tinha base no Tanganyika (a parte continental da

actual República Unida da Tanzânia) e era reconhecido pela Organização da

Unidade Africana como um legítimo movimento de libertação.


A guerra de libertação expandiu-se para as províncias de Niassa e Tete e

durou cerca de 10 anos. Durante esse período, foram organizadas várias áreas

onde a administração colonial já não tinha controlo — as Zonas Libertadas —


e onde a FRELIMO instituiu um sistema de governo baseado na sua

necessidade em ter bases seguras, abastecimento em víveres e vias de


comunicação com as suas bases recuadas na Tanzânia e com as frentes de

combate.

A guerra terminou com os Acordos de Lusaka, assinados a 7 de Setembro de


1974 entre o governo português e a FRELIMO, na sequência da Revolução dos

Cravos (http://pt.wikipédia.org/wiki/guerra-da-indpend), consulta de


15/5/2011)

A guerra, na realidade, não termina aí, nem tão cedo, a guerra fria entre as
potências capitalistas e comunistas não o permitiriam, sem antes ensoparem o solo
africano de sangue e lágrimas, mas esta parte será melhor tratada em trabalho
específico. Lembramos também que a colônia portuguesa de São Tomé e Príncipe se
torna independente no mesmo ano de 1975, igualmente em decorrência da revolução
dos cravos em Portugal.

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