Cartografia Escolar - Almeida, Rosangela Doin de

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Rosângela Doin de Almeida

(organizadora)

CARTOGRAFIA ESCOLAR
Copyright © 2007 Rosângela Doin de Almeida

Todos os direitos desta edição reservados à


Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda.)

Capa e diagramação
Gustavo S. Vilas Boas

Revisão
Cássio Dias Pelin
Lilian Aquino

Dados Internacionais de catalogação na publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do livro, SP, Brasil)
Cartografia escolar / Rosângela Doin de Almeida,
(organizadora). – 2. ed.– São Paulo : Contexto, 20.

Vários autores
ISBN 978-85-7244-374-6

1. Cartografia 2. Cartografia - Métodos


gráficos 3. Geografia (Ensino fundamental)
4. Mapas 5. Metodologia 6. Percepção espacial
I. Almeida, Rosângela Doin de.
07-7028 CDD-526
Índices para catálogo sistemático:
1. Cartografia geográfica 526

EDITORA CONTEXTO
Diretor editorial: Jaime Pinsky

Rua Dr. José elias, 520 – Alto da Lapa


05083-030 – São Paulo – SP
PABX: (11) 3832 5838
[email protected]
www.editoracontexto.com.br

2010

Proibida a reprodução total ou parcial


Os infratores estão sujeitos às penas da lei.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
ESTUDO METODOLÓGICO E COGNITIVO DO MAPA
Lívia de Oliveira

PARA CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO NA CRIANÇA


Tomoko Iyda Paganelli

O MAPA COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO E A ALFABETIZAÇÃO CARTOGRÁFICA


Maria Elena Simielli

METODOLOGIA PARA INTRODUZIR A GEOGRAFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL


Janine G. Le Sann

A CARTOGRAFIA TÁTIL NO ENSINO DE GEOGRAFIA: TEORIA E PRÁTICA


Regina Araújo de Almeida

UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA A COMPREENSÃO DE MAPAS


GEOGRÁFICOS
Rosângela Doin de Almeida

APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DE GRÁFICOS NO ENSINO DE GEOGRAFIA


Elza Yasuko Passini
A SISTEMATIZAÇÃO DA CARTOGRAFIA TEMÁTICA
Marcello Martinelli

A ORGANIZADORA
OS AUTORES
APRESENTAÇÃO

A cartografia escolar, ao se constituir em área de ensino, estabelece-se


também como área de pesquisa, como um saber que está em construção no
contexto históricocultural atual, momento em que a tecnologia permeia as
práticas sociais, entre elas, aquelas realizadas nas escolas e nas
universidades. Considerando que se trata de constructo social, esse
saber está submetido às constantes transformações das funções e valores
dados ao conhecimento por uma sociedade complexa e contraditória.
A cartografia escolar vem se estabelecendo na interface entre
cartografia, educação e geografia (ver esquema a seguir), de maneira que os
conceitos cartográficos tomam lugar no currículo e nos conteúdos de
disciplinas voltadas para a formação de professores.
Este livro procura chamar a atenção para pesquisas que, como produções
acadêmicas, ao serem abertas para a leitura e crítica da comunidade
interessada nessa temática, colocam-se também como constitutivas de
conhecimentos em cartografia escolar.
O texto de abertura “Estudo metodológico e cognitivo do mapa”, de Lívia
de Oliveira, foi condensado de sua tese de livre-docência, publicada em 1978
na série Teses e Monografias (n. 32) do ig-usp, já esgotada. Essa tese é o
trabalho mais antigo que encontramos entre os pesquisadores brasileiros. Um
de seus pontos principais consiste em salientar a necessidade do preparo do
aluno para entender mapas; a autora propõe que o mapeamento deva ser
solidário com todo o desenvolvimento do indivíduo. Ao tratar dos mapas
infantis, a autora comenta a necessidade de se pesquisar a capacidade de
mapear, isto é, os mecanismos perceptivos e cognitivos aos quais a criança
recorre ao mapear. E, sobre esse ponto, seu trabalho representa uma
contribuição porque analisa uma bibliografia de autores norte-americanos e
europeus que não eram acessíveis aos professores brasileiros.
Os resultados dessa pesquisa confirmaram a suposição de que existe uma
associação entre as noções de direita-esquerda e de leste-oeste, e entre as
noções de acima-abaixo e de norte-sul, indicando a importância da
lateralidade na orientação geográfica. Esse trabalho acabou
orientando vários pesquisadores iniciantes quanto ao delineamento
metodológico e ao aporte teórico de suas investigações.
Ao concluir sua tese, Lívia de Oliveira apresenta alguns pontos entre
decorrências e proposições, sendo que todos apontam importantes
implicações pedagógicas oriundas de sua reflexão. Entre eles, cita a
necessidade de organizar uma cartografia infantil como “decorrência natural
de uma metodologia do mapa”. Os demais capítulos deste livro, oriundos de
pesquisas realizadas mais tarde, certamente dão existência ao que pode ser
considerado um início à realização do propósito da autora.
O segundo capítulo, de autoria de Tomoko Iyda Paganelli, foi condensado
de sua dissertação de mestrado: “Para a construção do espaço geográfico na
criança”, defendida em 1982, no Instituto de Estudos Avançados em
Educação da Fundação Getúlio Vargas (Rio de Janeiro). Seu objetivo consistiu
em analisar o papel da percepção e da locomoção no espaço geográfico local
no processo de operacionalização das relações espaciais. Pretendeu
diagnosticar o tipo de conhecimento e domínio desse espaço por crianças em
faixa etária em que se pressupõe a equilibração das relações espaciais a
nível concreto.
O capítulo de Paganelli é aquele que apresenta uma revisão mais
completa do aporte piagetiano sobre a representação do espaço, embora,
neste livro, outros autores também tomem esse aporte como fundamentação
teórico-metodológica.
Paganelli partiu de três hipóteses, a saber: 1) há diferença entre a
operacionalização de relações espaciais de uma área urbana e de um modelo
reduzido da mesma área (espera-se um melhor desempenho no modelo
reduzido, por possibilitar a visão global da área); 2) o espaço urbano
interfere na operacionalização das relações espaciais; 3) alunos de escola
pública e escola particular apresentam diferença qualitativa nos níveis de
operacionalização e de representação gráfica.
As hipóteses foram testadas através da reprodução de experimentos já
realizados por Piaget e seus colaboradores. Os resultados dos testes
aplicados demonstraram que a simples locomoção no espaço “não permite
aos alunos coordenar as diferentes referências em relação a um ponto de
vista como de vários pontos de vista em relação a uma referência”. Além
disso, a locomoção no espaço urbano parece interferir na identificação de
locais de conhecimento que permitem a correspondência entre o local e a
maquete, no entanto, a falta de coordenação das direções direita-esquerda,
frente-atrás gera insegurança na operacionalização das relações espaciais.
Ao comentar os resultados, Paganelli afirma que a falta, na escola, de
experiências no espaço urbano local com atividades de localização, bem
como do uso da planta da cidade prejudicou o desempenho dos alunos.
O terceiro capítulo apresenta a contribuição de uma autora conhecida por
suas publicações didáticas: Maria Elena Simielli, que condensa sua tese de
doutorado, O mapa como meio de comunicação:
implicações no ensino de Geografia no 1o Grau,
defendida em 1986, e sua tese de livre-docência Cartografia e
ensino: proposta e contraponto de uma obra didática,
em 1997. Em seu experimento submeteu alunos de 5a a 8a séries a um teste
de identificação, usando mapas de relevo e hidrografia do Brasil. Primeiro,
usou um único mapa com as duas informações que foi submetido a um grupo
de alunos; depois usou dois mapas, um para relevo e outro para hidrografia,
submetidos a outro grupo de alunos. Os resultados apontaram maior índice
de acerto pelos alunos solicitados a ler mapas separados para relevo e
hidrografia. A autora comenta que mapas separados facilitam a decodificação
da informação, porém não favorecem que o aluno faça correlações entre a
dinâmica do relevo e o traçado da hidrografia. Na continuidade de sua
pesquisa ela trabalhou com alfabetização cartográfica, enfocando a visão
oblíqua e vertical, a imagem tridimensional e bidimensional, o alfabeto
cartográfico, a legenda, a proporção e a escala e, finalmente, lateralidade e
orientação espacial.
Janine G. Le Sann assina o quarto capítulo “Metodologia para introduzir a
Geografia no ensino fundamental”, resultante de sua tese de doutorado
defendida em 1989. A aplicação experimental de sua proposta didática foi
feita em Belo Horizonte. Janine apresenta um material pedagógico composto
por fichas com orientações metodológicas direcionadas aos professores, para
os alunos desenvolverem atividades sobre noções e conceitos geográficos. As
fichas destinam-se ao ensino de Geografia de 1a a 4a séries. Essa proposta
nasceu de sua preocupação com o baixo nível de conhecimentos geográficos
dos estudantes brasileiros. A partir de constatações sobre as condições de
ensino em escolas públicas, dos pressupostos da psicologia genética de Jean
Piaget, de estudos de pedagogos como Antoine de la Garanderie, e, da
semiologia gráfica de Jacques Bertin, a autora elaborou um encadeamento
de 182 fichas contendo exercícios interativos (não são apresentadas
respostas prontas, mas devem ser construídas na turma, pela turma)
distribuídos segundo os temas escala, espaço1, localização e quantidade.
Esse programa foi aplicado em três escolas, com o objetivo de testar as
fichas quanto à linguagem, apresentação, sequência e adequação. Sua
contribuição é muito significativa no sentido de trazer uma experiência
concreta para a sala de aula. Por muito tempo o acesso a esse trabalho ficou
restrito, pois foi defendido na França e pouco divulgado no Brasil.
No quinto capítulo, encontra-se condensada a tese de Regina Araújo de
Almeida, defendida em 1993, intitulada A cartografia tátil e o
deficiente visual: uma avaliação das etapas de
produção e uso do mapa. Nesse trabalho, as preocupações
educacionais da autora levaram-na a fazer um estudo pioneiro no Brasil
sobre ensino de Geografia para deficientes visuais. O foco de seu trabalho foi
a criação e adaptação de materiais para o ensino de cartografia e de
conceitos geográficos. Esses materiais foram avaliados por meio de sua
aplicação em situações de ensino, o que lhe possibilitou delinear uma
metodologia de produção e ensino de mapas para deficientes visuais.
No capítulo seguinte, apresento um apanhado de minha tese de
doutorado: Uma proposta metodológica para a
compreensão de mapas geográficos, defendida na Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo, em 1994. Extraí desse texto itens
ainda não publicados, procurando dar destaque para a abordagem teórico-
metodológica que segui, com a intenção de que, uma vez aberta à leitura de
outros pesquisadores, venha sinalizar as possibilidades e as limitações dessa
opção.
Com a mesma linha de preocupação, Elza Yasuko Passini escreve, no
sétimo capítulo, uma contribuição que incide sobre o ensino de gráficos, tema
de sua tese de doutoramento intitulada Os gráficos em livros
didáticos de Geografia de 5ª série: seu significado
para alunos e professores, defendida em 1996 também na
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Elza partiu do aporte
piagetiano para estudar como alunos de 5ª série lidam com gráficos:
produção, leitura e compreensão. Ao tratar do ensino de gráficos, ampliou o
leque da cartografia escolar para além dos mapas. O enfoque de sua
investigação esteve nas coordenações sujeito-objeto, aproximando as teorias
de Jean Piaget e Jacques Bertin.
Fechando as investigações apresentadas neste livro, Marcello Martinelli
escreve, no oitavo capítulo, um denso resumo de sua tese de livre-docência:
As representações gráficas da Geografia: os mapas
temáticos, defendida em 1999. Em sua tese, Martinelli faz um estudo
detalhado da história da cartografia temática, argumentando que seu
desenvolvimento ocorre a partir do final do século xviii e início do século xix,
com a sistematização das diferentes áreas científicas, de modo que os tipos
de mapas de cada época correspondem não só à visão que se tinha da
sociedade e suas relações com a natureza, mas às necessidades e interesses
daqueles que produziam os mapas. O conhecimento da linguagem dos mapas
e sua transformação histórica permitem que professores e alunos entendam
os mapas geográficos usualmente presentes nos livros e atlas escolares.
As pesquisas incluídas neste livro foram realizadas entre a década de 1980
e a de 1990; acreditamos que isso explica, em parte, terem quase que um
mesmo aporte teórico e metodológico. A teoria da psicologia genética de
Jean Piaget fundamenta as pesquisas de cinco dos oito capítulos, todas
voltadas para questões relativas ao ensinoaprendizagem de conceitos
cartográficos. Uma razão pode estar na própria teoria de Piaget, por
possibilitar amplas interpretações sobre o processo de aprendizagem das
representações espaciais por crianças. Outra razão seria o momento em que
foram produzidas, quando a visão piagetiana consistia em forte paradigma
para a pesquisa em educação no Brasil.
Os capítulos foram organizados em ordem cronológica da defesa das
teses. Cada um mantém a proposta do autor para sua apresentação, de
maneira que não seguem um roteiro único, porém em todos foram abordados
o problema investigado, os fundamentos teóricos, a metodologia da pesquisa
e os resultados.
Uma vez divulgadas, é nossa intenção que essas investigações suscitem
tanto críticas quanto outros trabalhos em continuidade, de maneira a ampliar
os conhecimentos em cartografia escolar. Podemos dizer que os autores têm
publicações que trazem reflexões diversas, sob outros paradigmas. E dizer
também que continuidade não significa apenas continuar na mesma direção,
mas tomar outro rumo, no desafio de buscar, de conhecer melhor, de
levantar outras questões.

A organizadora

Nota

[1] Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia (5ª a 8ª série) indicam um eixo do terceiro ciclo “A
cartografia como instrumento na aproximação dos lugares e do mundo”, destacando como “alfabetização
cartográfica” o ensino de mapas.
ESTUDO METODOLÓGICO
E COGNITIVO DO MAPA
Lívia de Oliveira

“Tú, mapa
mundi, objeto,
eres bello como
una paloma
verde opulenta,
o como una
transcendente
cebolla, pero no
eres la tierra,
no tienes frío,
sangre, fuego,
fertilidades.”
Pablo
Neruda,Oda
al Globo
Terráqueo.
Este capítulo[*] aborda o mapa do ponto de vista metodológico e
cognitivo. Foi concebido, portanto, com a finalidade de contribuir para as
bases de uma metodologia do mapa. Em primeiro lugar, não é um trabalho
de cartografia; versa sobre os fundamentos psicológicos e geográficos do
mapa como um meio de comunicação espacial. Em segundo lugar, não é um
estudo dos procedimentos da representação geográfica; ao contrário: a
abordagem é metodológica e cognitiva. O objetivo é propiciar uma
compreensão das bases do mapa e incentivar uma forma de pensar sobre os
problemas didáticos a ele concernentes. Esse objetivo representa a nossa
convicção profunda de que somente assim se pode preparar o professor para
crescer intelectualmente e desenvolver métodos para transformar o ensino
pelo mapa no ensino do mapa.
O mapa sempre foi um instrumento usado pelos homens para se
orientarem, se localizarem, se informarem, enfim, para se comunicarem. O
mapa é usado pelo cientista e pelo leigo, tanto em atividades profissionais
como sociais, culturais e turísticas. O mapa é empregado pelo administrador,
pelo planejador, pelo viajante e pelo professor. Todos, de alguma maneira,
em algum momento, com maior ou menor frequência, com as mais variadas
finalidades, recorrem ao mapa para se expressarem espacialmente.
Os geógrafos das mais diversas origens provavelmente são os
responsáveis, desde as mais recônditas épocas, pela criação, produção e
interpretação dos mapas. O mapa ocupa um lugar de destaque na Geografia,
porque é ao mesmo tempo instrumento de trabalho, registro e
armazenamento de informação, além de um modo de expressão e
comunicação, uma linguagem gráfica.
O mapa é uma forma de linguagem mais antiga que a própria escrita.
Povos préhistóricos, que não foram capazes de registrar os acontecimentos
em expressões escritas, o fizeram em expressões gráficas, recorrendo ao
mapa como modo de comunicação. O mesmo acontece na atualidade com
povos primitivos que não contam com um sistema de escrita, mas possuem
mapas de suas aldeias e vizinhanças.
O homem sempre desenvolveu uma atividade exploratória do espaço
circundante e sempre procurou representar esse espaço para os mais
diversos fins. Para movimentarse no espaço terrestre, mesmo em trajetos
curtos, houve necessidade de registrar os pontos de referência e armazenar o
conhecimento adquirido da região. O mapa surge, então, como uma forma de
expressão e comunicação entre os homens. Esse sistema de comunicação
exigiu, desde o início, uma “escrita” e, consequentemente, uma “leitura” dos
significantes expressos.
Entre o primeiro mapa de que temos conhecimento e os atuais, altamente
sofisticados, há toda uma evolução de métodos, técnicas, materiais e teorias,
que estão em acordo com o próprio desenvolvimento e progresso da ciência
e da tecnologia. Apesar de ser uma forma de expressão primária, ou talvez
por isso mesmo, e por ter surgido há milênios, o mapa atingiu um
desenvolvimento não alcançado pela própria escrita. Esse nível altamente
sofisticado exige um preparo do leitor para usufruir desse meio de
comunicação.
Enquanto a alfabetização sempre foi um problema que chamou a atenção
dos educadores, não se inclui nela o problema da leitura e escrita da
linguagem gráfica, particularmente do mapa: os professores não são
preparados para “alfabetizar” as crianças no que se refere ao mapeamento.
O que queremos dizer é que não há uma metodologia do mapa, que não tem
sido aproveitado como um modo de expressão e comunicação, como poderia
e mesmo deveria ser.
O objetivo do capítulo é o de colocar o problema didático do mapa não
como um recurso visual ou um material didático empregado pelo professor de
Geografia, ou de outras disciplinas escolares, para ilustrar suas exposições ou
como material para atividades de experiência dos alunos, quando necessitam
trabalhar com o espaço geográfico. Em outras palavras, não é analisar o
ensino pelo mapa; mas, sim, propor o problema do processo de
ensino/aprendizagem do mapa.
Como consequência das propostas apresentadas, lançamos as bases para
uma metodologia do mapa. Para isso, procurou-se examinar a teoria de
Piaget em relação à construção do espaço pela criança, incluindo a percepção
e a representação espaciais. Concordando com Piaget[1] quando preconiza
que a noção de espaço e a suarepresentação não derivam simplesmente
da percepção: é o sujeito, mediante a inteligência, que atribui significado
aos objetos percebidos, enriquecendo e desenvolvendo a atividade
perceptiva. Da mesma forma, foi aceita a explicação piagetiana do
desenvolvimento intelectual do espaço, que afirma que as relações
espaciais topológicas são as primeiras a serem estabelecidas pela
criança, tanto no plano perceptivo como no representativo; e é a partir das
relações topológicas que serão elaboradas as relações projetivas e
euclidianas.
Uma metodologia do mapa não pode se prender unicamente ao processo
perceptivo; também é preciso compreender e explicar o processo
representativo, ou seja, é necessário que o mapa, que é uma representação
espacial, seja abordado de um ângulo que se permita explicar a percepção e
a representação da realidade geográfica como parte de um conjunto maior,
que é o próprio pensamento do sujeito. O processo de mapear não pode se
desenvolver isoladamente, mas deve, sim, ser solidário com todo o
desenvolvimento mental do indivíduo.
Ainda como contribuição para as bases de uma metodologia do mapa, é
apresentado um estudo experimental sobre a transformação da orientação
corporal em orientação geográfica. Partiu-se do pressuposto de que é
necessário que a criança tenha adquirido a noção das relações projetivas de
ordem espacial para iniciar o trabalho com o mapa. Acredita-se que a criança
precisa ser capaz de estabelecer as relações de direita-esquerda e acima-
abaixo, em seu próprio corpo, no corpo de um interlocutor colocado de frente
e entre três objetos em posição horizontal e vertical, para começar a
estabelecer as direções de leste-oeste e norte-sul em uma superfície plana
como o mapa. É preciso que ela seja capaz de conceituar as direções
geográficas de maneira relativa, para poder ler e interpretar o mapa.
Espera-se que o conteúdo aqui exposto possa contribuir para que
geógrafos e educadores reflitam sobre uma metodologia de ensino do mapa.

O problema didático do mapa


O mapa sempre foi utilizado pelo geógrafo como um modelo da realidade,
uma representação da superfície terrestre. Como documento, o mapa
também é empregado pelos professores, principalmente de Geografia, como
um recurso em sala de aula.
Os estudos educacionais em geral se prendem ao uso dos mapas e do
globo terrestre no processo ensino/aprendizagem. A preocupação principal é
com a confecção dos contornos ou a localização de lugares ou produtos no
mapa. Todos os educadores concordam que aprender a ler o mapa é
necessário para a formação básica dos educandos; todas as escolas, com
raras exceções, possuem mapas, mesmo que sejam aqueles dos cadernos e
livros dos alunos. Mas poucos são os estudos sobre o que seria uma
“alfabetização” cartográfica.
O que geralmente se observa é o emprego direto do mapa usado pelo
geógrafo, ou o extremo oposto: o uso de mapas excessivamente
simplificados para a criança. Os mapas escolares são reproduções dos mapas
geográficos. O que ocorre é que os pequenos “leem” os mapas dos grandes,
os quais são generalizações da realidade que implicam uma escala, uma
projeção e uma simbologia espaciais e que não têm significação para as
crianças.
O problema didático do mapa é aqui colocado no que se refere ao uso do
mapa pelo professor e pelo aluno. Não queremos nos referir à famosa
atividade de “fazer” mapas, tão enfatizada na didática tradicional, em que os
alunos trabalhavam copiando, decalcando, elaborando com diagramas os
contornos de várias partes do globo.
Parece que um problema didático do mapa está no fato de o professor
utilizálo como um recurso visual, com o objetivo de ilustrar e mesmo
“concretizar” a realidade; ele recorre ao mapa, que já é uma representação e
uma abstração em alto grau do mundo real. Ao apresentar o mapa ao aluno,
o professor geralmente não considera o desenvolvimento mental da criança,
especialmente em termos de construção do espaço.
Ao aceitar o trabalho de Piaget e seus colaboradores acerca da construção
do espaço, é possível delinear o problema didático do mapa. Há necessidade
de estabelecer correspondência entre a aprendizagem e o ensino do mapa e
o desenvolvimento do aluno. Se as relações espaciais topológicas são as
primeiras a serem estabelecidas, tanto no plano perceptivo como no
representativo, e a partir delas é que são engendradas as relações espaciais
projetivas e euclidianas, claro está que os primeiros mapas que as crianças
deveriam aprender a manipular seriam os topológicos, e não os projetivos e
euclidianos. Há poucas informações sobre como a criança se conduz diante
do processo de mapeamento, tão sofisticado, porque, na verdade, os estudos
sobre os usuários de mapas em geral são poucos e, no tocante aos
consumidores mirins, são mais escassos ainda.
Do ponto de vista da ação didática, justifica-se uma análise qualitativa do
mapa em uma perspectiva cognitiva. O professor em de sala de aula
necessita de orientações didáticas flexíveis e que sejam de fácil manejo e
baixo custo.

Os mapas na sala de aula


Os mapas constituem, sem dúvida, um dos mais valiosos recursos do
professor de Geografia. Eles ocupam um lugar definido na educação
geográfica de crianças e de adolescentes, integrando as atividades, áreas de
estudos ou disciplinas, porque atendem a uma variedade de propósitos e são
usados em quase todas as disciplinas escolares. Mas é somente o professor
de Geografia que tem formação básica para propiciar as condições didáticas
para o aluno manipular o mapa. Como parte inerente de todos os programas
de Geografia, qualquer que seja o assunto tratado ou a série considerada, o
mapa ocupa um lugar de destaque.
Quando fazemos uma revisão da literatura sobre didática da Geografia,
verificamos que quase todas as obras incluem um capítulo sobre mapas e
globos. As revistas educacionais, especialmente as dirigidas ao campo do
ensino da Geografia, publicam continuamente resultados de pesquisas
dedicadas ao problema dos mapas; essa constatação evidencia o interesse
da questão.
De modo geral, os artigos que tratam dos mapas, no setor educacional,
voltamse mais para as finalidades e o seu uso pelos professores e pelas
crianças em situações escolares. Os mapas considerados nesses estudos são
os mapas do adulto. Sobre os mapas da criança, a bibliografia é nitidamente
escassa.

Os mapas da criança
O estudo de como são os mapas da criança constitui um problema
psicológico. O processo de mapeamento do espaço pelas crianças está
inserido no processo geral do desenvolvimento, e em especial na construção
do espaço. Um exame da literatura revela explicações e experimentos sobre
representação em geral, e em particular sobre a representação espacial. O
mapa é definido, em educação, como um recurso visual a que o professor
deve recorrer para ensinar Geografia e que o aluno deve manipular para
aprender os fenômenos geográficos; ele não é concebido como um meio de
comunicação, nem como uma linguagem que permite ao aluno expressar
espacialmente um conjunto de fatos; não é apresentado ao aluno com uma
solução alternativa de representação espacial de variáveis que possam ser
manipuladas na tomada de decisões e na resolução de problemas.
Para que o mapa seja encarado como representação espacial, torna-se
necessário realizar investigações sobre como as crianças constroem seus
mapas. Pode-se perguntar: mapear resulta simplesmente da atividade
perceptiva ou também da sensório-motora? Ou, mais ainda, de uma
atividade operatória? Apesar de ser um campo fecundo, os mapas da criança
ainda permanecem quase inexplorados e à espera de investigações que
esclareçam o assunto, tanto para psicólogos como para educadores, e
principalmente para os professores.
O mapa é uma forma de comunicação gráfica que precede historicamente
a escrita, podemos inferir que também as crianças se comunicam entre si
através de representações gráficas, as quais podem grosso modo ser
consideradas mapas. Ainda mais, se a graficacia é o primeiro modo de
comunicação entre os seres humanos, justifica-se plenamente o estudo dessa
comunicação entre as crianças, através da evolução da noção de mapa. Essa
comunicação gráfica forçosamente estará em um contexto intelectual, mais
amplo. E, como a história do desenvolvimento intelectual da criança é
acompanhada pela história da socialização progressiva do pensamento
individual da própria criança, a representação espacial gráfica aparece desde
os primórdios de suas atividades sociais. Quando observamos os brinquedos
das crianças, isto é, quando elas jogam em grupos, podemos constatar que
traçam linhas imaginárias ou concretas para delimitar e separar as suas
atividades e os seus territórios.
O jogo é uma das ações concretas pelas quais se processa o
desenvolvimento da criança em seu sentido mais amplo. A atividade lúdica se
apresenta na conduta humana como manifestação espontânea.
O jogo e a imitação, como bem estudou Piaget (1973), são os polos do
equilíbrio intelectual, que implica uma coordenação entre a acomodação,
fonte da imitação, e a assimilação lúdica. A conduta humana se
apresenta sempre como uma adaptação ou mesmo como uma contínua
readaptação. Essa adaptação da criança ao mundo externo é realizada
através dos processos de assimilação do meio e acomodação a ele. Na
perspectiva piagetiana do desenvolvimento mental da criança, o jogo e a
imitação desempenham papel relevante, pois são atividades espontâneas e
que perduram por toda a vida do indivíduo.
O jogo e a imitação são atividades praticamente inseparáveis: a criança
joga imitando e imita jogando. Para compreender os mapas da criança, seria
recomendável estudar principalmente os jogos que incluem atividades
espaciais, observando os jogos usuais que as crianças praticam e as relações
ou noções espaciais por elas estabelecidas.
Os jogos infantis, como amarelinha, roda, bola, esconde-esconde, casinha,
ou “cavernas”, são universais. Essas brincadeiras são atividades que exigem
uma série de requisitos espaciais: representação gráfica concreta ou
imaginária; localização absoluta ou relativa; orientação em termos de
distância e direção; estabelecimento de relações espaciais, tanto topológicas
como projetivas ou euclidianas; enfim, um processo e um padrão espacial de
conduta.
Blaut (1969: 50) considera que as crianças necessitam desenvolver três
habilidades fundamentais que envolvem perceptos ambientais: constância de
forma, de tamanho e padrão de reconhecimento, ou generalização de
significado. Ele acrescenta ainda que, para preparar os mapas mais
sofisticados, o cartógrafo também necessita dessas mesmas habilidades. Por
conseguinte, a constância da forma, através da rotação, é homóloga ao
controle da projeção; a constância do tamanho, através da redução, é
homóloga ao controle da escala; e o padrão de reconhecimento ou
generalização de significado, através da abstração, é homólogo ao
sistema simbólico ou legenda do mapa. Por um lado, escala, projeção e
sistema simbólico são propriedades do mapa, e por outro, a redução, rotação
e abstração correspondem às operações cognitivas. Essas operações são
empregadas universalmente no mapeamento.
Bloom (1969: 29-44) observou padrões de jogos infantis de crianças com
quatro anos de idade em um ambiente microgeográfico, durante um
determinado período de tempo. A área de brinquedo correspondia ao
playground de um jardim de infância em Worcester, eua.
O estudo incluiu quatro elementos que as crianças utilizam para organizar
seu espaço de brinquedo: a) padrões espaciais, compreendendo distribuição
espacial, padrões de agrupamento e organização de leader-follower –
funcionando como a “patota”; b) padrões de exploração, isto é, pontos de
maior atividade, métodos de exploração espacial de territórios desconhecidos
ou novas maneiras de explorar territórios familiares, que se referem aos
aspectos fantasiosos do território; c) difusão da atividade, implicando
dispersão de interesse, sempre que estejam presentes pessoas com
capacidade para inovar e que disponham de objetos que facilitem a
inovação; e d) instrumentos que funcionem como brinquedos, quer sejam
aqueles que são encontrados prontos no comércio ou aqueles preparados
pelas crianças.
Os resultados dessas observações permitiram aventar as seguintes
conclusões: a) em termos de criatividade, uma área de brinquedo com
árvores, elevações, esconderijos naturais e arbustos satisfaz muito mais a
organização do espaço da criança; b) as crianças tendem a se organizar em
grupos de acordo com o brinquedo que realizam; esses grupos são
dinâmicos, transformando-se continuamente, ou às vezes as crianças brincam
individualmente; c) os recursos são usados pelas crianças para serem
aplicados no momento ao brinquedo, não apresentando outro valor senão o
temporal; o uso do espaço e o uso de implementos são quase inconscientes
na perseguição dos objetivos; além disso, cada recurso pode ser usado de
várias maneiras, de acordo com o aspecto-fantasia em que a criança está
envolvida; e d) as crianças, na área disponível para brincar, descrevem
trajetos e movimentos, traçam linhas, enfim, expressam espacialmente seus
padrões de comportamento.
Os trabalhos do grupo da Clark University são tão variados e sugestivos
que poderíamos continuar enumerando-os e descrevendo-os. poderíamos
continuar enumerando-os e descrevendo-os. 85); o objetivo desse estudo foi
conhecer como as crianças percebem e se comportam em um parque público.
Os procedimentos seguidos durante a pesquisa foram os seguintes:
observação de crianças de várias idades durante as atividades de brinquedo,
em um parque público na cidade de Worcester, eua, e entrevistas informais
com as crianças, durante os períodos de observação. Desde a entrada da
criança no parque até a sua saída foram registradas todas as suas atividades
e as respostas dadas às questões da entrevista.
Os resultados foram os seguintes: a) os períodos de pico durante a
semana, comparados com os fins de semana, não revelaram diferença.
Durante a semana predominam as crianças mais velhas, geralmente
desacompanhadas, tagarelando mais e jogando bola, e nos fins de semana
aparecem mais as crianças menores acompanhadas dos pais, as quais se
dedicam a alimentar os patos e se concentram na área do playground;
b) quanto aos padrões de atividade, foram encontrados os seguintes: as
crianças de idade entre 5 e 7 anos procuram mais brincar na balança, no
escorregador, no terreno com areia, correr com os adultos e alimentar os
patos; as de idade entre 8 e 14 anos dedicam-se a andar de bicicleta ao
redor do lago, a concentrarse em determinadas áreas, a caminhar, a
alimentar os patos, a pescar e a fantasias sem estruturações, como, por
exemplo, Robinson Crusoé na ilha. Observou-se que as crianças mais novas
procuram as balanças e os escorregadores, enquanto característica dos
pequenos, procurando realizar atividades mais espontâneas e improvisadas;
c) quanto às atividades peculiares a grupos particulares de idade, pôde-se
verificar que as crianças de 5 a 7 anos usualmente vêm acompanhadas dos
pais e desenvolvem atividades seguindo as sugestões dos adultos, ao passo
que as crianças entre 8 e 14 anos realizam atividades sem estruturações,
inventando brinquedos, desfrutando muito mais do parque, encontrando-se
com outras crianças e formando grupos de brinquedo; d) os lugares de
interação dos grupos foram, em ordem decrescente: o lugar onde os patos
são alimentados, o ponto mais distante do lugar onde os patos são
alimentados, a maior ponte sobre o lago, e a entrada principal do parque. O
parque, de uma maneira geral, é percebido pelas crianças como árvores,
gramados, lago, patos, amigos, brinquedos. Os resultados foram analisados
em termos espaciais, através dos pontos ocupados pelas crianças, das linhas
traçadas, e das áreas descritas em todas as atividades realizadas.
Essa série de pesquisas do grupo da Clark University é rica em sugestões e
principalmente é uma tentativa para elaborar uma teoria que possa explicar
as atividades espaciais da criança.
Diante disso, mas procurando maior clareza e mais detalhes, vamos
focalizar o problema didático do mapa desdobrando-o em suas duas
dimensões: o ensino e a aprendizagem.

O ensino do mapa
É difícil separar o ensino da aprendizagem, pois, sendo fases de um
mesmo processo, a um se segue o outro e um precede sempre o outro. Isso
equivale a dizer que não haverá ensino sem aprendizagem, nem esta sem
aquele. Acrescenta-se ainda que o ensino/aprendizagem sempre se refere a
algum conteúdo.
Inicialmente, podemos descrever os mapas escolares como aqueles que os
professores e os alunos têm possibilidade de manipular. Dentro dessa
concepção ampla, estão incluídos: os mapas murais, os mapas dos atlas
escolares, o próprio globo terrestre e todos os materiais cartográficos.
Como bem acentua Edwards (1968: 87-88), os alunos, quando consultam
os mapas murais, muitas vezes necessitam de assistência do professor,
através de perguntas em uma ordem sequencial predeterminada. O exemplo
citado no artigo é sobre localizações das correntes fluviais: o aluno, para
encontrar no mapa a direção de um determinado rio, necessita de que o
professor lhe explique os termos “nascente” e “foz”, “terras altas” e “terras
baixas”, onde em geral os rios deságuam. Na verdade, o que o professor faz,
pode-se acrescentar, é guiar as respostas das crianças mediante a divisão do
tema em pequenas partes – e, como professora, sei muito bem que dirigir as
respostas dos alunos não é o melhor processo de aprendizagem. Um
professor que utiliza o mapa mural esperando que a criança vá “concretizar”
a ideia de rio ou de cidade, e mesmo de cordilheira (nos mapas em alto
relevo), revela ter um otimismo exagerado sobre aprendizagem em geral, e
sobre mapas em particular. Não se compartilha tal otimismo.
O mesmo se pode afirmar sobre os mapas dos atlas e os cartogramas
temáticos. O mapa é uma representação gráfica da Terra ou de parte dela,
em uma superfície plana. Mas não podemos confundir o mapa, objeto
concreto, com a representação nele contida, que é uma abstração. No caso
do rio, é preciso esclarecer que a criança irá localizar uma linha que
representa um determinado rio e que o mapa não poderá fornecer
informações para que a criança experiencie a noção de rio.
O globo terrestre apresenta a forma como uma qualidade básica, pois é a
melhor e mais correta representação da Terra. Não importa o seu tamanho,
ele sempre representará a superfície toda do planeta: continentes e oceanos
em proporções corretas. Talvez a função mais importante do globo seja
ilustrar os movimentos da Terra e iniciar, desse modo, o ensino do tempo, da
alternância do dia e da noite e das mudanças de estações.
Além dos vários tipos de mapa e globo, devem ser lembrados os materiais
cartográficos que precisam ser incluídos no ensino do mapa.
Esses materiais são aqueles que ou o professor ou os alunos utilizam
quando trabalham com as representações espaciais gráficas. Pode-se citar,
entre alguns desses materiais: os mapas mudos; os contornos de mapas de
diversos materiais, principalmente os plásticos; as transparências para
retroprojetor; os moldes para contornos de mapas; os blocos-diagramas; os
mapas em relevo etc.
As funções e finalidades do uso do mapa na sala de aula são sempre
relativas ao ensino pelo mapa. Dentro dessa abordagem, Thralls (1965)
aponta como objetivos do ensino pelo mapa o desenvolvimento de
habilidades e compreensões, tais como: a) visualizar a paisagem
representada pelos símbolos do mapa; b) compreender os diferentes tipos de
informações; c) estabelecer relações de fatos revelados no mapa; e d)
traduzir para a linguagem dos mapas informações obtidas em pesquisas.
Esses objetivos são tão amplos e vagos que pouco podem auxiliar o professor
em sala de aula.
Como Mettenet (1968: 53-55) bem coloca, todo mapa é quase sempre
uma frustração para aqueles que desconhecem o processo de mapeamento.
Haverá sempre uma distorção no mapa, pois é impossível mostrar ou
desenrolar uma superfície esférica em uma superfície plana; o mapa pode
mostrar as várias combinações entre distância, direção, forma e área, mas
não pode representar os quatro aspectos corretamente ao mesmo tempo.
Como consequência, a função do mapa depende do uso que o professor quer
do mesmo; se o professor não sabe o que quer que o mapa mostre, nenhum
mapa se apresenta como bom: todos serão distorções da realidade.
O valor do mapa está naquilo que o professor se propõe a fazer com ele.
Portanto, o mapa é um instrumento na mão do professor; é um modelo da
realidade que ele aplicará e adaptará às diversas situações e necessidades
que se apresentem durante as suas aulas, durante as suas relações didáticas
com os alunos.
Basicamente, o mapa pode ser usado em sala de aula para atingir os
seguintes objetivos: localizar lugares e aspectos naturais e culturais na
superfície terrestre, tanto em termos absolutos como relativos; mostrar e
comparar as localizações; mostrar tamanhos e formas de aspectos da Terra;
encontrar distância e direções entre lugares; mostrar elevações e escarpas;
visualizar padrões e áreas de distribuição; permitir inferências dos dados
representados; mostrar fluxos, movimentos e difusões de pessoas,
mercadorias e informações; apresentar distribuição dos eventos naturais e
humanos que ocorrem na Terra. Diante desses objetivos, conclui-se que o
mapa não deverá ser planejado para ser usado uma vez ou duas, como em
geral acontece com os cartazes, gravuras ou slides durante o período letivo,
mas para ser usado constantemente.
Nas escolas, mais precisamente no estado de São Paulo, observa-se uma
carência de materiais didáticos, entre eles a de mapas. Quando a escola
dispõe de coleções de mapas, nem sempre os professores as utilizam em
suas aulas. As razões pelas quais não se usam os mapas se prendem a
fatores de várias ordens: a) econômico (a escola não conta com recursos
financeiros suficientes); b) material (a sala de aula não oferece condições
para a exposição dos mapas e os alunos não têm meios para adquirir atlas);
c) tempo (o professor não dispõe de tempo para retirar o material a ser
usado, pois este se encontra guardado em lugares de difícil acesso); d)
administrativo (o diretor não permite o uso porque danifica o mapa, e proíbe
colocar pregos nas paredes); e outros semelhantes.
Todos os autores consultados apresentam as características que devem
reunir um bom mapa para ser usado em sala de aula. Essas características
podem ser resumidas em uma frase: o bom mapa é aquele que apresenta
corretamente o que queremos mostrar. Os critérios básicos para selecionar
um bom mapa são os seguintes: legibilidade, simplicidade e utilidade do
conteúdo ou dos dados. Mas pode-se acrescentar que o mapa, como forma
de comunicação gráfica, precisa transmitir sua mensagem de maneira clara,
rápida e efetiva. Mais importante ainda é que os receptores dessa
mensagem, quando emitida em uma sala de aula, são crianças e
adolescentes que se encontram em diversas etapas de seu desenvolvimento
intelectual.
O problema didático do ensino do mapa, como não poderia deixa de ser,
recai sobre a formação básica do professor. É um truísmo afirmar que o
ensino depende do professor, mas queremos destacar que no tocante ao
mapa é preciso examinar mais de perto a questão.
Por conseguinte, é necessário que se inclua no currículo de formação do
professor a disciplina Cartografia Escolar. Essa cartografia deverá ser mais
voltada para a geografia do que para a matemática. Paralelamente, deverá o
professor contar em sua bagagem profissional com conhecimentos sobre o
desenvolvimento da criança e do adolescente. Para os professores que
trabalham com as classes iniciais, o preparo deveria ser mais cuidadoso; uma
metodologia do ensino do mapa deveria ser desenvolvida ao lado da
Metodologia Geral, tratando o mapa como uma forma de comunicação e de
expressão.

A aprendizagem do mapa
O processo de aprendizagem exige uma participação do sujeito no meio
externo, mediante experiência. Essa experiência pode ser diretamente sobre
os objetos – experiência física –, o que implica uma ação do sujeito no
sentido de descobrir as propriedades de tais objetos. A abstração, aqui, está
presa às propriedades do objeto. A experiência pode ser, também,
indiretamente sobre os objetos – experiência matemática
–, o que implica agir sobre as ações exercidas pelos sujeitos. A abstração,
nesse caso, prende-se não mais às propriedades dos objetos, mas às ações
exercidas sobre eles, isto é, às coordenações das ações, ou ainda às
estruturas mentais do sujeito.
A aprendizagem do mapa depende tanto de experiência física como da
experiência matemática. Na prática, é impossível, em relação ao mapa,
separar o objeto (mapa) da ação exercida pelo sujeito sobre o objeto
(representação espacial). Consequentemente, a aprendizagem do mapa é
um tipo diferente de aprendizagem, em muitos aspectos. O mapa, em
sentido psicológico, apresenta três atributos indissociáveis – redução, rotação
e abstração, que se traduzem na representação.
O representável no mapa caracteriza-se sempre: a) pelo seu tamanho, que
é grande em relação ao organismo daquele que aprende – e mais nítida
ainda é a diferença, considerando-se a criança; b) pela sua forma: pelo fato
de ser curva a superfície da Terra e pela complexidade das formas dos
objetos a serem incluídos na representação – o que se estende a todas as
formas de objetos perceptíveis, eventos, pessoas e relações entre esses
objetos; e c) pelo fato de que os objetos, dada a sua complexidade de
tamanho e forma, não permitem que o sujeito os perceba de uma só vez,
pois o seu organismo encontra-se mergulhado no mundo e não flutuando
sobre ele, exigindo, para aprender sobre o espaço terrestre como um todo,
trabalhar com a sua representação.
A criança, para conhecer um objeto e apreender as suas propriedades,
manipula-o mediante a experiência – tocando, vendo, ouvindo, sacudindo,
enfim, agindo sobre o mesmo. Mas para conhecer o espaço, a criança precisa
movimentar-se dentro dele, locomover-se através dele – espaço esse que
inclui, por sua vez, entidades animadas e inanimadas, e de muitos tipos. A
aprendizagem do espaço é fundamental para a sobrevivência do organismo
humano e, dadas as proporções do espaço terrestre, o homem necessita
manipular esse espaço de forma vicária ou simulada. A conduta espacial
também é diferente. Os eventos que ocorrem no espaço terrestre exigem
esquemas de ação e estratégias comportamentais diferentes das
experiências interpessoais. Eventos como incêndios, chuvas, terremotos ou
desorientação espacial são tão traumáticos quanto as relações humanas que
ocorrem entre grupos de pessoas.
Como mecanismo de sobrevivência, o indivíduo lança mão daquilo que
autores vêm denominando de mapeamento cognitivo. Para Blaut e
Stea (1971: 9-10), o mapa cognitivo é nitidamente mental e é pouco
conhecido do ponto de vista neurofisiológico, enquanto o mapeamento
cognitivo é um conjunto de observáveis de processos mensuráveis.
São reconhecidos dois tipos de mapeamento cognitivo: o icônico e o
linguístico. O mapeamento icônico ocorre em contextos nos quais o map
reader compreende os significados convencionais pelo sistema-sinal, sem
necessidade de tradução especial para outro sistema-sinal, como, por
exemplo, a linguagem escrita. A necessidade dessa tradução é o que
identifica o tipo linguístico. No mapeamento linguístico, o map reader
faz uso de sinais e regras que lhe são significantes somente se ele aprende
os significados convencionais e usa uma legenda, que funciona como um
dicionário.
Em geral, na aprendizagem geográfica de conceitos, o professor segue
dois caminhos: a) através do aumento sucessivo da escala, partindo da sala
de aula para a vizinhança, e daí para o bairro, a cidade, o estado ou a nação,
e assim por diante; ou b) mediante aprendizagem direta de conceitos não
familiares e não percebidos, através de habilidades no manuseio com mapas
e globos.
Ambos os modos têm-se mostrado como caminhos difíceis para as crianças
percorrerem. Assim, a barreira do horizonte entre a percepção do mundo
cotidiano e a representação do mundo geográfico continua como sério
obstáculo para a aprendizagem geral da Geografia, e em particular do mapa.
Na verdade, o obstáculo perceptual no tocante a fato tão óbvio, mas cuja
significação poucos professores consideram, é que a única maneira de
perceber qualquer área geográfica como um todo é vê-la de uma posição
mais alta, e essa perspectiva não é familiar para a criança, nem, talvez, para
muitos professores. Não se pode esquecer que somente no século xx a
humanidade pôde ver áreas da superfície terrestre de posições mais
elevadas, e que a oportunidade de observar a Terra como um todo ainda
está reservada aos tripulantes das viagens espaciais, que se iniciaram a
partir dos anos 1960.
A imagem que os homens tinham da Terra não era construída a partir de
uma percepção física direta, mas sim mediante uma representação deduzida
matematicamente.
E as crianças, além de se defrontarem com esses problemas humanos,
têm outras dificuldades, inerentes ao seu desenvolvimento, ao manipularem
a representação da Terra – fotografias vistas de satélites, fotografias aéreas
de porções terrestres, mapas e globos. A aprendizagem do mapa repousa,
consequentemente, entre a percepção dos observáveis geográficos e a
representação gráfica dos mesmos – entre o mapeamento icônico e o
linguístico.
O enfoque piagetiano pode contribuir em muito para resolver o problema
didático do mapa, principalmente em sala de aula. É na sala de aula que se
pode começar a investigar experimentalmente como as crianças manipulam
os mapas e quais os mecanismos por elas utilizados para trabalhar com eles.

As bases para uma metodologia do mapa


Os mapas sempre fizeram parte dos equipamentos pedagógicos das
escolas. Do mesmo modo como o professor em sala de aula emprega o
quadro negro e o giz, também recorre aos mapas para ilustrar as suas aulas.
Tais recursos pedagógicos geralmente são empregados de maneira empírica
e para alcançar objetivos imediatos; esse uso empírico se refere ao mapa
como recurso visual, quando o mapa poderia ser usado pelo professor de
maneira racional, como forma de comunicação e expressão. Em outras
palavras, é o ensino pelo mapa e não o ensino do mapa.
O professor frequentemente – dada a necessidade de resolver no
momento da aula o problema didático do mapa – toma decisões sem se
preocupar com a validade das informações. Assim, o mapa é usado sem a
preocupação de averiguar se a criança está em condições de realizar a sua
interpretação, ou mesmo se o mapa disponível é o mais apropriado. Em
parte, o professor é forçado a adotar essas práticas porque o assunto não
tem sido investigado como deveria e, além disso, os resultados das poucas
pesquisas sobre o mapa dificilmente chegam à sala de aula e não se
transformam automaticamente em inovações aplicáveis ao trabalho didático.
Ao contrário, a aplicação de resultados de pesquisas requer decisões
administrativas complexas e nem sempre fáceis de ser tomadas.
Por outro lado, a pesquisa como atividade profissional até há pouco tempo
era apenas do domínio de certas profissões e limitada a determinadas áreas
do conhecimento humano. A pesquisa não está incluída entre as funções dos
professores, com exceção do universitário, e assim mesmo somente aqueles
que trabalham no magistério oficial em tempo integral a ela dedicam parte
do seu tempo. Quanto aos professores do ensino fundamental e médio a
carga horária é prevista somente para ministrarem aulas ou atividades
diretamente ligadas ao magistério. Em outras palavras, aos professores, de
um modo geral, não são atribuídas atividades de pesquisa, nem é previsto
tempo para exercer essas atividades. Como consequência, não integram a
formação profissional dos professores disciplinas básicas sobre pesquisa
científica.
As pesquisas sobre o ensino do mapa apresentam dificuldades que não
lhes são próprias, e que existem em outras áreas da Didática. Parece-nos
oportuno mencionar a opinião de Castro (1969: 68) sobre a dificuldade de
realização de pesquisa em Didática. Segundo a autora, o problema tem duas
faces: de um lado, os professores que trabalham diretamente com crianças
em salas de aula não têm o preparo necessário para planejar e desenvolver
pesquisas, nem domínio das técnicas estatísticas para inferir aplicações; mas
são esses professores que sentem o impacto primeiro e, portanto, mais forte
do problema didático, e por essa razão sentem necessidade premente de
encontrar soluções imediatas. Não podem esperar o dia seguinte ou o
próximo mês para consultar livros ou solicitar assessoramento, pois o
problema didático, quando se apresenta, exige uma solução no momento –
mesmo que seja apenas uma solução parcial. Os primeiros cuidados
pedagógicos prestados às crianças são sempre os professores que ministram,
lançando mão de recursos disponíveis no momento e baseados nos
conhecimentos teóricos adquiridos até aquele instante. Muitas vezes, os
recursos são insuficientes e os conhecimentos teóricos nunca foram testados,
e o que acontece é que os professores se defrontam com problemas que não
chegam mesmo a se configurar como tais. Por outro lado, os pesquisadores
educacionais que planejam e desenvolvem as investigações não veem o
problema didático com as mesmas cores com que ele se apresenta ao
professor na prática escolar. Os técnicos em educação, quando solicitados
para assessorar nos primeiros cuidados pedagógicos, fazem-no muitas vezes
quando o problema já ultrapassou a fase aguda e está sendo vivenciado
pelos professores como um caso crônico. As soluções, desse modo, quase
sempre perdem o caráter de atualidade e de necessidade.
Até o momento, tratou-se dos problemas de realização e de aplicação dos
resultados das pesquisas. Agora, será analisado outro aspecto concernente à
pesquisa: a necessidade de inserir o problema a ser pesquisado dentro de um
contexto teórico que lhe sirva de arcabouço. São poucos os estudos
publicados que relatam aplicações da teoria de Piaget à Geografia em geral,
e à representação geográfica em especial.
Só foi possível chegar a uma formulação conceitual do problema do
ensino/ aprendizagem do mapa ao se tornarem conhecidas as explicações
gerais de Piaget, particularmente o que diz respeito à construção do espaço.
O conhecimento da teoria de Piaget tem sido através da leitura de suas
obras, de réplicas de suas pesquisas e do contato direto com alguns de seus
colaboradores.[2]
A conceituação do problema do ensino/aprendizagem do mapa baseada na
teoria de Piaget permitiu planejar uma pesquisa com o fim de verificar o
desenvolvimento das crianças quanto à orientação corporal relacionada com
a orientação geográfica.
As relações projetivas de ordem espacial na leitura do mapa
Este estudo foi realizado com a finalidade de aplicar os conceitos teóricos
referentes às relações projetivas de ordem espacial.
A ordem espacial de direita/esquerda, frente/atrás e acima/abaixo é
estabelecida pelos indivíduos a partir de uma orientação corporal. É a postura
ereta, compreendendo o conjunto formado pelo tronco, membros, cabeça e
pés, que fornece um eixo corporal determinante de um sistema referencial
orgânico; assim, o homem fixa três direções básicas em relação ao seu
próprio corpo; essas três direções orgânicas correspondem às três dimensões
do espaço físico (largura, comprimento e altura). A orientação do homem no
espaço geográfico baseou-se em um sistema objetivo de referências, para
isso procurou no mundo exterior pontos fixos ou que poderiam assim ser
considerados. O Sol, com sua presença constante e sua marcha aparente, foi
o primeiro ponto referencial a ser estabelecido, e permitiu fixar um ponto que
correspondesse à direção de sua nascente e outro à de seu poente. Desse
modo, foram estabelecidos os primeiros pontos cardeais (leste e oeste), para
indicar as direções e tornar possível a orientação geográfica. No Hemisfério
Setentrional, a estrela Polar, da constelação da Ursa Menor, foi tomada como
ponto fixo para indicar o norte e por oposição o ponto cardeal sul. No
Hemisfério Meridional, o ponto considerado como fixo foi o indicado pela
estrela de Magalhães, da constelação do Cruzeiro do Sul, e o norte foi
tomado como o ponto oposto. Na verdade, os pontos cardeais norte e sul são
encontrados através da projeção dos pontos celestiais dessas estrelas na
linha do horizonte.
A transformação de um referencial corporal em um geográfico é
psicológica e exige que o indivíduo disponha dos sistemas de conjunto das
coordenadas euclidianas e das perspectivas projetivas.
Piaget (1967: 98-114), tendo estudado a evolução das relações de direita
e esquerda com crianças de Genebra, constatou que essas noções são tão
complexas quanto as demais noções de relação e obedecem às mesmas leis.
Piaget distingue nitidamente três estágios na evolução da relação
direita/esquerda. Em um primeiro estágio, a criança estabelece relações a
partir do próprio ponto de vista, julgando as posições dos objetos
simplesmente em relação a si mesma; essa primeira fase foi encontrada em
crianças entre 5 e 8 anos. Durante o segundo estágio, a criança considera as
relações de direita/ esquerda do ponto de vista das outras pessoas e do
interlocutor; nessa fase as crianças estão na faixa de 8 a 11 anos. Por fim,
em um terceiro estágio, por volta dos 11 ou 12 anos, a criança considera a
direita/esquerda, além do seu, do ponto de vista das outras crianças, como
também do ponto de vista dos objetos.
O processo da evolução das noções de direita/esquerda ocorre da mesma
maneira que o da socialização do pensamento – de um egocentrismo puro, a
criança passa para a socialização, e finalmente para a objetivação completa.
Esses três estágios marcam também as três etapas do raciocínio: transdução,
dedução primitiva e dedução completa. Piaget (1967: 114) adverte que:
“Mesmo que estas idades venham a ser modificadas no decorrer das
pesquisas, a ordem dos estágios continuará a mesma: esta ordem, aliás, é a
única que importa à psicologia geral”.
Os estudos de Piaget sobre a lógica das relações tratam das noções de
direita e esquerda, sobre a noção de parentesco, que é uma noção relativa, e
sobre as noções de país, cidade etc., que consistem em uma relação entre
todo e parte. Esses estudos foram realizados na década de 1920 e estão
entre os primeiros do mestre genebrino.
O estudo mais amplo e mais profundo sobre as noções espaciais nas
crianças talvez seja o trabalho de Laurendeau e Pinard (1968). Esses autores
desenvolveram uma réplica sistematizada das principais experiências de
Piaget. Os estudos sobre o pensamento causal foram realizados para verificar
a existência de um pensamento pré-causal, controlar a sucessão dos estádios
descritos por Piaget e determinar a idade de acesso a cada um deles. Os
autores justificam a inclusão das provas sobre as noções de direita e
esquerda entre os estudos sobre o espaço porque essas noções são partes
integrantes das representações projetivas espaciais. Como os autores
estavam preocupados em estudar a gênese das noções fundamentais do
espaço projetivo, isto é, a construção e a coordenação progressivas das
dimensões desse espaço pela criança, tinham de considerar as noções de
ordem espacial. Chamam a atenção para o fato de que a prova por eles
estudada é ainda parcial, pois examinaram apenas a dimensão
direita/esquerda, e não experimentaram outras dimensões de ordem
espacial: frente/ atrás e acima/abaixo.
Laurendeau e Pinard introduziram algumas modificações nas provas de
direita/ esquerda construídas por Piaget. Essas modificações foram as
seguintes: uniformidade no número de itens e questões; alternação das
solicitações feitas às crianças; fusão de itens que verificavam as mesmas
proposições.
Em Geografia, são poucos os estudos que se referem à representação
espacial em termos piagetianos. Os trabalhos que procuram aplicar a teoria
de Piaget têm sido sobre as noções de pátria, país ou então tentativas de
relacionar a aprendizagem de Geografia com o desenvolvimento mental.
O estudo desenvolvido por Oliveira e Machado (1975: 33-62) com
adolescentes da cidade de Rio Claro revelou que existem diferenças
significantes na percepção geográfica das relações espaciais topológicas e
euclidianas. Os materiais utilizados incluíram a fotografia aérea e um cartão-
postal de Rio Claro. A atividade perceptiva, principalmente a que consistiu
em explorar o espaço urbano através de pré-mapas, constituiu a base da
pesquisa. As dimensões espaciais topológicas e euclidianas foram traduzidas
em propriedades geográficas, tais como: direções paralelas de ruas,
localização relativa de edifícios, orientação através dos pontos cardeais,
localização em relação a quarteirões etc. As propriedades espaciais
consideradas foram: forma, tamanho e distância.

Realização do estudo
O propósito da pesquisa sobre as relações projetivas de ordem espacial foi
estudar as suas aplicações à leitura do mapa, admitindo que, se
historicamente há evidências de que o homem tenha relacionado a sua
orientação corporal com referenciais externos para obter uma orientação
geográfica que lhe permitisse sobreviver no passado e viver de maneira
participante no presente, também deveria haver evidências psicológicas
dessa transformação. Além disso, supôs-se que essa transformação
psicológica ocorresse de maneira progressiva, por etapas, acompanhando o
desenvolvimento intelectual da construção do espaço pela criança, além de
que também haveria uma correlação entre as noções de direita/esquerda e
leste/oeste, e das noções de acima/abaixo e norte/sul; e essa correlação
permitiria à criança aprender a leitura de mapas.
O estudo foi realizado, em 1974/75, na cidade de Rio Claro. Todas as
crianças matriculadas no antigo primeiro grau dos 15 estabelecimentos de
ensino pertencentes à rede estadual oficial constituíram inicialmente a
população do estudo. Essas 15 escolas englobavam os antigos grupos
escolares, ginásios e o Instituto de Educação. Este último, dadas as
características originais, foi excluído da população da pesquisa.
Procedimentos
A população incluiu os 9.384 alunos do período diurno que frequentavam
as 14 escolas, da primeira à oitava série, e com idades variando entre 6 e 23
anos. Todas essas escolas tinham traços comuns, por serem públicas:
formação básica do corpo docente, programas de ensino, calendário escolar,
estrutura administrativa e, além disso, estudos locais revelaram que existia
certa homogeneidade na população escolar da cidade de Rio Claro, no
sentido de que a distribuição dos alunos quanto ao sexo e idade não oferecia
diferenças significativas entre as diversas escolas; a mesma observação é
válida em relação ao nível socioeconômico. Essa homogeneidade das
unidades da população – alunos em cada grupo de idade – permitiu trabalhar
com uma amostra relativamente pequena e conservar sua
representatividade. Foi adotada também a seleção randômica dos sujeitos,
bem como uma listagem precisa e detalhada da população. As informações
necessárias sobre as crianças (nome, data de nascimento, sexo, série, classe
e período – diurno ou noturno) foram obtidas dos livros de matrícula e/ou
fichas escolares. O mês de outubro de 1974 foi fixado como data limite para
os cálculos de idade.
Quanto à distribuição da população das 14 escolas por idade e série,
observou-se uma característica comum a todas as séries no que se refere à
idade; essa característica evidencia um número maior de alunos de uma
determinada idade em cada série. Em outras palavras, cada série apresenta
uma classe modal referente à idade, que no conjunto constitui uma faixa
modal.
Com base nesses dados e com assessoramento especializado em técnicas
de amostragem, decidiu-se que a população da pesquisa ficaria integrada
pelos alunos da faixa modal. Essa decisão permitiu que as duas variáveis,
idade e série, pudessem ser controladas simultaneamente; e também
permitiu reduzir a população de 9.384 alunos para 3.612, sem sacrificar os
critérios de representatividade.
Dos 3.612 alunos que compunham a população, 578 serviram como
população da pesquisa piloto. Portanto, a população propriamente dita da
pesquisa ficou constituída por 3.005 crianças, o que representava 38% dos
7.958 matriculados nas 12 escolas (as duas escolas utilizadas para realizar a
pesquisa piloto foram excluídas da pesquisa). Dos 3.005 sujeitos, 1.494 eram
meninos (49,71%) e 1.511 eram meninas (50,28%).

Amostra
A amostra ficou constituída por 321 crianças, que representavam 10,68%
da população total (3.005), e consequentemente de cada estrato, isto é, de
cada série e grupo de idade de meninos e meninas. Os nomes das crianças
foram ordenados por ordem alfabética, separando-se os meninos das
meninas, considerando a idade e a série. Um total de 16 listas foi preparado
como resultado dessa ordenação. A seleção randômica dos 321 alunos que
integrariam a amostra da pesquisa – 160 meninos e 161 meninas –
processou-se através da aplicação da Tábua de Acaso para cada grupo
integrante dos diferentes estratos de idade e série. Em uma amostra
randômica, cada unidade tem igual chance de ser escolhida, e a seleção de
uma criança não tem efeito sobre a seleção de qualquer outra. Como medida
de precaução, foi sorteado, em cada estrato, um número predeterminado de
alunos suplentes, que formariam parte da pesquisa caso algum dos titulares
estivesse ausente da escola no dia da aplicação das provas, ou tivesse
desistido de estudar.
O último passo consistiu em preparar uma lista para cada escola – 12
alunos – com nome, sexo, idade, série e classe dos alunos sorteados para
integrar a amostra de 321 crianças. Essas listas foram utilizadas pelas
aplicadoras para facilitar o controle das provas, no sentido de assegurar que
fossem aplicadas aos alunos sorteados.

Pesquisa piloto
A pesquisa piloto foi realizada com a finalidade de caracterizar a
população quanto ao problema a ser investigado; testar as provas; verificar o
questionário quanto à formulação das questões e reações das crianças;
preparar as aplicadoras para que se familiarizassem com as provas e com o
material a ser utilizado; e estimar o tempo necessário para a aplicação das
provas.
O Grupo Escolar “Marcelo Schmidt” (da primeira à quarta série) e o Colégio
Estadual “Professor João Batista Leme” (da quinta à oitava série) foram
sorteados ao acaso, entre as 14 escolas, para constituírem a população do
estudo piloto. Esses dois estabelecimentos de ensino (14% do total dos 14)
tinham 1.426 alunos, que representavam 15% do total dos 9.384 alunos
desse estudo, sendo 717 meninos e 709 meninas. A população da pesquisa
piloto ficou constituída por 578 sujeitos, 41% do total de 1.426 alunos, sendo
280 meninos e 298 meninas. Para que a amostra da pesquisa piloto seja
representativa da população, Chochran (1965: 152-60) recomenda que o seu
tamanho esteja entre 10 e 20%. O procedimento que se descreve a seguir foi
utilizado para selecionar a amostra da população piloto: os 578 sujeitos
foram separados por sexo, sendo listados por ordem alfabética os meninos e
as meninas, de acordo com a série e a idade. Uma vez calculado o número
de sujeitos, procedeu-se à seleção randômica dos alunos, através da
aplicação da Tábua de Acaso. A composição da amostra era 56 meninos e 60
meninas.

Instrumento de medida
Para verificar as noções projetivas de ordem espacial, foram preparadas
três provas, cada uma delas dividida em três seções. A prova A, referente às
noções de direita e esquerda, foi organizada de acordo com as propostas
apresentadas por Piaget, ao estudar a lógica das relações. As provas B e C
foram preparadas pelo grupo organizador da pesquisa também considerando
os passos propostos por Piaget nas provas de direita e esquerda.
Na primeira seção, solicita-se à criança que designe, em relação ao seu
próprio corpo, as noções de direita e esquerda, acima e abaixo, leste e oeste,
norte e sul. Na segunda seção, a criança indica as mesmas noções, mas
agora em relação à aplicadora, isto é, ao corpo do interlocutor colocado de
frente para o sujeito. Finalmente, a terceira seção compreendeu duas séries
de questões que solicitavam à criança a indicação da posição relativa de três
objetos colocados na sua frente. Para a primeira série de questões, os três
objetos permaneciam descobertos durante as provas, enquanto na segunda
série, a aplicadora, após trocar os objetos, cobria-os com uma folha de papel.

Descrição das provas e materiais


Os materiais utilizados na prova A e B incluíram seis objetos diferentes:
borracha, esferográfica, chave, lápis preto, apontador, moeda de um cruzeiro
e cartão branco de 9 x 6,5 cm. Além disso, utilizou-se uma folha de papel
branca para cobrir os objetos. Durante toda a prova a criança e a aplicadora
permaneceram sentadas face a face, uma de cada lado da mesa. A
aplicadora ia colocando sobre a mesa os objetos requeridos em cada item da
prova.
Os materiais empregados na prova C1 consistiram de seis figuras
diferentes: representando o Sol, uma figura de 10 cm de diâmetro,
confeccionada com cartão dourado, e de centro (com 4 cm) pintado de
amarelo forte; e cinco mapas representando os estado de Minas Gerais,
Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso. Todos os mapas foram
construídos na escala de 1:7.000.000, em cartão branco, com contornos
simples e sem nenhuma informação a não ser a forma do território. Além
disso, empregou-se uma folha de papel branca para cobrir os mapas. A
posição da criança sempre foi orientada de maneira que o leste ficasse à sua
direita e o oeste à sua esquerda.
Os materiais empregados na prova C2 consistiram em seis figuras
diferentes: uma representando a estrela Polar com 8,5 cm, construída em
cartão prateado; outra figura representando a estrela de Magalhães, de
tamanho menor (4,5 cm), construída com o mesmo material; e quatro mapas
representando os estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas
Gerais. Todos os mapas foram construídos na escala 1:7.000.000, em cartão
branco, com contornos simples e sem nenhuma informação a não ser a forma
do território. Utilizou-se também uma folha de papel branca para cobrir os
mapas. A posição da criança sempre foi orientada de maneira que o norte
estivesse à sua frente e o sul às suas costas, a aplicadora foi colocando sobre
a mesa os objetos requeridos em cada item da prova.
Atribuição de pontos – Para cada item de cada prova foi atribuído
um ponto quando a resposta estivesse correta. Foi considerado correto o
item em que todas as perguntas foram respondidas apropriadamente; assim,
não foram atribuídos meios pontos. Esse critério de atribuição de pontos foi o
mesmo que Piaget utilizou em seu estudo sobre a noção de direita/esquerda.
A utilização do mesmo critério – para atribuição de pontos – permitiu a
comparação entre os resultados. O máximo de pontos obtidos por crianças
nas três provas foi de 22: prova A, 6 pontos; prova B, 6 pontos; e prova C, 10
pontos, sendo 5 para a C1 e 5 para a C2.

Coleta de dados
As provas que compunham o instrumento de medida foram aplicadas
durante a segunda quinzena de outubro de 1974 – nas 12 escolas – aos 321
alunos que integram a amostra da pesquisa. Para isso contou-se com a
colaboração dos diretores e professores, e
principalmentedascrianças.Graçasaessacolaboração,foipossívelaplicarasprovasd
operíododeaulas,eemumasalaisoladaeapropriadaparaexaminarindividualmente
criança. A aplicação das provas – a cada criança – durou em média 20
minutos, e esteve a
cargodeoitoaplicadoras:seisdelaseramalunasdaFaculdadedeFilosofia,CiênciaseL
de Rio Claro, e as outras duas já eram licenciadas.Todas as aplicadoras
foram previamente preparadas em várias sessões práticas, supervisionadas
pela pesquisadora, e foi solicitado que seguissem estritamente as instruções
das provas, a fim de assegurar uniformidade na aplicação e permitir a
comparação dos resultados.
Cada aplicadora recebeu uma caixa contendo o material necessário para a
aplicação das provas, e os formulários de instruções, de respostas e de
informações. Nos formulários de informações foram registrados os dados
pessoais da criança, incluindo data de nascimento e as médias das notas
bimestrais de Português, Matemática e Estudos Sociais ou Geografia. Antes
de começar as provas, a aplicadora cumprimentava afetuosamente as
crianças e se apresentava, a fim de estabelecer um bom relacionamento. Às
crianças mais novas, dizia que iam participar de alguns jogos; às crianças
mais velhas, que tinham sido escolhidas para participar de uma pesquisa. Um
ponto importante que foi esclarecido a todos os alunos teve a ver com o
caráter extracurricular das provas, isto é, que elas não iriam pesar na
avaliação final da escola. Durante as provas, a aplicadora tomou precauções
no sentido de se certificar de que a criança escutou as suas instruções e
prestou atenção ao material. Como se pode constatar, o experimento foi
conduzido em condições que procuraram manter a objetividade e a
uniformidade.

Técnica de análise
Na correção dos protocolos utilizou-se o critério de atribuição de pontos
previamente descritos. Os pontos obtidos nos diferentes itens de cada uma
das provas serviram de base para a classificação por estágios. Além da
classificação das crianças por estágio, empregaram-se as seguintes técnicas:
cálculo de porcentagem dos itens acertados pelas crianças nas diferentes
provas; cálculo das porcentagens brutas e acumuladas para facilitar a
comparação do desempenho das crianças em cada prova, de acordo com a
idade, e para computar as idades médias e as idades de acesso aos
diferentes estágios; cálculo das médias das notas de cada criança, partindo
das notas bimestrais de Português, Matemática e Estudos Sociais ou
Geografia; cálculo do coeficiente de contingência C para determinar a relação
entre as noções de direita/ esquerda e leste/oeste e entre as noções de
acima/abaixo e norte/sul.

Resultados
Piaget considera que uma questão é bem-sucedida em determinada idade
quando não menos de 75% das crianças respondem corretamente a ela.
Laurendeau e Pinard, por outro lado, consideram mais legítimo ser uma
questão bem-sucedida quando não menos de 50% respondem corretamente
a ela; entre as várias razões apresentadas para a escolha desse critério, está
a que se refere à determinação da idade de acesso aos diferentes estágios.
Observou-se que, quando se aplica o critério de 50%, as crianças respondem
corretamente a todos os itens das quatro provas de um ano antes (13 anos),
o que não acontece quando se aplica o critério de 75%; isso quer dizer que a
idade do acesso aos estágios ocorre mais cedo.
Para Piaget, a idade com que a criança responde acertadamente aos itens
não é o mais importante; o que importa é que seja observada a ordem
sequencial dos estágios. Os resultados confirmam que isso aconteceu com as
crianças de Rio Claro, apesar de começarem com uma idade cronológica mais
avançada.
É por isso que concordou-se com a proposição de Laurendeau e Pinard, de
começar quando 50% das crianças alcançam as noções de ordem espacial
para introduzir o ensino do mapa.
Os resultados permitiram extrair conclusões gerais que interessam ao
ensino/ aprendizagem do mapa. Pode-se considerar que crianças entre 7 e 8
anos resolvem o primeiro problema referente à designação das relações
projetivas de um ponto de vista próprio, neste caso, o da criança; as idades
entre 8 e 9 anos, como aquelas em que a criança é capaz de solucionar o
segundo problema, isto é, estabelecer as relações projetivas do ponto de
vista de outra pessoa colocada de frente para as crianças; e, finalmente, as
idades de 10 e 11 anos como aquelas nas quais os alunos dispõem de
estruturas mentais espaciais que lhes permitem a descentração, isto é,
estabelecer as relações projetivas de ordem espacial de outros pontos de
vista além do próprio, e do interlocutor entre objetos descobertos e mesmo
cobertos.
Os resultados descritos até agora se referem aos desempenhos das
crianças de acordo com as idades cronológicas. Outro aspecto que foi
considerado importante estudar foi o rendimento escolar das crianças de
cada grupo de idade em relação à realização alcançada em cada prova. O
rendimento escolar de cada um dos alunos representa o resultado das
médias das notas obtidas pelos mesmos durante os três primeiros bimestres
do ano, nas disciplinas de Língua Pátria, Matemática e Estudos Sociais, nas
séries do antigo curso primário; e Português, Matemática e Geografia, no
antigo ginasial.
Referentes aos rendimentos escolares das crianças de 7, 8 e 9 anos,
observa-se uma correspondência entre as médias e os estágios. As crianças,
no estágio I, apresentam as médias mais baixas em todas as provas, e o
contrário acontece com as que se acham no estágio III, as quais apresentam
também, em todas as provas, as médias mais altas. A partir do grupo de
idade de 10 anos, observam-se mudanças nesse padrão, no seguinte sentido:
a) diminuem as diferenças entre as médias; b) existem inversões, isto é,
médias mais altas no estágio I que no II; e c) em algumas provas as crianças
se agrupam somente nos estágios II e III.
Como foi dito anteriormente, supôs-se que existisse uma correlação entre
as noções de direita/esquerda e de leste/oeste, e entre as noções de
acima/abaixo e de norte/sul. Os resultados confirmam as suposições, e pode-
se afirmar que existe uma associação entre as noções de direita/esquerda e
de leste/oeste, e entre as noções de acima/abaixo e de norte/sul. A
correlação entre as noções de direita/esquerda e de leste/oeste explica por
que a criança primeiro relacionou seu sistema corporal de orientação com o
Sol, antes de estabelecer outros tipos de relações.

Implicações dos resultados


Os resultados da pesquisa mostram – entre outros fatos – que somente
cerca da metade das crianças com 9 anos foi capaz de reconhecer a
direita/esquerda em seu próprio
corpoenocorpodeuminterlocutorcolocadodefrenteparaelas,masnãoforamcapaze
estabelecer a relação de direita/esquerda entre objetos em posição
horizontal. As relações direita/esquerda entre objetos só foram estabelecidas
pelos estudantes com 13-14 anos de idade, já cursando as sétimas e oitavas
séries de primeiro grau.
No entanto, os programas e mesmo os guias curriculares propõem como
atividades para as crianças de terceira série, com 9 anos, a utilização de
mapas, tais como: planta da cidade, mapas físicos do estado de São Paulo e
mapas do município onde está localizada a escola.
O trabalho de Mezzarana (1976) pode ser citado para ilustrar as atividades
espaciais projetivas que podem ser realizadas de maneira integrada por
crianças de primeira série e como preparação para as atividades de
mapeamento.
Ele consistiu na elaboração de tarefas operatórias para alunos da primeira
série do ensino fundamental, incluindo relações espaciais projetivas. As
relações projetivas consideradas foram as de direita/esquerda, em
cima/embaixo e frente/atrás referentes à própria criança e à pesquisadora.
Foram elaboradas tarefas operatórias que incluíam relações espaciais
projetivas da experiência cotidiana da criança. As tarefas assim podem ser
descritas: as crianças, colocadas umas em frente às outras, realizam
movimentos com os braços e as pernas direitos e esquerdos, coordenando-os
com os membros dos colegas; em uma figura representando uma boneca de
costas e brinquedos, a criança traça linhas ligando brinquedos à mão direita
ou à mão esquerda da boneca; caminha passando por cima ou por baixo de
móveis e barreiras; indica colegas que estão sentados na frente ou atrás; faz
movimentos com os membros para frente e para trás.
As tarefas elaboradas pela autora deveriam ser realizadas pelas crianças
como ações sensório-motoras, mas que conduziriam a operações; as
experiências são utilizadas como ponto de partida. Essas tarefas implicam o
relacionamento da operação direta com a operação inversa, pois comportam
uma ação nos dois sentidos; essa inversão tem um valor formativo muito
particular para o aluno, impedindo que este se limite a repetir
mecanicamente exercícios parcialmente compreendidos. Essa perspectiva
orientou a elaboração das tarefas operatórias, pois as relações espaciais
projetivas são estabelecidas mediante exercícios que integram atividades
perceptivas, sensório-motoras e representativas de ordem espacial, que
implicam orientação e direção. Desse modo, essas tarefas executadas por
alunos de primeira série, na faixa de 7-8 anos, vão permitir que as crianças
coordenem vários pontos de vista e consequentemente coordenem as
diversas perspectivas, que por sua vez servirão de apoio para introduzir as
noções de orientação e direção em uma superfície plana como o mapa.
Partindo do pressuposto de que as crianças são capazes de estabelecer as
relações espaciais projetivas de seu próprio ponto de vista, como também do
ponto de vista de outrem e mais ainda do ponto de vista da posição dos
objetos, consideramos que elas serão capazes de transformar a orientação
corporal em orientação geográfica. Isso significa que os alunos são capazes
de estabelecer os pontos cardeais – leste/oeste e norte/sul – em um mapa.
São essas atividades exercidas pelas crianças em espaços tri e
bidimensionais, inicialmente sensório-motoras, e em seguida representativas,
que irão permitir a construção operatória das relações espaciais projetivas,
as quais, por sua vez, serão transformadas nas direções e orientações
geográficas de leste/oeste e norte/sul. Por conseguinte, para a criança ser
capaz de iniciar a leitura e interpretação de mapas, é preciso que antes seja
capaz de orientar a folha do mapa de maneira a possibilitar o
estabelecimento da correspondência de seu ponto de vista com a
representação cartográfica.
Os pequenos grandes livros de Dienes e Golding (1969) e dos Sauvys
(1974) são obras de conteúdo rico em sugestões para os professores e, mais
importante ainda, todos os exercícios propostos estão fundamentados no
desenvolvimento intelectual da criança. As crianças, “brincando”, exploram e
descobrem o espaço.
A respeito do mapa, também se depreende de toda a exposição teórica
anterior e dos resultados da pesquisa que deve ser introduzido
gradualmente, e que desde as primeiras letras é preciso desenvolver a
habilidade espacial das crianças. Isso está ligado ao uso que se faz
atualmente do mapa em sala de aula: o mapa é usado como recurso
audiovisual, e até agora não se considerou devidamente o ensino do
mapa, e sim o ensino pelo mapa.
A introdução gradual do ensino do mapa deve considerar tanto o
desenvolvimento mental da criança como o processo de mapeamento. Os
primeiros materiais cartográficos a serem manipulados pelos alunos devem
ser, pois, os pré-mapas. Desse modo, as gravuras e as fotografias, que não
são seletivas e apresentam um nível pequeno de abstração, devem preceder
os mapas, que são altamente seletivos e consequentemente se apresentam
em níveis variados de abstração.
As fotografias podem ser tanto as terrestres como as aéreas, e estas
podem ser oblíquas e verticais. Para a criança que frequenta as séries iniciais
é mais fácil estabelecer as relações espaciais no espaço representado nas
fotografias, pois elas reproduzem um instantâneo da realidade e seu grau de
abstração é relativamente pequeno. Isso não exclui a introdução das
primeiras representações cartográficas, isto é, de mapas topológicos em que
as relações espaciais de proximidade, separação, ordem ou sucessão
espacial, inclusão ou envolvimento e continuidade devem ser representados
graficamente pela criança, como uma forma alternativa de comunicação e
expressão de eventos que ocorrem na superfície terrestre. Após as relações
espaciais topológicas, devem ser introduzidas as relações projetivas, em que
a criança é orientada a representar os diversos pontos de vista, e em seguida
a representação de fatos que podem ser mensuráveis: superfície, distâncias,
tamanhos, formas geométricas etc. Quando a criança já tiver atingido as
conservações de substância, peso e volume, disporá então de um sistema de
referência, podendo manipular tanto os sistemas de coordenadas como os de
perspectivas. Enfim, os resultados da pesquisa confirmaram que o
desenvolvimento intelectual do espaço geográfico se processa baseado na
construção do espaço pelo sujeito; que o desenvolvimento da habilidade
espacial ocorre paralelamente ao das demais habilidades (linguagem,
numérica, corporal etc.); que há correlação entre as habilidades de
orientação geográfica (leste/oeste e norte/sul); e, mais ainda, que o mapa,
para desempenhar plenamente a sua função educativa, está a exigir uma
metodologia.

Conclusões
A seguir, algumas conclusões extraídas desse estudo metodológico e
cognitivo do mapa serão apresentadas. Conclusões que não podem ser
pensadas isoladamente, porque, ao contrário, elas constituem um conjunto
concatenado de proposições e decorrências.

1º) Desde o início deste estudo percebeu-se ao mesmo tempo a falta e a


necessidade de uma metodologia do mapa. O mapa atingirá plenamente as
suas finalidades e dificilmente será usado em toda a sua extensão a não ser
que antes se responda à questão de como se processa o mapa. Em outras
palavras, trata-se de descobrir o melhor caminho para se chegar até o mapa
e também quais os meios mais adequados para a criança percorrer esse
caminho.
No caso do processo de alfabetização da leitura e da escrita da língua
escrita, tem-se uma metodologia; assim, também é necessária uma
metodologia específica que oriente aos professores na leitura e escrita do
mapa.
O que se pode propor aqui, como uma das estratégias para atingir uma
metodologia do mapa, é apresentar o conteúdo cartográfico em uma forma
acessível a crianças e adolescentes, respeitando o seu desenvolvimento
intelectual especialmente no tocante ao desenvolvimento cognitivo e
perceptivo do espaço e sua representação.

2º) O desenvolvimento e a organização de uma cartografia infantil


aparecem como uma decorrência de uma metodologia do mapa.
Do mesmo modo que escritores, linguistas, educadores e outros
profissionais se preocupam com uma literatura infantil, que sirva para iniciar
a criança na literatura, também muitos matemáticos famosos, como
Tourasse, Dienes, Papert e outros, têmse dedicado a criar uma matemática
infantil, que permita a introdução da criança no mundo da numeracia.
Conclui-se, portanto, pela necessidade de uma cartografia infantil, na qual os
mapas prendam a atenção da criança e atendam às suas necessidades de
representações espaciais. Os mapas devem ser confeccionados por adultos e
dirigidos, não para os adultos, mas para as crianças. Em outras palavras,
ninguém espera que uma criança seja iniciada no processo da leitura e da
escrita da língua portuguesa através do conteúdo e da forma de Grande
Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. Muito menos alguém
aceitaria que uma criança começasse seus estudos de Matemática mediante
a demonstração de teoremas e postulados deThom. Por isso perguntamos:
por que iniciar a criança no mundo da linguagem gráfica com mapas que
implicam projeções, escalas e generalizações altamente abstratas?
A cartografia infantil é um campo de estudos que está à espera do
interesse e da dedicação de geógrafos, cartógrafos, educadores e professores
para ser desenvolvida. O estudo da cartografia deve ser precedido pelo
estudo de uma cartografia infantil, na qual a criança tenha oportunidade de
desenvolver atividades preparatórias, para em seguida realizar
concretamente as operações mentais de redução, rotação e generalização,
que são as propriedades fundamentais do processo de mapeamento.
Para que o desenvolvimento de uma cartografia infantil seja eficaz, é
preciso considerar o mapa um entre os vários tipos de linguagem de que os
homens dispõem para se comunicarem e se expressarem.

3º) O aproveitamento do mapa, como uma linguagem gráfica para


comunicação e expressão espacial de informações geográficas, está
intrinsecamente ligado aos aspectos metodológicos e cognitivos do mapa e,
consequentemente, à cartografia infantil.
Dentro da perspectiva ecológica contemporânea de conservar e explorar
racionalmente os recursos naturais e humanos do planeta, o mapa assume
um papel relevante; para atender a essa necessidade premente de se
conhecer a Terra, para melhor cuidar dela, a representação cartográfica
contribui com uma parte considerável. A distribuição e a localização espaciais
só podem ser analisadas efetivamente se dispusermos de mapas que
representem essas propriedades espaciais da superfície terrestre; essa
representação, na verdade, é uma expressão gráfica e uma forma de
comunicação dessas e de outras informações geográficas. E, como linguagem
gráfica, o mapa tem adquirido cada vez mais importância pela necessidade
de objetivar, documentar e armazenar a informação científica, as
informações dos censos demográficos e econômicos, as explorações
oceânicas, os levantamentos sobre problemas de educação, saúde e assuntos
militares, bem como os planejamentos e projetos de alocação de empresas,
áreas de recreação, trajetos de estrada etc.
Para que os cientistas, planejadores, técnicos, turistas e outros recorram
ao mapa como veículo de comunicação e expressão, é preciso que tenham
sido preparados previamente e que o mapa tenha integrado as suas
formações básicas educacionais.

4º) O preparo dos professores do ensino fundamental e médio no sentido


de, em sala de aula, utilizarem mapas é um dos pontos cruciais no processo
do ensino/ aprendizagem do mapa.
Esta conclusão por certo esbarra na formação básica dos professores e
principalmente nos programas de formação continuada. Toda inovação
educacional, toda mudança de atitude do professorado exige um
planejamento e um envolvimento dos professores e dos alunos. Por
conseguinte, para que esta abordagem do mapa tenha êxito é preciso que a
Geografia ocupe um lugar de destaque no currículo e que os professores de
Geografia sejam preparados para incorporar o campo da graficacia,
como os professores de línguas e matemáticas assumiram a responsabilidade
do ensino e desenvolvimento da literacia e numeracia,
respectivamente.

5º) A inclusão do ensino/aprendizagem do mapa nos currículos e


programas escolares é uma necessidade inerente a tudo que até agora foi
analisado e discutido. Com essa conclusão não se quer excluir o
ensino/aprendizagem pelo mapa, mas sim propor novas bases metodológicas
para o mapa em sala de aula, colocando-o em uma posição de destaque na
educação e formação intelectual dos alunos, propiciando-lhes um modo de
comunicação que vem sendo empregado desde tempos imemoriais.
Essa proposição merece um estudo profundo e amplo sobre como ensinar
e como aprender a leitura e a escrita dos mapas.

6º) A utilização do mapa aparece, portanto, como um dos meios de que o


professor pode lançar mão para enriquecer a vida intelectual dos alunos.
A representação espacial da superfície daTerra, em sua totalidade ou em
suas partes, constitui uma atividade mental que conduz ao conhecimento do
planeta que habitamos e do qual dependemos para sobreviver, e que
teremos que habitar ainda por um longo tempo. Por que, então, não começar
desde já a dar às crianças os meios para “cativar” esta Terra, mediante o
conhecimento de um dos seus “retratos”, que é o mapa?
Para finalizar, cita-se as palavras de Symons (1971: 100-101), que, desde
1852, apontava o mapa como um dos principais ingredientes da escola:
Não há nada tão alegre e excitante do que os mapas. Eles constituem o sal das escolas; e o
professor é um tolo se não souber saborear deste tempero alternativo.[3] (tradução da
autora)

Nota
[*] O capítulo originou-se da tese de livre-docência Estudo metodológico e cognitivo do
mapa, que foi apresentada no Departamento de Geografia e Planejamento do Instituto de Geociências e
Ciências Exatas da Unesp, campus Rio Claro, 1978.

[1] Piaget e seus colaboradores, há meio século, vêm desenvolvendo trabalhos teóricos e experimentais sobre
epistemologia, lógica, psicologia, filosofia, biologia e história das ciências. O Grupo de Genebra destaca-se
principalmente nos estudos sobre psicologia e epistemologia genéticas. Os trabalhos sobre o desenvolvimento
mental da criança abrangem todos os aspectos cognitivos, como espaço, número, linguagem, tempo,
causalidade, memória, estruturas mentais e outros.

[2] Bärbel Inhelder, Vinh-Bang, Constance Kamii, Edouard Rappe du Cher, Germaine Duparc, Lucy Banks-Leite,
entrevistas mantidas durante minha visita à Faculté de Psychologie et des Sciences de L’Education, Université
de Genève, junho-julho, 1976.

[3] Original inglês: “There is nothing which so keenly enlivens and excites as maps. They are the salt of
schools; and the teacher is dull indeed if they do not savour the other food”.

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Alberta, 1965.
PARA CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO
GEOGRÁFICO NA CRIANÇA
Tomoko Iyda Paganelli

Qual é o espaço percebido pelas crianças? Qual é o papel da percepção e


da utilização do espaço urbano na operacionalização e representação gráfica
das relações espaciais em crianças das terceiras e quartas séries no ensino
do ensino fundamental, com idade mínima de 9 e 10 anos completos e uma
escolaridade, também mínima, de 3 e 4 anos? Que influência teve essa
escolarização na operacionalização e representação do espaço “conhecido”,
de vivência cotidiana, percorrido pela criança? São esses os assuntos deste
capítulo.[*]
Um programa inspirado por Gandhi para escolas rurais da Índia[1]
apresentava como objetivos

a) saber orientar-se no espaço, isto é, saber, de acordo com um plano dado, encontrar um
lugar preciso na cidade e no campo; b) saber expressar-se: saber traçar a planta de um
povoado, de uma casa, de uma rua, de uma granja e de um jardim.
O programa levantava indagações sobre as condições necessárias para a
realização dessas atividades, tarefas que pressupõem conhecer sobre o
plano, a planta, mapas e escalas, mesmo que intuitivamente.
Sabem os alunos ler um “plano”, uma planta, um mapa? Expressar-se
graficamente também é um processo a ser construído. Desenhar uma casa,
uma rua, uma granja, um jardim ou a planta de um povoado exige
abstrações empíricas e reflexivas, coordenação de ponto de vista, em que
relações e operações topológicas, projetivas e/ou euclidianas devem ser
acionadas.
Os programas das primeiras séries escolares apresentavam certa
universalidade na ênfase do estudo do bairro, da localidade e do município,
ficando para as duas séries seguintes o estudo do estado, e muitas vezes do
Brasil. Os mapas utilizados para “concretização” do espaço enfocado já
apresentam abstrações na seletividade dos fenômenos, nem sempre
realizado pelas crianças nos espaços mais próximos. O bairro e a cidade –
realidade dinâmica e múltipla aos olhos da criança – passam a ser uma
pequena superfície delimitada ou mesmo desaparecem em mapas de escalas
menores.
Segundo Piaget (1972), o espaço representativo operatório constitui-se
definitivamente por volta dos 9 e 10 anos. O quadro 1 a seguir apresenta as
idades aproximadas, em que as operações e conservações se “equilibram”,
segundo dados das pesquisas realizadas por Piaget e seus colaboradores.
Poucos estudos foram realizados no Brasil sobre as operações
espaciaise o ensino da primeira à quarta série do ensino fundamental.
Aqueles realizados com base na teoria piagetiana dedicavam-se à analise das
operações lógicas, tanto em crianças como em adultos de baixa escolaridade
(até a década de 1980). Os guias curriculares indicavam que se fizesse a
passagem do local ao distante, sem considerar etapas da construção do
conhecimento, do desenvolvimento espacial e gráfico do espaço.
Os professores conhecem o espaço em que a criança se locomove? Sabem
interpretar os dados obtidos? Poderá o aluno debruçar-se, de maneira
compreensiva, sobre a planta ou mapa da cidade sem ter dominado o
processo de passagem do tridimensional ao bidimensional ou vice-versa? Até
que ponto a escola e os professores “inconscientemente” alienam o aluno de
seu próprio espaço, de sua realidade vivida? Não estarão, dessa maneira,
criando condições de negar sua realidade, criando condições para o não
questionamento das raízes de uma organização espacial discriminatória,
desumana ou mesmo subumana?
Buscou-se analisar o papel da percepção e locomoção no
espaço geográfico local no processo de operacionalização das
relações espaciais, por meio do desenho de um espaço urbano percorrido
pelas crianças. Com isso pretendeu-se chegar a um diagnóstico sobre o tipo
de conhecimento e domínio desse espaço por criança em faixa etária, na qual
pressupõe-se a equilibração das relações espaciais no nível das
operações concretas, uma vez que no nível formal essas operações não
diferem das operações formais do pensamento hipotético-dedutivo.
No estudo realizado foram testadas três hipóteses:

• a primeira, sobre a diferença entre o grau de operacionalização das


relações espaciais em situações reais no espaço urbano escolhido e num
modelo reduzido do mesmo espaço. Supõe-se um melhor desempenho
nos modelos reduzidos (maquete e mapa) que nas situações do espaço
real, considerandose a visão total que os mesmos possibilitam;
• a segunda hipótese se refere à interferência da percepção e utilização
do espaço urbano (experiência físico-motora no espaço) na
operacionalização das relações espaciais;
• a terceira hipótese se refere à diferença qualitativa nos níveis de opera-
cionalização e de representação gráfica entre alunos de escola pública e
escola privada.

A coordenação de perspectiva na maquete, no mapa e a localização dos


lugares do espaço urbano, utilizando os mesmos tipos de relações espaciais,
testaram a primeira hipótese. A locomoção das crianças e os níveis de
operacionalização dos diferentes tipos de relações espaciais, a segunda
hipótese; e a última hipótese foi testada através da comparação dos níveis
em escolas públicas e particulares.
Selecionou-se, do texto original, os capítulos que poderão auxiliar os
professores em interpretações de atividades em sala de aula e no
aprofundamento de pesquisas comparativas entre a experiência realizada e
sua aplicação em outro contexto.

A epistemologia genética do espaço


“O método consiste, então, em procurar compreender o
conhecimento por sua própria construção, o que nada
tem de absurdo, pois o conhecimento é essencialmente
construção.”
J. Piaget. Biologia e conhecimento.

Duas obras principais condensam os estudos de Piaget sobre a noção do


espaço: La représentation de l’espace chez l’enfant
(Piaget; Inhelder, 1947), em que analisa a construção dos conceitos espaciais
topológicos, projetivos e euclidianos, eLa géometrie spontanée de
l’enfant (Piaget; Inhelder; Smeninka,1948), em que dá prosseguimento
aos conceito euclidianos, particularmente no que se refere à gênese da
conservação da distância, comprimento, área e volume e das coordenadas
retangulares. Outra obra, L’Épistémologie de l’espace (Vários
autores. Études d‘Epistemologie Génétique, vol. xviii), que
reúne os trabalhos sobre o espaço dos anos 1960-61 e do vi Simpósio do
Centre International d’Épistémologie Génétique.
A questão fundamental de Piaget é “Como é possível o conhecimento?
Como o ser humano chega a alcançar o conhecimento lógico-matemático?
Como é possível a Matemática? Como é possível a Física?” Para responder
essas perguntas, Piaget fundamentou-se não só na Matemática e na Física,
mas também na Biologia, criando uma epistemologia genética, uma teoria do
conhecimento sob ângulo biológico, uma teoria do desenvolvimento das
estruturas mentais biológicas. Essa teoria afirma que a inteligência se
desenvolve por etapas a partir da vida orgânica até alcançar o conhecimento
lógico-matemático e que as operações intelectuais se processam em termos
de estruturações de conjunto que evoluem e funcionam através de um
processo de equilibração, que se traduz numa adaptação cada vez maior
às perturbações do meio. Piaget, de fato, em Biologia e
conhecimento, deixa claro seu propósito de partir de “um modelo
biológico e da cibernética para chegar ao modelo lógico”.
Uma epistemologia genética do espaço geográfico busca, ao explicitar a
teoria do espaço operatório de Piaget, analisar as teses em relação à
construção do espaço, suas etapas, as relações e operações espaciais no
processo de localização do sujeito e dos objetos no espaço, o problema das
representações do espaço e a tomada de consciência do espaço pela criança.
As teses de Piaget em relação à construção do espaço podem ser
apresentadas inicialmente em três itens:
a) A ação, mais que a percepção, constitui o veículo essencial do
progresso evolutivo na construção do espaço. Piaget enfatiza esse aspecto
em relação ao espaço, pela grande tentação que se tem em conceber o
espaço dado nas experiências, como algo oferecido imediatamente pela
percepção. O conhecimento de um objeto, diz Piaget, consiste em construir
ou reconstituir o espaço através da ação ou operações a que o sujeito
submete o objeto e nas transformações necessárias à sua reconstrução;
comporta essa construção ou reconstrução um aspecto simbólico e um
aspecto operatório: o primeiro enfatizando a percepção ou imagem mental e
o segundo, a inteligência.

b) As representações espaciais formam-se através da organização das


ações, realizadas com os objetos no espaço: inicialmente pelas ações
motoras e, mais tarde, pelas ações que se convertem em sistemas
operacionais. Isso significa que a representação adulta do espaço resulta de
manipulações ativas sobre o meio social e não da “leitura” imediata desse
meio, realizada pelo aparelho perceptivo.

c) A diferença entre a ordem ontogenética e histórica na construção dos


conceitos topológicos, projetivos e euclidianos.

Etapas da construção do espaço


As etapas da construção do espaço são paralelas às demais construções
que ocorrem desde o nascimento, constituindo-se com a própria inteligência.
Está articulada, psicologicamente, com outras de caráter lógico como as da
causalidade, classificação e seriação. A construção processa-se através de
etapas, caracterizadas em estágios e subestágios.
No livro A construção do real na criança, Piaget analisa a
passagem do primeiro estágio e subestágios do período sensório
motor (0 a 2 anos). O conhecimento desses estágios e subestágios permite
acompanhar os progressos do bebê na construção de um campo espacial,
construção que parte de associações entre diversos sentidos e ações
isoladas, do espaço gustativo, visual, postural, cinestésico, onde as ações
criam o espaço, mas o sujeito da ação não se situa nele. O progresso das
coordenações da visão, preensão, tátil-cinestésico e bucal (grupos práticos)
favorece a elaboração dos grupos de deslocamento. Um campo espacial no
período sensório-motor constituise, a partir dos vários espaços heterogêneos,
pelas ações do bebê (o espaço gustativo, espaço visual, espaço auditivo,
espaço tátil, espaço postural, espaço cinestésico).
A elaboração dos grupos de deslocamentos, a passagem do grupo
“prático” para o nível do grupo “subjetivo”, e deste para os grupos
“objetivos”, marcarão um progresso essencial na construção do campo, em
que a criança desloca os objetos dentro de um meio homogêneo, realizando
deslocamentos visíveis de objetos, transferindo de um lugar para outro,
aproximando-os e distanciando-os, deixando cair, juntando-os para
novamente achar e recomeçar, fazendo rolar e deslizar num plano inclinado.
Realiza todas experiências possíveis, tanto para espaço próximo como para
espaço distante. O comportamento revela relações de conteúdo e continente
(inclusão), de inversões e suas relações recíprocas, demonstrando que
estabelece relações de objetos entre si. A criança começa a tomar
consciência dos seus próprios movimentos como deslocamentos de conjunto.
O segundo estágio, espaço representativo (2 anos em diante),
surge a partir do momento em que aparece a função simbólica, que torna a
criança capaz de agir, não somente sobre objetos reais e fisicamente
presentes no seu tempo perceptivo, como também sobre fatos simbolizados
ou mentalmente representados. A representação mental é uma ação
interiorizada, uma ação efetuada no pensamento sobre os objetos
simbolizados, e não simplesmente uma evocação imaginada dos objetos ou
mesmo da ação exercida sobre estes.
Existem em relação à representação espacial duas interpretações: uma
deslocada totalmente da ação, sendo simplesmente a evocação dos
resultados de uma ação possível (ou passada) por meio de signos e símbolos
e sendo mais que a própria ação; outra, ao contrário, que diz que a
representação é uma ação interiorizada, isto é, que reproduz ou esquematiza
interiormente, graças aos símbolos e signos, a ação evocada, prolongando
então diretamente a atividade sensório-motora do nível precedente.
Piaget propõe, em relação à ação interiorizada, que é fundamental, desde
as relações de ordem, envolvimento, ou das relações projetivas às
semelhanças e aos conjuntos a serem coordenados em planos, que todas
essas formas de intuição espacial se apoiam em ações: de colocar próximo
(vizinhança) ou em sucessão definida (ordem) de envolver, de atar ou
desatar, de mudar o ponto de vista, de separar, rebater, de dobrar e
desdobrar, de ampliar ou reduzir etc. E que as crianças não começam a
imaginar o resultado dessas ações, mesmo as mais simples, antes de as
terem executado. Isso porque a representação não substitui verdadeiramente
a ação, não se podendo dissociar uma percepção do seu contexto sensório-
motor.
A interiorização das ações espaciais se efetua segundo etapas bastante
graduais, de modo que é possível segui-la passo a passo. Após a atividade
sensório-motora elementar, ligada à percepção do objeto, segue-se a ação
evocada na imaginação, mas somente depois que foi realizada
materialmente. O pensamento se forma, então, para reproduzir o ato efetivo
na sua materialidade e na sua irreversibilidade.
O terceiro estágio, das operações concretas (de 7-8 a 11-12 anos),
resulta das articulações do processo anterior, em que as ações interiorizadas
sob a forma de esquemas coordenados na sua composição e, por
conseguinte, cada uma dentre elas, podem ser entendidas nos dois sentidos;
é essa composição das ações interiorizadas que constitui os primeiros
sistemas operatórios propriamente ditos.
O quarto estágio é o das coordenações operatórias(a partir de 11
a 12 anos): muitos sistemas podem ser pensados simultaneamente, o que
caracteriza operações formais tornando possível sua tradução sob forma de
proposição hipotética-dedutiva. Aqui começa um tipo de pensamento que,
constituindo o resultado dessa interiorização contínua das ações, prepara
para a axiomatização do espaço, graças às formalizações discursivas
crescentes.

As relações espaciais
Piaget distingue, a partir da geometria contemporânea, três tipos principais de
relações espaciais:

Relações espaciais métricas (ou euclidianas) – com base essencial na


noção de distância e em que a equivalência de figuras depende de sua igualdade matemática.
Relações espaciais projetivas – com fundamento na noção da reta e em que a
perspectiva ou a possibilidade de transformação garante a equivalência das figuras.
Relações espaciais topológicas – com apoio nas relações puramente qualitativas
inerentes a uma determinada figura (vizinhança, separação, ordem, fechamento, contínuo),
em que a equivalência de duas figuras se dá quando uma é homeomorfa à outra.

A evolução da noção do espaço na criança parece reproduzir as etapas


essenciais da construção matemática, em que as estruturas topológicas são
as mais fundamentais (embora as mais tardiamente descobertas pelos
matemáticos), e às quais se prendem as estruturas projetivas e euclidianas,
pois delas derivam.
É a partir de um conjunto de experiências sobre a gênese desses três tipos
de relações espaciais que Piaget conclui que são as estruturas topológicas as
mais importantes, sendo as primeiras a se constituírem em operações
mentais na criança; as operações projetivas e euclidianas não aparecem ou
se constroem simultaneamente, mas com uma sensível defasagem no tempo
em relação às topológicas, e isso porque ambas pressupõem as topológicas.
Essas são limitadas às prioridades inerentes às necessidades de situar um
objeto em relação a outro, seja em função de uma perspectiva ou de um
ponto de vista (espaço projetivo), seja em função de um sistema de eixos de
coordenadas (espaço euclidiano). Nos três casos, entretanto, as primeiras
operações acessíveis à criança entre 6 e 9 anos, aproximadamente, são
originadas das representações cada vez mais bem coordenadas do nível
intuitivo (derivadas das ações sensório-motoras e constantemente
alimentadas pelas atividades perceptivas da criança).
No caso do espaço topológico, de início, a percepção e manipulação ativa
das relações de vizinhança, de separação, de ordem, de fechamento etc.
servem de ponto de partida para noções representativas mais ou menos
estruturadas do espaço intuitivo. Aí se situariam os primeiros reversíveis e
operatórios do espaço topológico – a adição e a adição partitiva, a ordem
linear e a ordem cíclica, a reciprocidade de vizinhança, relações simétricas e
multiplicação dos elementos e relações.
No que concerne ao espaço projetivo, que acrescenta ao topológico a
necessidade de situar os objetos ou elementos de um mesmo objeto uns em
relação aos outros, em uma determinada perspectiva, observa-se a mesma
evolução de conjunto que para as relações topológicas, mas com uma ligeira
diferença no tempo. Já no nível da atividade perceptiva e da inteligência
sensório-motora, a criança aprende a manipular praticamente certas relações
projetivas, como prova o desenvolvimento precoce das constatações de
grandeza e forma, apesar das deformações impostas pelas variações das
distâncias e das perspectivas. A coordenação dessas relações projetivas
fragmentárias adquire progressivamente mais elasticidade e eficácia com o
auxílio das representações imaginadas em nível intuitivo, mas são
necessários alguns anos até que se organize na criança o sistema operatório
de referência projetiva que assegure a coordenação perfeita da perspectiva e
a reversibilidade do ponto de vista. As operações topológicas já constituídas
se enriquecem, então, com a adição dessas relações projetivas e tomam uma
significação nova: a intervenção da perspectiva transforma, por exemplo, a
noção de ordem linear em noção de ordem retilínea e a reciprocidade de
vizinhança em reciprocidade de perspectiva.
No que diz respeito ao espaço euclidiano, ele deriva, igualmente, do
espaço topológico e se constrói paralelamente ao espaço projetivo, que é,
por sua vez, distinto e solidário. Enquanto o espaço projetivo se limita a
coordenar as diferentes perspectivas de um objeto a se acomodar às suas
variações aparentes, o espaço euclidiano coordena os próprios objetos entre
si e em relação a um quadro de conjunto ou sistema de referências estável
que exige como ponto de partida a conservação das superfícies e das
distâncias. Mas essa construção das relações euclidianas não será possível
sem a estruturação simultânea das relações projetivas: a conservação das
distâncias e das superfícies implica, evidentemente, reciprocidade ou simetria
das relações da perspectiva.
A gênese do espaço euclidiano é paralela à do espaço projetivo. Já
prefiguradas nas primeiras conquistas da atividade perceptiva (sistemas de
referências visuais, primeiras constatações de grandeza e de forma etc.), e
praticamente organizadas no plano da inteligência sensório-motora
(permanência do objeto, labirintos etc.), as relações euclidianas começam a
se interiorizar e a se coordenar em termos do intuitivo, mas permanecem
sujeitas às deformações geradas pelo caráter estático e irreversível das
representações imaginadas por muito tempo. Somente no nível das
operações concretas é que aparecem as primeiras conservações verdadeiras
(superfícies, comprimento, distância etc.), necessárias ao progresso
subsequente do espaço propriamente métrico e, enfim, quantificado (medida
de comprimento, superfícies, volume etc.).
Operações espaciais
Problemas das operações espaciais
Piaget, ao estudar o desenvolvimento das operações espaciais, identifica
três problemas principais: o primeiro diz respeito à “intuição geométrica”; o
segundo está nas relações entre o espaço físico e o espaço lógico-
matemático; e o terceiro, nas relações entre as operações espaciais e as
operações lógico-matemáticas.
O problema da intuição geométrica é a primeira questão que se
levanta em qualquer estudo da psicologia relativa à representação do espaço
na criança.
O que sucede, explicita Piaget, é que a imagem mental visual desempenha
um papel particular no domínio da geometria por ser ela mesma de caráter
espacial. Se no domínio da classe e dos números a imagem em seu caráter
significante continua diferente em relação ao significado nocional, no caso da
figura espacial, essa imagem possui sempre uma forma espacial como ocorre
aos seus próprios significados. É dessa maneira que Piaget mostra porque, no
caso das imagens espaciais, a homogeneidade entre significante e
significado, explica os grandes desenvolvimentos que podem alcançar a
intuição geométrica. Mas, ele ressalta, se a imagem desempenha um papel
privilegiado no domínio espacial, porque ela apresenta um caráter espacial,
ela não é o motor principal da intuição geométrica. A intuição, os próprios
matemáticos concordam, “já é mais que um sistema de percepções ou de
imagens; é a inteligência elementar do espaço em nível não formalizado”.
A intuição do espaço é uma ação exercida sobre os objetos, e a partir de
ações que enriquecem a realidade física até se constituir os esquemas
operatórios suscetíveis de serem formalizados e de funcionarem
dedutivamente por eles mesmos.
A história da intuição geométrica é a da atividade propriamente dita,
primeiro ligada ao objeto e depois assimilado ao próprio funcionamento. Essa
ação se manifesta desde o contato perceptivo, sob as espécies de atividade
sensório-motora que regulam as percepções e o elemento sensível que se
limita a servir de significante, enquanto as assimilações ativa e motora
constroem relações. Há, pois, nos movimentos, um papel fundamental, como
fontes de conhecimentos espaciais, as mais elementares, pela coordenação
desses movimentos e as operações ulteriores da inteligência.
A partir dos 7-8 anos, há uma mobilidade relativa proporcionada
essencialmente pelas operações intelectuais.
Quanto à segunda questão, diz respeito às relações entre o espaço físico e
o espaço lógico-matemático, os quais a partir dos níveis operativos tornam
fáceis de distinguir os conhecimentos lógico-matemáticos dos físicos. Isso
porque os primeiros procedem por composição exclusivamente dedutiva ou
operatória, enquanto os segundos recorrem à experiência.
A experiência lógico-matemática difere da experiência física que repousa
sobre os objetos, e a abstração se dá a partir desses objetos: na abstração
lógico-matemática, as ações exercidas sobre os objetos se dão a partir de
ações ou de propriedades que essas ações introduziram no objeto. Um
exemplo de abstração simples a partir da experiência física do espaço pode
ser dado através da conservação de superfície, quando a criança tem
necessidade de uma experiência de superposição dos elementos para provar
que um retângulo composto de seis quadros agrupados na forma 2 x 3
compreende a mesma superfície que um retângulo que resulta do
alinhamento de seis quadrados, ou seja, 6 x 1. Nesse caso, a abstração da
superfície é chamada por Piaget de abstração simples, já que não comporta
uma reconstrução no nível do pensamento para comparar as duas formas.
Um exemplo de experiência lógico-matemática do espaço, com “abstração
reflexiva”, pode ser dado pelos “grupos de deslocamentos” representativos.
Se uma criança for capaz, nesse período sensório-motor, de se movimentar
em um espaço dando voltas (grupo de translação) ou for capaz de girar um
objeto para encontrar as diferentes faces dele (grupo de rotação, subgrupo
dos grupos de deslocamento), são necessários alguns anos para que possa
representar (por simples ordenação, sobre um plano, de pequenos objetos
que simbolizam os pontos de referências conhecidos) um trajeto efetuado
diariamente (por exemplo, da casa para escola) ou imaginar o resultado das
rotações ao redor de um objeto de grande tamanho (reconstituição de parte
do edifício da escola). A abstração que o grupo representativo faz do grupo
sensório-motor é reflexiva, uma vez que há uma “reflexão” no sentido de
uma projeção das ações sobre o plano das representações. E é construtiva
(por reflexão mental), no sentido em que há uma dedução substituindo a
comprovação experimental.
Na relação entre espaço físico e espaço lógico-matemático, Piaget conclui
que o espaço físico é abstraído dos objetos e o espaço lógico-matemático é
abstraído das ações executadas sobre os objetos. Assim, essas ações podem
imitar as configurações e
transformaçõesdoobjeto(desenhodecontornos,deslocamentos,seçõesetc.)eultra
o que resulta o espaço lógico-matemático resulta mais rico que o espaço
físico.
Justamente a questão da psicogênese das operações espaciais leva a
questão terceira, ou seja, da relação entre as operações espaciais e as
lógico-matemáticas.
Baseando-se nos fatos psicogenéticos reunidos, afirma Piaget que “as
operações espaciais não são simplesmente operações lógicas aplicadas ao
espaço, mas que aquelas são isomorfas das segundas”. Justifica a afirmação
pela construção da medida espontânea da criança “que não se reduz de
maneira nenhuma à mera aplicação dos números às magnitudes, mas que
consiste no desenvolver de maneira independente e isomorfa a construção do
número” (1972: 537-67).
Explicita ainda Piaget que se o número resulta de uma síntese progressiva
entre a inclusão de classes e seriação das unidades na medida de um
comprimento, a unidade espacial não está dada, pois trata de um contínuo. A
primeira operação que intervém na medida é a partição do contínuo, com sua
inversa: adição partitiva, isomorfa à adição de classes; segunda operação
constitutiva da medida será, pois, a do deslocamento de uma parte em uma
série de posições ordenadas, o que constitui o caráter isomorfo da ordem
serial das unidades numéricas.
Concluindo, diz Piaget que a medida aparece como síntese de partição e
do deslocamento, assim como o número é a síntese da inclusão e seriação, e
só quando as medidas são assim constituídas de maneira autônoma, mas
isomorfas à constituição do número, é que esse pode ser aplicado ao espaço.
Piaget identifica nasoperações infralógicas, que intervêm na
construção do espaço e isomorfas às operações lógico-matemáticas, as
seguintes operações:
a) Constitutivas das relações espaciais topológicas elementares
I – partição e adição partitiva;
II – ordem de colocação;
III – reciprocidade de vizinhança;
IV – relações simétricas de intervalo;
V – multiplicação biunívoca de elementos;
VI – multiplicação biunívoca de relações;
VII – multiplicação counívoca de elementos;
VIII – multiplicação counívoca de relações.
b) Constitutivas das relações projetivas:
I – adição e subtração de elementos projetados;
II – ordem retilínea;
III – reciprocidade de perspectiva;
IV – relações simétricas de intervalo;
V – multiplicação biunívoca de elementos;
VI – multiplicação biunívoca de relações;
VII – multiplicação counívoca de elementos;
VIII – multiplicação counívoca de relações.
c) Constitutivas das relações euclidianas:
I – adição e subtração de elementos;
II – posição e deslocamento;
III – reciprocidade de referências;
IV – encaixes de intervalos de distâncias;
V – multiplicação biunívoca de elementos;
VI – multiplicação biunívoca de relações;
VII – multiplicação counívoca de elementos;
VIII – multiplicação counívoca de relações.
d) Operações extensivas e métricas

Piaget afirma que as operações espaciais durante longo tempo fazem


apelo somente à quantificação “intensiva”, e que embora sejam espaciais
não são ainda matemáticas. E são essas operações infralógicas de caráter
“intensivo” que engendram, por suas combinações, as operações de caráter
“extensivo”, isto é, matemáticas, métricas ou não métricas.
São essas distinções feitas por Piaget que o levam a afirmar que as
operações infralógicas que permitem à criança construir sua representação
elementar do espaço são de caráter simplesmente intensivo e, por
conseguinte, comparável àquelas da pura lógica qualitativa das classes e das
relações definidas somente por suas qualidades. E que as relações
topológicas construídas pelo sujeito não procedem de encaixes ou da
construção da ordem, mas de uma lógica qualitativa do espaço (uma
infralógica intensiva). Como esclarecimento dessa afirmação, diz que, antes
mesmo de ser capaz de medir, a criança vê que uma parte de um conjunto é
maior ou menor que outra (exemplos de pedaços de bolos) e que essas
relações extensivas permanecem por muito tempo intuitivas até se
transformarem em sistemas operatórios com a construção das perspectivas e
das similitudes (proporção). Os primeiros sistemas operatórios são
topológicos, os quais a criança de aproximadamente 7 anos revela ter
construído no seio das relações intensivas de vizinhança, de separação, de
ordem, de envolvimento e do contínuo.
Esses são os oito grupamentos operatórios que Piaget observa na
construção infralógica do espaço topológico, projetivo, euclidiano, num
quadro qualitativo ou intensivo, quadro prévio necessário para sua
manutenção, mas não sendo ainda espaços matemáticos.
A passagem das relações intensivas a uma quantificação extensiva
sistemática se faz, segundo Piaget, dentro da redução regular das dimensões
em função do afastamento e das proporções, que são chamadas de
operações extensivas e métricas, pressupondo a grandeza para
medição.
Na concepção piagetiana, são essas operações que permitem a construção
do espaço físico-matemático e permitem à criança localizar os objetos no
espaço e representar graficamente esse espaço.

A representação gráfica do espaço


O espaço nos desenhos espontâneos foi utilizado por Piaget para a análise
da natureza das noções espaciais no início do desenvolvimento do espaço
representativo, assim como no desenho das perspectivas no estudo do
espaço projetivo e o desenho de plano de um conjunto de uma aldeia para
análise da passagem do espaço topológico ao euclidiano.
O espaço gráfico é uma das formas do espaço representativo e o desenho
constitui um tipo de representação espacial, é o que afirma Piaget.

O desenho: etapas do desenho infantil de Luquet


O desenho passa a ocupar um lugar no estudo psicológico da criança
somente a partir de 1880. Em 1913, G. H. Luquet publica em Paris um livro
sobre as etapas do desenho infantil.
Luquet traça, na época, as grandes linhas da evolução do desenho infantil.
Pesquisas posteriores mais sistematizadas precisaram alguns pontos e as
interpretações mais gerais deram ao estudo do desenho uma dimensão
epistemológica maior. Muitas das noções introduzidas por Luquet são ainda
utilizadas em nossos dias.
Segundo esse pesquisador, o desenho da criança passa por quatro
estágios:

• Um primeiro estágio, em que o desenho de um traço deixado por um


objeto que se deslocou numa superfície (quer por tendência espontânea
da criança quer para imitar o adulto que escreve ou desenha) passa para
outro momento, em que a criança atribui ao grafismo um nome. Pode
suceder, muitas vezes, que o mesmo desenho venha a receber vários
significados (gênese do desenho intencional).
• Um segundo estágio, em que a criança deseja fazer desenhos
parecidos, mas é incapaz disso. Esse estágio é chamado de
incapacidade sintética, porque a criança ainda não consegue
reunir todos os elementos que quer fazer entrar no modelo. Segundo
Luquet, há dois fatores que intervêm nessa inabilidade: a falta de
maestria dos movimentos gráficos (a criança não sabe interromper seus
traços quando preciso e nem dar forma ao que quer) e a atenção infantil,
limitada e descontínua; a criança percebe um grande número de
pormenores, mas a insuficiência de sua atenção faz com que seu nível
seja limitado, havendo assim uma dupla pobreza: aqueles que não são
percebidos e aqueles que são esquecidos. Os exageros das proporções e
nas relações de situação de objetos devem-se à inabilidade motriz.
• Um terceiro estágio, o do “realismo intelectual”, que é quando
aparece com maior nitidez no desenho a oposição entre a concepção
infantil e a concepção adulta de semelhança. Diferentemente do adulto, a
criança traduz no desenho o que sua mente sabe a respeito do objeto. O
realismo intelectual se manifesta de duas maneiras, negligenciando no
desenho os elementos dos objetos que se veem e, de outro lado,
representando no desenho os elementos que não se veem. Há, nessa
fase, a emissão de elementos julgados inúteis (supressão de troncos de
bonecos), formas peculiares de perspectivas, transparências, mistura de
pontos de vista e justaposição espacial e temporal.
• Um quarto estágio, o “realismo visual”, em que o desenho da
criança se identifica progressivamente com o desenho do adulto.

A interpretação de Piaget sobre o desenho de Luquet


Piaget, no segundo capítulo de La représentation de l’espace
chez l’enfant, procura demonstrar como se verifica a passagem da
percepção à representação imaginada (ou intuição representativa e não mais
perceptiva). Essa representação supõe, segundo ele, uma reconstrução das
relações espaciais adquiridas sobre o plano perceptivo, passando no plano
representativo pelas mesmas faces, com uma diferença de alguns anos.
É através do “espaço gráfico” do desenho que inicia o estudo sobre as
relações elementares do espaço representativo, interpretando primeiro as
etapas do desenho infantil realizadas por Luquet do ponto de vista das
relações espaciais e, posteriormente, utilizando cópias de formas
geométricas elementares realizadas pelas crianças.
Para Piaget, o “nível da incapacidade sintética” apresenta grande interesse
por constituir uma representação do espaço que negligencia as relações
euclidianas (proporção e distância) e as relações projetivas (perspectivas
com projeções e secções), e que começa com a dificuldade na construção das
relações topológicas, sem que a criança consiga dominá-la quando se trata
de figuras complexas.
Procura mostrar onde estão presentes as relações topológicas nos
desenhos dessa fase: nas diversas partes do desenho que são vizinhas uma
das outras em lugar de serem dispersas nas quatro folhas de papel; nas
figuras complexas, como o boneco, em que as vizinhanças são respeitadas
(os braços juntos da cabeça, os dedos ligados aos braços); nas “separações”
na medida em que um é distinto do outro; na relação de “ordem” que inicia
nesse nível e na determinação da posição relativa, ainda que revele a falta
de coordenação na “incapacidade sintética” do desenho, ou seja, na carência
de ordem entre muitos elementos: nas relações de envolvimento que podem
ser observadas nos desenhos de figuras simples, pelo fechamento, e pelo
destaque de figuras no interior ou exterior de outra figura; nas relações de
contiguidade e descontinuidade ou nas que se observa, segundo Piaget, uma
das características da “incapacidade sintética”, ou seja, de justapor os
elementos, e não realizar nas ligações contínuas dos elementos do desenho.
Piaget chega à conclusão de que, da análise dos desenhos desse estágio,
o espaço gráfico desse nível, desprovido de relações euclidianas de distâncias
e proporções e, sobretudo, de direções do conjunto segundo três dimensões,
assim como de relações de perspectivas, é o primado das
relações topológicas e revela uma lei de evolução do espaço gráfico,
comparável à das percepções.
Sobre a questão do “realismo intelectual”, diz Piaget que, após ter sido
capaz de síntese gráfica, a criança se fixa – e por longo tempo – a um tipo
particular de desenho, que consiste em desenhar não o que o sujeito vê do
objeto (realismo visual fundado na perspectiva), mas o que ele sabe.
Piaget discorda de Luquet ao atribuir as características da representação
espacial dessa fase à “inatenção”. Diz que sem pretender nesse segundo
estágio uma geometria propriamente dita, o realismo intelectual constitui um
modo de representação espacial, no qual as relações euclidianas e projetivas
começam sob forma ainda incoerente em suas conexões, e as relações
topológicas adquiridas no período anterior aparecem em casos de conflitos
sobre as novas relações.
As relações topológicas elementares são respeitadas em todas as
situações: as vizinhanças são corretas, as separações destacadas, a ordem
de sucessão existe em desenhos
complicados(paisagensecasas),nãosegundocadadimensãodossistemasdecoorde
massegundoumpercursoemsérie:asrelaçõesdeinterioreexteriortêmmuitaimportâ
onde grande parte de situações, no interior das figuras, está figurada pela
transparência (alimentos no estômago dos animais, objetos da casa) e a
continuidade aparece mais marcada em oposição à justaposição do período
anterior.
As relações projetivas e euclidianas começam a se construir nesse estágio.
O caráter incoerente do estágio “do realismo intelectual” está junto a um
espaço representativo não estruturado com respeito às perspectivas e suas
distâncias, isto é, sem coordenação de ponto de vista nem de coordenadas
em geral. A mistura de ponto de vista no desenho revela essa falta de
coordenação, em que os pseudorrebatimentos são testemunhas nos
desenhos de crianças de menos de 7-8 anos. De outro lado, as relações
euclidianas, no realismo intelectual, aparecem através das retas, dos
ângulos, dos círculos, dos quadrados e outras figuras geométricas simples,
ainda sem medidas nem proporções precisas.
Já a partir dos 8-9 anos em média, aparece uma forma de desenho que
considera simultaneamente as perspectivas, as proporções, as medidas e as
distâncias. Piaget ressalta a importância do “realismo visual” pelo caráter
tardio em relação ao “realismo intelectual”. Pelo exame o realismo visual
evidencia, ao mostrar que as relações projetivas (perspectiva) não precedem
às relações euclidianas (medidas, coordenadas e proporções), nem o inverso,
que os dois sistemas se constroem solidariamente, um se apoiando sobre o
outro. Em terceiro lugar, o realismo visual permite mostrar a natureza das
relações projetivas e euclidianas em relação às relações topológicas. As
relações projetivas permitem determinar e conservar as posições reais das
figuras, umas em relação às outras (aqui se situa a diferença entre a mistura
de ponto de vista e os pseudorrebatimentos do período anterior), as relações
euclidianas determinam e conservam duas distâncias recíprocas
(coordenadas). Trata-se de dois casos de sistemas de conjuntos em oposição
à construção de vizinhança por proximidades.

Procedimentos metodológicos
“Há uma idade em que se ensina o que se sabe: mas
vem em seguida outra, em que se ensina o que não se
sabe: isso se chama pesquisar.” Barthes, Aula 89.

Área e escolas escolhidas


Para realizar o estudo, as características socioeconômicas dos sujeitos são
delineadas pela escolha das escolas públicas e privadas e se refletirão,
supõe-se, nas representações do espaço, nos índices, referências de uso, nas
cognições sobre a apropriação do solo urbano e na diferença dos códigos de
expressão falada e escrita (Bernstein, 1979).
Foram escolhidas quatro escolas: três públicas municipais e uma privada.
O critério de escolha das escolas atendeu a duas condições: a primeira diz
respeito à localização das escolas num espaço urbano onde existam
elevações facilmente visualizadas e/ou ligadas às vivências das crianças e
onde existam referências de uso marcante (mar, rio, lagoa, canal, praça
etc.). A segunda condição refere-se ao nível socioeconômico dos sujeitos da
pesquisa: alunos de escolas públicas e alunos de escola privada, com
características bem definidas quanto à renda familiar. Optou-se pela área de
Copacabana/Ipanema pertencente ao 4ºdec (Copacabana) e 5ºdec (Lagoa).
A área escolhida constitui o final do bairro de Copacabana (Postos 5, 6, 7)
e início do bairro de Ipanema (imediações das praças General Osório, Nossa
Senhora da Paz, Clube Caiçaras/Parque da Catacumba). Destaca-se na área
um bloco montanhoso constituído de uma elevação com mais de 200 m,
separada por um talvegue de 80 m de outra elevação de 95 m. O “Corte do
Cantagalo” (Av. Henrique Dodsworth) separa esse bloco de outras elevações
que circundam os bairros de Copacabana/Leme (morros dos Cabritos, da
Saudade, S. João e da Babilônia).
Seriam incluídos, como sujeitos da pesquisa, alunos que
frequentassem as quartas séries dessas escolas, com a idade mínima de 10
anos. A homogeneidade procurada foi de idade/série atingida totalmente na
Escola 4 (4a série e 10 anos completos), com uma distorção idade/série
bastante acentuada (3asérie – 9 a 14 anos completos) e 4aa 12 anos
completos) nas escolas públicas. O grupo dos sujeitos da pesquisa ficou
assim caracterizado: pelas séries escolares, 3a e 4a do 1º Grau; idade entre
9 e 14 anos; local de residência para alunos das escolas públicas (moradores
do Morro Cantagalo, PavãoPavãozinho);enívelsocioeconômico,definidoa
priori,pelaprocedênciadaescolaprivada e pública no ano de 1980 e nível de
instrução/profissional dos pais dos alunos.

Os instrumentos da pesquisa
Quatro séries de instrumentos foram preparadas para o trabalho:

• A primeira série, A, cujo objetivo foi o levantamento de dados relativos


a tipos e nível de conhecimento que os sujeitos possuem sobre o espaço
urbano da cidade do Rio de Janeiro.
– Instrumento A1 – Questionário, preenchido pela própria criança.
Com respostas abertas em sua totalidade sobre o local de residência,
tipo de locomoção da casa para escola e vice-versa, descrição sobre o
trajeto casa-escola, identificação de outros lugares de passeio e
questão sobre “saber locomover-se” para os bairros vizinhos da escola
(Ipanema, Copacabana e Lagoa);
– Instrumento A2 – Representação gráfica – desenho do
trajeto casa-escola realizado pelas crianças em papel branco ofício,
sem limite de folhas, visando verificar os níveis de representação
gráfica do espaço urbano (tipos de elementos e sistema de
representação);
– Instrumento A3 – Identificação de posições de locais
em relação à escola, em folha-resposta, para análise das
relações topológicas, do tipo projetivo (direita/esquerda, frente/atrás)
ou direções cardeais ou unidades de medidas, utilizadas pelas
crianças. Os locais-chave são: casa do aluno, Arpoador, lagoa Rodrigo
de Freitas, Corte do Cantagalo, praia de Ipanema e praia de
Copacabana. Uma representação gráfica foi solicitada para os alunos
(desenhos da escola e de locais escolhidos nas respectivas posições).

• A segunda série, B4, constou de um relato e de uma representação de


um percurso realizado por todos alunos em meio de transporte (perua
Kombi ou ônibus escolar) ao redor do morro do Cantagalo. Esse
instrumento foi introduzido para verificar o processo de ordenação
espacial num trajeto circular, de contorno e passagem interna (túnel) no
morro do Cantagalo.

• A terceira série de instrumentos, C, foi aplicada associada à


operacionalização das relações projetivas, essenciais para a construção
do sistema móvel de referências no processo de localização. Fizeram
parte dessa série quatro instrumentos:

– Instrumento C5 – questionário para verificar os níveis em relação à


noção de direita e esquerda, adaptado do teste de
Laurendeau e Pinard (1968), excluindo a identificação dos membros
inferiores e superiores por se tratar de alunos de 3ª e 4ª séries e pelo
tipo de aplicação da prova. Inclui, por sua vez, a identificação dos
objetos e edificações situados à direita e à esquerda do aluno, do
aplicador na sala de aplicação e esquerda e direita das respectivas
escolas;
– Instrumento C6 – Identificação de lugares, realizado por
grupo de escola, preenchendo uma folha-resposta (escola do aluno,
lagoa Rodrigo de Freitas, ponta do Arpoador, morro do Cantagalo,
praia de Ipanema, praia de Copacabana, praia do Leblon), a partir da
posição dos alunos nos seguintes locais: Copacabana (posto 2),
Arpoador (parque Garota de Ipanema), lagoa Rodrigo de Freitas
(frente do Caiçara), Tivoli Park e parque da Catacumba;
– Instrumento C7, Coordenação de perspectiva numa
representação tridimensional (maquete) da área
escolhida no estudo (Copacabana, Ipanema e parte da Lagoa de 70
cm x 60 cm.). Esse instrumento tem como base o experimento de
Piaget, La mise en relation des perspectives. Uma
adaptação desse teste tornou-se necessária porque a investigação se
fez no espaço urbano real. Foram introduzidos dois tipos de cartões
(30 x 24 cm) a serem identificados pelas crianças: nove fotografias da
própria maquete tiradas de diferentes ângulos, e dez fotografias,
aproximadamente, dos mesmos pontos no espaço urbano, em que as
crianças estiveram em um dos passeios. Ambas coleções
apresentavam fotografias invertidas na dimensão esquerda/direta;
– Instrumento C8 – Coordenação de perspectiva no
mapa numa planta bidimensional da área (planta) e um
questionário em que se solicitou à criança, observando o mapa, a
identificação das dimensões projetivas e cardeais de lugares e de
bairros.

• A quarta série de instrumentos, D, refere-se às conservações


necessárias à construção da medida linear, de superfície e da medida de
duas dimensões, base para a construção das coordenadas retangulares
do espaço euclidiano.

– Instrumento D9 – Conservação das relações de


distância, em que se procurou adaptar a situação criada por
Piaget, Inhelder e Szeminska, colocando na distância entre dois
bonecos objetos entre os mesmos. Foram apresentadas quatro
situações entre as duas praças de Ipanema – General Osório e Nossa
Senhora da Paz – numa representação bidimensional, distância essa,
preenchida por três quarteirões retangulares iguais, separadas por
ruas. A criança, observando a representação A, responde numa folha-
resposta se “as praças estão perto ou longe uma da outra”. Nas
demais situações foram colocadas nas representações,
sucessivamente uma barreira entre as praças, representando edifícios
construídos no quarteirão intermediário: alto e estreito, alto e largo,
alto e largo sem passagem interna, e largo com passagem interna.
Caberia aos alunos responderem se “as praças estão mais perto ou
mais longe”;
– Instrumento D10 – Conservação de comprimento, em que
se também se fez uma adaptação do experimento de Piaget, Inhelder
e Szeminska para um espaço real. A situação apresentada para os
alunos foi a da distância a ser percorrida por duas pessoas em ruas
paralelas, distância inicialmente correspondente ao início das duas
praças General Osório e Nossa Senhora da Paz (quatro quarteirões),
variando, posteriormente, os pontos de partida e chegada. Os alunos
deveriam responder se “as pessoas estavam percorrendo a mesma
distância” nas situações apresentadas;
– Instrumento D11 – Conservação de superfície, foi utilizado
o mesmo tipo de instrumento de Piaget, Inhelder e Szeminska para
avaliação dessa conservação. Constou de dois retângulos verdes de
41 cm por 33 cm, cubos de madeira de 3 x 3, dois bonecos (1 cm) e
dois cavalinhos (1 cm) e tabuletas com indicação de proprietário A e
proprietário B. À medida que se apresentavam situações, “construção
de casas”, nas pastagens em número de oito, no terreno do
proprietário A em duas fileiras e no proprietário B dispersas no
terreno, as crianças deveriam responder “qual dos dois cavalinhos tem
mais verde para se alimentar, o do proprietário A ou o do proprietário
B?”;
– Instrumento D12 – Construção das coordenadas
retangulares, localização de um ponto no plano. A determinação
de um ponto sobre um plano ou no espaço é a condição para a
construção de uma métrica de duas ou três dimensões. Essa, por sua
vez, implica a elaboração de um sistema de coordenadas, que é
fundamental na construção do espaço euclidiano de conjunto. Esse
instrumento toma como base a técnica utilizada por Piaget, Inhelder e
Szeminska, adaptado para essa investigação. Dividiuse em duas
partes: uma utilizando o contorno do mapa (linha do litoral e da lagoa
Rodrigo de Freitas) e outra utilizando uma folha em branco (papel
ofício). Acrescentamos mais pontos, tendo em vista que o objetivo era
a localização das quatro escolas. Solicitamos que o aluno colocasse os
pontos A (Escola 3), B (Escola 4), C (Escola 2) e D (Escola 1) da folha
do modelo (colocada na parte superior,esquerda da mesa do aluno)
na mesma posição em outra folha com contorno, disposta na parte
inferior à direita da mesa do aluno. Realizadas as localizações na
última folha, esta foi substituída por uma folha em branco, de igual
dimensão, em que os alunos deveriam localizar os mesmos pontos (A,
B, C, D). Os alunos tiveram à disposição réguas, esquadros e tiras de
cartolina.
A aplicação das provas e a coleta de dados dos 12 instrumentos ocorreu
entre os meses de agosto e dezembro de 1980, durante o período escolar,
segundo disponibilidade das escolas. A opção de aplicação coletiva ou
individual foi definida na construção dos instrumentos. Com exceção do
instrumento C7, coordenação de perspectiva na maquete, os demais
instrumentos foram aplicados coletivamente em uma sala da escola (Escola
2) ou biblioteca (Escola 3) ou na própria sala do aluno (Escola 4). As
instruções foram dadas inicialmente e as questões colocadas diante das
situações apresentadas. Os dados, quando não registrados nas respostas dos
alunos, foram registrados em anotações ou gravados, no caso das entrevistas
individuais.
Os conjuntos de dados reunidos durante o processo da pesquisa foram
categorizados segundo o tipo de informação apresentada: respostas
objetivas, explicativas ou justificadoras, relatos descritivos, desenhos de
trajetos, de localizações ou de processos de localização ou localizações
realizadas na maquete. Os dados receberam tratamento quantitativo, quando
agregados sob forma de tabelas simples e cruzadas; tratamento qualitativo,
através da utilização de expressões, relatos e desenhos dos próprios alunos;
e tratamento gráfico-espacial, no caso das localizações realizadas no mapa
mudo e na folha branca do instrumento D12.
Estabelecemos níveis e sequências em relação aos dados obtidos.[2]O
critério para separação dos níveis I (IA e IB), II (IIA e IIB), III (IIIA e IIIB) e
IV foi percentagem de acertos, por meio de instrumentos que possibilitaram
realizar esse tipo de análise. Foram definidos estes níveis de acordo com
percentagens de acertos:
– Nível 0 – 0 acerto;
– Nível I – A até 24% de acertos; B – de 25% a 49% de acertos;
– Nível II – A– de 50% a 59% de acertos; B – de 60% a 76% de
acertos;
– Nível III – A – de 75% a 84% de acertos, B – de 85% a 100% de
acertos.

Resultados e conclusões
Optou-se por comentar alguns resultados de maior interesse para este
livro, dada a quantidade de dados levantados e sistematizados pela
pesquisa.

Deslocamento das crianças no espaço


Vinte alunos vêm a pé para a escola, seis alunos vêm de ônibus e dez
chegam à escola de carro ou ônibus da escola – correspondem aos alunos da
Escola 4. Os lugares por onde os alunos andam ou passam foram agregados
em três categorias: lugares de locomoção dentro do bairro, fora do bairro de
residência ou outros bairros e fora da cidade do Rio de Janeiro.
Dos quarenta alunos, oito se locomovem apenas no bairro, sete residentes
no “morro” e um não residente. Das indicações dos lugares do bairro pelos
alunos das escolas públicas predominam as praças identificadas (Garota de
Ipanema e General Osório) e não identificadas, cinema e igreja.
A locomoção a outros bairros da cidade, excluindo de residência, perfaz 57
indicações, tanto dos bairros da zona sul como da zona norte da cidade. Os
dados indicam uma concentração dos deslocamentos nos bairros e lugares da
zona sul da cidade, 13 indicações contra 7, para os bairros e lugares da zona
norte da cidade. Pode-se dizer que os deslocamentos na cidade não vão além
de um raio de 10 km de Ipanema/Copacabana e 5 km do centro da cidade,
ou seja, que os deslocamentos desses alunos restringem-se à área urbana, à
parte central da cidade do Rio de Janeiro, decrescendo dos bairros da zona
sul para os bairros da zona norte.
O desnível maior observa-se nas indicações dos lugares da cidade do Rio
de Janeiro. Do total de 8 indicações, 4 indicações pertencem aos alunos das
escolas públicas para 30 alunos (13,34%), para quatro indicações da escola
privada com 10 alunos (40%). Estes dados permitem indiretamente dar
algumas implicações sobre o espaço de locomoção desses alunos. É possível
identificar uma seletividade de locomoção decorrente do nível
socioeconômico, tanto em relação a distância (espaço restrito ao bairro)
quanto a distância e direção fora da cidade-sítio, Niterói, Paquetá, Petrópolis,
Itaipava, Teresópolis (cidades de veraneio na serra), Rio Claro, Barra Mansa,
cidades do estado do Rio de Janeiro.

O saber locomover-se para os bairros vizinhos ao bairro de residência


Este item foi indagado através da pergunta: Você sabe como se
vai a Copacabana (bairro), Ipanema (bairro) e à
Lagoa? Embora não desconhecendo que os termos Copacabana, Ipanema
e Lagoa para os alunos pudessem conter diferentes significações, pressupõe-
se que uma maior abrangência de significações e possibilidades de lugares,
ruas, avenidas estaria vinculada à ideia de bairro. Julgamos, ainda, que as
respostas dariam indicações do tipo de ação que o aluno recorre para
explicar o acesso a um lugar: evocação de uma ação física realizada
(descrição do trajeto) ou implicação do tipo “se o ônibus que passa pela rua
Visconde Pirajá vai para o Centro, Botafogo etc., passa por Copacabana,
então tomando o ônibus, chego lá e vice-versa”; esse raciocínio pode
pressupor uma ausência de uma experiência física do percurso, mas implica
conhecimento sobre a posição ou ordenação dos bairros da cidade,
trabalhados na escola.
Dos alunos que não sabem ir a Copacabana, incluem-se dois residentes no
Leblon, dois em Ipanema, três em Copacabana e dois no “morro Cantagalo”.
Chama a atenção o fato de que alunos de 3ª e 4ª séries desconhecem um
meio de chegar ao bairro vizinho da escola ou da sua casa, entre a faixa de
9,9 a 14 anos.
Entre os alunos que sabem ir aos bairros incluem-se aqueles que se
justificam dizendo “porque moram lá” (av. N. S. de Copacabana e rua Aires
Saldanha). No mesmo caso, estão aqueles que respondem “vou andando a
pé” ou “descendo a ladeira Saint Romain”. Há uma representação do bairro,
restrita a um trecho, que se traduz em caminhar até lá e que não permite
incluir os lugares do bairro no bairro delimitado administrativamente. O
bairro vivido não se sobrepõe ao bairro administrativamente demarcado.
A inserção no bairro de Ipanema é mais clara, sete alunos sabem ir,
porque dizem “morar lá”, e três deles enunciam o endereço, indicado o nome
do bairro. Para os alunos que residem na favela do Cantagalo, cujo acesso se
faz através da rua Teixeira de Melo, a relação com a vida do bairro (praça
General Osório, praia de Ipanema, comércio, supermercado, feiras) se
concentra num espaço bem próximo desse acesso, o que não ocorre em
Copacabana, onde a vida do bairro é fragmentada nos diversos trechos em
face de sua funcionalidade. Somente um aluno da Escola 1, residente em
Copacabana (rua Raul Pompeia) sabe ir a pé para Ipanema e os alunos da
Escola 4 (na encosta da favela do Pavão, no morro Cantagalo) dizem saber
chegar ao bairro de Ipanema, “descendo a ladeira Saint Romain” (trajeto
obrigatório do ônibus escolar).
A diferença física dos acessos dos moradores do morro do Cantagalo ao
espaço de relação do bairro (Copacabana e Ipanema) poderia explicar uma
maior inclusão no bairro dos alunos moradores do morro do Cantagalo, na
parte de Ipanema. Em relação à Lagoa, a dificuldade em explicitar um
caminho é apontada tanto pelos alunos residentes em Copacabana como em
Ipanema.
O saber locomover-se está associado à ação físico-motora (“sei ir a pé ou
caminhando ou pelo trajeto do ônibus”) que se reflete na descrição do trajeto
(“pego a rua...”). O que se constata, após esses dados, é que o ensino
escolar desses alunos de 3ªe 4ªséries não lhes ofereceu oportunidades de
um conhecimento sobre a disposição dos bairros dessa parte da cidade (zona
sul), sobre a delimitação administrativa, físicoterritorial do bairro que o aluno
vive e/ou situa a escola, a fim de que pudessem construir uma representação
espacial do espaço urbano de uma parte da cidade. Por não se deter num
estudo concreto do bairro, não explicitando os conceitos de bairro, de
utilização e apropriação do solo urbano, o ensino reforça e favorece uma
exclusão física e social dos moradores, implícito no discurso dos alunos. A
dissociação entre a escola e a realidade possibilita um saber alienado e
alienante desse espaço.

A representação do espaço
“O que conta na representação é o prefixo re-
presentação; implica uma retomada ativa do que se
apresenta; logo, uma atividade e uma unidade que se
distingue da passividade e da diversidade da
sensibilidade... É a própria representação que se define
como conhecimento, isto é, como uma síntese do que se
apresenta.” Deleuze, Para ler Kant.

Os estudos sobre trajetos ou deslocamentos dos habitantes no espaço


urbano ou sobre o espaço em geral têm sido orientados ou para análise da
“imagem mental” ou para análise da organização do espaço (fluxos). O
estudo mais conhecido sobre imagem mental do espaço urbano é o de Kelvin
Lynch, que analisou as bases da percepção específica de algumas cidades
americanas e procurou isolar suas constantes. Limitou-se ao campo visual.
Os trajetos percorridos como objetos de estudo nessa investigação
situamse, em parte, dentro da perspectiva de Lynch ao tentar identificar os
elementos constantes mencionados pelos alunos nos trajetos realizados. Para
Lynch, alguns elementos servem de mapa cognitivo para orientações no
espaço. São classificados pelo mesmo em cinco tipos: os caminhos (paths),
os limites (edges), os bairros (districts), os nós (nods) e os pontos de
referências (landemarks); esses elementos foram assinalados pelos
sujeitos da pesquisa, através de mapas delineados e interrogatórios
realizados durante passeio da cidade. A sequência do trajeto, observa Lynch,
facilita o reconhecimento e as lembranças. Observadores familiarizados
podem armazenar uma grande quantidade de imagens de pontos em
sequências, se bem que o reconhecimento pode interromper-se quando a
sequência é invertida. Alerta, ainda, que se as circunstâncias (pedestre ou
condutor) mudam, a imagem da realidade física determinada pode ser
diferente. É que esses elementos não existem isoladamente: os bairros são
estruturados em nós, definidos como limites ou bordas, atravessados e
carregados de pontos de referências, que esses elementos se superpõem. A
questão levantada por Lynch, sobre a sequência e inversão da sequência nos
trajetos, está diretamente ligada ao problema da reversibilidade de
ordem espacial, tanto dos objetos físicos do trajeto como dos de nível
linguístico, que essa investigação tenta detectar do ponto de vista do relato
escrito para análise da inversão. A utilização dos elementos da “imagem
urbana”, de um lado, vem atender a categorização dos elementos
mencionados pelas crianças; de outro lado, verificar como esses elementos
identificados aparecem no desenho, ou seja, se a percepção visual dos
elementos garante um desenho com sequência, os nós, os limites, as
referências.
Os relatos utilizados para análise da imagem urbana referem-se a dois
trajetos dos alunos das quatro escolas: a) um trajeto familiar (trajeto casa-
escola), diversificando em extensão e em referências, realizado diariamente;
b) um trajeto planejado percorrido de Kombi ou ônibus da escola, realizado
por todos alunos. A atividade do trajeto casa-escola é mais generalizada nos
programas e planos de ensino e geralmente tratada como simples tarefa a
realizar, em que a criança desenha ou relata, e não como rico diagnóstico
sobre o ambiente e níveis de desenvolvimento das relações espaciais.
Pressupõe-se que sejam as formas físicas, objetos físicos e perceptíveis
como estudados por Lynch, os conteúdos das imagens da cidade ou bairro os
indicados pelos alunos, em face do período de desenvolvimento cognitivo em
que a maioria dos alunos estaria, período operacional concreto (de classes e
relações). Outras indagações poderão ser respondidas: predominância de
uma imagem individual e única pela singularidade dos detalhes ou uma
imagem coletiva, pública, “necessária para que o indivíduo atue
acertadamente dentro de seu ambiente” (Lynch); ou predominaria um
sistema pontual de referências construído em sequências ou um sistema de
eixo de retas, paralelas e perpendiculares. Segundo Piaget, aos 9-10 anos,
com a construção da horizontal e vertical e das medidas de duas dimensões
em face da possibilidade de duas ordenações lineares, a construção de um
sistema de eixos fixos de referência se estabiliza.
A “leitura perceptiva” dos sistemas viários da área Copacabana (Posto 6) e
Ipanema, embora tenha um traçado simples, oferece alguma dificuldade para
os alunos diante de dois obstáculos: o morro do Cantagalo e a mudança de
direção da linha costeira. Essa questão da legibilidade da estrutura urbana
(sistema rodoviários x pontos de referência) parece remeter ao uso de tipo
de relações topológicas e euclidianas, observadas em alunos, quando da
utilização de uma relação geneticamente de construção mais tardia.
Na análise dos desenhos do trajeto casa-escola, dada a variedade de
trajetos e aspectos apresentados – trajetos maiores e menores, números de
referências desenhados, perspectivas do caminho e referências –, adotou-se
um critério que abarcasse a variedade e possibilitasse identificar os níveis ou
sequências na explicitação gráfica de um trajeto. O critério básico
considerado foi a solução dada na representação para o trajeto, a disposição
das referências no trajeto, ou seja, uma ordem espacial, uma localização,
considerando as dimensões direita e esquerda do caminho e a posição das
referências, levando em conta as ruas, quarteirões, considerando de certa
forma uma unidade de distância no trajeto.
As escadas foram consideradas como caminhos, marcando a ruptura entre
uma rua e outra que fica em nível diferente (figura 1). Asreferênciasou
pontos de referências citadas estão quase todas associadas a imagens
individuais, por ser ao mesmo tempo genéricas (casa, prédio, restaurante,
sinal) e específicas para cada aluno, e estão referidas a um determinado
ponto – aquela casa, aquele restaurante e a uma rotatória determinada.
No levantamento dos verbosutilizados no relato dos alunos há uma
predominância de uma dimensão linear e contínua: sigo, pego, passo, entro,
vou sempre, sigo reto, vou reto, atravesso, desço, subo. A ruptura da
dimensão frente/atrás é marcada pela expressão, “viro” e “dobro”, em que
abandona uma dimensão e segue outra, à direita/ esquerda. Observou-se no
relato sobre essa mudança de dimensão a pouca frequência da indicação das
direções; alguns utilizaram a dimensão direita ou esquerda no ato de virar ou
dobrar. Somente um aluno usou ambas as direções durante todo o relato na
ordem direta e inversa do trajeto. A evocação do trajeto utilizando as
dimensões projetivas (direita/esquerda) pressupõe um domínio pela criança
de seu esquema corporal e uma representação, não somente da ação de
caminhar, mas de sua posição no ponto de ruptura ou ponto de transposição
da esquerda/direita, frente/atrás, ponto de interseção de duas ordenações
lineares. A sequência das interseções dos dois eixos ao longo do caminho
permitirá a formação de um sistema de conjunto de ruas (figura 2), mas essa
percepção não é tão evidente como se pressupõe; ela pode tomar formas
diferentes como demonstra Battro e Fagundes (1979), ao analisar os
desenhos de planos da cidade ou no desenho de bairro.
Se o caminho casa-escola pressupõe uma sequência linear, em que o
ponto de partida (casa) difere do ponto de chegada (escola), a segunda
representação gráfica enfatiza uma sequência circular, real e mental, que
deverá ser resolvida pelo aluno, em que o ponto de partida e o ponto de
chegada é o mesmo (a escola). O critério de análise na resolução da tarefa
teve em vista esse aspecto.
A ordenação espacial do passeio nos arredores da escola na ordem direta,
por si, ofereceu maior dificuldade que o trajeto anterior. É um trajeto não
familiar para a maioria dos alunos; verificou-se que 35% dos alunos não
conseguiram dar a ordem das sequências das referências, 17% conseguiram
com incorreções graves, porém quase 50% fizeram a sequência com poucos
erros. A figura 3 apresenta um exemplo desse último caso.

Para análise das coordenações de ponto de vista e da


construção de sistema móvel de referências,
consideramos que a coordenação mais simples e mais primitiva consiste em
referir tudo do ponto de vista próprio, o qual deforma o espaço em função de
uma única perspectiva possível: a do sujeito. A descentração é um longo
processo, tanto no seu aspecto físico como social, que segundo Piaget são
simultâneos, ou seja, operatividade intelectual e a cooperação no grupo são
frutos da descentração, da consideração dos pontos de vista e de sua
coordenação. Foram tomadas algumas das provas de Piaget sobre espaço
projetivo, de interesse no processo de localização dos objetos no espaço,
noção de direita e esquerda e coordenação de perspectiva.
A seguir, serão apresentados os resultados na análise de utilização da
noção de direita/esquerda e direções cardeais, segundo diferentes
representações gráficas para a escola. Na figura 4, estão os símbolos para
escola, esquematizados a partir dos desenhos das crianças, com a indicação
das referências direita/esquerda e frente/atrás (quadros a e b) e as direções
cardeais (quadro c).
Quando o símbolo da escola era do tipo Ia ou Ib, em que a criança
desenhou a escola vista de frente, ela deveria imaginar-se de costas para a
escola para localizar corretamente as referências identificadas, devendo fazer
uma inversão da direção direita/esquerda.
Se o símbolo da escola for do tipo que chamamos de “casa de duas
paredes”, em que a criança dá conta das duas dimensões da casa: uma
parede de frente (atrás invisível) e uma lateral (a outra invisível), ocorreriam
as posições IIa e IIb.
Já na série III e IV, o símbolo para escola é uma figura geométrica, cujas
posições variam com a entrada da escola (frente) representada pelo aluno.
Nas situações IIIb e IVb, direita/esquerda da representação coincide com
essas direções na folha de papel.
Verificamos que as maiores frequências ocorreram nas séries Ib, IIIa e Ia.

A coordenação de perspectivafoi avaliada através de uma


maquete e fotografias do morro do Cantagalo de diferentes pontos
(Ipanema, Copacabana e Lagoa) e fotografias da própria maquete (visões
frontais e lateral esquerda e direita).
Os resultados da série desses instrumentos demonstram a dificuldade dos
alunos no reconhecimento através das fotografias do morro do Cantagalo de
diferentes pontos de vista (Copacabana, Ipanema e Lagoa) e da associação
da posição do boneco e a visão deste da maquete, através das fotografias
desta.
A construção das coordenadas retangulares(da horizontal
e vertical) na localização das quatro escolas em um mapa mudo e numa
folha branca, bem como a observação dos procedimentos (escrita e ações),
evidenciaram diferentes formas utilizadas pelos alunos como: a simples
percepção na transposição do modelo de um mapa para o outro mapa; a
medição da inclinação dos ângulos na folha branca; a medição da distância
entre as escolas pela distância horizontal e vertical tendo como referência a
borda do papel no mapa mudo e na folha em branco.
Para a maioria dos alunos, a construção das coordenadas retangulares,
que antecede a construção das coordenadas geográficas, não estava ainda
construída para localizar corretamente as escolas. A dificuldade de
compreensão sobre as coordenadas geográficas, nas quintas séries, advém
desse processo não construído, embora a maioria dos alunos utilize essa
estrutura nos jogos de batalha naval, em que a multiplicação é dada pelo
quadriculado.
Nas relações euclidianas, a grande proporção dos alunos no nível I marca
a diferença dos resultados sobre a conservação de distância em relação à
conservação de comprimento e superfície. O conceito de distância para 70%
dos alunos não estava plenamente construído. Nos resultados sobre a
construção da coordenadas (vertical/ horizontal) para localização das escolas
no mapa mudo, 10% dos alunos estavam respectivamente no nível I e no
nível III e 25% dos alunos proporcionalmente atingem os níveis I e III na
localização das escolas na folha em branco, quando não há contornos de
referências próximas reconhecidas (Lagoa, praias). Esse fato deve ser
considerado na introdução das coordenadas retangulares na localização como
na última série do atual 2ºciclo e das coordenadas geográficas, no 3º ciclo do
ensino fundamental.

Notas

[*] Este capítulo foi originado dePara a construção do espaço geográfico na criança,
dissertação de mestrado apresentada no Departamento de Psicologia da Educação do Instituto de Estudos
Avançados em Educação da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1982.

[1] Citado por R. Dottrens, Como mejorar los programas escolares, Buenos Aires, Ed. Kapeluz, 1961, pp. 28-9.

[2] Procurou-se, de posse das sínteses parciais dos resultados, trabalhar estatisticamente os resultados obtidos
para confirmação ou não das hipóteses. Utilizou-se, no tratamento estatístico, testes não-paramétricos para
verificação das hipóteses formuladas.
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O MAPA COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO E A ALFABETIZAÇÃO CARTOGRÁFICA
Maria Elena Simielli

Este capítulo discute o mapa como elemento transmissor de informação e


avalia sua eficácia.[*]* Levando-se em conta que o processo de comunicação
em cartografia coloca a criação ou a produção do mapa e a leitura pelo
usuário no mesmo nível de preocupação, este trabalho foi desenvolvido de
maneira que essas duas etapas sejam evidenciadas.
Tratar a cartografia simplesmente como um meio de transmissão de
informação realmente não acrescenta nada de novo à literatura existente,
considerando-se que a preocupação do cartógrafo sempre foi, e ainda é, a de
fazer um bom mapa, que conduza a uma leitura eficiente.
Assim, o objetivo é o de avaliar, através da elaboração do mapa, segundo
critérios rigorosamente definidos pelas características do usuário, a eficácia
desse meio de comunicação, pela pesquisa com a clientela a que se destina.
A pesquisa desenvolveu-se tendo-se em mente que a Comunicação em
Cartografia implica um único processo, ou seja, que a informação origina,
comunica e produz um efeito.
Com essas preocupações, a pesquisa foi iniciada em 1982, tentando
abarcar todo o processo da comunicação cartográfica – elaboração e uso do
mapa.
A primeira etapa foi a de construção do instrumento de pesquisa – o mapa
–, considerando as especificidades da clientela a que ele se destinava. Como
informações a serem trabalhadas foram escolhidos os temas hipsometria e
hidrografia do Brasil. Todos os cuidados referentes à parte cartográfica na
confecção do mapa foram tomados, principalmente, no que se refere à
generalização cartográfica, escolha de cores, toponímia etc., para a faixa
etária de 11 a 15 anos.
Na segunda etapa – leitura do mapa – foram aplicados questionários em
escola da rede oficial de ensino do estado de São Paulo, na cidade de São
Paulo, em classes de alunos de 11 a 15 anos, cursando da 5ª à 8ª série. As
turmas de cada série foram desmembradas em dois grupos, e cada grupo de
alunos trabalhou com um material diferente. Assim, o primeiro grupo
trabalhou a situação “1 mapa”, quando o relevo e a hidrografia aparecem
superpostos em um só mapa, e o segundo grupo trabalhou com a situação “2
mapas”, quando as duas informações aparecem separadas, ou seja, foram
desmembradas em dois mapas.
Os resultados obtidos evidenciaram o baixo índice de leitura por parte dos
alunos, considerando-se este meio de transmissão da informação – o mapa.
Diante desses dados, passou-se a pesquisar o processo de alfabetização
cartográfica em faixas etárias anteriores, ou seja, de 6 a 11 anos.
Desenvolveu-se basicamente as noções de visão oblíqua e vertical, imagem
tridimensional e bidimensional, alfabeto cartográfico, estruturação de
legenda, proporção e escala e, finalmente, lateralidade e orientação. A
preocupação, durante a pesquisa, foi e continua sendo o processo de
entendimento do mapa e os caminhos para uma leitura realmente eficaz, em
que a alfabetização cartográfica é fundamental.

A comunicação cartográfica

Cartografia e comunicação
A cartografia, ao longo de sua existência, sofreu várias transformações
quanto à concepção, área de abrangência, competência e evolução
tecnológica. Pelas definições de cartografia, pode-se notar essa evolução de
forma bastante nítida. As primeiras definições colocam a cartografia como
disciplina cujo objeto é a representação da Terra.
Outras definições apresentam a cartografia como arte, na qual a
preocupação com a estética do mapa é fator primordial, evoluindo
posteriormente para a cartografia como técnica, em que a função do
cartógrafo ficou restrita a simples confecção dos mapas.
Algumas definições das décadas de 1970 e 1980 apresentam outros
elementos
– criação e uso de mapas –, enfocando importantes modificações ocorridas
na cartografia nesse período. Assim, segundo a Associação Cartográfica
Internacional, em seu Multilingual Dictionary (1973), a cartografia
é definida como teoria, técnica e prática de duas esferas de interesse: a
criação e o uso dos mapas.
As primeiras definições ora colocavam a cartografia como arte, ora como
técnica ou as duas em conjunto, porém a preocupação com o usuário do
mapa ou mesmo a menção sobre a utilização do mapa só vai aparecer, pela
primeira vez, nas definições encontradas, em 1996, pela Associação
Cartográfica Internacional, que, posteriormente, apresentou essa definição
anterior, mais simplificada.
Essas modificações no tratamento da cartografia retratam os diferentes
enfoques pelos quais essa disciplina passou nas décadas de 1970 e 1980.
Assim, como propõem alguns autores, a cartografia passa a se preocupar
com o usuário do mapa, com a mensagem transmitida e com a eficiência do
mapa como meio de comunicação.
Essas preocupações mantêm-se vivas na década de 1990 e no início do
século xxi, ampliadas pelo uso de computadores e o grande avanço
tecnológico em que a cartografia foi inserida, passando a preocupar-se com a
visualização cartográfica.
A comunicação cartográfica é analisada basicamente pelo tripé:
cartógrafo, mapa e usuário, daí a referência à teoria geral da comunicação
(figura 1).

Na tentativa de transpor essas colocações para a cartografia, temos a


figura 2 com propostas de Muehrcke e de Robinson e Petchenik.

Nessas propostas, os termos convencionais de comunicação já são


transpostos para a cartografia, inserindo-se no sistema os conceitos: mundo
real; mapa; imagem do mapa; concepção do cartógrafo e concepção do
“percipient”.
Em seguida, Muehrcke detalha essa proposta da figura 2 apresentando as
transformações da informação (figura 3).

Análise de modelos de comunicação cartográfica


Na estruturação da Cartografia como um Sistema de Comunicação, na
década de 1970, vários cartógrafos, na esfera internacional, que vinham se
preocupando com essa temática passaram a apresentar seus esquemas ou
modelos.
O modelo a seguir será apresentado de forma detalhada por ter servido de
embasamento teórico a esta pesquisa. O modelo de Kolacny – “Comunicação
da informação cartográfica” (Figura 4) – apresenta uma proposta equilibrada
em termos da importância das duas esferas de interesse na comunicação
cartográfica – a confecção do mapa e a leitura do mapa, com igual
importância neste esquema. Kolacny enfatiza justamente o fato de que, até
aquele momento, a teoria da cartografia se preocupou com a criação e
produção de mapas, dando pouca ou nenhuma importância ao uso dos
mapas, enquanto leitura e meio de retorno à realidade.
Na prática, os dois processos são parciais – a produção do mapa e a sua
utilização – e ocorrem separadamente, daí terem sido investigados e
resolvidos individualmente pela maioria dos autores. No entanto, segundo
relato de Kolacny (1977):
O trabalho que realizei no Instituto de Pesquisa em Geodésia e Cartografia de Praga, durante o
período de 1959 a 1968, parece justificar a conclusão de que o produto cartográfico não pode
atingir seu efeito máximo se o cartógrafo considerar a produção e o consumo de mapas como
dois processos diferentes. Esse efeito máximo só pode ser obtido se a criação e utilização dos
trabalhos de cartografia forem considerados dois componentes de um processo coerente (e
em certo sentido, indivisível), no qual as informações cartográficas originam, são comunicadas e
produzem um efeito. É a informação cartográfica que constitui um conceito novo, ligando a
criação e utilização do mapa num único processo.
Esse processo (ilustrado no gráfico) pode ser chamado “Comunicação da
informação cartográfica”. A conclusão é que os problemas complexos da
cartografia moderna não podem ser estudados e entendidos com sucesso – e
muito menos resolvidos, e o progresso da arte assegurado –, a não ser que
seja dada total atenção à conexão entre os dois componentes desse processo
de comunicação, ou seja, a produção e a criação de um trabalho de
cartografia e sua utilização ou consumo.
Na figura 4, notam-se os sete fatores principais que agem no processo de
comunicação da informação cartográfica:
R1 – Realidade, representada do ponto de vista do cartógrafo;
S1 – O sujeito que representa a realidade, ou seja, o cartógrafo;
L – Linguagem cartográfica como um sistema de símbolos e regras para o seu uso;
M – O produto da cartografia, isto é, o mapa;
S2 – O sujeito que usa o mapa, ou seja, o usuário do mapa;
R2 – Realidade vista pelo usuário do mapa;
Ic – Informação cartográfica.
Na realidade, a criação e a comunicação compõem um processo muito
complexo de atividades e operações com circuitos de retroinformação em
vários níveis. A dinâmica desse processo está apresentada em 7 estágios
básicos no esquema, em que de 1 a 4 temos a criação do mapa e de 5 a 7 a
sua utilização. As características desses estágios são:
1 – Observação Seletiva da Realidade – R1
Tendo os objetivos definidos, conhecimento e capacidade específica, o
cartógrafo observa a realidade (R1), sob determinadas condições,
justificando, então, a seleção. Na prática, ele observa diretamente o meio
geográfico ou o estuda em um mapa que lhe serve (com outros materiais)
como fonte para o seu trabalho.
2 – Efeito da Informação – Is
A observação da realidade produz um efeito informativo no cartógrafo, que
recebe a informação seletiva (Is), correspondente a um modelo intelectual
multidimensional da realidade a ser representada.
3 – Transformação Intelectual da Informação Seletiva–
Isem Informação Cartográfica– Ic
A mente do cartógrafo transforma o modelo intelectual multidimensional
da realidade (Is) num modelo bidimensional. Nesse processo, sua mente
trabalha com o conceito de uso da linguagem cartográfica (L).
4 – Materialização da Informação Cartográfica – Ic
O cartógrafo expressa sua forma de informação cartográfica intelectual
através de símbolos cartográficos. Assim, ele produz um mapa manuscrito
no qual a informação cartográfica Ic é materializada através do uso desses
símbolos. Dessa forma, ela se torna acessível à percepção através dos
sentidos humanos. Geralmente, segue-se o processo de impressão no qual
o mapa original é reproduzido.
5 – Efeito da Informação Cartográfica – Ic Materializada
O mapa produz um efeito de informação sobre o usuário. O usuário do
mapa que via a realidade como R2, lendo o mapa, transforma sua opinião
a respeito da realidade R2 em R1.
6 – Efeito da Informação Cartográfica – Ic Ampliado
Confiando na informação cartográfica Ic, o usuário do mapa cria em sua
mente um modelo multidimensional da realidade R1 e a apreende.
7 – Agir sob o Impacto da Informação Cartográfica – Ic
A informação cartográfica obtida – Ic enriquece o conhecimento e a
experiência do usuário do mapa. Ela é transformada imediatamente em
sua atividade prática, ou ele a processa em uma ideia que percebe de
imediato, ou posteriormente no decorrer de seu trabalho, ou de alguma
outra forma. De qualquer maneira, a realidade R2 do usuário do mapa é
ampliada.
Essa última colocação é discutível, pois se considerarmos o usuário que
não tem condições de ler o mapa, por motivos variados, haverá perda de
informação, daí o fato de que Kolacny representou R2 com linha tracejada.
Salichtchev, na modificação proposta ao modelo de Kolacny (Figura 5),
apresenta o círculo tracejado e sobreposto a outro, com deslocamento,
tentando mostrar justamente as possibilidades de ampliação ou perda de
informação.
Salichtchev apresenta uma esquematização do Modelo de Kolacny,
fazendo a interpretação através de quatro estágios. No primeiro estágio, o
cartógrafo não utiliza toda a informação disponível para fazer o mapa, não
podendo isso ser encarado como perda de informação, pois ainda não entrou
no canal de comunicação, tratando-se então de uma seleção deliberada. No
segundo estágio – compilação do mapa – temos perdas no processo de
codificação e generalização da informação. No entanto, a generalização não
pode ser entendida só como perda de informação, pois através dela pode-se
adquirir novas informações de nível qualitativo.
No terceiro estágio aparece a informação contida nos símbolos,
individualmente ou nas suas associações; no entanto, nem sempre essa
informação é totalmente utilizada, ou pelo despreparo do leitor ou pelo ato
de exclusão do que lhe parece inútil, e daí a importância de se conhecer as
necessidades do leitor para se fazer uma seleção prévia.
No quarto estágio – interpretação da informação obtida através do mapa
–, o principal objetivo é gerar a expansão das ideias sobre a realidade
mapeada, a partir da experiência e conhecimentos já acumulados pelo leitor.

O mapa como meio de comunicação

Linguagem cartográfica
Na vida moderna, é cada dia mais notória e importante a utilização de
mapas; portanto, cada vez mais, o trabalho do cartógrafo deve ser baseado
nas necessidades e interesses dos usuários dos mapas. Por isso mesmo o
cartógrafo deve conhecer subjetivamente o indivíduo que vai utilizar os
mapas.
Fundamentalmente, isso nos leva a destacar a importância da criação de
uma linguagem cartográfica que seja realmente eficiente para que o mapa
atinja os objetivos a que se propõe.
Para tanto é necessário que o cartógrafo esteja capacitado a manipular da
maneira mais completa possível as informações iniciais sobre o mundo real,
generalizá-las e transformá-las em informações cartográficas, através de uma
linguagem cartográfica adequada, que por sua vez engloba a confecção e o
uso do mapa num só processo – o processo da comunicação da informação
cartográfica.
O mapa como meio de comunicação será realmente eficiente se esse
processo não for interrompido, ou seja, o uso de uma linguagem cartográfica
válida tanto para a transmissão da informação como para leitura ou consumo
do mapa.
A linguagem cartográfica adquire maior importância a partir do momento
em que o cartógrafo, já tendo realizado a observação seletiva da realidade e
já tendo produzido um efeito informativo no cartógrafo, transforma esse
modelo intelectual multidimensional (da realidade) numa forma intelectual
de informação cartográfica. É graças aos símbolos dessa linguagem que o
cartógrafo materializa a sua informação intelectual.
Estabelecer essa linguagem é uma grande responsabilidade para o
cartógrafo, pois o mapa não se baseia em uma “convenção” qualquer.
Ao pensar no mapa como transmissor de informações, deve-se ter em
mente os princípios da comunicação em cartografia. Se os mapas são
veículos no processo de comunicação, mediante símbolos cartográficos, é
preciso apresentar a informação adequadamente e, para tanto, conhecer as
regras da comunicação e assim expressar como dizer o quê?, como? e
para quem?.
Para se entender plenamente a linguagem cartográfica, é preciso destacar
aqui a importância da semiótica, ciência geral de todas as linguagens, mais
especialmente dos signos. O signo é algo que representa o seu próprio
objeto. Ele só é signo se tiver o poder de representar esse objeto, colocar-se
no lugar dele, e, então, ele só pode representar esse objeto de um certo
modo e com uma certa capacidade. O signo só pode representar seu objeto
para um intérprete, produzindo na mente deste um outro signo, considerando
o fato de que o significado de um signo é outro signo (figura 6).
O signo possui dois aspectos: o significante e o significado. O significante
constitui-se no aspecto concreto (material) do signo. Ele é audível e/ou
legível. O significado é o aspecto imaterial, conceitual do signo. O plano do
significante é o da expressão e o plano do significado é o do conteúdo. Esses
aspectos levam à significação que seria o produto final da relação entre os
dois.
A relação entre palavras e coisas é determinada pela necessidade de
designar as coisas pelas palavras. Disso deriva que o signo é sempre
arbitrário e seu significado é estabelecido simplesmente por uma convenção.
Por isso o signo é representativo, ocupando o lugar das coisas e não nas
coisas.
Leitura de mapas
O sucesso do uso do mapa repousa na sua eficácia quanto à transmissão
da informação espacial, sendo o ideal dessa transmissão a obtenção, pelo
leitor, da totalidade da informação contida no mapa.
É necessário aqui cuidar da subjetividade da percepção da informação
cartográfica, pois diferentes leitores obtêm diferentes tipos de informação a
partir dos mapas. Para Salichtchev isso ocorre não pela subjetividade da
percepção da informação cartográfica em si, ou da sua percepção, mas pelo
grau diferente de extração de informação dos leitores do mapa.
Nos modelos de comunicação cartográfica analisados nesse capítulo
destacase Kolacny, que se preocupou, de forma mais evidente, com a leitura
de mapas. Kolacny focaliza o retorno à realidade mapeada através do mapa,
apresentando todas as circunstâncias que envolvem tal processo, ou seja:
condições externas, processos psicológicos, habilidades e propriedades,
conhecimento e experiência, necessidades, interesses e objetivos, que,
agindo no “Conteúdo da mente do usuário”, permite um retorno à
“Realidade” através da “Realidade do usuário”, a qual coincidirá em parte
com a “Realidade do cartógrafo”, sendo, evidentemente, menor que a
“Realidade”, no sentido mais amplo. Sanchez (1981) analisa:

Existem representações gráficas que apresentam respostas simples e imediatas a partir de


simples observações e outras que exigem mais tempo e operações mentais mais elaboradas.
Conclui-se que existem níveis de leitura que vão desde o elementar até o mais complexo,
passando-se por um nível intermediário entre esses extremos.

O nível elementar é aquele no qual se percebe uma quase perfeita a


correspondência biunívoca entre cada unidade territorial e seu valor numérico
específico. Nesse caso, estamos diante de verdadeiro inventário estatístico,
no qual a percepção da informação não exige nenhum processamento mental
mais elaborado. Trata-se de nível de leitura em que não se perde nenhuma
informação: é muitas vezes a matriz operacional transcrita em um mapa,
que, em vez das células da tabela, tem os valores numéricos situados em
seus locais de ocorrência. Esse nível de leitura é exigido conforme o tipo de
usuário e em função dos dados e informações que, nesse caso, não poderão
ser submetidos à generalização. É totalmente enganoso pensar que uma
representação gráfica será tanto melhor quanto mais detalhes mostrar. A
ideia básica pode ficar difícil de ser assimilada ou então aparecer deformada
em meio a muitos sinais. Os níveis de leitura de uma representação gráfica
chamados médio e complexo existem e funcionam de modo gradativamente
oposto ao nível elementar. “Os dados são submetidos a diferentes níveis de
processamento, visando possibilitar
visões sintéticas, muitas vezes resultantes complexas que mostram as
características e tendências gerais assumidas pelo fato ou fenômeno
representado.”
Quanto à complexidade da informação no mapa e à exatidão, abordadas
por Sanchez e representadas por Jenks e Caspall, na figura 7, através de um
gráfico no qual a relação aparece bem nítida, evidencia-se o momento em
que o mapa atinge o “ponto ideal” no plano de complexidade de informação
e exatidão.
Em relação à leitura de mapas, esse problema é de grande importância,
principalmente quando se passa a trabalhar com muitas variáveis e se obtém
mapas totalmente ilegíveis para os usuários, em função da sua
complexidade. Na figura 7, essa situação está bem evidenciada quando a
curva pontilhada passa a ser decrescente.
Quanto à leitura de mapas, é importante ressaltar ainda o que Bertin
chama de “cartas para ver” e “cartas para ler”. Ao ler uma carta, o usuário
deve fazer dois tipos de perguntas (figura 8):
1º) O que há em tal lugar? É pergunta relativa ao conjunto de pontos
geográficos, expressos em x no quadro de dados (a carta).
2º) Onde está essa característica? Refere-se ao conjunto de caracteres,
expressos em y no mesmo quadro.

Esses dois conjuntos se relacionam na carta. A carta deve responder


visualmente a esses dois tipos de perguntas. A percepção visual (significação
da imagem) é instantânea. Nesse sentido, o nome de “carta para ver” refere-
se àquela que responde instantaneamente aos dois tipos de perguntas, e
“carta para ler” àquela que só responde ao primeiro tipo. O usuário tem a
tendência de procurar uma resposta visual para o segundo tipo.
As “cartas para ler” dificultam a comparação com outras cartas, pois o
segundo tipo de pergunta não tem resposta visual e, portanto, não são
“cartas para ver”. Além disso, é preciso que a “carta para ver” não seja falsa
(resposta visual falsa). Se memorizarmos um dado falso e o comparamos
com outros, as conclusões também serão falsas. Percebe-se, assim, a
importância do cartógrafo na elaboração do mapa e a compreensão de que a
linguagem da cartografia não é convencional.

Os fundamentos empíricos do mapa como meio de comunicação

Representação cartográfica e leitura de elementos físicos da paisagem


Kolacny evidencia duas importantes fases: a criação ou produção e a
utilização ou consumo. Como se viu, sua proposta de “Comunicação da
informação cartográfica” (figura 4) mostra uma realidade a ser mapeada que
o cartógrafo materializa, sempre em parte, diante a natureza dos seus
conhecimentos e da impossibilidade de abarcála na sua totalidade. Através
da linguagem específica da cartografia – a linguagem gráfica – e de
métodos próprios para representação, chega-se ao mapa, que terá a função
de fazer o leitor retornar à realidade, no seu sentido mais amplo. Assim,
quanto melhor for representado o mapa e quanto mais adequado ao usuário
a que ele se destina, melhor será a visão do leitor sobre a realidade
representada. Kolacny ressalta, assim, a importância da informação
cartográfica, a forma como ela é comunicada e a relação desse processo com
a eficácia do mapa, através do retorno à realidade, pelo usuário.
Para tanto, utilizou-se o mapa “Brasil – Físico”, com informações da
hidrografia e hipsometria, do Atlas geográfico escolar (Simielli,
2000).
O mapa do Brasil foi selecionado por ser, em princípio, uma realidade mais
próxima do aluno e constar do currículo escolar desde as primeiras séries do
ensino fundamental.
A pesquisa foi desenvolvida na Escola Estadual de Primeiro Grau “Brasílio
Machado”, situada naVila Madalena, bairro da zona oeste de São Paulo,
porque, além de preencher o requisito básico – crianças de 11 a 15 anos,
cursando as quatro últimas séries do ensino fundamental –, foram
encontradas facilidades administrativas que permitiram fazer
remanejamentos nas salas de aula nos dias de aplicação dos questionários.
Outro fator que pesou na escolha dessa escola foi a sua localização em um
bairro de classe média, decorrendo daí a ausência de maiores problemas
relacionados com baixa renda econômica, tais como alto índice de faltas e
evasão escolar, baixo nível de aproveitamento escolar, dificuldades materiais
etc.; isso permitiu centrar-se no objetivo principal da pesquisa, sem ter que
desviar a atenção para outras questões.
A população considerada na pesquisa foi a de alunos de 5ª a 8ª séries,
tendo sido mantidas as mesmas condições para as diferentes turmas
pesquisadas, ou seja: mesma série, idade, professor, período de aula e
escola, a fim de que diferenciações nesses dados não interferissem na leitura
dos mapas apresentados, distorcendo os resultados.
Os sujeitos relacionados foram 92 crianças, representando 50% de cada
classe de 5a a 8a séries (duas turmas de cada série).
O trabalho foi encaminhado para leitura das informações de hidrografia e
hipsometria e foram apresentados de duas maneiras:
1. Em um único mapa, com hidrografia e hipsometria em conjunto.
2. Em dois mapas separadamente, um de hidrografia e outro de hipsometria.
Cada série escolar participou das duas situações. Foram trabalhados em
dois grupos de estudo. Tinha-se uma 5ªsérie com a situação “1 mapa” e
outra 5ªsérie com a situação “2 mapas”, e assim por diante, para as outras
séries. Portanto, cada classe se constituía em um grupo de estudo tendo,
consequentemente, dois grupos de estudos para cada série e todas as séries
trabalhando com os mesmos mapas e questionários.
O questionário apresentado foi (entre parênteses aparece o número que
foi utilizado posteriormente para tabulação):
1. Por convenção, o lado direito de um mapa corresponde ao leste. O
esquerdo corresponde ao oeste. A parte abaixo é o sul e acima é o
norte. Agora responda:
(1) Em que direção a planície Amazônica vai se alargando, passando de
estreita para mais larga?
(2) Qual a direção do rio Tocantins?
2. No mapa ao lado, as cores representam diferentes níveis de
altitudes, estando também indicadas as principais formas de
relevo.
Baseando-se nisso responda:
(3) Qual é a forma de relevo predominante no país?
(4) Qual é a maior planície brasileira?
3. “Bacia hidrográfica é uma área drenada por um rio principal e seus
afluentes, formando um sistema integrado de cursos d’água”.
(5) Cite duas grandes bacias hidrográficas brasileiras.
4. (6) Considerando-se a planície Amazônica e a planície do Pantanal, qual
delas possui maiores altitudes?
5. (7) Cada cor que aparece no mapa ao lado representa uma informação.
Qual é a informação representada por cada cor?
6. “Os rios correm das áreas mais elevadas para as áreas mais baixas do
relevo”. Responda:
(8) Qual o nome da área onde nasce o rio Jarí (afluente do rio Amazonas)?
(9) Onde deságua o rio São Francisco?
7. As maiores altitudes no mapa ao lado estão representadas pela cor marrom
claro e marrom escuro. Verifique:
(10) Qual o pico mais elevado e sua altitude?
As questões apresentadas foram agrupadas, quando da sua confecção, em
categorias espaciais, que são:

Para cada item do teste foi atribuído um ponto – quando a resposta era
correta, não ocorrendo uma situação de meio certo, portanto meio ponto,
uma vez que não havia outra alternativa em termos de respostas. Assim, o
total de pontos possível de ser obtido por cada aluno seria 10.

Apresentação dos resultados


No sentido de estudar descritivamente a distribuição das respostas às
questões do teste, por Categorias Espaciais, construímos a figura 9. Essa
tabela contém médias ponderadas pelo número de questões
envolvidas em cada categoria espacial, multiplicadas por 10, para facilitar a
interpretação.
Na tabela podemos constatar que a Categoria 2 (Extensão) obteve maior
média de acertos, tanto para “1 mapa” como para “2 mapas”, enquanto a
Categoria 4 (Seleção de Cores) teve o menor índice de acertos. Observando-
se os totais, nota-se que a leitura do mapa se fez de forma crescente com “2
mapas”, ou seja, da 5ª à 8ª série o número de acertos cresceu. Para a
situação “1 mapa” tem-se uma distribuição bastante irregular, em que ocorre
um pico nos acertos, para a 6ª série, e uma pequena queda na 8ª série.
De qualquer forma, considerando somente os acertos, a 5ª série foi a que
apresentou as médias mais baixas e a 8ª série as mais altas. A 6ª e a 7ª
séries se equivalem, com uma pequena vantagem para a 6ª série.
Tentando explicar as causas do melhor desempenho médio dos alunos de
6ª série em relação aos de 5ª e 8ª séries (1 mapa), só foi encontrada
resposta no fato de que esse assunto faz parte do conteúdo programático da
disciplina de Geografia dessa série, o que vem reforçar a ideia de que temos
a necessidade de aprender a ler mapas, em que cada símbolo apresenta um
significado, assim como aprendemos a ler outras linguagens (número, escrita
etc.). Se o professor dominar a linguagem gráfica e souber transmiti-la aos
seus alunos, o problema poderá ser aos poucos sanado, ao passo que, se a
situação for inversa e o professor não dominar a linguagem, ele não terá
condições de fazer seus alunos se interessarem por mapas, pois eles não
conseguirão decodificar a mensagem transmitida através deles. O aluno
precisa, pois, conhecer e se familiarizar com o alfabeto cartográfico e isso é
tarefa do professor. A situação que aparece evidenciada na 7ª série, na qual
há um decréscimo do desempenho dos alunos (masculino e feminino), liga-se
ao fato de que no ano anterior ocorreu uma substituição do professor efetivo
dessa série, o que se enquadra na alternativa agora levantada, ou seja, falta
de conhecimento prévio para leitura do mapa, por parte do aluno e do
professor.
Essa falta de conhecimento prévio do usuário na leitura do mapa acarreta
a perda da informação. Relacionando esse fato ao esquema de Kolacny
(figura 4), pode-se inferir que, no processo de retorno à realidade, R2 seria
reduzida em relação a R1, contrariando a posição de alguns autores que
sugerem R2 maior que R1.
Da afirmação feita – o desempenho médio nos testes não é o mesmo para
as quatro séries consideradas nos estudos –, e através dos resultados obtidos
nos quais se faz a comparação da situação “1 mapa” com a situação “2
mapas”, pode-se ver que o desempenho é equivalente apenas na 7ª série;
para as 5ª e 6ª séries o desempenho com “1 mapa” foi significativamente
superior ao com “2 mapas”, sendo, na 8ª série, o desempenho com “1 mapa”
significativamente inferior ao com “2 mapas”. Essas afirmações são
perfeitamente justificáveis, se for considerado que há um nível crescente de
compreensão por parte dos alunos da 5ª para a 8ª série (de 11 para 15
anos), ocorrendo apenas uma exceção bem evidenciada – menor índice de
leitura de mapas (1 mapa) na 8ª série. Essa ocorrência poderia ser explicada,
em parte, pelo exposto anteriormente em relação ao professor substituto,
mas aí aparece a colocação paralela: por que em “2 mapas” o melhor
desempenho foi o da 8ª série?Tentando uma explicação, analisou-se a classe
que respondeu a esse teste (1 mapa) com baixo índice de respostas.
Constatou-se que no teste foram agrupados, para obtenção do grupo de
estudo, cinco alunos masculinos e cinco femininos, crianças de duas turmas,
A e C, que eram classes com duas situações distintas: em uma delas
predominava alunos no limite inferior de idade selecionada para a 8ª série e
na outra série predominava alunos no limite superior
deidade,daíoagrupamentodealunosqueestavamnolimitepreestabelecido(8ªsérie
14 a 15 anos). Trabalhou-se então com uma turma originariamente mais
heterogênea para a situação “2 mapas”, e, portanto, os alunos tinham como
resposta ao que foi ensinado pelo professor um desempenho também mais
heterogêneo.
Pairam ainda dúvidas: por que o desempenho com “2 mapas” é mais
homogêneo (em sua curva crescente) e apresenta seu melhor resultado na
8ª série, em vez da situação “1 mapa”, onde há decréscimo e os menores
índices na 8ª série? Relembre-se que em “1 mapa” temos as duas
informações (hipsometria e hidrografia) apresentadas juntas e que em “2
mapas” tem-se essas duas informações apresentadas separadamente, cada
uma em um mapa. Como se explica, então, o desempenho mais regular para
a situação “2 mapas”, quando a maior parte dos mapas conhecidos pelos
alunos traz a situação “1 mapa” como a mais comum?
Deveriam, portanto, estar mais aptos a ler informações na situação “1
mapa”?
Essa questão, em princípio, ficará em aberto, mas alguns pontos que
podem fornecer indícios para sua elucidação serão levantados:
1) Existe um grau de abstração maior na situação “1 mapa” do que na
situação “2 mapas”, pois, embora a informação contida nos mapas seja a
mesma para ambas, na segunda situação as informações estão separadas,
o que poupa o aluno de fazer essa operação (separação/seleção de
informação) quando da leitura do mapa, o que resulta, portanto, em um
melhor desempenho na decodificação da informação.
2) Essa separação, teoricamente, não permite que se estude a dinâmica do
relevo e se faça correlações. No entanto, nessa faixa etária, o aluno não
está apto para a operação, que implica um grau de abstração maior, que
permite, consequentemente, um melhor desempenho com “2 mapas”. A
solução será encontrada em um trabalho mais detalhado na alfabetização
cartográfica, com ênfase, entre outros temas, na imagem tridimensional e
bidimensional.
Outra categoria que chamou a atenção foi a de “seleção de cores”, que,
por exigir uma abstração maior, teve o índice mais baixo de respostas.
Inicialmente, na proposta do teste foi considerado que os alunos
conseguiriam distinguir entre as informações principais dos mapas (cores
hipsométricas e respectivas altitudes do relevo) e as informações secundárias
(oceano, países vizinhos do Brasil), pois todas as cores aparecem no mapa
com essas conotações diferentes.

Avaliação da eficácia do mapa como transmissor de informação


As colocações feitas no item anterior e analisadas com base nos capítulos
teóricos permitem avaliar a eficácia do mapa como transmissor de
informação.
Basicamente, o modelo que deu mais elementos teóricos para se analisar
o mapa como meio de comunicação foi o desenvolvido por Kolacny (figura 4).
Até então, a maior preocupação com os mapas sempre foi a sua confecção,
acreditando-se que a partir de um bom mapa os usuários teriam condições
de extrair as informações que estavam representadas. Supunha-se que,
nessas condições, o usuário do mapa estaria submetido às condições do
cartógrafo. Kolacny ressalta que o trabalho criativo do cartógrafo deve ser
baseado nas necessidades, interesses e condições subjetivas do usuário do
mapa; significando um conhecimento profundo das condições que constituem
os problemas associados ao uso de mapas.
Assim, ele apresenta um modelo no qual as duas etapas – criação do
mapa e uso do mapa – aparecem bem diferenciadas e com igual importância
dentro do processo de transmissão de informação. Na prática, “os dois
processos parciais – a produção do mapa e a sua utilização – acontecem
separadamente, e é também por isso que eles têm sido investigados e
resolvidos separadamente até agora”. Entretanto, também foi constatado, no
dia a dia, que o produto cartográfico não atingirá seu nível máximo se o
cartógrafo considerar a produção e o consumo de mapa como dois processos
diferentes. Daí a preocupação com a “conexão mútua entre os dois
componentes desse processo de comunicação, ou seja, aproduçãoe a
criação de um trabalho de cartografia e sua utilização ou consumo”.
Dentro dessas colocações e seguindo o modelo de Kolacny, foram
trabalhadas as duas esferas de interesse. Quando foi feito o mapa de
hipsometria e hidrografia do Brasil (Simielli, 2000), com todas as
preocupações em relação ao usuário para o qual ele se destinava – ensino
fundamental –, foi enfocado o nível da produção do mapa, e quando
da aplicação dos testes para alunos do ensino fundamental, a preocupação
era o uso do mapa, ou seja, a eficácia da representação.
Vencida a produção do mapa, a etapa seguinte foi a fase empírica –
aplicação dos testes para verificar se o encaminhamento na produção do
mapa realmente alcançava seu objetivo, no sentido de melhorar o nível de
leitura de mapas.
Pelos testes aplicados e pela análise estatística feita, percebeu-se que
realmente o nível de leitura poderia ser ainda melhor se os professores
estivessem aptos a ler a mensagem transmitida pelo mapa e, assim, poder
explicar aos seus alunos como essa leitura poderia ser feita.
Em cursos ministrados em diferentes cidades do Estado, percebeu-se que
boa parte do professorado não domina noções elementares de Cartografia,
como: escalas, leitura da legenda, métodos cartográficos elementares,
projeções etc. Consequentemente, esse professor não terá condições de
trabalhar amplamente com o mapa, usando-o apenas como recurso visual.
E, para completar o raciocínio de que falta, na essência, uma
aprendizagem do mapa e que ela levaria a um consequente uso mais eficaz
deste, no sentido de melhorar seu aproveitamento, transcreve-se um trecho
de Keates (1982), que fez pesquisas na Escócia, das quais se pode deduzir
que o problema não é privilégio de países como o Brasil:
Uma operação de uso de um mapa, no sentido da atividade de uma pessoa com o mapa, não
surge simplesmente como uma consequência do ato de confecção de um mapa. O uso do
mapa começa quando a pessoa se torna consciente de algum problema que requer
informações para a sua solução, e percebe que esta informação pode ser melhor obtida
através de um mapa. Isto pode ser muito óbvio para um usuário de mapas experiente, mas
em muitos casos isto não ocorre de forma alguma automaticamente. Há milhares de
motoristas, por exemplo, que descobrem o caminho a seguir através de placas ou perguntando
a pedestres, aparentemente sem estar a par (ou então sendo indiferentes) quanto ao valor de
mapas para tais propósitos.
Considerando que os mapas são meios de transmissão de informação, é
preciso preocupar-se com todo o processo de sua confecção, pois ele tem que
ser adequado ao usuário a que se destina para não haver lacuna entre o
trabalho do cartógrafo e o do leitor do mapa, que deve apreender o máximo
das informações transmitidas.
Para tanto, é preciso levar em conta que os mapas têm funções específicas
para determinados grupos de usuários e que a linguagem cartográfica não
deve ser compreendida só pelo cartógrafo, mas principalmente pelo usuário.
Em particular os alunos do ensino fundamental e médio devem ser
orientados pelo professor de Geografia para descobrir e explorar o espaço, e
para isso necessitam conhecer o alfabeto cartográfico. É importante que a
linguagem cartográfica (alfabeto cartográfico) seja valorizada, estudada e
conhecida pelos estudantes. Através dela o aluno interpreta os mapas,
orienta-se e estabelece-se a correspondência entre a representação
cartográfica e a realidade.
O processo de mapeamento utilizado pelo professor no estudo dos
fenômenos espaciais deve ser cada vez mais complexo, evoluindo da 5ª para
a 8ª série, pois o desenvolvimento mental da criança é cada vez maior, e,
consequentemente, o nível de abstração também.
Baseando-se nessas premissas, pode-se concluir que:
– o mapa será mais eficiente se o cartógrafo confeccioná-lo para um
usuário específico. É esse o caso dos mapas utilizados na pesquisa, extraídos
do Atlas Geográfico Escolar, que foram submetidos, durante a
confecção dos testes, ao crivo de um trabalho didático a fim de apresentá-los
da forma mais acessível possível ao aluno, respeitando o seu
desenvolvimento mental e a sua capacidade de abstração. Daí a necessidade
de confeccionar mapas exclusivamente para crianças, que devem ser
atraentes e realmente transmitir a informação pretendida;
– o aluno precisa conhecer qual é o melhor caminho para conseguir ler o
mapa e nisso deve ser orientado pelo professor, que lhe ensinará o alfabeto
cartográfico. O aluno só lerá o mapa se for capacitado para isso;
– o professor precisa estar bem informado quanto ao alfabeto cartográfico,
pois só assim saberá transmiti-lo ao aluno. Isso diz respeito à formação dos
professores e à sua capacidade para usar o mapa como meio de
comunicação. Caso contrário, o mapa será usado apenas como recurso
visual;
– em relação à leitura dos mapas, o destaque está nos alunos que leram
melhor, de forma crescente da 5ª para a 8ª série, o material da situação “2
mapas”, ou seja, as informações de relevo e hidrografia separadamente.
Considerandose que essa não é uma situação usual dos mapas apresentados
a alunos do ensino fundamental, propõe-se que seja melhor analisado tal
fato, que se faça uma pesquisa mais ampla, para se ter uma resposta mais
fundamentada;
– a colocação anterior liga-se basicamente à capacidade de abstração e
correlação do aluno, que ainda é incipiente nessa faixa etária, demonstrando
a necessidade de se realizar pesquisas interdisciplinares, que reúnam
especialistas em cartografia, pedagogia e psicologia;
– levando-se em consideração o resultado obtido no teste estatístico, em
que houve índices favoráveis de respostas em várias situações que estão
ligadas ao desenvolvimento mental da criança e ao uso de um alfabeto
cartográfico mais adequado, acredita-se que ele deveria ser aplicado em
outras escolas estaduais e também em escolas da rede particular de ensino,
em que alunos de classes socioeconômicas diferentes se comportariam,
seguramente, de maneira diversa na decodificação da informação e
apreensão da realidade.

Continuação da pesquisa: alfabetização cartográfica


Os resultados obtidos na pesquisa, que envolveu crianças na faixa etária
de 11 a 15 anos, mostraram o baixo nível de leitura de mapas, evidenciando
um problema não resolvido na faixa etária anterior (6 a 11 anos). Assim,
passou-se a pesquisar, na década de 1990, as faixas etárias em que há
preocupação com a alfabetização escolar, com enfoque na análise do
processo de aquisição dos elementos da linguagem gráfica.
Em cursos ministrados em várias cidades no Brasil, constatou-se que o
problema da leitura eficiente de mapas não estava restrito às faixas etárias
até então pesquisadas, mas estendia-se também aos professores, mostrando
um problema real da falta de alfabetização cartográfica na escolaridade
formal.
Com base nesses cursos, passou-se a pesquisar como os professores
trabalhavam as informações relativas à alfabetização cartográfica e o
resultado foi bastante preocupante: apenas 12,5% de um total de 1219
professores pesquisados conseguiram trabalhar com a referência
internacional da orientação geográfica de forma adequada.
Assim, no desenvolvimento da pesquisa em alfabetização cartográfica,
passouse a analisar a visão oblíqua e vertical, a imagem tridimensional e
bidimensional, o alfabeto cartográfico, a estruturação da legenda, a
proporção e a escala e a lateralidade e orientação.
Essa estrutura aparece esquematizada na figura 10, em que os itens
citados são ressaltados como o elemento transmissor de informação,
principalmente considerandose que a criança não irá copiar o mapa e sim
entender o processo de confecção para posteriormente lê-lo com eficiência.
Todo procedimento para se trabalhar a cartografia, ou suas noções básicas
nas séries iniciais, enfatiza o trabalho da criança em um processo no qual ela
realmente participa, para assim melhor compreender a representação do
espaço. Desmistificase assim a cartografia-desenho e passa-se a considerar a
linguagem gráfica como um meio de transmissão de informação.
A seguir, a sequência trabalhada de 1ª a 4ª séries nos diferentes itens
concernentes à alfabetização cartográfica.
Visão oblíqua e visão vertical
Este primeiro item a ser trabalhado com as crianças mostra justamente
um dos primeiros problemas que se tem em cartografia: todo mapa é uma
visão vertical. Tem-se aí, consequentemente, o primeiro grande problema a
trabalhar com crianças a partir da faixa etária de 6 e 7 anos.
A visão que se tem no dia a dia é lateral, isto é, oblíqua, mas dificilmente
há condição de se analisar um determinado espaço, por exemplo, o espaço
de uma cidade, de um bairro ou até da sala de aula, na visão vertical. Essa é
uma visão abstrata ou temos que nela chegar a partir de uma abstração.
Para se ver na visão vertical uma área maior, temos que utilizar métodos
mais sofisticados, que são o avião fotogramétrico, o helicóptero ou
eventualmente praticarmos o paraquedismo, balonismo ou asa-delta, que
permitem situações em que se consegue ver esse espaço maior, na forma
vertical.
A intenção da pesquisa foi iniciar um processo pelo qual, a partir de
situações em que a criança passa a enxergar na vertical (por exemplo, a
representação de um copo em diferentes visões), se possa formar a noção da
visão vertical, através de elementos do dia a dia da criança, que passariam a
representar esses elementos para poder depois abstrair um espaço maior, ou
seja, a sua sala de aula, a sua escola, o seu bairro e posteriormente o seu
estado e seu país.
Imagem tridimensional e imagem bidimensional
Neste item será trabalhada a passagem do espaço concreto, da realidade
em que se vive, para o espaço do papel. Haverá, portanto, a passagem de
informação do que a criança vê com volume, com tridimensão, para um
espaço plano, um espaço bidimensional. Essa passagem será trabalhada a
partir do momento em que a criança começa a fazer as maquetes na 1ª série
com dobraduras e vai aumentando em complexidade até a 4ª série, onde se
faz a passagem da maquete (tridimensional) para o espaço bidimensional.
Tal tarefa é bem complexa, pelo simples fato de que o nível de abstração
que ela exige é muito alto e a criança tem uma extrema dificuldade em
transpor um objeto que se apresenta na realidade com volume para o espaço
do papel, ou seja, para o plano.
A complexidade aumenta ainda mais quando se passa a trabalhar com a
criação do conceito de formas topográficas, com as diferentes altitudes.

Representações cartográficas
As representações cartográficas são feitas a partir de elementos básicos,
que são: ponto, linha e área. Parte-se de desenhos mais elementares, mais
simples, do cotidiano da criança. Em um primeiro momento, representam-se
elementos como: copo de água, apontador, estojo escolar, enfim, elementos
que a criança tenha no seu cotidiano. Somente a partir daí iremos para áreas
maiores, ou seja, as fotos aéreas, com as quais a criança fará os diferentes
desenhos numa primeira etapa, simplesmente olhando o que tem na foto e
passando essa imagem para o espaço bidimensional; em uma segunda
etapa, ela fará a transposição desses diferentes espaços, fazendo a sua
representação cartográfica através de seleção dos elementos que ela tem na
foto.
As representações, portanto, partirão de elementos bastante simples do
dia a dia para as fotografias aéreas e posteriormente espaços mais amplos,
tais como a cidade, o estado e posteriormente o país.

Estruturação da legenda
Este item também é bastante problemático, perdendo em grau de
dificuldade apenas para as noções de tridimensão e bidimensão na
alfabetização cartográfica. O professor, para executá-lo, deverá ter como
base algumas noções que são fundamentais, principalmente: observação,
identificação, hierarquia, seleção e agrupamento na representação.
Para se trabalhar com a estruturação da legenda, deve-se inicialmente
observar e identificar os elementos da foto. Num segundo momento,
hierarquizar, selecionar, generalizar e agrupar o que se está trabalhando.
Num terceiro momento, faz-se a representação. Para essa noção,
estruturação da legenda, parte-se do mais simples, quando a criança
desenha os elementos em que trabalha no seu dia a dia, até os mais
complexos. Só então se pode estabelecer uma legenda a partir de fotografias
aéreas, com vários momentos a serem transpostos.

Proporção e escala
Para chegar a ter o conceito de escala, deve-se inicialmente trabalhar com
a noção de proporção, o que se pode começar a partir da 1ª série, em
desenhos nos quais a criança vai representar elementos em diferentes
tamanhos. O professor deverá sempre trabalhar com papel quadriculado de
várias proporções, para que a criança possa adquirir a percepção de que um
objeto pode ser desenhado em diversos tamanhos.
O professor deve trabalhar com a noção de proporção e somente na 3ª
série, com a introdução do sistema métrico, é que ele irá começar a dar ao
aluno subsídios para que da 5ª à 8ª série ele possa efetivamente entender
escala.
Lateralidade, referências e orientação espacial
Embora se considere que os itens mais problemáticos para trabalhar a
alfabetização cartográfica sejam a imagem tridimensional e a bidimensional,
aquela em que os professores têm demonstrado maior índice de dificuldade
quando da elaboração de representações em diferentes cursos em que
ministro no Brasil tem sido o da lateralidade, referência e orientação
espacial.
O conceito de orientação espacial deve, antes de qualquer coisa, ser
trabalhado pelas noções de lateralidade e referências. Muitas vezes, o
problema do aluno não está na orientação espacial e sim nas noções que
antecedem esse conceito, ou seja, nas noções de lateralidade e referências.
Outro problema que o aluno enfrenta no aprendizado dessas noções é que o
professor trabalha muitas vezes, logo no início, no espaço bidimensional,
quando na realidade esse item deveria ser trabalhado no espaço
tridimensional, e somente após o aluno ter efetivo domínio das referências e
de lateralidade. Nesse momento, devem-se trabalhar as relações topológicas,
as projetivas e as euclidianas.

Nota

[*] Originado de O mapa como meio de comunicação: implicações no ensino de


Geografia no I Grau. Tese de doutorado, defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, 1986, 205p.

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____________. Cartografia e ensino. São Paulo, 1996. Tese
(Livre-docência) – Departamento de Geografia, Universidade do Estado de
São Paulo.
METODOLOGIA PARA INTRODUZIR A GEOGRAFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL
Janine G. Le Sann

Hipóteses discutidas
Alunos e professores de Geografia apresentam dificuldades no aprendizado
da noção de escala. É sobre esse tema que trata este capítulo.[*] O
esquecimento do conceito e das operações com escalas podem ser
evidenciados, de um semestre para outro, tanto por parte dos alunos quanto
por parte dos professores. Dados de pesquisa do Ministério da Educação e
Cultura do Brasil (mec) revelaram, em 1985, uma alta ocorrência de
reprovações no final das duas primeiras séries do Ensino Fundamental
(49,5%). A partir desse fato, levantou-se a seguinte hipótese: as noções
básicas referentes ao aprendizado formal, em particular da Geografia, na
escola brasileira, não são corretamente trabalhadas.
Na Europa da década de 1980, no contexto do chamado “pensamento
educativo contemporâneo”, diversos pesquisadores discutiram esses
problemas e apontaram soluções.[1] A principal hipótese da pesquisa
descrita aqui originou-se das constatações desses especialistas: os métodos
educativos deveriam ser adequados à criança, considerada um ser em
evolução permanente no decorrer de sua vida escolar, o que pressupõe
necessidades e aptidões em constante mutação.
A semiologia gráfica e o tratamento gráfico da informação foram temas
dos trabalhos de Bertin e Gimeno e mostraram que a aquisição de
conhecimentos passa pela observação e pela organização lógica do
pensamento. Esses trabalhos fundamentaram uma hipótese da tese: a
semiologia gráfica e o tratamento gráfico da informação são instrumentos
privilegiados para o ensino, em geral, e para o ensino da Geografia, em
particular. Em síntese, a hipótese fundamental da tese pode ser assim
formulada: os problemas de assimilação observados nos estudantes e
professores e os problemas de adaptação dos alunos nas primeiras séries
(hoje, primeiro ciclo) do Ensino Fundamental teriam a mesma origem, a
saber: uma descontinuidade no processo de assimilação de certas noções ou
conceitos, para os adultos, e uma descontinuidade entre os saberes
socioculturais prévios das crianças e o nível conceitual dos Programas da
primeira série.

Objetivos
Foram formulados nove objetivos de pesquisa:
1. Verificar as condições materiais do trabalho dos professores de Geografia;
2. Verificar a aquisição de algumas noções prévias ao estudo da Geografia
pelos alunos de 5ª série;
3. Verificar a aquisição de algumas noções lógico-matemáticas pelos
estudantes do curso de Geografia da ufmg;
4. Resgatar as etapas da evolução psicogenética de crianças de 7 a 10-11 anos
de idade, a partir da teoria de Piaget;
5. Determinar os principais grupos de conceitos contidos nos Programas
oficiais de ensino da Geografia, em Minas Gerais, da 1ª à 8ª série do ensino
fundamental;
6. Analisar a participação das diferentes ciências, que intervêm no processo de
ensino-aprendizagem do saber geográfico;
7. Propor um material pedagógico para o ensino de algumas noções ou
cadeias de noções, em função da evolução psicogenética das crianças;
8. Testar esse material em salas de aula de três escolas diferentes, com
alunos de níveis sociais diferentes;
9. A partir dos resultados obtidos e de sua análise, estruturar um material
“evolutivo” para o ensino de algumas noções geográficas, nas primeiras
séries do ensino fundamental, no Brasil.

Principais resultados: descrição do contexto escolar brasileiro em 1988


Na primeira parte deste trabalho, relativa à realidade escolar brasileira,
descrevese uma situação conhecida dos professores brasileiros que pouco
mudou até hoje. Em 1988, aproximadamente 75% dos professores de
Geografia eram do sexo feminino. Da amostra consultada, a grande maioria
era formada em Licenciatura, mas parte não tinha formação específica em
Geografia; alguns não tinham nenhuma formação superior! Muitos
professores acumulavam diversas séries (de duas a sete), num mesmo ano.
Cerca de 35% dos professores trabalhavam de 31 a mais de 50 horas-aula
semanais. O número de alunos por sala era elevado: mais de 79% das salas
tinham mais de 35 alunos (20% tinham mais de 50 alunos). A metade dos
professores que respondeu à enquete trabalhava em mais de uma escola e
20% deles, nos três turnos. Concluiu-se que todos esses fatores combinados
contribuíam, em parte, para a má qualidade do ensino. Verificou-se, ainda,
que os salários dos professores do Ensino Fundamental eram muito baixos,
com grandes variações entre as diversas redes de ensino e regiões
brasileiras. Assim, um professor de escola municipal ou particular (em Belo
Horizonte) recebia o equivalente a 97 dólares por 20 horas semanais. No
estado de Minas Gerais, o salário era equivalente a 62 dólares.
Com relação ao ensino da Geografia, a partir das respostas trazidas nos
questionários, verificou-se que, fundamentalmente, o livro didático era o
principal recurso em sala de aula e fonte do saber geográfico. Na época, os
livros didáticos apresentavam qualidade gráfica e de conteúdo nem sempre
satisfatórios.[2] Além disso, apenas 40% dos alunos possuíam um livro
didático. Com relação aos demais materiais, tais como mapas-murais, globo
e atlas, quando presentes nas escolas muitas vezes traziam informações
ultrapassadas. O ensino da Geografia acontecia, quase sempre, entre as
paredes de uma sala de aula.
Essas características foram consideradas na concepção do livro das fichas
usadas na pesquisa.

Programas de Geografia do ensino fundamental


Os programas de geografia do ensino fundamental foram descritos e
discutidos no capítulo dois da tese. Para a primeira série, os objetivos eram:
descrever, explicar, comparar, localizar, fazer, identificar, classificar.
Questionou-se a ordem dessas ações. Como explicar, antes de descrever,
identificar, comparar, classificar? Na grande maioria dos casos, é a primeira
vez que a criança entra numa sala de aula, precisa ficar sentada, calma e
atenta, deve aprender a ler, a escrever e a contar, além de adaptar-se à
linguagem da professora que, nem sempre, corresponde à linguagem de seu
meio familiar. No programa da segunda série previa-se o estudo do município
e da comunidade, o que pressupõe o domínio de conceitos geográficos e de
habilidades para comparar, perceber e entender mudanças, entre outros
muitos conceitos e conhecimentos factuais. Ou seja, em dois anos, a criança
deveria ter assimilado a maior parte dos conceitos geográficos para ter
condições de usá-los em raciocínios lógicos e estruturados. Trata-se de um
programa muito amplo. Precisar-se-ia de mais tempo para o seu
desenvolvimento e, sobretudo, de representações adaptadas às capacidades
da criança, num contexto lógico. Questiona-se, ainda, a falta de formação
das professoras, o que as leva aser adotadaspelo livro didático, ao
adotá-lo! Ou seja, na prática, seguir o livro à risca leva a professora à
perda de autonomia intelectual.
O programa da terceira série recomendava o estudo da comunidade, no
contexto estadual, com a utilização de documentos cartográficos. Na quarta
série, esse procedimento deveria ser estendido ao estudo do Brasil.
O principal questionamento referiu-se à falta de referência às
características próprias das crianças nessas séries. Isso revela que a
elaboração dos programas era baseada nos conteúdos do conhecimento
geográfico, sem se considerar o objetivo fundamental do ensino: a formação
das crianças.

Teste com estudantes do curso de Geografia da UFMG


Um teste foi aplicado a 149 estudantes e teve como objetivo verificar o
domínio de noções lógico-matemáticas, necessárias para a estruturação da
noção de escala. Os dois primeiros exercícios visam à comparação de
proporções, dois são exercícios de regra de três e o quinto é um cálculo de
escala. O último exercício é composto por uma sequência de proporções e
exige a concentração do aluno. O teste mostrou que os estudantes de
Geografia testados não dominavam a noção de escala. Menos de um terço
dos alunos não cometeu qualquer erro. Isso prova que as noções
lógicomatemáticas, estruturadoras da noção de escala, não se estabilizaram.
Verificaram-se, ainda, falta de atenção e dificuldade de concentração dos
alunos.

Teste com alunos de 5ª série do Centro Pedagógico da UFMG


Objetivou-se verificar o nível de aquisição de noções consideradas ponto
de partida para o estudo da Geografia do programa de 5ª série. O teste foi
aplicado a 101 alunos de 5ª série, em março de 1989. A grande maioria tinha
11 anos de idade. O teste era composto por exercícios de: seriação;
classificação simples; ampliação linear; noção temporal antes e depois;
rotação; esquerda e direita; classificação múltipla (quadro de dupla entrada);
conhecimentos geográficos simples (nome do país e do estado, nomes de
estados brasileiros, reconhecimento da escala gráfica, definição de mapa,
conhecimento da orientação por seta); conhecimento do centro de Belo
Horizonte; localização e orientação. O teste teve duração de uma hora.
A análise do teste evidenciou a falta de atenção dos alunos. Verificou-se
que a régua milimetrada não pode ser introduzida antes da percepção das
proporções não quantificadas. Os alunos apresentaram muitas dificuldades
nos exercícios sobre as noções de espaço e de localização. São privilegiados
os fatos no espaço, em detrimento do estudo do espaço em si. Por isso,
muitos adultos têm dificuldades com a sua lateralidade e para orientar-se em
espaços desconhecidos. O exercício de classificação múltipla – no caso um
quadro de dupla entrada – revelou que, apesar de amplamente utilizado na
escola e na vida cotidiana, não foi assimilado como ferramenta para
estruturação do pensamento lógico. Globalmente, esse teste mostrou que as
crianças ingressam na quinta série, despreparadas para trabalhar com
quadros de dados e mapas. Quando não assimiladas, as noções geográficas
de base têm que ser, sistematicamente, retomadas.

As bases teóricas: uma encruzilhada teórica


Tendo em vista que esta tese foi defendida há mais de 15 anos, aqui
pretendese retomar os fundamentos teórico-metodológicos que a
sustentaram e trazer novas reflexões, decorrentes de pesquisas
desenvolvidas após sua defesa, porém, inscritas em continuidade de
pensamento.

Pedagogia
“Todos nós
precisamos de
sua sabedoria.
Você tem algo
para mostrar:
você possui
uma
inteligência do
mundo, uma
sensibilidade
para a vida que
é só sua. Você
precisa
comunicá-la.
Nenhuma
desistência será
aceita, porque
não queremos
perder nada do
que é e merece
ser.”
Antoine de la
Garanderie,
Les profils
pédagogiques.
Nos anos 1980, na Europa, discutia-se o “Problema Educacional
Contemporâneo”. A ideia central dos debates focalizava-se na necessidade
da participação efetiva do aluno no processo de aprendizado. A ideia não era
nova. Alain, no livro Propos sur l’éducation, já recomendava a
participação efetiva do aluno: “Há muito tempo estou cansado de ouvir que
um é inteligente, o outro não [...] cada um tem a inteligência que quer [...].
Vontade, mas prefiro dizer trabalho, eis o que falta” (1932: 62-3).
Clarapède (1921), Montessori (1935), Wallon (1951), Decroly, Freinet,
Piaget (1935, 1965) já escreveram a respeito do espaço que o professor deve
deixar para o pensamento da criança. A revolução tecnológica ofuscou esses
pensadores com as técnicas de ensino programado (Montmollin, 1975).
Por que ideias como as de Clarapède (apud Ulmann, 1982), tão
claramente expostas na citação a seguir, parecem não ser entendidas pelos
professores?

O objetivo da educação deve ser o desenvolvimento das funções intelectuais e morais mais do
que encher a cabeça de uma massa de conhecimentos que (quando não são esquecidos)
permanecem, na maioria dos casos, conhecimentos mortos, alojados na memória como corpos
estranhos, sem ligação com a vida. (1921: 43)

A pedagogia dos meios de aprender, desenvolvida por


Garanderie nos anos 1980, chama a atenção para os processos mentais
mobilizados, em cada um de nós, no ato de aprender, qualquer que seja a
natureza do aprendizado (intelectual, esportivo, artesanal ou artístico). O
objetivo de suas pesquisas foi a “análise dos atos de pedagogia pessoal por
meio da qual uma pessoa aprende, se forma para adquirir competências”
(1980: 30).
A eficácia do aprendizado, baseado na compreensão dos parâmetros
mentais mobilizados, é a essência do pensamento de Garanderie. Escolas de
ensino fundamental, na Europa e no Québec (Canadá), assumiram essa
proposta pedagógica. Congressos acontecem, regularmente, para discutir a
evolução do método e seus resultados.
Com esse método, a criança toma consciência de suas peculiaridades no
ato de aprender e toma o controle de seu processo de ensino-
aprendizagem. O ambiente escolar é, potencialmente, rico. A biblioteca está
aberta para consultas nos horários de aula, um computador está à disposição
para pesquisas, na sala de aula. O aluno organiza um plano de estudo, com
tarefas definidas com o professor, recebendo as orientações necessárias,
tanto do professor, quanto do corpo técnico da escola. O autor chamou esses
procedimentos pessoais de “gestos mentais”. São a atenção, a reflexão, a
memória e a imaginação. No ensino tradicional, os professores cobram esses
procedimentos de seus alunos, porém, não explicam o que fazer para ficar
atento, refletir, memorizar ou imaginar! O autor descreve, por exemplo, o
procedimento de compreensão, ou seja, o ato de tomar o conhecimento para
si: “A compreensão é o fruto do gesto mental perfeitamente definido pelo
projeto de se dar múltiplas e repetidas evocações do objeto percebido com o
objetivo de apreendê-lo cada vez mais. Qualquer um pode fazê-lo” (1987:
44).
Garanderie define o termo evocação como “a forma de uma imagem
visual ou auditiva, repetitiva, transformadora, elaboradora, [...] que segue o
ato de perceber” (1982: 102) e explica o processo mental que a acompanha:
Entre a percepção das coisas e sua denominação com palavras, situa-se a reprodução mental
destas coisas. É reproduzindo-as na cabeça que se lhes procura o estatuto mental, que se
pode compará-las entre si, entender-lhes os contornos, as estruturas essenciais, movimentá-las
em determinadas direções. (1982: 89).
O autor reconhece quatro parâmetros para as evocações:
1. Os hábitos evocativos da vida cotidiana, ou seja, decorrentes da vida no
meio específico de cada criança;
2. A escola é a fonte dos hábitos evocativos escolares elementares. É nesse
espaço que o professor deve intervir para explicar como evocar. O autor
levanta a hipótese de que a capacidade individual, mais ou menos
desenvolvida, de evocar pode ser uma das causas das diferenças de
“capacidades” ou de “níveis de inteligência”, identificada entre as crianças
de uma mesma sala;
3. O terceiro parâmetro é aquele que tem como conteúdo as estruturas
escolares de operações racionais complexas, em particular a indução e a
dedução. O autor pondera que não há uma idade específica para a aquisição
desses três parâmetros. Todavia, lembra que são ordenados e seguem em
paralelo com os estágios de desenvolvimento descritos por Piaget;
4. O quarto parâmetro é o da imaginação que completa, prolonga e inova a
partir das evocações.
O autor frisa, ainda, que a “compreensão é filha da evocação, não da
percepção” (1987: 59). Por isso, o professor precisa deixar um tempo para
evocar os elementos da matéria em estudo, para formar uma reapresentação
mental (evocação) desses elementos.
Na concepção dos exercícios do livro de fichas, cuidou-se em apresentar,
simultaneamente, o conceito e sua imagem, assim como diversificar os
exercícios para atender às diferenças pessoais. Os exercícios incitam a
perceber os conjuntos e os contrários, a reproduzir e a interpretar, no tempo
e no espaço, por meio de imagens mentais e de suas evocações.

Psicopedagogia
“A educação
tradicional
sempre tratou a
criança como
um pequeno
adulto, como
um ser que
sente e pensa
como nós, mas
sem
conhecimento e
sem
experiência.
Assim, sendo a
criança,
apenas, um
adulto
ignorante, a
tarefa do
educador
objetivava
enchê-lo de
conhecimentos,
no lugar de
formar-lhe o
pensamento.
Os
conhecimentos
trazidos de fora
deveriam ser
suficientes [...].
À nova escola
importa,
fundamentalmente,
saber qual é a
estrutura do
pensamento da
criança e quais
são as relações
entre a
mentalidade
infantil e a de
um adulto.”
Piaget,
Psychologie
et
Pédagogie
Em seus trabalhos, Piaget nunca se referiu à Geografia.Todavia, uma
leitura atenta de sua obra traz elementos preciosos para uma reflexão sobre
o ensino dessa disciplina. O primeiro é a base fundamental do pensamento
piagetiano, a saber, os estágios de desenvolvimento e estruturação do
pensamento da criança e do adolescente. Em pesquisas feitas na África
(Goze, 1976; Dasen, 1978; Salem, 1979; Guilleron, 1980) observou-se a
ordem dos estágios descrita por Piaget, mas com uma defasagem nas faixas
etárias. Essa mesma defasagem foi observada nas crianças brasileiras.
Pensando na estruturação de noções ligadas ao espaço, extrai-se do
pensamento piagetiano:
1. No decorrer do período sensório-motor, a criança de 0 a 2 anos descobre o
meio em que vive, povoado de seres e objetos móveis, ou não, num espaço
cuja exploração ela está começando;
2. No período seguinte, ela prepara e organiza as operações concretas. Essa
fase é dividida em dois tempos: o das representações pré-operatórias e o
das operações concretas (2 a 6-7 e 7-8 a 11-12 anos de idade, nas crianças
suíças observadas por Piaget);
a. No decorrer do primeiro tempo, a criança transforma suas percepções e os
movimentos num sistema de conceitos e esquemas mentais. É a fase da
evocação simbólica, constituída de imagens mentais de realidades ausentes:

O pensamento representativo se inicia em oposição à atividade sensório-motora desde que, no


sistema de significados, que constitui qualquer inteligência e, sem dúvida, qualquer tomada de
consciência, o significante se diferencia do significado (Piaget, 1948: 172).

b. No segundo tempo, o da inteligência operatória concreta, a atividade


cognitiva da criança se torna operatória
quando ela adquire uma mobilidade tal que a ação efetiva do sujeito
(classificar, adicionar, etc.) ou uma transformação percebida no mundo físico
[...] pode ser anulada por uma ação orientada em sentido inverso e
compensada por uma ação recíproca (Piaget, in Inhelder, 1947).
Isso corresponde ao acesso à reversibilidade e à noção de conservação. As
implicações pedagógicas são importantes. A matemática deve apoiar-se em
conceitos concretos que incentivem a classificação, a organização, a seriação,
a partir de elementos geográficos do meio no qual vive a criança, todavia,
sem esquecer os limites de suas aptidões. Piaget e Inhelder lembram que:

é importante notar que esses diferentes agrupamentos lógico-matemáticos e espaçotemporais


estão, ainda, longe de constituir uma lógica formal aplicável a todas as noções e a todos os
tipos de raciocínio. Deve-se lembrar de um ponto importante, tanto para a teoria da inteligência,
quanto para suas aplicações pedagógicas, se se pretende adaptar o ensino aos resultados da
psicologia do desenvolvimento, em oposição ao logicismo da tradição escolar. Com efeito, as
mesmas crianças que chegam às operações qualitativas que estruturam o espaço [...] são,
habitualmente, incapazes de usá-las quando param de manipular os objetos e são convidadas
a raciocinar por meio de simples proposições verbais. (1955: 155)

É a situação das crianças entre 9-10 e 11-12 anos de idade, que estão
finalizando a estruturação dos sistemas ligados ao espaço e ao tempo,
passando das operações simples às operações complexas.
A criança alcança o período das operações formais quando pode
distanciarse do concreto para encontrar soluções para os problemas lógico-
matemáticos e espaço-temporais a partir da formação de hipóteses, cujos
resultados ela testa sistematicamente: o pensamento formal é,
essencialmente, hipotético-dedutivo. Isto é, o adolescente, diferentemente
da criança, pode desenvolver raciocínios abstratos e deduzir leis a partir de
experiências organizadas sistematicamente. Ele é capaz de emitir hipóteses,
de testá-las e de deduzir leis.
Esse fato pode explicar uma das causas dos problemas de aprendizado da
noção de escala. Faltaria uma (ou mais) estrutura que possibilitasse aos
estudantes a reconstrução das soluções para os problemas encontrados com
o conceito de escala. “O materialmente possível depende então do
estruturalmente possível” (Piaget, 1955: 230).
A principal aplicação pedagógica da psicologia genética é a lição de que
uma criança pode compreender (apreender = pegar, com = consigo) apenas
o que lhe é acessível por meio das estruturas mentais que já elaborou. Não
adianta querer que uma criança, nas primeiras séries do ensino fundamental,
entenda o ciclo das estações do ano a partir do movimento de translação da
Terra. Com certeza o assunto a instiga muito, porém, não está pronta para
entender o mecanismo que requer um raciocínio abstrato. Uma
representação teatral, na qual terá um papel concreto, ativo, na
representação do Sol, da Terra e de seu movimento, poderá proporcionarlhe
uma percepção aproximada do fenômeno. Todavia, o entendimento racional
não acontecerá. Isso acontece com muitas noções trabalhadas em sala de
aula e o fato escapa à percepção dos professores. A etapa não foi vencida e
as consequências aparecerão mais tarde, quando a memória vier a falhar.
Semiologia gráfica

A Semiologia Gráfica constitui-se no instrumento de trabalho que utiliza todas as


propriedades da percepção visual. É um instrumento construído por nós mesmos, que pode ser
completado ou reduzido, transformado e classificado de novo. A Semiologia Gráfica é a
forma visual da reflexão lógica. O visual e a lógica são dois domínios nos quais a
criança é excelente. Bertin, Le test de base de la graphique.

A semiologia gráfica constitui-se numa linguagem visual, cujas bases são a


percepção e a lógica. É um instrumento que possibilita “ver para aprender”.
Em seu livro La graphique et le traitement graphique de
l’information, Bertin explica que a semiologia gráfica utiliza “as
propriedades do plano para revelar as relações de semelhança, de ordem ou
de proporcionalidade entre conjuntos de dados. A semiologia gráfica é o nível
monossêmico do mundo das imagens” (1977: 176).
A percepção é o primeiro meio mobilizado pela criança para apreender o
mundo. Inconsciente, no início, a percepção, com o pensamento lógico,
constitui para ela o instrumento de aproximação da realidade e lhe possibilita
o entendimento do meio no qual vive e age.
Para Bertin, “a semelhança, a ordem e a proporcionalidade são os três
significados da Semiologia Gráfica”. A criança percebe as igualdades e as
diferenças, as ordens e, mais tarde, as proporções. A característica mais
importante da semiologia gráfica é, sem dúvida, seu caráter monossêmico:
um círculo é percebido como diferente de uma cruz; o vermelho é diferente
do azul; o grande, o médio e o pequeno são ordenados, assim como 10, 20,
30 e 40 são proporcionais, de modo universal, sem necessidade de recorrer a
uma legenda. Essa percepção, natural na criança, foi modificada no adulto
por uma educação cartográfica tradicional, de caráter polissêmico. Na medida
em que um mesmo símbolo pode ter mais de um significado, ele trava o
raciocínio lógico: “a monossemia é condição para a lógica” (1977: 179).
A semiologia gráfica não se limita à percepção (Bonin, 1975). É um
instrumento completo porque introduz técnicas de classificação de uma
tabela por permutações sucessivas, técnica que mobiliza a efetiva
participação do aluno: ele age, pessoalmente, no material concreto que
representa os dados de uma tabela de dupla entrada. Gimeno caracteriza a
contribuição da semiologia gráfica nestes termos:

A Semiologia Gráfica obriga a adotar uma atitude científica frente ao conhecimento. Os


problemas devem ser colocados de modo preciso e delimitados. Professores e alunos tomam
consciência de que não existe conhecimento sem perguntas, sem questionamentos. A cada
pesquisa, experimentam dois fatos fundamentais e complementares. De um lado, toda
conclusão é verdadeira para um conjunto determinado de objetos e caracteres: todo
conhecimento é relativo. De outro lado, a introdução de novos objetos ou caracteres
complementares levará, provavelmente, a novas conclusões, a novas descobertas: o saber
estático e fechado é substituído por um conhecimento dinâmico e aberto. (1980: 11)

A semiologia gráfica constitui-se num método profundamente diferente


dos métodos tradicionais de ensino, uma vez que, além da informação,
possibilita a estruturação, a formação científica do aluno:

A criança poderá dominar uma ferramenta e um método que o instrumentalizarão para abordar
com segurança um conjunto cada vez maior, cada vez mais complexo de dados sobre o
mundo que o cerca para descobrir-lhe a estrutura interna e suas relações. (1980: 11)

A semiologia gráfica, como método, é desenvolvida em duas etapas


diferentes: a do tratamento dos dados, seguida pela da comunicação. Assim,

a Semiologia Gráfica de tratamento é um instrumento móvel que possibilita descobrir por si


mesmo o que deve ser falado ou feito [...]. A Semiologia Gráfica de comunicação é um meio
de transmitir, para os outros, o que descobrimos. (1980: 13)

Uma das conclusões de Garanderie, sobre a análise do ato de


compreender, era que, para alguns, entender é ter condições de explicar,
para outros, de aplicar. Tem-se na semiologia gráfica um método completo,
uma vez que, para descobrir por si só, é preciso aplicar certo saber-fazer para
encontrar algo a ser transmitido aos outros. É ter condições de explicar e
repassar o conhecimento descoberto.
O paralelismo entre as características da psicogênese da criança, os
princípios da pedagogia e aqueles que embasam a semiologia gráfica fazem
dessa o instrumento privilegiado para qualquer prática pedagógica.
Concluindo, os métodos educativos contemporâneos convergem no sentido
da participação efetiva do aluno, o que envolve motivação e trabalho
individual. Trata-se de “desenvolver as funções intelectuais” (Clarapède,
1921, apud Ulmann, 1982) do “ser em processo de metamorfose” (Wallon,
1968).
A pedagogia dos meios de aprender ensina que os processos
de aprendizado correspondem a “gestos mentais: a atenção, a reflexão, a
memorização e a imaginação” (Garanderie, 1982). Esses gestos se originam
do “projeto” pessoal de atenção, reflexão, memorização ou imaginação; ou
seja, da participação efetiva do sujeito, no processo de aprendizagem.
A psicologia genética demonstra como a criança constrói seu
conhecimento e o saber-fazer, progressivamente, do concreto ao abstrato,
por meio de ação direta com atividades de classificação, de adição, de
permutação, de seriação, que lhe possibilitam perceber relações, igualdades,
diferenças. O adolescente torna-se capaz de formular hipóteses, de testá-las
e de deduzir leis.
A Semiologia Gráfica revela ser um instrumento pedagógico ideal no
contexto teórico escolhido neste trabalho. Assim, as técnicas que a compõem
serão adaptadas às diferentes etapas da evolução psicogenética dos alunos.
O material didático foi baseado em três parâmetros que apresentam
evoluções próprias:
1. O aluno, considerando-se seu desenvolvimento psicogenético;
2. O conceito e as etapas de sua construção;
3. A técnica de representação utilizada.
Portanto, a tese discutida neste trabalho é a seguinte: se os três
parâmetros evoluem em paralelo, o aprendizado do aluno poderá ser real,
estável e durável.

Os conceitos e a Geografia
Grande parte da obra de Piaget tem por tema a construção conceitual, na
criança e no adolescente. Esse autor reconheceu diversos níveis de
assimilação conceitual. O primeiro nível é intuitivo e se transforma, aos
poucos, em saber-fazer ou esquema de ação “equivalentes funcionais dos
conceitos, mas sem pensamento nem representação; são conceitos práticos”.
Mais do que o conceito, o psicólogo procura o processo, e, em geral, o
geógrafo procura o conceito através do processo. Por exemplo, a análise de
dados geomorfológicos de um lugar possibilita a definição de sua filiação a
tal categoria ou a tal conceito.
Barth (1987) recomenda tornar o conhecimento transmissível e, para
tanto, “delimitar o conteúdo no que é essencial para um dado público,
estruturá-lo numa hierarquia formal”. A delimitação do conteúdo é tarefa do
professor. Todavia, Piaget lembra que o conteúdo deve ser adaptado ao
aluno em função de sua maturidade. Barth, lembrando Bruner (A study
of thinking, 1956), reafirma que um “conceito não existe isoladamente,
mas sempre pertence a uma rede conceitual”, o que corresponde às árvores
conceituais de Piaget.
Em síntese, a construção de um conceito acontece em etapas diversas: da
percepção à imagem mental ou, ainda, às imagens mentais organizadas, das
quais o aluno tira um elemento central que contém significado, a “ideia geral
abstrata” (Larousse) ou a “etiqueta” (Bruner). Barth lembra o “caminho
intelectual que deve ser percorrido para adquirir o conceito”. Todavia esse
autor não esclarece o que seria esse caminho intelectual. O ato pedagógico
da transmissão do saber foi estudado por Garanderie, mais especificamente,
no nível das operações mentais do aluno. Na figura 1 propõe-se uma síntese
das etapas do ato de aprender.

A pesquisa-ação, método desenvolvido nos anos 1980 por professores e


pesquisadores universitários preocupados com a qualidade do ensino,
aproxima os professores dos ensinos fundamental e médio dos pesquisadores
teóricos. Assim, o profissional opera uma reflexão teórico-metodológica de
sua prática em sala de aula. Marbeau definiu, assim, a pesquisa-ação:

São professores das universidades e professores dos ensinos fundamental e médio que
realizam pesquisa-ação. Não existe corte entre pesquisadores universitários e campo de
pesquisa na escola. Os professores dos ensinos Fundamental e Médio são atores do ensino, os
observadores de seus alunos, aqueles que experimentam e avaliam. No início, esses
professores não possuem as competências teóricas reconhecidas nos universitários: são as
equipes que vão, rapidamente, na ação concreta (1983: 200).

Esse método inspirou o trabalho desenvolvido, com as fichas de exercício,


pelas professoras dos ensinos infantil e fundamental durante o tempo que
decorreu os testes realizados nas escolas.
Com relação à Geografia e ao ensino da disciplina em sala de aula,
verifica-se, ainda hoje, uma grande confusão. Daudel, em 1986, priorizava
“uma classificação da identidade como disciplina escolar da Geografia, de seu
estatuto como ciência e de suas finalidades”. Se se considerar que o principal
objetivo da escola é formar pessoas capacitadas para a vida, o foco deveria
ser o desenvolvimento da pessoa humana em formação. A escola do início do
século xxi ainda focaliza sua prática nas disciplinas e nos seus conteúdos. A
tendência dos especialistas é querer transmitir um saber muito elaborado,
em sintonia com as mais recentes descobertas de cada ciência. Todavia, não
podemos esquecer que os alunos que passam pelas diversas séries formais
de ensino (do infantil ao pré-vestibular) são, para o professor, diferentes a
cada ano. Isso significa que o professor deve recomeçar sua prática de ensino
a partir dos alunos, de seus conhecimentos prévios, de sua maturidade.
Portanto, novas descobertas devem ser adaptadas ao aluno. Descobertas são
fruto do amadurecimento do pensamento científico, que o professor precisa
dominar, mas que os alunos não têm estruturas mentais e conhecimentos
científicos para acompanhar. Fazendo um paralelo com a Língua Portuguesa,
isso significa que os professores de Geografia (entre outras ciências) cobrem
o domínio da literatura a analfabetos. Não raramente, esperam-se dos
alunos, na disciplina escolar Geografia, um domínio e uma maturidade
conceituais incompatíveis com seu estágio de formação. O programa de
Geografia da 5ª série é extremamente revelador, nesse sentido.
Pesquisas realizadas a partir da década de 1990, com professores de redes
de ensino particular, levaram Le Sann e Valadão a desenvolver uma reflexão
a respeito da estrutura curricular para o ensino da Geografia, de modo a
resgatar-lhe os conceitos estruturadores: o conceito de espaço, assim como
os de escala e de tempo (figura 2).
Entendendo a geografia como o estudo da Terra (geo) por meio de
representações (grafia(s)), percebe-se que o estudo da geografia passa pela
leitura do mundo, construída a partir de representações pessoais. O espaço
constitui o objeto principal do estudo da geografia (o que lhe confere
especificidade diante das demais ciências). Todavia, o espaço, hoje, é
resultado de processos, tanto naturais, quanto antrópicos, desenvolvidos ao
longo do tempo. A escala resgata a dimensão do olhar, da abrangência da
apreensão dos fenômenos reconhecidos num determinado espaço. O ato de
reconhecer implica o de conhecer, ou seja, a formação de uma representação
mental do “sujeito” ou, ainda, seu conhecimento prévio: para reconhecer é
necessário conhecer!

Os anglo-saxônicos Biddle (1978) e Bruner foram os primeiros a estudar a


geografia por meio de conceitos, publicando, inclusive, livros didáticos nessa
linha de pensamento. A definição de conceito construída por Biddle constitui
uma síntese das de Bruner e de Piaget:
Os conceitos são significados ou entendimentos organizados pela mente do indivíduo como
resultado da percepção sensorial de objetos externos, ou de fatos, e a interpretação cognitiva
da informação percebida. São conjuntos generalizados de atributos associados a um símbolo
para uma categoria de coisas, fatos ou ideias usualmente chamados palavra. (1978: 31)

Biddle reconheceu três tipos de conceitos:


• Concretos ou substanciais, tais como escarpa, circo, cidade;
• De categoria superior numa zona limítrofe indefinida, entre o concreto e
o abstrato;
• Abstratos ou organizacionais, ideias generalizadas, derivadas de
experiências,
como, por exemplo, região, localização.
O autor descreve a cadeia conceitual com o seguinte exemplo:
Em seu artigo, Biddle cita o trabalho de Chapman (1966) e traz o modelo
de subordinação da estrutura conceitual da geografia, apresentado na figura
3. Esse modelo sugere uma estruturação para programas de ensino de
Geografia, baseados nos seus conceitos estruturadores.
Coleções de livros didáticos publicados na Inglaterra foram concebidos a
partir desse modelo, mas não trazem uma hierarquização dos conceitos
numa árvore lógica.

Conceitos estudados
O primeiro conceito escolhido foi o de escala, por ser um conceito
estruturador da geografia. Conceito de alto nível de abstração, sua gênese é
particularmente complexa e, por isso, precisa ser trabalhado por etapas ao
longo do currículo dos ensinos fundamental e médio. O conceito de escala é
formado por duas vertentes complementares, construídas paralelamente: as
noções de proporção não quantificada e de quantidade.
O conceito de espaço é a essência da Geografia. Sua construção começa
pela localização da criança no seu espaço de vida, conceito intermediário na
elaboração de espaço.
Os conceitos de localização e de espaço pertencem ao universo das noções
infralógicas – quantidade e escala – e ao das operações lógico-matemáticas.
A construção conceitual
Wittwer (1964) identificou quatro aspectos diferentes numa mesma
criança: o biológico, o social, o psicológico e o epistêmico. Esse último
envolve as características cognitivas da criança e a liga às demais, no mesmo
nível de desenvolvimento. É nesse aspecto que o aluno é identificado num
determinado nível operatório e no qual assimila os conceitos. Esses quatro
aspectos evoluem concomitantemente. Sanner observa que:
aprender não é um dado isolado! É um processo, cujos diferentes momentos mobilizam não
apenas o ser atual do aluno, o sistema cultural e o contexto científico, ou não, que ele traz,
mas também sua história, ou seja, da criança que foi, com seus potenciais biológicos,
epistêmicos e o meio no qual vive [...] (1983: 89).

Aqui optou-se pelos aspectos psicológicos e epistêmicos, todavia, sem


esquecer os outros. Assim, o tema para reflexão foi a adequação de um novo
conhecimento geográfico paralelamente aos conhecimentos anteriores do
aluno.
Vários autores chamam a atenção para as condições de um aprendizado
eficaz. Assim, a motivação, o resgate do prazer da descoberta e a ajuda
mútua entre pares são algumas dessas condições. A troca de conhecimentos
entre alunos de uma mesma turma, com um nível de linguagem semelhante,
pode ser uma resposta para diminuir as eventuais diferenças entre as
linguagens do professor (escola) e do aluno (meio no qual vive). Um colega
de turma que entendeu uma determinada noção pode explicá-la com
palavras e lógica próprias, facilitando o entendimento por parte de seus
pares.
Outro ponto essencial é o reconhecimento do valor do erro como fator
positivo no processo de aprendizagem. O aluno tem direito de errar. Sanner
(1983: 13) escreveu a respeito do erro: “está no ponto de partida do
conhecimento porque o conhecimento científico nunca começa do zero, mas
de conhecimentos preexistentes”. Reconstituir a gênese do erro significa
percorrer o caminho lógico que levou o aluno a dar uma resposta errada.
Esse percurso é riquíssimo porque o professor deve reconstituir o raciocínio
que falhou para entender a natureza do erro. O professor não soma mais os
erros de seus alunos, mas procura suas raízes para entendê-los e corrigi-los.
Corrigir não é dar nota, mas sim retificar o rumo do aprendizado,
identificando os nós do processo de ensinoaprendizagem. Isso é o verdadeiro
trabalho do professor! O processo de elaboração e o raciocínio lógico, que
devem ser avaliados e eventualmente corrigidos, são mais importantes que a
resposta. Uma resposta certa pode ter sido “colada” ou o resultado de erros
compensados. Uma correção efetiva significa identificar o erro, desmontar as
fases do raciocínio que o produziu e reestruturá-lo, senão o “aluno tem uma
ilusão do saber puramente verbal, a aplicação estereotipada de uma receita,
mas as antigas concepções renascerão na próxima solicitação um pouco
diferente” (Sanner, 1983: 171).
Tem-se um elemento de explicação para o problema da “perda de
memória” da noção de escala. Como acontece o processo de conhecimento?
Bruner (citado por Biddle,1978) enfatiza que o “conhecimento não é um
produto, mas um processo” (1966: 76).
Piaget definiu três etapas no processo de aquisição do conhecimento:
1. A ação material: a criança coordena entre si, num saber-fazer, porém, sem
conceitualização;
2. A conceitualização: a criança toma consciência, aos poucos, de seus
esquemas de ação; daí nasce o conceito;
3. As abstrações refletidas: isso é a base do raciocínio abstrato (1974: 277-8).
Resumindo, a representação se forma em dois tempos: no das funções
cognitivas (percepção, imitação e imagem mental) e no das funções
operativas.
Uma criança que chega à escola com sete anos de idade encontra-se, em
princípio, no estágio das operações concretas; é capaz de desenvolver
estruturas de agrupamento (classificação, seriação, correspondências
simples, entre outros). Seus desenhos deveriam ser o produto do que ela vê,
característica do estágio chamado realismo visual, no lugar do que sabe
(realismo intelectual). Entretanto, nem todas as crianças possuem o mesmo
nível de desenvolvimento, o que pode estar ligado ao “obstáculo
epistemológico [...], o que trava a tomada de consciência objetiva de uma
determinada estrutura” (Sanner, 1983: 172).
Seis pressupostos embasam este trabalho:
1. O conhecimento é adquirido por meio de um processo construtivo: a criança
constrói seu saber;
2. A criança traz um conhecimento prévio sob a forma de representações
estruturadas que independe do ambiente escolar;
3. O processo de aprendizado é, de fato, um processo de equilibração, cuja
energia vem da afetividade do aluno;
4. É essencial dar continuidade ao “processo natural”, informal, de aquisição
de conhecimento em concomitância à aquisição de novos conhecimentos, no
contexto escolar;
5. As representações apresentam qualidades diferentes. Algumas são
resultados de obstáculos epistemológicos, devendo o professor ficar atento a
eventuais deformações conceituais apresentadas pelos alunos;
6. A construção conceitual não se processa isoladamente, mas resulta de uma
estruturação comparável à de uma árvore, em constante crescimento: o
tronco, os galhos são estruturas de crescimento permanente; as folhas, as
flores e os frutos são as noções e os conceitos nas suas diversas fases de
amadurecimento; cada parte da árvore depende das anteriores para nascer,
crescer e amadurecer.

As noções infralógicas
Piaget demonstrou que as noções ligadas ao espaço são topológicas,
projetivas e, finalmente, euclidianas. As evoluções psicogenéticas das noções
de localização, de espaço e de escala são descritas no livro A
representação do espaço pela criança (1947). Da percepção
egocêntrica das noções topológicas à estruturação de sistemas de referência,
por meio das mudanças de ponto de vista, as representações espaciais
amadurecem, na criança, até a superação do espaço euclidiano. O
entendimento do sistema de coordenadas desenvolve a percepção do espaço
com suas características matemáticas, através de paralelas, da conservação
dos ângulos, das proporções, das noções de distância e de ângulos retos.
O desenho de Lívia, menina de 7 anos de idade, ilustra bem o caminho a
ser percorrido, da representação topológica (na qual as posições estão
registradas) à representação euclidiana (a planta do bairro) (figura 4). O
prédio da escola está no centro do espaço a ser representado; os outros
elementos do espaço giram em torno desse centro. A passagem para a
representação, em planta, levará algum tempo.

O papel da escola é proporcionar situações que favoreçam o


amadurecimento perceptivo da criança, até a estruturação de um sistema
próprio de coordenadas. A passagem pela etapa da maquete é fundamental
nesse processo. Observou-se, ao longo da aplicação dos testes, que as
noções são construídas em três etapas diferentes, a partir:
1. Do corpo da criança, na fase egocêntrica. É a fase da experimentação das
noções topológicas pelos sentidos;
2. Da maquete, construção mental do “fazer de conta”. Isso é uma
representação descentrada do corpo da criança, que força uma mudança
de ponto de vista, com percepção tridimensional dos objetos no
espaço. Entram nessa categoria todas as brincadeiras com objetos (bonecas,
carrinhos, brinquedos em geral, entre outros);
3. Das representações “vistas de cima”, feitas numa folha de papel, ou seja,
em percepção bidimensional. Estão nessa categoria os pré-mapas, as
plantas, os mapas, as representações do espaço “visto de cima”, tais como
fotografias aéreas ou imagens produzidas por satélite.
Quando uma criança encontra dificuldade para representar o espaço “visto
de cima”, deve-se voltar à fase das atividades com maquete. Quando tem
dificuldades para lidar com maquete, é preciso voltar a trabalhar suas
representações a partir de seu corpo. Essa evolução deve ocorrer entre a 1ª
e a 4ª série do ensino fundamental, senão o adolescente e, provavelmente, o
futuro adulto, terá dificuldades para lidar com as noções e habilidades ligadas
ao espaço. Piaget e Inhelder explicam a evolução dessas noções:
As coordenadas do espaço euclidiano são nada mais, em seu ponto de partida, do que uma
vasta rede que se estende sobre todos os objetos, e que consiste de relações de ordem
aplicadas às três dimensões de uma vez: cada objeto localizado nessa rede é, portanto,
coordenado aos outros por meio de três relações simultâneas: esquerda x direita, em cima x
embaixo, em frente x atrás, ao longo de retas paralelas entre si e cruzando em ângulos retos
com outro conjunto de retas, também paralelas entre si. (1947: 436)

A ocorrência dessa passagem foi observada em criança com idade de 9


anos. Todavia, devemos lembrar que as crianças brasileiras podem
apresentar certa defasagem no tempo.

Gênese da noção de localização


Num primeiro momento, a criança percebe o espaço no qual vive por meio
das noções topológicas de vizinhança, ordem, separação, envolvimento e
continuidade. Isso passa pelo processo percepção – imagem mental –
memorização. A noção de localização diz respeito ao espaço próximo da
criança. Paralelamente, a criança tem acesso a representações espaciais
feitas no papel. É o momento dos exercícios com marcações em casas,
nós[3] e percursos feitos em grades, utilizando coordenadas. O domínio da
lateralidade antecede o dos pontos cardeais. Os exercícios de mudança de
ponto de vista levam ao entendimento da orientação de um mapa. A noção
de coordenada geográfica pode ser introduzida. Deve-se lembrar que o aluno
não tem maturidade matemática para lidar com graus e minutos, noções do
programa de matemática da sétima série.
A noção de localização apresenta duas vertentes (ou galhos de sua árvore
conceitual): a localização precisa (o nó, a coordenada) e a relativa (o sítio, a
situação geográfica). Essa última corresponde à noção de espaço. Para
delimitar o sítio, isto é, as características topográficas e físicas de um dado
lugar ou, ainda, sua posição relativa num contexto regional, é necessário
analisar elementos daquele espaço. Isso requer o domínio de redes
conceituais próprias da geografia.
A noção de localização é construída, na tese que originou este capítulo, na
sequência de 43 fichas. Os objetivos são:
1. Verificar a aquisição das noções topológicas;
2. Trabalhar a localização de objetos em grades;
3. Fixar a noção de lateralidade;
4. Observar e colocar elementos do espaço em posições diferentes, numa
maquete, operando mudanças de ponto de vista;
5. Usar coordenadas para localizar objetos espaciais;
6. Introduzir o uso dos pontos cardeais;
7. Perceber a localização dos meridianos e dos paralelos na superfície da
Terra;
8. Localizar, simultaneamente, elementos espaciais, por meio da distância e
da orientação.
Gênese da noção de espaço
Esta é a primeira noção caracteristicamente geográfica. Varia do espaço
local ao sideral, em função da escala. O espaço é percebido por meio da
observação, seguida pelo seu registro, num primeiro momento sob a forma
de desenho, num segundo momento, por uma representação, ou seja, um
desenho fiel à realidade. Piaget mostrou que a criança estrutura a percepção
do espaço a partir de seu próprio corpo na fase conhecida como egocêntrica:
ela é o centro, os elementos espaciais se organizam ao seu redor. O desenho
de Lívia ilustra esse fato.
A fase seguinte é a da mudança de ponto de vista. A estruturação do
espaço depende de observação precisa, rigorosa e sistemática e se dá em
escalas diversas, afastando-se até o infinito, cuja percepção pode ser,
apenas, abstrata.
As noções ligadas ao conceito de espaço são desenvolvidas, na tese, numa
sequência de 54 fichas, ao longo de quatro anos. No decorrer dos dois
primeiros anos, os objetivos são levar a criança a:
1. Perceber seu espaço de vida;
2. Entender as representações espaciais;
3. Localizar-se no espaço e nas suas representações (maquetes, mapas, entre
outras);
4. Entender que cada elemento espacial tem, no mínimo, uma função;
5. Conhecer as formas do espaço brasileiro;
6. Produzir uma planta;
7. Ler uma planta;
8. Analisar documentos diversos: tabelas, quadros, mapas, croquis, perfis,
textos, entre outros. (A lógica de construção de uma tabela, ou de um
quadro, corresponde à organização espacial de dados e de suas respectivas
características: cada dado possui um endereço preciso e específico, na
tabela ou no quadro);
9. Organizar os resultados de uma enquete;
10. Raciocinar e tirar conclusões;
11. Entender a organização do espaço;
12. Refletir, tomando como base suas percepções da realidade;
13. Discutir e argumentar sobre um tema de pesquisa.
Na 3ª série, o tema tratado é o município; na 4ª série, o estado. São
abordados por meio de dados e de mapas. As técnicas utilizadas são cada
vez mais complexas e requerem maior reflexão.
O objetivo principal é instrumentalizar o aluno para a análise de um
espaço qualquer, a partir de dados e de documentos diversos. Ele terá
condições de juntar, organizar, classificar, analisar e representar esses dados
para tirar as informações relevantes e construir seu conhecimento, a partir de
seu próprio raciocínio, em contraponto com seus colegas, sob a orientação do
professor.
As noções lógico-matemáticas
Inúmeros pesquisadores trabalharam com esse tema. Devem ser,
fundamentalmente, citados Piaget e Sziminska (La genèse du
nombre chez l’enfant, 1941), Piaget e Inhelder (La genèse
des structures logiques élémentaires, 1959), Bideau (1974),
Longeot (1966, 1979-80), Reinish (1980), entre outros.
Resumindo o pensamento desses autores, pode-se definir algumas etapas
na construção das noções lógico-matemáticas:
1. A criança reconhece diferenças e semelhanças;
2. Agrupa elementos em conjuntos e subconjuntos, com critérios diversos (cor,
textura, tamanho, forma etc.), ou seja, as principais variáveis visuais
identificadas por Bertin, em sua obra sobre cartografia temática
Semiologia gráfica: cartas, diagramas e redes (1967).
A variação de tamanho leva a classificações ordenadas ou seriações,
embriões da noção de proporção;
3. Da estruturação dessa percepção nasce a noção de número, as operações
com números, que levarão à quantificação das proporções quando as
operações lógicas se juntarão às operações matemáticas.
O início da estruturação da noção de número está nas percepções das
diferenças de quantidade. Suas etapas foram descritas por Piaget e
Sziminska:
A construção da correspondência serial passa, com efeito, por três etapas: comparação global,
sem seriação exata, nem correspondência termo a termo espontânea; depois, a seriação e as
correspondências progressivas e intuitivas; e, finalmente, seriação com correspondências
imediatas operatórias. (1941: 135)

Enquanto a criança não superar a conservação das quantidades, nem a


seriação, não estará preparada para contar. A noção de relação de proporção
(não quantificada) introduz o entendimento das frações e, em seguida, da
proporção quantificada (igualdade entre duas frações). Os esquemas
seguintes ilustram essa evolução:

Noções lógico-matemáticas se estruturam paralela e concomitantemente.


As noções lógicas evoluem da inclusão de classes à classificação simples
(com um critério), às classificações múltiplas, aos encaixamentos de relações
assimétricas até as estruturas em árvore e dependem da estruturação de
noções tais como conservação, reversibilidade e associatividade. As noções
matemáticas evoluem a partir do número, em estruturas aditivas e
multiplicativas e seus inversos (subtração e divisão).
Gênese da noção de quantidade
A noção de quantidade é fundamental para a estruturação de grande parte
do conhecimento geográfico. Muitas vezes constitui uma barreira no
aprendizado do aluno, do estudante de curso superior e até de professores
formados para lidar com dados quantitativos de cunho geográfico, tais como
taxas, índices, escalas, fusos horários, coordenadas, indicadores diversos etc.
A própria cartografia, linguagem privilegiada da geografia, é baseada em
noções matemáticas.
A criança percebe as diferenças e as igualdades. Daí nasce a percepção de
quantidade, de inclusão de classes e de seriação. Piaget observou nas
crianças suíças (por volta dos 7-8 anos) a síntese dessas noções. A criança
entende a ordem temporal. O número passa a ser usado nas suas dimensões
de quantidade e de ordem. Quando a criança entende as relações de
equivalência, diferença e ordem, ela está apta a abordar as operações com
números, iniciadas pela adição, seguidas pela multiplicação. As demais
operações ocorrem posteriormente e precisam de um amadurecimento maior
e lento. Da comparação de tamanhos nasce a necessidade de instrumentos
de medida. A necessidade de medir situa-se entre o perceptivo e o concreto.
O sistema métrico pode ser apresentado. Da medida nasce a noção de
fração, de decimal, a regra de três e a escala numérica.
Os exercícios de 44 fichas visam à construção da noção de quantidade.
Objetivam:
1. Verificar a aquisição da percepção das variações de tamanho, de
intensidade, de quantidade, de ordem etc.;
2. Familiarizar a criança com as estruturas lógicas;
3. Construir a ordem temporal e a noção de escala temporal;
4. Organizar as percepções de modo lógico;
5. Introduzir os modos de representações gráficas (variáveis visuais, mapas,
diagramas etc.).
Nas 3ª e 4ª séries o aluno utiliza essas estruturas para apreender os
espaços municipais, regionais e nacionais, a partir de dados e de
representações gráficas elaboradas por ele mesmo.

Gênese da noção de escala


A definição de escala como proporção entre uma distância real e o
comprimento de sua representação gráfica, no papel, revela a correlação
conceitual de uma “relação de proporção entre duas dimensões”, ou seja,
dois galhos da árvore conceitual: o da relação de proporção e o da dimensão.
Ambos precisam ser elaborados,paralelamente,às vezes em concomitância,
uma vez que a construção de algumas noções depende de outra. A noção de
escala tem um altíssimo nível de abstração apesar da aparente simplicidade.
O ramo da noção da “relação de proporção” estrutura-se nos conceitos de
representação, relação, relação quantificada, proporção e, finalmente, escala.
A noção de proporção é intuitiva, num primeiro momento, e torna-se formal,
bem mais tarde. Paralelamente, o galho da “unidade padrão” constrói-se a
partir da necessidade de medir, utilizando-se um instrumento qualquer. Em
seguida, a necessidade de comparar medidas leva ao conceito de unidade,
ou seja, o sistema métrico, entre outros sistemas de medição. A construção
da noção de número é fundamental e, obviamente, antecede a de unidade
padrão.
Assim, a noção de escala deve ser introduzida, num primeiro momento,
apenas na sua forma gráfica. A escala numérica, fração com denominador
(em geral muito grande, nos documentos cartográficos) não deveria ser
apresentada ao aluno antes de a noção de fração numérica com grandes
denominadores ter sido amadurecida.
A noção de escala é trabalhada com 35 fichas temáticas. Os objetivos são:
1. Introduzir as noções de representação, diferença, ampliação, redução e
ordem;
2. Verificar a aquisição da estrutura lógica de seriação;
3. Trabalhar a percepção das variações de escala e medidas diversas, com
objetos diversos;
4. Orientar as representações com medidas e escalas perceptivas dadas;
5. Construir representações espaciais com escala e mudanças de ponto de
vista;
6. Passar da representação em maquete para a representação em planta e em
mapas;
7. Operar cálculos usando retas graduadas e escalas gráficas.

Considerações finais
Refletindo sobre as principais conclusões da tese, defendida há mais de
quinze anos, percebe-se que muitas, ainda, são atuais. Após essa pesquisa,
reconhece-se como fundamentados os seguintes postulados:
1. A inteligência é construída pelo indivíduo ao longo de sua vida, mas,
principalmente, em idade da escolaridade formal fundamental. É necessário
e urgente repensar o ensino fundamental no Brasil. Seus objetivos
específicos foram esquecidos e alterados. As estruturas do pensamento, do
raciocínio, precisam ser trabalhadas, assim como os hábitos de estudo, de
pesquisa e de postura;
2. Existe uma ordem lógica na aquisição do conhecimento. Os conceitos são
interligados e estruturam-se dependentes uns dos outros. Esse fato é
fundamental na estruturação de uma grade curricular;
3. Qualquer um pode aprender. Todos têm o direito de aprender, consideradas
suas necessidades e potencialidades individuais;
4. A postura do professor e a avaliação escolar, baseadas no negativo
(tirarpontos), precisam ser mudadas para a avaliação do progresso, do
positivo, ou seja, a escola precisa operar uma “mudança de ponto de vista”,
no sentido piagetiano;
5. A criança passa por fases de amadurecimento cognitivo que precisam ser
reconhecidas e respeitadas;
6. A construção de habilidades (saber-fazer) alicerça a construção conceitual.
Na estruturação dos conceitos fundantes da geografia, a noção de
localização antecede à de espaço. A localização é o conjunto das
características de um ponto preciso no espaço. A noção de espaço é suporte
para qualquer estudo geográfico: não há geografia sem espaço, assim como
não há escala sem espaço. A escala precisa ser abordada, primeiramente, em
sua dimensão comparativa: o conhecimento geográfico nasce das
comparações. As comparações introduzem a dimensão temporal.
A coleção de fichas está sendo utilizada em redes de ensino particular. A
edição de 2005, revista e corrigida, tem o nome A caminho da
geografia.

[*] Neste capítulo, apresentamos de forma resumida a tese intitulada Elaboração de um material
pedagógico para o aprendizado de noções geográficas de base, no Ensino
Fundamental, no Brasil: uma proposta baseada em teorias da Geografia,
da Pedagogia, da Psicologia e da Semiologia Gráfica, que foi defendida em dezembro
de 1989, na École des Hautes Études en Sciences Sociales (ehess), em Paris. Os orientadores foram os
doutores Jean-Pierre Raison e Serge Bonin (coorientador). O texto original está depositado no Banco Nacional
de Teses da França. Os dois volumes que a compõem aprentam 269 e 182 páginas, respectivamente.
Diversos artigos foram publicados na Revista Geografia e Ensino (Le Sann, 1992 a e b), da ufmg,
no Caderno de Geografia (Le Sann, 1993), da puc-mg. O volume das fichas foi publicado pela Editora
Dimensão (Le Sann, 2001). Está, em 2006, na terceira edição.
[1] Ver entre outros: Ulmann, Rogers, Neill e Groupe Français D’Education Nouvelle.

[2] Ver: M. M. Duarte dos Santos e J. G. Le Sann, A cartografia do livro didático de geografia, Revista
Geografia e ensino, Belo Horizonte, 2 (3): 3-38, jun. 1985.

[3] Casa corresponde ao encontro de uma coluna com uma barra, ou seja, um quadrado; nó, ao de uma linha
vertical com uma linha horizontal: um ponto.

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A CARTOGRAFIA TÁTIL NO ENSINO DE GEOGRAFIA: TEORIA E PRÁTICA
Regina Araújo de Almeida

As mais diferentes informações disponíveis ao ser humano são


transmitidas principalmente através dos sons e dos signos gráficos, sendo a
linguagem o meio de comunicação fundamental. A linguagem oral é
apreendida através da audição. A representação gráfica dessa linguagem
surgiu a partir da necessidade de organizar, guardar e divulgar a informação
e, assim como a forma escrita, é detectada pela visão. O canal visual é o
mais importante para o homem; tem um caráter abrangente e sintético e é,
sem dúvida, o mais eficaz na transmissão das ideias. Os demais sentidos
– tátil, auditivo, olfativo e gustativo – são complementares.
A pessoa com deficiência visual, para a apreensão da linguagem gráfica,
conta apenas com a audição e o tato e com alguma visão residual, se
possível. A linguagem escrita, por ser altamente estruturada, foi facilmente
substituída por uma forma tátil universal que é o sistema braille, inventado
por Louis Braille, em 1829, na França.
A percepção do espaço e as relações espaciais são partes integrantes da
vida do homem e dependem basicamente do sentido da visão. O olho
consiste no único canal de comunicação da informação visual. A imagem
espacial não pode ser transcrita e comunicada pela linguagem convencional e
por essa razão necessita de uma linguagem gráfica própria, passível de ser
percebida pelo tato e também comunicada pelos sons.
O material gráfico disponível para pessoas com deficiência visual é muito
limitado, o que tem comprometido a percepção do ambiente e o ensino dos
conceitos espaciais. Os mapas e gráficos armazenam informação espacial
abstrata e estruturada e devem ser considerados instrumentos indispensáveis
ao aprendizado dos temas relacionados com o ambiente, o território e a
Geografia como um todo. O mapa fornece uma perspectiva simultânea de
uma área e organiza o conhecimento espacial, expressando relações.
A pessoa com deficiência visual não pode prescindir desse meio de
comunicação,
que,adaptadoaotato,ajudanaorganizaçãodesuasimagensespaciaisinternas.
Diagramas, gráficos e mapas de qualquer natureza possibilitam o
conhecimento geográfico e facilitam a compreensão do mundo em que
vivemos. Por essa razão, é preciso adaptar as representações gráficas para
que possam ser percebidas pelo tato, dando para a pessoa com deficiência
visual oportunidades semelhantes àqueles que podem ver.
Essa adaptação precisa ser estudada profundamente, pois apenas com
uma transcrição das informações visuais para a forma tátil não se obtém
resultados aceitáveis, devido à diferença de resolução entre o sentido da
visão e do tato, dentre outras razões. Essa transformação pressupõe uma
maior simplificação e generalização da informação geográfica a ser
representada graficamente, tendo em vista o usuário com visão subnormal
ou cego.
A cartografia tem um papel importante nesse processo e, dessa forma,
precisa fornecer materiais adequados para a pessoa com deficiência
visual.[*] Os mapas são até mais necessários para esse grupo de usuários do
que para aqueles que conseguem enxergar. Pessoas cegas podem usar um
mapa para se orientar, sem ajuda, dentro de um edifício. Por esse motivo,
todos os tipos de materiais cartográficos deveriam estar disponíveis na forma
tátil, incluindo mapas temáticos e de referência, em diferentes escalas.
No Brasil, até o final da década de 1980, estudos sobre esse assunto eram
inexistentes na Geografia, com poucos recursos gráficos na forma tátil,
principalmente mapas e imagens. Na esfera internacional, o tema é estudado
há mais de 40 anos e existem inúmeras publicações e pesquisas relatadas.
Em 1983, realizou-se o primeiro Simpósio Internacional sobre Mapas e
Gráficos para pessoas com deficiência visual, sendo uma tentativa inédita de
sistematização dos trabalhos nesse campo. O segundo e o terceiro simpósio
sobre esse assunto foram realizados em 1988, na Inglaterra, e em 1989, no
Japão. Para viabilizar a pesquisa da autora e estabelecer o estado da arte de
um tema na época ainda não estudado no país, foi necessário realizar
levantamentos e visitas a centros internacionais. Em fevereiro de 1994, foi
realizado na Universidade de São Paulo e na Associação Cartográfica
Internacional, sob a coordenação da autora, o iv Simpósio Internacional
sobre Mapas e Gráficos para Deficientes Visuais, com mais de 200
participantes, sendo 50 internacionais. Em 2000, ocorreu o Encontro Latino-
Americano sobre o Ensino de Geografia para Deficientes Visuais, realizado
em parceria com o Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento ao
Deficiente Visual (cap) e a Geografia – fflch da usp.
De maneira geral, os pesquisadores concordam e até nos dias atuais
afirmam que ainda há muito o que pesquisar, principalmente sobre a
percepção e interpretação das representações gráficas pelo tato,
normatização da linguagem gráfica, legibilidade dos símbolos, treinamento
necessário para utilização de mapas e gráficos, dentre outros temas.
Considerando o volume e a variedade de informações transmitidas por meio
das representações gráficas, constata-se a importância e a urgência das
pesquisas que visam procurar novos caminhos para o tratamento gráfico da
informação.
As dificuldades envolvidas na criação de uma linguagem gráfica tátil são
grandes e não existem ainda regras definidas. Dentre as limitações, destaca-
se a já mencionada diferença entre a resolução da visão e do tato, que é
incomparavelmente inferior. A quantidade de informação tem que ser
compatível com a sensibilidade da percepção tátil; também a forma de
representação, o tipo de signos gráficos e o design do mapa precisam ser
apropriados e, na maioria das vezes, não podem ser semelhantes aos
padrões dirigidos à visão. A solução gráfica e a construção dos originais
dependem também da técnica selecionada para reprodução do material
gráfico.
Os objetivos iniciais da pesquisa realizada podem ser resumidos em:
• Pesquisa e desenvolvimento de uma linguagem gráfica visual e tátil, a
ser utilizada para tratamento e comunicação da informação geográfica;
• Aplicação dessa linguagem ao ensino da cartografia e da Geografia para
alunos do Ensino Fundamental, das classes de recurso (educação
especial) e das escolas para pessoas com deficiência visual;
• Avaliar e desenvolver técnicas de construção e reprodução da
representação gráfica tátil, buscando o aperfeiçoamento das formas de
tratar e representar graficamente a informação geográfica em mapas e
diagramas;
• Destacar a importância da preparação do usuário para decodificação e
leitura de mapas, propondo um programa de treinamento para a
linguagem gráfica;
• Discutir novas metodologias para o ensino da Geografia e da cartografia
nas escolas de Ensino Fundamental, visando introduzir uma forma de
tratamento interdisciplinar;
Durante o desenvolvimento da pesquisa, foram definidas algumas metas a
serem atingidas:
• Sistematização da cartografia tátil como processo de comunicação:
definição das principais etapas relativas à construção e utilização dos
mapas, tendo em vista o usuário com deficiência visual;
• Discussão das principais técnicas de construção e reprodução de
representações gráficas em relevo, incluindo uma avaliação da viabilidade
e dos custos envolvidos;
• Proposta de um programa de treinamento para a linguagem gráfica,
visando à preparação do aluno (desde a pré-escola até o 1º grau) para o
uso dos mapas, na sua vida cotidiana e na escola. Esse programa inclui a
introdução de noções geográficas básicas, tais como, escala, distância,
localização, direção e orientação;
• Definição de recursos para facilitar a percepção e construção do espaço
pela criança com deficiência visual, através do uso de representações
gráficas, particularmente de mapas.
O principal objetivo do trabalho foi pesquisar e desenvolver uma
cartografia tátil, propondo uma linguagem gráfica adaptada ao tato e
destinada ao aluno com deficiência visual, em vários graus.
Independentemente das limitações, os resultados obtidos permitiram o
aperfeiçoamento do ensino da cartografia e da Geografia no ensino
fundamental e médio, com destaque para as classes de recurso destinadas a
alunos com deficiência visual da rede de ensino público.
A cartografia tátil no ensino de Geografia: fundamentos teóricos
Os fundamentos teóricos e metodológicos do trabalho abordam três áreas
básicas: a cartografia, o ensino e a deficiência visual. Durante todo o período
da pesquisa, foi realizado um extenso levantamento bibliográfico,
concentrado nessas três áreas. A bibliografia relacionada a pessoas com
deficiência visual aborda questões vinculadas com o desenvolvimento da
criança e do jovem com deficiência visual, assim como a especificidade das
técnicas pedagógicas. Foi dispensada maior atenção à coleta de informações
referentes à representação gráfica na forma tátil (questões teóricas e
aplicadas) e particularmente, ao ensino de Geografia, à percepção do espaço
e à aquisição de conceitos geográficos básicos por esse grupo de usuários.

A cartografia como processo de comunicação da informação geográfica


O mapa considerado meio de comunicação está inserido em um processo
cartográfico que começa com a realidade (o espaço geográfico) e passa por
várias etapas: transformação (de tri para bidimensional, de superfície
esférica para plana através das projeções), redução (escala) e generalização,
codificação (linguagem gráfica e cartográfica), construção e reprodução.
Como resultado, chega-se ao mapa que vai ser utilizado por um usuário, que
passa pelas fases da percepção, leitura, análise e interpretação da
representação gráfica. A última etapa deve ser a avaliação desse processo.
Muehrcke (1981) vê o processo cartográfico como uma série de
transformações da informação, em três etapas:
1ª A informação é coletada do ambiente através de censos,
levantamentos,
sensoriamento remoto etc.
2ª Esses dados são transformados em um mapa, aplicando quatro
princípios da
abstração cartográfica: seleção, classificação, simplificação e simbolização.
3ª O mapa é convertido, pelo usuário, em uma imagem do ambiente
através
da leitura, análise e interpretação (uso do mapa).
Meine (1978) resumiu o processo da comunicação nos seguintes termos:
como nós temos que dizer o que, através de que meios ou
expressões para quem ou para que tipo de usuário do mapa,
obtendo quais resultados? Para o autor, a cartografia é uma ciência que
engloba a teoria e a prática, utilizando duas esferas diferentes para a
realização dos mapas: os processos científicos (generalização, minuta etc.) e
os processos técnicos (desenho, reprodução etc.).
Para Board (1981), o campo da Cartografia abrange desde a realidade a
ser mapeada, a escolha dos dados, até o mapa e sua utilização. Para ele, a
comunicação cartográfica enfatiza um processo em vez de um produto,
englobando o iniciador, o meio e o recebedor da informação.
Essas considerações sobre o processo de comunicação cartográfica são
ainda mais relevantes quando o tema é a cartografia tátil. Os esquemas
apresentados por diversos estudiosos precisam ser modificados, visando a
um tipo de usuário marcado por diferentes graus de deficiência visual.
Alguns autores analisam temas específicos ou determinadas fases do
processo cartográfico. É o caso dos estudos sobre linguagem cartográfica
desenvolvidos por Bertin
(1967;1977;1978;1980;1982).J.Bertinéconsideradoumdosteóricosdacomunicaçã
(Paul, 1978; Board, 1983); mas em diversas publicações Bertin (1977: 177;
1978; 1979) criticaosfundamentosdateoriadacomunicação–
aexistênciadeumemissor(cartógrafo), um código (mensagem cartográfica) e
um receptor (usuário do mapa), argumentando que esse seria um esquema
polissêmico, diferente do esquema monossêmico da representação gráfica.
Nesse esquema existe um ator e as três relações (similaridade/ diferença,
ordem e proporcionalidade), estando transmissor e receptor na mesma
perspectiva. No caso da pessoa com deficiência visual, o transmissor e o
receptor (usuário) não estariam na mesma perspectiva, na medida em que
utilizam linguagens diversas.
Para Bertin, o redator gráfico (cartógrafo) precisa analisar a natureza
quantitativa, ordenada ou diferencial dos dados a serem transcritos e
selecionar a variável visual correspondente; portanto a escolha dos signos é
condicionada pelas propriedades limitadas das variáveis visuais, de modo que
permita uma leitura de conjunto (mapas para ver), que é o principal objetivo
da representação gráfica. O autor só aceita a normatização de signos
convencionais, visando a uma economia de tempo e lugar, obedecendo
primeiro à lei fundamental da representação gráfica (graphique), que
consiste em não destruir as relações entre os elementos representados; e
segundo a lei da memorização, que é proporcional à repetição da convenção
e é inversamente proporcional ao número de convenções.
Ao identificar essas variáveis gráficas (tamanho, valor, textura, cor,
orientação e forma), Bertin foi o pioneiro na sistematização das relações
entre os dados e sua representação, de uma maneira exaustiva, indo,
portanto, na direção da caracterização de uma linguagem cartográfica. Sua
proposta é dirigida apenas à representação gráfica como recurso visual.
Entretanto, a maioria dos conceitos da semiologia gráfica e das suas
aplicações práticas pode ser convertida para a linguagem gráfica tátil.
A maioria dos teóricos da comunicação tem uma visão bastante diversa
daquela expressa na semiologia gráfica, com relação à linguagem
cartográfica. As principais divergências são: o papel dos fatores humanos e
sociais, da experiência, principalmente com relação ao uso dos mapas, e a
possibilidade ou mesmo necessidade de normatização dos signos
cartográficos, no sentido de torná-los convencionais, o que inclui a utilização
de símbolos.
Gilmartin (1981) escreveu um dos artigos que mais esclarecem essa
questão, analisando a interface entre a pesquisa psicofísica e cognitiva na
cartografia. Primeiramente a autora define psicofísica (maneira pela qual
organismos vivos respondem às configurações energéticas do ambiente),
questões psicofísicas (relacionadas com operação e comportamento dos
sistemas sensoriais) e cognição (cujo objeto são os processos mentais mais
altos que as pessoas usam para adquirir, guardar e usar informações –
aquisição de conhecimento).
Gilmartin advoga que “se o objetivo na pesquisa cartográfica é o
aperfeiçoamento do nosso produto (o mapa), então nós precisamos saber
como as pessoas veem e entendem aquele produto e que tipos de variáveis
afetam essa visão e entendimento. As respostas para essas questões não
virão somente da psicofísica ou da cognição, mas deverão,
fundamentalmente, incluir ambas”. De maneira geral, todas essas pesquisas
a respeito dos fatores humanos e do papel da experiência, abordando
questões sobre a percepção e a cognição, deverão contribuir para o
desenvolvimento de uma linguagem gráfica visual e tátil.
As pessoas cegas ou com deficiências graves na vista utilizam a linguagem
oral e escrita sem problemas. O sistema braille, como uma imagem escrita
tátil, constituise no significante dos signos e substitui eficientemente a escrita
convencional. Com relação à linguagem gráfica, existem sérios problemas na
transformação da forma visual para a tátil. Tratando-se de um usuário com
uma especificidade marcante, sem dúvida, a produção do mapa tátil é um
exemplo excelente para o estudo do processo de comunicação cartográfica.
No Brasil, a comunicação cartográfica foi estudada por vários autores:
Oliveira (1978), Vasconcellos e Simielli (1981; 1983; 1985) e Simielli (1986).
Esses estudos refletem as questões teóricas abordadas nos anos 1970, mas
uma análise crítica tornou-se obrigatória (Vasconcellos, 1988). Esse tema foi
retomado (Vasconcellos, 1993), com o objetivo de ressaltar as tendências em
curso e as suas relações com a cartografia tátil.
Castner (1983) é um dos únicos teóricos da comunicação que trata dos
mapas para usuários com deficiência visual, discutindo suas implicações para
o estudo da comunicação cartográfica visual. Andrews (1988) analisa as
aplicações do modelo de comunicação cartográfica para o design de mapas
táteis, ressaltando que o cartógrafo que faz mapas para pessoas com
deficiência visual precisa ser guiado pelas mesmas estruturas e princípios
básicos dos modelos de comunicação para mapas visuais.
Recentemente, a comunicação cartográfica está ressurgindo com novos
pressupostos e objetivos. Essa mudança ocorreu em função das inovações
tecnológicas, com destaque para as áreas da informática (hardware e
software), do sensoriamento remoto e das telecomunicações. O design
e o uso dos mapas digitais, ao lado do surgimento de novos produtores e
novos usuários no mundo de hoje, estão sendo considerados áreas
importantes da pesquisa cartográfica.
Muito tem sido estudado nesse sentido, principalmente no âmbito da
ciência cognitiva e das novas pesquisas envolvendo os computadores e a
inteligência artificial. Uthe (1993) atualiza as reflexões sobre modelos de
comunicação através da discussão das condições da orientação, da
comunicação, do uso e da função dos mapas. Woodward (1992) apresenta
uma análise brilhante da cartografia no momento atual em “Mapas na
Geografia”. O autor, dentre outras considerações, faz uma análise crítica dos
estudos da comunicação cartográfica desde a década de 1970 até o presente.
Ele destaca como o modelo da comunicação tornou-se um paradigma
proeminente da pesquisa cartográfica, mas falhou na apresentação de dados
empíricos e pesquisas aplicadas. O autor discute também as ideias de
Jacques Bertin sobre semiologia gráfica, a importância da generalização
cartográfica e as novas fronteiras da cartografia digital.

As etapas de construção e uso do mapa tátil


Os produtores de material cartográfico tátil e os usuários com deficiência
visual apresentam sérias dificuldades. Para comunicar a informação
geográfica e os dados espaciais, alguns problemas a serem evitados na
cartografia convencional tornamse qualidades e condições necessárias para o
design de mapas táteis eficazes. Esses precisam de um maior grau de
generalização com omissões, exageros e distorções nunca imaginados pelo
cartógrafo. A cartografia tátil precisa de outros conceitos e regras, com
técnicas distintas para produção de mapas.
Os estudos sobre semiologia gráfica também devem ser considerados, pois
os princípios semiológicos propostos por Bertin (1967; 1977) podem ajudar
na construção de mapas destinados à percepção tátil. A sua sugestão de
organizar a informação gráfica em uma coleção de mapas é
compatível com as necessidades do usuário com deficiência visual, sendo
bastante eficaz em muitos casos.
Nesse contexto é preciso destacar o livro de Polly Edman (1992), que pode
ser considerado a publicação mais completa sobre o material gráfico para
pessoas com deficiência visual. A autora trabalhou mais de trinta anos
produzindo esse tipo de material, na Suécia. Seu livro cobre todos os
aspectos relacionados com a produção de representações gráficas táteis,
destinadas às várias áreas do conhecimento. O capítulo sobre mapas traz
muitas informações, embora o conteúdo sobre cartografia temática seja
bastante resumido e incompleto.
M. Coulson, K. Luxton e D. Parkes destacam-se pelas pesquisas sobre
novas tecnologias aplicadas à cartografia tátil. Luxton (1983; 1985)
desenvolve um projeto para mapeamento do metrô de Nova York, utilizando
técnicas de cartografia assistida pelo computador. As matrizes dos mapas são
construídas automaticamente por uma máquina, ligada ao computador, que
esculpe os relevos em uma placa acrílica.
Toda a literatura sobre esse assunto concorda que a leitura do mapa tátil
é um processo sequencial, porque o leitor não consegue sentir o mapa na sua
totalidade, em um único momento. A eficácia da leitura depende muito da
legibilidade dos símbolos, sendo influenciada também pelas habilidades e
pelo conhecimento prévio do leitor. Essas obras apresentam resultados de
várias pesquisas realizadas nessa área.
Andrews (l983; 1991) apresenta estudos a respeito de mobilidade tátil,
realizados com mapas de referência geral e com mapas temáticos
envolvendo pessoas cegas. Os resultados mostram como as informações
mapeadas pelo tato ampliam o conhecimento geográfico, enfatizam a
perspectiva ambiental, facilitam as tarefas de decisões ligadas ao espaço,
podendo ser usadas para formar construções espaciais complexas. A
pesquisadora pertence a um grupo muito restrito de autores que abordam,
simultaneamente, as quatro áreas às quais este trabalho acha-se vinculado:
cartografia, Geografia, ensino e deficiência visual. É o caso também de Miller,
Franks e Nolan, Bron e Vlaanderen.

A importância da linguagem gráfica tátil no ensino de Geografia


A educação tem sido um tema amplamente discutido em todos os níveis,
inclusive em conjunto com questões políticas, econômicas e sociais atuais.
Não há dúvida de que mudanças são necessárias e, acima de tudo, urgentes.
Qualquer caminho escolhido precisa repensar as prioridades nacionais e rever
conceitos, métodos, técnicas e recursos relacionados com o ensino. Acima de
tudo, são fundamentais novas abordagens e novas perspectivas para a
educação. É um longo caminho a ser descoberto e percorrido, e no qual
utilizar máquinas e aprender técnicas é mais fácil do que alterar conceitos e
pressupostos. Um exemplo que tem relação com essa pesquisa diz respeito à
educação especial, às necessidades de alunos com alguma deficiência e, em
particular, às crianças e jovens cegos ou com visão subnormal.
Com o intuito de despertar o interesse e motivar o aluno, foi organizado
um programa de ensino da Geografia para crianças com deficiência visual,
introduzindo noções básicas e trabalhando o conteúdo da disciplina através
de jogos, histórias e outras atividades. A proposta inicial, que incluía recursos
audiovisuais e de multimídia, não pôde ser aplicada na íntegra. De qualquer
forma, os testes demonstraram uma enorme aceitação da metodologia por
parte das crianças. Por exemplo, o exercício de escala desenvolvido com
carros, bonecas e bichos de vários tamanhos, com maquetes e mapas,
evidenciou que é possível “conquistar” o usuário.
Shepherd (1967) fornece exemplos práticos e inúmeras ideias para
viabilizar a introdução desses temas no currículo, através de abordagens
multidisciplinares e trabalhos integrados na escola. Merece destaque a lista
dos recursos para realizações e apresentações. Para trabalhos gráficos
bidimensionais é apresentada uma relação com 18 tipos de representações
gráficas e imagens (mapas, desenhos, quadrinhos etc.), além de outros
recursos, tais como modelos tridimensionais, fitas de áudio e vídeo, imagens
digitais, artes cênicas e literatura. A linguagem gráfica tem um papel
importante nessa abordagem.
As representações gráficas são apreendidas essencialmente pela visão,
mas também podem ser percebidas pelo tato, desde que construídas com
esse objetivo. A pessoa com deficiência visual depende do sentido tátil para
formar conceitos espaciais, entender informações geográficas e criar
internamente imagens do ambiente. Para isso, o processo de transformação
dos dados geográficos em mapas e diagramas precisa ser adaptado a um
produto final específico, através de uma linguagem tátil, preferivelmente
combinada à visual.
Tendo em vista o grupo de alunos com deficiência visual, trabalhar com as
representações gráficas significa romper barreiras e enfrentar desafios. Existe
uma extensa lista de pesquisas e estudos sobre o uso da linguagem gráfica
por pessoas com deficiência visual, sejam elas cegas ou com visão
subnormal. Resultados atingidos com a realização e análise de inúmeros
testes mostram a eficácia da linguagem gráfica tátil, assim como sua
importância na percepção do espaço pela criança, principalmente aquelas
com deficiência visual. Os mapas são recursos fundamentais no processo de
aquisição de conceitos geográficos e de conhecimentos relacionados com o
ambiente.
A cartografia convencional não se tem ocupado o bastante com o design
e uso dos mapas no formato visual, e ainda menos com as necessidades do
usuário e suas limitações com relação à percepção. A cartografia tátil pode,
certamente, melhorar o entendimento dos mapas e a prática cartográfica, no
que diz respeito à utilização dessa linguagem não só pela pessoa com
deficiência, mas também pelos usuários com visão, particularmente as
crianças.
Produção e uso da cartografia tátil: procedimentos metodológicos
Desde o início, algumas hipóteses básicas nortearam os caminhos da
pesquisa, as quais podem ser sintetizadas em quatro questões. A primeira
delas consistiu na possibilidade ou não da adaptação da linguagem gráfica,
um recurso visual na sua essência, a uma forma tátil destinada a pessoas
com deficiência visual. Em um primeiro momento, a viabilização dessa ideia
parecia uma tarefa difícil, um grande desafio.
A segunda questão relacionava-se ao ensino fundamental: como motivar o
aluno, despertando seu interesse para a geografia e a cartografia?
Principalmente em se tratando de alunos com deficiência visual, cuja
percepção e noção de construção do espaço são bastante prejudicadas pela
falta da visão.
Em terceiro lugar estava a definição da importância do treinamento para a
linguagem dos mapas e quais os procedimentos necessários para atingir essa
meta. Quais eram os conceitos básicos para entendimento dos recursos
gráficos e em que momento eles deveriam ser introduzidos ao aluno com
deficiência visual?
Na verdade, todas as hipóteses e propósitos estavam contidos em uma
questão: “como implementar a sistematização da cartografia tátil como
processo de comunicação da informação geográfica?” Nesse sentido, o
principal objetivo da pesquisa foi a definição das etapas básicas relativas à
construção e à utilização das representações gráficas e dos mapas, em
particular, pelos usuários com deficiência visual. Seria uma forma de aplicar
as ideias da comunicação cartográfica, tomando um exemplo onde as
características particulares do usuário geravam uma necessidade de propor
formas inovadoras de representação gráfica. Todas essas questões e
hipóteses sofreram transformações ao longo do trabalho. Algumas já foram
sendo respondidas durante a pesquisa e, por essa razão, assumiram novos
rumos e novas dimensões.
De um lado, os testes sempre surpreenderam em relação ao potencial da
linguagem gráfica com a criança e o jovem com deficiência visual. Foi
possível notar progressos em apenas uma tarde de atividades, mas ao
mesmo tempo, tomou-se consciência que poderia ser um longo processo
recuperar todo o tempo perdido, durante o qual essa linguagem não foi
utilizada.
Outros problemas foram levantados, a partir de experiências adquiridas
durante a pesquisa. São exemplos as questões políticas, culturais e
econômicas, das quais fazem parte as dificuldades financeiras para aquisição
de materiais adaptados ou produzidos para pessoas com deficiência visual.
Igualmente importantes são as variáveis médicas,
psicológicas e sociais que levam ao preconceito, à segregação, à falta de
confiança na sua capacidade de superar barreiras de várias naturezas.
Surgiram indagações, tais como: quais são as limitações mais relevantes?;
em que grau elas atuam?; e como superá-las?. Todos esses fatos podem
determinar um melhor ou pior aproveitamento do aluno quanto à aquisição
de novos conhecimentos.
Os procedimentos metodológicos da pesquisa partem de uma concepção
da cartografia expressa na figura 2, na qual são definidas as suas
perspectivas e dimensões. No centro do esquema, a cartografia é
apresentada como um processo que parte da realidade, englobando as
etapas de produção e utilização do mapa.

A primeira tarefa da pesquisa foi analisar as variáveis visuais conhecidas e


transformá-las em variáveis gráficas táteis. O signo gráfico terá como
significante uma imagem passível de ser percebida pelo tato. Para atingir
esse objetivo, as variáveis visuais definidas por Jacques Bertin foram
adaptadas para seu emprego em terceira dimensão (figura 3). Nessa figura,
foram acrescentadas as variáveis gráficas em relevo, passíveis de serem
percebidas pelos usuários com deficiência visual. A elevação (diferentes
alturas) passou a ser utilizada, inclusive em combinação com outras
variáveis. A cor não pode ser usada na forma tátil quando o usuário é
totalmente cego; nesse caso, diferentes texturas substituem as cores.
Para os usuários com visão subnormal é recomendável o emprego das
cores, desde que seguidas algumas normas. Em qualquer situação, é
fundamental que seja analisada a natureza das informações, que pode ser
qualitativa, quantitativa ou ordenada, para selecionar as variáveis corretas.
No caso da textura e da cor, ambas podem ser escolhidas para indicar ordem
ou diferenciação dos dados a serem representados.
De maneira geral, são quatro os principais fatores que influenciam a
discriminação dos símbolos: tamanho, elevação, forma ou configuração e
orientação. Diversos autores têm discutido e pesquisado a respeito da
legibilidade da simbologia tátil. Nolan e Morris (l97l) testaram um conjunto
de símbolos zonais, lineares e pontuais, visando melhorar a qualidade dos
mapas táteis. Os resultados dessas pesquisas foram bem sintetizados por
Edman (1992). A metodologia proposta por Bertin (1967), embora
exclusivamente dirigida ao sentido visual, foi adaptada pela autora à
cartografia tátil com resultados muito positivos.
Para a aplicação da metodologia, foi proposto um programa de ensino
integrado voltado para o aluno com deficiência visual. A literatura infanto-
juvenil e as artes foram usadas com a finalidade de despertar o interesse
pela Geografia e pelos mapas. Dentro desse programa, a Amazônia foi
introduzida em alguns dos seus aspectos, ressaltando fatos, problemas e
conflitos. Em uma segunda fase, iniciada no final de 1992, o estado de São
Paulo foi escolhido como área de estudo. Ambos os projetos procuraram
trabalhar com uma proposta interdisciplinar de ensino, envolvendo outras
disciplinas que compõem o currículo do ensino básico.
Durante a pesquisa, foi detectada uma carência considerável de recursos
didáticos para o ensino da Geografia no nível fundamental e médio, não
somente nas classes e escolas destinadas ao aluno com deficiência. Em
função da avaliação de questões básicas apresentadas nos fundamentos
teóricos e nos procedimentos metodológicos, foram definidas três áreas
essenciais para análise, durante a fase de construção das representações
gráficas propostas: escala e generalização (em função da resolução do tato),
linguagem gráfica tátil (adaptação das variáveis visuais),designe
reprodução do material cartográfico em relevo. Essas áreas concentram os
principais problemas do processo de comunicação cartográfica, tendo em
vista o usuário com deficiência visual.

A comunicação cartográfica e a especificidade do usuário com deficiência


visual.
As ideias aqui apresentadas sugerem uma nova proposta para o conjunto
de etapas do processo de comunicação gráfica e cartográfica, adaptada ao
usuário com deficiência visual. Os mapas na forma tátil são exemplos
eficazes para destacar a relevância da cartografia como processo de
comunicação, o que tem sido estudado extensivamente por cartógrafos de
todo o mundo por duas décadas. As perguntas o quê?, como? e para
quem? resumem a essência desse processo que começa com a realidade a
ser mapeada. É possível acrescentar outras perguntas, tais como quando?,
onde?, por quê? e com que resultados?
O retorno (feedback) e a avaliação do aluno com deficiência visual
devem ter
um papel fundamental nas decisões relacionadas com a produção de
mapas, gráficos
e ilustrações destinadas à percepção tátil. Essa atividade deve ser
permanente,
caracterizando um processo contínuo de avaliação da eficácia das soluções
gráficas
definidas e implementadas. Certamente, atitudes dessa natureza
proporcionarão
melhores resultados, significando um aumento da eficácia dos mapas. A
questão fundamental é responder a pergunta como?, tendo em vista as
características do usuário com deficiência visual e, ao mesmo tempo,
considerando as
técnicas de reprodução. A pesquisa mostrou que é impossível responder
essa pergunta
sem a realização de testes e a avaliação dos materiais.
Por outro lado, esse grupo de usuários é extremamente heterogêneo e
complexo, o que dificulta o estabelecimento de regras e a definição de
princípios dirigidos à confecção e ao uso de material cartográfico. Esses
princípios são viáveis de serem estabelecidos, porém limitados a
determinadas condições, tais como treinamento prévio e habilidades do
usuário. Por exemplo, diferenças individuais têm uma influência no uso de
mapas impressos em tinta, mas no caso do material em relevo, essas
variáveis assumem uma importância bem maior.
Há um conjunto de variáveis que interferem na decodificação dos mapas
pelo usuário com deficiência visual e que foi acrescentado no esquema da
comunicação cartográfica. Entre estas variáveis se encontram:
motivação/interesse; aspectos cognitivos; capacidades/restrições sensoriais,
intelectuais e mentais; habilidades/ múltiplas inteligências; experiência
anterior; treinamento.
Tendo em vista o produtor dos mapas ou cartógrafo, um outro conjunto de
variáveis pode interferir no processo de produção: motivação/interesse;
formação teórica; conhecimento técnico; habilidades/múltiplas inteligências;
recursos financeiros e técnicos; apoio político, prioridades sociais e
institucionais; acesso a novas tecnologias. Em ambos os casos, a relação das
variáveis que interferem na produção e uso de mapas foi organizada por
ordem de importância dos fatores selecionados, considerando os resultados
da pesquisa.
Merecem ser destacadas de todo o processo cartográfico as etapas do
design e da reprodução, inclusive a introdução de novas tecnologias. Na
cartografia tátil, o uso dos computadores e de outros recursos técnicos pode
alterar muito o resultado, melhorando a eficácia do mapa como meio de
comunicação da informação geográfica.

Pesquisa, desenvolvimento e aplicação da linguagem gráfica tátil


Em um primeiro momento, a pesquisa centrou-se no desenvolvimento da
metodologia a ser utilizada. Para isso, procedeu-se a análise, preparação e
teste de representações gráficas construídas com diversas técnicas e
materiais. Na última etapa, o principal objetivo foi definir as melhores
técnicas e construir novos materiais já incorporando as avaliações realizadas
anteriormente. Essa fase caracterizou-se pela aplicação e consolidação de
resultados anteriores. Foram também incluídos testes com duas técnicas de
reprodução a serem discutidas posteriormente.
Inicialmente, foi organizado um programa para preparação do aluno com
deficiência visual para o uso de mapas, com a introdução de conceitos
básicos através de jogos e de atividades. São eles: linguagem gráfica tátil
(jogo da memória); escala (exercício do tapete); pontos de vista
(representação de objetos vistos de frente e de cima, excluindo a noção de
perspectiva que depende fundamentalmente da visão); localização e
orientação (rosa dos ventos em relevo, bússola em braille e jogo “Batalha
geográfica”); decodificação e leitura de mapas.

Os mapas temáticos com outras informações geográficas só seriam


introduzidos após essa etapa de preparação. Além de novos conceitos,
aqueles apresentados nas fases iniciais, deveriam ser revistos e
aprofundados. Verificou-se que esse treinamento é imprescindível para que o
usuário com deficiência visual possa utilizar a linguagem gráfica de forma
eficaz. Essa preparação é também condição para o entendimento da
linguagem dos mapas por crianças que usam todos os sentidos sem
restrições. Sabe-se que alunos do ensino fundamental não conseguem retirar
muitas das informações representadas nos mapas. No caso de alunos com
deficiência visual, a situação é mais grave ainda, pois normalmente eles não
têm material didático em alto-relevo para ser percebido pelo tato ou na
forma adaptada à visão residual (subnormal).
O material desenvolvido compõe um programa de introdução da
linguagem gráfica para alunos da pré-escola e séries iniciais do ensino
fundamental, visando atingir os seguintes objetivos: melhorar a percepção e
construção do espaço pela criança; facilitar o entendimento de noções
geográficas básicas (proporção, escala, distância, localização, direção,
orientação); preparar o aluno para o uso de mapas, diagramas e maquetes,
introduzindo as variáveis gráficas e o uso de legendas (com exercícios
mostrando os vários pontos de vista, a simbolização e aplicação de legendas,
as projeções e rede de coordenadas).
Esse treinamento deve ser realizado com aplicação de técnicas as mais
variadas, tais como atividades e jogos, de forma a conquistar o interesse do
aluno pela representação gráfica. Acima de tudo, o cotidiano e a experiência
da criança, integrando esses conhecimentos na sua vida, assim como suas
necessidades e limitações devem ser considerados. Foram definidos alguns
níveis de complexidade, organizados em uma sequência, de acordo com as
diferentes faixas etárias, graus de desenvolvimento e prontidão dos alunos.
Os materiais foram também classificados, tendo em vista os objetivos a
serem atingidos em cada nível.

Técnicas para produção das representações gráficas táteis


Os materiais desenvolvidos para esta pesquisa são destinados a crianças e
jovens com restrição da visão. Neste trabalho, foi considerado o conceito de
deficiência visual como sendo um impedimento total ou a diminuição da
capacidade visual decorrente de imperfeição no órgão ou no sistema visual,
sendo considerados pessoas com deficiência visual os cegos e os de visão
subnormal. Os aspectos médicos da deficiência visual não fizeram parte dos
objetivos da pesquisa, mas alguns fatos básicos relacionados à percepção
visual e tátil são relevantes.
É fundamental destacar a capacidade de síntese da percepção visual em
contraposição à percepção tátil, que só consegue processar informações por
partes para depois tentar formar o todo. A visão faz exatamente o contrário,
pois se vê instantaneamente o todo e depois se passa a uma análise das
partes. Essa característica vai determinar as formas diversas de leitura dos
mapas e das imagens, em se tratando da visão ou do tato usado
conjuntamente com o sentido sinestésico.
A sinestesia diz respeito ao sentido pelo qual são percebidos os
movimentos musculares, o peso e a posição dos membros. Ela é sempre
acionada conjuntamente com o tato para a leitura das imagens em relevo.
Durante este trabalho, quando for mencionado o tato e sua utilização para a
percepção da linguagem gráfica, está implícita a participação do sentido
sinestésico como a força motora que movimenta a mão e os dedos,
possibilitando a sensação tátil dos materiais.
A característica mais importante na comparação da percepção visual e tátil
é, sem dúvida, a sua diferença de resolução. O olho humano pode perceber
uma quantidade enorme de detalhes, quando comparado com o tato. Todo
material gráfico construído em relevo e destinado à percepção tátil precisa
ser, consideravelmente, simplificado em função dessa limitação de resolução.
Por essa razão, as variáveis gráficas devem sofrer adaptações em função das
características do tato e da complexidade de variáveis existentes, tais como
os vários graus e formas de visão subnormal.

Construção e reprodução de materiais em relevo


Para a construção das representações gráficas em relevo apresentadas
neste trabalho foram utilizados diversos tipos de materiais, dentre eles vários
tipos de tecido e papel, além de isopor, cortiça, lixas de madeira e ferro, fios
e linhas, miçangas, pedrinhas, areia, palitos de sorvete, folhas secas, bucha
vegetal, espuma, gesso, massa corrida, papel machê, ferramentas de
desenho e pintura etc. Outros materiais são mais especializados, sendo a
maioria estrangeira. São eles: máquina Perkins para escrita braille e reglete
e punção, gabarito para braille, bússola em braille, aparelho de rotex em
braille e com letras grandes, alumínio, instrumentos de dentista, plástico
paraThermoform transparentes e opacos, carretilhas diversas, canetas sem
tinta, pranchetas de borracha e de tela, espátulas de bambu e madeira, entre
outros.
Além desses recursos, foi bastante utilizado o Tactile Graphics Kit
,comercializado pela American Printing House for the Blind, em Louisville,
Kentucky. Esse kit para desenho vem acondicionado em uma maleta e é
composto por vários símbolos para a construção de linhas, pontos e
superfícies acompanhados de um Manual de Instruções (Barth, 1987).
A esses materiais foram sendo incorporadas novas ideias e novos recursos,
alguns de custo muito baixo ou mesmo custo zero. É o caso do papel que
embrulha as folhas para cópias xerográficas e que apresentou ótimos
resultados para trabalhar no kit de desenho nacional. Foi encontrado um
alumínio nacional, quase equivalente ao importado. Canetas sem tinta,
instrumentos de dentista, palitos e todo tipo de sucata foram também
utilizados em diversos materiais didáticos.
Para esse trabalho foram selecionadas e testadas algumas técnicas e
escolhidos materiais para a construção das matrizes e dos mapas. As
principais técnicas utilizadas foram:
Alumínio : utilização de diversos materiais, tais como alumínio, papel carbono,
papel de seda ou papel vegetal, caneta sem tinta, carretilhas, espátula,
instrumentos de dentista, placas com texturas para áreas, símbolos pontuais
etc. O alumínio importado tem uma das faces pintada de branco, o que
facilita a transferência do traçado escolhido para a preparação da base. Para
se fazer um mapa, um gráfico, uma ilustração ou qualquer outra
representação gráfica no alumínio‚ é necessário, em primeiro lugar, copiar a
figura em papel de seda ou vegetal; depois, utilizando-se o papel carbono,
passa-se o desenho invertido para o verso do alumínio (parte branca). A
partir daí, pode-se utilizar as carretilhas, a caneta sem tinta, ou qualquer
instrumento de dentista para levantar os contornos, resultando em linhas de
diferentes texturas e formas (sempre no verso do alumínio). Para se
levantar uma área toda, utiliza-se a espátula, fazendo um baixo-relevo que
pode ser de textura lisa ou outra qualquer (através do uso das placas ou de
algum instrumento).
Colagem : Utilizando-se uma grande variedade de materiais é possível
construir matrizes de ótima qualidade para cópias em máquina Thermoform
(movida a calor e vácuo) com plásticos, translúcidos e opacos. Utilizando
uma base feita com papel mais duro e resistente (papelão, cartolina, papel-
cartão etc.), pode ser traçado o mapa, a figura ou o gráfico na própria base
e, em seguida, procede-se ao corte e colagem das partes com os materiais
diversos acima descritos. Assim, para indicar linhas de diferentes formas e
texturas pode-se utilizar desde papéis até fios e linhas. A indicação de
texturas diferentes em áreas pode ser feita com lixas, tecido, areia, tinta
plástica, papéis etc. A elevação pode ser conseguida com a sobreposição do
material utilizado, sejam eles papéis (cartão, cartonado etc.), cortiça e/ou
outros. É importante destacar que quando o objetivo é preparar uma matriz
em colagem para ser copiada no sistema Thermoform, não devem ser
utilizados materiais que não resistam ao calor, tais como plásticos e isopor.
A técnica da colagem é um excelente recurso para professores e escolas em
geral que não dispõem de muitos recursos financeiros ou não possuem o
conhecimento necessário para testar outros métodos.
Para a reprodução das imagens em relevo e dos materiais desenvolvidos,
foram selecionados os seguintes tipos de cópias:
Cópias em plástico na máquina Thermoform : Tanto os mapas em alumínio
como em colagem podem ser copiados em plástico. Para isso, utilizou-se
uma máquina da Thermoform Company, importada dos eua, que foi
recebida como doação para o Laboratório de Ensino e Material Didático do
Departamento de Geografia da fflch-usp – lemadi (esse equipamento faz
cópias tamanhos 28 cm x 29 cm e 48 cm x 35 cm). Durante a pesquisa,
várias representações foram copiadas nesse equipamento, no intuito de
testar tanto materiais que resultassem em melhores texturas como sua
resistência ao calor, além dos tipos de plástico disponíveis e sua utilidade
para cada tipo de representação.
Cópias em serigrafia : Esta técnica, comumente denominada silkscreen, é
amplamente utilizada para inúmeras finalidades. As principais são as
impressões de papéis (cartazes, cartões etc.) e estamparia de tecidos em
geral. Existem diversas tintas no mercado para uso conforme a técnica e o
material a ser impresso. Para esse trabalho, foi preciso realizar vários
testes, pois nosso objetivo é bastante diverso do convencional. Essa técnica
utiliza uma tela de seda com o desenho a ser estampado e tintas específicas
para cada uso, no caso da pesquisa foi utilizada tinta puff. Para imprimir
com tinta puff, a qual apresenta uma expansão após aquecimento, é
preciso usar náilon de trama média (50 a 80 fios). Acima de 80 fios, a
precisão do desenho impresso é maior, mas a trama não é compatível com a
tinta densa para que se realize a impressão do desenho. Para a técnica da
serigrafia, é preciso realizar matrizes especiais para reprodução e apenas a
cópia apresenta relevo. O original sobre papel vegetal com tinta nanquim,
ou sobre transparência (acetato) impressa pelo sistema de cópia xerográfica
ou desenhado diretamente no acetato com canetas de tinta permanente,
não permite sua percepção através do tato.
No caso do alumínio e da colagem, os materiais construídos podem ser
usados como matrizes para cópias em plástico feitas na máquina
Thermoform ou similar. Também podem ser utilizados diretamente pelo
usuário com deficiência visual. Outras técnicas existentes no exterior não
foram testadas pela ausência de recursos técnicos na universidade ou mesmo
no país até a conclusão da pesquisa. São elas:
– Impressora braille conectada ao computador com capacidade de
impressão de representações gráficas, inclusive mapas, em papel especial.
– Copiadora de estereocópias da marca Minolta, que produz cópias em
relevo de excelente qualidade e com rapidez, a partir de originais em tinta. A
única restrição é o alto custo da máquina, inviabilizando sua introdução no
país.
Teoria e prática da cartografia tátil: resultados e propostas
Para a reprodução dos mapas e ilustrações em relevo foram testadas e
avaliadas duas técnicas: as cópias em plástico realizadas na máquina
Thermoform e as cópias impressas pelo processo de serigrafia. Os originais
para cópias em plástico podem ser confeccionados em alumínio ou utilizando
colagem. Esses recursos foram amplamente usados durante a pesquisa. Em
ambos os casos, os originais podem ser utilizados diretamente pelo usuário
com excelentes resultados. As pessoas com deficiência visual dão preferência
à leitura do original, em relação à cópia em plástico. Há sempre uma perda
de detalhes durante o processo de reprodução e uma uniformização das
texturas, que atrapalha o reconhecimento das variáveis contidas no mapa,
assim como a decodificação da informação a ser transmitida.
Comparando essas duas técnicas, observou-se que cada uma delas
apresenta vantagens e limitações. A colagem permite uma combinação de
materiais e, consequentemente, uma gama ampla de variáveis gráficas
contidas em um mesmo mapa, além de ser viável atingir maiores elevações.
Outra vantagem consiste na possibilidade de produzir materiais sem recursos
técnicos especializados, utilizando-se apenas sucata e retalhos diversos.
Quanto à técnica da impressão em serigrafia, o processo é bastante
diverso do anterior. A confecção dos originais é feita em tinta, no papel
vegetal ou na transparência. Isso significa a possibilidade de reproduzir mais
detalhes e contornos mais precisos, mas, por outro lado, inviabiliza o uso do
original pelo usuário com deficiência visual. Entretanto, a aplicação da
técnica é muito mais complexa e exige muitos testes. Para atingir uma maior
eficácia é preciso pesquisar e testar os recursos disponíveis, tais como tipos
de tela e tinta. Esse método de reprodução tem um enorme potencial, em
função do custo baixo e da possibilidade de realização de um número
elevado de cópias.

Avaliação da produção e uso do mapa tátil


Os usuários da cartografia tátil, como pessoas com deficiência visual,
caracterizamse por uma especificidade no que diz respeito à produção e uso
dos mapas. Isso significa que existe uma série de limitações durante o
processo de comunicação da informação geográfica. Considerando a figura 2
(Vasconcellos, 1991), que apresenta as dimensões e define as perspectivas
da cartografia, é possível constatar que o cenário da cartografia tátil é
diferente. Os pesos de cada dimensão não são os mesmos quando
comparados àqueles da cartografia convencional. Por exemplo, na cartografia
tátil, a dimensão geométrica é a menos relevante porque não é viável
construir um mapa tátil com a mesma precisão e o rigor do mapa visual ou
digital.Também complexa é a incorporação da arte na cartografia tátil. Por
outro lado, a semiologia, a comunicação e a tecnologia são igualmente
importantes para ambas as formas. A tecnologia é vital durante o processo
de produção de mapas para usuários com deficiência visual, provavelmente
mais importante do que para a cartografia convencional.
É fundamental definir e sistematizar os princípios da cartografia tátil,
visando à eficácia dos mapas para esses usuários com necessidades
especiais. Odesigndos mapas deve incorporar várias qualidades e evitar os
principais problemas. É preciso um maior grau de generalização com
omissões, exageros e distorções, que, com certeza, seriam consideradas
falhas graves pelo cartógrafo convencional.
É importante medir a quantidade de informação a ser representada e
nunca sobrecarregar o mapa, é preferível fazer diversos mapas a concentrar
informações em um só mapa. O tamanho de cada mapa, maquete ou gráfico
não deve ultrapassar 50 cm, porque o campo abrangido pelas mãos é muito
mais restrito que o campo da visão. Algumas limitações poderão ser
contornadas, aplicando-se o contraste que é um princípio fundamental nas
representações gráficas e a redundância na escolha das variáveis como
maneira de garantir a comunicação da informação.
Sempre que possível, as representações utilizaram a linguagem gráfica
visual e tátil conjuntamente. Esse procedimento facilitou os testes aplicados
em grupos de alunos do ensino fundamental: alunos com deficiência visual
em vários graus, desde a cegueira total até visão parcial, incluindo os cegos
congênitos e os adquiridos.
Desde o início, foi muito difícil definir o grupo de amostragem para teste
dos materiais, colocando restrições quanto a série, idade, graus de
deficiência visual, assim como outros parâmetros. As escolas e as professoras
especializadas solicitavam que a experiência fosse estendida a todos os
alunos, o que impossibilitava a escolha de um grupo mais homogêneo para a
realização dos testes. Durante o desenvolvimento dos projetos, entre 1990 e
1993, foram feitas avaliações com mais de 180 alunos com deficiência visual
e 100 professores e profissionais ligados à educação especial, assim como
outros interessados.
Resultados atingidos com a realização e análise desses inúmeros testes
mostram a eficácia da linguagem gráfica tátil, assim como sua importância
na percepção do espaço pela criança, principalmente aquelas com deficiência
visual. Os mapas são recursos fundamentais no processo de aquisição de
conceitos geográficos e de conhecimentos relacionados com o ambiente.
Como resultado das avaliações feitas a partir da utilização das imagens
táteis e mapas em relevo foi possível analisar as limitações, além de levantar
sugestões e propostas que se acham resumidas a seguir:
• Noções geográficas básicas, tais como proporção, escala, localização e
orientação, precisam ser bem compreendidas antes da introdução dos
mapas;
• A linguagem gráfica tátil deve ser introduzida através de exercícios com
as variáveis gráficas em relevo, como preparação à leitura de mapas;
• A criação e uso de convenções são fundamentais para facilitar a
utilização da linguagem cartográfica e a leitura das representações
gráficas. A legenda do mapa é um recurso muito importante para o
usuário com deficiência visual, desde que ele apresente bastante
facilidade na sua decodificação;
• A escolha do nível de redução e generalização é vital, da mesma forma
que o tamanho é importante. A percepção tátil não é global como a visão
e possui uma menor resolução, o que significa que uma pessoa com
deficiência visual precisa juntar pequenas parcelas de informação para
formar uma imagem completa;
• A escolha da linguagem gráfica (design ou solução gráfica), na
maioria dos casos, é a etapa mais importante de todo o processo de
produção das representações gráficas destinadas à percepção tátil. Daí a
necessidade de uma sistematização das regras básicas para construção
dos mapas adaptados à resolução do tato;
• Modelos em três dimensões e maquetes de relevo ajudam a criança a
entender o espaço físico. São representações menos abstratas e devem
preceder o uso dos mapas;
• Atividades e jogos geográficos podem facilitar o processo de
aprendizagem da Geografia e da cartografia, na medida em que motivam
o aluno e tornam o ensino mais interessante;
• Todos os materiais didáticos, incluindo os mapas, devem ser
classificados considerando níveis de complexidade, em função de algumas
variáveis importantes: idade e nível de desenvolvimento cognitivo do
aluno, interesse e experiência anterior, adequação à série que o aluno
está cursando, entre outros.
Os testes realizados até o momento mostraram que é difícil atingir um
conjunto único de sugestões e regras, por várias razões. Dentre elas,
destacam-se as preferências individuais e o nível de habilidade do usuário
com relação à leitura do mapa e ao domínio da linguagem gráfica. Esse
ponto foi bem discutido por Hampson (1989), que chegou a conclusões
semelhantes.
Por essas razões, um programa de introdução aos conceitos geográficos
básicos e treinamento para uso de mapas foi delineado na segunda etapa da
pesquisa. Materiais gráficos em relevo, exercícios e jogos foram planejados e
desenvolvidos para introduzir cada uma das noções geográficas selecionadas:
proporção, escalas, distância, ponto de vista, localização e orientação.
O programa também inclui a introdução de todas as variáveis gráficas em
relevo para o sentido do tato, no formato de cartões para formar um jogo da
memória. A legenda do mapa (processo de simbolização) e o uso de um
sistema de coordenadas, também devem ser conceitos entendidos antes do
último estágio que seria o da decodificação e leitura dos mapas.
Algumas representações gráficas que não puderam ser incluídas na
pesquisa deverão ser construídas e testadas, preenchendo as lacunas
detectadas nos testes realizados até 1993. É o caso de croquis e plantas de
grande escala, representando a sala de aula, a escola, seguidas de plantas
do bairro e da cidade de São Paulo. São os mapas voltados para a orientação
e mobilidade do usuário com deficiência visual e que requerem um estudo
aprofundado quanto à escolha da linguagem gráfica e do design.

Considerações finais: cenários atuais da cartografia tátil


Este trabalho desenvolveu uma área de pesquisa ainda não abordada por
geógrafos ou cartógrafos no país, beneficiando pessoas com deficiência visual
dependentes do tato e da audição para incorporar conhecimentos
geográficos. A linguagem gráfica tátil, aplicada às ilustrações e mapas,
facilita a transposição de barreiras informacionais, na escola, no trabalho e
na vida cotidiana. A pesquisa e o contato com pessoas com deficiência visual
mostraram também novos caminhos a serem percorridos, destacando a
importância de uma valorização de todo o potencial do ser humano.
Certamente, precisamos aprender a usar as nossas várias inteligências e
todos os recursos disponíveis, incluindo as várias percepções sensoriais que
nem sempre são utilizadas. Nesse sentido, foi proposta uma nova Cartografia
Multissensorial para substituir a cartografia tátil, que foi trabalhada desde o
início da pesquisa. A relevância da linguagem gráfica e dos mapas para
alunos com ou sem deficiência foi confirmada a partir das avaliações e das
experiências vividas durante a pesquisa. Como escreveu Hall (1992):
através do processo de percepção, a informação na forma gráfica entra nas dimensões da
mente humana... depois da percepção criar um mapa interno do mundo, a mente se apropria
dele e o transforma em um instrumento de pensamento e nós começamos a pensar sobre o
mundo de uma maneira diferente. O pensamento humano consegue reduzir ou expandir a
informação, inclusive a espacial. Esse processo demanda não apenas o intelecto, mas também
criatividade e imaginação. Esses mapas cognitivos de paisagens abstratas e distantes
promovem novas geometrias de pensamento, novas associações e, dessa forma, novas
formas de pensamento sobre o mundo exterior. Mapas permitem aproximar e entender o
mundo, até suas complexidades e incertezas... podem reinventar o mundo que vivemos,
mostrando suas imagens...
Essa colocação deve ser estendida às pessoas com deficiência visual,
principalmente os cegos que nunca puderam ver o espaço geográfico. Para
eles, os mapas têm o poder de criar imagens mentais dos lugares e fornecer
uma noção do espaço que depende da visão. Além disso, para os usuários
com deficiência visual, um mapa e uma bússola podem auxiliar na sua
mobilidade, significando autonomia para se orientar nos percursos da vida
cotidiana, em roteiros e até possíveis viagens.
Atualmente, convivemos com a geração do audiovisual, da multimídia e da
realidade virtual, onde a televisão sobrepõe-se à linguagem escrita dos
jornais e livros. A tecnologia favorece e estimula o uso da linguagem
audiovisual, basta mencionar a revolução causada pelas comunicações
modernas (satélites artificiais, telefonia fixa e celular, aparelhos de fax, dvd
etc.) e, acima de tudo, pelos computadores e redes de comunicação como a
internet. Também as pessoas com deficiência visual dependem hoje das
inovações tecnológicas, tais como o computador com sintetizadores de voz,
lupas digitais e as impressoras braille e relevo.
Por inúmeras razões, observa-se, desde o final do século xx, um aumento
do potencial da representação gráfica e das imagens, o que significou novos
processos e produtos (no design e na reprodução), implicando em novos
produtores e usuários de mapas. Ambos caracterizam-se pela ausência de
treinamento para trabalhar e entender a linguagem gráfica. Por essa razão, é
fundamental uma ampla discussão a respeito dos conceitos e dos
fundamentos teóricos da cartografia e dos mapas, assim como sua utilização
e seu papel social.
A representação gráfica sempre comunica uma versão limitada da
realidade, sendo, portanto, uma abstração. É salutar considerar também as
limitações e os perigos dessa linguagem. Brian Harley (1989: 2) argumentou
que mapas não são nem científicos nem objetivos, e que a noção de
cartografia como uma ciência progressista é um “mito criado por cartógrafos
no curso de seu próprio desenvolvimento profissional”.
Durante o trabalho foram mencionados os principais problemas
relacionados com a linguagem cartográfica. Os resultados da pesquisa
mostraram também que, no caso da cartografia tátil, a ocorrência de
distorções, omissões e imprecisões são necessárias em maior número e grau.
Erros devem ser evitados, com as manipulações e falsificações que são fruto
da desonestidade e de questões ideológicas e políticas.
Existem caminhos para superar esses problemas, minimizar as falhas e
evitar erros. A seguir estão algumas propostas nesse sentido:
1. Conscientização dos produtores e usuários com relação à natureza da
linguagem gráfica visual e tátil, suas vantagens e suas limitações;
2. Treinamento dos usuários e produtores para a construção, reprodução e uso
de mapas, gráficos e ilustrações, nas formas visual, tátil e auditiva;
3. Desenvolvimento de pesquisas para superar as questões técnicas ou
financeiras relacionadas com a produção de representações gráficas
multissensoriais, incluindo as novas tecnologias, assim como os
equipamentos e os instrumentos convencionais.
Dessas questões, algumas precisam ser estudadas com mais
profundidade, devendo ser testadas e avaliadas, qualitativa e
quantitativamente. Uma delas está relacionada com o design das
representações gráficas. Talvez seja a principal etapa do processo
(carto)gráfico que precisa, urgentemente, de uma nova abordagem dentro
das pesquisas desenvolvidas por cartógrafos. É preciso contar com a
participação e avaliação do usuário em todas as fases de produção dos
mapas.
Atualmente, as tecnologias digitais trouxeram novos recursos e
perspectivas futuras ainda estão sendo delineadas; os sistemas de multimídia
que utilizam mapas, gráficos e imagens com interfaces múltiplas criam
realidades virtuais. As metáforas de viagens e explorações geográficas
permeiam os sistemas de multimídia, na medida em que estamos entrando
em um novo mundo de linguagens multissensoriais. Inicialmente, o mundo
chegava até nós através de formas auditivas e escritas, principalmente
visuais. Agora, ele será transmitido e comunicado por sistemas mais
semelhantes com a comunicação humana, na qual todos os sentidos são
acionados (Taylor, 1991, 2005; Almeida, 2005).
A resposta às necessidades das pessoas com deficiência visual será
trabalhar todos os seus sentidos. No caso dos mapas e ilustrações,
principalmente a audição, o tato e uma eventual visão residual devem ser
incluídos, enquanto as percepções olfativa e gustativa são de aplicação mais
difícil. Para efetivar essa proposta, foi também avaliado o equipamento
desenvolvido na Austrália e denominado Sistema Audiotátil (nomad), que
transforma os mapas em representações falantes. Esses recursos facilitam
imensamente o uso de mapas e ilustrações pelos usuários com deficiência
visual. O nomad consegue transformar a representação gráfica em um
recurso dinâmico e multissensorial. O cartógrafo estaria trabalhando em
direção ao aumento da eficácia dos produtos gráficos e, certamente,
qualquer pessoa com necessidades especiais, ou não, teria melhores
condições de vivenciar a linguagem dos mapas se incorporados outros
recursos.
Os resultados alcançados com a pesquisa em questão levaram à
implantação de um núcleo permanente para atendimento a professores,
profissionais e alunos com deficiência visual. Nesse núcleo, nosso principal
objetivo é oferecer assessoria a professores que precisam de orientação
sobre confecção e utilização dos materiais. Este grupo de estudos criado no
lemadi é ainda um espaço aberto ao desenvolvimento de pesquisas na área
de cartografia tátil e tornou-se um centro de referência sobre o tema.
Surgiram também oportunidades que possibilitaram trocas de experiências
com pesquisadores e instituições no Brasil e no exterior. Desde 1995, o
lemadi vem participando de projetos internacionais, desenvolvidos em
conjunto com pesquisadores do Chile e da Argentina, que visam discutir a
elaboração e uso de representações gráficas táteis para pessoas com
deficiência visual.[1]
Atualmente, o lemadi[2] participa dos projetos “Diseño y Producción de
Cartografía para las Personas Ciegas de América Latina” e “Cartografía Táctil
en Latinoamérica: Capacitación, Sociedad y Tecnología Multimedial para la
Persona Ciega del Siglo xxi”, com apoio financeiro da Organização dos
Estados Americanos – oea e Instituto Panamericano de Geografia e História –
ipgh, respectivamente. Esses projetos foram apresentados e são coordenados
por professores do Departamento de Cartografía da Facultad de
Humanidades y Tecnologías de la Comunicación Social da Universidad
Tecnológica Metropolitana (utem) de Santiago do Chile, e há a colaboração
direta da Argentina e do Brasil na elaboração de material e organização de
cursos de capacitação. Todo o trabalho está sendo realizado em parceria,
utilizando a experiência acumulada nos últimos anos e contribuindo para a
melhoria do ensino e da qualidade de vida das crianças e jovens com
deficiência.
É preciso desenvolver as várias habilidades e inteligências e usar os vários
canais de comunicação, proporcionando experiências diversificadas a todos
os cidadãos, também àqueles com deficiência visual, que são, normalmente,
excluídos do mundo das imagens que nós videntes temos acesso a todo o
momento. Dessa forma, a cartografia tátil consiste em um caminho para
essas pessoas “verem” o espaço geográfico e o mundo que os cerca.
Notas

[*] Originado de A cartografia tátil e o deficiente visual: uma avaliação das


etapas de produção e uso do mapa. Tese de doutorado apresentada na Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2 volumes, 1993.

[1] No período de 1995 a 1998 foi desenvolvido o projeto intitulado “Cartografia Tridimensional para el Uso y el
Adiestramiento del Discapacitado Visual”, e no período de 1999 a 2001, o projeto “Cartografia Táctil como
Instrumento de Apoyo para la Mobilidad Espacial del Ciego”, ambos com apoio financeiro do Instituto
Panamericano de Geografia e História – ipgh.

[2] Equipe composta pelos pesquisadores: Waldirene R. do Carmo, técnica responsável pelo lemadi; Carla G.
Sena, doutoranda em Geografia Física; Aline A. Bittencourt e Marcelo Machado, graduandos em Geografia,
fflch/usp. Atualmente, participam também alunos e alunas do Curso de Lazer e Turismo da each/ usp, Campus
Leste.

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UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA A COMPREENSÃO DE MAPAS
GEOGRÁFICOS
Rosângela Doin de Almeida

“Pensando
bem, um mapa
é algo
impossível”,
disse Mathew
(um
comandante de
navio), “porque
transforma algo
elevado em
algo plano”.
Sten Nadolny,
A
descoberta
da
lentidão.
Com a experiência no ensino de Geografia, notei grandes dificuldades dos
alunos para entender os mapas geográficos. Depois, ao lidar com a formação
de professores na disciplina Prática de Ensino para o curso de Licenciatura
em Geografia (Unesp), constatei a quase inexistência de publicações sobre a
representação espacial, o que indicava a necessidade de se realizar estudos
sobre esse tema. Decidi, então, que a construção da noção de espaço e sua
representação deveriam ser estudadas, o que resultou na publicação do livro
O espaço geográfico: ensino e representação (Almeida e
Passini, 1989).
Continuei a estudar o assunto na tese de doutoramento, na qual
apresentei uma orientação metodológica para o ensino de conceitos
cartográficos fundamentada na representação espacial pela criança. A
preocupação principal consistiu em saber como proceder no processo de
ensino para que o aluno pudesse construir formas de representação gráfica
do espaço, com vistas a posterior leitura e compreensão de mapas.
Elaborei um conjunto de situações de ensino, nas quais os alunos
deveriam lidar com problemas com o fim de mobilizá-los na direção de
noções cartográficas (escalas, localização, projeção no plano e legenda). A
proposta, inicialmente, foi organizada em três fases, sendo que cada uma
delas aborda as mesmas noções cartográficas, porém em níveis mais
complexos.
A primeira fase, “iniciação cartográfica”, foi detalhada e submetida a uma
avaliação em turmas do ensino fundamental. Hoje, sabe-se que a
complexidade das condições de ensino nas escolas pede um delineamento de
pesquisa que também leve em conta perspectivas como os saberes e as
práticas dos professores.
Selecionei do texto da tese os pressupostos teórico-metodológicos, a
pesquisa em sala de aula e seus resultados para serem apresentados neste
capítulo, porque parte da tese já foi publicada em outro livro (Almeida,
2002).[*]*

Pressupostos
Desde o início do século xx, o estudo da capacidade humana de localizar-
se e criar registros que facilitem a localização tem aproximado geografia e
psicologia, na tentativa de responder questões relativas ao domínio humano
sobre o espaço.
O estudo realizado por Hardy (1939) a respeito dos povos descritos em
obras sobre colonização traz uma revisão histórica da geografia desde a
Antiguidade, considerando-a como uma revisão psicológica dos povos e seu
ambiente. O autor apresenta a ideia da “paisagem psicológica dos povos”
como uma etnografia das paisagens.
Já um trabalho mais antigo, porém mais avançado, foi realizado por
Cornetz (1914), o qual relata um estudo sobre o senso de direção entre
nativos do Saara tunisiano. O autor constatou que a visão e a audição são
essenciais para o senso de direção.
Estudos mais recentes apontam que o domínio do espaço pelo homem é
influenciado por fatores psicofisiológicos bem como socioculturais. O trabalho
de Marie Germaine Pêcheux (1990) analisa a hipótese de que as experiências
espaciais e suas consequências são as mesmas para todos os homens. Após
uma discussão detalhada dos diversos aspectos que essas ideias envolvem,
Pêcheux apresenta um quadro do desenvolvimento das relações da criança
com o espaço, levando em conta, simultaneamente, as práticas da criança e
as práticas espaciais das sociedades humanas. A interação entre fatores
biológicos e sociais é essencial no desenvolvimento do domínio espacial do
indivíduo. No entanto, as performances espaciais individuais variam muito. A
autora pergunta, então, que componentes influem na variabilidade das
performances espaciais? E qual a trajetória do desenvolvimento dessas
performances?
Essas questões foram objeto de estudo de diversos pesquisadores na área
da psicologia, os quais tiveram como preocupação saber como se desenvolve
a compreensão das informações espaciais no homem. Os mecanismos
perceptivos são considerados básicos. Pêcheux trata de três modalidades
sensoriais: a visão, a audição e a propriocepção em relação ao tato.
Após discutir diversas pesquisas sobre a influência da visão e da audição
nas percepções do espaço, Pêcheux conclui que a percepção auditiva do
espaço é difícil de ser dissociada da percepção visual e das percepções
cinestésicas. A audição é considerada uma modalidade muito importante na
percepção da direção e da distância. Não serão detalhados esses aspectos,
uma vez que interessam especialmente aos estudos da percepção espacial
em crianças muito pequenas. A leitura da obra de Pêcheux, a qual apresenta
uma sequência de quadros que detalham o desenvolvimento motor e da
locomoção, da preensão e da precisão espaço-temporal dos movimentos,
todos referentes aos primeiros 24 meses de vida, é esclarecedora.
O trecho anterior ressalta a importância do sistema sensório-motor na
organização psicológica do espaço. As progressivas aquisições em nível
corporal ampliam o domínio do espaço, e a postura influi na apreensão das
informações sobre o entorno. Dessa forma, estabelecem-se, desde o início,
referenciais espaciais com relação ao próprio sujeito. Chega-se, então, ao
esquema corporal, cujo papel na organização espacial demanda certo
aprofundamento.
A noção de esquema corporal foi inicialmente elaborada por Schilder, que
a definiu como “unidade do corpo vivido, conhecido e utilizado nas relações
do sujeito com o mundo exterior”.[1] Essa noção é bastante complexa, razão
pela qual diversos pesquisadores têm formulado sua própria conceituação de
esquema corporal. Le Boulch (s.d.: 37) o definiu como: “intuição global ou
conhecimento imediato de nosso corpo, seja em estado de repouso ou em
movimento, em função da inter-relação com o espaço e os objetos que nos
rodeiam”.
Já Lurçat (Wallon e Lurçat, 1962: 1-33) apresenta uma concepção do
esquema corporal extraída de um trabalho que realizou com H. Wallon: o
esquema corporal não coincide com o corpo anatômico, mas há nele relações
de diversas ordens (no espaço, no espaço postural e no ambiente) e que no
estudo do esquema corporal devem ser levadas em conta as posições do
corpo no espaço, com relação aos objetos e às pessoas.
Lurçat estudou as relações entre o esquema corporal e o espaço sob a
perspectiva do desenvolvimento infantil, contribuindo para o entendimento
das relações espaciais e de suas implicações na lateralização, localização e
orientação. A autora adverte que o meio ambiente é “lateralizado” a partir
dos vetores do esquema corporal: frente/atrás, direita/esquerda,
acima/abaixo. Segundo ela, os lados direito e esquerdo são percebidos
simultaneamente pela criança, porém frente/atrás não, pois a passagem da
frente para trás supõe uma conversão. No esquema corporal, há uma
polarização do campo superior e da frente devido aos movimentos de
alimentação e à ação dos órgãos faciais. Lurçat constatou que o
amadurecimento da lateralidade ocorre pela projeção gradativa do esquema
corporal, primeiro do eixo frente/atrás, depois esquerda/direita.
Lurçat aborda um aspecto do conhecimento do espaço pela criança que é
a referência no objeto. A orientação espacial apresenta modalidades
específicas que dependem da linguagem e do meio ambiente. Na
familiarização com o espaço convergem duas fontes de conhecimento
interligadas que são: a atividade através da manipulação dos objetos e do
deslocamento, e o meio familiar, no qual a designação dos objetos e dos
lugares está impregnada de sentidos e valores próprios como crenças,
castigos e proibições. Apresentaremos, agora, as conclusões de Lurçat sobre
a relação entre o esquema corporal e a lateralização, pois elucidam algumas
de nossas constatações relatadas adiante.
A autora afirma que “o conhecimento do corpo procede do conhecimento
do espaço e ao mesmo tempo o torna possível” (Luçart, 1979: 23). A
projeção do esquema corporal como sistema de referência no espaço pode
tomar as formas de radiação ou de transferência. Na radiação, os planos
e eixos relativos ao esquema corporal determinam as orientações do espaço.
Na transferência relativa a um objeto, a organização dependerá desse
ser ou não ser orientado, e poderá ocorrer por translação, rotação ou
reflexão.
Lurçat também verificou que a projeção do esquema corporal ocorre de
modos diferentes, uma vez que se considerem lugares, seres vivos e objetos.
Os lugaresrecebem a projeção da lateralidade do sujeito; por exemplo,
quando se diz “2º piso à direita” (direita do sujeito). No caso dosseres
vivos, ocorre obrigatoriamente uma transposição, exigindo uma análise da
posição desse ser vivo em relação ao sujeito, para determinar o que está à
sua direita (do ser vivo), à sua esquerda etc. Quanto aos objetos, ocorrem
as mesmas operações anteriormente citadas.
Nos mecanismos de projeção dos referenciais do esquema corporal, o eixo
frente/ atrás determina o eixo esquerda/direita, o que os torna
necessariamente vinculados. É bom lembrar que há polarização do campo
superior e da frente devido à locomoção, à alimentação e à ação dos órgãos
faciais. As complicações nesse processo ocorrem porque há objetos que
possuem uma parte anterior e uma posterior, porém há outros que não as
possuem. Nesse caso, elas podem ser determinadas pelo uso, não
apresentando uma lateralidade definida.
Percebeu-se, então, a grande importância da atividade sensório-motora na
construção do espaço pela criança, e sua relação com o esquema corporal.
Este consiste no centro de referência sobre o qual será estabelecido o
domínio do espaço. Podemos perguntar se nossa cultura tira todo proveito
possível dessas constatações, pois na escola valoriza-se mais a inércia do
que o movimento.
Constatou-se ainda que a motricidade é a geradora da ordem espacial, a
qual se desenvolve com a idade. No entanto, a construção da representação
do espaço ocorre lentamente. Piaget atribui à ação um papel crucial no
desenvolvimento cognitivo. É através dela que são mobilizados os esquemas
adquiridos e os dados perceptivos são postos em relação.
A representação do espaço
A teoria que Jean Piaget, com o apoio de uma equipe de pesquisadores,
construiu permanece como aporte teórico fundamental para estudos sobre a
representação do espaço, principalmente porque trata da construção do
espaço matemático pela criança (relações topológicas, projetivas e
euclidianas), sobre a qual o espaço cartográfico se apoia. Para não repetir o
conteúdo do livro Do desenho ao mapa, serão citados pontos pouco
explorados da obra mais específica de Piaget sobre o assunto, escrita com
Barbel Inhelder: La Représentation de l’Espace chez
l’Enfant (1981),[2] enfocando aspectos que ainda não constam dos
capítulos anteriores deste livro.
A primeira parte dessa obra trata das relações topológicas elementares.
Os autores afirmam que a principal dificuldade na investigação do espaço se
refere ao fato de a construção das relações espaciais ocorrer em dois planos:
o plano perceptivo ou sensório-motor e o plano
representativo ou intelectual. O objetivo da obra é estudar o
desenvolvimento do espaço representativo, o qual se constrói a partir das
conquistas do espaço sensório-motor.
Sobre o espaço perceptivo destacam-se os aspectos que parecem ser mais
importantes para entender a construção do espaço representativo. O que
caracteriza o espaço perceptivo são as relações espaciais elementares, sendo
que a principal é a de vizinhança (elementos percebidos dentro de um
mesmo campo). A partir dela surgem as demais relações espaciais
elementares: separação, ordem (que se refere a percepções ordenadas tanto
no espaço como no tempo), circunscrição (envolvimento) e continuidade.
Seráporvoltados7-
8anosquesurgirãoestruturasdoespaçointelectual.Noentanto, este e o espaço
perceptivo são construídos com base na motricidade. Esta foi, aliás, a fonte
das percepções espaciais mais elementares e é, também, a fonte das
operações.
Na busca da reconstrução genética do espaço representativo (dissociar a
percepção e a representação), os autores, primeiro, fizeram um estudo sobre
o desenho, que foi usado porque confirma o predomínio das relações
topológicas antes da criança atingir as formas euclidianas de representação.
O estudo sobre o desenho infantil apresentado por Piaget apoiou-se nas
fases do desenho infantil de Luquet (1935).[3]
Nos capítulos subsequentes, Piaget e Inhelder tratam das relações
elementares de ordem, envolvimento e continuidade. A relação de
ordemfoi estudada entre crianças de 3 a 7 anos, às quais solicitaram que
ordenassem contas segundo um modelo linear ou
cíclico(umcolaremformade8).Aevoluçãodascorrespondênciasdeordemobservada
experimentomostrou-
secontínua,partindodesemelhançasdebaseperceptiva,atéatingir a operação de
ordem em sentido direto e inverso. Ela supõe a vizinhança, a separação e um
sentido constante de percurso. Nesse processo, a coordenação motora parece
ter um papel decisivo. A noção de ordem depende, então, da intervenção de
dois fatores: o restabelecimento das vizinhanças deslocadas pela separação e
a escolha de um percurso entre dois sentidos, que deve ser mantido sem
oscilação.
O envolvimento foi estudado através de uma sequência de nós
verdadeiros e falsos que a criança deveria identificar e reproduzir. A evolução
do envolvimento pode ser assim resumida: durante o estádio II as ações
descobertas no estádio I interiorizam-se em representações intuitivas e
articulam-se aos poucos.[4] A operação constrói-se com a representação
tridimensional da ação, possibilitando, finalmente, a reprodução do nó.
A noção de continuidade foi estudada através de um experimento em
que a criança era solicitada a dividir um quadrado em partes cada vez
menores e, num segundo momento, reconstituir uma linha a partir de vários
pontos. Concluem que “enquanto separação intelectual (e não mais
perceptiva ou intuitiva) dos pontos vizinhos, as operações de divisão
encontram no contínuo sua expressão generalizada e realizam a conciliação
entre as relações de vizinhança e de separação. Enquanto preenchendo as
vizinhanças de cada ponto, o contínuo permite às operações de ordem e de
envolvimento encontrar também sua forma geral aplicável às linhas,
superfícies e espaços em três dimensões, e fornece igualmente um
fundamento racional às suas manifestações intuitivas, das quais vimos a
precocidade a propósito das relações de fronteira” (Piaget e Inhelder, 1993:
163).
O espaço projetivo constitui o objeto da segunda parte do livro em
questão. A esse respeito destaca-se que a principal diferença entre as
relações topológicas e as relações projetivas e euclidianas está no modo de
coordenação das figuras entre si. O espaço topológico é interior a cada figura
e exprime suas propriedades intrínsecas, não há um espaço total que inclua
todas as figuras. Trata-se de uma análise de cada objeto considerado em si
mesmo, faltando um sistema de conjunto que organize todos os objetos em
uma única estrutura.
No espaço projetivo e no espaço euclidiano, ao contrário, os objetos são
situados uns em relação aos outros através de projeções ou perspectivas e
de coordenadas. Por isso, as estruturas projetivas e euclidianas são mais
complexas e de elaboração mais tardia.
Os autores abordaram o espaço projetivo a partir da construção da reta
projetiva e, em seguida, da projeção das sombras, das coordenações do
conjunto de perspectivas, das secções e, no último capítulo sobre esse
assunto, trataram do rebatimento de superfícies.
A descrição da gênese da reta projetiva foi feita a partir da ação de
“mirar” e de analisar a construção de perspectivas elementares. No
experimento realizado, os autores pediram às crianças que alinhassem
postes (fósforos plantados em uma rodela de massa de modelar) sobre uma
mesa quadrada ou retangular e uma mesa redonda. Os palitos
representavam postes que deveriam plantar para construir uma linha
telefônica bem reta ao longo de uma estrada também reta. O
experimentador plantava o primeiro e o último poste e pedia à criança para
plantar os demais. Constataram que, acima dos 5 anos, as crianças
apresentam reações intermediárias entre relações topológicas e projetivas; a
criança descobre que a visão não é a mesma de diferentes pontos de vista,
descobrindo a reta projetiva através da operação da “mirada”. Nessa
operação, a criança mira o último poste a partir do primeiro e alinha os
demais segundo esse ponto de vista. Há, pois, o início da coordenação de
pontos de vista. Por volta de 7 anos, surgem condutas de “miradas”,
chegando à reta euclidiana como o trajeto mais curto entre dois
pontos.
Os autores destacam que existem duas espécies de representações
espaciais: uma intuitiva, que não passa de uma imitação interior (imagem
mental), favorecida ou inibida pelas configurações perceptivas
(características dos estádios I e II A); outra fundada nas operações, não mais
submetida à influência perceptiva. A partir do estádio III, pode-se falar em
reta projetiva em oposição à linha topológica dos estádios anteriores. A linha
topológica apresenta características de ordem, de sucessão etc., ordenados
sob apenas um ponto de vista, que se sucede segundo a relação frente/atrás,
podendo dar lugar a linhas curvas. Já a reta projetiva, em oposição às curvas,
é a única linha que conserva sua forma, qualquer que seja o ponto de vista.
Ainda sobre a construção da perspectiva, realizaram um experimento para
verificar a representação de objetos isolados, sob vários pontos de vista.
Solicitaram às crianças que antecipassem sob que forma aparente um objeto,
colocado em diversas posições, deveria se apresentar.
Tomando o conjunto dos dois experimentos acima, os autores constataram
três fatos quanto à construção do espaço projetivo. O primeiro fato é a
construção da reta projetiva, o segundo refere-se à compreensão da lei das
transformações perspectivas, e o terceiro é a descoberta do ponto
de vista próprio.
Ainda sobre o espaço projetivo, Piaget e Inhelder investigaram o
relacionamento das perspectivas. Apoiaram esse estudo nas posições dos
objetos, uns em relação aos outros, e cada um em relação a diversos
observadores. São estudadas as relações frente/ atrás e direita/esquerda
(relações de ordem). Como técnica de estudo, eles utilizaram um maciço com
três montanhas que poderiam ser distinguidas por terem cores diferentes e
por apresentarem detalhes distintivos, como pico com neve, nascente etc.
Foram entrevistadas 100 crianças com idades entre 4 e 12 anos. A seguir, um
resumo dos resultados desse estudo.
No subestádio II A (4 a 5-6 anos) ocorre o seguinte: na primeira técnica,
quando o sujeito passa da posição A para a posição B e pode reproduzir,
através dos cartões, sua visão atual de B e sua visão anterior de A, ele
consegue coordenar uma intuição perceptiva e uma intuição representativa.
No entanto, como ainda não consegue antecipar uma perspectiva diferente
da sua, apresenta uma perspectiva espacial não descentralizada. No
comentário final sobre a primeira técnica, os autores consideram que a ilusão
egocêntrica impede as crianças desse estádio de inverter as relações de
esquerda e direita, de frente ou atrás etc., para mudar as perspectivas de
acordo com as mudanças do ponto de vista.
Segundo Lurçat, o desenvolvimento da lateralidade pode estar relacionado
com a coordenação da perspectiva, uma vez que somente aos 8-9 anos a
criança reconhece, com precisão, direita e esquerda no próprio corpo, não
podendo, pois, coordenar esses referenciais, para determinar perspectivas,
antes dessa idade, que corresponde ao estádio III.
Com relação às crianças do subestádio II A, as do nível II B apresentam
um progresso
queconsisteempreverqueumobservadoremumaposiçãodiferentedasuaveráosobj
de outra maneira. É apenas no subestádio III A que as crianças passam a
compreender que as mudanças de posição implicam transformações nas
relações internas do maciço. Porém, ainda ocorrem “erros residuais”, que se
referem às relações de esquerda e direita, uma vez que as relações frente e
atrás são modificadas com maior facilidade, tornando-se reversíveis mais
rapidamente do que esquerda e direita.
Retomando, mais uma vez, os estudos de Lurçat, julga-se pertinente
colocar a seguinte questão: a razão não estaria também no processo de
passagem do espaço postural ao espaço circundante, durante a qual se
realiza a construção do esquema corporal? Sabemos que os estudos de
Lurçat foram posteriores aos de Piaget e que seguiram outro eixo teórico,
porém a relação entre ambos amplia o entendimento de como o ser humano
desenvolve relações espaciais.
No subestádio III B, a correspondência entre as posições do observador e
as perspectivas assumidas torna-sebiunívoca, o que indica o
aparecimento de um esquema operatório de natureza antecipadora. Nesse
nível, conclui-se a construção das operações de coordenação de perspectivas.
Isso se dá devido, primeiro, à correspondência, para cada posição do
observador, de um sistema de relações esquerda/direita e frente/ atrás entre
as montanhas. E, segundo, devido à correspondência entre cada posição de
um observador (uma perspectiva) e a dos demais observadores, que se
traduz por uma transformação determinada das relações de esquerda e de
direita ou de frente e de trás.[5]
Ainda sobre a representação do espaço projetivo, Piaget e Inhelder
desenvolveram uma investigação sobre secções de volumes geométricos por
um plano através de um experimento, usando sólidos geométricos feitos de
massa de modelar, que eram cortados por uma faca larga e plana (fazendo a
vez de um plano). As crianças deveriam antecipar a secção a ser feita pela
faca no sólido através de um desenho que indicasse como o sólido ficaria
após o corte. Ao incluírem o corte feito pelo plano, os autores puderam
verificar a interação das operações euclidianas (um plano que corta o volume
do sólido) e das operações projetivas, que consistem em imaginar o sólido
sob certa perspectiva.
As crianças menores desenharam a superfície do corte considerando, e ao
mesmo tempo o conjunto do volume e a secção feita, representando-a com
uma “mistura de pontos de vista”. As crianças maiores já mostravam, no
desenho, uma representação mais sistemática do corte em relação ao sólido.
Verificaram ainda que a representação das superfícies de secção constitui
uma abstração que supõe a atividade do sujeito, pois implica não só a
intervenção de duas espécies de ações (uma relativa ao objeto e outra
relativa ao ponto de vista), mas também o relacionamento desses dois tipos
de ações ou operações.
Nos desenhos de crianças de 7-9 anos aparecem “transparências” e
“rebatimentos” que não podem ser considerados traços de representação
projetiva, mas são ainda traços da intuição topológica de envolvimento a três
dimensões. A análise da evolução desses aspectos foi objeto de mais um
experimento, no qual os autores pediam às crianças que desenhassem
volumes geométricos (um cubo, um cilindro, um cone e uma pirâmide) como
se tivessem sido desdobrados sobre um plano.
Antes de passarmos aos comentários dos resultados desse experimento,
gostaríamos de destacar um trecho muito curioso: “mas no caso do cubo
encontramos, às vezes desde os 6 anos e meio a 7 anos, isto é, desde os
inícios do estádio III A, sujeitos excepcionais que, em razão ou de aptidões
particulares ou de hábitos escolares (dobraduras, construção etc.),
encontram a solução exata” (Piaget e Inhelder, 1993: 307-8).
Esse trecho nos leva a pensar que os procedimentos usados no ensino
podem favorecer, ou não, a construção de um tipo de pensamento mais
avançado.
Piaget e Inhelder notaram que no subestádio II A, em relação à
representação com rebatimento e desenvolvimento de figuras, o desenho do
volume não desenvolvido e o do mesmo volume desenvolvido permanecem
idênticos. Falta para essas crianças a experiência das ações de dobrar e
desdobrar. Já no subestádio II B há um início de diferenciação de pontos de
vista entre o volume desenvolvido e o volume não desdobrado (incluem
linhas que indicam a intenção do desdobramento). O estádio III inaugura a
descoberta do desenvolvimento e do rebatimento corretos, que é feita em
duas etapas: no subestádio III A, a criança representa uma fase do
desdobramento, mas não chega à recomposição, ou, então, fica presa em
manter e ordenar a vizinhança, porém com rebatimentos incompletos, mas já
há um início de coordenação de pontos de vista, e, no subestádio III B,
atinge as soluções corretas para o cilindro e o cone. Apenas no estádio IV
chega à representação correta do desdobramento do cubo e da pirâmide.
Dessas constatações depreende-se que, para a criança passar da
percepção do volume para seu desdobramento, é necessário que ela, de
modo concomitante, execute mentalmente uma ação e coordene os pontos
de vista em pensamento. O êxito iniciado no estádio III só é possível devido
à coordenação dos pontos de vista, pois se trata de uma representação em
três dimensões. As ações, que precisam ser interiorizadas para resolver o
problema do rebatimento, são relativas ao objeto (ou ao deslocamento) e ao
sujeito. O ponto de vista único assumido resulta de ligar (uns aos outros) os
diversos pontos de vista de modo que correspondam a esse único ponto de
vista.
A forma do objeto representado também é importante para se obter o
sucesso no seu desdobramento. O cone e o cilindro são mais fáceis de
desenvolver porque, segundo os autores, a curvatura de sua superfície facilita
a ação de desdobrar.
Em suma, para conseguir imaginar corretamente o rebatimento de um
objeto não é suficiente percebê-lo em três dimensões de forma correta. Por
exemplo, a percepção das seis faces do cubo não é suficiente para desenhá-
las com rebatimento de forma acertada. Essa passagem implica, entre
outras, a da ação às operações coordenadas entre si.
Para finalizar o estudo da representação do espaço, falta estabelecer as
relações possíveis entre os objetos, ou melhor, abordar como se estabelecem
as coordenações entre os objetos, organizadas pela construção dos sistemas
de coordenadas, o que se refere ao espaço euclidiano, abordado por
Piaget e Inhelder através do estudo da construção das paralelas, das
semelhanças das proporções e das coordenadas (da horizontal e da vertical).
No estudo do desenvolvimento espontâneo do desenho, o paralelismo e as
proporções manifestam-se como formas de transição para chegar à
estruturação do espaço euclidiano. A figura do losango foi usada para o
estudo da conservação do paralelismo, porque figuras como o quadrado e o
retângulo (que também são formadas por retas paralelas) têm apenas
ângulos retos e são compostos por verticais e horizontais. Elas não ajudam
na verificação das transformações das figuras, necessária ao estudo da
conservação de retas paralelas, a qual implica a conservação dos ângulos e
das distâncias. Para estudar o paralelismo dos lados do losango, essa figura
deveria ser submetida a transformações “afins”, em que há conservação das
paralelas, mas modificações dos ângulos e das distâncias.
Em resumo, desse estudo depreende-se que o paralelismo constitui-se de
forma concomitante à noção de ângulo, e que essa noção não precede a de
paralelas. Além disso, o paralelismo não é percebido sem erros, mesmo por
adultos, o que confirma o caráter racional das noções geométricas. As noções
de reta e de paralelas constituem um início de coordenação dos sistemas de
coordenadas.
Agora é a vez do estudo das semelhanças e das proporções. A construção
geométrica das proporções implica as noções de ângulo e de semelhança. Os
autores estudaram como a criança reconhece as semelhanças de dois
triângulos encaixados a partir do paralelismo de seus lados, e como passa
desse paralelismo dos lados à igualdade dos ângulos.
Quanto ao desenvolvimento das proporções, os autores constataram que
no estádio II a criança não se preocupa com o comprimento, aumentando-o;
porém, tenta não modificar a altura. No estádio III, a criança descobre a
relação entre comprimento e altura do retângulo, e no nível III A isso ocorre
de modo perceptivo, aparecendo graficamente só no estádio III B, quando
também ocorre o equilíbrio da semelhança dos triângulos, fundada na
igualdade dos ângulos. No estádio IV, a criança generaliza sua descoberta
em todos os casos.
A descoberta do estádio III é a invariância da diferença entre as
medidas nas figuras proporcionais. Essa descoberta permite definir uma
proporção matemática.
A escala cartográfica expressa uma proporção entre as medidas do
mapa e as medidas reais. Sua compreensão, por parte das crianças, implica,
então, a equilibração da proporção, o que tem também uma implicação
pedagógica: o ensino da escala deve levar o aluno a estabelecer essa relação
de proporção como base para a compreensão da escala.
O penúltimo estudo sobre o espaço euclidiano, por Piaget e Inhelder, foi
sobre o sistema de referências: a horizontal e a vertical. A construção da
horizontal foi estudada através de um experimento em que as crianças
deveriam antecipar o nível da água contida em vidros de formas diferentes,
quando esses eram inclinados. A vertical foi estudada com o uso de um fio de
prumo preso na tampa dos vidros, e com o uso de outro material: uma
montanha de areia em cima da qual as crianças deveriam espetar postes,
árvores e casas. Em seguida, eram solicitadas a desenhar a montanha com
esses objetos espetados.
A principal preocupação dos autores, nesse estudo, foi investigar a gênese
das coordenadas, que têm a possibilidade de coordenar indefinidamente as
colocações dos objetos. Através de diversas técnicas combinadas de
questionamento sobre a horizontal e a vertical, estabeleceram o seguinte: no
estádio II A, já há abstração das superfícies e das linhas de nível, mas
quando a garrafa é inclinada o nível da água também varia, porém sem
referência externa (plano horizontal) e mesmo sem referência às paredes do
vidro. Conclui-se que, nesse nível, a criança não sabe utilizar os sistemas de
referência exteriores ou interiores à garrafa. Quanto à vertical, elas
desenham os postes perpendiculares aos flancos da montanha. No nível II B,
a criança indica corretamente a direção do líquido, mas ainda não coordena
esse nível previsto com um sistema de referência exterior ao vidro. Ela usa a
horizontal apenas quando o vidro é virado de boca para baixo. Quanto à
vertical, ela consegue plantar corretamente as árvores e postes no flanco da
montanha, mas desenha perpendicularmente aos lados e malogra na
previsão da direção do fio de prumo. No nível III A (7-8 a 9 anos), ocorre a
descoberta da horizontalidade e da verticalidade, porém as crianças fazem a
previsão de posições oblíquas por falta de referências aos sistemas imóveis
exteriores ao vidro. No nível III B (a partir de 9 anos, em média), ocorre a
antecipação da vertical e da horizontal, constituindo um sistema de conjunto
de coordenadas.
O atraso na construção da horizontal e da vertical (pois são atingidas, em
média, somente aos 9 anos) foi objeto de uma análise mais detalhada por
parte dos autores. No nível II A, a incapacidade para representar a horizontal
e a vertical, no desenho, já identificadas oralmente, acontece porque, nesse
nível, o sujeito ainda está centrado nas relações espaciais topológicas.
Mesmo no final do estádio II, há ausência de um sistema de referência que
englobe o conjunto dos elementos, o que é, em princípio, a causa do atraso
em questão.
O último bloco de experimentos realizado pelos autores foi feito sobre os
esquemas topográficos e o mapa da aldeia. Eles consideraram que o mapa
de uma área pequena seria um meio adequado para o estudo de dois
problemas decorrentes das constatações anteriores. O primeiro consiste em
situar um objeto em relação a um sistema de referência natural. O segundo,
refere-se a fazer reproduzir a área em questão através de peças de um
arranjo ou de um desenho. O primeiro problema foi estudado com o uso de
dois relevos exatamente iguais (modelo A e modelo B), e o segundo foi
invertido (rotação de 180°), os modelos eram separados por um anteparo. As
crianças eram solicitadas a colocar um boneco no modelo B, na mesma
posição que ocupava no modelo A. A segunda prova consistia em pedir às
crianças que desenhassem sobre uma folha de papel reduzida uma aldeia,
vista de 45° ou de cima.
O resultado da primeira prova apontou que crianças com menos de 4 anos
determinam as posições graças às relações topológicas de vizinhança e de
envolvimento. No curso de estádio II (de 4 a 7 anos), já interferem os fatores
perceptivos e intuitivos, e no subestádio II A há um início de coordenação
entre as posições de diversos elementos; as relações de esquerda e de
direita, de frente e de trás intervêm na escolha do sujeito, mas não há,
ainda, coordenação de conjunto por falta de compreensão dos efeitos de
rotação. No subestádio II B há uma coordenação progressiva tanto das
relações projetivas como euclidianas, mas ainda há falta de coordenação
entre o sistema interior dos objetos e o sistema exterior constituído pelo
enquadre retangular (base do modelo). O estádio III é marcado pelo sucesso
geral em todas as relações, o boneco é colocado, de imediato, em função de
um duplo sistema de referência segundo as duas dimensões do plano.
O experimento do mapa da aldeia apresentou os seguintes resultados: no
estádio II (de 4 a 6-7 anos), a criança coloca os objetos em correspondência
lógica, mas não chega à localização em função de um sistema de
coordenadas, por não saber “multiplicar” as relações de ordem e de
distâncias entre si segundo as três dimensões. No subestádio II B (5-7 anos),
as crianças começam a coordenar os conjuntos parciais de objetos entre si na
construção e a marcar as duas dimensões no desenho, mas não chegam às
coordenações de conjunto, nem euclidiana, nem projetivamente; as noções
de semelhança e de proporções também não aparecem ainda. No subestádio
III A, há o início das coordenadas de conjunto euclidianas e projetivas.
Aproximadamente aos 7-8 anos a criança reproduz os modelos pela técnica
da construção imitativa, abstração feita das distâncias exatas e reduções de
escala; nesse nível, apenas as distâncias métricas permanecem inexatas,
porém os sujeitos dispõem os objetos segundo as relações de esquerda ou
direita e de frente ou atrás. Além disso, o plano de visão perpendicular
começa a diferenciar-se do plano visto a 45º. Apresentam-se, entretanto,
planos intermediários com telhados cortados, vistos de lado e vistos de cima.
No subestádio III B há uma melhoria das distâncias e das proporções – as
crianças desse nível reduzem o conjunto das proporções, quer se trate do
tamanho dos objetos, quer do intervalo que os separam. O desenho
topográfico está resolvido no que se refere às posições e às distâncias, à
perspectiva e às proporções. Falta, no entanto, a esquematização capaz de
substituir a representação dos objetos concretos pelo desenho da superfície
ocupada. No estádio IV, o plano esquemático e as coordenadas métricas são
atingidos.
Pode-se estabelecer agora uma relação entre o desenvolvimento de
estruturas cognitivas e a aprendizagem escolar. Sobre os esquemas
topográficos, percebe-se uma passagem do concreto ao abstrato, o que torna
“possível a aquisição das noções escolares relativas aos esquemas
cartográficos e aos eixos de coordenadas”, mais adiante os autores afirmam
que os conhecimentos escolares presentes nas respostas indicam que
nenhuma aquisição de conhecimentos é possível a não ser por assimilação a
esquemas prévios (Piaget e Inhelder, 1993: 465-6).
Na escola, os alunos são submetidos ao ensino de uma série de conteúdos
que nem sempre são assimilados. A assimilação desses conteúdos requer
esquemas e estruturas prévios, cuja gênese prolonga-se através de alguns
anos, caracterizados por formas próprias de pensar. Mas ainda permanece
em nosso espírito a seguinte indagação: se o meio escolar pode favorecer o
desenvolvimento da inteligência, até que ponto esse favorecimento interfere
no processo natural de desenvolvimento cognitivo? Sabe-se que há outros
estudos, igualmente profundos, sérios e pertinentes sobre a psicologia da
inteligência (como os de Vygotsky e Wallon), que contribuem para o
esclarecimento das questões anteriores.

Outras publicações de interesse


Nussbaum (1989) desenvolveu um trabalho detalhado sobre a ideia de
que as crianças fazem da Terra como corpo cósmico, sob um enfoque
cognitivo. O ponto de partida foi o conceito mais primitivo sobre a Terra: é
plana e o céu estende-se paralelamente a esse plano. A transição do
conceito mais primitivo para o científico exige mudanças na concepção de
espaço pelas crianças. A dificuldade cognitiva que as crianças apresentaram,
segundo o autor, decorre da visão egocêntrica do mundo. Parece, no entanto,
que essa dificuldade está relacionada também com aspectos do pensamento
topológico, como a ausência de coordenação de pontos de vista e a
determinação da localização a partir de referenciais do próprio sujeito. Esses
referenciais baseiam-se no esquema corporal, cuja construção estende-se até
a adolescência.
Outra pesquisa interessante sobre a representação do espaço foi realizada
por Isabel Cottinelli Telmo (1986), que fez um estudo experimental com
crianças portuguesas de 8, 10 e 12 anos de uma escola rural e de uma escola
urbana. Elas deveriam desenhar a frente do prédio de sua escola, primeiro de
memória, depois com observação. A finalidade da pesquisa era verificar como
as crianças apresentavam, em seus desenhos, “o espaço na casa” e “a casa
no espaço”. Quanto ao primeiro aspecto, a autora constatou que: a
introdução da terceira dimensão está significativamente relacionada com o
aumento da idade; a inclusão da terceira dimensão na representação das
paredes parece surgir mais tarde e é demonstrada pela habilidade de inclinar
a linha de base da parede; os desenhos feitos por observação revelam mais
sinais de espaço tridimensional que os de memória; há ligeiras diferenças na
presença de elementos da terceira dimensão nos desenhos da frente do
prédio feitos por crianças da zona rural e da zona urbana. Notou, também,
que as crianças diminuem, previamente, o tamanho dos edifícios para
representar a distância, antes de explorarem a ideia de sobreposição. Por
isso parece que elas apreendem primeiro que os sinais da distância afetam a
percepção do tamanho dos objetos, e só mais tarde coordenam essa
informação, colocando um objeto na frente do outro.
Além disso, notou que as crianças da escola rural representam, já com 8
anos, efeitos da distância, o que pode ser devido à escola ser pequena, estar
situada em um plano, rodeada por casinhas isoladas, e pelo fato de as
crianças irem a pé para a escola e observarem sua aproximação durante o
trajeto. As crianças da escola urbana não representam a terceira dimensão
das casas adjacentes porque a escola é grande, cercada por edifícios e por
chegarem de carro e já entrarem no prédio.
Esse estudo mostrou também que uma das chaves para a representação
do espaço tridimensional é o aparecimento da capacidade de usar linhas
inclinadas. O aparecimento dessa habilidade parece estar ligado à descoberta
de que um plano inclinado representa mais uma informação implícita do que
uma informação concreta.
Outro estudo relevante, escrito por Boardman (1988), analisa diversos
relatos de pesquisas feitas na Inglaterra sobre o desenvolvimento de
habilidades para entender mapas. A seguir, algumas dessas pesquisas. Como
se tratam de citações contidas no trabalho de Boardman, elas não constam
na bibliografia, mas são referidas em notas de rodapé.
Charlton (1975) trabalhou com 105 alunos da escola elementar e
constatou que o entendimento dos quatro elementos do mapa (simbolismo,
escala, direção e localização) melhora com a idade, e que a escala e a
localização quando atingidas são extensivas ao entendimento de todos os
mapas. Os outros dois conceitos, simbolismo e direção, parecem depender de
maiores instruções. O simbolismo envolve a habilidade de entender a
realidade que está por trás do mapa, usando uma série particular de
símbolos; foi mais prontamente compreendido em mapas de escala grande,
das vizinhanças, do que em mapas de escala pequena, de áreas mais
distantes. O autor concluiu que o trabalho com mapas para crianças menores
deveria estar baseado em mapas de grande escala da área local, onde é
possível estudá-lo com o reconhecimento do lugar.
Salt (1971) realizou um experimento com 140 crianças de 11-12 anos
sobre habilidades para entender mapas. Percebeu que direção e escala eram
habilidades bem desenvolvidas quando os alunos entravam na escola
secundária. Apesar de que a direção era ainda um problema no final do
primeiro ano do secundário, Salt constatou que os alunos manipulavam bem
a escala quando envolvia apenas cálculos, mas quando tinham que comparar
escalas parece que não haviam adquirido o conceito. Ele sugere que o ensino
da escala é apropriado para crianças com idade de 12 anos, o que está de
acordo com os estudos de Piaget por mostrarem que o entendimento da
proporção depende da obtenção do pensamento operatório formal. As
observações de Salt sobre as dificuldades encontradas pelos alunos para
desenhar planos também estão de acordo com as constatações de Piaget, de
que a compreensão de um plano abstrato requer operações formais e que o
verdadeiro entendimento dos mapas não é adquirido enquanto os conceitos
espaciais necessários para o traçado do plano abstrato não forem adquiridos.
Bartz (1965) fez um estudo sobre as dificuldades encontradas por alunos
na idade de 10 a 15 anos quanto ao uso de atlas escolares. Constatou que
com 12 a 13 anos os alunos se referiam à escala apenas para medirem
distâncias simples. Percebeu que os alunos interpretam os símbolos dos
mapas muito literalmente, considerando-os como elementos principais os
termos escritos. Sua pesquisa ressaltou a importância da clareza e
simplicidade na apresentação da informação para os alunos. Mapas muito
complexos levam os alunos a esquecerem as informações, pois ficam
misturadas umas com as outras.
As pesquisas anteriormente relatadas levam a concluir que, mesmo tendo
atingido o nível operatório formal, os alunos ainda apresentam dificuldades
para entender os mapas. A aquisição da linguagem cartográfica exige um
aprendizado, feito na escola, principalmente em aulas de Geografia, com o
apoio de uma metodologia que possibilite aos alunos superar essas
dificuldades. A proposta apresentada a seguir resulta da busca por essa
metodologia.
Uma proposta metodológica para a construção de noções e conceitos espaciais
Nesta metodologia, parte-se dos seguintes princípios:
1. A representação do espaço deve, inicialmente, decorrer de uma reflexão
sobre o mesmo, através da qual o aluno pondere as relações entre os
elementos espaciais e defina pontos de referência;
2. Os modelos tridimensionais devem servir de passagem para a
representação no plano;
3. As atividades devem ser problematizadas, levando o aluno a buscar
soluções operacionais que envolvam relações espaciais;
4. O aluno deve ter oportunidade de operacionalizar, pessoalmente, os
referenciais espaciais, aplicando-os em situações concretas que exijam sua
iniciativa.
Os objetivos que as atividades propostas visam desenvolver são:
1. A projeção dos referenciais de localização do esquema corporal para os
objetos, definindo relações interobjetos, interpessoas, e interpessoas e
objetos;
2. Desenvolver diversas perspectivas de um mesmo objeto e sua projeção em
duas dimensões;
3. Estabelecer relações proporcionais entre objetos, como base para a noção
de redução e de escala cartográfica;
4. Criar meios de representação inicial com uma simbologia voltada para a
linguagem cartográfica, através de legendas que usem linhas, pontos e
áreas.
Considerando que a maestria[6] sobre o espaço surge da ação sobre
ele, os procedimentos que melhor contribuem para sua aquisição são aqueles
que permitem manipulação e, ao mesmo tempo, instigam a reflexão sobre
como representá-lo através de diferentes meios. Maquetes, desenhos (ou
fotos) das maquetes, sob diversas perspectivas, e projeções desses modelos
no plano são procedimentos que atendem essas exigências.
O ensino do mapa, para respeitar o processo de construção das noções
espaciais, necessita partir de um trabalhopreliminar, no qual a criança
estabeleça relações diretas de si mesma no espaço, dos objetos entre si e
desses no espaço.
A partir das conquistas conseguidas com esse trabalho preliminar,
prosseguindo a construção da representação espacial, o procedimento
adequado será tecer uma trama, puxando fios de dois lados: transferindo
essas conquistas preliminares para um espaço recorrente e inserindo
reflexões sobre espaços geograficamente mais inatingíveis. Não se trata de ir
do espaço próximo ao distante, porque o aprofundamento ocorre no grau de
abstração desses elementos. Assim, os conceitos cartográficos têm prioridade
na definição do trabalho a ser desenvolvido. Organizouse, então, a proposta
em três fases.
A primeira fase consiste em situações de ensino que favorecem a
relação entre o espaço concreto e formas de representação através de
modelos tridimensionais. A relação sujeito-objeto ocorre de forma mais
direta, os referenciais espaciais são topológicos, porém já se estabelecem
formas de representação euclidiana e projetiva. Destacamos como ponto
principal dessa fase a conservação do ponto de vista na representação de
uma área conhecida para atingir a projeção ortogonal.
A segunda fase refere-se a situações em que o uso de modelos
poderá ser dispensado na representação de áreas conhecidas, uma vez que a
noção de redução proporcional da área (escala) e a conservação de ponto de
vista (projeção no plano) já foram desenvolvidas na fase anterior.
Na terceira fase, as situações de ensino exigem conhecimentos mais
abstratos de matemática, como cálculo com o uso da escala, latitude e
longitude, projeções cartográficas e técnicas de representação temática.
É esclarecedor o fato de ter sido feito um detalhamento de atividades
apenas para a primeira fase, a qual se destina à iniciação cartográfica na
escola, e que se encontra no livro Do desenho ao mapa, publicado
pela Contexto.
A intenção era avaliar a adequação da proposta, de modo criterioso, com o
fim de lhe dar uma dimensão mais ampla que a recomendasse como
metodologia de ensino. Realizou-se, então, uma pesquisa para testar a
primeira fase, por meio de uma intervenção, em classes de 4ª e 5ª séries.
A proposta era responder a seguinte questão: Em que um grupo de alunos
que desenvolva o trabalho proposto apresentará melhor desempenho na
representação espacial? Para responder adequadamente essa pergunta,
optou-se por comparar o desempenho desses alunos com o de um grupo de
controle. Colocou-se, então, outras questões: Que critérios deverão balizar
essa comparação? Como averiguar se os resultados obtidos realmente
decorrem da intervenção e não de outros fatores?
Inicialmente, delineou-se um experimento que pode ser considerado do
tipo “quase-experimental com grupo de controle e pré-teste e pós-teste”
(Campbell e Stanley, 1979: 95-7). A fraqueza desse tipo de delineamento
está na possibilidade de se interpretar como efeito da intervenção uma
tendência que poderia ser específica do grupo experimental,
independentemente da intervenção. Ou, ainda, no caso do experimento,
poderiam ter ocorrido situações anteriores semelhantes às propostas, o que
comprometeria a interpretação dos resultados. Isso tanto para um grupo
quanto para o outro. Além disso, os pormenores do processo bem como os
detalhes das produções dos alunos ficariam camuflados sob os escores da
análise quantitativa.
Uma vez cientes desses pontos fracos, decidiu-se realizar também uma
entrevista com uma amostra (25%) dos alunos submetidos ao experimento.
Com a entrevista pretendia-se averiguar situações vivenciadas pelos alunos e
que envolvessem a representação espacial. Foi incluído ainda um exame das
produções de representação espacial feita por esses alunos.
O desdobramento do objetivo principal exposto mais acima implica dizer
que a representação espacial dos alunos do grupo experimental deveria ser
melhor. Como as situações de ensino visavam à estruturação do espaço
euclidiano e do espaço projetivo, esses alunos deveriam apresentar em suas
produções gráficas: conservação de ponto de vista, proporção entre os
elementos e localização a partir de pontos de referência previamente
definidos.
Após o estudo de instrumentos usados por outros pesquisadores, chegou-
se à conclusão de que para manter coerência com os experimentos
realizados por Piaget e seus colaboradores, o instrumento de avaliação
deveria ser um desenho. E, como o espaço explorado foi a sala de aula, a
solicitação de seu desenho sob o ponto de vista vertical pareceu um meio
adequado para a avaliação da representação do espaço. Consideraram-se
aspectos importantes na avaliação do desenho da sala de aulas: a proporção
dos elementos, a ocorrência de rebatimentos, a definição de plano de base e
a localização dos objetos uns em relação aos outros.
Depois foi feita a escolha dos grupos que fariam parte do experimento,
que deveriam ser escolhidos entre as classes de uma escola estadual em Rio
Claro. Indicadores como o nível sociocultural dos alunos, a disponibilidade da
escola e dos professores em participarem da pesquisa e as condições de
ensino pareceram critérios adequados para escolher a escola.
Após a verificação dessas condições para a definição dos grupos, contatou-
se diversas escolas e foram selecionadas duas, entre as quais uma foi
escolhida para a realização do experimento, e a outra para o experimento
piloto.
Decidiu-se trabalhar com a 4ª e a 5ª séries do ensino fundamental (9 até
14 anos), pois nessa faixa etária há a aquisição das estruturas espaciais
projetivas e euclidianas. Para o tratamento dos dados obtidos no pré-teste e
no pós-teste, recorreu-se ao uso de métodos estatísticos não-paramétricos.
Piaget e Inhelder utilizaram o desenho espontâneo para estudar o
desenvolvimento do espaço representativo, tomando por base o trabalho de
Luquet. Serão considerados com os estudos de Jaqueline Goodnow (1979),
porque apresentam referências à representação do espaço, as quais
auxiliaram na definição de critérios para a avaliação dos desenhos.
Registrou-se a ocorrência dos aspectos esperados, para cada um
dos elementos do desenho, atribuindo-lhes valor 1 (um) quando ocorrerem e
0 (zero) quando não ocorrerem, num total de 18 pontos, sendo 6 pontos para
localização, 6 para conservação do ponto de vista e 6 para proporção. Os
aspectos esperados foram:
• Relações Espaciais Topológicas: localização dos elementos uns em
relação aos outros, localização do próprio sujeito na sala de aula;
• Relações Espaciais Projetivas: conservação do ponto de vista nos
móveis, dos elementos em plano vertical e nas pessoas;
• Relações Espaciais Euclidianas: proporção dos elementos uns em
relação aos outros, proporção dos elementos em relação ao plano de
base, forma correta dos elementos e quantidade correta.
As provas do pré-teste e do pós-teste eram as mesmas: prova A –
desenho da sala de aula vista de cima, em uma folha de papel em branco;
prova B – desenho da sala de aula vista de cima, em uma folha com um
plano de base traçado, que correspondia ao piso da sala; os desenhos dos
elementos eram feitos sob comando. Realizou-se um experimento piloto,
cujos testes foram avaliados por um juiz. Para se ter maior segurança quanto
à validade dos critérios que foram estabelecidos, os resultados da avaliação
do juiz foram comparados com os obtidos através de um teste estatístico.
Os dados obtidos no experimento foram comparados, através de provas
estatísticas, em dois momentos:
a) os dados do pré-teste com os do pós-teste de cada grupo do
experimento, e b) os dados do pré-teste do grupo experimental com os do
pré-teste do grupo de controle e os dados do pós-teste do grupo
experimental com os do pósteste do grupo de controle.
Com esses procedimentos pretendeu-se avaliar: 1) se há disparidade entre
os grupos na fase inicial do experimento; 2) o desenvolvimento de cada
grupo decorrido o período do experimento; 3) quais as diferenças e avanços
quanto aos aspectos esperados, no grupo experimental em relação ao grupo
de controle.
Usou-se, no tratamento estatístico dos dados, métodos não-
paramétricos,[7] particularmente o teste “U de Man-Whitney”[8] para a
comparação dos resultados entre o grupo experimental e o de controle, e
para a comparação entre os resultados obtidos no experimento piloto e os
obtidos por um juiz. A prova de Wilcoxon foi usada na comparação entre o
pré e o pós-teste de cada grupo.[9]
Os resultados dos testes da 4a série indicaram melhor desempenho do
grupo experimental nas provas A e B. Notou-se que a presença de elementos
pictóricos, bastante elevada no pré-teste, diminuiu acentuadamente no pós-
teste apenas no grupo experimental, o que reflete uma aproximação do
desenho da sala de aula com o mapa, como fruto da intervenção. A prova B
(com plano de base traçado) teve como efeito a redução da troca de posição
dos elementos (localização) em ambos os grupos.
Os resultados das 5ª séries indicaram que os desempenhos do grupo
experimental e do grupo de controle foram iguais quanto à localização,
tanto na prova A quanto na prova B, mas o grupo experimental demonstrou
um desempenho significativamente superior quanto a ponto de vista e
proporção.
A prova de Wilcoxon indicou que houve um melhor desempenho dos
alunos no pós-teste em ambos os grupos.
Resultados qualitativos foram obtidos por meio de entrevistas feitas uma
semana depois do pós-teste, em uma sala separada, com o uso de um
roteiro[10] e com o auxílio de um gravador. A intenção era averiguar dois
pontos: outros fatores intervenientes no desempenho dos alunos e o que
teria levado os alunos a mudar as formas de representação de uma prova
para outra.
A pergunta sobre a localização dos objetos foi respondida, com
facilidade, pelos alunos de ambos os grupos de 4ª série. A resposta mais
comum foi a de que localizaram os objetos “olhando a sala”. A localização do
próprio lugar pelo aluno também foi respondida com facilidade, porém os
alunos do grupo experimental, sem exceção, deram respostas mais precisas,
usando referenciais preestabelecidos. Os alunos das 5ª séries também
responderam com facilidade à pergunta sobre localização; responderam que
para saber onde era o lugar dos objetos, observavam e desenhavam.
Em suma, a localização dos objetos, no desenho, não apresentou
grandes dificuldades para os alunos. Mas é bom lembrar que essas respostas
referem-se ao pós-teste, e que muitos alunos, em todos os grupos, fizeram
desenhos, na prova A do pré-teste, nos quais os objetos não guardavam
correspondência com as posições que ocupavam na sala de aula. Outra
constatação é a de que as respostas dos alunos dos grupos experimentais
incluíam mais referenciais de localização do que as dos grupos de controle, o
que pode indicar um avanço quanto à construção de coordenadas.
Outro aspecto abordado, na entrevista, foi o de como os alunos
relacionavam o tamanho real dos objetos com aquele representado no
desenho (proporção). Nas respostas, os alunos reconheciam que havia uma
diferença, e que os tamanhos dos objetos no desenho não correspondiam
àqueles da sala de aula.
Na 4ª série de controle, para a prova A do pós-teste, a maior
parte dos alunos respondeu de modo impreciso à pergunta sobre a proporção
entre os objetos.
No grupo experimental de 4ª série, ocorreram mais
respostas comparando o tamanho dos objetos reais e no desenho, eis alguns
exemplos sobre a prova A:
DA (10, 1): “A lousa está maior e a porta deveria ser maior.”
VI (10, 6): “Não, eu fiz um pouco menor, as carteiras tinham que ser maiores.”
Na prova B, a maior parte dos alunos entrevistados no grupo experimental
havia desenhado os objetos de modo proporcional. Registre-se duas
respostas que indicam a ideia de medida: gis (10, 3): “Tinha que medir, eu
não medi nada e desenhei.”
JO (10, 5): “Não, não foi medido, eu fiz de um tamanho diferente.” Vejamos agora algumas
respostas sobre os desenhos do pós-teste das 5ª séries:
FLA (10, 11): “A mesa da professora ficou menor que as carteiras. – Por quê?

– Eu pensei que não ia dar para desenhar muito grande” (prova A do


grupo experimental).
AC (11,2): “A lousa está menor, as carteiras estão menores também” (prova B do grupo de
controle).
Note-se que a relação de proporção não estava clara, principalmente para
os alunos do grupo de controle das 5ª séries. Apesar de
perceberem, no desenho, que alguns objetos estavam muito grandes ou
muito pequenos, não estabeleciam uma relação proporcional ao tamanho
real. Por exemplo, no desenho, as carteiras e a mesa da professora poderiam
ser proporcionais entre si, porém ambas estavam muito pequenas em relação
ao plano de base, o qual deveria determinar o tamanho dos objetos de modo
que fossem proporcionais aos da sala de aula. Justamente esse encaixe de
tamanhos proporcionais – plano de base/objetos – não apareceu na maior
parte dos desenhos.
Nos estudos piagetianos do espaço projetivo, a redução de tamanho
poderia indicar uma perspectiva na qual os objetos ficavam menores. Essa
pode ser uma razão para que alguns alunos tenham feito os objetos bem
menores. Vimos que ao serem questionados, os alunos reconheciam a
relação de proporcionalidade entre os elementos da sala de aula e os do
desenho, porém não foram capazes de expressar, no papel, a diferença
constante entre os tamanhos dos objetos.
Continuando, perguntou-se se o aluno reconhecia, no desenho, algum
objeto que estava representado de modo muito diferente daquele
como se apresentava na sala de aula.
Na 4ª série de controle, apenas três alunos indicaram objetos que
não estavam adequadamente representados:
FEL(10, 4): “O armário. – Por quê? – Porque em cima do armário tem umas caixas e tem um
armário que é mais alto e um que é mais baixo. – Você mostrou isso no desenho? – Não, eu
não sei.”
JANA (10, 4): “As carteiras, porque estão umas maiores e outras menores.”
CRIS (10, 3): “O lixo é perto da mesa e eu fiz perto da lousa.”
Para jana, o problema era de proporção, e para cris, de localização. No
entanto, a resposta mais interessante foi a de fel, ele percebeu que a altura
dos móveis não podia ser representada no desenho.
No grupo de 4ª série experimental, dois dos alunos entrevistados
mencionaram diferenças entre o desenho e a sala de aula, também para a
prova A:
NAT (10, 2): “A mesa, fiz os pés e não dá para ver, de cima não dá para ver. – E por que
você fez os pés na mesa? – Eu antes não sabia.”
GIS (10, 2): “A porta não é assim. – Por que você desenhou assim? – Porque eu não sei de
outro jeito.”
O ponto de vista assumido determinou a inadequação do desenho para
nat. Já para gis, a forma de desenhar parecia inadequada, porém seu
desenho estava correto.
Nogrupodecontrolede5ªsérie,asrespostasafirmativastambémforampouc
IG (12, 1): “A cadeira. – Por que você acha que está diferente? – Porque desenhei só o
quadrado. – Você achou que poderia desenhar assim? – É... difícil desenhar a cadeira, eu
resolvi fazer um quadrado. – E você acha que não estava certo desenhar assim? – Não”.
THI (11, 4): “O armário. – Por que você acha que ele está diferente? – A caixa que está em
cima dele não é assim. – Como seria, então? (faz outro desenho da caixa em um papel) – Por
que você fez diferente agora? – Por que é assim que ela aparece. – Por que você não fez
assim antes? – Não sabia. – Como você ficou sabendo? – Com meu irmão.”
Nesses exemplos, nota-se uma preocupação, por parte dos alunos, em
usar um equivalente que fosse apropriado. Na determinação do equivalente
entram dois fatores: a habilidade para desenhar e o nível de conceitualização
da representação. Parece que há uma compensação entre ambas. No caso de
ig, ele reprovou o equivalente porque tinha ideia de que devia haver uma
semelhança clara entre aquele e o objeto. No segundo caso, thi conquistou
um equivalente mais eficaz, porque estava de acordo com o ponto de vista
dele quando observava a caixa sobre o armário.
No grupo experimental de 5ª série, poucos alunos responderam
às questões, afirmativamente, e quando o fizeram foi apenas em relação à
prova A:
FER (11, 8): “A janela. – Por quê? – Porque de cima a gente vê só uma ripinha”.
AN (11, 11): “Faltam as cadeiras das mesinhas”.
HE (11, 0): “Não dá para desenhar as cortinas”.

Para fer o erro estava na falta de correspondência entre o que foi


desenhado e o que poderia ser visto se assumisse a perspectiva de cima.
Para an e he faltavam objetos, que eles não conseguiram desenhar sob essa
perspectiva.
Em suma, a diferença entre as respostas dos dois grupos de 5ª séries está
clara: no grupo experimental, o ponto de vista determinou a adequação do
desenho aos objetos e, no grupo de controle, essa adequação estava
vinculada à forma do objeto.
A representação do ponto de vistade cima foi abordada usando as
provas A do pré e pós-testes. No pré-teste, essa prova mostra a primeira
representação da sala de aula, que, comparada com a do pós-teste, indica a
evolução das formas dessa representação. Na entrevista, eram apontados
objetos que haviam mudado de representação e pedido ao aluno para
justificar a mudança.
Abaixo estão algumas respostas dos alunos do grupo de controle
das 4ª séries:
FEL (10, 4): “O vaso e o relógio não estão vistos de cima. – Como você deveria fazer para
desenhar visto de cima? – O relógio deveria pôr uma rodelinha assim ... porque só daria para a
pessoa ver isso de cima. – E o vaso? – O vaso, eu teria que desenhar só um buraco ... não ia
dá para ver o vaso; só ia dá pra ver as flores e o buraco do vaso. – E por que você desenhou
diferente no segundo desenho? – Porque eu pensei um pouco melhor e pra não ficar muito
demorado.”
JANA (10, 4): “Neste aqui (segundo desenho) eu já olhei de trás e vi o painel, a mesa da
professora e aí eu resolvi contar as carteiras para pôr idêntico à sala, né, porque são 34 alunos,
eu acrescentei mais. – Por que você mudou a forma de desenhar? – As minhas colegas
falaram que se você for fazer assim não vai dá imaginação, então, eu olhei de frente e de trás
e vi o que dava para fazer. Este aqui como foi a primeira vez a gente não imagina, né?”
Os alunos perceberam que deveriam mudar a forma de representar a sala
de aula no segundo desenho, mudança que resultou de uma reflexão, pois
quase todos mencionaram que “pensaram”, “imaginaram” que deveriam
fazer o segundo desenho diferente. Se considerarmos que esse desenho
(prova A do pós-teste) foi a terceira solicitação para desenharem a sala de
aula vista de cima, é natural que os alunos, desta vez, tivessem mudado a
forma de fazer essa representação.
No grupo experimental de 4ª série as respostas continham
explicações de outra ordem para a mudança na forma de desenhar:
NAT (10, 2): “Por que você acha que este desenho (pré-teste) não está mostrando a sala de
aula vista de cima? – Porque não dá pra ver igual aqui. – O que não aparece?
– Todas as carteiras, a mesa, não aparece assim. – Por que você fez o
primeiro desenho deste jeito? – Porque eu não sabia. – E como você ficou
sabendo? – Por causa da maquete ... quando eu pus a maquete assim e vi de
cima.”
DA (10, 1): “O que não está sendo visto de cima, neste desenho? – Isto, o
armário eu fiz com a porta aberta e olhando de cima eu não ia ver isto e a
chave, eu fiz esta caixa de desligar (o ventilador) e não ia dar para ver ...
– Como você descobriu isso? – Agora eu sei mais como desenhar a classe
vista pra cima do que antes. – O que aconteceu que agora você sabe
desenhar a classe vista de cima? – Eu sei localizar olhando na minha carteira
certa, aqui direita/ esquerda, eu sei imaginar mais, ... isso aqui foi depois
que eu fiz a maquete e eu vi, eu acho que eu sei melhor.”
Quase todos os alunos citaram que foi no trabalho com a maquete que
perceberam como deveriam desenhar a sala vista de cima. Eles perceberam
uma propriedade desse modelo que, por ter os lados fechados, impede a
visão de seu interior através de outros ângulos.
Pode-se concluir, através das entrevistas, que ocorreram aquisições nas
formas de representar e de pensar o espaço por parte dos alunos de ambos
os grupos de 4ª série. No entanto, os alunos do grupo de controle davam
explicações baseadas no próprio desenho para a introdução de novos
equivalentes. Já os alunos do grupo experimental correspondiam as
mudanças no desenho à ação (como medir, contar, fazer e observar).
Vejamos alguns casos concernentes ao grupo de controle de 5ª
série:
IG (12, 1): “Este desenho mostra a sala de aula vista de cima? – É –
Como?
– Em vez de desenhar o pé da cadeira eu só fiz a parte de cima. – E os
outros móveis, também estão vistos de cima? (estavam rebatidos) – O
segundo desenho que você fez está parecido com o primeiro? – Tá. – Tem
alguma coisa que está diferente do primeiro desenho? – Não. – Por que você
fez os dois desenhos iguais?
– Porque eu não me lembrava desse desenho.”
AMA (12, 2): “No primeiro desenho você está vendo a sala de cima para
baixo? – Tô. – E no segundo? – Também. – E por que você mudou o jeito de
desenhar a lousa e a porta (inclinados em relação ao plano de base)? – Para
parecer que está olhando de cima.”
Observa-se que os alunos sabiam dizer como deveria ser o desenho visto
de cima, apesar de nos desenhos os objetos aparecerem rebatidos, mesmo
no pós-teste. Isso pode indicar que, por ocasião dos testes, a representação
sob esse ponto de vista ainda não estava tão clara para a maioria desses
alunos, como nas entrevistas. Cabe dizer que antes da entrevista a
professora explicou os diferentes pontos de vista.
No grupo experimental de 5ª série, todos os alunos
entrevistados justificaram as alterações no tipo de representação devido ao
ponto de vista assumido. Vejamos alguns exemplos:
AN (11,11): “A lousa está desenhada vista de frente... o armário também
está visto de frente. – Como você sabe? – Porque quando é vista de cima não
dá para ver a lousa toda.”
ER (11, 9): “Você falou que tinha que olhar de cima para fazer o desenho. –
Por isso você achou que tinha que desenhar só esta parte do armário? – Eu ia
fazer a divisão ó (aponta o desenho do armário) e eu apaguei. – Por quê? –
Porque está olhando de cima e não está vendo a repartição do armário. –
Você achou que não dava para ver? – Não dava porque de cima era só esta
parte aqui, não tinha repartição e a maçaneta.”
Esses alunos sabiam que o ponto de vista de cima muda a forma de “ver”
os objetos e, portanto, de representá-los. Para alguns era possível fazer uma
distinção entre um desenho visto de frente (o observador está dentro da
classe) e um desenho visto de cima. A característica da resposta dessas
crianças é a de detalhar as diferenças do desenho que não apresenta os
objetos vistos de cima (pré-teste), em comparação com aquele no qual os
objetos guardam esse ponto de vista, indicando o que “dá para ver” e o que
“não dá para ver”.
De um modo geral, os resultados mostraram que os grupos submetidos ao
experimento apresentavam desempenho distinto quanto à representação do
espaço, e que, em todos os grupos, houve uma evolução na forma de
representar o espaço, durante o período do experimento. Porém, os grupos
experimentais apresentaram melhor desempenho quanto à proporção e ao
ponto de vista. Através das entrevistas, notou-se que os alunos desses
grupos mostravam uma noção do processo que os levou a usar formas de
representação mais avançadas.
Com o objetivo de verificar como a representação do espaço foi se
transformando do primeiro para o último desenho, adquirindo atributos mais
generalizados que os aproximassem dos mapas, comparamos a sequência de
desenhos de todas as crianças que participaram do experimento, e, como
exemplo, temos a seguir uma figura com desenhos de um aluno da 4ª série.
O desenho A (prova A do pré-teste) é um exemplo de rebatimentos com
desdobramentos: o aluno desdobrou as paredes em torno do plano de base e
projetou, na superfície de cada uma delas, os objetos, vistos de frente, na
posição que ocupavam. Sobre o plano de base aparecem as carteiras vistas
de cima e o encosto das cadeiras rebatido. A mesa da professora também
está vista de cima. No desenho B (prova B do pré-teste), vê-se que a
introdução do plano de base como chão eliminou parte dos rebatimentos,
sobre o qual todos os objetos deveriam ser desenhados; permaneceram
ainda rebatidas a lousa, a porta e as janelas (cortinas). O tamanho dos
objetos não está proporcional, alguns ficaram pequenos em relação ao
tamanho real, como os armários, e outros ficaram pequenos também em
relação ao plano de base, como as carteiras. No desenho C (prova A do pós-
teste), identificam-se os traços de uma planta baixa: os objetos estão
devidamente localizados com proporção e o ponto de vista ortogonal. Da
mesma forma que o desenho precedente, vemos no desenho D
(prova B do pós-teste) os traços da planta baixa. Nota-se que, a partir do
segundo desenho, a representação foi assumindo características de uma
planta baixa, o que corresponde à passagem do realismo intelectual para o
realismo visual, no qual tem início as representações projetivas e euclidianas.
Piaget e Inhelder comentaram a respeito da possibilidade das atividades
escolares desafiarem as crianças a atingir determinados conhecimentos em
idades mais precoces. Como o meio escolar não inclui a representação do
espaço em suas atividades, o primeiro desenho apresentou traços do
realismo intelectual (desenharam o que sabiam, não o que viam). Mas
bastou uma solicitação mais objetiva para que muitos mudassem o desenho
para um tipo mais avançado.
Outra constatação é que a perspectiva de cima foi representada por alguns
alunos através da inclusão de linhas inclinadas como recurso para indicar a
coordenação de ponto de vista, o que também foi observado por Isabel C.
Telmo e por J. Goodnow. Percebeu-se diferentes maneiras dos alunos usarem
esse recurso, o que é uma estratégia coerente com a visão natural do ser
humano, que vê os objetos a partir de um ponto central, de modo que a
visão de cima não pode ser nunca ortogonal. Portanto, a perspectiva oblíqua,
nos desenhos, como recurso para indicar o ponto de vista de cima é perfeita
e indica uma capacidade avançada. No entanto, não confere com a
representação cartográfica que criou técnicas de projeção ortogonal dos
pontos da superfície terrestre sobre o plano do mapa, o que precisa ser
aprendido para o entendimento do processo de produção do mapa. Esse foi
um dos objetivos perseguidos durante a intervenção. Segundo alguns alunos
disseram na entrevista, foi projetando os elementos da maquete para o
plano que perceberam a “visão de cima”.
Analisando os desenhos, nota-se que, nos grupos experimentais, houve
uma evolução, partindo de representações típicas do realismo intelectual e
atingindo o realismo visual, em quase todos os desenhos. Nos grupos de
controle, constatou-se uma persistência de traços do realismo intelectual,
principalmente nos desenhos da 4ª série.

Conclusões
Através dos resultados quantitativos, das entrevistas e da análise dos
desenhos, podemos dizer que a metodologia de ensino que propusemos
favoreceu, nos grupos experimentais, a elaboração de aspectos mais
avançados na representação do espaço. Os testes estatísticos apontaram um
avanço também nos grupos de controle.
Cabem, agora, algumas conclusões acerca dos procedimentos usados na
pesquisa. A avaliação através da atribuição de pontos aos desenhos deixa
escapar uma visão de conjunto da produção da criança e detalhes que não
constam no protocolo de correção, revelando-se limitada para uma
comparação mais abrangente entre os desenhos.
Outra conclusão relevante refere-se à prova B. Esta, ao que parece,
contaminou a avaliação do pós-teste. No entanto, descobrimos nela os
efeitos de se apresentar um plano de base como pista para a projeção no
plano, podendo ser usada, então, como recurso de ensino, pois engendra a
representação projetiva do ponto de vista de cima.
A teoria psicogenética de Jean Piaget é um paradigma importante para os
estudos da representação espacial, pois possibilita entender o processo de
construção do pensamento, dando elementos para se delinear suas
implicações no processo de ensino. Em outras palavras, se no sistema
projetivo as operações coordenam os dados segundo relações de
reciprocidade, ligando as inúmeras projeções de um mesmo objeto, quando
uma criança diz que, ao ver a sala de aula de cima, só pode ver uma parte
dos objetos (a de cima), podemos dizer que ela pode pensar
simultaneamente mais de um sistema (visto de cima/visto de frente),
coordenando mais de um ponto de vista. Pode, então, entender outros
sistemas de referência, como as coordenadas geográficas.
Para finalizar, a prática do ensino foi retomada: a participação ativa da
criança na construção de formas de representar o espaço, resolvendo
problemas, consiste num caminho para a inteligência, a criatividade e a
autonomia na maîtrise sobre o espaço – “arquétipo da
realidade exterior – a qual é metáfora de toda forma
de maîtrise” (Pêcheux, 1990: 303).
Nota

[*] Originado deUma proposta metodológica para a compreensão de mapas


geográficos. Tese de doutoramento apresentada na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo,
1994.

[1] Schilder, The image and appearance of the human body, London; Kegan Paul, 1935, apud, Marie-Germaine
Pêcheux, Le développement des rapports des enfants a l’espace, Paris, Editions Nathan, 1990, p. 112.

[2] As citações foram extraídas da tradução brasileira de Bernardina Machado de Albuquerque, publicada pela
Editora Artes Médicas, em 1993.

[3] Elaborou-se um quadro comparativo entre essas abordagens (Almeida, 2002, pp. 60-1).

[4] Os estádios correspondem aproximadamente: estádio i, a menos de 4 anos; estádio ii, de 4 a 7 anos;
estádio iii, de 7 a 11 anos; e estádio iv acima de 11-12 anos. As idades correspondentes aos estádios podem
variar (ver o capítulo de Lívia de Oliveira, neste livro).

[5] Sobre as conclusões dos autores, destacam-se os seguintes pontos: 1) o ponto de vista próprio só poderá
dar lugar a uma representação verdadeira à medida que for diferenciado dos outros pontos de vista possíveis;
2) a construção das relações projetivas supõe uma coordenação do conjunto dos pontos de vista – pois um
ponto de vista não poderia existir isoladamente – e, também, a existência de um sistema ou coordenação de
todos os pontos de vista (isso diferencia o espaço projetivo das relações topológicas); 3) outra diferença entre
as relações projetivas e as topológicas refere-se à maneira pela qual as operações se integram às percepções.
No sistema de relações projetivas, as operações consistem em coordenar os dados segundo relações de
reciprocidade” (Almeida, 2002, pp. 66-7).

[6] O mesmo que mestria: “qualidade de mestre [...], perícia, habilidade, destreza”. Novo Dicionário Aurélio da
Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986. Considera-se o termo, também, no sentido de
domínio e controle do espaço quanto à localização, à orientação e ao deslocamento.

[7] Definiu-se a atribuição de valores numéricos em escala intervalar para poder-se aplicar métodos não-
paramétricos, porque podem ser aplicados a dados que não sejam numericamente exatos, isto é, estão
simplesmente em “postos” ou números de ordem. Em segundo lugar, essas técnicas podem ser aplicadas em
pequenas amostras, como é o caso dos grupos do experimento desta pesquisa. E, em terceiro lugar, para
aplicá-las não é necessário fazer suposições sobre a distribuição da população da qual foram extraídos os
grupos para análise, como, por exemplo, se a distribuição da população é normal etc.

[8] A prova “U de Mann-Whitney” foi usada porque é uma das mais poderosas provas não-paramétricas
quando se tem uma mensuração ordinal para comparação entre dois grupos independentes. Essa prova leva
em conta o sentido da diferença entre os grupos. E, no caso, era necessário verificar se o grupo experimental
apresentava melhor resultado do que o grupo de controle.

[9] Essa prova compara amostras relacionadas e exige que se tenha dados ordinais não somente dentro dos
pares, mas também em relação às diferenças entre pares, portanto, é indicada para a comparação desejada
(Siegel, 1977, pp. 85-93 e 131-44).

[10] O roteiro era composto por questões sobre a experiência prévia das crianças com brinquedos e jogos
relacionados com a noção de espaço (miniaturas, maquetes etc.), questões sobre o desenho da sala de aula
na prova A do pós- teste e questões sobre o desenho da sala de aula na prova B do pós-teste.

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APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DE GRÁFICOS NO ENSINO DE GEOGRAFIA
Elza Yasuko Passini

Por que o interesse em desvendar a relação entre sujeito e objeto na


produção e leitura de gráficos? Difícil responder a essa questão.[*] Anos e
anos em sala de aula do ensino fundamental auxiliando alunos a lerem
gráficos... Dificuldades de toda ordem surgiam sem resposta sobre direções a
seguir.
Tenho certeza de que na atualidade as informações proliferam em todas
as direções e em todos os campos na teia do conhecimento e é mais difícil
saber selecioná-las do que acessá-las. Integrar-se a essa teia de informações
e comunicações na construção do conhecimento parece ser tão importante
quanto saber ler, escrever e contar. Os instrumentos eletrônicos auxiliam no
entendimento e na comunicação da linguagem escrita, oral e matemática,
porém, para utilizar os meios eletrônicos de comunicação, precisamos
aprender a organizar os dados, a transmiti-los. Nesse particular, a habilidade
de leitura e construção das representações gráficas[1] parece ser um meio
particularmente privilegiado para participar da era da comunicação, pois as
informações têm organização lógica, prendem-se à essência, portanto
permitem a leitura da síntese com economia de tempo.

Linguagem gráfica e pensamento


O cidadão deve ter habilidades para adquirir informações, através da
leitura e compreensão de linguagens disponíveis:
– escritas;
– faladas;
– não-verbais.
No ensino de Geografia, a linguagem gráfica deve ser incluída ao lado de
outras linguagens não-verbais, no rol das ferramentas que viabilizam as
leituras de mundo.
É importante lembrar que precisamos de autonomia para acessar
informações e selecioná-las para não nos submetermos às interpretações de
terceiros. Por considerar a advertência de Ricupero (1995) muito oportuna,
reproduzi um trecho de seu artigo a seguir:
Ser informado é ser livre. [...] Ser livre é poder escolher, mas, para isso, é preciso saber quais
opções; em outras palavras, é preciso ter informação [...] o que se quer dizer é que burrice
nos vem da falta de informação... e esta decorre de uma educação de qualidade cada vez
mais medíocre, incapaz até de fornecer-nos o instrumento básico de conhecimento do mundo,
que é o manejo das línguas de comunicação internacional. Neste ponto, os povos são como os
indivíduos: os deseducados e desinformados têm muito mais dificuldade em resolver seus
problemas, simplesmente porque, entre outras razões, ignoram até a existência de opções.
(Ricupero, 1995: 2)
Penso que a autonomia precisa ser incentivada nas escolas com
circunstâncias que favoreçam reflexões, pensamentos críticos, criatividade,
proposta de mudanças, tomada de decisões. “Decidir é escolher, e escolher
é, de início, informar-se” (Bertin, 1986).
Penso na autonomia moral e intelectual como par indissociável da
cidadania. Para pensar com lógica, o cidadão necessita de um aprendizado
de:
– ação;
– pensamento;
– ação;
– pensamento;
– ação.
O cidadão caminha com autonomia quando é informado e tem habilidades
para assumir investigações que o possibilitem melhorar seu conhecimento,
suas ações e decisões.
O gráfico possibilita leitura imediata: ele é visual, mostra os dados
organizados de forma lógica, prendendo-se à essência. É uma linguagem
universal que permite ver a informação. E a evolução nos níveis de leitura
ajuda a:
⇒ definir o problema;
⇒ perceber a organização lógica dos dados levantados;
⇒ simplificar os dados sem destruí-los;
⇒ pesquisar novos caminhos e interpretações possíveis;
⇒ comunicar os resultados das investigações;
⇒ propor soluções: mudanças, permanências, novas investigações?

Articulando Piaget e Bertin


Foi uma descoberta “ apaixonante” entender a articulação entre a
teoria psicogenética de Piaget (apud Macedo, s. d.) e a teoria da neográfica
de Bertin (1986)!
Neográfica é o tratamento gráfico da informação com objetivo de
construir uma imagem. Bertin diz que para conseguir uma imagem que “fale”
é preciso que haja interação entre o produtor e o leitor com o gráfico. O
produtor gráfico deve procurar uma comunicação visual eficaz permutando as
linhas e colunas N vezes.
Bertin diz que o gráfico pode ter muitas formas e sugere que tentemos
diferentes ordenações e grupamentos até conseguir uma imagem que “fale”,
ou seja, comunique a relação existente entre os componentes da informação.
Ele propõe que o usuário faça parte do processo na construção do gráfico
numa articulação “viva” entre o usuário e o elaborador do gráfico. Na
afirmação: “o gráfico deve ter uma imagem que fale”, ele se refere às ações
sujeito, tanto elaborador como leitor.
Tanto Bertin (1986) como Piaget (apud Macedo, s.d.) pensam no aluno
que vê, lê e entende o objeto agindo sobre ele. Bertin diz que o objeto
precisa “falar” para ser visto, lido e entendido e Piaget afirma que o sujeito
precisa agir sobre o objeto para desvendá-lo em suas estruturas e assimilá-
lo. Percebemos que a relação sujeito⇔ objeto vista na ótica do sujeito e na
ótica do objeto tornam clara a importância da coordenação entre esses dois
elementos do conhecimento. É o sujeito que constrói o conhecimento por
tentativa e criação, utilizando diferentes operações e diferentes combinações
para desvendar o objeto, avançando, assim, de um conhecimento menor
para um conhecimento melhorado.
Piaget e Bertin concordam que a construção do gráfico na escolha das
colunas, no grupamento, na ordenação são em si exercícios que utilizam as
ferramentas da inteligência e que a ação/reflexão sobre os significantes por
invenção ou reconstrução faz o sujeito avançar para a construção do
significado.

Interpretando os sujeitos agindo sobre os objetos


Tentei entender o sujeito com questionários e entrevistas aplicados a
alunos de 5ª séries, de 10 a 14 anos de idade, sexos feminino e masculino de
escolas estaduais de São Paulo da 16ª Delegacia de Ensino (cogsp). Nos
questionários e nas entrevistas foram utilizados gráficos copiados de livros
didáticos (de 5ª série) como objeto de questionamentos.
Embora a aplicação dos questionários nas duas escolas tivesse
transcorrido sem distúrbios e com tempo suficiente, as respostas dos alunos
não ajudaram muito na análise por serem vagas ou tautológicas.
Por exemplo, para a questão “Qual o assunto deste gráfico?”, as respostas
foram vagas: “Não faço a mínima ideia”, “Nunca vi”,
“Partes”, “Gráfico”.
Muitos alunos pareciam ter dificuldade em entender a pergunta ou em
formular suas respostas.
Alguns alunos misturaram leitura de gráfico e interpretação dos fatos,
utilizando o conhecimento empírico; outros mostraram leitura apenas da
forma do gráfico: compararam as barras em seu tamanho, não diferenciaram
as cores e não explicaram como obtiveram a resposta, “Isso eu vejo
no gráfico”.
As respostas dos alunos confirmaram que eles concebem o gráfico como
desenho e têm dificuldade em:
⇒ distinguir forma e conteúdo do gráfico e extrair a informação;
⇒ estabelecer a ordem;
⇒ fazer a leitura do gráfico como meio de informação.

Nesse gráfico, num total de 71 respostas, apenas 2 foram de leitura eficaz:


“De 1940 a 1980 ela ainda crescia, mas a população urbana já estava
maior e dali em diante a população rural começou a diminuir. Então, até
1991, a população rural já estava pequena. Eu sei disso através do gráfico.”
“Diminuiu, vendo a legenda abaixo observei que o verde representava a
população rural e o vermelho, a população urbana; sendo assim, em 1940
prevalecia a população rural. Já nos anos de 1970 a população urbana
começou a ser maior pouca coisa, em 1991 a população urbana era a que
prevalecia, por isso acho que a população rural diminuiu.”
Nas duas respostas anteriores, percebemos a distinção entre forma e
conteúdo, a observação das duas dimensões do plano para obtenção da
informação e a percepção da ordem com comparação das colunas.
Como as outras respostas nos questionários foram vagas, em sua maioria,
o professor Lino de Macedo, coorientador na elaboração da tese, sugeriu-me
um contato pessoal com os alunos: observações dos procedimentos dos
alunos, conversas informais ou entrevistas. Mesmo sabendo que a
observação e o acompanhamento do aluno trabalhando com gráficos seria
sem dúvida o melhor caminho, optamos pelas entrevistas devido a problemas
de tempo. Foi sorteada uma terceira escola, na qual solicitei que dez alunos
fossem sorteados e encaminhados, cada um, à biblioteca para serem
entrevistados. Mostrei os gráficos a cada um e fiz algumas perguntas sobre
“o que viam no gráfico”, numa média de 10 a 15 minutos de conversa com
cada aluno. Esses alunos da 5ª série do ensino fundamental, com idade
variando entre 11 e 14 anos, sexo feminino e masculino, pareceram
tranquilos e cooperativos.
As respostas dos alunos nas entrevistas confirmaram a hipótese inicial de
que eles têm dificuldades na leitura de gráficos e não lidam com eles de
forma sistemática. Nenhum dos alunos entrevistados leu o título e foi
generalizada a falta de noção sobre gráfico como fonte de informação,
passível de leitura.
Embora eu tenha utilizado três gráficos de conteúdo e forma diferentes na
entrevista, como não houve diferenças significativas no desempenho de
gráfico para gráfico e as dificuldades ou os equívocos pareciam seguir um
padrão. Resolvi fazer a análise com o gráfico de “Chuvas na cidade de
Cuiabá/mt”.

Inicialmente, eles não liam o título para conhecer o conteúdo do gráfico e


os números não estavam indicando a quantidade de chuvas em milímetros.
Tampouco a altura das barras significava a quantidade de chuvas de cada
mês e não houve tentativa em entender as abreviações dos meses (J,F,M).
No primeiro momento, responderam de forma aleatória:
– Nunca vi.
– Não faço a mínima ideia.
– Legal de ser colorido.
Entender que existe uma informação no eixo vertical, outra no eixo
horizontal e uma terceira informação no cruzamento dos dois eixos é o
primeiro passo para a entrada no gráfico: a leitura começa.
Quando apontei o título e o eixo vertical, mostrando que indicavam a
quantidade de chuvas em milímetros e que “J” era janeiro, “F” era fevereiro,
no eixo horizontal, um aluno percebeu a ordem quantitativa acompanhando o
eixo vertical com o dedo para seguir a altura das barras. No primeiro
momento, a percepção da ordem foi apenas da forma, sem significação:
“Tem mais em janeiro, não sei o que é”.
Quando solicitei para ele explicar a diferença das alturas das barras, a
resposta continuou sem significado:
– Quantidade?
– Quantidade de quê?
– Dos cm?
– O que mais você vê?
– JFM.
– Chuva?
– Essas letras têm algum significado?
– Não sei.
Para provocar um avanço, fiz uma pergunta de nível elementar: “Quanto
choveu em abril?”.
Após significação das letras do mês e dos números do eixo vertical e
orientados a seguirem o eixo horizontal (dos meses) em “A” (abril) e
encontrarem a medida de chuva no seu cruzamento com a informação do
eixo vertical (mm = milímetros), alguns alunos chegaram à resposta:
– 125 mm.
Para outros alunos, perguntei “em qual mês choveu 125 mm?”, que
também exige leitura de nível elementar.
– Abril.
A passagem da leitura desse nível para o mais avançado pode ocorrer
quando o leitor percebe relações existentes entre os elementos da
informação: de semelhança/diferença, de ordem, de proporção, e consegue
agrupá-los de acordo com um classificador.
“Qual mês choveu mais?” ou “Qual mês choveu menos” seriam duas
questões de nível intermediário, exigindo que o aluno perceba a relação
entre as barras e identifique a mais alta ou a mais baixa. O raciocínio lógico-
matemático é a estrutura dessa operação que possibilita a percepção da
ordem nessa leitura.
A expectativa do avanço para o nível de leitura global, a percepção dos
grupos e sua classificação não ocorreu. Nenhum aluno conseguiu dizer como
era o regime de chuvas em Cuiabá mostrado no gráfico.
As dificuldades observadas com maior frequência entre os alunos
entrevistados podem ser assim sintetizadas:
A) Leitura apenas da forma, não distingue forma e conteúdo para extrair
informação:
– Vejo quadradinhos, quadrados, letras... pintura.
– Um é maior que o outro.
– Vejo formas diferentes.
– O que significam os quadradinhos?
– Assim, cada pedacinho tem uma coisa.
Eles pareciam não se esforçar em buscar o significado dos números que
indicavam as medidas das chuvas em milímetros, no eixo vertical:
“Números”. A percepção apenas da “forma” foi observada, também, nas
respostas dos questionários: “Servem para mostrar o
crescimento e o caimento de qualquer coisa”.
B) Leitura fragmentada da forma sem conseguir ver o conteúdo global:
– Vejo medidas.
– Medidas do gráfico.
– Pedacinhos.
Difícil afirmar se os alunos têm mais facilidade para a leitura de nível
elementar ou nível de conjunto. Para os dois níveis foi preciso auxiliá-los a
encontrar a informação. Na leitura de nível global, o aluno consegue
visualizar a informação através da observação da imagem: “Tem mais
em janeiro, não sei o quê...” .
– Em quais meses choveu mais e em quais meses choveu menos?
– JJ.
– O que é JJ?
– Junho, julho?
– Em quais meses choveu mais?
– Janeiro, março.
A observação dos procedimentos dos alunos mostrou a importância da
imagem útil, dos princípios da neográfica, a importância de se ver a
imagem, de se construir imagem quefale(Bertin, 1986). Antes de significar,
o aluno percebeu a ordem através da imagem. Certamente se o aluno tivesse
oportunidade de permutar a ordem das barras, o aparecimento das respostas
de conjunto teria sido facilitado.
Esse caminho percorrido pelo aluno na significação das letras (do mês)
mostra o funcionamento da estrutura operatório-semiótica: observa os
significantes (JJ)[2] (observáveis do objeto), operando a distinção forma-
conteúdo, procura significar aquelas letras (JJ) (coordenáveis do sujeito),
observa a forma do gráfico entendendo a sua organização (coordenação do
objeto) e passa a entender que no eixo horizontal as letras (JJ) são os
nomes dos meses abreviados. Entendeu o significado do gráfico como
expressão da quantidade de chuvas após essas coordenações. Certamente
esse sujeito conseguiu melhorar as estruturas envolvidas através das
“operações”.
Percebemos também que o aluno precisa de “ajuda” para buscar o
significado, que ele tem, mas falta-lhe coordenar os dois componentes do
signo: JJ ⇔junho, julho.
O aluno chegou a essa resposta após ajuda: percorrendo o título,
buscando a informação no eixo vertical e no eixo horizontal com o dedo,
explicando o significado das letras e dos números.
– Junho e julho choveu menos.
Essa resposta dada pelo aluno nos mostrou que ele havia chegado ao
significado através da leitura da forma. Seria esse o caminho para melhorar o
desempenho na leitura de gráficos? Ou seja, levantar questões para conduzir
à percepção? Auxiliar o aluno a correlacionar as partes de sua leitura
fragmentada?
Outras crianças pareciam distinguir forma e conteúdo, mas quando pedi
para explicar a resposta se restringiram à forma.
– O que você vê?
– Quadradinhos pintados, números, um é maior
que o outro.
– Onde tem mais?
– ...
– Dá para aprender alguma coisa por meio de um gráfico?
– Mais ou menos.
– O que, por exemplo?
– JJ é junho e julho.
– E o que há em junho e julho?
– ...é menor.
– Menor em que, o que há menos em junho e julho?
– Não sei.
Voltamos a reconhecer a percepção da imagem: Há menos em junho e
julho (mas não sabe dizer seu conteúdo) confirma o caráter monossêmico da
imagem gráfica. Para significar essa imagem, o sujeito precisa da sua
estrutura operatório-semiótica ao mesmo tempo em que a interação (S ⇔ O)
possibilita “melhoramento” dessa estrutura.
Os alunos pareciam não seguir um esquema para desvendar o gráfico,
como iniciar pela leitura do título, da legenda, dos eixos vertical/horizontal
etc. A circunstância presenciada parece indicar que não tem havido um
trabalho, uma educação com os alunos nesse sentido.
Embora os procedimentos dos alunos tenham nos mostrado que eles têm
muitas dificuldades, a leitura melhorada no terceiro gráfico trabalhado na
entrevista nos indicou que orientações simples podem ser auxiliares na
articulação da forma e do conteúdo dessa linguagem. Um dos alunos chegou
a fazer uma leitura imediata no terceiro gráfico, iniciando pelo título,
significando a forma.
Esse trabalho indica outros caminhos a serem perseguidos para uma
continuidade das pesquisas bibliográficas e experimentações nessa linha
metodológica, para que o professor consiga auxiliar o aluno na tarefa de
leitura de gráficos com significação, que, insisto, é importante como
instrumento de “equilibração majorante”.
Conforme a pesquisa avançava, e eu refletia sobre as respostas dos alunos
e lembrava das suas expressões de dúvida, tinha a confirmação de que a
linguagem dos gráficos é complexa e que os alunos precisam de ajuda
específica para lidar com ela. Eles precisam ser alfabetizados, extrair o
conteúdo separando-o da forma, entender os significantes pela leitura da
legenda e buscar a informação no cruzamento do eixo vertical e horizontal.
Embora muitas solicitações tenham sido feitas, durante as entrevistas, no
sentido de observar melhor ou pedir para explicar suas respostas, muitos
pareciam situar suas respostas no terreno da “adivinhação”.
Macedo(1994)dizquenosjogosderegraencontramosnoprimeiromomentoatitud
isoladas, que podem ser classificadas como “ensaio e erro”, assim como
“adivinhação”. Quando o sujeito entende as regras do jogo, as ações isoladas
vão sendo organizadas em esquemas, considerando as possibilidades, as
impossibilidades e as necessidades. O sujeito consegue significar suas ações
perguntando e explicando o que, por que, para que e como
fazer.Pudeperceberessaevoluçãotambémnaleituradosgráficos,reafirmandoanece
de auxiliar o aluno nesses passos, dando-lhes pistas ou solicitando reflexões.
Refletir sobre suas ações ou representações auxilia o aluno a melhorar seu
pensamento para avançar da adivinhação para uma resposta com mais
lógica.
Não houve dificuldade na comparação no que se refere apenas à forma:
tamanho das barras, tamanho dos setores do círculo, altura da linha. Os
alunos estabeleceram a comparação, perceberam diferença, perceberam a
ordem, mas não extraíram o conteúdo:
– Servem para mostrar o crescimento e o caimento
de qualquer coisa.
– Sim, porque dá para saber se aumentou ou
diminuiu.
Foi com muitas pistas e tentativas que os alunos chegaram ao conteúdo,
confirmando-se a dificuldade de distinção forma/conteúdo para extrair a
informação, e pude constatar que a leitura da imagem mostrando
diferenças, ordem, proporção é imediata. Então estava reconfirmada a
assertiva de que a imagem “fala”! Se possibilitarmos ao aluno construir essa
imagem, permutando colunas e linhas, estamos abrindo caminhos para ele
significar a imagem, ou seja, extrair informação.
Embora os resultados tenham tido pontos comuns quanto à análise das
dificuldades, foram as entrevistas que nos levaram a conhecer melhor os
procedimentos dos alunos na leitura significativa de gráficos:
– Não faço a mínima ideia.

Tentei entender a interação sujeito ⇔objeto e a função da mediação do


professor, a coordenação entre produtor/leitor de gráficos.
Para que o aluno melhore o seu desempenho na construção/leitura de
gráficos, é preciso considerar, além de atividades e orientações para os
alunos, alguma intervenção nos outros envolvidos: o professor e o livro
didático.
Enfatizamos a importância de produção e leitura de gráficos como
ferramenta para o cidadão se informar, investigar, buscar soluções para os
problemas identificados. Se o aluno considera a linguagem do gráfico
inacessível e não se interessa em decodificála, é urgente uma discussão
metodológica para desenvolver habilidades de “entrada” no gráfico.
Na interação sujeito⇔objeto, os gráficos dos livros didáticos podem
prejudicar a construção da imagem, acesso à informação, porque não
atendem às normas da gramática gráfica. A ausência do título, encontrada
em vários gráficos, não possibilita ao aluno a primeira leitura, a leitura da
informação externa do gráfico: “De que trata o gráfico?”; não há resposta.
A falta de orientação para observação dos componentes e suas relações é
um problema metodológico que necessita ser revisto. As linguagens gráfica e
escrita ficam lado a lado sem que o aluno seja convidado a observar e fazer
uma leitura comparativa das duas linguagens. Encontrei também livros nos
quais os gráficos são muito pequenos e outros com muita informação; em
ambos os casos a leitura é impossível ou pelo menos desanimadora.
A eleição da construção do conhecimento da ciência geográfica como
instrumento necessário para a formação da cidadania, entendida como
participação responsável, mostra a necessidade de se pensar uma proposta
metodológica que oriente o professor a auxiliar o aluno a “entrar” no gráfico
e melhorar seu desempenho na construção, leitura e interpretação dessa
representação. Na formação de alunos sujeitos de construção do
conhecimento, os professores também precisam ser agentes de
ensino/aprendizagem/reflexão/investigação.
O professor, talvez, tenha mais de um papel diante dos problemas
diagnosticados:
⇒ observar as ações dos alunos para entender como eles articulam forma
e conteúdo para extrair informações das linguagens gráficas;
⇒ auxiliar os alunos a melhorar seu desempenho com gráficos, utilizando
a gramática gráfica;
⇒ escolher livros didáticos que trabalhem de forma responsável com a
linguagem dos gráficos.
Os autores de livros didáticos podem contribuir melhorando a qualidade
semiológica dos gráficos inseridos em seus livros, assim como se preocupar
com a parte metodológica. Seria desejável que os autores e editores
tomassem cuidados em:
⇒ introduzir o gráfico, explicitando a organização dos dados, códigos e
coordenadas;
⇒ manter a correção do conteúdo;
⇒ colocar sistematicamente o título e a legenda;
⇒ não distanciar os gráficos e o texto escrito do mesmo conteúdo;
⇒ incluir chamada no texto para observação do gráfico;
⇒ incluir sistematicamente orientações para que o aluno perceba a
estrutura do gráfico e consiga efetuar a leitura;
⇒ colocar algumas questões para que o aluno busque a informação no
gráfico no nível elementar e no nível de conjunto;
⇒ colocar dados em tabela para que o aluno construa gráficos de
diferentes formas para discussão da imagem, utilizando os princípios da
neográfica;
⇒ distribuir equilibradamente gráfico, tabela e texto escrito para
possibilitar leitura comparativa dessas linguagens, tomando cuidado para que
não haja sobreposição de imagens, poluição e ruído;
⇒ utilizar gráficos com a função de comunicar informações e não colocá-
los apenas para interromper textos longos e suavizar a leitura;
⇒ respeitar a gramática gráfica na utilização das variáveis visuais, o tipo
de gráfico e o tamanho dos gráficos, para permitir visualização clara e correta
dos dados e das suas relações.

Ousadia em propor uma metodologia


Estetrabalho iniciado com a hipótese de que os alunos têm dificuldade na
produção, leitura e compreensão de gráficos me instigou às investigações
teóricas e de campo. O percurso da pesquisa, com a coleta, sistematização e
estudo dos dados levantados, confirmou essa hipótese. Os estudos teóricos
sobre as estruturas do sujeito e do objeto somados às análises das
investigações de campo mostraram a necessidade de um trabalho de
orientação para produção, leitura e compreensão dessa linguagem com
alunos.
Não tenho conhecimento, até o presente e no universo de professores,
livros didáticos e alunos pesquisados neste trabalho, sobre uma conduta
metodológica para “entrar” no gráfico e buscar a informação nele contida,
através de: decodificação, leitura dos eixos horizontal e vertical, leitura das
relações entre os componentes. Principalmente no Brasil não parece haver
trabalhos da neográfica que trabalhem com os alunos na construção de
gráficos, orientando-os a permutar colunas e linhas, reformulando o gráfico e
conseguindo a imagem que “fale”. Os relatos isolados de professores que
dizem “construir gráficos” não seguem uma metodologia fundamentada na
coordenação sujeito ⇔ objeto, como sugerimos neste trabalho, e não
seguem a gramática gráfica de Bertin (1981).
Bertin propõe uma gramática gráfica com utilização da lógica na seleção
das variáveis visuais de forma a manter a coerência na relação existente
entre os dados. Essa estrutura do objeto deve ser conhecida e sua
compreensão facilitada para que o aluno a entenda e a utilize na elaboração
de gráficos. Respeitar as normas da gramática gráfica no tratamento da
informação traz como resultado um gráfico que transmite uma imagem,
expressando claramente a essência do conteúdo. Bertin propõe o gráfico com
mobilidade da imagem, concordando, então, com a proposta de Macedo
(1993 e s.d.) sobre a necessidade de o sujeito agir sobre o objeto para
assimilá-lo.
Bertin defende a necessidade de uma aprendizagem específica, porque diz
que tanto aquele que elabora o gráfico como aquele que o lê deve conhecer
a gramática gráfica.
O ensino de Geografia deixaria de ter uma abordagem descritiva e de
constatações para se tornar problematizadora, instigadora de discussões na
busca de soluções para os problemas. A neográfica possibilita esse caminho
para os alunos e professores, porque através da leitura da imagem o
problema e as possibilidades de investigação e de decisões aparecem.
Advertem os semiólogos gráficos (Bertin,1973, 1986; Gimeno, 1980, 1982;
Bonin, 1981, 1982; Martinelli, 1986, 1990, 1991) que não devemos nos
preocupar em construir desenhos perfeitos, baseados na escolha de símbolos
convencionais, mas em ter uma escolha responsável através da manipulação
dos dados com a finalidade de formar imagens que revelem a relação
existente entre eles. Eles sugerem que essa imagem seja construída e
reconstruída de forma a possibilitar a eficácia da comunicação visual.
As pesquisas bibliográficas realizadas a respeito das representações
gráficas, sua importância metodológica para a aquisição do conhecimento,
assim como as leituras das obras de psicologia do desenvolvimento, nos
encorajaram a pensar na necessidade de introduzir a “alfabetização” para
leitura das representações gráficas desde os primeiros anos de escolaridade.
Macedo (1994) afirma que a passagem de um nível de inteligência ao
seguinte é contínua e ocorre por um processo que Piaget chama de
equilibração majorante. Ele explica que é por meio de regulações dos
desequilíbrios/equilíbrios/desequilíbrios que vai havendo um “melhoramento”
progressivo das estruturas que caracterizam um determinado estágio de
inteligência do sujeito.
Para Piaget, a inteligência relaciona-se com o aspecto cognitivo na medida em que sua função é
estruturar as interações sujeito/objeto. Estruturar, porque interagir significa, do ponto de vista
do sujeito, assimilar o objeto e suas estruturas. Ocorre que ao assimilar, isto é, ao incorporar
exteriores, o sujeito deve acomodar suas estruturas. Assimilação e acomodação são, pois,
duas funções básicas da inteligência, devendo-se considerar, contudo, que não se tem uma
alteração físico-química dos elementos assimilados nem uma modificação orgânica das
estruturas, mas, antes, uma incorporação dos objetos pela atividade do sujeito e um
ajustamento dessa, tendo em vista esses objetos (Piaget, 1976, apud Macedo, 1994: 154).
A afirmação de Piaget (apud Macedo, s.d.), sobre a interação S ⇔ O na
construção do conhecimento e os estudos de Bertin (1973, 1982, 1986),
Gimeno (1980, 1982) e Martinelli (1990, 1991) sobre a utilização de gráficos
e tabelas como instrumento que melhora o raciocínio lógico do sujeito são
claramente complementares. Essa constatação nos encoraja a indicar
caminhos metodológicos que criem contingências problematizadoras para
que o sujeito observe os dados, organize-os dentro do seu entendimento
lógico e elabore o gráfico. A possibilidade de o aluno construir e reconstruir o
gráfico até que consiga a imagem que comunique a informação é um
importante exercício de lógica.
Macedo (1994) nos adverte insistentemente que não devemos partir de
pressupostos teóricos, mas acompanhar os procedimentos do sujeito,
tentando entendêlo enquanto interage com o objeto, desvendando sua
organização mental.
A inter-ação constrói uma relação de reciprocidade em que um age sobre o
outro: o sujeito pode modificar a organização do gráfico, conhecendo sua
estrutura (coordenações do objeto) e pode construir N imagens diferentes
(observáveis do objeto) que melhorem a comunicação da informação. Por
outro lado, essa ação do sujeito sobre o objeto, modificando-o, age sobre o
sujeito também, melhorando suas estruturas da inteligência (coordenações
do sujeito). As afirmações de Macedo (s.d.) nos permitiram ousar considerar
a construção de gráficos na ótica de interação S ⇔ O, como estruturante.
Essa interação (elaborador ⇔ gráfico) pode proporcionar a passagem de um
nível de entendimento/ação para o seguinte “melhorado” na produção/leitura
de gráficos. E por ser estruturante pode abrir possibilidades para que o
sujeito tenha uma estruturação progressiva de “melhoramento” das próprias
ferramentas da inteligência.
Ao observar o gráfico como objeto de análise, o sujeito se depara com a
sua forma e conteúdo e precisa distingui-los. A dificuldade dessa distinção
precisa ser levada em conta na proposta metodológica da “alfabetização”
para a leitura de gráficos, porque a criança não conseguirá agir sobre a
complexidade da linguagem e do conteúdo simultaneamente. A estrutura
operatório-semiótica possibilita à criança dar significado aos significantes,
buscando a relação entre conteúdo e forma. Acreditamos que os trabalhos de
invenção de símbolos e sua decodificação possam ser auxiliares nesse
sentido. Esses trabalhos de codificação precisam ter como ponto de partida o
significado que o aluno constrói em sua mente. Nesse sentido, gostaríamos
de lembrar também os estudos e propostas de Ferreiro (1992) e Azenha
(1994) sobre a importância dos códigos particulares de significados
particulares e sua resignificação.
É importante que o aluno veja a imagem no gráfico e encontre respostas
aos seus questionamentos. A investigação sobre os procedimentos dos
alunos mostrou que o aluno vê a imagem, mas não busca conteúdo.
Na investigação bibliográfica sobre ensino de gráficos, foram encontrados
trabalhos significativos de professores de Matemática, assim como alguns
exercícios de livros didáticos de Matemática do ensino básico[3] que
mostraram caminhos para uma formulação metodológica de uma proposta de
“alfabetização”. Alguns livros didáticos de Matemática para as quatro séries
iniciais do ensino fundamental são indicadores de caminhos para uma
metodologia de alfabetização para produção/leitura de gráficos, porque
propõem atividades para o desenvolvimento das operações lógicas:
diferenciação, classificação, agrupamentos, utilização de coordenadas.
Acreditamos que as orientações para uma pré-aprendizagem de utilização
de gráficos em sala de aula, desde os primeiros anos de escolaridade, sejam
de extrema validade para a melhoria da eficácia da leitura de gráficos dos
alunos e muitas vezes da comunidade escolar como um todo. Essas
orientações deveriam incluir trabalhos sistemáticos como os sugeridos por
Paganelli (1985, 1993), Almeida (1994), Almeida & Passini (1989), Passini
(1993), Le Sann (1989), Santos (s.d.), Simielli (1993) que desenvolvam:
⇒ a linguagem simbólica (codificação/decodificação);
⇒ a verticalidade e horizontalidade como preparação da leitura das
coordenadas; ⇒ a percepção de igualdade e diferença entre elementos
observáveis; ⇒ o estabelecimento de ordem entre elementos conhecidos.
Os cursos de Pedagogia e Normal Superior (curso superior de formação de
professores) deveriam incluir, em seu currículo, disciplinas que
contemplem as questões da alfabetização para produção e leitura de mapas
e gráficos. As secretarias da educação em suas várias instâncias devem
incluir em seus cursos de capacitação e formação continuada de professores,
coordenadores e orientadores questões teórico-metodológicas de construção
e leitura de gráficos, fundamentadas nas teorias da semiologia gráfica de
Bertin, principalmente na neográfica (1973, 1982, 1986), e nas teorias de
Piaget, numa perspectiva que considere o sujeito e o objeto em suas
coordenações.
Os subsídios para professores devem incluir manuais de orientação que os
instrumentalizem e possibilitem trabalhar com seus alunos na produção e
leitura de gráficos, utilizando dados de seu cotidiano, numa verdadeira
interação entre sujeito e objeto, considerando as coordenações:

O estudo dos esquemas do funcionamento do sistema cognitivo que


Macedo (s.d.) utilizou sobre as aquisições da leitura e escrita pela criança
tornou clara a possibilidade de articulação Piaget⇔ Bertin. As etapas de
equilíbrio majorante proposto em diferentes níveis de aquisição melhorada (N
ao infinito) podem ser aplicadas também aos níveis de leitura das leis da
neográfica. Emprestei o esquema que Macedo se utilizou para interpretar as
ações do sujeito, principalmente em relação à utilização das suas
ferramentas da inteligência (ver esquema anterior).

O aluno consegue entrar no gráfico no momento em que passa a entender


que existem informações no eixo horizontal (meses) e no eixo vertical
(quantidade de chuva). Ele segue os eixos e encontra a terceira informação
no cruzamento deles: quantidade de chuva de cada mês, na altura da barra.
Ele chegou à estrutura do gráfico e a leitura que faz é de nível elementar: a
resposta às duas perguntas: “Quantos milímetros choveu em abril?” ou “Em
qual mês choveu 125 mm?”.
O aluno pode melhorar seu nível de leitura, se convidado a perceber a
ordem cronológica no eixo horizontal e fazer nova leitura das barras para
responder às perguntas:
– Em quais meses choveu 125 mm?
– Em quais meses choveu mais e em quais meses choveu menos?
O gráfico pronto é uma representação estática e a ordem cronológica das
barras não permite perceber a ordem da quantidade da chuva, pois ela se
apresenta em uma não-ordem. Bertin (1986) sugere que o aluno recorte as
barras do gráfico e estabeleça uma ordem.

É uma nova leitura que ele consegue fazer, pois ao recortar e ordenar as
barras ele percebe a ordem, comparando as barras manualmente. Essa nova
forma que o gráfico passa a ter é um passo importante para que o aluno
consiga ver a informação e processá-la mentalmente após experiência
concreta. Solicitado aos alunos que façam grupos de muita e pouca chuva,
eles conseguem avançar para leitura de nível avançado, percebendo classes,
ou seja, a sazonalidade nas chuvas de Cuiabá.

Os alunos podem dividir em quantos grupos conforme sua percepção:


muita chuva, pouca chuva e nem tanto, ou apenas dois grupos: muita chuva
e pouca chuva. A percepção da sazonalidade é uma importante conquista
alcançada com a ação de recortar e agrupar as barras, avançando para o
nível avançado, leitura de conjunto.
Ouso afirmar que esse caminho percorrido auxilia também na significação
de conceitos de Geografia, porque ao avançar da leitura pontual de uma
informação sobre a quantidade de chuva em um dado mês para o
entendimento de que há uma sazonalidade, um regime de chuvas, é
entender a dinâmica do clima do espaço geográfico. É por isso que este
trabalho é estruturante, a leitura de gráficos auxilia na compreensão da
Geografia.
Podemos dizer que o avanço nos níveis de leitura do gráfico é simultânea
ao melhoramento do nível de significação de conhecimento, porque ao
retornar para o gráfico inicial, ele lê o gráfico de “Chuvas na cidade de
Cuiabá” nos três níveis:
Quanto choveu em abril? Ou em qual mês choveu 125 milímetros?
Quais os meses menos chuvosos? Ou quais os meses mais chuvosos? Para
a leitura de nível de conjunto: como é o regime de chuvas em Cuiabá?

O melhoramento do conhecimento em diferentes níveis de N que se dá ao


infinito pode levar o aluno a avançar nos níveis de leitura do gráfico, com a
interpretação sobre o regime de chuvas de Cuiabá. Esse percurso de
significação do gráfico auxilia a utilizá-lo como um recurso para a
compreensão dos conceitos de Geografia, deixando de ser mera ilustração.
A passagem pelos níveis de leitura não se dá de forma clara, e podem
ocorrer níveis intermediários, mas certamente as aquisições passam por essa
sequência.
Tentei colocar as diferentes etapas das ações dos alunos e suas conquistas
e a forma como o objeto, inicialmente um amontoado de linhas e
quadradinhos, passa a ter conteúdo, no esquema a seguir:

Para concluir
Restam muitas indagações; no entanto, as pesquisas que realizei
confirmaram a hipótese de que professores e alunos têm dificuldades para
produzir e ler gráficos, assim como os gráficos nos livros didáticos pedem
uma revisão para melhorar a comunicação das informações.
Persegui as ideias de Piaget (apud Macedo s.d.) e de Bertin (1986) quanto
à construção do conhecimento como processo dinâmico, “vivo”, de interações
entre S ⇔O. Nesse processo, modifica o sujeito e seu equipamento cognitivo
que modifica o seu conhecimento anterior, melhorando-o. Conforme Bertin, o
sujeito precisa interagir com o objeto, impor-lhe a forma que melhor
comunique a informação. O objeto assim modificado passa a ser “significado”
e tem a marca do sujeito.
Acredito que na ótica “Piaget ⇔ Bertin” não há um ponto final nos
estudos, mas pretendo colocar aqui algumas constatações como ponto de
partida para novas investigações.
Na interação sujeito ⇔objeto no processo de ressignificação do
conhecimento, fundamentada nos estudos de “Piaget⇔ Bertin”, o gráfico
parece ser um objeto particularmente significativo por possibilitar ao sujeito
interagir em sua elaboração, e assim melhorar a compreensão de conteúdos
através da organização lógica dos componentes e formação da imagem. O
aluno conseguevera imagem sendo construída, as relações aparecerem ou
não. O aluno tem a resposta visual de sua intervenção.
Se idealizado em seus passos metodológicos, considerando as estruturas
do sujeito e do objeto, a “alfabetização para produção/leitura de gráficos”
pode se tornar um projeto significativo como auxiliar no desenvolvimento
cognitivo do aluno e abrir muitas possibilidades de melhoria de compreensão
do espaço, seus elementos e as relações nele existentes.
Por outro lado, considerando o sujeito dessa interação, pode-se perceber
vários caminhos para a continuidade de investigação, como:
⇒ Trabalhos para os ciclos iniciais do ensino fundamental. A aplicação de
trabalhos de vários autores que se dedicam à investigação da cartografia
para escolares pode ser um interessante projeto para avançar das sugestões
testadas para verificação do grau de “melhoramento” que os alunos
apresentam na habilidade de produzir e ler gráficos nas séries subsequentes.
Certamente esse é um projeto coletivo, pois exige um trabalho que
considere, além da aplicação, um acompanhamento sistemático e avaliação
dos resultados.
⇒ Estudo que considere trabalhos introduzindo o gráfico com mobilidade,
utilizando os recursos de informática. Ela muda a velocidade na resolução
gráfica, classificação, ordenação, mas o fornecimento de dados, a
organização dos parâmetros de classificação e o manejo dos dados ainda é
decisão do homem e a máquina é uma ferramenta alternativa para o
trabalho do cartógrafo. Uma pesquisa sistemática de softwares oferecidos
no mercado é nossa obrigação como educadores comprometidos em formar
cidadãos preparados para responder com habilidades e competências às
transformações do meio técnico científico.
⇒ Divulgação de trabalhos, para que haja socialização das investigações e
para que os problemas diagnosticados sejam refletidos coletivamente pela
comunidade envolvida na busca de soluções.
⇒ Ênfase nas funções pedagógicas das representações gráficas, na
disciplina Metodologia de Ensino de Geografia dos cursos de Pedagogia
destinados à formação de professores dos primeiros ciclos do ensino
fundamental.
⇒ Análise sistemática de todos os documentos cartográficos: livro
didático, atlas, caderno de exercícios, mapas murais, tanto impressos como
de mídia. Acredito que esses estudos, que ora proponho, não sejam um
projeto individual, mas coletivo, pois a literatura consultada mostra a
importância de não nos limitarmos a considerar o gráfico como instrumento
apenas da Geografia. Precisamos, sim, de uma discussão sem barreiras, ter
humildade em perceber as próprias limitações e buscar parcerias com
professores de Matemática, Língua Portuguesa, Geometria e todos quantos
se utilizem de gráficos para organizar seu conteúdo.
Acredito que as orientações metodológicas auxiliem os professores a
realizar trabalhos com seus alunos para utilizar gráficos de forma eficaz, uma
vez que aceita sua importância para o desenvolvimento da inteligência e
como ferramenta para participar da comunicação com o mundo, na era de
informação/informatização em que vivemos.
Sugiro que os professores levem em conta o sujeito e o objeto em suas
coordenações, e não transformem o aluno em mero usuário de gráficos
prontos para constatação das
informações.Insistimosqueascoordenaçõesentre[S⇔O]significam“açãosobre”oo
modificando-
o(elaborando/reelaborando).Essasmodificaçõesatuamcomo“melhoradoras”
das estruturas do sujeito, que passa de um estado de equilíbrio a um nível
melhorado.
Ousei chamar o trabalho com gráficos de estruturante, no sentido de
considerar que ele contribui para equilibração majorante do sujeito. Não
devemos esquecer que:
o sujeito pode mais.
explorar esse mais é nossa responsabilidade.

Nota

[*] A tese que deu origem a este capítulo, Os gráficos em livros didáticos de Geografia
de 5ª série: seu significado para alunos e professores, foi elaborada na Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo (feusp), Departamento de Metodologia de Ensino e Educação
Comparada, sob a orientação da Dra. Olga Molina, a quem agradeço ter sugerido esse desvendamento da
linguagem cartográfica como tema das investigações para contribuir na melhoria do ensino de Geografia. Ele foi
iniciado em 1992, com subsídio do cnpq, e a defesa ocorreu em junho de 1996.

[1] Entram nessa categoria os mapas e gráficos.

[2] Corresponde a junho/julho, resposta dada pelo aluno na entrevista.

[3] De 1ª a 4ª séries.

Bibliografia
ALMEIDA, Rosângela Doin de. Uma proposta metodológica
para a compreensão de mapas geográficos. São Paulo,
1994. Tese (doutorado) – feusp.
AZENHA, M. G. De Piaget a Emilia Ferreiro. São Paulo: Ática,
1994.
BERTIN, Jacques. A neográfica e o tratamento gráfico da
informação, Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná, 1986.
__________; Gimeno, Roberto. A lição de cartografia na escola elementar.
Boletim Goiano de Geografia, 2 (1), 35-56, 1982.
BONIN, Serge. Novas perspectivas para o ensino da Cartografia. Boletim
Goiano de Geografia, 2 (1): 73-87, 1982.
__________. Uma outra Cartografia: A Cartografia na
representação gráfica. Tradução mimeo. Prof. Dr. Marcello Martinelli do
original: Bonin, S. Une autre cartographie – la cartographie dans la
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A SISTEMATIZAÇÃO DA CARTOGRAFIA TEMÁTICA
Marcello Martinelli

Desde o mapa da cidade Çatal Höyük, da Anatólia, Turquia, (6200 a.C),


tido como o mapa autêntico mais antigo, e o grafito de Bedolina, da Itália, da
Idade do Bronze (2500 a.C.), até os mapas digitais, aqueles da
telecartografia[1] ou em realidade virtual de hoje, a história da cartografia
temática ocupa um lapso de tempo bastante breve, confirmando-se
praticamente em épocas bem recentes.
Entretanto, desde o fim do século xvi já começavam a aparecer mapas que
representavam fenômenos particulares com objetivos essencialmente
práticos. Eram os mapas hidrográficos, das florestas, das rotas dos correios,
dos limites políticos e aqueles administrativos.
Para Lacoste, a cartografia como tarefa de fazer mapas, que era antes da
Geografia, se consolidou somente no século xix, época em que se definiu o
então mapa especial reportando certo número de conjuntos espaciais
resultantes das classificações dos fenômenos que integram o objeto de
estudo de um determinado ramo da ciência (Lacoste, 1977).
Dando ideia até de um anacronismo, a expressão “cartográfica temática”,
referente a tais mapas, surgiu na Alemanha por volta de 1934, sendo
atribuída a R. V. Schumacher. Até mesmo o vocábulo “cartografia” foi um
neologismo forjado em 1877 pelo português Visconde de Santarém (Santos,
1991).
De criação mais recente ainda é o conceito de “mapa temático”,
introduzido por Creuzburg no Congresso de Cartografia de Stuttgart, em
1952.
Entretanto, não se pode ser categórico ao afirmar a clássica consideração
de que a cartografia apresentar-se-ia dividida em dois ramos distintos: a
cartografia topográfica e a cartografia temática, como aparecem, em geral,
nos manuais dessa disciplina.
Pode-se verificar, que num período bastante curto, de 1966 a 1972,
autores como Wilhelmy (1966), Rimbert (1968), Witt (1970) e Arnberger
(1977) publicaram livros específicos sobre o ramo temático, doutrinando uma
nova disciplina que se completava em si mesma, como uma parte da ciência
cartográfica.
A cartografia temática[*] não surge de forma espontânea; é
historicamente sucessiva à visão topográfica do mundo, essencialmente
analógica. Ela desenvolveu-se a partir do florescimento e sistematização dos
diferentes ramos de estudos operados com a divisão do trabalho científico,
no fim do século xviii e início do século xix.
Essa nova demanda de mapas norteou a passagem da representação das
propriedades apenas “vistas” para a representação das propriedades
“conhecidas” dos objetos geográficos. O código analógico é substituído
paulatinamente por um código mais abstrato. Representam-se, agora,
categorias mentalmente e não mais visualmente organizadas. Confirma-se,
assim, o mapa como expressão do raciocínio que seu autor empreendeu
diante da compreensão da realidade, apreendida a partir de um determinado
ponto de vista: sua opção de entendimento do mundo. É a confirmação de
uma postura metodológica na elaboração da cartografia temática.
Para uma Geografia que inicialmente se preocupava mais com a descrição,
sem explicação, a cartografia tinha como maior incumbência a localização
dos objetos geográficos, além de qualificá-los. A mensagem comunicada
passava a ser recebida apenas através da mobilização das duas dimensões
do plano.
Pode-se considerar como um prenúncio da gradativa transição da
representação topográfica para uma representação temática mais específica
aquela que se chamou cartografia descritiva (séculos xvii e xviii), que tinha o
propósito de inventariar objetos discerníveis, portanto, percebidos como
distintos, compondo o conjunto daqueles que a sociedade em cada época
produziu e considerou pertinentes à sua percepção de mundo.
Nos primeiros mapas tidos como temáticos, naqueles elaborados no século
xviii, pode-se perceber já certa transformação: o mapa deixava de se
preocupar com o inventário e descrição exaustiva de todos os objetos que
podiam ser recenseados à superfície da Terra, para ressaltar apenas um
desses elementos, com vistas à maior compreensão e controle do espaço.
Consolidava-se, assim, um caráter eminentemente prático para essa
cartografia emergente.
Seriam como tais os mapas das rotas dos correios (itinerários e
estalagens), com uma preocupação altamente seletiva, deixando de lado os
demais registros topográficos de base. Pode-se considerar um começo de
explicação, porém, sem ainda uma nítida ruptura da descrição tradicional do
mundo visível. São chamados de mapas prétemáticos (Palsky, 1996).
A cartografia temática nasce, assim, essencialmente positivista, pronta a
atender a exigência da concepção filosófica e metodológica dos vários ramos
científicos da época. Sempre foi seu papel mapear o conhecimento empírico,
a aparência dos fenômenos, a partir de observações e mensuração palpáveis
da realidade, tendo em vista fornecer um instrumental adequado à descrição,
enumeração e classificação dos acontecimentos.
O fato da geografia, nessa concepção tradicional, contar com apenas um
único método de interpretação reflete-se, de certa forma, na maneira como a
cartografia temática representava questões da natureza e da sociedade. A
mesma superfície estatística aplicada às chuvas representada por isolinhas
podia ser empregada para mostrar distribuições espaciais vinculadas à
sociedade, expressas em isopletas.
Outra questão que perdura até nossos dias, fruto dessa maneira Kantiana
de pensar, é a incapacidade da cartografia temática de representar
conjuntamente o espaço e o tempo. São considerados separadamente.
A afirmação de que a Geografia, como ciência de síntese, na busca da
classificação, fez com que a cartografia temática se encaminhasse para a
concretização do mapa de síntese, com o escopo de dar um fecho ao
conhecimento científico.
A sistematização dessa Geografia se deu consoante com a emergência do
modo de produção capitalista numa Europa que já se havia preparado para
promover a passagem do feudalismo para o capitalismo, momento em que a
cartografia forneceu bases seguras para desencadear o processo de transição
(Moraes, 2005).
A crescente vocação da cartografia em busca de uma especialização
aconteceu notadamente no século xviii. Isso foi se operando com uma
gradativa libertação do registro eminentemente analógico, passando a
considerar temas que paulatinamente se acrescentaram à topografia. Essa
nova construção mental na cartografia ficou evidente com a preocupação do
mapeamento do uso do solo: o mapa topográfico foi sendo enriquecido com
acréscimos temáticos (Robinson, 1982).
Embora possa parecer ultrapassada, consideramos aquela dada em 1973,
por Salichtchev para a Cartografia, em termos gerais, uma definição que
ainda hoje, mesmo com as inovações trazidas pela informática e pelas novas
concepções metodológicas da geografia, pode ser considerada válida para a
especificidade da cartografia temática: “Cartografia é a ciência da
representação e do estudo da distribuição espacial dos fenômenos naturais e
sociais, suas relações e suas transformações ao longo do tempo, por meio de
representações cartográficas – modelos icônicos – que reproduzem este ou
aquele aspecto da realidade de forma gráfica e generalizada” (Salichtchev,
1973).
A colocação desse autor mostra claramente que a cartografia não é
simplesmente uma técnica, como hoje se enaltece, indiferente ao conteúdo
que está sendo veiculado. Se ela pretende representar e investigar conteúdos
espaciais por meio dos citados modelos não poderá fazê-lo sem o
conhecimento da essência dos fenômenos que estão sendo representados
nem sem o suporte das ciências que os estudam.
Os mapas temáticos, na sua multiplicidade, muitas vezes são considerados
como da geografia, ao mesmo tempo em que o geógrafo é tido como o
especialista mais competente para esta tarefa. Na realidade, os mapas
temáticos interessam à geografia na medida em que não só abordam
conjuntamente um mesmo território, como também o consideram em
diferentes escalas.
A pluralidade dos mapas temáticos para um mesmo território pode
participar da abordagem geográfica, para a qual não só se conjugam as
interseções dos diferentes conjuntos espaciais que cada tema desenha,
como, também, articulam-se os diversos níveis escalares de representação
condizentes com a ordem de grandeza da manifestação dos fenômenos
considerados.
Assim, de acordo com essa concepção, teremos uma significativa definição
para o mapa temático dada por Lacoste em 1976: “Ele reportaria certo
número de conjuntos espaciais resultantes da classificação dos fenômenos
que integram o objeto de estudo de determinado ramo específico, fruto da
divisão do trabalho científico” (Lacoste, 1976).
Consoante com o momento da nossa atualidade, não se pode falar de
Cartografia, nem de cartografia temática, sem se referir ao mapa, ao
processo através do qual ele é criado e ao contexto social no qual ele se
insere. Nesse intento, a Conferência Internacional da ica/aci de Budapeste de
1989 recomendou a seguinte definição para cartografia: “Organização,
apresentação, comunicação e utilização da geoinformação nas formas visual,
digital ou tátil que inclui todos os processos de preparação de dados, no
emprego e estudo de todo e qualquer tipo de mapa” (Taylor, 1994).

A consolidação dos métodos


O marco inicial do estabelecimento dos métodos de representação para a
cartografia temática teria sido o dos trabalhos realizados por Edmund Halley.
Ao fazer o Mapa dos ventos oceânicos e das monções, em
1686, em escala de planisfério, o cientista teria lançado as bases para o que,
depois, veio a se cristalizar como Método dos fluxos. Ao compor o
Mapa das declinações magnéticas para o Oceano
Atlântico, em 1701, já teria inventado o Método isarítmico, que se
confirmaria bem mais tarde.
Um método de representação que teria sido desenvolvido especificamente
para acréscimos ao mapa topográfico fora o método corocromático,
bem simples na sua concepção. É um método para representações
eminentemente qualitativas para ocorrências em área. Deixando de lado os
mapas das diferentes divisões territoriais, das hierarquias administrativas,
civis ou religiosas, que são apenas inventários sinóticos, que originaram os
atuais mapas políticos, as verdadeiras representações corocromáticas se
deram com o registro da vegetação e dos dados mineralógicos.
Apesar dessas iniciativas, é tido como o primeiro mapa corocromático
aquele desenhado por Milne, em 1800, para a região de Londres e seus
arredores. É original por codificar os usos da terra por cores. Entretanto, com
o objetivo de coordenar categorias dentro de uma lucubração científica, o
que já se configurava como um raciocínio a caminho de uma cartografia
temática, temos que considerar prototiposos mapas mineralógicos de
Buache, de 1746, e de Dupain-Triel, de 1781, para a França, sem deixar de
lado aquele da região norte da Inglaterra, elaborado por William Smith, além
do mapa da vegetação de Schow, de 1823. Podemos perceber que com essas
representações, deu-se claramente o início da ruptura com o mundo visível e
a busca da exploração da variação perceptiva em terceira dimensão visual,
dissociada do espaço em duas dimensões, intrínseca ao mapa como figura do
terreno, como é feito na cartografia topográfica.
A mobilização do método corocromático significa aplicar cores
diferenciadas para as distintas rubricas em suas áreas de manifestação. De
fato, sabemos que a variação de cor tem maior eficácia na discriminação de
objetos. Na impossibilidade de contar com a cor empregamos texturas
compostas por elementos puntiformes ou lineares; os primeiros,
diferenciando-se principalmente na forma, e os segundos, na orientação ou
granulação, tomando-se o cuidado de conseguir resultados de mesmo valor
visual.
O mesmo método pode ser explorado para ocorrências que aceitam uma
classificação ordenada. Essa ordem será transcrita por uma sequência de
cores, das claras para as escuras ou vice-versa.
Dentre as representações ordenadas, levamos em conta, também, aquelas
que transcrevem duas ordens opostas de ocorrências com manifestação em
área.
A realidade uso da terra e cobertura do solo pode ser vista como a
oposição que existiria entre o espaço natural e o produzido pela sociedade
humana, tentando captar a ideia de que a relação do homem com a natureza
vai mudando com o tempo, movimento como fruto da história. A evolução do
homem em sociedade passaria a exigir cada vez mais formas diferentes de
relações com a natureza. Produzir-se-ia, assim, o território usado, o espaço
geográfico.
Para o entendimento dessa “oposição” de movimentos, em permanente
tensão, caberia explorar as cores frias em oposição às quentes, atentando
também para o aspecto, sensorial, psicológico, místico e simbólico das cores:
a sequência das cores frias estaria associada à ordem das situações mais
naturalísticas, enquanto a sequência das cores quentes ficaria vinculada à
ordem dos acréscimos mais condizentes ao meio técnico-científico-
informacional (Santos, 1994).
A forma de expressão essencialmente temática passou a se confirmar com
mais propriedade na cartografia, com a passagem das representações
eminentemente qualitativas e ordenadas para a percepção e expressão das
quantidades.
Até o fim do século xviii, as quantidades eram representadas apenas
mobilizando sua manifestação embutida nas duas dimensões do plano, isto é,
não se mostrava a quantidade da população, apenas a extensão dos lugares
habitados.
As primeiras realizações da cartografia temática quantitativa foram feitas
inscrevendo-se diretamente sobre o mapa, nos lugares de ocorrência, as
quantidades referentes à população, à economia e à produção, extraídas das
estatísticas oficiais.
Dainville aponta o mapa anônimo “Carte Générale de Sévennes”, de 1726,
como o primeiro mapa a introduzir uma quantificação da população. Não o
fez pelo número de pessoas, mas, sim, pelo número de habitações, as quais
foram representadas mediante símbolos figurativos de valores unitários
cumulativos: uma casinha para cada 10 habitações.
Nessa mesma época, entrou em cena William Playfair, que inventou a
“aritmética linear” para ilustrar suas obras, trabalhos de cunho político e
econômico. Tratava-se de um sistema de gráficos estatísticos que foram
desenvolvidos para o Commercial and political atlas, de 1786,
e para o The statistical breviary, de 1801.
Ele idealizou, assim, formas de visualização quantitativa dos dados.
Estabeleceu metodologia para a aplicação de gráficos de linhas e de colunas
às estatísticas financeiras. Ele explica seu método: se no fim de cada dia
empilhássemos as moedas ganhas, cada pilha corresponderia a um dia de
trabalho e a sua altura seria proporcional à respectiva receita. Por esse
método, muita informação pode ser obtida em poucos instantes de
observação. Sem ele, contando apenas com a tabela, seria necessário muito
mais tempo para se chegar ao mesmo entendimento.
Foi do mesmo autor a construção de um gráfico de linhas para representar
a balança comercial da Inglaterra no período de 1770/1782, ressaltando o
saldo positivo com vermelho e o negativo com azul. Com isto, Playfair, em
1786, não só tratou os dados, como também revelou o conteúdo da
informação, dando através de uma visão de conjunto transparência
instantânea à verdadeira situação daquela realidade. A escolha da oposição
entre a cor azul e vermelho mostra com clareza a oposição entre as
operações.
Em 1805, inventou o setograma, apoiado no sistema estabelecido por
Bernouilli, o sistema polar – círculos concêntricos e raios equidistantes que
convergem para um polo. O setograma de Playfair serviu para ilustrar o
relatório Statistical account of the United States of
America, de autoria de Donnant. Tal gráfico representava, nessa obra, a
proporção das superfícies dos estados americanos em relação ao país como
um todo. O círculo era dividido, portanto, em setores condizentes (Holmes,
1991).
O primeiro método para representações temáticas quantitativas a ser
estabelecido foi o método coroplético. Esse método é resolvido
fazendo-se corresponder a uma série estatística de dados agrupados em
classes significativas uma sequência de cores ou texturas que vão do claro
para o escuro. Deveu-se, assim, a Dupin, com a Carte figurative de
l’instruction populaire de la France, datada de 1826, a
elaboração de um primeiro mapa estatístico. Com sua idealização tivemos
uma primeira forma de representar quantidades por variações visuais
sensíveis dissociadas do significado da localização nas duas dimensões do
plano do mapa.
O mais importante a ser ressaltado nessa proposta foi o fato de colocar às
claras a relação entre a instrução popular e o desenvolvimento econômico. A
oposição claro/ escuro tornou-se símbolo, colocando em oposição uma França
já esclarecida contra uma França ainda no obscurantismo. Portanto,
passando à representação de uma escala de valores morais. Assim, esse
mapa constituiu uma imagem eloquente em favor da indústria e das
doutrinas inglesas de civilização e de economia política. Essa cartografia
temática pioneira se associou, dessa maneira, ao discurso do capitalismo
industrial e liberal emergente. Fixaram-se, assim, as bases para uma
progressiva evolução do sistema gráfico de signos em direção à sua
autonomia. (Palsky, 1996)
O método coroplético encontrará firme aplicação, mais tarde, na geografia
do fim do século xix, com Levasseur, sendo recomendado para valores
relativos, com ampla difusão na representação da densidade demográfica,
que será tema clássico da geografia da população. Outros valores relativos,
como os índices e as taxas, seriam igualmente apresentados dessa forma.
Variações relativas no tempo encontrariam também representação segura na
Cartografia dinâmica, quando se faria corresponder aos
agrupamentos de dados, positivos se opondo aos negativos, cores frias se
contrapondo às quentes.
Outra representação quantitativa inventada, também no início do século
xix, primeira no gênero, fugindo da tradição estabelecida por Dupin, foi o
método dos pontos de contagem. Foi definido por Frère de
Montizon ao realizar o mapa “Carte philosophique figurant la population de la
France”, em 1830, para mostrar a distribuição do seu efetivo em valores
absolutos.
A solução gráfica para essa representação consiste em considerar a
variação do número de pontos de tamanho e forma constantes distribuídos
regularmente ou não pela área de ocorrência.
Cada ponto sintetizaria determinado valor unitário: 1 ponto = 200
pessoas. Esse método é adequado para a representação de fenômenos com
um padrão de distribuição disperso, dado em valores absolutos, como, por
exemplo, a população rural e o rebanho bovino. Ele mobiliza apenas as duas
dimensões do plano. Essas dão as posições dos pontos, todos semelhantes e
de mesma significação. O mapa resultante permite-nos uma dupla
percepção: a das densidades, obtidas pela relação entre o preto dos pontos
em contraste com o fundo branco do papel, e a das quantidades, constatadas
através da contagem dos pontos, os quais se adicionam visualmente, com
grande facilidade.
Entretanto, esse método irá se confirmar apenas no início do século xx,
com as contribuições de Finch e Baker, ao publicarem o atlas Geography
of the world’s agriculture, em 1917. Essa obra mostrou a
destreza de se representar, com apreciável precisão, populações com
efetivos reduzidos, em números absolutos e padrão de distribuição disperso.
Por sua vez, Sten de Geer, também em 1917, idealizou acoplar a
representação por pontos de contagem à representação por esferas
proporcionais: os pontos para a população rural e as esferas para a
população urbana. As esferas já tinham sido experimentadas por ele para a
representação da população da Suécia.
Essa solução foi sugerida para a elaboração da Carta da
população do mundo, na escala 1:1.000.000, por obra da União
Geográfica Internacional – ugi. Esferas e pontos foram lançados sobre um
fundo hipsométrico.
Outra reflexão importante que deve ser levada em conta na estruturação
da linguagem da cartografia temática foi a contribuição dada por Lalanne em
1843. Em base à sua teoria sobre a representação gráfica das leis que levam
em conta três variáveis, estabeleceu o que hoje chamamos de gráfico
isoplético, com a aplicação das linhas de igual valor provindas dos
trabalhos de Halley, de 1701, e das isotermas de Alexander von Humboldt,
de 1817. Foi concebido, assim, o método isarítmico.
A aplicação do método isarítmico considera que cada valor que exprime a
intensidade do fenômeno, tomado em pontos localizados e identificados em
(X, Y), constitui uma terceira dimensão (Z). O conjunto desses pontos com
valor Z será visto como uma superfície tridimensional contínua. Sua
representação no plano é a projeção ortogonal das linhas, interseções da
superfície com planos paralelos e equidistantes ao primeiro.
Para construir um mapa isarítmico temos que contar com dados referentes
aos pontos, cuja localização e identificação são conhecidas. A partir dos
valores, devemos considerar quais e quantas seriam as isolinhas
significativas, tomando o cuidado de se conseguir uma boa visualização. O
traçado das isolinhas leva em conta uma interpolação linear que pode ser
feita por vários procedimentos, desde os mais simples até os computacionais
de hoje.
Depois de aplicadas a várias variáveis, como a densidade demográfica,
tais linhas foram confirmando o citado método.
É preciso lembrar que as primeiras tentativas de concepção de linhas de
igual valor, especificamente para a representação geométrica do relevo,
foram empreendidas séculos antes. Tiveram início na forma de linhas de
igual profundidade, para o rio Spaarne, nos Países Baixos, por obra de
Bruinsz, em 1584. O ensaio seguinte também foi no mesmo país, 145 anos
depois, realização trabalhada por Ancellin. Em 1729, Cruquius editou um
mapa das profundidades do rio Merwede (nl) empregando isolinhas.
Em particular, a história da representação do relevo teve início mais
precisamente em 1780, bem antes das teorias de Lalanne. Foi com Dupain-
Triel, que publicou um volume sobre a proposta de Du Carla, o primeiro a
sugerir o uso das linhas de igual valor, tidas como curvas de nível, para a
representação do relevo emerso.
Em 1791, o mesmo Dupain-Triel publicou um mapa em curvas de nível da
França, em escala pequena, porém deficiente, por não contar com uma boa
densidade de dados e por apresentar poucas linhas. Essa realização mereceu
aperfeiçoamento numa publicação posterior, na qual a configuração do
terreno foi confiada à aplicação de cores entre as curvas, preconizando,
assim, a representação hipsométrica.
Porém, só foi com o advento da litografia, permitindo a impressão em
cores, a partir de 1872, e com avanços tecnológicos dessa segunda metade
do século xix, exigindo uma representação geométrica precisa do relevo em
grande escala, que puderam emergir novas gerações de mapas. Esses
confirmaram, no início do século xx, o emprego das curvas de nível, com
ampla difusão, substituindo as hachuras na representação do relevo nos
mapeamentos sistemáticos de detalhe nacionais da Europa.
Com a Revolução Industrial deflagrada no século xviii, dotada de um ápice
de desenvolvimento científico e tecnológico, da metade para o final do século
xix, assistiuse ao início da busca da avaliação da mobilidade dos homens e
das mercadorias. As vias de circulação constituíram um fator básico na
geração de riqueza e desenvolvimento. É nesse contexto econômico que
Minard, em 1845, propôs uma Cartografia dinâmica, abordando os
movimentos no espaço e no tempo. Quando da passagem da representação
por gráficos para a cartografia dos movimentos, instituiu o método dos
fluxos. É a largura do corpo das flechas que percorrem os caminhos
estabelecidos que faz saltar aos olhos as relações de proporção entre os
dados numéricos das quantidades em movimento e assim oferecer um
instrumental daquela cartografia, com pronta aplicação nas questões de
planejamento. Tais representações refletiam a lógica da economia política ao
revelar as dinâmicas espaciais e temporais dos fenômenos.
Apesar de a primeira expressão quantitativa por tamanhos proporcionais
ser creditada a Charles de Fourcroy, com seu Tableau Poléométrique,
de 1782, representando e comparando as superfícies urbanas das cidades da
França, dispostas num gráfico, e confirmada por Playfair, com seus gráficos
de círculos proporcionais de 1801, a sua aplicação aos mapas foi levada a
efeito pioneiramente por Harness e Bollain, para a cartografia da população
entre 1837 e 1844.
Entretanto, o crédito definitivo da efetivação do método das
figuras geométricas proporcionais foi dado a Minard em 1851,
ao aplicá-lo a fenômenos econômicos, como à própria contagem da
população na representação em mapas. Minard explorou o método na
confecção de sua “Carte figurative des principaux mouvements des
combustibles minéraux en France en 1845”.
A aplicação desse método considera o traçado de figuras geométricas,
geralmente círculos, com áreas proporcionais aos valores absolutos que
quantificam determinado aspecto, lançados nos locais dos acontecimentos ou
centrados nas áreas que contabilizam suas quantidades.
Um pouco mais tarde, o mesmo Minard apresentou uma variante do
método das figuras geométricas proporcionais.Explorou a representação com
a divisão do círculo em setores proporcionais às parcelas do total, coloridos
seletivamente conforme a espécie dos componentes considerados. Essa
proposta acabou concretizando a aplicação da ideia do setograma de Playfair
ao mapa. Com a divisão do círculo proporcional oferecer-se-ia a oportunidade
para a representação analítica de inúmeras estruturas.
Podemos considerar como movimento que deslanchou a cristalização de
uma metodologia para a cartografia temática o da apresentação de uma
primeira classificação dos métodos de representação, até então
estabelecidos. Ela foi exposta ao Terceiro Congresso Internacional de
Estatística realizado em Viena, em 1857, idealizado, como outros, por
Quételet.
Nessa comunicação, os métodos de representação foram organizados em
correspondência às grandes categorias do conhecimento em resposta às
questões – “o quê?”, “quanto?”, “onde?” e “quando?” Ela contemplou como
formas de representação tanto mapas como gráficos, abarcando, além das
representações estatísticas, as demais formas gráficas, inclusive aquelas
eminentemente topográficas.
Em 1874, Mayr apresentou uma contribuição fundamental para a clareza
da cartografia temática. Ele classificou as representações gráficas
distinguindo, de forma cristalina, aquelas que são feitas mediante gráficos
daquelas realizadas através de mapas.
Nos anos 1950, a cartografia como um todo, e a cartografia temática, em
particular, ganhou uma intrigante contribuição, sendo colocada num contexto
paralelo ao da linguística de Saussure, ciência da linguagem verbal humana,
sistema de signos, sistematizada bem no início do século xx, portanto, dentro
do pensamento estruturalista. O artífice desse feito foi o professor Bertin, na
época diretor do Laboratoire de Graphique da École des Hautes Études en
Sciences Sociales de Paris, que desde então vinha lucubrando tal realização.
Ele estabeleceu a representação gráfica ou, simplesmente,
gráfica, como gramática da linguagem para os mapas, os gráficos e as
redes,[2] apoiada nas leis da percepção visual. Portanto, ao instituir uma
linguagem gráfica confirmou também uma Sémiologie graphique,
título dado à sua obra de 1967.
A representação gráficaé um domínio bastante específico. Ele se
inclui no universo da comunicação visual, que por sua vez faz parte da
comunicação social. Participa, portanto, do sistema de sinais que o homem
construiu para se comunicar com os outros. Compõe uma linguagem gráfica
bidimensional, atemporal, destinada à vista. Tem supremacia sobre as
demais, pois demanda apenas um instante de percepção. Se expressa
mediante a construção da imagem – forma, em seu conjunto, captada num
lapso mínimo de apreensão – porém –, distinta do grafismo, da imagem
figurativa, como a fotografia, a pintura, a publicidade, de características
polissêmicas (significados múltiplos). Integra, ao contrário, o sistema
semiológico monossêmico (significado único).
Sua especificidade reside essencialmente no fato de estar
fundamentalmente vinculada ao âmago das relações que podem se dar entre
os significados dos signos. Interessa, portanto, ver instantaneamente as
relações que existem entre os signos que significam relações entre objetos,
deixando para um segundo plano a preocupação com a relação entre o
significado e o significante dos signos. Dispensa qualquer convenção
constituída. É o domínio das operações mentais lógicas.
Para cada um de nós, ela conota algo. Há, portanto, ambiguidade.
A representação gráfica é monossêmica. Há somente uma
maneira de se dizer visualmente que a indústria “A” emprega quatro vezes
mais trabalhadores que a indústria “B”. A indústria “A” é um quadrado quatro
vezes maior que aquele que representa a indústria “B”. Não há ambiguidade.
Portanto, a tarefa essencial da representação gráfica é
transcrever as três relações fundamentais – de diversidade, de ordem e de
proporcionalidade – que se podem estabelecer entre objetos por relações
visuais de mesma natureza. A transcrição gráfica será universal, sem
ambiguidade.
Assim, a diversidade será transcrita por uma diversidade visual, a ordem,
por uma ordem visual e a proporcionalidade, por uma proporcionalidade
visual. Saber coordenar tais orientações significa dominar a sintaxe dessa
linguagem (Bertin, 1973, 1977; Bonin, 1975; Gimeno, 1980; Bord, 1984;
Bonin e Bonin, 1989; Blin e Bord, 1993; Martinelli, 1990, 199l, 1998, 1999,
2003).
A construção de mapas dentro desse entendimento exigirá ainda
atentarmos para duas questões básicas: quais são as variáveis
visuais de que dispomos e quais são suas respectivas propriedades
perceptivas?
Ao cair um pingo de tinta sobre uma folha de papel branco, imediatamente
percebemos que ele está em determinado lugar em relação às duas
dimensões do plano.
Essa marca visível, além de ter uma posição, pode assumir modulações
visuais sensíveis. As duas dimensões do plano, mais seis modulações visuais
possíveis que a mancha visual pode assumir, constituem as variáveis
visuais.
Ao considerarmos as duas dimensões do plano e variando-as na terceira
dimensão visual construiremos a imagem.
As variáveis visuais são: tamanho (do grande ao pequeno), valor
(do claro para o escuro), granulação (da textura fina à grosseira), cor (as
cores puras, espectrais), orientação (horizontal, vertical e oblíqua) e forma
(quadrado, círculo, triângulo etc.).
As duas dimensões do plano, o tamanho e o valor são ditos Variáveis da
Imagem, pois constroem a imagem.
Em contrapartida, a granulação, a cor, a orientação e a forma são ditas
Variáveis de Separação, pois separam apenas os elementos da imagem, sem
revelar a figura que seu conjunto constrói.
Essas seis variáveis visuais mais as duas dimensões do plano, portanto,
num total de oito, têm propriedades perceptivas que toda
transcrição gráfica deve levar em conta para traduzir adequadamente as três
relações fundamentais entre objetos: relações de diversidade (≠), de ordem
(O) e de proporcionalidade (Q):
• Percepção dissociativa (=/) – a visibilidade é variável: afastando
da vista, as categorias somem sucessivamente (tamanho, valor).
• Percepção associativa (=) – a visibilidade é constante: as categorias
se confundem; afastando-as da vista não somem (forma, granulação,
orientação).
• Percepção seletiva (≠) – o olho consegue isolar os elementos (cor,
tamanho, valor, granulação, forma).
• Percepção ordenada (O) – as categorias se ordenam
espontaneamente (valor, tamanho).
• Percepção quantitativa (Q) – a relação de proporção visual é
imediata (só o tamanho).
As duas dimensões (X, Y) do plano identificam a posição do lugar.
Constituem a referência. Respondem ao“onde?”. Caracterizam a ordem
geográfica: a localização de São Paulo não pode ser permutada com a de Rio
Claro. É o domínio da cartografia topográfica.
Mas os mapas podem mostrar algo mais do que apenas a posição dos
lugares, isto é, fazer mais que responder à questão “onde?”. Eles podem
dizer muita coisa sobre os lugares, caracterizando-os. Entra-se, assim, no
domínio da cartografia temática.
A fim de representar o tema, seja no aspecto qualitativo (≠), ordenado
(O) ou quantitativo (Q), com manifestação, seja em pontos, linhas ou áreas,
temos que explorar a terceira dimensão visual (Z) mediante variações visuais
sensíveis com propriedades perceptivas compatíveis.
O aspecto qualitativo ( ≠) responde à questão “o quê?”,
caracterizando relações de diversidade entre os conteúdos dos lugares ou
conjuntos espaciais. O aspecto ordenado (O) responde à questão “em que
ordem?”, caracterizando relações de ordem entre os conteúdos dos
lugares ou conjuntos espaciais. O aspecto quantitativo (Q) responde à
questão “quanto?”, caracterizando relações de proporcionalidade entre
os conteúdos dos lugares ou conjuntos espaciais.
Deve-se também a Bertin a invenção de um único método de
representação realizada nesse mesmo século. Ele o apresentou em 1967,
como solução ideal para a expressão quantitativa de fenômenos com
manifestação em área. Mostra uma similaridade com o método dos pontos de
contagem idealizado por Montizon e o das
figuras geométricas proporcionais proposto por Minard. É o método da
distribuição regular de pontos de tamanhos
crescentes, que os coloca regularmente dispostos em toda a extensão da
superfície de ocorrência. Apesar de hoje não apresentar dificuldades de
construção, quando executado por software convenientemente concebido,
não teve grande difusão como os outros métodos.
Esse procedimento leva imediatamente a uma dupla percepção: a das
densidades, dada pela imagem binária construída mediante a relação entre o
preto dos pontos em contraste com o fundo branco do papel, e a das
quantidades, obtidas multiplicando-se o valor numérico do ponto pelo
número deles existentes no interior de cada unidade espacial. Tem a grande
vantagem de excluir completamente a interferência do tamanho da área de
observação. É nesse tópico que Bertin defende a supremacia desse método
de representação quantitativo para fenômenos com ocorrência em área,
sobre os demais inventados até então. A legenda será dupla. Os tamanhos
escolhidos como referenciais se reportarão seja às quantidades, seja às
densidades.
Em plena revolução tecnológica operada de forma mais incisiva na
passagem do final do século xx para o início do século xxi, já podemos
vislumbrar certas orientações para a consolidação de uma cartografia
temática mais consistente. A própria concepção de cartografia, hoje dita
geomática, tem incorporado o conceito de visualização científica, já aplicada
com sucesso em outras áreas do conhecimento. A visualização cartográfica
tornou-se conceito central para a moderna cartografia. Não equivale à
cartografia, porém afeta seus três aspectos fundamentais: novas técnicas de
produção cartográfica, comunicação e cognição. Visualização tem a ver com o
conteúdo, portanto, deverá ser considerada no contexto sociocultural no qual
a informação cartográfica será empregada.
Sem dúvida, todos avanços possibilitarão à cartografia grande agilidade e
barateamento na obtenção de seus produtos. Mas muito mais importantes
serão os acréscimos qualitativos, que permitirão interações com
incontestável incremento na compreensão de ampla gama de assuntos. Daí
emerge uma cartografia, mais dinâmica, flexível, multidimensional e
interativa, na qual a manipulação dos dados espaciais promoverá
consistentes mudanças nessa ciência.
Assim, pode-se dispor, principalmente em ambiente multimídia, de dois
novos e essenciais modos de expressão: a interação e a animação. A
interação requer um tempo para que o analista planeje uma mudança
desejada na representação. A animação, por seu turno, exige um tempo para
expressar mudanças de posições e/ou de atributos dos elementos gráficos,
numa sequência de exposições (Di Biase, D. et al., 1994).
Na animação cartográfica, acrescenta-se à dimensão espacial o tempo de
manifestação. Assim, uma série de variáveis pode ser aplicada para controlar
a animação. Algumas delas, chamadas de variáveis de
visualização dinâmica, foram propostas ensejando estabelecer
uma sintaxe apropriada (Di Biase, D. et al., 1992; Mac Eachren, A. M., 1994;
1995).
Contamos, assim, com as seguintes variáveis de visualização dinâmicas:
– Data da manifestação (data em que se inicia a mudança);
– Duração (intervalo de tempo entre dois estados identificáveis);
– Frequência (número de estados distintos por unidade de tempo);
– Ordem (sequência de cenas);
– Taxa da mudança (diferença na magnitude da mudança por unidade de
tempo para a sequência de cenas);
– Sincronização (correspondência temporal entre duas ou mais séries
temporais);
– Forma de transição (modo de a mudança ocorrer: em área, linha, ponto,
insular.).
Por outro lado, Lobben, de uma forma clara e didática, considera quatro
categorias de animação: Animação por séries temporais (para
mudanças ao longo do tempo),Animação das áreas(para variações
da posição do observador, vislumbrando a representação que é fixa),
Animação temática (para variações de tempo e de variáveis, com
localizações fixas), Animação de processo (para apreciar o
movimento e as trajetórias, ensejando apreciar a evolução de processos)
(Lobben, 2003).
A multimídia interativa tem a vantagem de integrar imagem, texto, som e
movimento, com grande potencial de aplicação na educação, na pesquisa e
no entretenimento. Para a apresentação da informação espaço-temporal, a
multimídia tem hoje, como poderoso aliado, o uso da animação. A animação
acústica também pode vir complementarmente.
As aplicações da multimídia podem ser implementadas empregando a
hipermídia. Ela inclui a navegação em material armazenado em várias
mídias: texto, grafismos, efeitos sonoros, música, vídeo.
A possibilidade de uma cartografia virtual, por sua vez, se insere no
domínio da realidade virtual. Ela estaria no contexto dos sistemas
computadorizados dotados de ampla série de aplicações tridimensionais e de
multimídia, que passariam a ter a habilidade de combinar, com grande
impacto sobre os sentidos dos usuários, uma interação entre a experiência
com o mundo real e o material gerado por computador (Artimo, 1994).
A telecartografia se apresenta como uma inovação que, graças à internet,
colocará em rede mundial mapas acessíveis a todos. Da mesma forma, os
atlas eletrônicos possibilitarão ao grande público um acesso dotado de
animação, interatividade, análise e simulação.
Como questão metodológica se coloca, também, a problemática da
concepção do mapa de síntese. Acartografia de síntesetem sido
aplicada à geografia desde o início de sua sistematização, quando colocada
como ciência empírica, principalmente ao se preocupar com a conclusão de
trabalhos científicos, no afã de classificar os fatos referentes ao espaço,
propondo tipologias formais. Estas eram obtidas a partir de análises por
indução da realidade que se expõe ao domínio dos sentidos em seus
aspectos visuais, mensuráveis, palpáveis.
Na proposta de Vidal de La Blache, da década de 1870, os estudos de
geografia regional, após um encaminhamento completo de análise, como
monografias em capítulos, culminariam com uma tipologia, uma síntese. A
conclusão era constituída por uma série de mapas temáticos referentes a
cada capítulo, os quais, por sobreposição, desenhavam a síntese das relações
entre os componentes da vida regional.
No mapa de síntese, não podemos mais ter os elementos em superposição
ou em justaposição, e sim a fusão deles em tipos – unidades taxonômicas.
Isso significa que deveremos identificar agrupamentos de lugares
caracterizados por agrupamentos de atributos ou variáveis.
Hoje, a cartografia de síntese conta com um grande aliado – os Sistemas
de Informação Geográfica. Eles apresentam um conjunto de funções voltadas
à integração de dados. Cada mapa analítico do conjunto de componentes da
realidade é um layer distinto que entra no sistema. O passo seguinte se dá
já dentro do ambiente de trabalho do sig. No processamento dos dados
mapeados, deve ser feito um controle de redundância entre mapas para
eliminar o mesmo dado referente a um mesmo conjunto de pixels, o que será
feito pela análise dos componentes principais. Os mapas que
significam os componentes principais escolhidos submeter-se-ão a uma
análise de agrupamento, fornecendo os grupos mais importantes
de pixels que irão corresponder aos tipos espaciais (Ferreira, 1997).
Em geral, a cartografia de síntese é pensada em relação a situações
estáticas. Mas se pode elaborá-la também para abordagens dinâmicas. Pode-
se considerar o caso que leva ao estabelecimento de tipos de evoluções no
tempo de algum fenômeno.
Para se chegar a essa síntese é necessário fazer um tratamento dos
dados. Ele poderá ser elaborado a partir da coleção de gráficos evolutivos.
Todos os gráficos evolutivos construídos em nível analítico serão
classificados visualmente, aproximando aqueles que mais se assemelham,
procurando formar grupos com características similares de evolução. Cada
grupo constituirá um “tipo” que será qualificado na legenda por epítetos
específicos e concisos.
Considerações finais
Temos convicção de que, em base a todas as contribuições que vieram
desde o Terceiro Congresso Internacional de Estatística de 1857 até a
atualidade, pode-se assumir uma proposta de orientação metodológica para
a cartografia temática, com uma estrutura lastreada na seguinte postura: os
mapas temáticos podem ser construídos levando-se em conta vários
métodos, cada um mais apropriado às características e às formas de
manifestação (em pontos, em linhas, em áreas) dos fenômenos considerados
em cada tema, seja a abordagem qualitativa, a ordenada ou a quantitativa.
Pode-se também empreender uma apreciação sob o ponto de vista estático,
constituindo a cartografia estática, ou sob o dinâmico, estruturando a
cartografia dinâmica. Devemos salientar, ainda, que os fenômenos que
compõem a realidade a ser representada em mapa podem ser vislumbrados
dentro dos níveis de raciocínio, de análise ou de síntese. Nesse sentido,
vamos ter, de um lado, uma cartografia analítica – abordagem dos temas em
mapas analíticos, atentando para seus elementos constitutivos, mesmo que
cheguem à exaustão, através de justaposições ou superposições –, e de
outro, uma cartografia de síntese – abordagem temática em mapas de
síntese, tendo em vista a fusão dos seus elementos constitutivos em “tipos”.
Por fim, depois de prontos, os mapas podem propiciar, em termos de
apreensão, ou uma leitura em nível elementar ou uma visão de conjunto.
Apresentamos, assim, a estrutura que articula as representações da
cartografia temática, de maneira a possibilitar a indicação dos métodos
apropriados que deverão ser adotados:
1. Formas de manifestação dos fenômenos
– Ponto
– Linha
– Área
2. Apreciação dos fenômenos
– Estática
– Representações qualitativas
– Representações ordenadas
– Representações quantitativas
– Dinâmica (aceita animação cartográfica)
– Representações das variações no tempo
– Representações dos movimentos no espaço e no tempo
3. Nível de raciocínio
– Representações analíticas: representação dos elementos constitutivos
– Lugares caracterizados por atributos
– Representações de síntese: representação da fusão dos elementos em
tipos – agrupamentos de lugares caracterizados por agrupamentos de
atributos
4. Nível de apreensão
– Mapa exaustivo: todos os atributos sobre o mesmo mapa – leitura em
nível elementar
– Coleção de mapas: um mapa por atributo – visão de conjunto

Nota

[*] Este capítulo tem como base o trabalhoAs representações gráficas da Geografia: os
mapas temáticos.Tese de Livre Docência apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, em 1999.

[1] Cartografia a distância.

[2] Redes: representações gráficas específicas, como os organogramas, os dendrogramas, os fluxogramas e


os cronogramas.

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A ORGANIZADORA

Rosângela Doin de Almeida


Mestre e doutora pela Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo (usp), é livre-docente em Prática de Ensino de Geografia pela Unesp.
Lecionou Geografia em escolas de ensino fundamental e médio, em São
Paulo, durante 12 anos, e Prática de Ensino de Geografia na Unesp. Publicou
artigos em revistas científicas nacionais e estrangeiras, sendo coautora do
livro O espaço geográfico: ensino e representação e autora
de Do desenho ao mapa: iniciação cartográfica na
escola, ambos da Editora Contexto.
OS AUTORES

Elza Yasuko Passini


Mestre e doutora pela Faculdade de Educação da usp. Lecionou Geografia
em escolas estaduais do Estado de São Paulo por 25 anos. Atualmente,
leciona Prática de Ensino de Geografia e Metodologia de Ensino de Geografia
na Universidade Estadual de Maringá. Publicou diversas obras na área, como
Espaço geográfico: ensino e representação, publicada pela
Contexto.

Janine G. Le Sann
É graduada e mestre em Geografia pela Université de Rouen e doutora em
Geografia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales. Foi professora
do Departamento de Cartografia da Universidade Federal de Minas Gerais.
Atualmente, desenvolve consultorias em Ensino de Geografia e formação
continuada de professores e é professora do mestrado em Turismo e Meio
Ambiente do Centro Universitário una (Belo Horizonte). Publicou diversos
atlas escolares e livros didáticos na área.

Lívia de Oliveira
Professora titular do Departamento de Geografia da Unesp, é doutora pela
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (então integrante da
Unicamp) e livre-docente pelo Instituto de Geociências e Ciências Exatas da
Unesp, Rio Claro. Escreveu inúmeros artigos nas mais diversas revistas
brasileiras sobre educação geográfica, percepção e cognição do meio
ambiente e cartografia escolar.

Marcello Martinelli
Professor associado do Departamento de Geografia da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da usp, é doutor em Geografia Humana
e livre-docente em Cartografia Temática. Atualmente desenvolve pesquisas
de cunho metodológico e orienta graduandos e pós-graduandos em mestrado
e doutorado, com especial atenção à cartografia temática, ambiental, do
turismo e para atlas geográficos para escolares. É autor de atlas geográficos
e livros sobre cartografia temática, entre eles, Mapas da geografia
e cartografia temática, publicado pela Contexto.

Maria Elena Simielli


Mestre e doutora pelo Departamento de Geografia da usp, é livre-docente
pela mesma Universidade, onde também lecionou disciplinas na área de
Cartografia. Atualmente, permanece como professora da pós-graduação,
orientando nas áreas de Cartografia e Ensino de Cartografia. Tem diversos
livros publicados na área, entre eles, é coautora de Geografia na sala
de aula, publicado pela Contexto.

Regina Araújo de Almeida


Professora doutora da usp, desenvolve suas atividades de docência,
pesquisa e extensão no curso de Lazer e Turismo da Escola de Artes, Ciências
e Humanidades da usp-leste e de pós-graduação, pesquisa e extensão no
Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da usp. Tem trabalhos publicados em revistas e anais de
congressos, com destaque para obras didáticas.

Tomoko Iyda Paganelli


Mestre em Educação pela Fundação Getúlio Vargas e doutora em
Geografia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da usp. É
professora de Didática e Prática de Ensino de Geografia da Faculdade de
Educação da uff e do Laboratório de Ensino de Geografia (uff/legeo). É
também coautora de livros didáticos.

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