Livro Inteligencia
Livro Inteligencia
Livro Inteligencia
á
Sumário
Prefácio geral da Coleção . Viii
introdução X
1. A natureza e o conceito da inteligência — Gohara Yvette
Yehia 1
1.1, Algumas abordagens referentes ao conceito de inteligência 2
1 .2. Algumas considerações adicionais a respeito da questão
da inteligência 19
1.3. Conclusões 21
1.4. fteferências bibliográficas 23
2. Os testes de inteligência — Silvia Ancona-Lopez Larrabure 24
2.1. Considerações gerais 24
2.2. Pequeno histórico dos testes de inteligência 26
2.3. Caracterização dos testes psicológicos 28
2.4. Crité.rios estatisticos 29
2.5. Classificação dos testes de inteligência 36
2.6. Testes de inteligência mais usados no Brasil 36
2.7, Referencias bibliográficas 40
• 3. O uso dos testes de Inteligência — MarfliaAncona-Lopez 41
3.1. Os testes de inteligência como instruinentos de medida 41
3.2. Os testes de inteligência como instrumentos de obser
— vaço • • • 51
3.3. Os testes de inteligência como instrumentos de auto-
conhecimento .•...•,,, 58
.4. Os testes de inteligência continuam a ser usados .... 63
3.5. ImportRncia da coerência na atuação profissional 65
3.6. Referências bibliográficas 66
4. A influncla da relação bipessoal na utilização dos testes
de Inteligênda — Lina Gailetti Mártins de Oliveira e Mary
Dolores E. Santiago 68
4,1. Intràduço 68
4.2. Objetividade x subjetividade dos testes de inteligência 69
4.3. Àrelaço bipessoal , 71
4.4. Aspectos do examinador seni
4.5. Aspectos do examinando 82 em
4.6. Aspectos da instituição 88 em
4.7. Conclusões 93
4.8. Referências bibliográficas 94
con
5. Abordagem clínica da inteligência .— Lina Galletti Martins daI
de Oliveira e Mary Dolores Ewerton Santiago 96 r
5.1. Introdução 96 em
• . mei
5.2. Perspectiva molecular e perspectiva molar na uti- d
lizçâo dos testes de inteligência dis
5.3. Relações entre a produção intelectual nos testes e na
escola :.. .•
5.4. Influência dos fatores afetivos íia inteligência 102 SF
5.5. Considerações finais acerca do diagnóstico intelectual 106
5.6. Referências bibliográficas 108
Prefácio geral da Coleção
A Coleção Temas Básicos de Psicologia tem por finalidade apre. sentar de forma
didática e despretensiosa tópicos que são ministrados em várias disciplinas dos cursos
superiores de Psicologia ou outros em cujo curriculum constem disciplinas psicológicas.
O objetivo fundamental é oferecer leituras introdutórias que sirvam como roteiro básico
para o aluno e que ajudem o professor na elaboração e desenvolvimento do conteúdo
programático.
Neste sentido, selecionamos autores com vasta experiência didática em nosso meio, os
quais, em virtude da profundidade de seus conhecimentos e do contato prolongado com
alunos, cientes da dificuldade de adaptação da t4eratura importada para o nosso
estudante, se dispuseram a colaborar conosco,
Esperamos, assim, contribuir para a formação de profissionais, psicólogos ou não,
sistematizando e transmitindo, de forma simples, o conhecimento acadêmico e prático
adquirido por nossos colaboradores ao longo dos anos, e também tornando a leitura um
evento produtivo e ag’adável,
Clara Regina Rappapoit
Coordenadora
H
Introdução
0(00
O homem distingue-se, entre os seres vivos, como um animal raAs sociedades
ocidentais
seu desenvolvintocientíficoe tecnológico, buscando construir um
mundo melhor.
Nesse contexto, a Psicologia surge como o ramo do conhecimento que abarca, em seu
campo de competência, o estudo do homem e, portanto, de sua “racíonalidade”. O
psicólogo, como profissional que se propõe a conhecer o ser huniano,ffse para o estudo
da qualidade mais
No entanto, o que é a inteligência? Muitas respostas foram dadas a essa pergunta.
Estudos aprofundaramje em diversas direções e propuseram:se explicações que
consideraram a inteligência desde um dom divino até um com lexo sistema de reações
bioquímica?qtiisas dirigiranT-se ao cérebro, buscando a resposta em seus ez bilhões de
neurônios. Estudou-se a capacidade dedaptaç trssão e aquisição de óomportaniiifTi
nçiológica e social. Buscou-se compreensão no estudo da ção de símbolos e atribuiçãb
de_jjgjficados. AiTifvidade do conceito de iwfèliêfiNa Tõnou-se cada vez mais
evidente. Nem por isso o termo deixou de ser amplamente utilizado. Os
comportamentos considerados inteligentes foram examinados de forma minuciosa.
Levantaram-se suposições quanto à existência de uma faculdade única u diferentes
capacidades subjacentes a esses comportamentos.
No campo da Psicologia Aplicada, urna postura pragmática apontou para a oportintdade
de ndirainteência através dos conp O reconhecimento dessa possibilldjt’ovocou
investimentos na cria ção de testes de inteligência. Divulgaram-se os termos Quociente
Intelectual e as classificações de nível mental.
A avalia ão da inteligência tornou-se aprimeira atividade carac
desenvolvi!nento da profissão foi tamanha que, durante muitos anos,
no êmbito leigo, cos u-seysicólogo com “aplicador de testes” e
s1codiagn 1cQm. “medida Qj — A definição de inteligência cdmo “aquilo queo teste
mede” camufiou a relatividade do conceito e aumentou o poder da técnica, que passou a
se justificar por cis ésaiísticos. Sucederiã teorias psicológicas. Modificarane asbijens
práticas. Evidencia-se a falácia das medidas e classificações
Os tstes hoje são usados nã como instrtimentos ieveladoies d verdade, mas com técnicas
a_serviço Como qualquer técnica, seu usó éiie das diferentes posturas em
- Psicologia e torna-se diversificado. O profissional iniciante, muitas vezes confuso e
desorientado ante a gama de posicionamentos possíveis frente aos testes, depara-se com
inúmeras questões: que sentido tem, hoje, em Psicologia, falar-se em avaliação da
inteligência? qual a utilidade dos testes de inteligência? como usá-los?
A discussão dessas questões poderá ajudar no movimento contínuo
de busca de uma postura profissional cada vez mais satisfatória, da
qual decorrerá a adoção ou não dos testes de inteligência, assim como
a forma de sua utilização. Movimento contmniio de uma postura sempre
em transformação, já que, como disse Fernando Pessoa, só ‘na mútnia
a posição absolutamente exata”.
A natureza e o conceito de inteligência
Gohara Yvette Yehia
Inteligência, também entendida como capacidade mental, foi um conceito considerado
útil ëlÕ icogofuraffemi1oïos. Percebemos, entretanto, que, tanto na teoria como na
prática, trata-se de um conceito ainda bastante controvertido..
Na prática, o problema da inteligência se coloca no momento em que nos defrontamos
com crianças ‘que apresentam dificuldades de aprendizagem ou de adaptação,
Procuramos então compreender essas crianças organizando e integrando informações a
respeito de sua vida biológica, intrapsíquica e soçial, pesquisando aspectos do
desenvolvimento e maturação, dando atenção à sua organização neurológica através da
observação do exercício de suas funções motoras ou remetendo-as a outros
profissionais, quando suspeitamos de distúrbios orgânicos, e avaliando seus processos
intrapsíquicos através da aplicação de testes e da realização de observações.
De acordo con p, senso comum, inteligência significa algo que qualifica urna pessoa
para resolver problemas corretamente, para se adaptar a situações novas, para aprender.
Trata-se de algo Essas são algumas das questões nas quais poucos se detêm, o que pode
levar a atuações acríticas e alienadas nas quais se utilizam indiscriminadamente
conceitos, noções
e práticas não explicadas e diante das quais. não há posicionamento definido.
Este capítulo é uma tentativa de fornecer subsídios para a compreensão do conceito de
inteligência e sua tilização na prática psicológica.
Não é nossa intenção fazer uma descrição exaustiva de tudo aquilo que foi pesquisado,
pensado e escrito sobre este assunto, mas, apenas, enfocar os aspectos que podem dizer
repeito a uma integração do conceito de inteligência na prática psicológica. Para isto,
faremos uma descriçAo suscinta de algumas abordagens e discutiremos suas possíveis
implicações.
1.1. Algumas abordagens referentes ao conceito de Inteligência
1.1.1. A borda gem psicoinétrica
A abordagem psicométrica iniciou-se em fins do século XIX, com
Francfrertencer. —
Atribui-se a Spencer o mérito de introduzir o termo inteligência na psicologia. Áa que a
inteligência no hoi o ajustoontínuo das relações internas às externas, definindo-a como o
poder de combinar muitas impressões separadas. Associou o conceito à tese da,
evolução de Darwin.
decidiu comparar membros de famílias e linhagens familiares e sublinhou a extensão
das diferenças individuais. Para isto necessitava de descrições quantitativas das diversas
características dos indivíduos.
A necessidade de medidas quantitativás era conseqüência da influência da postura
científica em relação ao mundo inanimado e à física, cuja suposição básica era que
qualquer coisa que exista, existe :ma determínada quantidade e pode sér medido.
Para definir as características mentais que deveria medir, Galton foi influenciado pelo
associacionismo tradicional, que o levou ao princípio de que tudo aquilo que
conhecemos entra pelos sentidos e que, portanto, a bons sentidos corresponde um bom
intelecto.
Acreditava numa capacidade mental geral de ordem superior às capacidades específicas
‘observadas :nos indivíduos e diferente dessas aacidades. Seu ponto de vista era
cmpartilhado pelos neurologistas início do século XX: aceitava-se a teoria de urna
capacidade cognitiva geral, provavelmente dependente do número e complexidade Ç2
das conexões e da organização das células nervosas na córtex cerebral.
Paralelamente a esses estudos, Binet,_na_França, elaborava uma das
primeiras eseals .dedeej2yolyimentQ..mentaL.Lvisando discriminar as
t crianças deficientes mentais e as normais, em função das necessidades
do sistema educacional.
Cattell, nos Estados
mesma direção,ToLo primeiro a introduzir a expressão “t_innta1”.
Para se medIr a inteligência e as aptidões em geral começaram
então a ser criados vários testes, havendo pouca preocupação com a
feoria, uma vez que o principal interesse era pela descrição e men
s’uração das diferenças índividuais.
Entretanto, depois de desenvolver testes para medir a inteligência,
sentiu-se a necessidade de defini-la melhor.’Foram realizados alguns
congressos sobre o assunto sem que se chegasse a um acordo.
Num simpósio sobre inteligência, realizado em 1921, grande
número de psicólogos e’cpôs suas opiniõeíi eitodatureza da
inteligência. Alguns consideravam um indivíduo inteligente na medida
em que fosse capaz de um pensamento abstrato; para Outros a inte
ligência era a capacidade de se adaptar ao ambiente ou a capacidde
de se adaptar a situações relativamente novas ou, ainda, a capacidade
de aquisição de novos conhecimentos. Houve várias teorias sobre
inteligência; as que postulavam a existência de uma inteligência geral,
as que postulavam a existência de várias faculdades diferenciadas e
as que deehcTiaïn a existência de múltiplas aptidões independentes.
A solução encontrada para evitar o caos ..foL.. çççt. anlise
fatorial, técnca ilizádã prïFerminar, mediante a aHáhse-esta
tiTfEa de uma série de orreiaç & entre. um certo numero de tee1
se alguns elementos estão contidos como fatores comuns em todos os
testes e, em caso positivo, qualeo peso de cada um deles em cada
um dotestes. Reunindo medições de uma certa quantidade de testes
que permitem examinar esses diferentes componentes, por meio de
coeficientes de correlação entre eles, e analisando essa série de inter
correlações, seria possível determinar se alguns fatores, e quantos,
so comuns a esses testes e até que ponto cada teste permite medir
cada um dos fatores (ou seja, qual é .a carga ou a saturação de cada
fator).
A palavra “fator” se utiliza_em elo menos dois_sentidoexie
o fator maternatico que se extrai das corre açoes, e que ajuda a
representar essas correlações
análise, chega-se às correlações de ir testes com k fatoies, onde k é menor que ir.
Graças às propriedades dos testes que não estão correlacionados com um fator, o
pesquisador chega a uma idéia intuitiva de qual é a variável psicológica que pode estar
representada pelõ fator matemático. Esta variável psicológica é o fator psicológico.
A verificação da intuição do pesquisador é feita atrays da réplica empírica de seus
resultados.
A partir da utilização desta técnica surgiram algumas teorias arespeito da inteligência.
1.1.1.1. Teoria bifatorial da inteligência
Spearman iniciou pesquisas a respeito da rntçligencla, em 1904, propondo-se chegar a
uma concepção que consguisse conciliar e resolver harmoniosamente as divergências
entre as diferentes definições e teorias anteriores, que ele denominava monárquica,
oligárquica e anárquica. A monárquica supunha a existência de um fator, a inteligência
geral, que seria suprema e igualmente importante em todas as tarefas cognitivas; a
oligárquica supunha vários e amplos fatores de capacidade com influência
grosseiranente igual; a anárquica fazia com que cada tarefa dependesse de timâ
capácidade específica.
O primeiro problema com o qual se defrontou foi o de estabelecer se as aptidões
intelectuais estavam correlacionadas entre si, se dependiam de uma inteligência global
ou se, pelo contrário, essas funções eram total ou parcialmente independentes.
Utilizando-se da análise fatorial, prõcurou determinar os fatores subjacentes às
militiplas atuações obserVadas nos testes com a intenção de reduzi-las a um mínimo de
fatores mentais significativos.
Formulou assim a teoria dos dois fatores, conhecida como teoria bifatorial da
inteligência, ainda hoje considerada uma das principais teorias a respêito desse assunto.
Segundo Searman, todas as habilidades humanas têm um fator comum, geral, e um
específico. O primeiro foi chamádo de fator g, o segundo fator e. Embora em cada
habilidade estejam presentes os dois fatores, nem sempre desempenham o mesmo papel:
enquanto para algumas habilidades g é o fator-principal, para outras é o fator e 4que
predomina.
Para este autor, os testes de relação são os nlbores para g. As relações são entendidas
como vínculos entre as coisas. Por exenplo,
as idéias de casa e telhado estão relacionadas com o todo. e a parte ou aquilo que cobre
e é coberto (duas. relações diferentes). As coisas entre as quais se dão as relações são
chamadas de “fundamentos”. Assim, dão-se os dois fundamentos para que o
examinando veja qual a relação que existe entre eles, A este procedimento, Spearman
chama de “edução” de tima relação. Em outros testes dá-se um fundamento e uma
relação e o examinando deve dar o outro fundamento — ex.:
“O oposto de frio é “. Este processo é a educação de uni fundamento,
A fim de explicar qualitativamente o fator g, Spearman recorreu à hipótese de “energia
mental”: g seria a energia subjacente e constante a todas as operações psíquicas. Sua
magnitude seria intra-individualmente constante e intra-individualmente variável.
Os fatores específicos, por sua vez, seriam próprios de cada habilidade efrf”jiarticular.
Haveria tantos fatores e quantas habilidades verificadas no sujeito. Oualitativamerite,
seriam os instrumentos através dos quais atua e opera a energia mental. Variariam intra
e interindividualmente.
Supôs também a existência de fatores grupais que resultariam da combinação de vários
fatores e ligados a tarefas de uma mesma natureza gçnl.
De acordo com esta teoria, a capacidade de um indivíduo para resolver um problema
aritmético dependeria do fator g e dos fatores e ligados ao problema específico. Desta
forma, duas pessoas poderiam ser diferentes quanto à quantidade de g assim como à
quantidade de fatores e atuantes em determinada tarefa.
Assim torna-se possível explicar as diferenças intra-individuais, as desigualdades que se
verificam nas populações consideradas normais, nos deficientes mentais ou nos
superdotados (diferenças provenientes dos fatores e), e ao mesmo tempo afirmar que um
indivíduo nasceria com um nível predeterminado de inteligência que permanece
constante ao longo do desenvolvimento (dcterminado pelo fator g — intra-
individualmente constante).
- Também é possível explicar por que uma pessoa relativamente mais inteligente que
outra (através de um g superior) seja menos capaz em determinada área.
A teoria de Spearman encontrau severos oponentes no que diz respeito à existência do
fator g.
E. L. Thorndike, nos E.U.A., concebeu uma outra teoria a respeito da inteligência, que
veremos a seguir.
5
1.1.1.2. Teoria multimodal da inteligência
Segundo Thorndike, a inteligência é constituída numdèiigações nervo eEfficas
Tn’dendentes, isto e, a inteligncia é apenas a sõ Todasascapcidades que atuam nos
e. i4peiideMe das outras Assim, de acordo com iima pessoa inteligerte teria apenas
maior número de ligações nervosas adequadas do pssça pdiicitühjente Esta õpinT
é’coiti’el cm i’oria de apren dizagem, que supõe ligações estímulo-resposta,
Aiém disso, Thorndike distingue vários fatores da inteligência:
abstrato (capacidade para lidar com idéias e símbolos) concreto (capacidade para lidar
com coisas) e social (capacidade para lidar com ‘pessoas e situações sociais). Fala ainda
de um grande número de /habilidades particulares: para a medicina, o ensino, a
agricultura a arte etc.
Assim, esta teoria concebe a inteligência como um composto de grande número de
habilidades altamente particularizadas, resultante de um número indefinido de
capacidades específicas independentes.
Outra teoria decorrente da análise fatorial é a das capacidades mentais primárias de
Thurstone.
1,1,1.3. Tecria das capacidades mentais primárias de Thurstone
Thurstone considera a inteligência como um composto acidades mentais prlrnarias,
entre as quais identificou, c&m certa segu raiEïcapacidade numérica; a capacidade
visual, denominada fator espacial, a capacidade de memorização a cpnaAoybaL_..j
fluidez verbal; a indução: um fator que favore a rapidez da percepção, outro••e favorece
süíflexibilidade; dois fatores verbais que facilitam a associação, um deles limitado à
forma da resposta e o outro ao significado; e um fator que se refere à fluidez verbal.
Também inferiu a existência de uma ou mais capacidades intelectuais gerais que
subjazem às capacidades mentais primárias e que explicam as correlações entre elas.
Assim, a inteligência é resultante de algumas capacidades mentais, cuja quantidade
relativa varia não só entre as pessoas mas também em cada indivíduo, Por exemplo,
uma pessoa pode ter uma quantidade geral menor de tais capacidades do que outra
pessoa (e assim ter uma inteligência geral menor), mas pode ter uma quantidade
consideraveiniente maior de urna capacidade, o que lhe emiüria ter
6
bons resultados nas tarefas em que essa capacidade seja de importância básica. Na
medida em que muitas tarêfas exigem uma combinação
de tais capacidau es ii a
fraqueza especifica em determinada áre
•.e.
1.1.1.4. O trabalho norte-americano após 1945
Pesquisas foram realizadas por J. P. Guilford e seus colaboradores na Universidade da
Carolina do Sul. — Guilford parte da classificação, sob três títulos de tipos possíveis
de cap%cidades que podem variar quan1
— ëhhinntou vonsibi1idade aos aspectos do meio
ambiente, conscientização de alterações nos estímulos externos e habilidade de rotular
ou dominar adequadamente o meio;
— memória, que é a habilidade de lembrar ou de reter informações;
— pensamento divergente, que se refere à facilidade• de um indivíduo produzir uma
variedade de hipóteses ou suposições perante situações-problema;
— pensamento convergente, q4ue envolve o agrupamento de idéias divergentes em um
conceito unificador;
— avaliação, que se refere à habilidade de tomar uma decisão a respeito de um
problema, sem hesitações persistentes, e à habilidade de avaliar a qualidade da decisão,
b) ao tipo de material ou conteúdo:
— figuras;
— sfmboJQ (letras e números); semântica (palavras e sentenças);
— comportamentos.
c) às formas apresentadas pela informaçao quando está sendo processada, ou produtos
cognitivos:
— unidades (única.palavra ou idéia);
— c1sses (conceito que representa um conjunto de unidades);
— relações (relacionamento entre unidades ou classes);
— sistemas (seqüencia organizada de idéias);
— transformações (mudanças ou redefinições de unidades ou classes);
— mpcações (predições do futuro).
7
As cinco operações cognitivas elementares podem ser aplicadas aos quatro tipos
diferentes de contextos com graus variáveis de êxito,
produzindo um dos seis produtos cognitivos.
Guilford acredita que cada pe2j msornposto_.pnx.tcular de um grande número diferente
de habilidades intelectuais, sendoq cada habilidade intelectual envolve três componentes
uma operação cognitiva, um conteúdo específico, e um ro4uto específico. Há
capacidades possíveis diferentes (5x4x6).
Segundo Butcher (1972), ess descrição de capacidade pode èr mais facilmente ligada ao
conjunto geral de conhecimentos psicológicos do que a naioria das análises fatoriais,
sendo que o próprio Guilford fez uma tertativa nessa direção ao demonstrar ligações
entre a teoria das capacidades, a solução de problemas e a teoria da aprendizagem.
Entretanto, verificou-se que os fatores de Gui1fo!4oexcessiyamnte limitados e
específicos, não apresentando valor de predição em qualquer situaçao, como seria o
objetivo dos testes.
Como viios, a abordagem psicométrica par%iu dos ,testes mentais
para examinar as funções intelectuais e tentar descobiEz
última da inteligência. Recorreu à análise fatorial para tentar deter-
-minar as correlações entre as capacidades intelèctuais, cli id a vírias teorias que não
resolveram o problema inicial, que. era o de saer se a inteligência era uma capacidade
mental geral ou várias .acdades específicas independentes. Fornecem, entretanto, muitos
±ecimentos a respeito das diferenças individuais e da estrutura
capacidades.
Outrossim, há um aspecto ao qual não podemos deixar de nos refenr é que, na prática,
nos defrontamos com um significado especial da palava inteligência que a define como
o resultado de um teste.
Embora a discussão a respeito do que é um teste de inteligência seja assunto do próximo
capítulo, achamos importante lembrar que aquilo que os testes de inteligência medem
parece ser mais um comp .exo funcional que uma entidade definida cuja natureza e
estrutura sio conhecidas e universalmente aceitas.
Os defensores do uso de testes para a medição da inteligência reconhecem que essas
medidas seriam mais convincentes se se disiscsse de alguma definição universalmente
aceita da mesma. Durante muitos anos esperou-se que o aperfeiçoamento dás
instrumentos de medida pudesse levar mais perto da formulação de uma tese a
8
tespeit.da natureza da inteligência. En qiije.Ëm. até — agora éuma série de hipóteses,
nem sempre concordantes. A medição da inteligência depende dos êxitos ou fracassos
do individuo para realizar as tarefas propostas a ele pelos testes, inferindo se que aquilo
que se considera conduta inteligente seria o resultado da atuação da inteligência.
Consideramos importante lembrar que nas diferentes teorias ,4 abordagem psicometrica
não se configura urna cm o’ pràcéssõ de dhVôliiento das habilidades intelectuais,
embora haja uma noção de desenvolvimento rnplicita segundo a qual
o desenvolvimento se dá a partir da realização de iiiçes predeterminadas. Desde o de
habilidades em potencial que iriam se atualizando., A crianç nasceria coMa Um nivel
predeterminado de inteligência que poderia em princípio ser medido por, testes, sendo
que. p resultado (QI) dificilmente se modificaria da infância até a idade adulta,
As escalas de desenvolvimento fornecem então um valor estatístico que permite medir,
com relativa precisão, o nível de desenvolvimento alcançado ou o atraso no
desenvolvimento. Fornecem uma ordem cronológica descritiva do desenvolvimento.
A decorrência prática desta maneira de pensar é a procura de instrumentos cada vez
mais aperfeiçoados de medida das habilidades.
De uma maneira geral, poderíamos dizer que a Psicotri&çniribuiu mais para o estudo
das diferenças individuais e sua medição
‘— .
do que para a compreensao da genese ao tuncionamento cogmtivo.
A’ preocupação ‘cônïa compreensão da gênese dõ funcioniiiento cognitivo em
particular e mental em geral. torna-se clara nõ tipo de abordagem chamada psico
genética.
1.1.2. Abordagem psico genética
Nesta abordagem, a compreensão da gênese do psiquismo é feita através do estudo do
desenvolvimento infantil,
Considera-se que o desenvolvimento psíquico seria uma construção progressiva
realizada a partir da interação cio indivíduo com o meio. Sua concepção básica é a de
uma gênese do psiquismo que não é apenas descrita mas também explicada.
Várias escolas são consideradas psicogenéticas, mag, levando em conta o assunto que
estamos enfocando, deter-nos-emos na escola de Piaget e na Psicanálise.
9
1.1.2.1. Desenvolvimento cogiiiiio segundo Piaget
L A escola piagetiana é a que mais epofndoi4iscissãoarespeito
da estrutua e do desenvolvimento das operações da inteligência.
Piaget trabalhou durante muitos anos com Binet no desenvolvimento
de testes de inteligência com um enfoque psicométrico entretanto, sua formação como
biólogo e zoólogo levou-o a se interess4r pela evolução e organização formal dos
processos cognitivos.
Para o resumo do aspecto funcional da teoria de Piaget utilizamos, além dos textos do
próprio autor, a descrição fËita por Flaveli (1975).
Para Piaget,
- “o desenvolvimento é um processo que conduz de certos estados de equilíbrio
aproximado a outros, qualitativamente diferentes, passando por múltiplos desequilíbrios
e reequilibraç&s” (1976, p. 11).
Nesse processo, a criança é ativa em relação ao seu meio ambiente; a partir dos
encontros com acontecimentos, ela vai se aproximando & objetivo final que é o
raciocínio abstrato. Nesse contexto,
“inteligência é a adaptação mental mais avançada... é um ponto de che. gada. e suas
fontes se confundem com as da adaptação sensorimotora em geral e, mais adiante, com
a adaptação biológica mesma” (1878, p. 18-19).
Assim, a inteligência seria uma extensão de certas características
gicas. e o funcionamento intelectual seria uma forma especial e azwidade biológica,
cujas características fundamentais são a orga
a adaptação e a assimilação.
A adaptação é um estado de equilíbrio entre as ações do organismo.
socre o meio e vice-versa. A ação do organismo sobre o meio é
chamada assimilação. O bebê, ao investigar seu ambiente imediato,
pega, chupa, explora; sacode, absorve, assimila. A assimilação mental
é a incorporação de um novo objeto ou idéia a uma idéia ou esquema
,a possuído pela criança. Reciprocamenie, o meio atua sobre o orga2.ismo. O ambiente,
tanto de cQias inetes quanto de pessoas vivas
resiste, move-se, fere, foge, dá prêmios, ou ,castiga, o que obriga
a criança a acomodar-se. A acomodação é a tendência para se ajustar
a um novo abjeto e alterar os esquemas de ação a fim’ de se adaptar
a tal objeto, sem perder sua continuidade nem seus pderes anteriores
e assimilação. :
Assimilação e acomodação são funções complementares e represen tam, durante toda a
vida, os dois: aspeotós imutáveis da inteligência.
10
O crescimento mental envolve a resolução da tensão existente entrt assimilação e
acomodação, do conflito entre usar respostas velhas para situações novas e a aquisição
de respostas novas ou a modificação das antigas para adequar-se a novos problemas.
Ocorre à. medida que a criança se adapta às novas situações. De início, a criança
assimila a maior parte dos problemas. Cada vez que a criança se acomoda a
um novo problema ou acontecimento, mais seu crescimento intelectual se aproxima da
maturidade, uma vez que modificou suas idéias a
respeito do mundo, tendo gerado um esquema mais adaptativo.
Porém, para Piaget, uma ação adaptativa sempre pressupõe uma organização subjacente.
O. comportamento adaptativo dirigido não pode ter origem numa fonte caótica e
completamente indiferenciada. A cognição, enquanto comportamento adaptativo, assim
como a di gestão, é organizada. Todo ato inteligente pressupõe algum tipo de estrutura
intelectual, algum tipo de organização dentro da qual ocorre. Julga que todas as
çrganizações intelectuais podem ser consideradas como “totalidades”, como sistemas de
“relações” entre elementos. Uma ação inteligente, seja ela um movimento rudimentar do
bebê ou um julgámento complexo e abstrato de um adulto, tem sempre relação com um
sistema ou totalidade de ações do qual faz parte.
Assim, segundo Flaveli (1975), a adaptação e a organização são os dois lados da mesma
moeda: de um lado a adaptação pressupõe uma coerência subjacente e de outro as
organizações são criadas através de adaptações, A adaptação é o próprio funcionamento
do sistema do qual a organização é um aspecto estrutural.
São necessários alguns esclarecimentos adicionais a respeito das organizações
intelectuais que Piaget chama de “esquemas”. Os esquemas abrangem seqüências de
comportamento que diferem amplamente em magnitude e complexidade. Entretanto,
tQdos possuem uma característica geral comum: a seqüência de comportamento que os
constitui é uma totalidade organizada. Assim, uma seqüência de ações, para ser um
esquema, deve ter uma certa coesão e precisa manter sua identidade como uma unidade
quase estável e passível de repetição. As ações que á compõem devem ser estreitamente
interligadas e governadas por um significado central. Por serem estruturas, os esquemas
são criados e modificados pelo funcionamento intelectual. São formas mais ou menos
fluidas, ou organizações mais ou menos plásticas às quais as ações e os objetos são
assimilados durante o funcionamento cognitivo. Estão constantemente ampliando seu
campo de aplicação, de modo a assimilar objetos novos e diferentes,
11
e
As estruturas movem-se continuamente para um estado de equilf
- brio e, quando se atinge um estado de relativo equilíbrio, a estrutura torna-se mais
pronunciada, mais claramente delinead que no estado
- anterior. Entretanto, esse próprio delineamento revelà inconsistências
e lacunas que não haviam se salientado antes. Nesta medida, cada
estado de equilíbrio traz em si as sementes da própria destruição.
O equilíbrio é sempre dinêmico e nunca absoluto, 4 um “equilíbrio
instável”.
Para Piaget, os desequilíbrios têm um papel de desencadeamento e são tão mais
fecundos quanto maiores as possibilidades de superá-los, ou seja, sair deles.
É pois evidente que a fonte real do progresso deve ser procurada na equiIibraço,
naturalmente não no sentido de um retorno à forma anterior de equilíbrio cuja
insuficiência é responsável pelo conflito ao qual essa equilibração provisória chegou,
mas de um melhoramento desta forma precedente. Entretanto, sem o desequilíbrio não
teria havido reequilibração majorante (designando-se assim a reequilibração com
melhoramento obtido)”
(1976, p. 19). /
/
Como vimos até agora, as propriedades funcionais gerais do processo saptativo
permanecem as mesmas ao. longo do desenvolvimento e pvc1mente em todos os níveis
de idade.
Por outro •Íado, as estruturas: sãó iiiiitáveis, capazes de mudanças quaiiativas ‘de
tempos em tempàs. Cada estrutura sucessiva se desenvolve a parUr da anterior e
incorpora esta última, o que produz uma espécie de desenvolvimento hierárquico. Por
isso, Piaget dividiu o curso total do desenvolvimento em chamadas períodos, sub-
períodos -e estágios. Cada um desses :cortás transversais do desenvolvimento descrito
em termos do que a .ctiança pode fazer de melhor n.a época. Distingulu quatro estágios
principais do crescimento inteectual que descreveremos a seguir, utilizando-nos da
síntese feita por Ajuriaguerra (1971).
Estágio sensorimotor
Neste estágio - -
“os atos de inteligência consistem unicamente em coordenar entre si percepções
sucessivas e movimentos reais igualmente sucessivos.., sem chegar nunca a uma
representação de conjunto... A inteligência sensorimotora
12
procede como um filme projetado lentamente, onde se veriam sucessivamente todos os
quadros, mas sem fusão, sem a visão contínua necessária para a compreensão do
conjunto” (1966, p. 161).
Cobre os 18 primeirps meses de vida da criança e se inicia com atos puramente reflexos
ligados a tendências instintivas, tais como nutrição, reação simples de defesa, após as
quais aparecem os primeiros hábitos elementares. As diversas reações reflexas rão se
repetem simplesmente, mas incorporam novos estímulos que são “ssimllados”, É o
ponto de partida de novos comportamentos adquiridos. As sensações, per. cepções e
movimentos próprios da criança se. organizam em “esquemas de ação”.
A partir do 5.°-6.° mês os comportamentos precedentes multiplicam-se e se diferenciam
a partir da assimilação e da acomodação,
graças a que a criança se adapta ao seu meio.
Basta que quaisquer movimentos provoquem satisfação para que eles sejam repetidos
(reações circulares), É somente ao longo do desenvolvimento posterior que essas
reações circulares evoluem e a satisfação se dissocia dos meios para obtê-la.
Pela cordenação dos diferentes movimentos e percepções, novos esquemas mais
extensos se formam. A criança incorpora as novidades vindas do mundo externo a esses
esquemas como se tentasse entender se o objeto encontrado é, por exemplo, “para
chupar”, “para tocar”, “para sacudir” etc. Pode-se assim dizer que esses esquemas
constituem a estrutura cognitiva mais elementar, da mesma maneira como mais tarde os
conceitos constituirão as estruturas às quais o sujeito incorporar as novas informações
vindas do exterior.
Neste período, Piaget fala de um egocentrismo integral, na medida em que o corpo da
criança não é disociado do mundo externo, É somente graças às coordenações ulteriores
que se constituem as categorias fundamentais de todo conhecimento: categoria de
objeto, de espaço, de tempo e de causalidade, que permitirão a objetivação do mundo
externo em relação ao corpo. Como critério desta exteriorização do mundo, Piaget
indica o fato de a criança procurar um objeto desaparecido, enquanto nos primeiros
meses a criança se desinteressava de um objeto logo que esse desaparecesse de seu
campo perceptivo. Esomente ao final do primeiro ano de vida que a criança será capaz d
considerar um objeto como móvel, independente de seu próprio movimento, e saberá
também levar em conta os deslocamentos desse abjeto no espaço.
13
Estágio pré-operatório (dos 28 meses aos 7 anos) -
A possibilidade de representações elementares (açes e percepções coordenads
interiormente) e a linguagem propiciam um grande progresso tanlo ao pensamento
como a todo comportamento da criança.
À medida que se desenvolvem a imitação e a representação, a criança pode realizar atos
chamados• “simbólicos”. Integra um objeto qualquer ao seu esquema de ação como
substituto do outro objeto. Piaget fala neste caso do início do simbolismo (por exemplo:
uma pedra se torna um travesseiro, e a criança imita a ação de dormir colocando a
cabeça nela).
A função simbólica desenvolv-se muito entre 3 e 7 anos. Por um lado, ela se realiza sob
a forma de atividades lúdicas (jogos simbólicos), através dos quais a criança toma
conhecimento do mundo ao mesmo tempo em que o deforma. Reproduz no jogo
situações que a impressioraram, pois não pode refletir sobre elas, já que ainda não há
separaçãQ do pensamento em relação à ação propriamente dita.
a linguagem que, em grande parte, permitirá à criança uma interiorização progressiva da
ação, graç:as -à utilização de sinais verbais.
Mas o pensamento da criançá Sé muito’ subjetivo. Piaget fala de
-..ri egocentrismo intelectual neste estágio pré-operatório. A criança
- c.onsegue ainda assumir o ponto de vista de outra pessoa, faltando i:m o equilíbrio
entre a assimilação dos objetos aos esquemas do ?ensamento e a acomodação desses
esquemas à realidade.
Face às experiências concretas a criança não pode sparar-se da intuição direta, pois
ainda não cofisgue reunif os’ diferentes aspectos da realidade percebida nem integrar
num único ato de pensamento as fases sucessivas do fenômeno observado. Assim, não
pode entender que a quantidade de líquido permanece a mesma apesar da aparência
diferente quando colocado num recipiente mais estreito. Por causa do caráter
irreversível de seu pensamento, a criança leva em conta apenas um aspecto (altura do
nível de água) sem poder entender que a diferença de altura é compensada por uma
diferença de superfície. Da mesma maneira, não é capaz de comparar a extensão de uma
subclasse com a classe inteira.
Estágio das operações concretas (7 a 12 anos)
É quando se nota um grande progresso quanto à socialização e objetivação do
pensamento.
14
Embora ainda precise recorrer à iitjçjaço, a criaflça já — é capaz de descentração eisto ‘
e morais. A criança consegue, graças a um sistema de operações concretas (Piaget fala
da estrutura de agrupamentos), libertar-se dos. aspectos sucessivos daquilo que percebe
p4ríminar_na_mudaiiça o que permanece invariável. Torna-se também capaz de
coordenar diferentes pontos de vista do pensamento ainda são concretas, na_medida
ejgu a onança. no consegue raciocinar a partir de proposições apenas verbais e menos
ainda a partir de hipÓteses. Esta cajã & será adquirida no estágio seguinte.
Os estados sucessivos de um fenômeno, de uma transformação, são concebidos pela
criança ao mesmo tempo sob o aspecto de modificaçÕes que podem se compensar
reciprocamente e sob o aspecto “invariante” que implica a reversibilidade. A criança é a
estrutura de agrupamento (operações) em problemas de seriação e classificação.
Consegue estabelecer equivalências numéricas independentemente da disposição
espacial dos elementos. Consegue relacionar tempo e distância percorrida e entende a
noção de velocidade. As explicações dos fenômenos físicos se tornam mais objetivas. É
o começo de uma causalidade ao mesmo tempo objetivada e espacializada.
Mas o pensamento da criança opera apenas por aproximações. Não sendo capaz ainda
de reunir num mesmo sistema todas as relações possíveis entre os fatores, a criança se
refere sucessivamente seja à operação inversa (anulação da operação direta pela
inversa), seja à reciprocidade (entendendo que certas ações podem se compensar).
A criança ainda não é capaz de distinguir o que é apenas provável do que é necessário,
Raciocina ainda somente sobre o que é dado e não sobre o que é virtual. É, portanto,
limitada em sua previsão.
Estágio das operações formais (12 anos em diante)
É quando se desenvolve o pensamento formal, graças ao qual uma coordenação das
operações se torna possível, permitindo sua interligaç.ão num sistema de conjunto que
Piaget descreve com detalhes, referindo-se ao modelo matemático. A característica
essencial do pensamento neste nível é a capacidade de se afastar do conteúdo concreto
para situar o atuaLn texto mais amplo 4dztual. Para resolver problemas, o adolescente
maneja os dados experimentà1s-para
formular 1ipóteses, levando assim em conta o possível e não somente, como fazi4
anteriormente, o real. Torna-se capaz de combinar idéias relacionando afirmações,
negações, utilizando operações, tais como implicações (se “as’. .. então “b”), dsjunções
(ou “a”. . ou
exclusões (se “a”. .. então não “b”) etc.
É necessário acrescentar que, embora Piaget tenha enfocado mais detidamente o
desenvolvimento da inteligência, ele também considera que há úma grande relação entre
esta e a afetividade, sendo que ambas são indissociáveis nõ sentido de que a afetividade
intervém nas operações da inteligência estnui1ando•s ou perturbando-as. Dis.. tingue
nitidamente as funções cogn.liivás’ das afetivas, na medida em que lhe parecem ter
naturezas diferentes, mas reconhece que, na conduta concreta do indivíduo, elas são
indissociáveis,
Pensamo% que o trabalho de Piaget traz uma contribuição importante à compreensão da
gênese do funcionamento cognitivo que, como vimo, esteve faltando nas teorias.:
decorrentes da abordagem psico
métrica. : . .
Elkind, num artigo publicado em 1981, propondo uma reconciliação entre a abordagem
psicométrica e a teoria de Piaget, mostra que ambas pressupõem formas variáveis e
funções constantes, sendo que a diferença entre elas estaria apenas na ênfase diferente
dada às formas e funções.
Observa que, partindo da teoria biftorial dé Spearmnian, as medidas de g mostravam-se
intra-individualmente constantes, independentemente da idade do sujeito. Lembra que
Piaget também fala em ‘funções” invariáveis (assimilação, acomodação, adaptação) que
operam em todos os níveis de idade e de maneira análogas.
Por outro lado, considera que, em ambas as teorias, encontramos “formas” (totalidades
organizadas da mente) evoluindo no tempo, portanto variáveis. Como exemplo de
“formas”, refere-se tanto ao conceito de “idade mental”,1 na psicometria, quanto às
organizações rentais, descritas por Piaget, que variam de. Luma idade para outra.
A partir dessas considerações, Elkind conclui que se poderia dizer que, em qualquer
momento do ciclo vital, a inteligência refletiria a capacidade adaptativa do indivíduo e
resultaria da interação de proc. ssos meiI’tais constantes (funções) e de organizações
mentais vafláveis (formas).
A “idade mental” representa aquilo que uma criança média de determinada
idade consegue resolver.
16
Lembramos, entretanto, que Piaget não estava interessado em classificar crianças de
acordo com o estágio de desenvolvimento alcançado (sendo esta uma das primeiras
preocupações da psicometria), mas, através de observações do comportamento de
crianças no decorrer do seu desenvolvimento, em aprofundar o conhecimento do seu
modo de organização. Por outro lado, embora tenha chegado a uma descrição de
estágios sucessivos, com indicações de idades cr0- nológicas, estas não são obrigatórias,
sendo mais importante a ordem na qual ocorrem os estágios.
1.1,2.2. O ponto de vista da Psicanálise
A teoria psicanalítica, como um todo, revolucionou a concepção do funcionamento
mental. Explicitou o conceito de inconsciente e explicou, através de processos
intrapsíquicos, os diferentes comportamentos que procurou compreender. Rediscutiu a
determinação psíquica, a dinâmica da personalidade, os comportamentos
psicopatológicos, sua origem e prognóstico.
Não encontramos nenhum estudo específico sobre o desenvolvimento
-intelectual, embora este esteja implícito nas considerações psicanalíticas sobre o
desenvolvimento global da personalidade e, mais particularmente, sobre o
desenvolvimento do ego. Na medida em que seria impossível, no âmbito deste capítulo,
fazermos um resumo de todas as contribuições da Psicanálise, escolhemos descrever
resumida- mente os três sistemas de funcionamento psíquico que apresentam
configurações próprias: o id, o ego e o superego, enfocanclo-os sob o prisma do
desenvolvimento do pensamento.
Temos, assim, que o id corresponderia à camada mais antiga cio aparelho psíquico e
compreenderia as representações psíquicas dos impulsos herdados ou inatos, assim
como conteúdos adquiridos e reprimidos. Funciona regido pelo “processo primário”,
cujas características básicas são: a tendência à gratificação imediata dos impulsos
segundo o princípio do prazer, e uma indiscriminação qualitativa que permite a desejo o
deslocamento de uma representação para outra, a condensação de várias representações
em uma só e a combinação de desejos contraditórios. Isto leva a um tipo de pensamento
sem conjunções negativas, condicionais ou outras, aparecendo expressões antagônicas
uma no lugar da outra e coexistindo pacificamente idéias mutuamente contraditórias.
O eo seria suma diferenciação do id. As funções que contribuem para sua formação são
a apreensão cio mundo externo (percepção).,
17
o domínio da motricidade e a capacidade de contro1r o excesso de tensão. A aquisição
da fala, a compreensão de que certos ruídos são utilizados como símbolos das coisas e a
capacidadd gradual de ir utilizando racionalmente a fala e a compreensão são muito
importantes para a formação do ego, sendo que o encadear das palavras e das idéias
tornà possível o pensar propriamente dito.
A estrutura do ego maduro é dominada: pelo “pripípio da realidade”, isto é, por um
pensamento obetiv, socializado, racional e verbal, obedecendo às leis habituais de
sintaxe e lógica, regido pelo “processo secundário”.
O supergo seria uma modificação do ego por interiorização de forças repressoras que
atuaram sobre o indivíduo ao longo do seu desenvolvirnent. Sua atividade se manifesta
pela consciência moral, atitudes de autocrítica e de proibição. Ë fôrmado a partir da
identificação da criança com os pais idealizados e, posteriormente, com a lei da qual se
torna depositário.
Dos três sistemas psíquicos inter-relacionados — id, ego e superçgo
— o ego parece ser o mais complexo. Tem a responsabilidade de servir de intermediário
entre o id e o superego, de integrar os recursos da personalidade total lidando com as,
realidades interna e externa, harmonizando-as com a dor e a angústia resultantes •dos
conflitos entre elas.
Achamos interessante citar, a título de exemplo, as considerações de Melanie Klein
(1975) a respeito da inibição intelectual, pois mostram como esta é associada ao
funcionamento global da personalidade.
Segundo esta autora, a angústia relativa às coisas terríveis e perigosas que estão
acontecendo dentro do próprio corpo pode suprimir toda investigação a respeito do
mesmo, sendo isto um dos fatores da inibição intelectual. Se o temor da criança ao seu
superego e ao seu id for demasiadamente poderoso, não só será incapaz de conhecer os
cpnteúdos de seu corpo e seus processos mentais mas “também será incapaz de usar seu
pênis em seu aspecto psicológico como órgão regulador e executivo do seu ego de
modo que também suas funções egóicas estarão sujeitas a inibições neste sentido” (p.
234), uma vez que a potência no homem (e nç caso do menino, as condições
psicológicas para ela) é a base para o desenvolvimento de grande número de. atividades;
interesses criativos• e capacidades.
Não podemos deixar de mencionar ainda as contribuições da Psicanálise paia o
conhecimento do inconsciente, a dinâmica encoberta
18
dos conflitos, a estrutura e a organização latentes• da personalidade, assim como para
uma maior consideração da relação entre psicólogo e cliente através do estudo dos
aspectos transfõrenciais e contratransferenciais que permeiam esta relação.
Assim, o referencial psicanalítico pode influenciar de várias maneiras a atividade
profissional do psicólogo: seja levando-o à compreensão dos distúrbios de
aprendizagem ou de pensamento como sintomas de falhas no funçiànamento sej a
acentuando
-no psicodiagn6st vaoid entre’4stas mo instrumento de traJ,alho, com atenção para a
relação do psicólogo e do cliente, e a instrumentalização dos aspectós transferenciais e
contratransferenciais.
1.2. Algumas considerações adicionais a respeito da questão da inteligência
Algumas áreas de pesquisa independentes da psicologia tiveram importância no
desenvolvimento do conhecimento a respeito do funcionamento da inteligência (modelo
computacional) e para a mudança de atitude em relação ao estudo da inteligência
(Sociologia Educacional). Consideraremos brevemente cada uma.
e
1.2,1. Estudos com computadores
Segundo Butcher (1972), os progressos nas ciências de computação são muito
importantes para a psicologia da inteligência humana.
O desenvolvimento dos computadores teve um duplo impacto sobre as atitudes em
relação à inteligência humana. O primeiro aspecto é sua, capacidade para realizar muito
rápida e sistematicamente todos os tipo de operaç&s matemáticas que exigiriam uma
vida toda, ou mais ainda, de um lógico ou matemático humano. Este aspecto é o menos
importante para a compreensão do funcionamento da inteligência, O segundo é o uso de
computadores como instrumentos de experimento psicológico. Butcher cita
experimentos para comparar a execução de um computador programado para resolver
problemas de lógica simbólica com a de um ser humano. Foi possível encontrar uma
corresjdência muito grande entre a seqüência de operaç6es do computador e os estágios
correspondentes de raciocínio humano, Assim, os computadores passaram a oferecer
condições, para o estudo do funcionamento da inteligência através da representação
adequada
19
das atividades internas dos homens atuando a nível de simulação, como modelos.
Neste sentido, como destaca Penna (1984), a simulação da inteligência humana se
aproxima do que propõe a Fen9menologia para o estudo dos mecanismos do
pensamento. Nesta, por meio de procedimentos de redução, são colocados entrè
parênteses fatores motivadonais e emocionais que intervêm nos processos de
pensamento. Entretanto, a própria Fenomenologia chega à conclusão da impossibilidade
de um con’hecimento neutro, e objetivo e esta é exatamente umdas limitaç&s dos
computadores como• simuladores da inteligência humaria: consiste no fato de que não
estão imersos no meio social e de que podem se tornar uma tábua rasa, sem qualquer
traço de experiência anterior, uma vez que foram “limpos”. Mesmo que se programasse
um computador para que, desde o início, conservasse toda experiência, paralelamente a
uma situação humana, ainda assim seria necessário incorporar-lhe um mecanismo de
filtro para se conseguir algo semelhante à seletividade da memória humana..
Assim, consideramos que, embora os estudos com computadores possam ser úteis para
o conhecimento dos mecanismos do funcionamento da inteligência em si, ainda é
necessário, para a compreensão inteligência humana, considerar estágios de
aprendizagem e desen!vimento eficientes ou defeituosos.
12.2. Estudos da Sociologia Educacional
Como vimos, quando falávamos da abordagem psicométrica, foi, pressionado pelas
necessidades do.sistema educacional na França que Binet elaborou uma das primeiras
escalas de desenvolvimento mental, dando origem aos testes mentais para avaliar
diferenças de infeligência.
Também vimos que se chegou à suposição de que os testes mediriam
um nível de inteligência que dificilmente se modificaria da infância até a idade adulta.
Assim, a avaliação da inteligêntia através do testes permitiria uma
classificação das crianças e uma predição quanto às suas possibilidades de produção
intelectual.
Desenvôlvimentos posteriores nos sistemas educacionais e pesquisas a respeito da
influência de fatores hereditários e ambientais sobre a inteligência levarám à conclusão
de que, embora exista uma possibilidade de que os gens estabeleçam um limite ou teto
para a capacidade
20
cognitiva na vida de grande parte das pessoas, as condições ambientais estabelecem um
limite inferior àquele.
Estas idéias têm influenciado os psicólogos, que passaram a dar mais atenção a fatores
ambientais em geral e à influência de grupo em particular, com uma redução do
interesse pelas diferenças psicológicas individuais quando comparadas às influências de
grupo (familiar, escolar etc.).
Assim é que, para a prática educacional, parece mais importante dar atenção às
aspirações educacionais e profissionais da família, às atitudes nas escolas e à eficiência
dos métodos de ensino do que à classificação das crianças apenas a partir da aplicação
de testes de inteligência, prática ainda bastante difundida no nosso meio.
1.3. Conc1us
As diferentes abordagens a respeito da inteligência têm trazido importantes
contribuições para a compreensão do significado deste conceito apesar das divergências
observadas, seja entre autores de urna mesma abordagem, seja entre os de uma
abordagem e outra. Foram cssas contribuições que tentamos pesquisar ao longo deste
capítulo.
Pensamos que o conhecimento das teorias a respeito da inteligência é importante na
medida em que fornece subsídios para o entendimento do seu funcionamento em
diferentes estágios do desenvolvimento e para a apreensão das diferenças individuais
entre pessoas que, nos termos de Piaget, atingiram o mesmo estágio.
Entretanto, esse conhecimento refere-se apenas a alguns aspectos do comportamento do
indivíduo que estamos examinando, sendo necessário reintegrar os aspectos destacados
no todo dinrnico no qual se constitui a pessoa que queremos conhecer.
Neste momento, parece-nos importante considerar um preconceito que pode dificultar
esta integração: inteligência, em sua forma gramatical, é um 6ubstantivo. Substantivos
se referem a coisas ou objetos. Mesmo sabendo perfeitamente que inteligência não é
uma coisa que a pessoa’possui ou não, observamos que muitas vezes pensa-se nela
como se o fosse, atribuindo-lhe uma existência distinta do organismo em ação.
Este tipo de engano, descrito como reificação (coisificação) de um conceito, é muito
comum em nossa sociedade de consumo, onde muita
21
ênfase é dada àquilo que o indivíduo tem, esqueendose muitas vezes de ver como ele é
ou está.
Assim, seria importante começarmos a pensar no adjetivo “inteligente” como mais
básico, e menos perigoso ue o substantivo inteligência quando estamos lidando com a
compreensão dó comportamento de uma pesoa.
Por coiliportamento eritendemós, como Bieger (1976, p. 29)
“o conjunto de operaçõës (fisiológicas, motoras, verbais, mentais) pelas quais um
organismo em situação reduz as tensões que o motivam e reaUza suas poencia1idades”.
Desta maneira, o comportamento sempre implica manifestações coexistentes nas áreas
da mente, .do :corpo e do mundo externo. Esta permanente coexistência nas três áreas
não exclui o predomínio de uma delas em determinado momento.
O estudo do comportamenta inteligente, ou outro, deve então ser feito em função da
personalidade e do contexto social do qual o indivíduo é integrante, sendo visto como
um processo, isto é, de maneira dinâmica.
A partir de uma visão integrada do ser humano podénos destacar manifestações que
denominamos inteligentes, sem todavia nos esquecermos que há componentes não-
intelectuais na inteligência. Assim, quando enfocamos a produção intelectual de uma
pessoa não podemos nos esquecer da influência dos afetos e do ambiente sobre a
mesma.
No caso de crianças que vêm para psicod.iagnóstico em função de problemas escolares,
a avaliação da capacidade intelectual pode se tomar imprescindível. Nesses casos, o
psicólogo recorre aos instrumentos à sua disposição. Não pode esquecer, entretanto,
que, o valor
das medidas obtidas através dos testes é apenas um dos dados que tem para a
compreensão da pessoa em questão, Veremos no cai 2 outras maneiras de se avaliar a
inteligência. Também não pode esquecer que os melhores testes de inteligência
fornecem dados, na melhor das hipóteses, sobre o que a criança sabe ou não, ou pode
manifestar naquele momento, e que esses dado são em relação àquilo que o teste mede.
Este ifltimo aspecto será profundamente discutido nos cap. seguintes.
Finalmente, convém lembrar que, embora as teorias sejam fatores importantes no
background do psicólogo clínico, ,elas não devem
22
se sobrepor à sua capacidade de observar o comportamento de seu
cliente, captando os fatos relevantes e integrandoos numa visão _ global do mesmo.
1.4. Referências bibliográficas
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23
2
Os testes de inteligênçia
Sili’ia Ancona-Lopez Larrabure
E
2.1. Considerações gerais
2.1.1. O ensino dos testes de inteligência
Em nossa experiência como supervisora de Psicologia C1mnica temos observado que,
apesar dos esforços dos professores que lecionam Pticometria, os estagiários chegam áo
último ano do curso de Psicokgia com uma posição extremamente ambígUa em relação
aos testes psicológicos. Talvez o ensino precoce desta matéria, obrigatoriamente
desvinculada da prática, pois os alunos ainda não têm preparo para atender clientes,
leva-os a adotar esta postura. Coloca-se portanto o professor frente a um paradoxo: para
um bom aproveitamento dos resultados dos testes, o psicólogo deve conhecê-los a fundo
e saber utilizá-los. No entanto, como obter esta prática sem usar o cliente como objeto
de uma experiência útil apenas ao candidato a profissional?
Um aprendizado intenso e supervisionado é o que mais se aproxima de uma boa solução
para o problema. Este aprendizado tem sido buscado constantemente pelos professores
de técnicas de exame psicol6gico, Sabemos, no entanto, que, muitas vezes, problemas
de organização universitária e exigências curriculaes não permitem que se atinjam as
condições ideais. É comum os professores recorrerem à auto-aplicação entre os alunos,
correção e avaliação de casos clínicos já atendidos por profissionais, dramatização etc.
Estas situações,
24
que procuram preencher a lacuna da prática real, não chegam real- mente aubstituf-1a.
Psicólogos experientes na aplicação de testes de inteligência podem obter muitas
informações, durante a aplicação, que transcendem as limitações do instrumento. Para
se chegar a isto, no entanto, é necessário conhecer a fundo o teste que está sendo usado:
qual seu objetivo, sua validade, a população a que se dirige etc. Cabe-nos portanto
iniciar o estudo destas questões com as perguntas: como surgiram os testes
psicológicos? e, o que é um teste psicológico?
2.12. Diferentes posturas frente’ aos testes de inteligência
A grosso modo, pode-se dizer que os psicólogos clínicos dividem-se entre os que
adotam um modelo positivista, que inclui a Psicologia entre as ciências naturais, e os
que levam em conta a subjetividade, considerando impossível o estudo do ser humano
como qualquer outro fenômeno natural. Os primeiros, tradicionalmente mais ligados a
experiências laboratoriais, procuram transpâ-las, de certo modo, ao atendimento de seus
clientes, buscando a objetividade e trabalhando principalmente o comportamento
observável. Desta postura teórica surgiram vários testes de inteligência que procuram
aproximar-se de uma avaliação objetiva da mesma,
Entre os que consideram impossível a pura objetividade destacam-se os psicanalistas
que, preocupados com o inconsciente, suas ma”nifestações e sua ímportância na vida
dos seres humanos, não desenvolveram testes de inteligência, mas ocuparam-se com
técnicas projetivasque procuram desvendar os conflitos da personalidade sobre os quais
atuará a terapêutica psicanalítica.
Ainda de acordo com a postura que coloca ênfase na subjetividade, encontramos as
corxentes humanistas e fenomenológico-existenciais, que consideram os testes
psicológicos descaracterizadores do ser humano por reduzi-lo a aspectos teóricos. Essas
correntes, embora aceitem alguns testes, utilizam-nos de forma característica,
cliscutindo-os com seus clientes e transformando-os em recursos terapêuticos mais do
que em técnicas de avaliação.
A importância dos testes de inteligência variou, conforme o predomínio, em diferentes
épocas, de uma ou outra dessas posturas. De modo geral, pode-se dizer que, após um
entusiasmo inicial, houve um momento ‘1a Psicologia em que os testes de inteligência
passaram por um período de descrédito. Após esse período, porém, começaram a ter sua
importância novamente reconhecida, por serem vistos como
25
auxiliares importantes para decisões sobre o indivfdio e por desvendarem aspectos do
ser humano que só difidilmente sêriam conhecidos por outro meio,
A questão da aproximação aos testes de inteligêpia e ao uso dos mesmos será discutida
no próximo capftulo. Este capítulo mover-se-á no âmbito da Psicometria. Dele constará
um rápido histórico dos testes de inteligência, a discussão de sua definição de critérios
de elaboração, e uma breve citação dos testes de inteligência mais em uso no Brasil.
Tais testes serão amplamente discutidos no segundo volume deste livro.
2.2. Pequeno histórico dos testes de inteligência
O surgimento dos testes de inteligência coincide com o nascimento da Psicologia
Clínica, ou Psicologia Aplicada. A primeira atividade profissional dos psicólogos
clínicos foi a avaliação de inteligência
desenvolvida como contribuiçãõ ao :diagnóstico médico. Essa avaliação dirigia-se à
inteligência compreendida de forma global ou à avaliação, de fatores específicos.
Posteriormente, surgiram testes de avaliação da personalidade. Assim, definia-se a
própria Psicologia Clínica, conforme declaração da Assembléia Psicológica Americana,
em 1935, colocando como seu objetivo
definir as capacidades coinporiamentais e as características do comportamento de um
indivíduo através dos métodos de medi.ão” (Mac Kay,
1977, p. 75).
Embora de certa forma esta visão se mantenha, é notório que se ampliou o campo da
Psicologia Clínica. Convén lembrar novamente que, apesar de inúmeras controvérsias
quanto ao uso mais ou menos apropriado dos testes de :inteligncia, estes ocupam largo
espaço nas atividades dos psicólogos e, quando bem utilizados, são auxiliares valiosos
que permitem tornar mais efetivo o atendimento clínico.
O termo originou-se de taste (do inglês, gosto, sabor), e tem o sentido Mual de “prova”.
No latim encontramos “testis”, ou seja, “testemunha” (Van Koick, 1974, p. 15). Essa
palavra foi usada pela primeira vez em Psicometria em 1890,. quando Cateli publicou
um artigo intitulado “Testes e. medi’das mentais” (Viliar, 1967). Catei! transfere para a
Psicologia um tlpo de avaliação iniciada por seu professor, o biólogo inglês Sir Francis
Galton, catedrático da Uni
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