Miocardiopatia Periparto Complicada Associada À Valva Aórtica Bicúspide e Síndrome de Wolff-Parkinson-White

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Rev Bras Cardiol. 2014;27(5):374-377 Tenuta Júnior et al.

setembro/outubro Miocardiopatia Periparto Complicada


Relato de Caso

Relato de Miocardiopatia Periparto Complicada Associada à Valva Aórtica Bicúspide e


Caso Síndrome de Wolff-Parkinson-White
Complicated Peripartum Cardiomyopathy with Bicuspid Aortic Valve and Wolff-Parkinson-White Syndrome

Marcos de Thadeu Tenuta Júnior1, Felipe Augusto de Paiva Dias2, Aletheia Carpine Favini2,
Vivian Botosso Galindo2, Angela Alcântara Magnani Bezerra2, Ali Kassen Omais3
1
Hospital Santa Rosa - Serviço de Cardiologia - Cuiabá, MT - Brasil
2
Universidade de Cuiabá - Curso de Medicina - Cuiabá, MT - Brasil
3
Universidade de Cuiabá - Hospital Geral Universitário - Departamento de Cardiologia - Cuiabá, MT - Brasil

Resumo Abstract
Miocardiopatia periparto é uma síndrome rara, de Peripartum cardiomyopathy is a rare syndrome of
etiologia ainda desconhecida, caracterizada por unknown etiology, characterized by new left
disfunção ventricular esquerda nova, no último mês ventricular dysfunction in the last month of pregnancy
da gestação ou nos primeiros seis meses pós-parto. Os or during the first six months postpartum. Risk factors
fatores de risco incluem multíparas, gestação gemelar, include multiparous, twin pregnancy, black ethnicity
etnia negra e idade materna >30 anos. Relata-se o caso and maternal age above 30 years. This report describes
de miocardiopatia periparto em adolescente de 13 anos, a case of peripartum cardiomyopathy in black female
(13 years old), primiparous, single fetus, associated
negra, primípara de feto único, com cardiopatias
with cardipatias (bicuspid aortic valve and Wolff-
associadas (valva aórtica bicúspide e síndrome Parkinson-White syndrome) who developed
deWolff-Parkinson-White) que evoluiu com thromboembolic complications with an unfavorable
complicações tromboembólicas e desfecho desfavorável. outcome.
Palavras-chave: Cardiomiopatias; Período periparto; Keywords: Cardiomyopathies; Peripartum period;
Síndrome de Wolff-Parkinson-White; Insuficiência da Wolff-Parkinson-White syndrome; Aortic valve
valva aórtica failure

Introdução Em 1997, o National Heart, Lung and Blood Institute


(NHBLI)5 reafirmou esses critérios e incluiu critérios
A miocardiopatia periparto (MPP) é uma condição ecocardiográficos para o seu diagnóstico, que são: fração
rara que acomete mulheres pós-parto, caracterizada de ejeção <45 %; diâmetro diastólico final do ventrículo
pelo desenvolvimento de insuficiência cardíaca (IC), esquerdo >2,7 cm/m² e encurtamento percentual <30 %.
sem outras causas identificáveis, em mulheres
previamente hígidas1. Segundo os dados encontrados No Brasil ainda não há estimativa da real incidência
na literatura, sua incidência varia entre 1/1 300 a da miocardiopatia periparto6.
1/15 000 nascidos vivos2.
A etiologia da MPP permanece incerta, mas diversas
Foi descrita por Ritchie, em 1849, apud Rachid et al.3 como causas têm sido propostas: miocardite; resposta imune
um quadro de insuficiência cardíaca idiopática com início anormal à gravidez; má resposta adaptativa
entre o último mês da gestação e sexto mês após o parto. hemodinâmica à gestação; citocinas ativadas pelo
Em 1971, Demakis et al.4 definiram critérios diagnósticos estresse; infecção viral; uso prolongado de tocolítico;
para MPP que são: insuficiência cardíaca nova no último hereditariedade; déficits nutricionais e distúrbios
mês de gestação ou nos primeiros seis meses pós-parto; hormonais. Há maior evidência para sustentar
ausência de cardiopatia prévia; etiologia desconhecida e miocardites e processos autoimunes como causas mais
disfunção sistólica documentada. prováveis dessa doença7.
Correspondência: Marcos de Thadeu Tenuta Júnior
Rua Adel Maluf, 119 2º andar sala 10 - Jardim Mariana - 78040-400 - Cuiabá, MT - Brasil
E-mail: [email protected]
Recebido em: 17/02/2014 | Aceito em: 04/03/2014

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Tenuta Júnior et al. Rev Bras Cardiol. 2014;27(5):374-377
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Estudos relatam que em aproximadamente metade Admitida no Hospital Geral Universitário (HGU) em
das pacientes a função ventricular se normaliza março 2013, referindo os sintomas descritos e
habitualmente nos primeiros seis meses após o apresentando ao exame físico mau estado geral; pele
diagnóstico. O prognóstico é reservado em pacientes e mucosas descoradas 2+/4+; taquipneia (24 irpm);
com cardiomiopatia persistente, quando uma rápida taquicardia (110 bpm); presença de íctus de ventrículo
deterioração clínica pode evoluir para óbito8. esquerdo (VE) visível e palpável e desviado no
6º espaço intercostal da linha axilar média esquerda;
Relata-se o caso de paciente jovem com episódios sopro sistólico 2+/6+ em foco tricúspide; fígado
pré-gestacionais de palpitações e que no segundo mês palpável a 2 cm do rebordo costal direito (RCD); edema
de puerpério foi diagnosticada com Wolff-Parkinson- de membros inferiores 2+/4+.
White (WPW). Apresentava IC descompensada
classificada em classe C e válvula aórtica bicúspide, com Eletrocardiograma evidenciando ritmo sinusal com
evolução grave, com fenômenos tromboembólicos, sinais de pré-excitação ventricular (WPW) e alteração
choque cardiogênico e óbito. da repolarização ventricular esquerda (Figura 2).
Ecocardiograma: fração de ejeção (FE) de 20%,
dilatação importante de câmeras esquerdas com
Relato do caso disfunção sistólica de VE importante; disfunção
diastólica tipo I do VE; insuficiência mitral e tricúspide
Paciente feminina, 13 anos, negra, 41 kg, estudante discretas; válvula aórtica bicúspide sem repercussão
do ensino fundamental, natural e procedente de hemodinâmica.
Água Boa, MT. Primeira gestação, com história de
palpitações não investigada desde o período
pré-gestacional. Pré-natal sem intercorrências.
Apresentou, 30 dias após o parto cesárea, quadro de
dispneia inicialmente ao esforço que progrediu em
dois meses para dispneia em repouso, ortopneia e
edema em membros inferiores (Figura 1).

Figura 2
ECG à admissão.
ECG demonstrando ritmo sinusal, intervalo PR curto, onda
delta e sobrecarga ventricular esquerda, configurando pré-
excitação ventricular.

Recebeu diagnóstico de miocardiopatia periparto com


IC descompensada classe C, NYHA IV. Realizado
tratamento com carvedilol 6,25 mg; furosemida
injetável 20 mg; captopril 37,5 mg; espironolactona
25 mg; heparina 10 000 UI. Após 28 dias de internação
a paciente recebeu alta com quadro de IC compensada.

Quatro meses após, a paciente foi admitida no pronto


socorro municipal de Cuiabá apresentando hemiplegia
esquerda e desvio de rima labial direita com quatro
horas de evolução. Escala de coma de Glasgow 12;
Figura 1 fígado 4 cm do RCD, doloroso à palpação; ausculta
RX tórax AP, três meses pós-parto, evidenciando com ruflar diastólico em foco aórtico ++/6+, e sopro
cardiomegalia significativa, índice cardiotorácico 0,75. sistólico ++/6+ em borda esternal esquerda baixa.

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Tomografia de crânio revelava acidente vascular de hipertrofia ventricular esquerda e alterações


encefálico isquêmico em região temporoparietal inespecíficas da repolarização ventricular. A
direita. Durante a internação constatou-se ainda radiografia de tórax demonstra aumento do índice
desnutrição proteico-calórica. cardiotorácico (ICT) >0,5 e sinais de estase pulmonar
ou derrame pleural6.
Novo ecocardiograma com FE 20 % mostrou evolução
do quadro da paciente com insuficiência aórtica grave A paciente no segundo mês de puerpério apresentou
em válvula aórtica bicúspide e hipertensão pulmonar. ECG com pré-excitação ventricular e alteração da
Quadro compatível com IC descompensada classe D. repolarização ventricular esquerda. O ECO evidenciou
Recebeu alta após três meses de internação com FE diminuída e dilatação importante de câmeras
compensação cardíaca e hemiplegia esquerda. esquerdas com disfunção sistólica e diastólica de VE.
Permaneceu em acompanhamento ambulatorial com RX de tórax mostrava ICT >0,5.
uso de carvedilol 12,5 mg, furosemida 60 mg, enalapril
5 mg, marevan 2,5 mg, espironolactona 25 mg, A predisposição para a ocorrência de fenômenos
digoxina 0,125 mg, amiodarona 400 mg e sulfato tromboembólicos é explicada pela hipercoagulabilidade
ferroso 300 mg, com INR de 2,6. que ocorre durante o período gestacional, acrescidos
de uma diminuição da FE e da estase sanguínea nas
Em novembro de 2013, a paciente foi admitida na câmaras cardíacas dilatadas da paciente com MPP10.
unidade coronariana do HGU em nova descompensação
clínica, edema 3+/4+ apenas em membro inferior Após quatro meses do diagnóstico e fora do ambiente
esquerdo. Ecocardiograma transesofágico com FE hospitalar, a paciente evoluiu com AVE isquêmico.
14 % mostrou evolução com dilatação importante de Sua evolução clínica, radiológica e ecocardiográfica
ambos os átrios e trombo em tronco de artéria levaram ao diagnóstico de TEP após período de
pulmonar, levantando-se a hipótese de trombose flutuação do INR.
venosa profunda e tromboembolismo pulmonar (TEP).
Na ocasião com INR de 1,7 foi iniciada heparinização O tratamento da MPP é similar ao de outras causas de
plena. No dia 29 do mesmo mês a paciente evoluiu a insuficiência cardíaca, visando à redução da pré e da
óbito, por choque cardiogênico, após parada em pós-carga e ao aumento da contratilidade ventricular.
assistolia, sem sucesso na reanimação cardiopulmonar. O tratamento adequado e de início precoce pode
conduzir à recuperação da função de VE em até 1/3 dos
pacientes e 30,0 % evoluem com ICC grave irreversível2.
Discussão
A paciente recebeu o tratamento clínico preconizado,
A MPP é uma forma específica de cardiomiopatia similar ao de outras causas de insuficiência cardíaca,
dilatada, caracterizada pelo desenvolvimento de porém sem boa resposta, sendo ideal o transplante
insuficiência cardíaca sistólica nova no período entre cardíaco.
o último mês da gestação e os seis meses pós-parto8.
A persistência da disfunção após seis meses do
Os principais fatores de risco descritos são: mulheres diagnóstico indicou cardiomiopatia irreversível e
multíparas, com idade superior a 30 anos, de etnia menor sobrevida. O prognóstico parece ser pior nas
negra e gestação gemelar. Outros fatores descritos são: mulheres de etnia negra, com idade maior que 30 anos
história familiar, obesidade, deficiência de selênio, e multíparas7. No presente relato, a paciente foi a óbito
história de pré-eclâmpsia ou eclâmpsia, hipertensão e foram observados dois fatores para o mau
arterial, alto consumo de sódio, tocólise prolongada e prognóstico: não melhora da função ventricular após
baixo nível socioeconômico9. O presente relato se seis meses e a etnia negra.
refere a paciente jovem, negra e de baixo nível
socioeconômico e havia coexistência de valva aórtica
bicúspide e WPW. Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.
Os exames complementares como RX de tórax e
eletrocardiograma reforçam o diagnóstico, uma vez Fontes de Financiamento
que a MPP é um diagnóstico de exclusão. O ECG O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
geralmente é normal, porém pode apresentar
taquicardia sinusal, arritmias, presença de ondas Q Vinculação Acadêmica
nas derivações V1 a V3, baixa voltagem dos O presente estudo não está vinculado a qualquer programa
complexos QRS, arritmias atrioventriculares, sinais de pós-graduação.

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