Teoria Da Acao Penal

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TEORIA DA AÇÃO PENAL

JOÃO GUALBERTO GARCEZ RAMOS


Professor de Direito Processual Penal – UFPR

EMENTA: 1. Noções introdutórias. 2. Conceito de ação penal. 3. Condições da ação penal. 4.


Condições de procedibilidade. 5. Espécies de ação penal. 6. Ação penal pública. 6.1. Conceito.
6.2. Fundamento político. 6.3. Princípio informativo. 6.4. Caracteres. 7. Ação penal privada.
7.1. Conceito. 7.2. Fundamento político. 7.3. Princípios informativos. 7.4. Caracteres. 8. Ação
penal pública condicionada. 8.1. Conceito. 8.2. Fundamento político. 8.3. Princípio
informativo. 8.4. Caracteres. 9. Ação penal privada subsidiária. 9.1. Conceito. 9.2.
Fundamento político. 9.3. Princípios informativos. 9.4. Caracteres. 10. Referências
bibliográficas.

1. Introdução

A causa remota da inclusão de um tema como a ação penal no Código Penal –


arts. 100 a 105 – pode ser buscada na lição do jurisconsulto romano PUBLIUS
IUVENTINUS CELSUS ou, simplesmente, CELSO, para quem a ação nada mais era
do que o direito de alguém de buscar em juízo o que lhe seja devido (“actio autem
nihil aliud est quam ius persequendi in iudicio quod sibi debetur”).
Essa concepção, de que a ação é um elemento imanente do próprio direito em
questão, e que se manifesta quando o direito é violado, é por isso chamada de
imanentista.1 Explicava também o art. 75 do revogado Código Civil (“A todo direito
corresponde uma ação, que o assegura”). O legislador do novo Código Civil, bem
avisado, expurgou do novo diploma a impropriedade. Em 1984, o legislador penal
já tinha lições suficientes de que o tema é processual e não deve figurar no Código

1
Cf., a respeito, TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1987, p. 103-104.
2

Penal. Perdeu uma boa oportunidade de transferir toda a disciplina legislativa da


ação para o Código de Processo Penal.
A concepção imanentista se encontra superada, em todos os seus aspectos. Era
incapaz, por exemplo, de explicar a ação quando se dava um julgamento de
improcedência do pedido. Afinal, se a ação é um aspecto do direito, se não há
direito o que houve até a sentença de improcedência? Não poderia ser ela uma
creatio ex nihilo. O mesmo se dava no caso de ações declaratórias negativas.
Seja como for, a disciplina da ação penal está presente no Código Penal e deve
ser objeto de exame. Esse exame deve ser articulado, pois regras sobre a ação penal
estão presentes também na Constituição da República e no Código de Processo
Penal.

2. Conceito de ação penal

A ação penal é o direito subjetivo exercível contra o Estado – de cariz público,


portanto – de pedir ao Poder Judiciário uma sentença sobre uma causa penal. Ou,
para invocar o magistério de JOSÉ FREDERICO MARQUES, “é o direito que tem o
Estado-Administração, em face do Estado-Juiz, ao julgamento sobre o mérito de
uma pretensão punitiva regularmente deduzida na acusação”.2
Trata-se de uma garantia, mencionada na Constituição por duas vezes (art. 5º,
LIX, e art. 129, I). É a única maneira de iniciar o processo penal condenatório;
nullum judicium sine accusatione. O processo penal, por sua vez, é o único meio
legítimo de obter-se uma sentença penal condenatória; nulla sententia sine judicio.
Por fim, a sentença condenatória é o único modo legítimo de se impor a alguém
uma sanção penal; nulla pœna sine judicio.

3. Condições da ação penal

Foi através da doutrina do Processo Civil que ficou estabelecida a natureza


jurídica da ação judicial, como um direito autônomo, abstrato e submetido a
condições, definidas como um acontecimento futuro e incerto, condicionante da

2
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro-São Paulo: Forense,
1965, v. 1, n. 169, p. 316.
3

eficácia das relações jurídicas (CC, art. 121). A ação é o direito subjetivo de natureza
pública, sujeito a condições, de exigir do Estado um julgamento de mérito sobre
um pedido e, em consequência, uma determinada prestação jurisdicional.
Contudo, embora muitos autores apresentem as condições da ação civil
(legitimidade e interesse) como as condições da ação penal,3 o fato é que elas não
servem para o Processo Penal.
Como espécie de síntese do debate entre as concepções inamentistas e as
abstratistas da ação civil, aquelas advogando que a ação era parte, e estas afirmando
que a ação era totalmente desvinculada do direito material, surgiu a concepção
acerca das condições da ação.
Para ENRICO TULLIO LIEBMAN, a ação nem é totalmente concreta, nem
inteiramente abstrata. É desvinculada do direito material posto, mas está sujeita a
certas condições. Para o ilustre processualista italiano, a concepção concretista da
ação apresenta dificuldades intransponíveis, algumas delas referidas acima. Por
outro lado, a concepção abstratista da ação, à maneira das lições dos professores
de Leipzig, KARL HEINRICH VON DEGENKOLB e de Budapeste, SÁNDOR PLÓSZ,
fazia confundirem-se o direito de ação e o mero direito de petição.
As condições da ação têm, no plano do Processo Civil, uma serventia
característica, a qual não se aplica, em hipótese alguma, ao Processo Penal. Servem
elas, alhures, para determinar quem tem pertinência subjetiva com alguma situação
de fato para poder pleiteá-la em juízo e, determinadas as pessoas legitimadas,
quando há efetiva necessidade e utilidade do Processo Civil para a solução da
referida situação de fato.
LIEBMAN concebe um direito de ação abstrato do direito material, mas
vinculado a condições. Nas primeiras edições de seu manual eram três essas
condições: legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do pedido; depois, na
última edição, resumiu-as a duas: legitimidade e interesse.
No caso do Processo Penal, a legitimidade, como condição da ação judicial,
coloca-se somente à ação penal privada. Nesse caso, somente o ofendido, ou quem
tenha qualidade para representa-lo, pode propor a ação privada (CPP, art. 30). Ou,

3
Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. As condições da ação penal: uma tentativa de revisão, São Paulo: Ed. José
Bushatski, 1977, 206 pp.
4

morto o ofendido, a legitimidade passará para o cônjuge, ascendente, descendente


ou irmão, nessa ordem (CPP, art. 31). O mesmo mecanismo tem aplicação para
determinar quem pode oferecer representação, no caso dos crimes de ação penal
pública condicionada (CPP, art. 24, caput e parágrafo único). E nem na ação
privada, nem na pública, coloca-se para o réu. A eventual “falta de legitimidade do
réu” para a ação penal resolve-se sempre no plano do mérito, com a absolvição por
não haver prova de que o réu concorreu para a infração penal (CPP, art. 386, V)
ou por estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (CPP, art. 386,
IV).
No caso da ação penal pública, porém, a questão da legitimidade jamais se põe:
o Ministério Público é sempre o legitimado para propô-la.
Se há conflito entre órgãos ou mesmo entre ramos do Ministério Público, a
questão que se coloca não é de legitimidade, mas de atribuições. Será, inclusive,
resolvida administrativamente, pelo procurador-geral da República (Constituição,
art. 26, VII).
ADA PELLEGRINI GRINOVER, com muita lucidez, leciona “não ser [o interesse
de agir] condição da ação penal condenatória, por estar implícito em toda acusação.
O processo penal é sempre necessário, proibida que é a autocomposição, em suas
formas de submissão, de desistência e de transação; e o provimento condenatório
pedido é adequado para atingir o escopo de atuação da vontade concreta da lei”.4
No Processo Penal o interesse está sempre presente, não sendo uma condição
para o exercício da ação penal. Dado o princípio nulla poena sine iuditio, o
processo penal condenatório é sempre e sempre necessário e adequado ao
provimento que se quer obter através da ação. No Processo Civil, a condição do
interesse visa a dar a proteção jurídica às pessoas sempre que falte a observância
espontânea das normas jurídicas de Direito Privado.5 No caso do sistema penal,
não é possível observar espontaneamente a sanção prevista pelo ordenamento. No
caso de estar alguém incurso na sanção penal, o Direito Penal não se aplica
espontaneamente; precisa do Processo Penal. Daí que, na ação penal, há sempre,

4
GRINOVER, Ada Pellegrini. As condições da ação penal: uma tentativa de revisão, São Paulo: José Bushatsky,
1977, p. 132.
5
Cf. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil, trad. de Cândido R. Dinamarco, Rio de Janeiro:
Forense, 1984, p. 3.
5

em tese, interesse jurídico. O resto é mérito do caso apresentado.


Raciocínio muito aproximado desse valeria para a possibilidade jurídica do
pedido – caso ela tivesse sido mantida na teoria de LIEBMAN, na medida em que
sempre a condenação às penas previstas na lei é possível. O caso de impossibilidade
jurídica ocorreria na absurda hipótese do Ministério Público pedir a condenação a
uma pena não prevista no ordenamento jurídico. Não há que se falar, portanto,
nessa condição da ação.
É tão flagrante a inadequação das condições da ação civil no Processo Penal
que o exemplo que seria mais característico de falta de interesse, gerado pela
impossibilidade jurídica do pedido (a atipicidade da conduta) é caso expresso de
absolvição (CPP, art. 386, III) e não de carência de ação.6
A solução face ao Processo Penal brasileiro passa pelas condições da ação
concebidas por ENRICO TULLIO LIEBMAN – legitimidade e interesse – que é uma
verdadeira conquista da dogmática jurídica. Aliás, pode-se dizer que, tendo em vista
as consequências práticas da instauração de um processo penal condenatório
contra alguém, a existência da categoria das condições para o recebimento da
acusação criminal torna-se ainda mais necessário ao pleno exercício da cidadania.
Assim, ao tempo em que se admite a existência de condições da ação penal – repita-
se, com ainda mais razão do que no Processo Civil – rejeita-se a legitimidade para
a ação penal pública, aceitando-a apenas para o autor da ação penal privada e
rejeita-se inteiramente a categoria do interesse.
ANTONIO ACIR BREDA propõe o exame das condições da ação penal a partir
da regra que define os casos de rejeição da denúncia ou da queixa.7
Assim, para o ilustre processualista paranaense as condições da ação estariam
no CPP, e é deveras despiciendo buscá-las na teoria do processo civil.
De fato, o art. 395 do CPP, interpretado a sensu contrario, fornece pistas sobre
as condições genéricas da ação penal. O art. 395, I, dispõe que o juiz rejeitará a

6
Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. As condições da ação penal: uma tentativa de revisão, São Paulo: José Bushatski,
1977, p. 62-73.
7
BREDA, Antonio Acir. “Efeitos da declaração de nulidade no processo penal”, em Ciência Penal, n. 2 (1980), p.
111-114; em Revista do Instituto dos Advogados do Paraná, n. 2 (1980), p. 96-98, em MP, n. 9 (1980), p. 177-179;
em Revista de Processo, n. 20 (out-dez/1980), p. 184-188; e em Revista de Direito Penal e Criminologia, n. 32 (jul-
dez/1981), p. 92-94.
6

denúncia ou a queixa se ela for “manifestamente inepta”. A inépcia tem sido


definida como a falta completa de aptidão para cumprir aquilo a que algo se destina.
A inépcia manifesta é essa falta de aptidão em um grau máximo. A denúncia ou a
queixa se destinam a levar uma pretensão condenatória ao exame jurisdicional.
Devem narrar um fato que seja, ao menos na aparência, criminoso. Se não
conseguem fazer isso, devem ser rejeitadas.
Dado o caráter de generalidade com que são estabelecidas — isto é, valem para
todas as espécies de crimes e não para alguns deles — as condições da ação penal
são enunciadas no estatuto processual penal.
Assim, a primeira condição da ação penal é a existência de uma causa penal,
isto é, de um fato ao menos teoricamente criminoso. Assim, a ilicitude aparente do
fato narrado é uma das condições da ação penal. Por outro lado, se o fato narrado
for evidentemente atípico, a solução preconizada pelo legislador é a absolvição
sumária do imputado (CPP, art. 397, III). O imputado também será absolvido se
estiver demonstrada uma causa de exclusão da ilicitude do fato (CPP, art. 397, I)
ou uma causa de exclusão da culpabilidade, salvo a imputabilidade (CPP, art. 397,
II).
Outra condição da ação é a punibilidade concreta do fato. Só se pode perseguir
criminalmente alguém se esse alguém for punível pelos fatos que cometeu.
Contudo, por opção política do legislador, a falta de punibilidade levará à
absolvição sumária do imputado (CPP, art. 397, IV).
Outra condição da ação penal é a justa causa (CPP, art. 395, III). Esse
dispositivo combina com outro do estatuto processual penal, que define a justa
causa como uma das causas de ilegalidade da persecução penal (CPP, art. 684, I).
O conteúdo da justa causa, por sua vez, pode ser definido como prova da
materialidade do fato e existência de indícios suficientes de autoria ou participação
(CPP, art. 413).
Dispõe a lei processual penal que “o juiz deverá absolver sumariamente o
acusado quando verificar... que o fato narrado evidentemente não constitui crime”
(CPP, art. 397, III).
Essa hipótese não é referente, tal como equivocadamente exemplifica
FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, a do Promotor que denuncia alguém
7

por usar gravata amarela ou por praticar incesto.8 Nesses casos, embora o pedido
seja, de fato, impossível, a questão, de tão esdrúxula, sequer se coloca. Ninguém
desconfia de que não é crime usar gravata amarela e, dentre os cultores do direito,
a certeza da atipicidade não é menor no caso de incesto.
A hipótese se revela importante quando o órgão do Ministério Público faz uma
incorreta subsunção da situação de fato que reputa criminosa e a classifica como
um crime de fato existente. O juiz, analisando o caso, percebe que se trata de um
irrelevante penal e, a partir de seu exame, a hipótese se revela clara e cristalina. É
o caso do estelionato, em que o órgão do Ministério Público narra uma situação de
obtenção de vantagem ilícita, em prejuízo alheio, sem, porém verificar se a indução
ou manutenção da vítima ou de quem quer que seja em erro; narra, enfim, um
negócio jurídico mal feito, pensando que o faz com relação a um estelionato.
Sem justa causa, não se recebe uma acusação (CPP, art. 395, III). Sem justa
causa, o processo penal condenatório deixa de ser um instrumento legítimo de
persecução, e passa a ser um instrumento de perseguição injusta. Daí que a causa
por detrás do processo deve ser perfeitamente justa. Trata-se de uma condição
genérica da ação penal (CPP, art. 648, I).
Quanto ao conteúdo da justa causa, o exame atento da lei processual penal
permite descobri-lo. Assim, ao examinar-se o que o juiz deve verificar para
pronunciar o acusado, isto é, autorizar seu julgamento pelo Tribunal do Júri, vê-se
que o fará “se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios
suficientes de autoria ou de participação” (CPP, art. 413, caput).
A estrutura interna da pronúncia é a mesma da decisão de recebimento da
denúncia, na qual, conforme já visto, há expressa menção à justa causa (CPP, art.
395, II). Daí a legitimidade da utilização dessa regra para definir o conteúdo
material da justa causa, que é, portanto, formada pelo binômio prova da
materialidade do crime e indícios suficientes de autoria ou participação.
A justa causa garante aquilo que PIMENTA BUENO atribuiu como um dos
deveres primeiros do Ministério Público. Para o mestre paulista, o Ministério
Público deve ser “vigilante e enérgico” na proteção da ordem pública e na repressão
dos delitos, sem olhar para quem sejam os delinquentes”. Todavia, não deve

8
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, 13ª ed., São Paulo: Saraiva, 1992, v. 1, p. 442-443.
8

“incomodar levianamente e menos oprimir injustamente a um só cidadão”.9 A justa


causa se propõe a prevenir essa última ocorrência.
O Supremo Tribunal Federal já definiu a justa causa como “uma necessária
base empírica, a fim de que o exercício desse grave dever-poder não se transforme
em instrumento de injusta persecução estatal” ou derive de pura criação mental da
acusação.10

4. Condições de procedibilidade

As condições da ação penal são também denominadas genéricas; estão


presentes em todas as ações penais. Ao seu lado há condições específicas, exigidas
somente em alguns casos; são as condições de procedibilidade (CPP, art. 395, II,
segunda parte).
A condição de procedibilidade se constitui em um fato jurídico futuro e incerto,
mas cuja ocorrência é considerada pela lei condição para a propositura da ação
penal.11
Para JOSÉ FREDERICO MARQUES, “as condições de procedibilidade mostram
quais os elementos prévios para ser admissível a acusação, e os pressupostos
processuais as circunstâncias e dados que tornam admissível sentença de mérito
por haver relação processual válida. Mesmo os pressupostos processuais de
existência da relação processual distinguem-se perfeitamente das condições de
procedibilidade, porque só se referem à instância, e não às condições de
legitimidade da persecução penal”.12
A diferença entre as condições de procedibilidade e as condições da ação penal
é de amplitude: estas devem ser cobradas em relação a toda a ação penal, enquanto

9
BUENO, José Antonio Pimenta. Apontamentos sobre o Processo Criminal brasileiro, ed. anot., atual. e compl.
por José Frederico Marques, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1959, cap. 3, seção 3ª, n. 95, p. 127.
10
Habeas corpus n. 73271-SP – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Celso de Mello – julgado em 19.mar.1996 – ordem
indeferida – votação unânime – DJU, 4.out.1996, p. 37100 – Ementário n. 1.844, p. 60; Habeas corpus n. 72062-
SP – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Celso de Mello – julgado em 14.nov.1995 – ordem deferida – DJU, 21.nov.1997.
11
Cf. GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal, São Paulo: Saraiva, 1991, p. 99.
12
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro-São Paulo: Forense,
1965, v. 2, p. 391-392.
9

aquelas se referem a algumas hipóteses, definidas por lei.


A condição de procedibilidade por excelência é representação do ofendido nos
crimes de ação penal pública condicionada (CP, art. 100, § 1º, primeira figura;
CPP, art. 24, caput, última figura), que nada mais é do que uma autorização para
agir. Está prevista em inúmeros dispositivos do Código Penal (arts. 130, § 2º, 147,
parágrafo único, 151, caput, 151, § 1º, I a III, 152, parágrafo único, 153, § 1º, 154,
parágrafo único, 154-B, 156, § 1º, 176, parágrafo único, 182, 186, IV e 225) e da
legislação especial (Lei 9.099, art. 88). Também está prevista como condição de
procedibilidade dos crimes contra a honra cometidos contra funcionário público,
em razão de suas funções (CP, art. 141, II).13
O Supremo Tribunal Federal decidiu que a ação penal no caso de crimes de
lesões corporais leves e lesões corporais culposas de competência da Justiça Militar
(CPM, arts. 209 e 210) também dependem de representação do ofendido.14
Outra tradicional condição de procedibilidade é a requisição do ministro da
Justiça (CP, art. 100, § 1º, última figura; CPP, art. 24, caput, primeira figura). Apesar
do nome, não é tecnicamente uma ordem. Assemelha-se à representação,
constituindo-se em uma autorização para agir, por parte do ministro da Justiça. O
Ministério Público não fica a ela vinculado nem quanto à decisão de propor a ação
penal, nem quanto à qualificação jurídico-penal dos fatos.15
No caso dos crimes cometidos no exterior por estrangeiro contra brasileiro, são
condições de procedibilidade a) entrar o provável autor do crime no território
brasileiro (CP, art. 7º, § 2º, a); b) ser o crime punível também no país em foi
praticado (CP, art. 7º, § 2º, b); c) estar o crime incluído dentre aqueles pelos quais
a lei brasileira autoriza a extradição (CP, art. 7º, § 2º, c); d) não ter sido o provável
autor do crime absolvido no estrangeiro ou, condenado, não ter lá cumprido sua

13
Habeas corpus n. 70029-CE – STF – Pleno – Rel. Min. Marco Aurélio – julgado em 31.mar.1993 – ordem
concedida – votação majoritária – DJU, 13.ago.1993, p. 15.676.
14
Recurso ordinário em habeas corpus n. 74606-MS – STF – 2ª Turma – Rel. Min. Maurício Corrêa – julgado em
8.abr.1997 – provido para que a vítima seja intimada para os fins do art. 91 da Lei n. 9.099/95 – votação unânime –
DJU, 23.mai.1997; Recurso ordinário em habeas corpus n. 74547-SP – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Octávio Gallotti
– julgado em 20.mai.1997 – provido – votação unânime – Informativo STF n. 72.
15
Habeas corpus n. 68242-DF – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Celso de Mello – julgado em 6.nov.1990 – ordem
denegada – votação unânime – DJU, 15.mar.1990, p. 2.648.
10

pena (CP, art. 7º, § 2º, d); e) não ter sido o provável autor do crime perdoado no
estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta sua punibilidade, segundo a lei
mais favorável (CP, art. 7º, § 2º, e). Soma-se a essas condições de procedibilidade
a requisição do ministro da Justiça (CP, art. 7º, § 3º, b).
A representação do ministro da Justiça também é condição de procedibilidade
dos crimes contra a honra cometidos contra o presidente da República ou contra
chefe de governo estrangeiro (CP, arts. 145, parágrafo único, 141, I).
No crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (CP,
art. 236), é condição de procedibilidade o trânsito em julgado da sentença que, por
erro ou impedimento, tenha anulado o casamento (CP, art. 236, parágrafo único).
Nos casos dos crimes comuns praticados pelo presidente da República, pelo
vice-presidente da República ou por qualquer dos ministros de Estado, é condição
de procedibilidade a prévia autorização da Câmara dos Deputados, votada por 2/3
dos seus membros, no caso de crime comum praticado por membros do Poder
Executivo Federal (Constituição, art. 51, I).
No caso dos crimes contra a propriedade imaterial, a compreensão sobre a
tipicidade do crime não é possível, muitas vezes, sem uma análise pericial. O exame
pericial, nesses casos, é indispensável. Daí que o legislador decidiu considerá-lo
uma condição de procedibilidade, ao dispor que, nos casos dos crimes contra a
propriedade imaterial deixarem vestígios, a queixa ou a denúncia não serão
recebidas se não for instruída com o exame pericial do corpo de delito (CPP, art.
525).
Por fim, a constituição do crédito tributário também se constitui em uma
condição de procedibilidade dos crimes fiscais. Analisando a constitucionalidade
de dispositivo da Lei 9.430 (art. 83), o Supremo Tribunal Federal decidiu que
“antes de constituído definitivamente o crédito tributário não há justa causa para a
ação penal”.16 Antes de ser comunicado oficialmente do lançamento, porém, o
Ministério Público pode oferecer a denúncia se tiver conhecimento, por outros

16
Ação direta de inconstitucionalidade n. 1571-DF – STF – Pleno – Rel. Min. Gilmar Mendes – julgada em
10.dez.2003 – julgada improcedente – votação majoritária, vencidos o Min. Carlos Britto e Ellen Gracie – DJU,
30.abr.2004, p. 27. No mesmo sentido: Habeas corpus n. 81611-DF – STF – Pleno – Rel. Min. Sepúlveda Pertence
– julgado em 10.dez.2003 – ordem concedida – votação majoritária, vencidos os Min. Ellen Gracie, Joaquim Barbosa
e Carlos Britto – DJU, 13.mai.2005, p. 6.
11

meios, desse fato.

5. Espécies de ação penal

O grande professor de Direito Judiciário Penal da Universidade de São Paulo,


JOAQUIM CANUTO MENDES DE ALMEIDA, trata de três noções da palavra ação: a
noção vulgar, a noção política e a noção jurídica. A noção vulgar corresponde à
vida do ser humano, suas realizações e sua atividade de modificar o meio à sua
volta. A noção política refere-se à atividade de toda a coletividade organizada,
através de sua autoridade pública. A noção jurídica, por sua vez, corresponde à
atividade estatal de dar coerção direta aos ramos jurídicos de coerção indireta,
como o Direito Penal, por exemplo.17
A Constituição da República garante que “a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (Constituição, art. 5º, XXXV). Esse
enunciado consubstancia o que se denomina de “princípio da universalidade da
jurisdição”.
Por conta dele, o cidadão tem o direito subjetivo público de invocar a tutela
jurisdicional de direitos violados ou ameaçados de violação. Não há qualquer forma
de contencioso administrativo que proíba, ou mesmo que limite
desarrazoadamente o acesso ao Poder Judiciário para resolver tais situações.
Dessa forma, fica clara a natureza pública do direito de ação. Mesmo a ação
civil que vise exclusivamente a composição de danos exclusivamente patrimoniais
é claramente pública.
No caso da ação penal sua natureza pública é ainda mais clara, até porque a
matéria aplicada em tais casos diz diretamente com os interesses do Estado na
preservação do ordenamento jurídico. Dispensaria considerações outras. Mas é
interessante fazê-las.
Na Constituição está fixado que “ninguém será processado nem sentenciado
senão pela autoridade competente” (Constituição, art. 5º, LIII). É o princípio

17
ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Ação penal: análises e confrontos, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1938, p. 8-12 e ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Processo Penal, ação e jurisdição, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1975, p. 103-105.
12

expresso pelo brocardo nulla poena sine iudicio.


Por outro lado, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal” (Constituição, art. 5º, LIV). É o “princípio do devido
processo legal”, também conhecido pela expressão inglesa due process of law.
Esses dois últimos princípios tornam o Processo Penal e a consequente
sentença judicial como condições indispensáveis para a inflição de uma sanção de
caráter penal. Articulados com o princípio da universalidade da jurisdição, deixam
claro que a ação penal é também um direito subjetivo público a ser exercido contra
o Estado-Juiz.
ADA PELLEGRINI GRINOVER escreve que “a ação penal é sempre pública: não
temos dúvidas em afirmá-lo. A ação, direito público subjetivo que tende a um
provimento jurisdicional (envolvendo, sempre, uma obrigação de resposta do
Estado) não pode ter senão caráter público. Assim é, quer no processo penal, que
no processo civil”.18
Logo, conforme visto, a ação penal é sempre pública, no sentido de que é um
direito exercitado contra o Estado.
Contudo, situações há, nos diversos sistemas processuais penais, em que a ação
penal, malgrado sua natureza essencialmente pública, ganha contornos
diferenciados, que fizeram a doutrina enriquecer a classificação das ações penais.
Assim, diz-se que a ação penal pode ser a) privada, b) popular e c) pública.
Embora não existam documentos que corroborem essa conclusão, mas pelo
que se observa dos estágios de desenvolvimento da humanidade, é possível afirmar
que a ação penal privada é a mais antiga de todas as formas de ação penal. A mais
antiga e a mais sujeita a percalços, conforme ver-se-á adiante.
Na sequência, as sociedades conheceram a ação penal popular; quivis ex
populo.
Era assim na Grécia e em Roma, por exemplo, mas também é certo que
ocorreu na Inglaterra, na Espanha e em alguns outros países da Europa continental.
No Brasil, durante o império, norma constitucional previa a iniciativa popular

18
GRINOVER, Ada Pellegrini. “Queixa, representação e ‘querela’: contrastes e confrontos”, em O processo em sua
unidade, São Paulo: Saraiva, 1978, p. 202.
13

da ação penal contra os Juízes de Direito e contra os Oficiais de Justiça corruptos:


“Por suborno, peita, peculato, e concussão haverá contra eles [juízes de Direito e
oficiais de Justiça] ação popular, que poderá ser intentada dentro de um ano, e dia
pelo próprio queixoso, ou por qualquer do povo, guardada a ordem do processo
estabelecida na lei” (Constituição de 1824, art. 157).
Segundo JOSÉ ANTONIO PIMENTA BUENO, essa forma de ação penal popular
consistia na concessão do direito de ação “a qualquer do povo, para que [pudesse]
acusar perante os tribunais os réus de certos crimes que, por sua natureza, a lei
entende que ofendem a todos e a cada um dos cidadãos”.19
Essa análise, contudo, não correspondia à real intenção da norma constitucional
de antanho. Isso porque a finalidade de perseguir os crimes que, por sua natureza,
feriam a todos e a cada um dos cidadãos, foi sempre – e inclusive naquela época –
satisfeita pela ação penal pública. A verdadeira preocupação da norma
constitucional, naquele caso, parece ter sido com a possibilidade de influência
negativa que, no caso de crimes cometidos por magistrados, poderia ser exercida
por eles próprios sobre os promotores públicos. Afinal, não se deve esquecer que,
na época, os promotores eram subordinados aos magistrados.
Os inconvenientes da ação penal popular são inúmeros. O primeiro deles é que
o temor de represálias, presente sempre que o imputado é poderoso, poderia
obstar o exercício da ação penal. Um segundo inconveniente seria tornar-se, a ação
penal popular, instrumento de vingança política, tal como ocorre muitas vezes com
a ação popular prevista no ordenamento jurídico (Constituição, art. 5º, LXXIII).
Por fim, poder-se-ia apontar um outro, que seria tornar-se, a ação penal popular,
ferramenta de impunidade, na medida em que o exercício defeituoso,
intencionalmente ou não, poderia servir para o livrar o réu de condenação válida e
eficaz.
Essa forma de ação penal desapareceu do Processo Penal brasileiro, posto que
não inteiramente. Resquícios dela se encontram na regra que permite a qualquer
do povo levar ao conhecimento da autoridade, verbalmente ou por escrito, crime
de ação pública de que tenha tido conhecimento (CPP, art. 5º, § 3º), na regra que
permite a qualquer do povo prender quem quer que seja encontrado em flagrante

19
BUENO, José Antonio Pimenta. Apontamentos sobre o Processo Criminal brasileiro, ed. anot., atual. e compl.
por José Frederico Marques, Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1959, p. 187-188.
14

delito (CPP, art. 310, caput) e na regra que permite o direito de representação por
abuso de autoridade, sem restringi-lo ao ofendido e ao seu representante legal (Lei
4.898, arts. 1º e 2º).
Por fim, quando os Estados já se apresentavam mais maduros, bem como
quando seus interesses políticos se tornaram maiores, a ação penal pública surgiu
e se tornou a forma de ação penal mais disseminada. A ela voltaremos em seguida.
Na atualidade, grosso modo, o Processo Penal brasileiro conhece a ação penal
pública e a ação penal privada. Aquela pode ser incondicionada ou condicionada.
Esta biparte-se em ação penal privada propriamente dita e em ação penal privada
subsidiária. Todas serão estudadas adiante.

6. Ação penal pública


6.1. Conceito

Por ação penal pública dita incondicionada deve-se entender a ação penal de
iniciativa exclusiva e não-condicionada do Ministério Público. Por exclusiva se quer
significar aquela atuação que não pode ser realizada por nenhuma outra pessoa ou
instituição além do Ministério Público. Por não-condicionada se quer designar o
exercício que é decidido com autonomia pelo Ministério Público, sem o concurso
da vontade de outra pessoa ou instituição, mas apenas em obediência ao que
determina a lei. Nem a vítima tem disposição sobre esse exercício.
O exercício da ação penal cabe ao agente político, pago pelos cofres públicos
para deter o ministério público de promovê-la.
O juiz criminal controla o exercício e o não-exercício da ação penal, por meio
de mecanismos muito diversos entre si. Quando a ação é exercitada, o juiz controla
esse exercício através dos seguintes mecanismos.
Pode rejeitar a denúncia ou a queixa quando manifestamente inepta (CPP, art.
395, I), quando faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação
penal (CPP, art. 395, II) ou quando faltar justa causa para o exercício da ação penal
(CPP, art. 395, III). Pode absolver sumariamente o denunciado ou querelado,
quando verificar a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato
(CPP, art. 397, I), quando verificar a existência manifesta de causa excludente da
culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade (CPP, art. 397, II); quando verificar
15

que o fato narrado evidentemente não constitui crime (CPP, art. 397, III); quando
verificar estar extinta a punibilidade do agente (CPP, art. 397, IV).
Quando a ação penal não é promovida, o juiz exercita o controle de diversas
maneiras. A principal é ensejada pela promoção de arquivamento do inquérito
policial, efetuada pelo membro do Ministério Público. Caso o juiz discorde do
arquivamento, envia os autos ao órgão competente do Ministério Público com as
razões do arquivamento, a fim de que o próprio Ministério Público decida a
respeito. No caso do Ministério Público Estadual, essa decisão cabe ao procurador-
geral de Justiça (Lei 8.625, art. 29, VII); no caso do Ministério Público Federal, à
câmara de coordenação e revisão competente em matéria penal (LC 75, art. 62,
IV). Outra hipótese de controle ocorre no chamado arquivamento indireto, que
ocorre quando o membro do Ministério Público exclui da denúncia um indiciado
pela prática do crime, invocando um motivo que considera relevante.20 Nesse caso,
o controle ocorre da mesma maneira que na hipótese anterior.
Outra hipótese de controle do não exercício da ação penal ocorre com a ação
penal privada, quando o querelante exclui da queixa um dos autores do crime, em
violação ao princípio da indivisibilidade. Nesse caso, o juiz deve rejeitar a queixa,
por ocorrência de renúncia tácita, que a todos os querelados aproveita (CPP, art.
49).
Esse controle jurisdicional não se confunde, obviamente, com o próprio
exercício, que é exclusivo do Ministério Público.

6.2. Fundamento político

O fundamento político da ação penal pública incondicionada é, em primeiro


lugar, a maior segurança social decorrente dessa prática. A experiência histórica
tem demonstrado que, se a ação penal ficasse unicamente sob a responsabilidade
dos particulares ofendidos pela prática criminosa, haveria, desde logo, o temor
desses particulares de sofrerem represálias pelo seu exercício. Além disso, a ação
penal de titularidade privada traria o risco de acordos espúrios, contra os interesses
públicos que o Direito Penal representa.

20
Conflito de atribuições n. 12-BA – STF – Pleno – Rel. Min. Rafael Mayer – julgado em 1º.abr.1982 – não
conhecido – votação unânime – DJU 9.dez.1983, p. 19.415 – RTJ n. 108 (abr-jun/1984), p. 455.
16

No caso de titularidade popular da ação penal – quivis ex populo – os


inconvenientes são ainda maiores. O primeiro desses defeitos é o do já citado temor
de represálias, presente sempre que o acusado é poderoso. Também haveria o
risco de acordos espúrios, de forma ainda maior que no caso da ação penal de
iniciativa do ofendido; por exemplo, com o exercício intencionalmente defeituoso
da ação penal, com o fim exclusivo de livrar o réu de condenação válida e eficaz.
Contudo, o maior risco no caso da ação penal popular é o de servir o processo
penal, o mais das vezes, a perseguição política e a interesses subalternos.
Por tal razão melhor que, de regra, a persecução penal fique sob a
responsabilidade de órgão público com garantias semelhantes às dos juízes.

6.3. Princípio informativo

A ação penal pública é informada pelo princípio da obrigatoriedade. Descreve


como esse titular deve se haver na análise da hipótese de propositura ou não da
ação penal; cuida da dinâmica da ação.
De acordo com o princípio da obrigatoriedade, o Ministério Público é obrigado
a oferecer denúncia se presentes os requisitos dispostos pela lei. Não agirá, pois,
para garantir valores outros que os expressamente consagrados pelo ordenamento
jurídico.
Nessa linha de raciocínio, opõe-se ao princípio da oportunidade, através do
qual o Ministério Público pode abster-se de propor a ação penal alegando sua
inconveniência ou inoportunidade, seja por razões de política criminal (nem
sempre identificável), seja alegando o princípio de direito penal material minima
non curat prætor.
Autores tradicionais de Direito Processual Penal nunca puderam deixar de
admitir que o princípio é mitigado no Brasil. A base desse raciocínio reside no art.
28 do CPP, que permite o arquivamento do inquérito policial ou das peças
informação, desde que o órgão do Ministério Público apresente razões e o juiz com
elas concorde.
Com grande clarividência, o penalista paulista EUCLIDES CUSTÓDIO DA
SILVEIRA observava que o princípio da oportunidade vige no Brasil, caso juiz e
promotor acordem em arquivar autos de inquérito policial, alegando sejam quais
17

forem os motivos.21
O princípio da obrigatoriedade é, na verdade, o ponto de partida do sistema
processual penal brasileiro. E não pode deixar de sê-lo, diante do sistema ao qual
permanece submetida toda a administração no Brasil.
Na essência, o princípio da obrigatoriedade ou legalidade da ação penal pública
é o mesmo princípio da legalidade insculpido na Constituição e ao qual está adstrita
a Administração Pública. Seria muito difícil crer que justamente o Ministério
Público estivesse dele excluído.

6.4. Caracteres

A principal referência da Constituição à ação penal pública encontra-se no art.


129, I, que dispõe ser uma das funções institucionais do Ministério Público
“promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. Daí a
característica da exclusividade, acima referida.
O Código Penal, por sua vez, coloca a ação penal pública no centro do sistema,
ao dispor, no art. 100, caput, que “a ação penal é pública, salvo quando a lei
expressamente a declara privativa do ofendido”.
Significa que a regra é a ação penal pública e a exceção, caracterizada pela
necessidade de referência, um a um, pelos tipos penais, é a ação penal privada.
Uma demonstração da centralidade da ação penal pública é sua vis attractiva
frente às demais. Dispõe a lei penal que, “quando a lei considera como elemento
ou circunstância do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe
ação pública em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva
proceder por iniciativa do Ministério Público” (CP, art. 101).
Essa regra sobre a ação penal no crime complexo foi a base, aliás, da Súmula
608 do Supremo Tribunal Federal, a qual define que, “no crime de estupro,
praticado mediante violência real, a ação é pública incondicionada”. Embora a essa
súmula se possam endereçar as maiores críticas – afinal, o estupro com violência

21
SILVEIRA, Euclides Custódio da. “Preleção”, apud MARQUES, José Frederico. “Sobre a ação penal”, em
Estudos de Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 106.
18

real não é, no rigor da técnica, um crime complexo22 – também ela revela que o
processo penal brasileiro está baseado na ação penal pública.
Também pode-se dizer que se encontra no centro do sistema a ação penal
pública dita incondicionada, pois a lei penal dispõe que “a ação pública é
promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de
representação do ofendido ou de requisição do ministro da Justiça” (CP, art. 100,
§ 1º). Ou seja, o condicionamento da ação à vontade de alguém fora do Ministério
Público ficará limitado aos casos expressos em lei; nos outros tratar-se-á de ação
pública incondicionada. A lei processual penal traz uma redação quase idêntica
(CPP, art. 24).
Praticamente não há estatístiscas, nem confiáveis nem suspicazes, no Brasil; por
isso não se pode afirmar com certeza, mas é muito provável que a presença da ação
penal pública incondicionada, nos foros criminais brasileiros, represente a
esmagadora maioria dos casos.
A lei processual penal dispõe que “qualquer pessoa do povo poderá provocar
a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública,
fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o
tempo, o lugar e os elementos de convicção” (CPP, art. 27).
Essa informação por escrito é tradicionalmente denominada pela doutrina de
notitia criminis. Ela pode ser simples (o noticiante apenas informa sobre a
ocorrência de fatos típicos) ou qualificada (o noticiante apresenta fatos e requer a
instauração de investigação oficial).

22
Crime complexo ou, mais corretamente, tipo complexo, é, por definição, aquele em cuja estrutura entram pelo
menos dois outros tipos penais, que o compõem. Assim, pode-se afirmar que o tipo fundamental do roubo (CP, art.
157, caput) é o resultado da soma dos tipos penais de furto (CP, art. 155, caput) e de ameaça (CP, art. 147, caput)
que o tipo fundamental da extorsão mediante sequestro (CP, art. 159, caput) é o resultado da soma dos tipos de
extorsão (CP, art. 158, caput) e de sequestro e cárcere privado (CP, art. 148, caput). Há outros exemplos, mas bastam
esses.
No caso do estupro (e, por extensão, do tipo de atentado violento ao pudor) não existem dois tipos que se somam.
O que existe é um tipo de constrangimento ilegal visando, contudo, à obtenção de vantagem sexual (conjunção carnal
no estupro e ato libidinoso diverso no atentado violento ao pudor).
Nem a conjunção carnal nem o ato libidinoso dela diverso configuram tipos autônomos. Daí porque não se poder
falar, rigorosamente, em tipo complexo. Por tal razão a ação penal para os tipos fundamentais do estupro e do
atentado violento ao pudor deveria ser privada.
19

Trata-se, essencialmente, de uma notícia. Em tratando-se de ação pública


incondicionada, a eventual manifestação de vontade no sentido da apuração dos
fatos não vincula; assim como não vinculam posterior desistência ou pedido de
cancelamento das investigações.
O veículo da ação penal pública é a denúncia (CPP, art. 24, caput, primeira
parte). Os seus requisitos formais são inúmeros e vão elencados na lei processual
penal (CPP, art. 41).
A base da denúncia é geralmente o inquérito policial, um procedimento
investigatório inquisitorial presidido pelas autoridades da chamada polícia judiciária
(CPP, arts. 4º, 5º e 6º). Esse inquérito visa, segundo a lei processual penal, à
apuração do fato e da sua autoria. Apesar da função aparentemente nobre, sofre as
agruras de uma realidade que nem sempre corresponde aos nobres objetivos da
lei. É um dos institutos do processo penal mais atacados pela doutrina atualmente23
e que mais restrições constitucionais e legais tem sofrido nos últimos anos
(Constituição, art. 5º, III, XI, XII, LVI, LVIII, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV e
LXVI; Lei 10.054/2000; Lei 11.449/2007).
Findo o inquérito policial, o Ministério Público poderá requisitar novas
investigações ou, uma vez satisfeito com as realizadas, oferecer denúncia. Neste
caso, seu prazo é de cinco dias, estando o indiciado preso, ou de quinze dias,
estando solto (CPP, art. 46, caput; Lei 8.038/90, art. 1º e § 1º). Há outros prazos,
definidos por leis especiais, como o de dois dias, para os crimes contra a economia
popular (Lei 1.521, art. 10, § 2º), o de 48 horas, para a denúncia pelo crime de
abuso de autoridade, feita a representação pela vítima (Lei 4.898, art. 13, caput) e
o de dez dias, no caso de crimes eleitorais (Lei 4.737/65, art. 357, caput) e os
relacionados ao tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 54, III). Nesses últimos
exemplos a legislação não faz diferença entre estar o indiciado preso ou em
liberdade.
O dies a quo de todos esses prazos é o da abertura de vista, pelo juiz ao
Ministério Público, do inquérito policial.
A lei processual penal, todavia, não obriga à instauração do inquérito policial

23
Cf., entre outros, BARANDIER, Antonio Carlos. “Confissão: supremo objetivo da investigação”, em Revista
Brasileira de Ciências Criminais, n. 3 (jul-set/1993), p. 79-82.
20

em todas as hipóteses. É legítimo ao Ministério Público o oferecimento de


denúncia tout court, isto é, com base em peças de informação. Neste caso, o prazo
da lei processual penal comum é de quinze dias, contados do seu recebimento
(CPP, 46, § 1º).

7. Ação penal privada


7.1. Conceito

Por ação penal privada deve-se entender a ação penal de iniciativa exclusiva e
limitada do ofendido ou do seu representante legal.
Para alguns autores, como LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, dever-se-ia
denominar ação penal pública, de iniciativa privada.24 A essa espécie de
obtemperação responde JOSÉ FREDERICO MARQUES, ao afirmar que a crítica à
terminologia “deriva de uma concepção imanentista do direito de agir, visto que
subordina a natureza pública ou privada da ação ao direito subjetivo material que
dela é objeto.25 ADA PELLEGRINI GRINOVER complementa a resposta, ao afirmar
que “quando se fala em ‘ação penal privada’ é certo que não se atribui à ação
natureza que não seja de direito público: o que se pretende é, única e
exclusivamente, determinar que a titularidade da ação penal, nestes casos, não é do
Ministério Público, mas do particular”.26
A ação penal privada cabe ao ofendido, ou ao seu representante legal (CPP, art.
30). A legislação penal material tem dispositivo semelhante (CP, art. 100, § 2º).
São crimes cuja persecução se inicia por queixa:
a) calúnia (CP, arts. 138, caput, e 145, caput);
b) difamação (CP, arts. 139 e 145, caput);
c) injúria (CP, arts. 140, caput e 145, caput);

24
CERNICHIARO, Luiz Vicente. “Ação penal”, em CERNICHIARO, Luiz Vicente e COSTA JÚNIOR, Paulo
José. Direito Penal na Constituição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 149.
25
MARQUES, José Frederico. Elementos..., n. 192, p. 351.
26
GRINOVER, Ada Pellegrini. “Queixa, representação e ‘querela’: contrastes e confrontos”, em O processo em sua
unidade, São Paulo: Saraiva, 1978, p. 204.
21

d) alteração de limites de propriedade particular, praticado sem violência (CP,


art. 161, caput, e § 3º);
e) usurpação de águas em propriedade particular, praticado sem violência (CP,
art. 161, I, e § 3º);
f) esbulho possessório de propriedade particular, praticado sem violência (CP,
art. 161, II, e § 3º);
g) dano qualificado pelo motivo egoístico ou pelo resultado gravoso (CP, arts.
163, parágrafo único, IV e 167);
h) introdução ou abandono de animais em propriedade alheia (CP, arts. 164 e
167);
i) fraude à execução (CP, art. 179);
j) violação de direito autoral (CP, arts. 184, caput, e 186, I);
l) posse sexual mediante fraude (CP, arts. 215 e 225, caput);
m) atentado ao pudor mediante fraude (CP, arts. 216 e 225, caput);
n) assédio sexual (CP, arts. 216-A e 225, caput);
o) corrupção de menores (CP, arts. 218 e 225, caput);
p) induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (CP, art. 236);
q) exercício arbitrário das próprias razões, se não há emprego de violência (CP,
art. 345);
Seja qual for o crime, se for “praticado em detrimento do patrimônio ou
interesse da União, Estado ou Município, a ação será pública” (CPP, art. 24, § 2º).

7.2. Fundamento político

Assim como se justifica a ação penal pública como regra, diante das vicissitudes
que se enfrentaria se a propositura tivesse somente nas mãos do ofendido (sistema
de monopólio da ação penal privada) ou nas mãos de qualquer do povo (sistema
de monopólio da ação penal popular), alguns casos há que se impõem como
necessárias exceções.
Com efeito, sendo o processo penal condenatório sempre público, hipóteses
22

há em que se obrigar a vítima a dele participar, nessa qualidade, pode se revelar um


dano a mais à sua sensibilidade, que se soma ao dano que representou o crime
propriamente dito. Considerem-se, a título de exemplo, os crimes que atingem
bens personalíssimos, como a honra ou a liberdade sexual. Nesses casos, pode ser
que a impunidade do criminoso seja um mal menos grave à vítima do que ter de
encará-lo novamente em uma sala de tribunal. E seria uma demasia do Estado
sobrepor os seus interesses de manutenção da ordem pública aos da vítima,
mormente considerando os aspectos fáticos do crime.
O fundamento político da ação penal privada decorre, pois, da conveniência de
se dar à vítima a possibilidade de considerar a conveniência de submeter-se ou não
ao streptus judicii decorrente do processo penal condenatório. Conecta-se,
intimamente, ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana
(Constituição, art. 1º, III).
Nos tempos atuais, em que se percebe uma clara e saudável tendência à
despenalização, ao menos da parte da doutrina, a ação penal privada poderia se
constituir em um instrumento nessa direção, mormente para a persecução dos
crimes puramente patrimoniais, cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa.

7.3. Princípios informativos

Dois são os princípios informativos da ação penal privada: discricionariedade e


indivisibilidade. Referem-se à dinâmica do instituto, e regulam como o titular deve
se comportar em relação a ele.
Conforme o princípio da discricionariedade, essência da dinâmica da ação
penal privada, o ofendido decide pela propositura ou não da ação vendo seus
interesses, na perspectiva da oportunidade ou da conveniência. É dizer que se o
ofendido decidir-se pela não-propositura não precisa motivar essa decisão, e nem
ela é submetida a qualquer escrutínio estatal. Ao seu exclusivo talante está a decisão
de propor ou não a ação penal.
Por fim, o princípio da indivisibilidade limita o poder do ofendido quanto à
propositura da ação penal.
Seu conteúdo está expresso na lei processual penal, que estabelece que “a
queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o
23

Ministério Público velará por sua indivisibilidade” (CPP, art. 48). No Processo
Penal brasileiro, a indivisibilidade é restrita à ação penal privada e não se aplica à
ação penal pública, conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal
Federal.27
Trata-se de uma limitação legal ditada pela moralidade do exercício de tão
importante instrumento. É como se o legislador dissesse ao ofendido: você pode
ou não exercer a ação penal nesses casos, mas se decidir por exercê-la, deverá fazê-
lo contra todos os autores do crime. A eventual renúncia, tácita ou expressa, quanto
a qualquer um dos autores do crime que autorize ação penal privada, bem como a
manifestação do perdão, a todos se estende (CP, art. 106, I; CPP, arts. 49 e 51). Se
o querelante deixar de incluir na queixa um autor do crime, a renúncia tácita se
estenderá a todos; se perdoar a um, mesmo que o perdão não seja aceito,
considerar-se-á que a todos perdoou, e a todos deverá ser indagado se aceitam o
perdão.
Cabe ao Ministério Público velar pela indivisibilidade (CPP, art. 48, última
parte). Não o fará, entretanto, através do suprimento da renúncia ou do perdão do
querelante, mas requererá a declaração da extinção da punibilidade de todos os
querelados (CP, art. 107, V).28

7.4. Caracteres

A Constituição republicana de 1988 não se refere à ação penal privada


propriamente dita, mas apenas à ação penal privada subsidiária. Ao preservar o
menos – a ação privada subsidiária – está claro que conservou também o mais – a
ação privada propriamente dita.
O Código Penal regula a ação penal privada em diversos dispositivos do Título
VII de sua Parte Geral, que engloba os arts. 100 a 106.

27
Inquérito n. 195-DF – STF – Pleno – Rel. Min. Octavio Gallotti – julgado em 9.mai.1985 – denúncia recebida –
votação unânime – DJU, 24.mai.1985, p. 7.978; Recurso em habeas corpus n. 95141-RJ – STF – 1ª Turma – Rel.
Min. Ricardo Lewandowski – julgado em 6.out.2009 – desprovido – votação unânime – DJe 200, 23.out.2009 – RT
n. 891 (jan/2010), p. 525-529; Inquérito n. 3979-DF – STF – 2ª Turma – Rel. Min. Teori Zavascki – julgado em
27.set.2016 – denúncia recebida – votação unânime – DJe 267, 16.dez.2016.
28
Cf., nesse sentido, GRECO FILHO, Vicente. Manual..., p. 133.
24

O veículo da ação penal privada é a queixa (CP, art. 100, § 2º). Os seus
requisitos formais são equivalentes aos da denúncia, com ao menos um adendo. Se
o ofendido tiver capacidade postulatória – for advogado, enfim – ele mesmo
subscreve a queixa. Se não for, deverá se valer de um advogado para representá-lo
processualmente. A procuração que outorgar ao advogado deverá contar com
poderes especiais e “menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos
dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo
criminal” (CPP, art. 44). Essa exigência se destina a “fixar eventual responsabilidade
por denunciação caluniosa no exercício do direito de queixa”.29
O professor paulistano JOAQUIM CANUTO MENDES DE ALMEIDA ensina que
sobrevive, no sistema processual penal brasileiro, em estado larvar, o sistema da
ação penal popular, na medida em que “qualquer pessoa do povo que tiver
conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá,
verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial” (CPP, arts. 5º, § 3º
e 27).30 Pois bem. Esse resquício não está presente na ação penal privada, pois,
nesse caso, “a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a
requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la” (CPP, art. 5º, § 5º).
O ofendido tem capacidade de ser parte aos dezoito anos, conforme a lei civil
(CC, art. 5º, caput). Poderá propor a ação penal privada por si. Entre os dezesseis
e os dezoito anos, período em que é relativamente incapaz, poderá exercer a ação
penal por si só ou através do seu representante legal (CPP, art. 34; CC, art. 4º, I).
Impossível não admitir, nessa hipótese, uma interpretação sistemática da lei
processual penal com a lei civil. Abaixo dos dezesseis anos o ofendido é
absolutamente incapaz, e somente seu representante legal poderá exercer por ele a
ação penal (CPP, art. 33; CC, art. 3º, I). O mesmo ocorre com o “mentalmente
enfermo, ou retardado mental” (CPP, art. 33) ou com “os que, por enfermidade
ou deficiência mental, não tiverem o discernimento para a prática” dos atos da vida
civil (CC, art. 3º, II). Caso o ofendido seja absolutamente incapaz ou mentalmente
enfermo ou retardado “e não tiver representante legal ou colidirem os interesses

29
Habeas corpus n. 74943-ES – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Ilmar Galvão – julgado em 18.mar.1997 – ordem
parcialmente deferida, por outro fundamento – votação unânime – em DJU, 9.mai.1997.
30
ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Processo penal, ação e jurisdição, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1975, p. 12.
25

deste com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial,
nomeado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente
para o processo penal” (CPP, art. 33).
As pessoas jurídicas, como fundações, associações e sociedades comerciais, são
representadas por quem os respectivos contratos ou estatutos designarem (CPP,
art. 38, caput).
Caso morto ou declarado ausente o ofendido, estabelece a lei penal que “o
direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão” (CP, art. 100, § 4º). A melhor interpretação desse
dispositivo consagra uma ordem sucessiva, no sentido do consagrado no art. 36 do
Código de Processo Penal: “se comparecer mais de uma pessoa com direito de
queixa, terá preferência o cônjuge, e, em seguida, o parente mais próximo na ordem
de enumeração constante do art. 31, podendo, entretanto, qualquer delas
prosseguir na ação”.
Se o autor privado for pobre, isto é, se “não puder prover às despesas do
processo, sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da
família”, o juiz lhe dará advogado para promover a ação penal, sendo que a prova
dessa situação é o antiquado atestado de pobreza, fornecido pela autoridade policial
(CPP, art. 32).
No caso de ação penal privada, o querelante poderá preferir o foro de domicílio
ou de residência do réu, ainda que conhecido o lugar da infração (CPP, art. 73).
Está claro que o autor privado, caso pretenda propor a ação penal, tem direito
a fazê-lo sobre uma base probatória sólida. Daí que a lei processual penal prevê
que “o ofendido, ou o seu representante legal [...] poderão requerer qualquer
diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade” (CPP, art. 14).
Estranha essa possibilidade de indeferimento por parte da autoridade judiciária,
que estaria a controlar uma atividade relativa à ação penal, em vez de controlar seu
exercício. E sendo que, em tese, o interesse a uma tutela jurisdicional é
indisputavelmente do ofendido. Sem dúvida, trata-se daquelas situações em que
quanto menos decidir a autoridade judiciária, melhor.
A ação penal privada está sujeita à decadência, num prazo de seis meses,
“contado do dia em que [o ofendido] veio a saber quem é o autor do crime” (CP,
art. 103). Decadência, conforme se sabe, vem a ser uma sanção de direito material
26

consistente na perda de um direito – no caso, o direito de ação – pelo seu não-


exercício dentro de um certo prazo.
Também está sujeita à perempção, que consiste na perda do direito à
persecução penal pelo desinteresse, desídia ou descuido do querelante. É causa de
extinção da punibilidade (CP, art. 107, IV). É uma realidade exclusiva do processo
penal iniciado por queixa.
A mera ausência do ofendido a um ato processual ao qual sua presença seja
necessária – como uma audiência convocada para analisar a possibilidade de
conciliação (CPP, art. 520) – importa perempção.
O direito à ação penal privada comporta, outrossim, a renúncia e o perdão. A
renúncia ao direito de queixa é causa de extinção da punibilidade (CP, art. 104 e
107, V, primeira parte). O perdão aceito também (CP, art. 105 e 107, V, segunda
parte).
Tanto a renúncia ao direito de queixa quanto o perdão podem ser expressos
ou tácitos, processuais ou extraprocessuais.
A diferença mais importante entre ambos é que a renúncia é um ato unilateral,
enquanto o perdão é um ato bilateral, isto é, comporta aceitação por parte do
querelado.
A renúncia expressa pode ser veiculada por qualquer meio, desde que
registrada e de alguma maneira autenticada. A forma mais usual de renúncia
expressa vem a ser a escrita, mas é possível renúncia expressa por meio gravado,
por exemplo.
A renúncia tácita ao direito de queixa pode consubstanciar-se na “prática de
qualquer ato incompatível com a vontade de exercê-lo” (CP, art. 104, parágrafo
único). A lei penal ressalva que não implica em renúncia tácita “o fato de receber
o ofendido a indenização do dano causado pelo crime”.
O ofendido, além renunciar ao direito de queixa, pode perdoar o autor do
crime que comporte ação penal privada, dentro ou fora do processo. Nestes casos,
ele afirma sua convicção de que foi vítima de um crime mas, expressa ou
tacitamente, releva o fato, perdoa seu autor. Por isso que o perdão, expresso ou
tácito, é um ato bilateral; importa a aceitação do autor do crime (CP, art. 106, III).
Se aceitar, implicitamente estará admitindo que cometeu um crime contra o
27

ofendido. Daí a relevância dessa bilateralidade.


O perdão expresso se comporta como a renúncia. Pode ser manifestado dentro
ou fora do processo e, para gerar efeito, aguarda a manifestação do querelado. O
perdão tácito, por sua vez, “é o que resulta da prática de ato incompatível com a
vontade de prosseguir na ação” (CP, art. 106, § 1º).
Uma vez perdoado um dos querelados, em homenagem ao princípio da
indivisibilidade, todos os demais deverão ser consultados se aceitam o perdão (CP,
art. 106, I).
É óbvio que se existentes mais de um ofendido, o perdão concedido por um
deles não afeta o direito dos demais (CP, art. 106, II).
Por fim, dispõe a lei penal que “não é admissível o perdão depois que passa em
julgado a sentença condenatória” (CP, art. 106, § 2º).

8. Ação penal pública condicionada


8.1. Conceito

Dispõe a lei penal que “a ação pública é promovida pelo Ministério Público,
dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição
do ministro da Justiça” (CP, art. 100, § 1º). A lei processual penal tem dispositivo
semelhante (CPP, art. 24, caput).
Nessas duas hipóteses, a manifestação de vontade do agente do Ministério
Público com atribuições para a propositura da ação penal não é suficiente para
tanto; ele precisa, em um caso, do concurso da vontade do ofendido e, no outro,
da do ministro da Justiça, que veicula a vontade do presidente da República.
A manifestação de vontade do ofendido se dá através da representação; a do
ministro da Justiça, através da requisição. Na essência, apesar dos nomes diferentes,
ambas se resumem no mesmo: em autorizações para agir. Em nenhum dos dois
casos, manifestada a vontade no sentido da propositura da ação penal, o Ministério
Público estará compelido inexoravelmente a tanto. O mecanismo do arquivamento
do inquérito policial ou das peças de informação vale também para a ação
condicionada.
Como se disse acima, a regra do sistema é a ação penal pública; e a regra da
28

regra é a ação incondicionada; id quod plerumque accidit. A ação penal pública


condicionada, pois, decorre de menções explícitas em cada dispositivo legal que
veicule tipo penal incriminador. Se não houver menção, a ação será
incondicionada.
São crimes que exigem representação do ofendido ou de quem tenha qualidade
para representá-lo:
a) lesão corporal leve e lesão corporal culposa (CP, art. 129, caput e § 6º; L
9.099/95, art. 88);
b) perigo de contágio venéreo (CP, art. 130);
c) crimes contra a honra de funcionário público, em razão de suas funções (CP,
arts. 138, 139, 140, 141, II e 145, parágrafo único, segunda figura);
d) ameaça (CP, art. 147);
e) violação de correspondência (CP, art. 151, caput, e § 4º);
f) sonegação ou destruição de correspondência (CP, art. 151, § 1º, I, e § 4º);
g) violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica (CP, art. 151,
II e III, e § 4º);
h) correspondência comercial (CP, art. 152);
i) divulgação de segredo (CP, art. 153, caput, e § 1º);
j) violação do segredo profissional (CP, art. 154);
l) furto de coisa comum (CP, art. 156);
m) outras fraudes (CP, art. 176);
n) quaisquer dos crimes do título II do CP, desde que cometidos sem grave
ameaça ou violência à pessoa, sendo vítimas o cônjuge desquitado ou
judicialmente separado, o irmão, legítimo ou ilegítimo, o tio ou sobrinho, com
quem o agente coabita (CP, art. 182 e 183);
o) violação de direito autoral qualificada (CP, arts. 184, § 3º e 186, IV);
p) crimes contra os costumes se a vítima ou seus pais são pobres (CP, art. 225,
§ 1º, I e § 2º);
q) abuso de autoridade (Lei 4.898, arts. 4º, 7º e 12);
29

O Supremo Tribunal Federal compreendeu, através da Súmula 714, que “é


concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público,
condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a
honra de servidor público em razão do exercício de suas funções”.
Embora a legislação fale em “representação fiscal para fins penais” (Lei
9.430/96, art. 83), esta não é, tecnicamente, uma autorização para agir, mas
simplesmente uma notitia criminis. Conforme a Súmula 609 do Supremo Tribunal
Federal, são de ação penal pública incondicionada os crimes de sonegação fiscal.
São crimes cuja persecução deve ser precedida de requisição do ministro da
Justiça:
i) crimes cometidos por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil (CP, art. 7º,
§ 3º);
ii) crimes contra a honra do presidente da República ou contra chefe de governo
estrangeiro (CP, arts. 145, parágrafo único);
É claro que, nesses casos, o ministro da Justiça é meramente o veículo da
vontade do presidente da República, que analisa a persecução sob os ângulos da
conveniência e da oportunidade políticas.
Por tal razão, no caso dos crimes de imprensa, incompreensível que o
presidente da República, via ministro, faça a análise da conveniência da persecução
penal de um crime cometido, por exemplo, contra os presidentes do Senado, da
Câmara e do Supremo Tribunal Federal. Embora essa confusão entre os interesses
do presidente da República e dos chefes dos demais poderes fosse menos
excêntrica aos olhos dos comandantes do país na época do regime militar (1964-
1985), impossível é hoje concordar com ela. Melhor seria que não houvesse a
exigência de requisição do ministro da Justiça, ou que ela fosse entregue às
autoridades atingidas pelo crime.

8.2. Fundamento político

A ação penal pública, entregue a um órgão do Estado, obedece a uma função


relevante. Isso porque permite uma persecução mais uniforme, além de menos
sujeita aos caprichos do ofendido e à pressão por parte do autor do crime.
30

Porém, casos há em que, presente a conveniência política da entrega da ação se


dar nas mãos do Ministério Público, pois o crime atinge também interesses estatais,
e exige uma persecução minimamente uniforme, é preciso ouvir o ofendido.
Não se trata de dizer, como se disse no caso da ação penal privada, que o
streptus judicii possa afetar a dignidade do ofendido mais do que a eventual
impunidade do criminoso. Os crimes de ação pública condicionada ofendem
interesses coletivos, sim, que refogem aos do ofendido, mas com uma intensidade
menor.
Essa intensidade reduzida deixa espaço para a ouvida prévia da vítima do crime.
É como se fosse o lugar de uma solução de compromisso entre a desabrida
ofensividade do crime de ação penal pública incondicionada e a delicadeza dos
aspectos envolvidos no crime de ação penal privada.
A ação condicionada é, pois, um instrumento relevante de despenalização. Ao
entregar à vítima a possibilidade de relevar a ofensa – em troca, talvez, de
compensações de outra natureza –, mas sem prescindir da expertise do Ministério
Público no campo da atuação criminal, o sistema penal se rende a considerações
de política criminal. Considerações essas que colocam o processo penal como um
mal em si, muitas vezes necessário, mas que quando se puder evitar, em troca de
uma solução eticamente aceitável, melhor.

8.3. Princípio informativo

O princípio informativo da ação pública condicionada é o mesmo da


incondicionada. Aquela também é oficial, no sentido de que proposta por um
agente do Estado, e também é obrigatória para esse agente, desde que presentes os
pressupostos legais.
Na verdade, as diferenças entre as duas formas de ação pública não se verificam
quando do seu exercício, mas no limiar de sua propositura. Naquele momento
anterior ao do oferecimento da denúncia, a obrigatoriedade se vê coadjuvada pela
discricionariedade, quando da manifestação autorizativa por parte da vítima.
E também para o ofendido é dado um limite à discricionariedade. Ele pode
autorizar e desautorizar a propositura da ação penal, e mesmo tornar a autorizar e
tornar a desautorizar, desde que o faça até o oferecimento da denúncia (CP, art.
31

102; CPP, art. 25). Depois disso, o processo funcionará da mesma maneira que
aquele iniciado incondicionalmente.

8.4. Caracteres

A ação pública condicionada é em quase tudo semelhante à ação pública


incondicionada. O seu exercício, uma vez dada a autorização por quem de direito,
é rigorosamente idêntico.
O direito de representação, que caracteriza a primeira hipótese de ação
condicionada, pode “ser exercido pessoalmente ou por procurador com poderes
especiais” (CPP, art. 29, primeira parte).
O ofendido adquire capacidade de oferecer representação aos dezoito anos,
conforme a lei civil (CC, art. 5º, caput). Embora não haja, nem na lei penal nem na
processual regra específica a respeito, é prudente concluir que a partir dos dezesseis
e até os dezoito anos, período em que o ofendido é relativamente incapaz, poderá
exercer o direito de representação por si só ou, alternativamente, através do seu
representante legal (cf. CPP, art. 34; CC, art. 4º, I). Novamente aqui a interpretação
sistemática se impõe. Abaixo dos dezesseis anos o ofendido é absolutamente
incapaz, e somente seu representante legal poderá exercer por ele a ação penal (cf.
CPP, art. 33; CC, art. 3º, I). O mesmo se diga do “mentalmente enfermo, ou
retardado mental” (CPP, art. 33), e dos “ que, por enfermidade ou deficiência
mental, não tiverem o discernimento para a prática” dos atos da vida civil (CC, art.
3º, II). Caso o ofendido seja absolutamente incapaz ou mentalmente enfermo ou
retardado “e não tiver representante legal ou colidirem os interesses deste com os
daquele, o direito de [representação] poderá ser exercido por curador especial,
nomeado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente
para o processo penal” (CPP, art. 33).
A representação poderá ser dada por escrito ou oralmente, ao juiz, ao órgão do
Ministério Público ou à autoridade policial (CPP, art. 39, segunda parte).
Se a representação for dada oralmente ou por escrito, mas sem assinatura
“devidamente autenticada”, a autoridade que a receber a reduzirá a termo, e ela
será assinada pelo ofendido ou seu representante, ou por ambos (CPP, art. 39, §
1º). Não se trata da autenticação cartorial, evidentemente, mas da certeza de que
32

aquela assinatura foi aposta pelo ofendido ou seu representante legal.


A representação não é, como a queixa, uma peça de inauguração do processo
criminal condenatório. Seus eventuais defeitos, portanto, não comprometem com
a mesma profundidade o processo penal condenatório a ser instaurado, até porque
muitas vezes a autorização é dada para o início das investigações policiais, que
esclarecerão muitos dos pontos omissos. Contudo, a lei processual penal dispõe
que “a representação conterá todas as informações que possam servir à apuração
do fato e da autoria” (CPP, art. 39, § 2º).
Se for o caso, isto é, se a representação contiver todos os elementos de fato
necessários, e se for acompanhada de provas da materialidade e de indícios
suficientes de autoria, o Ministério Público deverá dispensar o inquérito policial e
oferecer denúncia apenas com base na representação, no prazo de quinze dias,
contados do seu recebimento (CPP, art. 39, § 5º).

9. Ação penal privada subsidiária


9.1. Conceito

É a Constituição que dispõe: “será admitida ação privada nos crimes de ação
pública, se esta não for intentada no prazo legal” (art. 5º, LIX).
A lei processual penal desce a detalhes, ao afirmar que “será admitida ação
privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal,
cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia
substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova,
interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a
ação como parte principal”.
Assim, a ação penal privada subsidiária consiste em uma hipótese anômala da
ação penal privada. Cabe sempre que o Ministério Público, diante de um inquérito
policial relatado ou de peças de informação completas, quedar-se rigorosamente
inerte, sem promover quaisquer das atitudes possíveis, como propor a ação penal,
promover o arquivamento do inquérito ou das peças de informação, requisitar a
instauração de investigação policial ou requerer a remessa para outro órgão do
Ministério Público com atribuições.
Nesse ponto cabe registrar que a ação penal privada subsidiária, novidade
33

absoluta que era no início da década de quarenta do século vinte, nasceu cercada
de uma polêmica relevantíssima.
Em julho de 1943 – pouco mais de um ano e meio, portanto, após a entrada
em vigor do Código de Processo Penal – ocorreu a famosa “1ª Conferência de
Desembargadores do Brasil”, convocada para analisar os então novos Código Penal
(1940) e Código de Processo Penal (1941). Nessa conferência agitou-se a tese de
que, conforme a redação dessas leis, caberia ação penal privada subsidiária no caso
de inércia do Ministério Público, diante de um inquérito policial concluído e
também no caso deste ter promovido seu arquivamento, ainda que o arquivamento
tivesse sido providenciado pela autoridade judiciária. Essa tese, ao que parece,
nascera na jurisprudência do Tribunal de Apelação de São Paulo e começava a
tomar corpo. Após longo debate, a conferência aprovou em uma de suas
conclusões que, “nos crimes de ação pública, arquivados os autos a requerimento
do Ministério Público, não pode a ação penal ser iniciada mediante queixa do
ofendido”.31 Malgrado a essa tese HÉLIO TORNAGHI,32 tenha emprestado seu
talento e sua erudição, a doutrina jamais se empolgou com ela e, lentamente, a
jurisprudência passou a se firmar no sentido de que só cabe a ação privada
subsidiária se o Ministério Público, diante de um inquérito policial relatado ou de
peças de informação completas, quedar-se rigorosamente inerte, sem promover a
ação penal, o arquivamento do inquérito, a instauração ou a retomada das
investigações. Não cabe se, por exemplo, promoveu o arquivamento do inquérito
policial.33
Pensando bem, um pouco de razão tinha TORNAGHI e aqueles que sustentavam
uma ampliação da ação privada subsidiária, embora tivessem errado quanto à
dosagem da solução. Suponha-se a hipótese do Ministério Público ter recebido do
ofendido uma notitia criminis ou representação completa, com todos os elementos
narrativos, com todos os documentos comprobatórios da materialidade e da autoria
e até com o corpo de delito; e malgrado isso tudo, o Ministério Público não tenha

31
Cf. ROMEIRO, Jorge Alberto. Da ação penal, Rio de Janeiro: Forense, 1979, n. 119, p. 276.
32
Cf. TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. 3, p. 351-355;
TORNAGHI, Hélio. “Ação penal subsidiária”, em Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, n. 14 (jul-
set/1966), p. 145-156.
33
Agravo de Instrumento n. 35851 – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Evandro Lins – julgado em 14.set.1965 –
desprovido para inadmitir o recurso extraordinário – votação unânime – RTJ, n. 34 (jul-set/1965), p. 419.
34

oferecido a denúncia. Para a hipótese de inércia propriamente é induvidosa a


solução do cabimento da queixa subsidiária. Mas pensemos na hipótese de uma
inércia menos desabrida: o órgão do Ministério Público, que poderia ter oferecido
denúncia imediatamente, requisita a instauração de um desnecessário inquérito
policial. Simplesmente não há solução no ordenamento jurídico brasileiro para
semelhante manobra diversionista, até porque se parte do pressuposto que a
rapidez da persecução é eminentemente do interesse do Ministério Público.
Restaria ao ofendido buscar a punição do responsável pelo atraso no âmbito
disciplinar, circunscrito, em todo o caso, àquelas hipóteses em que a desídia do
órgão do Ministério Público tenha ficado clara como o sol.
Seja como for, a ação privada subsidiária, limitada às hipóteses de inércia
propriamente dita do Ministério Público, é a solução prevista pelo ordenamento
jurídico e, embora de restrita utilização, cumpre uma importante função.
Diga-se, por outro lado, que o ofendido pode oferecer queixa subsidiária, mas
evidentemente só pode acusar o autor ou os autores de crime que o tenham
eventualmente atingido. Está claro que a inércia do Ministério Público não o
autoriza a oferecer queixa por crimes de que não seja vítima; por exemplo, conexos.
Se for o caso de conexão, portanto, após o oferecimento da queixa deve-se
oportunizar ao Ministério Público a formação de um litisconsórcio ativo com o
ofendido. FREDERICO MARQUES analisou uma hipótese um pouco diversa, a de
concurso formal de crimes, sendo um de titularidade pública e o outro de
titularidade privada, e concluiu pela viabilidade desse litisconsórcio.34

9.2. Fundamento político

De todas as quatro formas de ação penal existentes no processo penal brasileiro,


a que recebeu um influxo mais impressionante nos últimos anos foi a ação privada
subsidiária. De instrumento incômodo e atacado sobretudo pelos doutrinadores
ligados ao Ministério Público,35 quase moribunda na segunda metade da década de

34
MARQUES, José Frederico. Elementos..., v. 1, p. 367-368.
35
Cf. ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Processo penal.., p. 18-54; JESUS, Damásio E. de. “Ação penal
subsidiária”, em Justitia, n. 128 (jan-mar/1985), p. 12-15; JARDIM, Afrânio Silva. “Crítica à ação penal privada e
35

oitenta do século vinte (cf. Lei 7.492/86, art. 27), tornou-se um dos direitos e
garantias individuais gravados em pedra pela Constituição republicana de 1988.
Os principais méritos políticos da ação privada subsidiária são os de
proporcionar um controle da atuação do Ministério Público, controle esse
realizado pela pessoa que, em tese, tem mais interesse na persecução, que é o
ofendido; de velar pelo princípio da obrigatoriedade; de reduzir a possibilidade da
impunidade e de aproximar o ofendido do processo penal condenatório.
Se, com a ação privada subsidiária, fosse o Ministério Público afastado do
processo penal condenatório, poder-se-ia dizer que se trocou um titular com
garantias semelhantes às da magistratura e dever de objetividade frente à causa
penal por um titular cujo móvel nem sempre é a distribuição da justiça, mas sim a
vingança. Poder-se-ia objetar que a troca não favoreceu o due process.
Contudo, o Ministério Público não é afastado inteiramente do processo penal
instaurado por queixa subsidiária. Segundo a lei processual penal, pode “intervir
em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e,
a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte
principal” (CPP, art. 29, última parte).
Assim, como o processo instaurado por queixa subsidiária será acompanhado,
fiscalizado e tutelado pari passu pelo Ministério Público, configura-se numa forma
razoável e garantista de controlar a atividade do Ministério Público na área criminal.

9.3. Princípios informativos

Os princípios informativos da ação privada subsidiária são os mesmos da ação


privada principal.
Ela é marcada pela discricionariedade e pela indivisibilidade.
Há, contudo, algumas diferenças.
A principal diz com o princípio da indivisibilidade. Na ação penal privada
principal, como visto, se o ofendido houver oferecido queixa subsidiária contra um
dos autores do crime, e excluído os demais, o Ministério Público fiscalizará a

popular subsidiárias”, em Justitia, n. 130 (jul-set/1985), p. 112-119; MAZZILLI, Hugo Nigro. “O princípio da
titularidade da ação penal”, em Justitia, n. 139 (jul-set/1987), p. 100-107.
36

indivisibilidade através do pedido de declaração de extinção da punibilidade de


todos, face à renúncia tácita (CP, art. 104; CPP, arts. 48 e 49).
Na ação privada subsidiária a omissão do ofendido não acarreta essa
consequência. A eventual falta da inclusão de algum dos autores do crime na queixa
dá ao Ministério Público a oportunidade de aditar a queixa para, aí sim, incluir os
querelados faltantes (CPP, art. 29).

9.4. Caracteres

Em 1941, quando o Código de Processo Penal foi editado, a ação privada


subsidiária era uma novidade absoluta. Sente-se, portanto, uma certa timidez do
legislador, ao conceder ao ofendido a ação privada subsidiária mas, logo em
seguida, brindar o Ministério Público com a possibilidade de “aditar a queixa,
repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do
processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso
de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal” (CPP, art. 29).
Contudo, tendo em vista a nova ordem constitucional, deve-se interpretar essa
segunda parte restritivamente.
Assim, cabe ao Ministério Público aditar a queixa somente naquelas hipóteses
em que a queixa, como se encontra, não seja viável para a obtenção de uma
sentença penal condenatória; ou no caso de ter o ofendido omitido algum
querelado de sua peça acusatória.
Também é restrito o cabimento do repúdio à queixa e o subsequente
oferecimento de denúncia substitutiva. Somente é dado ao Ministério Público fazê-
lo se a queixa for irrecuperável; isto é, tão inepta que não poderia ser consertada
por um aditamento.
Nenhum dos dois casos, nem o aditamento nem o repúdio, poderiam decorrer
simplesmente de desvelo do Ministério Público e muito menos ainda de
revanchismo. O “poder fazer melhor” do Ministério Público, nesse caso, não é
suficiente para obviar a ação privada subsidiária. É preciso que a ação privada tenha
sido exercida de forma desastrada. Cabe ao juiz fiscalizar e proteger a titularidade
privada que, evidentemente, estará sempre dependente do competente e pontual
gerenciamento do processo penal por parte do querelante. Evidente que a
37

negligência do autor privado, caracterizada, por exemplo, pela sua ausência a um


ato processual em que sua presença seja indispensável, ensejará a devolução da
gerência do processo penal condenatório ao Ministério Público. A ratio juris da
ação privada subsidiária é garantir a persecução penal sempre que ela for possível,
mas é claro que se trata de persecução ordenada e profissional.
Nenhuma diferença quanto à titularidade da ação ser do ofendido ou de seu
representante legal, conforme tenha ou não capacidade processual.
Aplica-se à ação privada subsidiária o dispositivo da lei processual penal que
possibilita ao ofendido pobre requerer e ao juiz deferir a nomeação de um
advogado dativo, para promover ação privada subsidiária (CPP, art. 32). É, no
entanto, uma letra morta, pois, uma vez feito o requerimento, estaria o órgão do
Ministério Público desde logo alertado para o perigo concreto de perder sua
legitimidade diante da queixa subsidiária e sairia logo da inércia.
A ação penal privada subsidiária está sujeita à decadência, num prazo de seis
meses, “contado do dia em que ... se esgota o prazo para oferecimento da
denúncia” (CP, art. 103).
38

10. Referências bibliográficas

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