Livro-Texto - Unidade I
Livro-Texto - Unidade I
Livro-Texto - Unidade I
Independente
Autor: Prof. Vinícius Carneiro de Albuquerque
Prof. Ricardo Felipe Di Carlo
Colaboradora: Profa. Sonia de Deus Rodrigues Bercito
Professores conteudistas: Vinícius Carneiro de Albuquerque/
Ricardo Felipe Di Carlo
Historiador, formado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e
licenciado pela Faculdade de Educação da mesma universidade. Obteve o título de mestre pelo programa de História
Social, para o qual apresentou, em 2007, a dissertação Ceará: 1824. A Confederação das Províncias Unidas do Equador
contra o Império do Brasil. Suas áreas de interesse são relacionadas à história política e social, principalmente no século
XIX, mas também no Brasil e na América Latina nos séculos XX e XXI.
Atualmente é professor do Colégio e Curso Pré‑vestibular Objetivo, instituição na qual atua há mais de dez anos,
tendo amplo contato com modernas tecnologias utilizadas na preparação de aulas digitais em diversas plataformas
midiáticas. No Colégio e Curso Pré‑vestibular Objetivo também desenvolveu um vasto trabalho na preparação de
material didático para turmas de Ensino Médio. É também professor da Universidade Paulista, na qual trabalha com
especial interesse na área de ensino a distância voltado para a formação de professores de História (licenciatura).
Formado em bacharelado e licenciatura em História pela Universidade de São Paulo (USP) no fim de 2007. Defendeu
sua dissertação de mestrado em 2011, no programa de História Econômica da USP. O mestrado foi a continuidade da
pesquisa feita como iniciação científica. Em Exportar e abastecer: população e comércio em Santos, 1775–1836,
trabalhou com a economia colonial e seu quadro de crise.
É professor do Colégio e Curso Pré‑vestibular Objetivo. Em 2013, recebeu o convite para escrever para a Universidade
Paulista, UNIP, atividade à qual tem se dedicado com grande honra e satisfação.
CDU 97/98
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Giovanna Oliveira
Juliana Mendes
Sumário
História da América Independente
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8
Unidade I
1 A COLONIZAÇÃO E SUAS TRANSFORMAÇÕES: O ILUMINISMO,
O REFORMISMO ILUSTRADO E A CRISE DO ANTIGO REGIME............................................................ 11
1.1 Império Colonial Espanhol: entre a decadência
e o reflorescimento – As reformas borbónicas................................................................................. 19
1.2 Império Colonial Português: entre a decadência
e o reflorescimento – As medidas pombalinas................................................................................. 27
2 A GESTAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA............................................................................................................ 31
2.1 A gestação da independência – Insatisfações e revoltas...................................................... 31
3 POSSIBILIDADES DE INDEPENDÊNCIAS EM CONSTRUÇÃO............................................................. 42
3.1 Os modelos de independências....................................................................................................... 42
3.1.1 Estados Unidos – Republicanismo.................................................................................................... 42
3.1.2 Haiti – Ruptura da ordem escravista............................................................................................... 49
4 OS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA NA AMÉRICA
ESPANHOLA E NA PORTUGUESA................................................................................................................... 53
4.1 Crise geral e Era Napoleônica........................................................................................................... 53
4.2 Lutas de independência na América Espanhola....................................................................... 56
4.3 Família Real no Brasil e o processo de independência.......................................................... 59
Unidade II
5 A AMÉRICA EM TEMPOS DE INDEPENDÊNCIAS
E A QUESTÃO DOS NACIONALISMOS........................................................................................................... 65
5.1 Colômbia e Venezuela: Simón Bolívar.......................................................................................... 73
5.1.1 Bolivarismo................................................................................................................................................. 85
6 AMÉRICA ANDINA E PLATINA..................................................................................................................... 89
6.1 Chile............................................................................................................................................................ 89
6.2 Região Platina......................................................................................................................................... 95
6.3 O caudilhismo.......................................................................................................................................101
6.4 A construção de “heróis nacionais”.............................................................................................103
Unidade III
7 O SÉCULO E A DIFÍCIL CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS..........................................111
7.1 EUA – Aspectos da expansão territorial.....................................................................................111
7.1.1 EUA – Lincoln e a Secessão...............................................................................................................114
7.2 México – Da independência às lutas internas.........................................................................121
7.2.1 O México e as perdas territoriais para os Estados Unidos................................................... 124
7.2.2 México, Benito Juárez e as Leis da Reforma.............................................................................. 129
7.2.3 O México e o porfiriato: modernização econômica e crise social.................................... 134
8 IMPERIALISMOS NAS AMÉRICAS.............................................................................................................137
8.1 A consolidação do Brasil como Estado Nacional
e o choque de imperialismos na América do Sul..........................................................................138
8.1.1 Brasil – Estruturação política........................................................................................................... 138
8.1.2 Brasil – Guerra do Paraguai.............................................................................................................. 140
8.2 Imperialismos sobre a América Latina: Inglaterra, França e Estados Unidos..............147
8.2.1 EUA – Construção da liderança continental............................................................................. 148
8.2.2 EUA – Intervencionismo e a independência de Cuba.............................................................151
8.2.3 Cuba e Martí........................................................................................................................................... 154
APRESENTAÇÃO
A disciplina História da América Independente, cujo livro‑texto agora se apresenta, tem como
objetivo primordial oferecer um olhar crítico sobre a história das Américas no decorrer do século XIX.
A ideia de problematizar diversas trajetórias aparentemente tão díspares não afastou, em momento
algum, a noção de que existem convergências que são fundamentais para se entender aspectos muito
significativos na formação dos diferentes Estados nacionais americanos. Acrescente‑se a isso que a
trajetória dos Estados Unidos também precisa ser abordada sob essa ótica, uma vez que, mesmo tendo
sua independência no século XVIII, permaneceu como referencial para outros povos na construção de
suas nações, que, além disso, enfrentaram momentos cruciais na consolidação de seu Estado nacional,
ainda não estruturado e pronto até pelo menos a metade do século XIX.
Nos debates relativos às Américas, não se pode mais aceitar a construção de mitos para a fundação
dos países como objetivo da construção do conhecimento histórico e historiográfico. Ao contrário, é
necessário desconstruir tais mitos pois, dessa maneira, abordamos a construção das figuras clássicas
americanas tais como as dos “Libertadores” e a de Lincoln, sob uma perspectiva crítica.
O período relativo ao século XIX, nosso foco principal, precisa ser pensado a partir da crise do Antigo
Regime e do Antigo Sistema Colonial. Desse modo, as referências ao século XVIII são fundamentais.
Pensando ainda nas barreiras temporais, que sempre são arbitrárias, chegamos às discussões de como
o imperialismo no século XIX foi percebido nas Américas. Isso significa fazer um convite para se pensar
como realidades no final de um século podem ser tão relevantes para o nascimento do próximo.
Iniciamos nossa discussão com pontos relativos à colonização das Américas em suas mais
diversas realidades, pois isso influenciou diferentes aspectos da crise que provocou a derrubada
do Sistema Colonial. As intensas transformações dos séculos XVII e XVIII – perpassando pelo
iluminismo e pelo reformismo ilustrado – contribuem para o entendimento mais geral da Crise.
Os malogrados esforços para superar as dificuldades do momento permitem‑nos questionar os
sentidos das independências que se iniciam com as Treze Colônias Britânicas e atingem os impérios
coloniais de Espanha, Portugal e França. Dessa maneira, discutimos as possibilidades em aberto nas
independências, com diferentes projetos se apresentando, alguns dos quais se consolidam e outros
são descaracterizados ou abortados.
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Os contrastes entre opções monarquistas e republicanas, por exemplo, nos auxiliam nesse
questionamento, e como modelo de inversão da ordem apresentamos o caso do Haiti, demonstrando a
necessidade de se pensar a existência de múltiplas possibilidades fora da ordem escravista, por exemplo.
Depois disso nos voltamos ao desenvolvimento da temática das independências de maneira crítica,
debatendo visões tradicionalistas e abordagens contemporâneas referentes a Bolívar, San Martín e
outros. Há, além disso, intensas discussões presentes a respeito da centralização e da descentralização,
bem como da difícil tarefa de construir e consolidar os Estados nacionais por todas as Américas. Ainda
nessa perspectiva, abordamos regiões como o Prata ou a Grã‑Colômbia, pensando em dinâmicas maiores
do que os Estados Nacionais resultantes dos processos, que não podem ser vistos, de maneira alguma,
como causas das independências, mas sim como seus frutos, suas consequências mais evidentes. O
papel dos caudilhos na Hispano-América e também o da construção dos heróis são abordados como
componentes das discussões dos sentidos nacionais.
Por fim, apresentamos os processos de consolidação dos Estados nacionais que envolveram guerras
civis, tal como é o caso da Guerra de Secessão nos Estados Unidos. Abordamos ainda o processo de
construção da sociedade industrial e capitalista nesse mesmo país e de que maneira isso foi fundamental
na construção da ideia de potência em relação aos Estados Unidos – procurando sempre ressaltar que,
apesar de nossa familiaridade com a noção consolidada de que os Estados Unidos já eram superpotência,
é fundamental perceber os confrontos internos e observar esse país antes mesmo de ser uma potência
de escala continental.
Considerando o que foi exposto, ressaltamos a nossa preocupação com as diversas visões a
respeito das realidades na América Latina e também nos Estados Unidos que precisam contemplar
questões contemporâneas relevantes. Esperamos que possam contribuir para o desenvolvimento e
o refinamento de um senso crítico relativo a realidades que, de alguma maneira, são extremamente
relevantes para o Brasil.
INTRODUÇÃO
A disciplina de História da América Independente tem como objetivo primordial oferecer diferentes
olhares sobre a história da América no século XIX. Para tanto, recorreremos ao quadro geral da Crise do
Antigo Regime e do Antigo Sistema Colonial para compreender os movimentos de independência e os
aspectos importantes que marcaram a história de diversos países de nosso continente.
Dessa maneira, esmiuçaremos aspectos relevantes desde antes do século XIX e observaremos
desdobramentos que adentraram o século XX e se desenvolvem até os dias atuais, embora nosso foco
seja o século XIX.
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A dimensão dos conflitos existentes e das dinâmicas próprias da América não será tratada como
aspecto negativo de uma região convulsionada por revoltas e interesses particulares de pequenos
potentados locais. Nossas discussões se darão muito mais para problematizar o que nos é peculiar e
entender que a América foi feita justamente desses contatos entre as diversas regiões.
Uma preocupação que perpassa por todo o texto é a busca da análise desses acontecimentos à
sombra da construção dos Estados nacionais e, para tanto, valorizar principalmente os discursos
produzidos nas nações sobre suas origens e questionar as influências de figuras históricas do século XIX
até os dias atuais. Estamos nos referindo, por exemplo, aos usos políticos de Simón Bolívar, San Martín
e mesmo de Abraham Lincoln.
Levando em consideração que nos últimos anos o estudo sobre a América tem avançado
significativamente, novos problemas e abordagens são sugeridos na mais recente historiografia, e
procuraremos incorporar seus aspectos mais relevantes em vez de nos preocuparmos em construir
os mitos nacionais, tão na moda no século XIX e tão questionáveis posteriormente. Aproximamo‑nos
das figuras tidas como as dos Libertadores das Américas para entender os processos envolvidos no
estabelecimento dessas imagens.
O período que abordamos é longo, um século, e apresenta diferentes ritmos históricos, políticos,
econômicos e industriais. Quando pertinente, abordaremos esses aspectos diversos que tanto
contribuíram para a construção da América. É preciso salientar que este texto não tem a pretensão de
abordar absolutamente todos os processos de independência, posto que não trabalhamos apenas com
esse momento histórico. Elegemos, assim, momentos, personagens e conflitos que pudessem contribuir
para problematizar melhor as diferentes ideias possíveis de América.
Nossa discussão se iniciará com a apresentação do quadro geral de crise do Antigo Regime e do
Antigo Sistema Colonial. Na sequência, serão analisadas, também sob uma ótica americana, e não apenas
das consequências das mudanças para as metrópoles, as principais transformações que provocaram o
fim do Antigo Sistema Colonial. As influências das Revoluções Burguesas do século XIX, o sentido das
mudanças, as expectativas, os projetos e o aprofundamento das crises que provocaram as independências
são o assunto desse trecho do material.
Nossa preocupação, como você pode perceber, é trazer as independências como parte de um
movimento mais amplo, e não simplesmente como processos isolados de cada um dos países
constituídos depois.
Dando continuidade a essas reflexões, proporemos a abordagem dos sentidos históricos atribuídos
a personagens apresentadas tradicionalmente como os “pais da nação” em seus países. Consideramos
relevante discutir mais profundamente o contexto da América Espanhola e mais sucintamente o restante
dos processos de construção dos Estados nacionais – vale dizer, dos Estados Unidos e do Brasil.
O resgate das trajetórias individuais, dos projetos políticos em confronto, das tensões entre
centralização e descentralização serão tratados nessa perspectiva crítica e numa análise mais apurada
dos usos sociais que foram atribuídos na América hispânica aos seus “libertadores”. Os confrontos entre
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os caudilhos na América de língua castelhana e as dificuldades de afirmação dos Estados nacionais,
comuns a toda a América, serão temas de reflexão.
Logo em seguida nos debruçaremos sobre aspectos relevantes das Américas no século XIX,
pensando em articulações e em como as histórias, cada vez mais, se interligam, se influenciam e se
“contaminam”. Para tanto, abordaremos a expansão territorial dos Estados Unidos no ponto em que
tem importância para o vizinho México. Vamos também trabalhar a consolidação dos Estados Unidos
Pós‑Guerra de Secessão no que concerne a permitir condições para sua expansão capitalista, que
influenciou o Caribe e contribuiu para sua liderança nas Américas. O caso mexicano será analisado
em função de dinâmicas conflituosas entre elites e povo, de esforços de modernização e de seus
enfrentamentos com os Estados Unidos.
Dois aspectos importantes do século XIX foram o choque de imperialismos e a afirmação de algumas
nações sobre as demais com relação a sua economia ou a seus sistemas de valores. Desse modo, o
confronto da Guerra do Paraguai e a emancipação cubana são pontos importantes, concluindo um século
conturbado, mas também deixando a sugestão da problematização de muito do que será importante
nos séculos XX e XXI.
Nas palavras de Fernando Antonio Novais (1985), o mestre de muitos mestres de historiadores e de
professores de História, conhecer o passado é a única maneira de nos libertarmos dele, isto é, destruir os
seus mitos, frase breve que nos serve como norte nas muitas discussões que aqui apresentamos.
Maria Ligia Prado e Gabriela Pellegrino (2014) afirmam, com muita propriedade, que os brasileiros,
de modo geral, conhecem muito pouco sobre a rica e complexa História da América Latina. Ressaltam,
ainda, que é importante abordar aspectos variados de cada momento histórico, pensando em política,
sociedade, questões étnicas e de gênero, economia, cultura e assim podendo pensar as intrincadas
relações entre a América Latina e o mundo ocidental. Sobre o tema, uma observação aparentemente
singela dá a dimensão da necessidade de pensarmos em nós mesmos como participantes dessa realidade:
o Brasil, como todos sabem, faz parte da América Latina. Como importante lição, as autoras reafirmam a
necessidade de lembrar que os vocabulários e as falas têm historicidade – as datas de invenção e quais
disputas políticas e ideológicas estão contidas nesses usos são importantes para compreendê‑los.
Nossa concepção de História é pontuada o tempo todo pela ideia de que, para estudar o passado de
um povo, de uma instituição, de uma classe, não basta aceitar ao pé da letra tudo quanto nos deixou
a simples tradição escrita. É preciso fazer falar a multidão imensa dos figurantes mudos que enchem
o panorama da História e são muitas vezes mais interessantes e mais importantes do que os outros, os
que apenas escrevem a história.
Assim, esclarecemos que essas são as maiores preocupações que conduzirão nossas discussões
a respeito da América Independente no século XIX, que é latina (origem hispânica), portuguesa ou
francesa, mas também anglo‑saxônica (caso dos Estados Unidos), além de indígena e mestiça.
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HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Unidade I
Nesta unidade vamos apresentar uma visão da crise do Antigo Regime e do Antigo Sistema
Colonial que vai levar às independências. Vamos desenvolver a ideia de que o fracasso das reformas
nos Impérios Coloniais contribuiu com o agravamento da crise e de que as novas concepções de
liberdade política, derivadas do Iluminismo, vão se propagar na Europa, mas também na América.
Depois de apresentar as tentativas de emancipação duramente reprimidas, concluiremos com os
movimentos definitivos de independência política.
Foram os espanhóis os grandes conquistadores e colonizadores ao longo dos séculos XVI e XVII.
Por meio de algumas centenas de homens, conseguiram dominar impérios em pleno esplendor que
contavam com milhares de nativos. Os famosos versos do poeta Pablo Neruda sintetizaram a destruição
empreendida pelos europeus: “la espada, la cruz y el hambre iban diezmando la família salvaje” – “a
espada, a cruz e a fome iam dizimando a família selvagem (NERUDA, [s.d.], tradução nossa).
O interesse central do domínio desses povos, na lógica do capitalismo mercantilista, era o acúmulo
primitivo de capitais para a metrópole, bem como o enriquecimento dos empreendedores dessa ação,
como sintetiza a frase atribuída ao comandante Hernán Cortés: “eu e meus companheiros sofremos de
uma doença de coração que somente pode ser curada com ouro” (apud ELLIOT, 2012, p. 167).
Não demorou muito para que as ações espanholas propiciassem a satisfação desse interesse. O uso
das armas de fogo, a proliferação de doenças que não existiam na América e, sobretudo, o uso das
rivalidades internas foram fundamentais para o êxito espanhol. A destruição foi um marco terrível na
história do nosso continente.
A Igreja Católica tornou-se o grande sustentáculo ideológico para os países ibéricos, visando garantir
a dominação e impedir a propagação do protestantismo, como se via na Europa. A relação de padroado
da Igreja, promovendo certa relação bastante estreita entre Estado e Igreja, manteve-se até o século
XIX. A Igreja possuía funções políticas, como o arbítrio papal nas questões internacionais; entretanto,
a Coroa podia indicar toda a hierarquia religiosa. Isso fazia o Estado pagar os salários do clero, além de
construir e manter monumentos, igrejas e catedrais. Isso não era visto como prejudicial pela Igreja. A
divisão política estabelecida era também aquela a que a Igreja obedecia. As funções exclusivas do Estado
eram as econômicas (garantir a exploração e o pagamento de impostos) e militares (defender o território
a todo custo).
Após a queda das expedições de conquista, os espanhóis, já maravilhados com o ouro e a prata,
rapidamente perceberam que poderiam angariar um sistema exploratório desses minérios tão
cobiçados. Cortés rapidamente entendeu que poderia criar uma estrutura simbólica de poder ao
gerar a Cidade do México por cima das ruínas de Tenochtitlán. A perspectiva era a de continuidade de
domínio: dos astecas para os espanhóis. Já entre os incas, Cuzco ficava em um local de difícil acesso,
daí a construção da nova capital, Lima, no litoral. Mas o pior eram as tentativas de poder paralelo
inca, que demoraram certo tempo para serem completamente extirpadas. A mesma perspectiva de
continuidade não era vista no sul.
O sistema de repartimiento, mita na área andina ou cuatequil entre os astecas, foi o mais utilizado e
importante sistema de trabalho. Era caracterizado pela mão de obra compulsória, temporária e planejada
utilizando os indígenas. Os homens se deslocavam para as minas e, depois de certo tempo, voltavam
para as suas comunidades. Essa mobilidade gerava um problema: a lucratividade não era tão grande,
pois, logo que o nativo aprendia as técnicas de mineração, acabava seu tempo, e um novo grupo era
iniciado. Da tradição incaica, era pago um salário para a subsistência. Não havia a ideia de acumulação.
Inclusive, essa já tradição do repartimiento facilitou seu uso com os nativos – daí a Coroa ter adotado
esse sistema. Contudo, a lucratividade agora era gerada para fins privados e para a metrópole, ou seja,
não mais para a redistribuição.
A colonização do restante da América adquiriu traços específicos. A América Portuguesa, ainda que
inicialmente não ocupada pelo interesse de Portugal na rota das especiarias do Oriente, logo passou a ser
explorada sistematicamente. Foi adotado o uso da escravidão negra como forma de otimizar o processo
12
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
exploratório da lavoura de exportação. Já os franceses e ingleses, atrasados em relação aos países ibéricos na
expansão marítimo‑comercial, promoveram ataques para garantir territórios no Novo Mundo. A América do
Norte, local central onde perduraram domínios desses países, foi a menos apreciada por Portugal e Espanha.
A região do Canadá foi ocupada pela França, e a área mais ao sul formou as 13 Colônias da Inglaterra.
Com especial destaque, o norte das colônias inglesas (também conhecido como Nova Inglaterra), por causa
de seu clima temperado, não propiciou condições para a produção tropical – formada pelos típicos artigos
que poderiam gerar lucro para a metrópole. Por isso, acabou vivenciando um processo de desenvolvimento
bastante específico (chamado de colônia de povoamento). Como não atraíam os olhos da Coroa, as colônias
dessa região acabaram criando uma estrutura própria, quase à revelia do sistema (chamado de self government).
Isso porque os habitantes tinham pequenas e médias propriedades, com relativa facilidade de acesso à terra,
que abasteciam o mercado interno, e comercializavam os excedentes. Pescavam, vendiam peles, usavam a
madeira. Os produtos agrícolas eram diversificados (policultura), e alguns proprietários investiam até mesmo
em pequenas manufaturas – como navios ou rum. A mão de obra bastante comum era a familiar, ou seja,
todos da casa tinham funções específicas e deveriam fazer a sua parte para o sustento. Havia também o
trabalho servil, conhecido como indenturent servant. Na prática, em troca do pagamento de sua passagem, o
colono trabalhava temporariamente – em geral quatro a sete anos – para depois ser livre e ter suas próprias
terras. Esse sistema garantia o uso de mão de obra e, ao mesmo tempo, trazia esperança de uma nova vida
para os mais pobres, ainda que tivessem de dispor de alguns anos. Foi assim que muitos elementos pobres e
marginais na sociedade inglesa vieram para a América. Ao mesmo tempo, realizavam tratos comerciais com
outras regiões, muitas vezes, até mesmo à revelia da metrópole – o que ficou conhecido como comércio
triangular. Partes das áreas do centro também acabaram formando esse sistema.
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Unidade I
Por fim, a colonização holandesa seguiu as características que se estabeleceram nessa região
europeia, que era uma área de grande trato mercantil. Em Amsterdã, grandes banqueiros e comerciantes
promoviam negócios para as diversas regiões do globo, sobretudo, com as extensas possibilidades
desenvolvidas pelas Grandes Navegações. As relações econômicas pareciam ilimitadas. Ao mesmo
tempo, Amsterdã abrigou aqueles que debandavam de outros países por questões religiosas, mesmo
com grandes cabedais financeiros – um dos grupos principais, nesse sentido, foi o dos judeus ibéricos.
Outra parte significativa dos comerciantes batavos era protestante calvinista. A ideia de uma ética capaz
de valorizar as atividades do trabalho como um serviço a Deus, aliada a um estilo de vida ascético, isto
é, não dado aos prazeres do mundo e da ostentação, promovia um enorme enriquecimento e recursos
propícios para o aumento mercantil. Diferentemente da Igreja Católica, que condenava o lucro e a usura,
segundo alguns protestantes do período, o trabalho e a acumulação demonstravam a ação de Deus em
suas vidas – comprovando a sua eleição aos céus.
Uma das parcerias importantes para os comerciantes holandeses era o açúcar português. Os
batavos financiaram a montagem dos engenhos em troca de benefícios bastante significativos, como o
monopólio do açúcar no transporte, último refino e venda na Europa. Na prática, não só o lucro direto
era bem‑vindo: também o eram a construção e o uso de uma marinha mercante e de guerra capaz de
atravessar o Atlântico trazendo os produtos com toda a segurança diante dos corsários e piratas – essa
rede de transporte foi se expandindo e estava cada vez mais relacionada às diversas áreas de comércio
com várias regiões da Europa.
Quando, no entanto, a Holanda procurou se libertar do domínio espanhol, acabou perdendo esse
trato em razão do contexto da União Ibérica – período em que os países ibéricos estavam unidos sob a
Coroa da Espanha.
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HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Enquanto o Caribe adquiria grande importância econômica, o Império Colonial Espanhol já não
tinha o mesmo brilho de outrora – a produção de metais já não era como antes. Mais do que isso,
em pouco tempo, alguns passam a falar da decadência espanhola. Ao mesmo tempo, Portugal havia
reconfigurado suas relações políticas para conseguir se desvencilhar da União Ibérica e desenvolver
novas ações econômicas após o declínio de seu açúcar. Um amplo aspecto de mudanças passava a ser
discutido com a propagação de novas ideias, em um novo contexto europeu.
O século XVIII foi um momento de significativa ruptura de valores, crenças e convicções sedimentadas
pela tradição de séculos. O Século das Luzes, como foi chamado, a partir da razão, viu nascer a ideia de
que o homem podia explicar o mundo. Esse século teve como ponto de partida a crise de consciência
europeia (1680-1715), analisada por Paul Hazard – o colapso do conhecimento imanente levava
ao nascimento do método a partir da dúvida, fazendo surgir um novo rumo intelectual e cultural.
Todo o clericalismo, base de sustentação ideológica da Época Moderna, era criticado. O racionalismo
e o cientificismo eram exaltados – e o exemplo mais forte era a Enciclopédia, livro que reunia todo o
conhecimento da época.
15
Unidade I
Como explica Eric J. Hobsbawm (1977), a obra em questão tinha uma proporção muito maior:
É esse o contexto econômico fundamental para a burguesia. Seus empreendimentos geravam grandes
acumulações, e seu destaque era indiscutível. Mais do que isso, esse grupo social sabia que o Estado
absolutista era sustentado por suas atividades, mas a sociedade mantinha seus valores estamentais
– nascimento garantindo privilégios e isenções. Era muito incômoda, além disso, sobretudo após a
Revolução Industrial, a intervenção do Estado na economia. As novas ideias, por um lado, defendidas
por Adam Smith em A Riqueza das Nações, proclamavam que a Lei da Oferta e da Procura controlaria
o sistema econômico sem necessidade de intervenção do Estado. O trabalho era o grande gerador de
riquezas (SMITH, 2008). Em contrapartida, franceses defendiam a fisiocracia, ou seja, que a agricultura
era a única grande forma de se gerar riqueza para um país – pois o alimento é imprescindível para
qualquer tipo de atividade –, logo sempre teria mercado. De qualquer maneira, os economistas franceses
também entendiam que as relações econômicas não dependiam do Estado – seu lema era “laissez faire,
laissez passer” (“deixe fazer, deixe passar”).
A partir dessa nova mentalidade econômica, os burgueses passaram a desejar o liberalismo econômico,
a criticar o Estado absolutista e, por extensão, todas as demais bases do mercantilismo. Mais do que
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HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
isso, aspiravam a uma sociedade de direitos capaz de garantir a liberdade, a igualdade, a propriedade e
a rebelião contra qualquer tirania. Na prática, essas ideias de direitos surgiram com John Locke, filósofo
inglês da época da Revolução Gloriosa inglesa. Suas ideias tiveram enorme propagação, atingindo uma
grande força revolucionária.
A força das ideias iluministas atingiu níveis impressionantes. Na política, dois grandes autores
se destacaram. Montesquieu, com sua obra O Espírito das Leis, defendia que a única forma de se
garantir a harmonia política eram as leis e, com elas, a divisão de poderes. O Executivo, o Legislativo
e o Judiciário, com suas funções específicas, garantem autonomia e a independência em relação
ao governo absolutista (MONTESQUIEU, 2005). Já Jean-Jacques Rousseau defendia a bondade do
homem em seu estado natural e a legitimação do poder relacionada a um contrato social feito pelos
homens em nome de todos – daí a vontade geral de permitir a garantia da liberdade (ROUSSEAU,
2002). Nesse aspecto, Rousseau foi uma grande exceção – defendia a vontade geral, ao passo que
os outros pensadores entendiam que uma minoria letrada (relacionada com a burguesia) era quem
deveria participar da política.
Observação
Claro que, na prática, essas ideias atingiram forças variadas ao longo da Europa e da América.
A estrutura do Antigo Regime, em todos os seus aspectos, estava em jogo – os elementos mais
fortes a fazê‑la desmoronar foram provenientes justamente desse momento: a Revolução Industrial,
a Revolução Americana e a Revolução Francesa.
Para o que nos interessa aqui, por ora, basta dizer que o capitalismo industrial nasceu com a Revolução
Industrial. O uso da máquina transformou completamente o processo produtivo. A riqueza passou a ser
vista como infinita. Tudo dependia da produtividade. As relações econômicas poderiam ser promovidas
em todos os lugares e se garantiriam os seus valores, já que a oferta aumentava pela abertura de
mercados (a Lei da Oferta e da Procura). Foi a partir dessa revolução que a Inglaterra se tornou um país
liberal por excelência. Esse eco bateria de frente com os valores protecionistas do mercantilismo e seu
Antigo Sistema Colonial.
Variou a maneira como as novas ideias alcançaram os diversos países: em alguns, contagiou
milhares, em outros, as monarquias europeias se aproveitaram dessas ideias para uma tentativa
de reformar o Estado absolutista e promover o desenvolvimento econômico e social. Contudo,
nunca se pensava em alterar as relações políticas – havia um enorme temor de governos
representativos ou, mais adiante, da propagação do ideário da Revolução Francesa. Esse
movimento ficou conhecido como despotismo esclarecido. Dois dos países que promoveram
esse sistema foram justamente os ibéricos.
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Unidade I
Observação
Até a segunda metade do século XVIII, a Península Ibérica estava mergulhada no Barroco. A
especificidade da Ilustração na região foi a condução controlada pelo Estado, filtrando as ideias
segundo seus interesses. A circulação de livros era restrita, pois somente aqueles que obtivessem
a autorização da Inquisição poderiam ter determinadas obras iluministas. Todavia, não podemos
deixar de mencionar a existência de “contrabando de ideias”, que não era visto pela Inquisição.
“Guardado, fechado, entretanto, não podia permanecer de modo absoluto. Por um motivo ou outro
(o comércio, a diplomacia) os homens circulam para fora da Península, e com os homens as ideias”
(NOVAIS, 2006, p. 220).
De qualquer maneira, na prática, os novos conceitos deixavam os países ibéricos em uma encruzilhada:
Esse novo tempo era visto a partir de um movimento de modernização para a Península, com
base na reforma do Estado e numa reorganização política e econômica das possessões no continente
americano, ou seja, em questões de Estado, com as medidas pombalinas (Portugal) e a reforma dos
Bourbons (Espanha). Foi um projeto desenvolvido a partir do Estado, sendo promovido, portanto,
“de cima para baixo”, mantendo a tradição com o objetivo de constituir completamente o Estado,
renovando o sistema, mas não a estrutura. A seguir discutiremos as especificidades da Ilustração
tanto em Portugal quanto na Espanha.
18
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Para boa parte dos historiadores, o Império Espanhol atingiu seu ápice no reinado de Felipe II (1556-
1598), quando, inclusive, houve o início da União Ibérica (1580-1640). Nesse momento, esse monarca
controlava sozinho as grandes possessões coloniais do Novo Mundo, angariando recursos tanto das
minas espanholas quanto do açúcar português, além das áreas da Ásia e da África. Ao mesmo tempo,
ele se intitulava um bastião da Igreja católica exatamente no contexto da explosão da Reforma e das
Guerras de Religião.
Contudo, a política opressora em seus domínios, como na Holanda, acabou permitindo um movimento
de independência. No desenvolvimento desse embate, os holandeses atacaram as possessões de domínio
português e imprimiram uma mudança gigantesca no comércio do açúcar.
Importantes confrontos se sucederam contra a Inglaterra. O maior deles foi a investida da chamada
Invencível Armada, em 1588, contra a costa britânica. Felipe II alegou que atacaria a rainha herege,
Elizabeth I, que sempre apoiara as lutas dos holandeses, mas, na prática, suas pretensões estavam
profundamente relacionadas ao patrocínio da Coroa Inglesa às ações de saque dos corsários aos galeões
da prata. A Invencível Armada, na ocasião, contava com uma frota bastante substancial justamente por
reunir os navios portugueses.
A derrota espanhola foi um marco importante. Por um lado, as despesas da Coroa Ibérica foram
de grande vulto e impediam novos avanços – até mesmo os embates com os holandeses ficaram mais
problemáticos, o que culminou em sua independência. Em contrapartida, a vitória assinalou o avanço
naval inglês, que ficaria cada vez mais evidente e preponderante no século XVII – propiciando ações
mercantis maiores e constantes a ponto de contribuir para a substancial acumulação de capitais do país.
Após o reinado de Felipe II, como assinalou J. H. Elliott (1989), no período de 1590 a 1620, a região de
Castela sofreu com o detrimento de diversas bases pelas quais erigiu seu império. A quantidade de pessoas,
a produtividade e a riqueza já não eram as mesmas. Ao mesmo tempo, os níveis de desenvolvimento do
mercado americano perdiam força – a dependência quase completa de produtos da metrópole passou
a ser substituída, em certa medida, pelas produções locais nos circuitos do México e do Peru. Assim, os
galeões de Sevilha já não vendiam como antes. Por fim, a prata, pela primeira vez, em 1601, começava
a diminuir. Portanto, o comércio e o crédito já não eram os mesmos de antes.
Ao mesmo tempo, ao longo do século XVII, a Espanha teve um problema quase constante: os diversos
conflitos europeus em que estava envolvida. Os gastos eram avultantes, os resultados, variáveis, e nada
de proveitoso era obtido. Um dos confrontos centrais aconteceu justamente no início desse período:
a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Em um momento de razoável equilíbrio nas forças da Europa,
os países se dividiram por um conflito que ainda se declarava por razões religiosas – apesar de haver
interesses econômicos e imperialistas envolvidos. No bojo dessa disputa a trégua com a Holanda foi
finalizada; o país, então, passou a invadir as áreas do Império Atlântico da União Ibérica. Mais do que isso,
os próprios portugueses iniciaram uma revolta para retomar sua independência, sobretudo, após uma
política de impostos bastante opressora (tudo para manter a luta). Apesar de essa ser a última guerra na
19
Unidade I
Lembrete
A Guerra de Sucessão Espanhola garantiu a vitória dos Bourbons e o tratado de paz de Utrecht, em
1713. Fazer os Habsburgos desistirem do trono teve um preço. Além da entrega de diversos territórios
na Europa, a Inglaterra recebeu o direito do asiento – seria a única responsável pelo tráfico de escravos
na América Hispânica até 1748. Além disso, poderia, anualmente, ter um navio de comércio – era o fim
do monopólio comercial metropolitano de mais de dois séculos, era o permiso.
Na prática, a Espanha já não era a grande potência do mundo, sobretudo depois de perder tantas
forças na Europa, e via seus rivais partirem para práticas mercantis e para o domínio de territórios no
Novo Mundo. Desse modo, ou avançava para a revivescência colonial, ou o brilho do passado jamais
retornaria. Assim, o século XVIII, com as ideias iluministas e sua adaptação para o despotismo esclarecido,
traziam a esperança de que reformas pudessem ser empregadas para reflorescer o Império Hispânico.
Foi exatamente isso o que ocorreu fundamentalmente a partir do reinado de Carlos III (1759-1788).
Figura 4 – O reinado de Carlos III marcou o desenvolvimento das reformas para o reflorescer do lucro na metrópole.
Repare, contudo, que o quadro apresenta as mesmas bases de postura do monarca em relação ao absolutismo
estabelecia todo o conjunto de determinações. O objetivo era angariar fórmulas capazes de fazer a
colônia voltar a gerar um acúmulo primitivo para a metrópole – já que desde o final do século XVII a
renda vinha decrescendo em razão da menor capacidade de exploração das minas e da propagação do
contrabando. Este último, inclusive, tomou proporções tamanhas que, em partes do século XVIII, chegou
a ser maior que o comércio legal no interior das colônias. Com isso, o comércio declarado ilegal pela
Coroa estava minando os monopólios e a fiscalização, além de receber apoio de colônias concorrentes
(como Jamaica e Haiti) ou mesmo das potências rivais. Na prática, as relações internas contavam com
significativa autonomia.
Lembrete
Um dos principais vetores de atuação da reforma proposta pelos Bourbons foi a reestruturação de
toda a burocracia. Para obter um maior controle, a Coroa promoveu um amplo processo de reformulação
de toda a hierarquia administrativa. Diversos novos cargos e instituições foram promovidos com a
perspectiva de garantir a cobrança de impostos e o devido incremento da renda real. Com isso, em
grande medida, os selecionados para essas novas funções eram chapetones, pois, segundo o comentário
na metrópole, era fundamental ter confiança total nas ações desse funcionalismo.
Observação
A divisão completa dos Vice‑Reinos foi feita nesse momento. Até então, apenas a Nova Espanha (na
Mesoamérica) e o Peru (na área andina), locais dos dois grandes impérios pré‑colombianos, existiam.
Foram separadas as áreas periféricas, para melhor governo. Assim, em 1717, surgiu o Vice‑Reino da Nova
21
Unidade I
O cargo de vice‑rei permanecia como o mais importante das colônias. Contudo, a partir da metade
do século XVIII, cada vez mais, estava relacionado a grandes oficiais especialmente selecionados pelo
rei, ou seja, o cargo demonstrava uma forte preocupação com a garantia das ações militares e uma
reorganização rígida da estrutura administrativa.
As audiências, entre o final e o início do século XVIII, tinham seus cargos vendidos a qualquer um
que tivesse as qualificações necessárias e a renda para sua aquisição. Com isso, muitos criollos foram
capazes de assumir boa parte desses postos na metade do século XVIII. Entretanto, as medidas borbónicas
começaram a retirar essa elite local de tais postos avançados de justiça – através de subterfúgios, aos
poucos, os detentores desses postos eram afastados ou transferidos, mesmo que ainda mantivessem um
bom número dessas funções na época das lutas pelas independências.
Uma das novas instâncias promovidas nas principais capitais foram os superintendentes subdelegados
de real hacienda, responsáveis por todas as questões financeiras nessas cidades de grande vulto comercial.
Na prática, aliavam‑se as enormes funções do vice‑rei e, ao mesmo tempo, comissões eram promovidas
para fiscalizar todas as ações.
Na verdade, fiscalizar era uma das palavras de ordem da reforma. Garantir os impostos era uma
questão fundamental que estava plenamente relacionada à exploração local. Assim, um amplo grupo
de fiscais assalariados foi criado. A ideia era a proximidade, em cada uma das regiões, como vetor da
vigilância máxima.
À medida que as reconfigurações administrativas eram realizadas, a Igreja Católica era enfraquecida.
Muitos dos membros do clero, tanto regular como secular, acabavam tendo enorme influência nas
relações estabelecidas na sociedade da América, pois além de líderes espirituais (o que já era um peso
bastante significativo), eram conselheiros intelectuais (pela sua formação e por um contexto de poucos
letrados). Uma das questões centrais era o fim dos privilégios especiais, dos quais era justamente a
Igreja que mais desfrutava. Seus fueros garantiam a imunidade dos religiosos à jurisdição civil e a fonte
de riqueza – transformando a Igreja na maior fonte de capital de investimento na América Espanhola.
Não eram, de modo algum, os aspectos doutrinários colocados em jogo, mas sim o enorme poder
estabelecido.
As ações tentaram atacar diretamente o clero, ao buscar submetê‑lo à jurisdição dos tribunais
seculares, e, nesse processo, reduziram progressivamente as imunidades clericais para, a seguir, com a
Igreja enfraquecida, apropriar‑se de seus bens. Em 1767, a Coroa deu um golpe exemplar para mostrar
sua força: os jesuítas foram expulsos dos domínios da Espanha. Os membros dessa ordem clerical eram
particularmente vistos como o símbolo da habilidade de se aproveitar os meandros da administração.
Com isso, garantiam mais recursos econômicos, por meio de um ótimo gerenciamento e de indígenas a
seu lado. Por fim, sempre garantiram fidelidade absoluta ao papa. A ação trazia, entretanto, um baque
para a elite local – já que grande parte desses religiosos eram criollos.
22
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
O clero reagiu, e o baixo clero, cujo fuero era praticamente seu único recurso material, passou
a, continuamente, apoiar insurreições. Esse confisco de bens da Igreja foi entendido como um
grande exemplo de mau governo e de corrupção dos funcionários espanhóis, além do péssimo uso
do dinheiro mexicano. O confisco demonstrava a dependência mexicana de uma política externa na
qual não tinha voz nem interesse e acabou unindo ricos e pobres, espanhóis e criollos, em oposição
ao controle da metrópole.
A Coroa precisava promover uma estrutura militar capaz de garantir seus domínios, ou seja, repelir
eventuais movimentos internos, como rebeliões e levantes, e, ao mesmo tempo, ser capaz de garantir as
possessões diante da constante ameaça estrangeira – que vinha de diversos lados. A defesa envolvia as
rebeliões dos índios pueblos no Novo México, as várias insurreições ao longo das áreas de concentração
indígena na região andina, os conflitos de fronteira com os portugueses na bacia do Prata e ainda
incursões estrangeiras no Caribe.
Uma das maneiras mais importantes de fortalecer o corpo militar foi criar tropas regulares
e, ao mesmo tempo, promover várias milícias (forças locais), que “significavam que a maioria
esmagadora dos homens que serviam ao Exército eram americanos nativos e que uma boa parcela
dos oficiais, de capitão para baixo, era constituída por crioulos [ou criollos]” (BRADING, 2012, p.
403). Uma das ações mais importantes desse grupo foi a tomada da colônia de Sacramento, em
1776. Essa região era um centro de disputa de fronteiras com os portugueses em virtude de sua
localização estratégica na área de comércio (e muito contrabando) promovido próximo à Bacia
do Prata. Outra ação bastante significativa foi a vitória das milícias sobre as invasões inglesas de
1806 e 1807, em Buenos Aires.
Contudo, o acesso à promoção militar estava cada vez mais restrito para impedir, de qualquer
maneira, a força dos criollos, mesmo que as ações militares justificassem honrarias – coisas que os
homens das tropas bem percebiam.
Devemos lembrar aqui que a França já havia conseguido, em 1704, o permiso de comércio nas áreas
do Pacífico (com Peru e Chile). Pouco tempo depois, os ingleses também o conseguiram, inclusive com
o asiento.
Figura 5 – O Porto de Cádiz, na Espanha, tinha importância central no século XVIII até o comercio libre
Outro elemento importante foi a criação de companhias de comércio. Uma das questões centrais do
uso dessas instituições era contar com o apoio de particulares para tentar extirpar o contrabando – já
que, desta feita, ele atava seus interesses. Não raro, conseguiram navios de guerra e recuperaram muito
do trato mercantil para a Coroa. Contudo, isso era cada vez pior e mais distante dos interesses locais.
Em diferentes áreas foi restabelecido o sistema de frotas, o que retomava um ideal de segurança
para os grandes empreendimentos no Atlântico, mas batia de frente, mais uma vez, com os interesses
locais. Casas de comércio já estavam razoavelmente enraizadas e conseguiam suprir a demanda, pois os
comerciantes espanhóis tinham de promover altíssimos investimentos para um trato mercantil capaz
de acumular grande vulto.
Diante dessas dificuldades, as reformas passam a dar um passo à frente. Em 1778, foi autorizado
o comercio libre. Eram abolidas as frotas, bem como o monopólio de comércio de Cádiz, ou seja,
qualquer comerciante espanhol poderia promover ações no Novo Mundo. Entretanto, claro que esse
trato livre não era geral. Houve fases para, aos poucos, autorizar determinados portos espanhóis
a fazer comércio com a América. Apesar disso, rapidamente, houve uma enxurrada de produtos
importados. As consequências disso foram preços cada vez mais baixos e lucro em decréscimo
para os comerciantes locais. Muito dos metais preciosos utilizados como moeda se tornaram
pagamento dos artigos importados. Contudo, inegavelmente, o trato mercantil de grande cabedal
era revigorado. Um dos exemplos mais marcantes dessa relação foi o desenvolvimento de Buenos
Aires – em consonância, como vimos, com as novas relações administrativas. Ali, especificamente,
o comércio com a prata de Potosí propiciou um grande grupo mercantil cujos membros eram
chamados de porteños (“os que vêm do porto”).
Os repartos foram reconhecidos pela Coroa em 1751. Eram promovidos em áreas indígenas e
garantiam a venda de produtos. Na prática, os corregedores, responsáveis locais, desejavam rapidamente
receber de volta os gastos para a aquisição do posto. Além de cobrarem os preços que desejavam, eram
bastante odiados por serem, na maioria das vezes, chapetones. A justificativa dos funcionários era a
de que esse instrumento era capaz de realizar o trato mercantil e, assim, impedir a existência de uma
economia puramente rural.
24
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
É certo que o comercio libre rapidamente fomentou novas rotas comerciais. Propagar as novidades
importadas gerava um amplo desenvolvimento e se relacionava diretamente com a revivescência das
atividades econômicas. Apesar do avanço agrícola, a mineração ainda era preponderante por excelência
na América Hispânica – tanto na Nova Espanha quanto na área andina, incluindo Chile e Colômbia.
O grande sucesso das reformas foi revigorar as minas. Para a retomada da atividade no México, a
Coroa promoveu ações capazes de incrementar, a passos largos, a produção de mercúrio na mina de
Almadén – através de novas técnicas e investimento, a produção saltou em mais de 800%. Ao mesmo
tempo, seu preço na América foi bastante reduzido. Novos empreendimentos foram incentivados por
benefícios tributários. No extremo, até mesmo um colégio de minas, criado em 1792, traria especialistas
para a utilização das melhores técnicas conhecidas.
A mesma proporção não foi vista nos Andes. Apesar de medidas semelhantes às da região do
Norte, inclusive com novas áreas exploradas, a concretização do desenvolvimento não foi igual. A mina
de Huancavelica não conseguiu aumentar sua produção de mercúrio. Ao mesmo tempo, faltavam
investimentos e não havia tecnologia moderna.
Ressaltava‑se, além disso, boa parte das atividades comerciais que partiam para as zonas de fronteira
que se expandiam em torno dos pampas, das fazendas ao norte do México, das áreas férteis do Chile,
dos vales venezuelanos com sua produção de cacau e, mais no final do século, do sistema da plantation
açucareira em Cuba. A mão de obra preponderante era o trabalho assalariado, com exceção, claro, do
sistema cubano, baseado na escravidão africana. Na área tradicional andina, sobretudo em Potosí, a mita
atingia exploração ainda mais terrível, fora a exploração dos repartos.
Vale destacar ainda Cuba, a partir da segunda metade do século XVIII, que teve estímulos diretos
para o desenvolvimento do açúcar. O governo promoveu a chegada maciça de escravos (que chegavam
a representar um terço da população), além de conceder diversos latifúndios para a produção.
Empreendedores modernizaram as técnicas do engenho com a introdução da energia a vapor. Com
as conturbadas relações políticas, econômicas e sociais relacionadas às lutas de independência no
Haiti, rapidamente, Cuba ocupou a preponderância do mercado internacional desse produto. Foi um
desenvolvimento assustador para uma região que vivia à margem de seus rivais no Caribe.
Observação
Essa explosão de novas relações, tratos mercantis e atividades para o acúmulo de capital metropolitano
foi acompanhada por outro avanço, mais silencioso, de pouco destaque inicial, mas de enorme importância
local: o mercado interno. A produção de gêneros dedicados ao abastecimento da população cresceu nas
mais diversas regiões periféricas e em outras inter‑relacionadas. O exemplo mais significativo foi a pecuária.
25
Unidade I
Eram diversas as produções ao longo de todo o território. Animais de especificidades locais ou o gado e
mulas eram conduzidos para feiras locais capazes de abastecer os grandes centros urbanos da América.
Na verdade, era inevitável que esse mercado se expandisse, na medida em que as atividades mais centrais
do Antigo Sistema Colonial se reconfiguravam, atraindo mais mão de obra e ampliando as necessidades
internas. Claro que parte dessa produção eventualmente poderia ser exportada, como o couro argentino,
mas isso não diminui o papel de destaque do mercado interno.
Nesse trato mais local, de menor vulto, as diversas formas regionais de trabalho livre e assalariado
ganharam corpo. Há de se ter em vista que esse tipo de trabalhadores não propicia nenhum gasto inicial
ao patrão – algo fundamental nas relações de pequeno trato da pecuária. Os mais variados grupos
sociais existiam aqui: mestiços, mulatos, espanhóis pobres ou ainda índios aculturados.
A Coroa procurou, inclusive, regulamentar as relações da terra e da mão de obra. A Real Instrução de
1754 criou uma espécie de reforma agrária que confirmava as apropriações ilegais e as legais. A partir de
então, para ter acesso a terra, deveriam ser pagos direitos. Essa medida gerou diversos conflitos, criando
oposições: índios, que foram beneficiados com o fim das encomiendas, tornavam‑se proprietários da
terra onde trabalhavam, mas passavam a pagar tributos – o que era excelente para a Espanha. Contudo,
os criollos ficavam extremamente descontentes, por perderem certos domínios e o controle das relações
de trabalho em algumas áreas.
A manufatura têxtil local também foi profundamente afetada. Os produtos europeus lotavam as
regiões comerciais com preços incrivelmente baixos. Os obrajes andinos, para ainda ter alguma relação
de comércio, aumentavam continuadamente a exploração da mão de obra indígena pela mita para
tentar obter o máximo de produção e venda. Assim se inter‑relacionavam as diversas áreas de atuação.
Como assinala D. A. Brading (2012):
O sucesso geral foi absolutamente evidente: a receita da Coroa subiu de 5 milhões de pesos, em
1700, para 36 milhões de pesos, em 1790. Em quase um século, o crescimento foi de mais de 700%.
Contudo, o preço pago era alto. Proliferaram‑se revoltas indígenas contra a exploração. Os criollos,
que haviam alcançado uma ampla estrutura de desenvolvimento econômico em suas diversas áreas de
atuação, foram expulsos, transferidos, impedidos de continuar na mesma ação e passaram a perceber
que seus interesses eram razoavelmente diferentes dos da Coroa. Por fim, todo o avanço acabou sendo
de curto período.
26
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Já no início do século XIX, as questões políticas europeias rapidamente romperiam as novas relações.
O diagnóstico que o Marquês de Pombal fez em Londres, no ano de 1742, foi bastante significativo
para as suas ações quando chegou ao poder. Ele entendia que Portugal assumira uma posição bastante
periférica nas questões europeias. Além disso, havia o constante temor das ameaças promovidas pelos
ingleses e espanhóis para dominar as possessões portuguesas.
o que gerou uma oposição feroz, desde os primeiros anos, da velha aristocracia. Essa problemática
foi agravada em setembro de 1758, com o atentado do Marquês de Távora contra D. José I. Pombal
conduziu pessoalmente a investigação e a aproveitou para esmagar a oposição aristocrática tradicional.
Ao mesmo tempo, envolveu nesse caso os jesuítas e, em setembro de 1759, expulsou‑os de Portugal por
serem declarados inimigos da Coroa.
Discutia‑se muito, na época, que os inacianos estavam promovendo um império teocrático no Novo
Mundo, que estavam repletos de riqueza e que eram completamente desinteressados em obedecer às
metrópoles europeias. A partir daí, era cada vez mais visível a participação dos burgueses no processo
administrativo. No ensino, o grande interesse era a laicização, relacionada à garantia do desenvolvimento
econômico e de medidas modernizantes.
Então, uma profunda reforma pedagógica passou a acontecer a partir dos oratorianos, já que eles
eram muito mais envolvidos no conhecimento e no ensino laico e negavam a escolástica (uma vez que
defendiam a leitura de filósofos não católicos).
O Marquês de Pombal criou o Colégio dos Nobres (que rapidamente fracassou, pois os nobres não
desejavam frequentá‑lo) e a Escola de Comércio (da qual participavam alguns burgueses importantes
e onde se discutia a economia política). Ao mesmo tempo, intensificou a imprensa régia, inclusive com
a criação da Real Mesa Censória, que, aos poucos, tentou sobrepor‑se à Inquisição, que apesar de não
ter sido extinta, teve seu papel diminuído, pois eram cada vez mais evidentes as divergências entre as
“questões do Estado” e os interesses religiosos. A censura deveria responder às necessidades do Estado
e não poderia ser a causa da divisão entre cristãos velhos e novos, para que não ocorressem mais fugas
de capital.
De qualquer modo, a colônia era o local central das medidas pombalinas, e o fortalecimento do
poder do Estado daria prioridade à política colonial. Os meses iniciais da administração foram dedicados
às preocupações geopolíticas. Era básico, para a expansão econômica, garantir a extensão do Império
e, assim, Pombal acabou negociando o Tratado de Madrid de 1750. A questão remetia à importância
do comércio do sul e do contato do contrabando da prata. Com a definição desenvolvida, o território
da América Portuguesa foi bastante ampliado, garantindo, nesse primeiro momento, os domínios dos
sertões e a presença bastante significativa no sul.
Segundo Francisco Calazans Falcon (2001), as ações foram norteadas para desenvolver, em um
termo emprestado por Guy Martinére, “dupla mutação”, promovendo mutação espacial, econômica
e demográfica. Na relação espacial, a base era garantir o centro‑sul e o centro‑oeste da colônia, em
constante conflito com os espanhóis. Para isso, era necessário promover o povoamento para manter as
forças militares.
28
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Uma das medidas importantes a partir daí foram as companhias de comércio criadas para atuar nas
colônias. Foram criadas a Companhia-Geral do Grão-Pará e Maranhão, em 1755 e a Companhia-Geral de
Pernambuco e Paraíba, em 1759. Ambas foram estabelecidas para fomentar o desenvolvimento econômico
por meio da concentração dos recursos e do direcionamento administrativo. Isso era mais voltado para o
Nordeste açucareiro, que procurava ser incrementado a partir do avanço do tráfico negreiro.
Foi proibida a escravidão dos indígenas, para incentivar esse trato mercantil e, ao mesmo tempo,
aumentar os contingentes populacionais locais (até os aldeamentos foram declarados completamente
livres e passaram a ser amparados pelo Estado), o que resultaria em maiores capacidades de defesa e de
fomento econômico local (pois foi estimulado o casamento misto com portugueses).
Observação
Apesar de as relações estarem bastante centralizadas na metrópole, na colônia, foi favorecida uma
certa autonomia das autoridades locais a fim de dar incentivos à economia.
29
Unidade I
Um dos exemplos mais significativos foi o caso de São Paulo. D. Luís Antônio de Souza Botelho
Mourão, o Morgado de Mateus, foi nomeado governador e capitão‑general de São Paulo entre os anos
de 1765 e 1775. A capitania finalmente era resgatada, após a perda da autonomia administrativa, sendo
comprada em um processo bastante obscuro.
A ação central do Morgado de Mateus era promover um processo civilizador, organizando uma dita
“desordem”. Tudo estava estabelecido em torno de um amplo processo:
Já em seu discurso de posse, Morgado de Mateus criou um amplo leque de necessidades: acrescentar
suas povoações; estender aos confins os seus domínios; fertilizar os campos com a agricultura; estabelecer
nas terras diferentes produções econômicas; promover novos caminhos; penetrar nos desconhecidos
sertões; descobrir o ouro de novas minas; fortificar as possessões já existentes; armar significativamente
o Exército; observar as leis e garantir a justiça.
Fica claro, assim, que Morgado de Mateus expressava um amplo leque de desejos de desenvolvimento.
Uma das ações mais importantes que promoveu foi o incentivo à produção de açúcar. Um amplo conjunto
configurou um avanço comercial em torno do trato agrícola que se tornou cada vez mais importante.
Na década de 1770, já estava bastante evidente o declínio do ouro. Nessa perspectiva, houve uma
profunda contração do comércio britânico com Portugal, não por novos acordos, mas pela falta de
recursos lusos para cobrir os gastos com essas relações.
Uma nova oligarquia mercantil passou a controlar as companhias do Brasil, a Junta do Comércio, o
Erário Régio e as manufaturas. Não foi à toa que o governo pombalino procurou cooptar as elites locais
para a nova estrutura administrativa e militar capaz de fomentar a garantia do último respiro do sonho
de reestruturação da antiga grandeza do Império Português.
Os setores que se desenvolveram com a estrutura propiciada por Pombal foram as exportações de
vinhos portugueses, algumas manufaturas, como a têxtil, em torno das novas conjunturas econômicas
e da intervenção do Estado, além do chamado renascimento agrícola da colônia. Esse renascimento,
caracterizado como a última fase da economia colonial do Brasil, teve como base o impulso das
exportações do açúcar, do tabaco e do algodão.
Podemos argumentar que houve uma efetiva “nacionalização” da economia portuguesa com a
criação de uma oligarquia mercantil e manufatureira em Portugal, mas, ao mesmo tempo, ocorreu
30
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
um fracasso nas determinações coloniais, na medida em que as companhias de comércio não foram
capazes de fomentar as relações entre metrópole e colônia conforme o esperado. Contudo, ainda
nessa reestruturação, é inegável que um profundo impacto foi sentido nas estruturas coloniais: as
relações atlânticas foram bastante ampliadas, e o Brasil passou a contar, cada vez mais, com um ativo e
diversificado mercado interno, se comparado a outros momentos da colonização.
Era, assim, o momento derradeiro da economia colonial, pois logo essas novas estruturas seriam
alteradas, ampliadas e redimensionadas em torno da chegada da Corte. Novos tempos, novos ares: o fim
do período de relações de dominação e subordinação estava próximo.
Percebe‑se, portanto, que houve uma grande semelhança na tentativa de revitalização dos impérios
ibéricos. Ambos procuraram otimizar a administração colonial por meio da melhora da vigilância e da
arrecadação, além dos princípios de força do governo central, bem como com a expulsão dos jesuítas e
reformas educacionais.
Também o eixo norteador foi a recuperação dos mercados ultramarinos dentro dos moldes, ainda
mais enrijecidos, do Antigo Sistema Colonial do mercantilismo. Isso propiciou uma última fase da
economia colonial caracterizada pela revivescência de certos produtos e pelo nascimento de outros. No
bojo desse desenvolvimento, cresceram as relações do mercado interno gerando significativa proporção.
Uma questão razoavelmente diferenciada foi a relação do comercio libre e do enrijecimento do comércio
português. Apesar de anteriormente o comércio espanhol ser muito mais fechado, com o sistema de frotas
e as leis de porto único (o que nunca houve nos domínios portugueses), Portugal partiu, no reformismo
promovido por ideias ilustradas, para um maior controle do comércio por meio de práticas monopolistas –
pois se pensava que assim facilitaria a vigilância e incrementaria o comércio por portos específicos.
2 A GESTAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA
É ingênuo pensar que revoltas não surgiriam nos séculos em que os europeus dominaram a América
e implantaram um sistema colonial de grande exploração voltado ao lucro da metrópole sem perspectiva
de desenvolvimento local (ainda que este tenha sido inevitável).
Sobretudo no Caribe, aconteceram diversas revoltas de escravos – o que era bastante esperado, em
razão do nível de exploração que sofriam. Em geral, essas revoltas eram motins e levantes em plantações
contra as arbitrariedades e não reivindicavam o fim da escravidão. O mais comum era um grupo organizar
os movimentos por ódio aos abusos praticados pelos seus donos. Normalmente, esses movimentos eram
mais localizados, nascendo em fazendas, e tentavam melhorar as condições de vida ou de trabalho –
31
Unidade I
por exemplo, diminuir as horas de trabalho. Assim, são caracterizados como movimentos reformistas.
Revoltas de escravos se ampliaram ao longo do fim do século XVII, mas continuam até o século XIX, até a
abolição da escravidão (Brasil, Caribe e Estados Unidos). Na América Espanhola continental, a escravidão
não teve tanta importância.
Particularmente interessantes eram as guerras dos cimarrones. Elas eram bastante comuns nas três
Guianas, onde havia grande quantidade de quilombos, mas também foram significativas no Caribe.
Seu objetivo central era resistir às incursões oficiais ou privadas para a eliminação de quilombos. No
Brasil, apesar de certas especificidades, os envolvidos nessas guerras seriam chamados de quilombolas.
Cimarrones eram, contudo, em sua maioria, escravos libertos – que se alinhavam aos outros que fugiam
dos domínios e da opressão.
Na prática, a luta dos cimarrones e a existência dos quilombos revelam uma ampla rede de
socialização promovida no seio da sociedade escravista. Os grupos sociais não viviam completamente
segregados, muito pelo contrário. Havia um intenso contato, inclusive entre libertos e cativos, capaz de
gerar expectativas e ações para o fim da opressão causada pela escravidão. Alguns podiam simplesmente
passar a se relacionar com o sistema e ocupar um espaço na fazenda. Outros, contudo, preferiam uma
estrutura paralela pela solidariedade de grupo, procurando fortalecer as possibilidades de mais pessoas
se juntarem à comunidade.
Já a insurreição de escravos, com uma força muito mais aguda, tinha como objetivo expulsar a elite
europeia (as autoridades) de determinadas regiões ou cidades, garantindo uma nova estrutura social.
Em outras palavras, neste caso, eram movimentos amplos de total repulsa à dominação empregada
pelos brancos. Há de se dizer que, em geral, a escravidão continuou mesmo após as independências, no
século XIX. Assim, ainda ocorreram diversas insurreições escravas. No Brasil, a principal foi a Revolta dos
Malês, escravos de religião muçulmana.
Observação
Já as revoltas indígenas, por sua vez, foram, disparado, as mais importantes na América Hispânica –
sobretudo, nas áreas onde essa população era mais densa. Em geral, os levantes se deram em duas áreas
durante o Período Colonial. A primeira e mais comum era a invasão de terras (feita de forma violenta,
em geral, com mortes), que compreendia desde a ocupação de terras privadas até a de abandonadas, as
feitas. O elemento básico desses levantes era a recuperação de regiões que tinham caráter comunal, ou
seja, pertencentes às antigas comunidades dos astecas e incas – mesmo que, em alguns casos, o grupo
houvesse se tornado uma pequena aldeia. Isso envolvia uma problemática grande, como o esgotamento
do solo ou a necessidade de rodízio de produção. Daí ser necessário, para a manutenção do grupo,
ampliar as pequenas áreas onde estava. Com as reformas borbónicas e a necessidade de pagar direitos
para a Coroa, o problema agrário tomou proporções ainda maiores.
32
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
A segunda área era a dos motins ou do levante de comunidades, pueblos indígenas. Essas eram revoltas
muito mais substanciais, que estavam relacionadas à luta pelo fim da exploração da mita e a arbitrariedades
de funcionários públicos ou das autoridades. Elas poderiam se tornar grandes movimentos, pois, em geral,
estavam localizadas nas áreas de grandes concentrações indígenas. Ao longo do tempo, com o aumento
da exploração, as revoltas se multiplicam e ficam mais extensas. Alguns historiadores calculam que, na
metade do século XVIII, havia dez movimentos por década. Já na segunda metade desse mesmo século,
em torno do agravo da exploração e também como efeito das ações dos Bourbons, pipocaram de vinte até
cinquenta rebeliões por década, ou seja, no ápice, elas cresceram em torno de 500%.
A rebelião de Túpac Amaru foi o exemplo mais forte da luta contra as terríveis condições às quais os
indígenas estavam expostos, sobretudo, nas áreas andinas. A exploração do trabalho promovida pelos
estrangeiros durante séculos finalmente veria a indignação dos nativos ganhar proporções enormes.
Como comentamos, a mita, apesar de já existir entre os incas e os povos dominados, aos poucos, foi
aumentando o nível de abuso. O tempo de trabalho era cada vez maior, e os salários, mais baixos. Isso
gerava diretamente a morte de milhares de indígenas, já em condições de absoluta miséria. Segundo
alguns dados, em Potosí, local da maior exploração da prata em todo o Novo Mundo e símbolo da
opressão espanhola, 13.500 indígenas trabalhavam em 1575. Em 1772, eram apenas 3.637. O trabalho em
minas era um serviço extenuante e difícil com as condições impostas pelos hispânicos, e, em decorrência
disso, agravavam‑se os problemas de saúde. Muitas vezes, o serviço não parava dia ou noite, e os índios
ficavam nas galerias por até uma semana seguida.
Contudo, a exploração não parava por aí, pois ela também existia em outras atividades, como a agricultura
ou os obrajes, nos quais os indígenas eram sobrecarregados com o trabalho exaustivo. Não era raro que os
nativos fossem confinados aos locais de serviço e, ao final, recebessem valores bastante diminutos.
É importante destacar ainda os repartos comerciais. Os nativos eram forçados a comprar produtos
metropolitanos para ampliar o comércio e, ao mesmo tempo, garantir o lucro dos funcionários, os
corregedores – que desejavam enriquecer rapidamente.
Por fim, o quadro difícil se completava pela existência de kuracas, os líderes das comunidades, que
variavam em suas relações. Havia muitos deles que puramente se aculturavam e passavam a enriquecer,
inclusive, adquirindo obrajes, minas ou comércios. Na prática, essa relação fazia que se alinhassem aos
dominadores e simplesmente não lutassem por nenhuma mudança significativa. Outros, contudo, foram
bastiões das reinvindicações promovidas por toda a comunidade. Assumiram, dessa forma, seus papéis de
líderes e foram à frente para que transformações pudessem ser realizadas, pois acreditavam que seriam
capazes de atenuar os privilégios dos brancos, ou mesmo acabar com a subordinação pura dos indígenas.
Um desses kuracas que desejavam mudanças era José Gabriel Condorcanqui Túpac Amaru. Ele
era descendente do último inca (também Túpac Amaru), líder de povoados da província de Tinta. Em
1777, iniciou a defesa da condição indígena pelo fim da mita para suas comunidades pelas instâncias
jurídicas. Essa comunidades se distanciavam mais de setenta dias a pé de Potosí. Vale a pena repetir: essa
distância se dava em um terreno bastante difícil, com uma geografia bastante montanhosa. A formação
de Túpac Amaru era bastante completa, já que foi plenamente capaz de utilizar as leis para demonstrar
33
Unidade I
a necessidade de revisão do tributo. Assim, a questão da mudança que se estabelecia era extraída das
próprias relações com a metrópole. Contudo, o tempo passou, nada foi modificado e, ainda pior, a
chegada do visitador‑geral José Antonio de Areche agravava a exploração.
Assim, em novembro de 1780, começou o movimento armado. A primeira ação ofensiva foi baseada
em um plano muito bem-arquitetado. Foi feita uma emboscada para prender o corregidor de Tinta. A ação
foi um sucesso. A execução pública garantiu a demonstração clara do início da revolta, além de decretar
o fim da mita e dos demais tributos. Túpac Amaru estava, assim, pronto para conquistar novos adeptos.
Como a luta era comum a milhares de indígenas, rapidamente, o movimento se alastrou. Presos eram
soltos e aumentavam o contingente armado. A isso somava‑se ainda a rede bastante ampla da família
e do parentesco de Túpac Amaru.
Várias vitórias se seguiram no fim daquele ano. Diante das diversas informações que chegavam, os
insurgentes decidiram atacar Cuzco. Claro que a ação era bem vigiada pela Coroa, e os preparativos de
defesa foram feitos. Os soldados foram cuidadosamente selecionados:
Esses índios defensores dos ideais hispânicos foram garantidos por kuracas fiéis à Coroa. As forças
rebeldes, em janeiro de 1781, tinham finalmente chegado a Cuzco. Suas capacidades eram consideráveis,
pois, segundo alguns relatos, contavam com 40 mil homens. Contudo, a cidade estava bem-guarnecida
e tinha diversos pontos estratégicos bem-planejados.
As incursões dos rebeldes não foram bem‑sucedidas. Eles, então, passaram a cercar a cidade. A
grande batalha aconteceu no dia 8 de janeiro. Após algumas horas, os rebeldes desistiram do avanço. As
razões centrais para o recuo residiam na esquematizada defesa, na falta de armamentos para os rebeldes
e na não adesão dos indígenas de Cuzco – diferentemente do que havia sido suposto por Túpac Amaru.
34
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Os rebeldes, então, voltaram para onde tudo começou – Tinta –, e as ofensivas passaram para o outro
lado. Os funcionários reais, então, criaram um apoio ideológico ao prometerem diversos benefícios para
aqueles que abandonassem a causa, dentre eles, a sonhada extinção da mita.
A ação teve efeito. As tropas do líder rebelde diminuíram, e uma série de traições fez Túpac Amaru
ser preso junto com sua família e diversos indígenas. Apenas um dos seus filhos conseguiu escapar,
apoiado por outros líderes.
Em 1781, no dia 18 de maio, o grande líder serviu de exemplo para a Coroa Espanhola.
José Gabriel Condorcanqui Túpac Amaru foi executado na Praça de Cuzco, juntamente com sua
mulher, Micaela Bastidas, e seu filho mais velho. Sua morte foi terrível: primeiro cortaram sua
língua; depois, amarrando‑o em quatro cavalos, dilaceraram seu corpo e expuseram suas partes
em vários locais.
Contudo, ele não foi o único líder a sofrer. Vários outros, das regiões onde os sonhos da
rebelião também projetavam a realidade da luta, também tiveram fim trágico – como Túpac
Catari e Diego Cristóval.
Figura 7 – A gravura demonstra o momento da execução de Túpac Amaru. Há de se ressaltar o ideário do grande impacto que isso
provocou nas populações indígenas – como podemos observar na última parte da imagem
Outros movimentos se expandiram pela região, alcançando a Bolívia. Lá foi organizada uma rebelião,
liderada por Túpac Catari, que, contudo, não obteve sucesso.
35
Unidade I
Saiba mais
De qualquer forma, a luta tomou proporções tão elevadas que no fim englobou quase toda a área
andina do Peru e da Bolívia. Muitas reivindicações foram conseguidas – como o fim dos corrigidores e
dos repartos –, mas, em boa medida, elas estavam muito mais relacionadas às reformas do que à busca
da melhoria nas condições de vida do indígena.
Não se deve, contudo, deixar de compreender o grande mito criado a partir da revolta de Túpac
Amaru. Para muitos, ele marcou a rebelião mais famosa, intensa e bem-organizada da América
indígena, mesmo sendo fracassada. Isso porque ele representava os anseios por liberdade diante
da opressão. Ela foi extremamente singular por sua extensão e pelos requintes de crueldade da
metrópole com os principais líderes. Assim, essa rebelião se constituiu como símbolo da resistência
contra a opressão e o colonialismo.
Túpac Amaru se tornou figura relacionada a esse ideário e foi usado por muito tempo para diversos
movimentos na América Latina. Suas frases se tornaram lemas. No entanto, a historiografia tem
revisitado esse tema.
Em linha semelhante, Kátia Gerab e Maria Angélica Resende (1987) defenderam que:
36
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Assim:
Exemplo de aplicação
Procure notícias sobre a população de origem indígena nas regiões andinas. A partir de sua pesquisa,
tente problematizar a seguinte questão: quais são os elementos que permanecem mesmo após a luta
do movimento de Túpac Amaru?
Por fim, ainda quanto à América Espanhola, resta‑nos comentar os movimentos conhecidos
como comuneros. Sua importância se dava por aglutinar os mais diversos grupos sociais em torno da
divergência de interesses locais com as relações promovidas pela metrópole. Eles vivenciaram situações
das mais variadas e surgiram na América a partir do Paraguai, no período compreendido entre 1721 e
1735; depois se propagaram em várias direções.
Saiba mais
A tradição que mais se viu foi em torno do lema: “Viva el rey y muera el mal gobierno” (apud
LYNCH, 2009, p. 61). Quer por questões políticas, quer jurídicas ou mesmo sociais, os movimentos,
apesar de proliferarem em regiões diferentes, reuniam diversas manifestações contra a opressão dos
funcionários do governo e a pressão fiscal. Eles reuniam os mais variados elementos da sociedade,
inclusive os criollos. Contudo, quando ganhavam proporções maiores, a elite local tratava de
rapidamente debandar, pois não desejava, de modo algum, alterar as relações sociais e, além disso,
temia a anarquia.
O passar do século XVIII agravaria essas relações. As reformas borbónicas colocavam a Coroa como
o grande centro das decisões e acabavam com as revoltas contra o funcionalismo – estamos aqui nos
37
Unidade I
últimos momentos do Antigo Sistema Colonial, pois passamos a ver o ataque direto à própria condição
de colônia.
Na América Portuguesa, a partir do final do século XVIII, com o endurecimento da política colonial
das reformas pombalinas, acentuaram‑se as diferenciações entre as elites locais e as perspectivas
metropolitanas de exploração. Isso fomentou movimentos por independência.
A primeira manifestação foi a Inconfidência Mineira, de 1789. José Joaquim da Maia, influenciado
pelos ideais iluministas, procurou o apoio de Thomas Jefferson. Ele era um dos estudantes da América
Portuguesa na Europa e compôs o grupo dos líderes do movimento. Nessa coligação, ainda estavam
alguns padres e militares, dentre eles, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
Figura 8 – Joaquim José da Silva Xavier se tornou a primeira grande figura de herói da formação da memória de nossa história
Há de se entender que esse grupo tinha diversas relações com a metrópole: era formado por
funcionários em determinadas atribuições da exploração aurífera ou de atividades paralelas, como
a arrematação de impostos, que era delegada a particulares desde a criação da Junta da Fazenda
de Minas, no governo pombalino; havia também empregados nas manifestações do poder local –
promovido pelas Câmaras. É significativo que, na medida em que a produção do ouro já não era como
a de cinquenta anos antes, o fiscalismo e os interesses portugueses passassem a ser vistos como
radicalmente diferentes dos da elite local. Era isso que justificava a crescente participação da elite
local em amplas atividades econômicas e, ao mesmo tempo, a crescente importância das atividades
agropastoris na capitania de Minas Gerais.
38
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
No entanto, o projeto não saiu do papel. Antes de sua eclosão propriamente dita, o movimento foi
delatado por alguns de seus ex‑participantes – Joaquim Silvério dos Reis, Brito Malheiros e Inácio Correia
Pamplona, que receberiam perdão por suas dívidas com a Coroa. Um amplo processo de averiguação –
“devassa”, no dizer da época – foi estabelecido até 1792. A determinação final foi que apenas Tiradentes
fosse condenado à morte.
A figura do Tiradentes é um tema bastante interessante para se compreender a relação entre história e
memória. Durante a formação do Império do Brasil, sua imagem foi quase esquecida. Em grande parte, essa
perspectiva foi difundida à medida que a imagem de formação do nosso país era vista quase como uma
continuidade da de Portugal, já que os herdeiros da Coroa Lusa ficaram com o poder no Brasil.
A guinada na visão acerca de Tiradentes só foi sentida com a proclamação da República. A partir
desse evento, foi necessário resgatar um herói do separatismo para mostrar que o sonho de uma
real transformação e liberdade já era sentido havia séculos. Daí a ruptura total só ter sido promovida
realmente a partir de 15 de novembro de 1889.
Figura 9 – O quadro de Leopoldino de Faria exalta a figura de Tiradentes no momento de sua comutação da pena de morte.
Destaca‑se sua construção mítica, valorosa, como baluarte da liberdade
39
Unidade I
Exemplo de aplicação
Você é capaz de problematizar outro fato histórico brasileiro que foi visto e revisto em torno dos
valores de história e memória?
Para ficarmos nos exemplos mais sintomáticos, a sedição mais radical foi a Conjuração dos Alfaiates,
na Bahia. Esse movimento, de 1798, teve como grande influência os ideais da Revolução Francesa e a
propagação da liberdade e da igualdade.
Há de se compreender que o final do século XVIII trazia novas relações econômico‑sociais na Bahia.
As conturbações ocorridas em São Domingos e o vácuo no mercado mundial de artigos tropicais abriram
caminho para o estímulo à produção açucareira e aumentaram as tensões na teia escravista, bem como
sua percepção pelas elites senhoriais.
Na prática, um amplo projeto estava em curso com a agitação na Bahia. Além dos ataques ao
reformismo ilustrado tendo como base o sonho do livre-comércio, a abertura dos portos e as melhores
perspectivas na colônia (como o aumento dos soldos), havia ainda uma perspectiva maior com a proposta
da abolição da escravidão e a adoção do regime republicano de governo.
Um espectro social mais amplo participava da revolta: escravos, negros forros, artesãos, soldados,
mestiços, senhores de engenho e liberais. Tratava‑se do movimento de algo essencialmente novo, como
aponta István Jancsó (1996):
A repressão ao movimento gerou enforcamentos e degredos. Contudo, parte de seus líderes continuou
na vida pública. Talvez o caso mais importante seja o de Cipriano Barata, médico da cidade de Salvador
que foi deputado do Brasil nas cortes em Lisboa, jornalista e revolucionário. Assim:
40
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Figura 10 – O retrato do liberal Cipriano Barata – figura de destaque nas ideias de liberdade e República no Brasil
Saiba mais
A partir desses exemplos, percebe‑se que a colonização ibérica passava por um significativo processo de
contestação no final do século XVIII, tanto contra a opressão da população indígena, no caso espanhol, quanto
contra o fiscalismo do ouro trazendo perspectivas de independência, no caso português. Além disso, claro,
outro caso de contestação importante foi o movimento da Conjuração Baiana, também conhecida como
Revolta dos Alfaiates (1798), em razão do caráter peculiar de sua relação popular em busca da libertação do
julgo colonial e das amarras da opressão social. Portanto, a política colonial enrijecida do despotismo ilustrado
ibérico deixava evidente, cada vez mais, a dicotomia nas relações metrópole‑colônia. Ao mesmo tempo, a
propagação da filosofia iluminista fomentava críticas às bases da estrutura da época moderna.
41
Unidade I
Há de se ter em vista, nesse sentido, que a derrocada final do mercantilismo e de suas relações
coloniais se deu entre o final do século XVIII e o início do XIX. Os primeiros exemplos surgiam aqui.
A revolução nos Estados Unidos foi o principal modelo da perspectiva de mudança. Pouco tempo
depois, os eventos no Haiti ameaçavam a ordem social nas colônias. Afinal, quais seriam as novas
relações para a América?
Com a propagação dos ideais iluministas e a crise estrutural do Antigo Sistema Colonial a partir do
desenvolvimento do capitalismo industrial, as mudanças estavam em curso.
Os países ibéricos procuraram revivescer as relações mercantis com a América por meio
de uma série de ações que, na prática, apesar de obterem certo sucesso aos olhos da Coroa
– pois aumentavam a arrecadação –, propiciavam condições para um desabrochar dos ideais
de luta contra a opressão. É claro que já existiam diversas revoltas, mas, até então, elas eram
fundamentalmente relacionadas a algum aspecto específico do sistema, ou seja, não lutavam
contra a dominação.
No entanto, o final do século XVIII traria um modelo absolutamente fantástico para o sonho de
liberdade. A Revolução Americana, inegavelmente, foi de grande importância para a gestação do processo
de independência de todo o continente. Logo a seguir, a revolução no Haiti, por sua vez, atormentaria as
elites locais – seria possível uma sublevação de tais proporções alcançar toda a América?
Daí a necessidade de compreendermos esses dois movimentos como questões fundamentais para
a derrocada final do Antigo Sistema Colonial e, ao mesmo tempo, percebermos, em uma perspectiva
comparativa, o despertar da independência e da liberdade em toda a América. Afinal, a partir deles,
quando as condições históricas permitirem, teremos o desabrochar da luta pelo Estado Nacional.
Sonhos e realidades.
42
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Foi nesse sentido que, aos poucos, as atividades foram se expandindo. Um dos exemplos significativos
disso foi a busca de terras capazes de aumentar a renda pela caça – gerando o aumento da venda de
peles de animais. Contudo, essa relação, inclusive, ao ultrapassar o espaço das 13 Colônias, afetou
as áreas coloniais francesas, resultando em intensas disputas fronteiriças (conhecidas como Guerra
Franco‑Indígena).
Logo as animosidades na região colonial ganhariam proporções ainda mais elevadas, com a eclosão
da Guerra dos Sete Anos (1756-1763). O conflito europeu, de enorme magnitude, envolvia diversas
disputas territoriais tanto no Velho quanto no Novo Mundo. Diversos países participaram, mas para o
que nos interessa aqui, um dos palcos de grandes conflitos foi a América do Norte.
Ambos os países europeus trouxeram tropas para, junto com os colonos, vencerem os conflitos. Mais
do que isso, buscaram alianças com os indígenas e suas diversas tribos para aumentar o contingente
militar, bem como ganhar maior conhecimento dos meandros dos territórios e das técnicas específicas
de luta nas florestas.
43
Unidade I
Figura 12 – A tomada de Québec pelos ingleses foi um momento significativo da Guerra dos Sete Anos no Novo Mundo.
Percebe‑se, na imagem, o valor dado às tropas britânicas e à sua força naval
Na prática, com o fim do conflito, as relações com a metrópole mudariam. A Coroa decidiu‑se,
dentre outras questões, pela garantia de terras a oeste apenas aos indígenas por meio da presença de
um exército regular na colônia (que garantiria a proteção, mas seria custeado pelos colonos), e pela
invasão de funcionários reais monopolizando cargos e enfraquecendo o governo local – o tão celebrado
self‑government era atacado. Por fim, ainda pior, houve a criação de um significativo arrocho fiscal –
por meio de diversos impostos inconstitucionais (para promover uma arrecadação capaz de suprir os
gastos com a guerra). Pela primeira vez, a Inglaterra procurava enquadrar as colônias da América do
Norte no Antigo Sistema Colonial mercantilista.
A primeira das novas leis surgiu logo após a Guerra dos Sete Anos, em 1764, e foi chamada de Sugar
Act (Lei do Açúcar). Ela aumentava os impostos sobre o açúcar que não fosse originário das colônias
inglesas do Caribe e ainda adicionava tributos a outros produtos.
A segunda ação famosa foi a Lei do Selo, em 1765 – Stamp Act. Para que um documento fosse
declarado legal, fosse um contrato, um jornal etc., deveria pagar por um selo real. As manifestações
contrárias cresciam. Discussões das ideias e dos valores de direito já surgiam.
44
HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
No mesmo ano ainda foi promulgada a Lei de Aquarelamento – Quartering Act. Para diminuir os
gastos da Coroa, os colonos deveriam fornecer tudo o que fosse necessário para a manutenção dos
soldados – moradia e alimentos.
Em 1773, criou‑se a Lei do Chá – Tea Act. Ela garantia à Companhia das Índias Orientais o monopólio
do transporte e da venda desse produto à América. Com isso, o comércio local era profundamente
abalado, além do temor de que tais práticas fossem também lançadas para outros produtos.
Com isso, os colonos não tardaram em reagir. Ainda no mesmo ano, no porto de Boston, os locais
decidiram atacar os navios ingleses que portavam chá. “Disfarçados” de índios, jogaram mais de trezentos
caixas do produto no mar. Era a festa do chá em Boston – Boston Tea Party.
Os ingleses abriram investigação e logo concluíram que indígenas não poderiam ter cometido
semelhante façanha. A resposta da metrópole não tardaria.
Em 1774, o Parlamento aprovou as Leis Intoleráveis – Intolerable Acts, que na Inglaterra ficaram
conhecidas como Coercitive Acts. Os ingleses procuravam, assim, demonstrar toda a sua força. Com
essas novas leis, o porto de Boston era interditado até o pagamento completo de todas as despesas
causadas pela Festa do Chá, além de toda a colônia de Massachussets passar ao controle real direto.
Além disso, funcionários britânicos que eventualmente fossem processados poderiam ser levados a
julgamento na metrópole (para ser mais justo) e ainda havia novas medidas para o alojamento das
tropas inglesas.
Como se deu a discussão ideológica de uma revolução nesse contexto de grandes mudanças? Quem
já havia desfrutado por séculos da liberdade aceitaria a imposição de um controle rigoroso da metrópole?
Como analisa Bernard Bailyn (2003), os panfletos foram a principal forma de propagar os ideais
de mudança e liberdade. Eles tinham como vantagem sua versatilidade de tamanho, sua facilidade
de serem manufaturados e ainda o fato de serem baratos (pois eram impressos na própria colônia).
Eles apareciam, em geral, de três formas: cercando grandes eventos públicos, sendo resultado de
polêmicas e estando presentes em discursos comemorativos. Em seu conteúdo, eles expressavam
as ideias, atitudes e motivações que estavam no cerne da revolução. Eram principalmente políticos
– não literários. Em escala menor, as discussões também apareciam em jornais, sermões, volantes
e almanaques.
Apesar de certa relação com os autores clássicos, os norte‑americanos eram altamente seletivos e
tinham pouco conhecimento efetivo dos antigos. De forma mais direta, foram influenciados diretamente
pelo iluminismo (e, do mesmo modo, pelo Direito Consuetudinário), porém não de modo dominante
nem determinante. O pensamento mais importante foi o do pensamento inglês radical do decorrer
45
Unidade I
do final do século XVII e início do século XVIII do antiautoritarismo, criado a partir da Guerra Civil
Inglesa e do período da commonwealth, tendo como figura principal o pai do movimento das luzes,
John Locke, promotor dos valores de liberdade, igualdade, propriedade, busca da felicidade e rebelião
contra qualquer tirania. Claro que outros autores também estavam relacionados a esses ideais, mas esse
arcabouço ideológico eram as questões centrais.
Um dos pontos mais importantes defendidos pelo pensamento radical inglês era a corrupção do
poder. O medo dos exércitos permanentes era constante (em razão do risco de eles acabarem com a
autonomia das 13 Colônias da América). O contraponto era justamente a ideia de liberdade, que exercita
os direitos naturais e tinha no equilíbrio dos poderes sua manutenção. A liberdade, segundo os panfletos,
na Inglaterra, no século XVIII, estava sendo ameaçada, pois o governo estava controlando o Parlamento.
Essa situação era difundida na América do Norte por diversas cartas e também por visitantes. Nesse
contexto, surgiram as indagações da submissão ou não a um governo que não garantia o bem‑estar
comum. O “não” crescia cada vez mais.
Os problemas intelectuais centrais giravam em torno da representação, ou seja, a questão que tratava
da experiência das colônias em poder selecionar e controlar agentes para falar por elas na Inglaterra,
defender seus direitos e discutir a tributação. O principal argumento inglês era o de que o Parlamento tinha
a liberdade de promulgar leis tributando as colônias, pois independentemente de ter ou não membros no
Parlamento, todos eram representados lá. Outra dificuldade foram as diversas concepções de Constituição
e em que medida ela era um limite aos poderes governamentais. Ao longo dos anos, essa perspectiva
foi variando para, finalmente, designar a defesa da liberdade e a limitação do poder, além da posição de
defensora dos direitos naturais – que, inclusive, eram vistos como garantidos acima de qualquer lei.
A soberania também era problematizada: a questão sobre quem realmente detinha o poder final,
incondicional e indivisível. Para os absolutistas, naturalmente, era a Coroa. Porém, na América, depois
da Guerra dos Sete Anos, a condição era irregular: apesar de estar inserida em um império, havia uma
grande tradição de descentralização de autoridade (self‑government). Além disso, todos os cursos dos
acontecimentos políticos, militares e intelectuais desafiavam o conceito de soberania governamental
unitária buscando bases constitucionais para limitar o poder do Parlamento na América do Norte. Com
isso, a nova perspectiva era de que o povo era o soberano e que era salutar a divisão dos atributos da
soberania – esse era o projeto federalista. Contra ele havia a ideia de imperium in imperio, ou seja, de
que não pode haver mais que um poder, pois, se houver, um destruirá o outro).
Na prática, essas questões foram plenamente vistas no Primeiro Congresso da Filadélfia, iniciado
ainda em 1774. Os americanos defendiam o princípio inglês garantido desde a Magna Carta, de 1215,
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HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
e retomado na Declaração de Direitos (Bill of Rights), de 1689, no tax without representation (nenhum
imposto sem representação). Assim, pediam ao rei a revogação do arrocho fiscal, ainda baseados na
lealdade à Coroa. Contudo, a resposta que obtiveram foi a chegada de mais soldados.
No Segundo Congresso da Filadélfia, os delegados decidiram‑se, então, por uma revolução. Finalmente
foi assinada a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, em 4 de julho de 1776:
47
Unidade I
A luta pela independência seria o próximo foco fundamental. Os colonos, já habituados com o
modelo de luta dos ingleses (por causa da Guerra dos Sete Anos), acreditavam ser capazes de obter
a vitória. Contudo, os conflitos não foram nada fáceis. Afinal, o poderio econômico inglês era muito
grande. Nesse sentido, foi de extrema importância o apoio logístico e militar da França, da Espanha e
da Holanda. Os conflitos e as rivalidades europeias ficaram extraordinariamente visíveis nessa hora, e os
sonhos iluministas também. Um dos exemplos mais significativos disso foi a chegada de La Fayette, que
se mostrou um importante general e também canal de comunicação com a Coroa Francesa – inclusive,
colonos e franceses chegaram a assinar um acordo de aliança e comércio.
De qualquer forma, os combates ainda se mantiveram por um bom tempo. Somente pelo Tratado
de Paris, em 1783, ficava reconhecida a independência dos Estados Unidos. Quando as tropas inglesas
deixaram o Novo Mundo, cantaram uma canção que era bastante emblemática: The World Turned
Upside Down (O Mundo Virou de Cabeça para Baixo). Sem dúvida, o fim do Antigo Regime estava
anunciado, a liberdade e o direito à igualdade estavam abertos.
Contudo, uma ressalva fundamental deve ser feita: os americanos não promoveram a igualdade
de direitos com a Revolução Americana, muito pelo contrário. A escravidão foi mantida em todos os
Estados, apesar de fortemente atacada ao longo de todo o processo de independência, e tornou-se
uma questão política. A contradição entre os princípios de liberdade proclamados e os fatos da vida na
América do Norte se tornou, em termos gerais, reconhecida. Em 1776, foi proibido o tráfico de escravos,
porém a instituição escravidão ainda não estava morta, nem mesmo no norte, de onde provinham as
principais críticas. A liberdade tão almejada, na verdade, não era para todos. Era exatamente a crítica do
contemporâneo pregador batista e panfletário John Allen, em seu sermão A Prática Iníqua e Infame de
Manter Escravos Africanos:
Dessa maneira, fica evidente que a Revolução Americana foi, acima de tudo, um movimento político. Nem
todos os homens eram realmente vistos como iguais e como detentores do direito à liberdade. Quase um
século seria necessário para o fim completo da escravidão – e só após um grande conflito civil –, e, mesmo
assim, os negros ainda tiveram de lutar por mais uma centúria de anos para alcançar a igualdade de direitos.
Apesar disso, a Revolução Americana teve enorme impacto nas relações políticas. Os americanos
tornaram‑se rapidamente um modelo para a luta contra a opressão. Mais do que isso, instituíram um
sistema capaz de garantir suas relações econômicas e combater o autoritarismo. Isso foi possível a partir
da criação de uma república presidencialista.
O principal benefício do voto era a garantia de que um governo ruim sairia do poder em poucos
anos. Ou seja, a necessidade da eleição impediria a propagação de qualquer governo com linhas
absolutistas. Essa perspectiva era apoiada pela decisão de criar um sistema tripartido de governo, nos
moldes propostos por Montesquieu. Por fim, o federalismo foi a garantia de unidade mesmo com a
diversidade tão grande entre os sistemas do norte e do sul.
Saiba mais
JOHN Adams. Dir. Tom Hooper. EUA: HBO Filmes; Playtone, 2008. 7 cap.
Série.
O movimento mais radical e revolucionário da América, sem dúvida, foi a independência do Haiti
(anteriormente chamado de Saint‑Domingue), que se constituiu na grande influência, além da independência
49
Unidade I
dos EUA, para o processo de emancipação da América Latina. Entender suas especificidades e relações traz à
tona mais um dos elementos que caracterizam a derrocada completa do Antigo Sistema Colonial.
O Haiti era a colônia francesa mais rica e, provavelmente, no fim do século XVIII, a mais lucrativa
para as metrópoles europeias. O açúcar tinha um enorme e constante mercado. Ao mesmo tempo, as
relações da plantation, como vimos, atingiram uma exploração gigantesca. Cerca de 80% da população
eram formados por esses trabalhadores. Daí uma relação importante: a desigualdade era extrema, em
proporções ainda maiores que as do restante da América Latina.
Rebeliões escravas já existiam. Vários movimentos eclodiram por melhores condições. Contudo,
a elite branca (chamada de grand blancs) sempre conseguia acalmar as coisas e manter a estrutura
social e econômica. Esses grand blancs eram grandes senhores detentores de quase toda a riqueza
do território. Apesar disso, tinham alguns atritos com os comerciantes pelo preço dos cativos, que,
devido à exploração do trabalho, continuamente precisavam ser substituídos. Existia ainda um grupo
intermediário formado por brancos que exerciam atividades complementares ao sistema da plantation
ou mesmo negros libertos. Por fim, havia a massa escrava.
Em 1791, eclodiu mais uma rebelião de escravos. Todavia, essa atingia proporções consideráveis e
ainda era apoiada pelos quilombolas. A metrópole, envolvida nas questões revolucionárias internas, deixou
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HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
que os livres acabassem com mais aquela insurreição. Para isso, deu direitos aos mulatos livres, apesar da
grande preocupação dos brancos, que temiam perder seus privilégios. A ideia era criar uma unidade entre
estes e os brancos contra os cativos – garantindo, assim, a manutenção do sistema escravista.
Contudo, quando o movimento francês ganhou ainda mais força, os países europeus se uniram para
derrotá‑lo. Assim, mais uma vez, as questões políticas do Velho Mundo influenciaram decisivamente o
Novo Mundo. Espanhóis do outro lado da ilha, apoiados por ingleses, atacaram os franceses do Haiti –
um dos combatentes do lado espanhol era Toussaint Louverture. Os hispânicos, então, uniram-se aos
revoltosos escravos contra os inimigos em comum.
Figura 16 – O grande líder Toussaint Louverture. Repare em que sua posição e forma de guerra são
estabelecidas pelo estilo europeu – é quase como um Napoleão Bonaparte
Os franceses, por sua vez, já em pleno desenvolvimento, com Napoleão no poder, queriam
promover as mais importantes atividades econômicas que a burguesia desejava. Assim, decidiram
reconquistar a ilha. Um forte contingente militar foi enviado para o Haiti. Mesmo após tantos anos
de luta, Toussaint Louverture tentou resistir, mas não foi possível. Preso, foi enviado para a França e
lá morreu em 1803.
51
Unidade I
Contudo, os ideais de liberdade estavam suficientemente fortes na ilha para manter a chama da luta.
Jean Jacques Dessalines assumiu a liderança. Ele contava com o apoio de ingleses (grandes rivais de
Napoleão) e dos norte‑americanos (interessados no trato mercantil com a região). O novo líder, ao lado
de outras figuras importantes, como Alexandre Pétion e Henri Christophe, conseguiu importantes
vitórias a ponto de, no primeiro dia do ano de 1804, declararem a completa independência do Haiti.
O caráter dessa liberdade foi singular: o movimento social tomou conotações políticas, ou seja,
ao mesmo tempo que conseguiu extirpar a escravidão, adquiriu a independência política. Assim, era
um modelo que alterava completamente o status quo – ou seja, a estrutura social existente; era uma
revolução social, além de política.
É claro que esse tipo de movimento não era bem‑visto pelas elites e que a ideia de haver um processo
igual a esse em outros países trazia enorme temor. Isso se refletia no receio de que tais acontecimentos
pudessem se tornar um modelo para rebeliões escravas, trazendo esperança de liberdade e de destruição
da ordem vigente.
Não era à toa, portanto, que esse processo representava tudo o que as elites não desejavam para a
América Latina.
Mas de que modo tanto a Revolução Americana quanto a haitiana influenciaram a derrocada do
Antigo Sistema Colonial? Por um lado, a independência dos EUA foi o grande modelo. Como argumenta
John Lynch (2009):
Por outro lado, o processo haitiano era tudo o que as elites não desejavam:
O quadro que se estabeleceu a partir de então foi de amplas condições para a propagação dos ideais
de liberdade. Já um grande conjunto de revoltas locais foi visto quando as ações na Crise do Antigo
Sistema Colonial relacionadas às reformas borbónicas escancararam as diferentes visões acerca das
expropriações promovidas pelos colonizadores. Ao mesmo tempo, uma nova estrutura abria caminho
com as próprias determinações de um capitalismo industrial, relacionadas, inclusive, com as aspirações
iluministas, fomentando o liberalismo e a ascensão completa dos interesses das elites locais. Era a época
das revoluções burguesas e de seus desdobramentos, e isso foi visto tanto no processo das colônias
espanholas quanto na América Portuguesa, onde movimentos por liberdade já raiavam e poderiam
ganhar força.
As ideias iluministas afetaram a Europa de maneira bastante importante no final do século XVIII.
Movimentos em torno da burguesia sonhavam em concretizar o fim do Antigo Regime em nome da
liberdade e da igualdade.
A Revolução Francesa, por sua vez, era o exemplo da condução burguesa, cada vez mais em ascensão,
atacando os privilégios de alguns em busca dos ideais de liberdade e igualdade perante a lei.
53
Unidade I
Figura 17 – A simbologia da Revolução Francesa teve um alcance enorme. Sua Declaração de Direitos ecoava entre os mais diversos
povos e trazia o sonho de uma sociedade de direitos iguais, capaz de combater qualquer governo opressor
No alvorecer do século XIX, a Europa passou a viver relações inteiramente novas: conquistas e
domínios do império francês em torno da figura quase mítica de Napoleão Bonaparte. Para entender
esse contexto, são significativas as palavras de Eric Hobsbawm (1977):
Figura 18 – A força da figura de Napoleão marcou o início do século XIX. Na imagem, repare na construção em torno de um estadista
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HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Esse desenvolvimento, para o que nos interessa aqui, alterou substancialmente as relações políticas da
Europa. A França de Napoleão teve um sucesso gigantesco por terra. Venceu a coalização de opositores, e
sua influência alcançou terras da Península Ibérica até a Rússia. No mar, no entanto, Napoleão procurou
vencer seu maior inimigo: a Inglaterra. Contudo, a Batalha de Trafalgar (1805) marcou a derrocada
das forças navais francesas. Após esse momento, “o único modo que parecia haver para derrotar a
Grã‑Bretanha era a pressão econômica, e isso Napoleão tentou fazer eficazmente através do Sistema
Continental (1806)” (HOBSBAWM, 1977 p. 128). O Bloqueio Continental, imposto por Napoleão, proibia
qualquer país de comercializar com a Inglaterra. No meio dessa disputa de gigantes estava Portugal.
Tradicional parceira dos ingleses, a nação lusitana passou a sofrer com a pressão francesa. Por quase dois
anos, os lusos conseguiram promover uma política de neutralidade. Contudo, no momento decisivo, no
final do ano de 1807, a Família Real portuguesa determinou a partida com a Corte para o Brasil com
escolta inglesa.
A Espanha, detentora da mesma dinastia que a França, os Bourbons, sofria com disputas
internas de poder entre o rei Carlos IV e se filho Fernando, mas acreditou que poderia se
beneficiar do jogo de poder. Em 27 de outubro de 1807, surgiu o Tratado de Fontaineblau, que
estabelecia um acordo entre França e Espanha: as tropas francesas adentrariam a Península
Ibérica e invadiriam Portugal em um ataque conjunto. Depois disso, os domínios portugueses
seriam divididos entre as duas nações.
Figura 19 – O quadro de Goya (1746-1828), As Execuções de 3 de Maio, é um dos maiores expoentes do romantismo nas artes. Ele
procura denunciar a atrocidade dos fuzilamentos franceses e, ao mesmo tempo, exaltar a luta de defesa popular
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Unidade I
Exemplo de aplicação
Procure analisar quais são os elementos do quadro de Goya que exaltam a luta da defesa popular
contra a invasão francesa. Não deixe de perceber os efeitos da luz e as expressões dos espanhóis – e a
falta delas, no caso dos invasores.
Para tentar resolver os problemas, Napoleão chamou pai e filho para uma reunião, em Bayonne, a
fim de decidir as questões políticas que estavam por vir. Então, o pior ocorreu para a política espanhola:
pai e filho foram obrigados a renunciar e a nomear José Bonaparte, irmão de Napoleão, para o trono
espanhol. Fernando VII foi preso, no castelo de Valençay, e ali permaneceu até 1813.
O governo francês não teve vida fácil. Na Espanha, houve forte resistência. Para tentar organizar
um poder paralelo, foram criadas as Juntas Governativas. Inicialmente, a Junta Suprema Central foi
estabelecida em Sevilha, mas a cidade foi invadida – e a Junta sobreviveu a partir de Cádis. Dali, os
espanhóis procuravam manter o foco do poder central da Espanha e as diretrizes de suas colônias.
Figura 20 – A reunião da Corte de Cádis, em 1811. Perceba como o quadro procura formular a ideia da manutenção da estrutura de
poder na Espanha, amparada pela Igreja, mesmo com a dominação francesa
De qualquer maneira, a agitação política na metrópole logo ecoou nas colônias. Desde 1808, algumas
regiões centrais passaram a utilizar os cabildos – espécie de câmaras municipais formadas pela elite
criolla – para formarem Juntas Governativas – inicialmente no Alto Peru, em Caracas e em Buenos Aires,
mas que logo se espalharam para outras regiões.
A discussão central local era o dever ou não de obediência ao rei preso, ou mesmo se os súditos da
América eram obrigados a obedecer a José Bonaparte. Havia, com relação a essa questão, três tendências
importantes: a primeira era a obediência ao rei Fernando VII e à Junta estabelecida em Cádis; a segunda
era a aceitação do rei espanhol, mas não do poder de Cádis, já que ele não tinha autorização específica
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HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
de formação, ou seja, não era legítimo; a terceira era promover a ruptura com a política europeia, pois
assim haveria maior autonomia das colônias, sobretudo com relação ao comércio. Essa última tendência
visava a se aproveitar exatamente da discussão em torno da legitimidade de qualquer outro poder
diante do quadro da invasão francesa para vencer.
Aos poucos, o sonho da liberdade e a independência foram circulando por gazetas – formando
uma elite pensante e também chegando à população por meio de panfletos. Os interesses sociais eram
variados e vinham não só das elites criollas – insatisfeitas com os resultados das reformas bourbónicas –,
mas também de pobres, índios e negros. A guerra trazia consigo a perspectiva da esperança. É interessante
notar, nesse sentido, que a historiografia latina trata a independência como um processo de ruptura com
o passado e, de maneira positiva, entende que o processo histórico não poderia deixar de acontecer, ou
seja, que tudo corroborava para que, exatamente naquele momento, houvesse a batalha pela liberdade
e o fim da opressão. Em alguns lugares, essas discussões ganharam tal vulto que revoltosos chegaram a
expulsar vice‑reis e a promover fuzilamentos e prisões.
No entanto, a luta, já no seu início, não era nada fácil ou simples. Houve, na América Espanhola, uma
participação popular muito maior do que nos territórios dos portugueses. Havia uma variedade maior de
mão de obra, o que obrigou a criação de diferentes discursos para a promoção do convencimento de um
grande número de pessoas. Até mesmo escravos foram utilizados – na verdade, aquele que se alistava
recebia como retribuição a alforria para lutar livre pelo sonho da libertação colonial. O exemplo mais
forte disso foi o Batalhão Negro de Buenos Aires, liderado por San Martín e que chegou a atravessar os
Andes com mais de cinco mil homens. Segundo Manoel (2011):
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Unidade I
Também as mulheres participaram dos conflitos. Muitas vezes elas acompanhavam os soldados,
promoviam serviços básicos necessários ou até mesmo serviam como soldados.
O dinheiro veio através dos comerciantes, já que uma das temáticas centrais do sentido da liberdade
era a ampliação dos negócios dentro da propagação da lógica liberal. Nem todos, no entanto, tinham
uma posição clara sobre o embate que viviam. Muitos ricos e pobres se dividiram e não conseguiam
tomar uma decisão acerca da guerra, ainda mais quando os conflitos continuavam a se arrastar por
anos e anos.
É interessante perceber que a guerra teve uma reviravolta a partir de 1814, com a derrota napoleônica
e a consequente retomada do trono por Fernando VII. O projeto do monarca era sufocar os movimentos
de independência, entendidos como rebeliões transitórias – mesmo nos locais onde já se havia declarado
a independência. Assim,
As esperanças se tornaram fortes incertezas até idos de 1820. Havia uma tendência europeia à
restauração do Antigo Regime – como fora decidido no Congresso de Viena. Discutia‑se como a Santa
Aliança poderia ajudar na retomada dos territórios coloniais na América. No entanto, nesse sentido, os
ingleses eram a voz dissonante. Na lógica liberal, ambicionavam o fim das relações exclusivistas para
ampliar seu mercado de exportação; e conseguiram garantir que não houvesse nenhuma interferência
estrangeira nas lutas entre colônias e metrópole.
Na prática, as lutas na América foram heterogêneas, pelas feições locais que se demonstravam. Em
várias das regiões surgiram grandes figuras, como Lavalleja, O’Higgins, Sucre, Hidalgo, Morellos, Iturbide
e, sobretudo, Simón Bolívar e San Martín.
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HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
Devemos destacar, portanto, que a fragmentação da América não pode ser traduzida apenas
nas relações de domínio do capitalismo internacional. É preciso compreender essas tensões
e fomentar a análise das variáveis internas do continente – que, em boa medida, ajudam a
compreender essa problemática.
A Família Real e a Corte chegaram a Salvador no início de 1808, no dia 22 de janeiro. Desembarcaram
no dia seguinte. Calcula‑se que mais de 15 mil pessoas totalizavam a Corte que chegava ao Novo
Mundo. Apesar dos desejos dos baianos de que a Corte se instalasse ali, D. João decidiu ir até o Rio de
Janeiro – capital da colônia.
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Unidade I
Quando de sua chegada, havia a necessidade da construção de um amplo sistema para abastecer
a Família Real e a aristocracia. Palácios foram criados, outros foram simplesmente entregues pela elite
local – que financiava a Coroa com doações em troca de cargos nas novas instituições ou mesmo de
direitos, títulos ou casamentos.
Já de início, no ano de 1808, a Coroa decidiu abrir os portos às nações amigas de Portugal para
fomentar seu abastecimento – era o fim do chamado Pacto Colonial. Pouco depois, o Alvará de Permissão
Industrial procurou desenvolver esforços para o substantivo aumento de mercado que a Coroa procurava.
Em 1810, a Coroa assinou dois tratados com os ingleses. O Tratado de Aliança e Amizade garantia
relações de cooperação e apoio, e o Tratado de Comércio e Navegação, por sua vez, permitia tarifas
preferenciais aos produtos ingleses. Os produtos de qualquer país amigo pagavam 24% de impostos
alfandegários ad valorem (sobre o valor). Os portugueses, por sua vez, teriam uma taxa de 16%. Os
ingleses, contudo, apenas 15%. Logo, uma enxurrada de produtos ingleses dominou os mercados do
Brasil e fomentou a derrocada da burguesia lusa ou mesmo o incentivo industrial local.
A fundação do Banco do Brasil buscou um grande fomento econômico. Além disso, gerou‑se um
amplo incentivo ao desenvolvimento da saúde e da educação. No entanto, foi na cultura que o impacto
da vinda da Corte foi ainda mais sentido: foram inaugurados o Teatro Real de São João e a Real Biblioteca;
a imprensa foi autorizada a existir. Além disso, houve a famosa vinda da Missão Artística Francesa para
dar a aparência de capital europeia ao Rio de Janeiro e fomentar o espírito das letras no Brasil.
A Corte também adotou uma política externa agressiva ao dominar a Guiana Francesa como represália
ao ataque em Portugal. Além disso, dominou a Cisplatina, dentro da disputa geopolítica do comércio do sul.
No entanto, foi em 1815 que os passos finais da colonização aconteceram. Após a decisão do
Congresso de Viena de estabelecer a volta imediata de todas as dinastias europeias ao poder depois da
Era Napoleônica, D. João VI deu uma cartada política, elevando o Brasil a Reino Unido. Na prática, essa
ação retirava o Brasil da condição de colônia.
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HISTÓRIA DA AMÉRICA INDEPENDENTE
A ideia com essa atitude era, ao mesmo tempo em que a Família Real se garantia diante das questões
da política europeia, contentar as elites brasileiras e justificar a Corte no Brasil. No fim das contas, a Coroa
decidiu‑se por manter garantido seu principal produtor de riquezas em um momento de convulsão social
com as diversas disputas pela independência na América Espanhola e mesmo o temido “haitianismo”:
Observação
Era o fim do status colonial e a interiorização da metrópole. Quando as cortes de Lisboa passaram
a questionar a autonomia da colônia, a decisão final acabou sendo a independência, acompanhando
os valores da elite da América: a mudança de status político, e não de valores econômicos ou sociais. O
processo de luta foi muito menor que o da área espanhola, ainda que, há de se destacar, algumas áreas
tenham sofrido com um amplo combate.
Podemos considerar como um dos principais fatores de aceleração da crise geral do Antigo Regime
e do Antigo Sistema Colonial na América Portuguesa os acontecimentos portugueses relacionados aos
avanços do liberalismo português, também chamado de vintismo.
Ressaltamos que em outras disciplinas de nosso curso a independência do Brasil será desenvolvida
com profundidade numa discussão historiográfica contemporânea e atualizada em relação aos debates
acadêmicos mais relevantes, por isso cabe aqui a menção ao fato de o Brasil se tornar independente
em 1822 e, em se tratando de uma monarquia, um país que muitas vezes provocou receios entre
os vizinhos. Além de mencionar que era uma monarquia, vale lembrar que o Império fundado por
Pedro I, da Dinastia Bragança, era católico, mantinha o quadro econômico agroexportador e, marca
absolutamente fundamental, era escravista. Portanto, fica o registro da independência do Brasil, com
Pedro I, na data considerada de 7 de setembro de 1822 – lembrando que ocorreram guerras no momento
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Unidade I
da emancipação do Brasil, mas que, apesar disso, foi construída uma ordem imperial conservadora,
latifundiária e escravista.
Resumo
Exercícios
Questão 1. (Enade 2005) Com relação às lutas pela independência nas Américas portuguesa e
espanhola, as quais, apesar de visarem aos mesmos objetivos, apresentaram um desenrolar em que se
verificaram semelhanças e diferenças importantes, é correto afirmar que:
A) A longa guerra nas duas Américas foi financiada essencialmente por capitalistas britânicos.
D) A abolição da escravidão negra era proposta comum e apenas não se efetivou imediatamente no Brasil.
E) A participação popular foi mais intensa nas colônias espanholas, por exemplo, no México.
A) Alternativa incorreta.
Justificativa: não se pode dizer que a independência da América portuguesa tenha ocorrido por
meio de lutas; isso foi característico das independências dos países que se originaram de possessões
espanholas na América, que contaram, em alguns casos, com apoio britânico e dos EUA.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: a independência favorecia interesses econômicos das elites locais que nela se engajaram
colocando-se contra a metrópole.
C) Alternativa incorreta.
Justificativa: em diferentes locais e momentos houve a participação de padres nas lutas, como foi o
caso do padre Miguel Hidalgo e Costilla, no México.
D) Alternativa incorreta.
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Unidade I
E) Alternativa correta.
Justificativa: ao contrário do que ocorreu no Brasil, cuja independência se fez sem participação
popular, diferentes grupos sociais participaram do processo de independência dos países colonizados
pela Espanha.
Questão 2. (Enade 2005) A exploração da mão de obra indígena na América de colonização espanhola
tem acontecido desde o período colonial até recentemente. Como exemplo, citemos a instituição da
mita pelo vice-rei do Peru, Francisco de Toledo. Sobre ela, é possível afirmar que:
A) Não havia diferença entre a mita e o trabalho escravo, pois em ambos o trabalhador era
transformado em mercadoria.
B) Foi uma prestação de serviços controlada pelos encomenderos e dominante na maior parte da
América de colonização espanhola.
C) Estava relacionada, em Potosí, à prestação de serviços pelos índios, que não tinham, por lei,
nenhum direito.
D) Constituía-se na prestação de serviço temporário nas minas de Potosí por índios que viviam em
regiões próximas e delimitadas.
E) Permaneceu vigente até o início do século XX e só foi extinta após uma longa e bem-sucedida
revolta comandada por lideranças indígenas.
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