Luna Clara Apolo Onze No Meio Do Mundo Horizonte e

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Luna Clara & Apolo Onze no meio do mundo:

horizonte e metaficção na obra de Adriana Falcão

Mariana Souza de Almeida*

“Ts’ui Pen teria dito uma vez: ‘Retiro-me para escre­


ver um livro’. E outra: ‘Retiro-me para construir um
labirinto’. Todos imaginaram duas obras; ninguém
pensou que livro e labirinto eram um único objeto”.
Jorge Luis Borges

Se ainda permeia o universo da literatura infanto-juvenil


o discurso segundo o qual essa seria uma literatura menor, consti-
tuída por uma estrutura narrativa simples, beirando o simplório, o
romance Luna Clara & Apolo Onze (2002), de Adriana Falcão, vem
justamente invalidá-lo. Por meio da intrincada relação que estabe-
lece entre real e ficção, essa obra, no que tange à sua construção
literária, de tão complexa chega a ser labiríntica.
O primeiro elemento que sugere tal complexidade é a figura
do narrador. Já na segunda página do romance, percebe-se uma in-
tromissão sua no relato dos acontecimentos: “E antes que você se
pergunte ‘ora, mas o que é que tem de estranho com dois homens
encharcados andando pela estrada?’, é melhor deixar tudo expli-

*
Graduanda em Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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cado” (Falcão: 2002, 8). Tal prática intromissiva não se restringe


a esse primeiro movimento, nem mesmo se resume a passagens
esporádicas, mas perpassa toda a obra.
As interrupções do fluxo narrativo são realizadas de diver-
sas formas e pelas mais variadas razões. Por vezes, como no caso
citado, interpela-se o leitor, dando-lhe voz e respondendo a suas
possíveis dúvidas relativas ao enredo. Em outros casos, o narrador
se dirige diretamente aos personagens, questionando ou comen-
tando suas ações, como no seguinte trecho: “Parabéns, Doravante.
/ Que capacidade de dedução! / Uma conclusão importantíssima
para o desenrolar dessa história” (p. 230).
Em diversas passagens, o próprio fazer literário é posto em
destaque:

Por azar (ou por uma estranha coincidência, diriam os mais oti­
mistas), Doravante foi embora da cidade justo no dia mais impró­
prio, fato que provocou uma confusão enorme.
Ou isso não seria uma história de amor cheia de perigo, tristeza e
felicidade (p. 76).

Há também casos em que o narrador reserva a si o direito


de agir da forma que lhe é mais conveniente – dando saltos no en-
redo, por exemplo – e não hesita em deixá-lo explícito: “Na falta
de palavras para explicar o que Doravante sentiu, pulemos esse
pedaço” (p. 230). E ainda:

Doravante e Aventura então se beijaram.


Equinócio e Luna Clara se afastaram discretamente, para não
atrapalhar.
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Tem horas que um casal precisa ficar sozinho.


Que tal deixar os dois mais à vontade e falar um pouco da velha de
rosa e sua meia chuva? (p. 280).

Algumas páginas adiante, tal passagem é retomada, em


um capítulo cujo título, por si só, já põe em destaque a constru-
ção literária, através da interpelação de personagens: “Desculpem,
Doravante e Aventura, mas esse beijo terá que ser interrompido ou
a história não acaba” (p. 293).
A partir dos exemplos elencados, pode-se, portanto, per-
ceber que a todo tempo o narrador insiste em se fazer presente,
chamando a atenção para a sua figura, a que convencionalmente
se destina um papel oculto. Toda a tradição realista da literatura
– que, apesar de muito recente, datando do século XIX, está inevi-
tavelmente entranhada na ideia que se tem hoje do que seja o fazer
ficcional – foi responsável por instituir uma forma de avaliação da
ficção a partir de condições de verdade (Bernardo: 2010, 41). Ou
seja, um bom romance é aquele que se apresenta como uma repre-
sentação fiel da realidade. E, se a ideia é fazer ficção negando o seu
caráter ficcional, se o objetivo é a verossimilhança em seu extremo,
nada mais lógico do que empregar como procedimento literário a
camuflagem do narrador.
Afinal, quando esse se faz presente, ressalta-se justamente
o estatuto ficcional da obra em que sua figura se insere, o fato “de
que uma obra de ficção é uma construção verbal, e não um frag-
mento da vida” (Lodge: 2011, 214). Quebra-se, com isso, o pacto
ilusionista, tão preconizado pela tradição realista, através do qual
narrador e leitor tacitamente concordam em dirigir à ficção um
tratamento digno de realidade, ficando reservada àquele a tarefa
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de fazer sua trama parecer real e a este a de nela mergulhar como


se de fato fosse.
Assim, ao interromper constantemente o fluxo dos acon-
tecimentos para tecer comentários sobre questões relativas à
construção do romance – as quais, em respeito à ânsia realista
de verossimilhança, deveriam ser omitidas –, o narrador de Luna
Clara & Apolo Onze promove quebras sucessivas do enredo lógico,
rompendo com o contrato ficcional implícito e imprimindo uma
arritmia ao pulsar do texto. No entanto, não há um abandono das
convenções realistas, como se pode imaginar. Se houvesse, o resul-
tado seria simplesmente uma obra escancaradamente ficcional – o
que não é o caso.
Ocorre, na realidade, um movimento dual. O narrador dis-
tancia-se de si mesmo, autodesdobrando-se em sujeito e objeto, em
autor e crítico de sua própria obra, em narrador e aquele que se vê a
narrar. Unindo paixão e razão, é tomado pelo impulso vital da cria-
ção, ao mesmo tempo que faz uma reflexão crítica sobre o próprio
ato de criar. Dessa forma, realiza, paralelamente, dois movimentos
que apontam em sentidos opostos: o da preservação da ordem rea-
lista e o da sua subversão; ou melhor, o de narrar os fatos, em que o
contado assume destaque, e o de narrar o narrar dos fatos, em que
se põe em primeiro plano o contar.
Esse movimento paralelo, denominado parábase, é possí-
vel apenas devido à consciência irônica que permeia toda a obra,
segundo a qual pares de contrários não se anulam, não são antagô-
nicos, mas se complementam – o que é visível, por exemplo, pela
frase: “Toda loucura tem que ter um pouco de juízo e todo juízo tem
que ter um pouco de loucura” (p. 25). O narrador, revelando-se não
omisso, mas consciente de si e de seu papel, apresenta-se capaz de
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congregar em si elementos opostos, o que termina por problemati-


zar toda uma ordem lógica instaurada.
Pode-se alegar, inclusive, que esse romance seja regido pelo
princípio irônico de composição. Como afirma Ronaldes de Melo
e Souza (2000, 30), ironia “quer dizer questionamento. A ironia
é uma parábase permanente, principalmente porque subordina
o acontecimento representado ao processo crítico da reflexão”. E
ainda: “Concebida como parábase permanente, a ironia é a única
expressão adequada à interação dialética da experiência emocional
e da consciência racional” (p. 31). Sendo, dessa forma, ironicamente
construído, o romance em questão realiza-se no limiar entre a ebu-
lição dos acontecimentos e a distanciada análise crítica desses, o
que se revela pela figura dual do narrador.
A desconstrução irônica das convenções realistas promo-
vida pelo autodesdobramento do narrador acaba solicitando que
o leitor também se desdobre. Ele se envolve emocionalmente na
trama, como se essa fosse real, porém o movimento parabático
exige que ele mantenha paralelamente um distanciamento racional
para que tome consciência da ilusão pela qual sua consciência é to-
mada. O leitor, dessa forma, bifurca-se em leitor tradicional, para
o qual a ficção é realidade, e em leitor autoconsciente, para o qual a
ficção é ficcional em seus extremos.
Deixa-se entrever, portanto, que real e ficção realizam-se
como dois lados de uma mesma obra, unidos, indissociáveis, em
uma espécie de dança, sem que um domine o outro. Assim, ao
mesmo tempo que a desconstrução das convenções literárias
oito­centistas realça “a lacuna existente entre a vida e a arte, que
o realismo tradicional tenta ocultar” (Lodge: 2011, 214), sua ação
tem como contraparte o entrelaçamento vertiginoso de ambas as
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instâncias. E tal esmaecimento de fronteiras entre real e ficção


deve-se ao fato de Luna Clara & Apolo Onze, além de se estabelecer
como um texto ficcional, ser também uma ficção da ficção – visto
que é uma ficção que usa a si mesma para questionar seus próprios
fundamentos. O romance, portanto, também se desdobra, ao se
construir entre a ficção e a metaficção.
De acordo com Gustavo Bernardo, a metaficção pode ser
definida como “um fenômeno estético autorreferente através do
qual a ficção duplica-se por dentro, falando de si mesma ou con-
tendo a si mesma” (2010, 9). No caso de Luna Clara & Apolo Onze,
o jogo metaficcional é criado por ambos os procedimentos. O “fa-
lar de si mesmo” remete ao movimento parabático anteriormente
explicitado, ao passo que o “conter a si mesmo” termina por redi-
mensionar o imbricamento entre real e ficção já instaurado pelo
primeiro procedimento.
Para além da figura do narrador, a metaficção é construída
no romance por diversos elementos. Um deles é o personagem Seu
Erudito, portador de uma coleção mental de 45.578 histórias inte­
grantes de nossa literatura universal. Essas recebem, por vezes,
certo lugar de destaque no romance, seja por uma referência, seja,
por exemplo, pela nomeação de personagens de acordo com títulos
de obras literárias – tais como Odisseia da Paixão e Divina Comédia
da Paixão, filhas de Seu Erudito.
Segundo Bernardo (2010, 42-3), a intertextualidade por si
só já é um procedimento metaficcional, uma vez que é uma forma
de a literatura dialogar consigo mesma. No entanto, o estatuto me-
taficcional que deriva da introdução de tais histórias no romance
vai muito além da interlocução literária, visto que aprofunda
o jogo entre real e ficção. A inserção de uma obra em outra cria
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uma estrutura de encaixe capaz de gerar certo incômodo ao abrir a


possibilidade de uma projeção indefinida de histórias e de leitores
(Bernardo: 2010, 31). Instaura-se a possibilidade de os diferentes
planos – reais ou ficcionais – serem bonecas russas e de nós, leito-
res, não sermos a boneca maior.
Tal circunstância imprime no leitor certa vertigem, apro-
ximando-o de um abismo. Entretanto, a situação ainda insiste em
se adensar. Os personagens das histórias de Seu Erudito, além
de criarem essa estrutura em abismo, têm o poder de saltar para
aquilo que dentro do romance se entende por realidade. Podemos
percebê-lo na seguinte passagem:

Os Três Mosqueteiros, por exemplo, fugiam da sua história para


uma visita, muito frequentemente.
Depois do almoço, Seu Erudito brincava de “o que é o que é” com
Sherlock Holmes. Tinha que admitir, porém, perdia sempre.
Odiava o Coelho Maluco e aquela sua mania de apressar os outros.
Gostava muito de palestrar com Romeu, mas discordava radi-
calmente das ideias de Julieta, é evidente que aquela história de
se fingir de morta não havia de dar certo. Então consolava Frei
João, o pobre rapaz que foi levar uma mensagem de Julieta para
Romeu, mas não executou o seu serviço por uma dessas coincidên-
cias do destino. (Bem na hora que uma moça apareceu na estrada
e desviou sua atenção, um amigo de Romeu, muito mais esperto,
passou correndo com a mensagem errada, sem que o pobre rapaz
visse, e por isso o casal acabou morrendo no fim) (p. 124).

Como consequência inevitável, a estrutura narrativa cria


dentro de si um labirinto, espiralando-se. Se nossa realidade in-
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terfere na ficção e, dentro dessa ficção, há uma outra ficção, capaz


de saltar para essa realidade-ficção (a saber, o plano do enredo),
por que não poderia essa suposta realidade que entendemos como
ficção saltar para o nosso plano, que entendemos como realidade?
Nesse ponto, real e ficção já não se configuram simplesmente como
dois lados de uma mesma moeda; imprime-se no leitor a sensação
de que um gera o outro, construindo-se mutuamente.
E o abismo cavado ainda insiste em se aprofundar. Há, para
além da figura do narrador autoconsciente e das histórias dentro
da história outro elemento dinamizador de vertigem. A todo tempo
se lê, tanto no discurso do narrador, quanto no de quase todos os
personagens, o termo “coincidências do destino” – o qual, reunindo
acaso e predestinação, é um termo que por si só congrega contrá-
rios, comprovando mais uma vez a existência de uma consciência
irônica que permeia o romance. Há também a frequente presença
de uma velha misteriosa que nunca foi vista por ninguém, mora-
dora de um casebre situado ao lado de um abismo, em um lugar
chamado Vale da Perdição, cuja localização geográfica é exatamente
o “meio do mundo” (p. 9). A princípio, esses parecem elementos
isolados no romance; porém, no desenrolar da trama, revelam-se
o oposto.
Tal vale pode ser considerado uma forma de o horizonte
se realizar como imagem. Dividindo a região de Desatino – e con-
sequentemente o mundo – em dois, aliando em si sul e norte, o
meio do mundo é o espaço do limiar, da tensão de contrários em
complementaridade. Assim como o horizonte reúne e separa em
seu espaço adimensional o visto e o não visto, o Vale da Perdição é
o lugar onde o mundo espelha-se a si mesmo, congregando e ten-
sionando seus lados opostos; é o entrelugar que coloca o indivíduo
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frente a si próprio. Sendo assim, é uma espécie de travessia dentro


de si mesmo pela qual os personagens do romance passam: “todo
mundo que já havia se arriscado a andar por lá chegou diferente do
outro lado, não importa em que sentido estivesse indo” (p. 29)
Em determinado momento do caminhar pelo enredo, o
leitor descobre, juntamente com os personagens, que dentro do
casebre da velha existe um jogo, por ela manipulado, o qual é capaz
de controlar a vida dos personagens do livro. Tal jogo, por sua vez,
reúne os contrários “destino” e “coincidência”, já que utiliza a sorte
da roleta e concomitantemente prevê certos eventos escolhidos.
Inclusive, em determinado momento descobre-se que tal velha,
na realidade, não é uma, mas inúmeras, infinitas, uma para cada
coincidência que no mundo ocorre, e elas atendem pelo nome de
“coincidências do destino”.
O fato de esse jogo controlar a vida dos personagens
do romance gera mais um problema para nós, leitores. Afinal,
perguntamo-nos: e o narrador? Ao criar tais velhas, que possuem
um caráter quase divino na obra, ele, de certa forma, isenta-se da
responsabilidade sobre aquilo que ele mesmo cria. E, a partir de
certo momento, passa a agir como se a história não fosse, de fato,
fruto seu, até se surpreendendo com alguns eventos – e logo ele!, o
mesmo narrador que fez tanta questão de se exibir e de apresentar a
trama como algo construído. Portanto, essas personagens denomi-
nadas “coincidências do destino” de certa forma criam a dimensão
de uma história que se edifica dentro de si mesma, de um texto que
não depende mais da mediação de um autor, uma vez que parece
eclodir autonomamente desse genesíaco meio do mundo.
Tais personagens, inclusive, são capazes de controlar a
vida em outras obras ficcionais. A passagem abaixo, remetendo
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ao trecho (p. 124) que evoca a peça Romeu e Julieta, deixa clara tal
circunstância:

Quando Frei João deu uma escapadinha do livro para conferir que
festa era aquela, reconheceu na hora:
– Que coincidência! Olha lá a moça que passou no dia em que eu ia
levar a mensagem de Julieta para Romeu.
– Que moça? – Seu Erudito perguntou.
– Aquela velha – Frei João apontou (p. 306).

Além disso, essas velhas não regem apenas os eventos


internos ao romance ou a qualquer outra obra, mas até mesmo a
vida extra-ficcional. Percebemo-lo juntamente com os personagens
Luna Clara e Apolo Onze, na passagem em que estes leem os lem-
bretes afixados no “jogo das velhas”:

No norte da Inglaterra, estava escrito:


“DERRUBAR UMA MAÇÃ NA CABEÇA DE NEWTON PRA ELE
DESCOBRIR A LEI DA GRAVIDADE”.

Em Liverpool:
“APRESENTAR JOHN E PAUL A GEORGE E RINGO”.

Na Grécia:
“COLOCAR UM TRIÂNGULO NO CAMINHO DE PITÁGORAS”
(p. 206).

Dessa forma, a possibilidade de a ficção saltar para a nossa


realidade, instaurada pelas histórias de Seu Erudito, acaba to-
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mando forma. Tal circunstância, já sugerida, é explicitada ao final


do romance:

Você já percebeu como são intrometidas as coincidências do


destino?
E criativas.
Ativas.
Muito românticas.
Então vá se preparando.
Porque mais cedo ou mais tarde, muito provavelmente, elas ainda
vão se meter na sua vida (p. 324).

Percebe-se, assim, na obra infanto-juvenil Luna Clara &


Apolo Onze, um irredutível nó, um entrelaçamento inextrincável
entre real e ficção. Com nossos sentidos de leitor agora confusos,
turvos, ficamos sem saber o que pensar, como agir ou para onde ir,
perdidos no labirinto criado por Adriana Falcão. Retirando-nos de
nossa zona de conforto, o romance nos leva, então, a interrogar:
quem somos, afinal? Que mundo é este que supomos tão real?
Patricia Waugh afirma, referindo-se à metaficção, que, “ao
criticar seus próprios métodos de construção, tais escritos não exa-
minam apenas as estruturas fundamentais da ficção narrativa, eles
também exploram a possível condição ficcional do mundo externo
ao texto ficcional” (Waugh apud Bernardo: 2010, 46). Ou seja, a
metaficção, à maneira de Caeiro (Pessoa: 2005) em “O Universo não
é uma ideia minha / A minha ideia do Universo é que é uma ideia
minha”, acaba existindo como uma espécie de questionamento da
própria realidade, de nossas tão pretensas verdades. Afinal, entre “o
Universo” e “a minha ideia do Universo” existe o “eu”, como media-
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ção necessária; logo, nunca seremos capazes de saber efetivamente


o que é o Universo – ou a realidade –, a não ser por mediações, por
aproximações ficcionais. Sendo assim, não seria aquilo que enten-
demos por real uma forma de ficção?
Nesse sentido, a metaficção vem sacolejar nossas certezas,
desconcertá-las e deixar-nos um pouco mancos, só para seguirmos
buscando uma nesga de chão que, quanto mais se procura, mais se
abre em abismo e mais nos vertiginiza. O romance metaficcional
Luna Clara & Apolo Onze, ao nos colocar diante de nós mesmos,
no meio do mundo, no logicamente impossível entrelugar do ho-
rizonte, onde os contrários se amalgamam de forma irredutível,
compele-nos a questionar: o que é real? O que é ficção? Afinal, que
fronteiras são essas entre eles que nos acostumamos a definir de
maneira tão impositiva? Seria o real ficção e a ficção real? O que há
de real no que vemos? O que há do real no que vemos? O que há de
ficção naquilo que supomos ser realidade e o que há de realidade
naquilo que supomos ser ficção? Afinal, seríamos nós – tão concre-
tos, tão palpáveis – fruto de artifícios alheios? Seríamos nós ficção?
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Referências

BERNARDO, Gustavo. O livro da metaficção. Rio de Janeiro: Tinta


Negra, 2010.
FALCÃO, Adriana. Luna Clara & Apolo Onze. São Paulo: Moderna, 2002.
LODGE, David. A arte da ficção. Tradução de Guilherme da Silva
Braga. Porto Alegre: L&PM, 2011.
PESSOA, Fernando. Poesia completa de Alberto Caeiro. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005.
SOUZA, Ronaldes de Melo e. “Introdução à poética da ironia”. Linha
de Pesquisa, nº 1, 2000, pp. 27-48.

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