A Violência No Futebol Português - Artigo

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A VIOLÊNCIA NO FUTEBOL PORTUGUÊS: UMA INTERPRETAÇÃO

SOCIOLÓGICA A PARTIR DA CONCEPÇÃO TEÓRICA DE PROCESSO


CIVILIZACIONAL.

Roberto Ferreira dos Santos


UNIVERSO
[email protected]

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar uma interpretação da violência na sociedade


portuguesa. A metodologia utilizada foi a triangulação associada à análise de conteúdo
(Bardin, 1977). Com relação à triangulação (Denzin, 1978, Haag, 1994) é importante
salientar que este modelo pode servir para análise do fenômeno em outras sociedades. A
violência física, manifestada predominantemente dentro dos campos de futebol está
relacionada com a dinâmica, de como a arbitragem é praticada.Podemos afirmar que a
importância dessa constatação deriva do fato de se situar no âmbito da estrutura do
desporto futebol, e não em outros aspectos exteriores a essa dinâmica.

Abstract: The aim of this paper is to present an interpretation of violence in portuguese


society. The methodology used was content analysis (Bardin, 1977) associated with
triangulation. With respect to the triangulation (Denzin, 1978, Haag, 1994) is important to
note that this model may serve for analysis of the phenomenon in other societies. Physical
violence, expressed predominantly in the fields of soccer is related to the dynamics of how
the arbitration is practiced. We may say that the importance of this finding stems from the
fact it is located within the structure of sport, and not on other aspects outside this
dynamic.

INTRODUÇÃO

Hoje o futebol é um desporto-espetáculo, fenômeno cultural de primeira


grandeza que atrai o maior número de espectadores no mundo. Se calcularmos a
quantidade de pessoas que, em cada final de semana acorre aos estádios para presenciar
partidas de futebol, provavelmente chegaremos a números bem altos, principalmente se
consideramos que é um desporto disputado durante quase todo ano e em quase todos os
países. Agregam-se ainda os espectadores do futebol televisivo e os ouvintes pelas rádios.
Por outro lado, se observarmos sob o enfoque da atração que as competições
exercem nas pessoas, sabemos que, como competição, que atrai grande atenção na
sociedade contemporânea, a Copa do Mundo, é a única que concorre com os Jogos
Olímpicos, sendo estes, pela sua grandiosidade e história o espetáculo maior.
Em função desse pequeno histórico a justificativa para este estudo está
relacionada com a importância que o futebol profissional assumiu em termos nacionais e
internacionais, e a forma sistemática, como a violência, tem perturbado este espetáculo
desportivo que tanto nos atrai.
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Quando falamos em violência no futebol, a primeira imagem ou lembrança


que nos surge é a da tragédia de Heysel e o fenômeno do Holiganismo, não só na
Inglaterra, mas principalmente neste país. Mas, é preciso frisar que este tipo de violência
extra-campo é apenas uma das muitas formas de violência encontradas no futebol.
Formulamos esta afirmação, baseando-nos num estudo sobre o futebol brasileiro que
realizamos no ano de 1989 (SANTOS, 1990) no qual apontamos que o percentual da
categoria ‘agressão física’ com 54,12% se destaca das demais. Dentro deste percentual a
grande predominância das agressões físicas ocorre dentro de campo, seja entre jogadores,
seja dos jogadores contra os árbitros ou ainda entre dirigentes e árbitros.
Ao relacionarmos este percentual com a estrutura e relações características
do futebol brasileiro – repleto de manipulações e artimanhas – ressaltamos a necessidade
de uma investigação mais profunda, objetivando a compreensão do fenômeno de uma
forma mais clara e ampla, visto que uma das limitações do estudo realizado foi seu relativo
distanciamento do quotidiano, pois se baseou em fontes secundárias (jornais brasileiros).
Por outro lado, a UNESCO (1988) ao realizar o estudo denominado “Estudo
multidisciplinar sobre a violência na atividade física” fala claramente da necessidade de
situar a violência no contexto individual e social, assim como ressalta a necessidade dos
poderes públicos assumirem o controle e prevenção das manifestações de violência, dentro
de uma perspectiva ética e educativa.
Ao compararmos as duas afirmações acima, uma das hipóteses que
projetamos é que, certamente a violência se apresenta com dimensões diferentes em cada
sociedade e, como tal, pensamos ser de grande relevância a sua caracterização e análise na
sociedade portuguesa. Além disso, outro aspecto que destacamos como importante, é que a
violência deve ser estudada por uma perspectiva teórica que evite uma visão fragmentada
do fenômeno.
Para a consecução desse objetivo mais amplo, estabelecemos dois objetivos
específicos:

a) caracterizar e analisar que formas de violência são mais comuns na


sociedade portuguesa, pois partimos do pressuposto, que em cada sociedade essas
manifestações assumem dimensões diferentes simbolizando conteúdos diferentes.

b) analisar a existência, na dinâmica do jogo de futebol, de características


específicas que contribuem para o florescimento de situações de violência, pois partimos
do pressuposto que a dinâmica específica do desporto é determinante, e como tal, sua
singularidade deve ser estudada.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Iniciamos afirmando que existem duas formas de considerar a violência; na


primeira ela seria interpretada como conseqüência de um instinto natural do homem. Na
segunda, ela seria um comportamento aprendido pelo homem ao longo de sua história.
Arriscando um pouco na interpretação deste fenômeno pensamos poder
afirmar, que grosso modo, o homem moderno, se comparado ao primitivo é menos violento
e mais civilizado, porque basicamente ao construir seu processo de socialização, afastou-se
de um comportamento guerreiro que foi necessário no início da civilização. Se antes o seu
corpo poderia ser considerado o primeiro instrumento de proteção, hoje existem outros
mecanismos que o próprio homem construiu no processo de civilização ou socialização,
que evitam que o seu corpo seja o primeiro instrumento de defesa.
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Ao construir essa socialização, entretanto, também foi obrigado a conviver


com novas formas de relações nas sociedades, relações essas que nem sempre foram
civilizadas. Dizendo de outra forma, se houve uma socialização, por um lado afetivo, de
controle das emoções, por outro lado cresceu uma racionalidade para utilização de uma
violência instrumental, decorrente das variadas formas de construir seus relacionamentos.
Nesse sentido, podemos dizer que o homem moderno possui (porque
construiu) uma série de mecanismos que, na realidade, funcionam como mediadores das
relações humanas, no sentido de evitar manifestações descontroladas de violência, que
tornadas sistemáticas caracterizariam a violência endêmica.
Numa dimensão mais ampla o Estado realiza esse papel. Se quisermos ser
mais precisos, a justiça de cada estado representa um dos pilares da maioria das
sociedades. Entretanto, todos esses mecanismos não o impedem o homem de, às vezes, em
diferentes momentos, por situações intra-sociedade ou inter-sociedades, justificáveis ou
não, fazer uso de mecanismos violentos, às vezes, altamente cruéis, e de perpetuar
violências. Ora, isto não significa dizer que o homem atual seja mais violento que seus
antepassados. Se por um lado, consegue racionalmente elaborar e construir armas que
matam com mais eficiência e precisão que no passado, por outro lado também vem
sistematicamente lutando para combater todas as formas de violência, seja aperfeiçoando
mecanismos de justiça, seja até criando organizações nacionais e internacionais de controle
de violência.
Em função da argumentação elaborada acima a fundamentação teórica
escolhida para orientar este estudo, recaiu sobre a concepção de processo civilizacional
utilizada por Norbert Elias em seus trabalhos e, difundida no ambiente a Educação Física
pela escola de Leicester, através de Eric Dunning e seus colegas. Em nossa opinião, a
vantagem desta abordagem teórica é que evita excessos de fragmentações teóricas,
evitando também dualismos conceituais e epistemológicos, que tendem a analisar o
fenômeno da violência somente por uma perspectiva, e ao fazê-lo, perdem a visão global
do mesmo. Mas para que tenhamos uma visão clara de alguns fundamentos teóricos da
abordagem Eliasiana sobre violência, descrevemos abaixo os elementos principais daquilo
que o autor considera processo civilizacional :

a) A formação do Estado e o seu respectivo fortalecimento, como


responsável pela mediação das forças numa sociedade.
b) Aumento das cadeias de interdependência.
c) Democratização funcional referindo-se ao fato de haver uma mudança
niveladora no equilíbrio de poder entre classes sociais ou grupos.
d) A elaboração e o refinamento das condutas e dos padrões sociais.
e) Aumento concomitante da pressão social sobre as pessoas para
exercerem autocontrole na sexualidade, agressão, emoções de um modo
geral e principalmente nas relações sociais.
f) Em relação à personalidade do indivíduo, o aumento da importância da
consciência como reguladora do comportamento, ou seja, um superego
forte.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada foi a triangulação associada à análise de conteúdo


(Bardin, 1977). Com relação à triangulação (Denzin, 1978, Haag, 1994) pensamos ser
importante salientar que a utilização dos jornais, a observação dos jogos e as análises das
entrevistas, como fonte de dados para posteriores interpretações, nos possibilitam uma
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visão complementar de determinadas evidências que serviram para entender mais


claramente o fenômeno estudado.
Sobre a análise de conteúdo é importante salientar que além da clássica
perspectiva já tradicionalmente conhecida - e aqui utilizada nos capítulos dos jornais e das
entrevistas -, gostaríamos de utilizá-la também no capítulo das observações dos jogos para
a interpretação do comportamento simbólico dos jogadores tal como CARTWRIGHT (in
Silva et al, 1986, p.103) compreende poder utilizar a análise de conteúdo.

CORPO DE ANÁLISE: A TRIANGULAÇÃO COMO MODELO

O corpo de análise foi constituído dos jornais - O Público e O Record -, os


jogos observados e as entrevistas realizadas com os especialistas ou atores. O critério
utilizado em relação aos jornais, foi a importância dos mesmos na sociedade portuguesa,
assim como a diferença existente entre os perfis dos mesmos, o que, portanto, contribui
para a comparação dos fatos ocorridos no ambiente futebolístico. Enquanto um jornal
aborda todos os aspectos da sociedade portuguesa o outro só discute e analisa os esportes,
com ênfase no futebol. Os jogos observados – em campo e pela TV – foram 115 ao longo
de quatro temporadas, 1993 – 1996, tendo sido elaborada uma grelha de observação, assim
como categorias para classificar melhor os fatos que aconteciam dentro de campo,
principalmente no que diz respeito à dinâmica das arbitragens. As entrevistas foram
realizadas com 12 especialistas do ambiente futebolístico, sendo os mesmos escolhidos
pela representatividade que tinham no ambiente futebolístico português.

SISTEMAS DE CATEGORIAS

A metodologia utilizada levou-nos a elaborar um sistema de categorias para


a identificação e análise das manifestações de violência no capítulo que utilizamos os
jornais como fonte de dados, entretanto, esse sistema de categorias, é base para orientar o
trabalho como um todo, mesmo que, nos outros capítulos a forma de salientar essas
manifestações de violência, esteja ligada à especificidade do capítulo em si.

Agressão Física Fraude Ofensa


Ameaça Furto/ roubo Suborno
Coação Indução Vandalismo

Além do sistema de categorias estabelecemos três dimensões de expressão


da violência.

VIOLÊNCIA EXPRESSIVA que seria a violência praticada por aqueles


que escolhem o futebol, como espaço de expressão de uma violência na qual, o prazer
obtido nesses atos tem um componente predominante.
VIOLÊNCIA REATIVA que seria a violência praticada por aqueles que
em função de uma série de circunstâncias ligadas á dinâmica do jogo, praticam esses atos
como uma forma de reação a uma sensação de injustiça ou incapacidade de mudar o estado
da situação na qual estão envolvidos.
VIOLÊNCIA INSTRUMENTAL que seria praticada predominantemente
com a finalidade de atingir um objetivo, percebido como fundamental para o sucesso
individual da equipe ou de ambos.

Iniciamos a apresentação dos resultados pela descrição e análise dos jornais.


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JORNAIS

a) Indubitavelmente a categoria agressão física é a que ganha realce ao


observarmos os campeonatos por um período mais alargado. Se considerarmos o conceito
de violência utilizado, podemos afirmar que a violência esteve presente em todas as
jornadas dos campeonatos observados. Entretanto, fazer esta afirmação não nos parece
suficiente para caracterizar qualitativamente determinados acontecimentos.
Por exemplo, pensamos que verificar que os casos de violência que
chamaram mais atenção do público e dos especialistas ocorreram entre os grandes clubes
de Portugal, tem grande relevância para o estudo. Isto significa dizer, que nas temporadas
analisadas quase todos os jogos entre os principais protagonistas, estiveram envolvidos por
grande tensão, muitos cartões amarelos e vermelhos durante os jogos e, muita discussão
em relação à arbitragem desses jogos.
Uma segunda forma de manifestação de agressões físicas seria a violência
entre as torcidas. Podemos afirmar que esta forma está muito ligada a uma outra categoria
de violência, o vandalismo.
Com relação à categoria vandalismo é importante destacarmos que os casos
ocorridos em Portugal sugerem o que determinados estudos realizados por outros autores,
em outras sociedades também sugere, ou seja, a atração pelos atos violentos
independentemente de estarem associados a problemas sociais.

b) Além desta categoria, outras categorias identificadas foram, a ameaça, a


fraude, a ofensa, o suborno. Do ponto de vista qualitativo, no sentido que suscitaram
muitos comentários da sociedade como um todo, podemos destacar as categorias de
suborno e vandalismo.

c) Ao observarmos os dois jornais comparativamente e respeitando os


perfis, podemos afirmar que estes dois jornais se constituem num corpo crítico de grande
importância, que ao elaborar suas críticas e reflexões, aborda os pontos centrais daquilo
que ocorre no ambiente futebolístico português. Aliás, podemos até afirmar que existem
determinados aspectos da dinâmica do futebol, que são discutidos e analisados pelos dois
jornais, mesmo que não o façam simultaneamente.
Acima de tudo, essas críticas refletem uma pressão social no sentido da
diminuição da violência no futebol assim como, sua melhoria de qualidade como um todo.
É opinião unânime dos especialistas dos jornais, que a arbitragem tem papel
preponderante na qualidade do espetáculo do futebol.

OBSERVAÇÃO DOS JOGOS

Em relação à observação dos jogos, gostaríamos de destacar alguns pontos


que observamos na dinâmica do futebol.

a) Diante de faltas idênticas, os árbitros, aplicam critérios diferentes. Por


exemplo, diante de uma falta claramente possível de cartão amarelo ou até vermelho, às
vezes aplicam-no, outras vezes não. É importante frisarmos que esta atitude, quando ocorre
dentro de um jogo, cria um clima de revolta e desconfiança, sendo fonte de motivo para
outras faltas e aumento da tensão dentro de campo.
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b) Têm dificuldade de assinalar determinados lances que ocorrem dentro do


campo, porque é grande demais para ser coberto pela sua atuação e, além disso, a
velocidade do jogo muitas vezes impede que vejam dois momentos distintos acontecendo
em pontos diferentes do campo e com curtos intervalos de tempo.
Em função do citado acima, cometem erros muito graves, principalmente no
que diz respeito à marcação de dois tipos de infração: os fora de jogo e as grandes
penalidades.
Em nossa opinião, esses dois pontos são os que geram as grandes discussões
sobre a arbitragem, no que diz respeito à qualidade e intencionalidade no sentido óbvio,
das possíveis arbitragens corruptas.
As observações efetuadas nos permitem afirmar que a forma como a
arbitragem é realizada provoca muitas críticas nacionais e internacionais, e, neste momento
passa por uma fase de questionamento onde surgem muitas sugestões para a sua melhoria.
Observando posteriormente uma competição internacional de grande
importância - Campeonato Europeu 96 -, verificamos que no mesmo ocorreram vários
casos de erros de arbitragem, que foram motivos de muitas críticas, pois mudaram
sensivelmente o resultado da partida. Com relação a está competição as observações
realizadas também nos permite afirmar que existe uma pressão muito grande da UEFA
para coibir as jogadas violentas.
No que diz respeito ao nosso estudo, apesar da arbitragem portuguesa estar
sujeita a muitas críticas, verificamos que no nível internacional os mesmos erros ocorrem.
Independentemente desta constatação, podemos afirmar que a arbitragem do futebol é de
difícil efetivação. Nas observações realizadas, os erros em relação à categoria diferença de
critérios representam 28,52% das ocorrências e os fora de jogo (impedimentos) 30,50%. Se
somarmos esses dois percentuais de ocorrências verificamos que existe uma tensão
constante sobre as arbitragens de futebol.

COMPORTAMENTO DOS JOGADORES

Um ponto que consideramos de grande importância é salientarmos o


comportamento dos jogadores. Podemos afirmar que cometem faltas violentas,
desnecessariamente, aliás, cometem muitas faltas. Sendo ‘compreensível’ uma premissa
utilitária para a prática de determinadas faltas, no entanto estas faltas constituem-se num
paradoxo, pois da forma como são praticadas não têm utilidade nenhuma para a equipe
praticante.
Um outro aspecto que pensamos ser importante discutir refere-se à
ambivalência do comportamento dos jogadores. Percebemos que neste aspecto têm um
comportamento que varia entre a tentativa de aproveitamento das situações e o
comportamento da vítima, sempre objetivando tirarem proveito de situações ocorridas. Em
ambas as situações são comportamentos que contribuem para a tensão do jogo e
desconfiança geral. Concluindo, podemos afirmar que existe uma forma cínica de atuar,
que vem sistematicamente reforçando uma má imagem do futebol.

ENTREVISTAS: A REPRESENTAÇÃO DO MUNDO FUTEBOLÍSTICO.

As entrevistas realizadas nos permitiram nos confirmar muitos pontos


constatados nas formas de análise anteriores - jornais e observações -, além de desvelar
outros aspectos.
Na opinião dos atores a violência é uma resultante do temperamento
individual de cada atleta e da relação deste com o meio ambiente. É bem claro, para
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alguns, que existem jogadores deliberadamente violentos, não sendo, entretanto, a maioria.
Para outros essa evidência não é tão óbvia. Para esses, o que existe são jogadores que
circunstancialmente tornam-se violentos. Nos diversos discursos, foi possível identificar
que, na maioria das vezes, o descontrole momentâneo é resultado de três situações. Na
primeira, o descontrole está relacionado com a revolta perante um erro ou a identificação
de uma atitude mal intencionada por parte da arbitragem. Na segunda, a incapacidade de
resolver a situação, dizendo de outra forma, a incapacidade em controlar o adversário,
provocaria a violência. Na terceira, o ambiente circunstancial do jogo, e de uma forma
mais persistente e constante, o ambiente onde praticam o futebol.
O ambiente onde praticam o futebol, geralmente pode contribuir para essas
situações. Por exemplo, um dos atores afirmou que, seu técnico, várias vezes, comentava
que deveria jogar "... à moda do Porto", referindo-se ao fato que, na opinião desse técnico,
o Porto ter projetado uma imagem de seus jogadores, que refletia o empenho dos mesmos
durante os jogos, mas que esse empenho, frequentemente, tornava-se exacerbado e gerava
violência.
Um dos aspectos desvelados refere-se ao fato de forma como a arbitragem é
realizada. Pelas análises das entrevistas percebe-se nitidamente que os comportamentos
dos árbitros, é um comportamento de adaptação informal das regras, pois segundo
opiniões, se as regras fossem interpretadas, literalmente, grande parte dos jogos não
terminaria. Em função dessa ‘adaptação’ compreendemos melhor, porque determinados
árbitros tentam conduzir a partida até final, sem que haja uma interrupção total. Entretanto,
essa adaptação, que é histórica, de longo termo, pois vem ocorrendo há muito tempo,
determinou, que em outros aspectos da dinâmica do jogo ocorresse uma adaptação
‘negativa’, pois passaram a permitir comportamentos que hoje têm prejudicado a dinâmica
do mesmo.
Com relação à violência não física praticada dentro do campo, ou seja, os
comportamentos espertos de burlar as regras sem praticar violência física, tendem a ser
mais aceitos do que os comportamentos de violência física.
No que diz respeito às mudanças de algumas regras para facilitar a
arbitragem e modificar a dinâmica do jogo, parece haver um comportamento de dúvida
quanto a efetivação das mesmas. Algumas sugestões são aceitas, entretanto outras são
contestadas, com o argumento da preocupação que prejudiquem a dinâmica do jogo.
Entretanto, de modo geral todos os entrevistados acreditam que é preciso haver uma
mudança na forma de arbitrar o jogo de futebol.

FUTEBOL: UMA DINÂMICA EM MUDANÇA

A observação global efetuada sobre o futebol internacional e sua


comparação com o futebol português, nos permite afirmar que o futebol se configura como
uma dinâmica em mudança. Ao realizar-mos uma pequena retrospectiva do Campeonato
de Futebol Mundial realizado no EUA 1994, não podemos negar seu sucesso. Com
objetivo de um permanente aperfeiçoamento desta competição a FIFA tomou algumas
medidas com relação à dinâmica do jogo, do campeonato e seu controle.

a) reforço para que os árbitros fossem rigorosos na aplicação dos cartões


vermelhos diretos, quando das faltas cometidas por trás.
b) aumento da pontuação pela vitória valorizando o jogo ofensivo.
c) a utilização da análise de vídeos para julgar os lances de expulsões,
arbitrando-se suspensões a jogadores ou não. Além do uso de vídeo para suspender
jogadores que não tivessem sido punidos pelos árbitros no momento do jogo..
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Essas três medidas observadas globalmente sugerem que o órgão máximo de


futebol, percebe no futebol questões difíceis de serem resolvidas em relação a violência
dentro do campo, e que, vem desenvolvendo um processo de civilização do mesmo, apesar
de podermos questionar se esta forma é a mais eficaz.

MUDANÇAS EMERGENTES: QUE PODEM VIR A INTERFERIR NA


DINÂMICA DO FUTEBOL.

Se observarmos outras sociedades e consultarmos os especialistas do futebol


percebemos que existem algumas sugestões para aperfeiçoamento da dinâmica do futebol.
Estas sugestões são propostas a partir em comparação a outros desportos.
Temos plena consciência, que este processo não é de fácil resolução, pois
envolve uma série de interações e interdependências - no sentido usado por Elias - mas
podemos afirmar que as mudanças sugeridas privilegiam a qualidade do espetáculo e
minimizam as oportunidades de manifestação de violências. Poderíamos afirmar que
procuram encontrar uma conciliação “...entre demandas técnicas, éticas e estéticas”
(Lovisolo,1995).
Esta tese foi concluída em junho de 1996 e, pude presenciar em janeiro de
1997, uma competição de futebol disputada entre clubes do Rio de Janeiro e São Paulo -
Taça Rio-São Paulo - na qual foi testada a utilização do limite de faltas por jogo, para
coibir a violência nos jogos, sendo que o clube que ultrapassasse este limite sofria como
penalidade, uma cobrança de falta na semicírculo da grande área. Apesar das contradições
da sociedade brasileira, penso poder afirmar que esta experiência significa certo avanço do
ponto de vista sociológico.

OBSERVANDO E PENSANDO COMPARATIVAMENTE

As reflexões elaboradas ao longo do trabalho nos permitem afirmar que a


sociedade portuguesa - no que diz respeito ao futebol -, situa-se num estágio intermediário
se comparadas com duas sociedades como, por exemplo, a brasileira e a inglesa. A
brasileira representando o extremo mais violento, e, a inglesa, o extremo menos violento e
mais repressivo dos atos violentos dentro dos campos.
Por exemplo, ao longo dos quatro anos de observação sistemática desse
estudo, se compararmos os conflitos acontecidos na sociedade brasileira, com os conflitos
acontecidos na sociedade portuguesa, vemos uma diferença significativa. Quando fazemos
esta afirmação estamos nos referindo aos vários contextos, significando dizer isso que
observamos o comportamento das torcidas, dos jogadores dentro de campo entre si, os
jogadores para com os árbitros e mesmo os dirigentes em relação ao árbitro.
O único tumulto mais grave que ocorreu em Portugal, no Campeonato
Nacional da 1 Divisão e mesmo na Divisão de Honra, não teve qualitativamente falando,
as mesmas proporções que os inúmeros tumultos ocorridos no Brasil, onde muitas vezes o
descontrole total dos atletas e técnicos intervenientes, provoca agressões físicas entre os
participantes.
Pensamos poder afirmar que a dimensão profissional irá motivar os atores
do contexto futebolístico a criarem formas de controle e prevenção da violência do futebol.
No que diz respeito à esse aspecto, esta dimensão exige uma acão interacional e
interdependente dos agentes do futebol, que crie condição e situações concretas, de
diminuição de violência e melhoria de qualidade do espetáculo. Ser um profissional de
desporto implica atribuir a si mesmo responsabilidade por uma arte como outra qualquer,
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e, portanto, preocupar-se com a criação e condições concretas, constantemente melhores


para manifestação da mesma.

CONCLUSÕES

Gostaria de salientar, que esse estudo foi uma tentativa de estabelecer


possíveis articulações sobre o fenômeno da violência. Para efetivação deste propósito
tentei alternar momentos de profundo envolvimento através de observações minuciosas,
com momentos de distanciamento, para refletir sobre o observado e não perder a
perspectiva global do fenômeno. Nesse sentido, gostaria que considerassem essa
interpretação, acima de tudo um processo dinâmico no qual os momentos se
interdependem.

1) Por todas as evidências apresentadas e reflexões elaboradas


anteriormente, podemos afirmar que a violência física é a categoria que do ponto de vista
quantitativo e qualitativo se destaca. Entretanto, apesar desse destaque, evidentemente
negativo, também podemos afirmar que o futebol português, à semelhança do futebol
internacional, passa por um processo civilizacional, no sentido utilizado por Elias (1992).

2) Apesar de a violência física ter um importante significado,


quantitativamente e qualitativamente, o conceito de violência utilizado, permitiu-nos
caracterizar outras formas de violência - as quais podemos situar na dimensão instrumental
- e certamente permite-nos interpretar outros focos de tensão e troca de violências entre os
agentes de futebol. As categorias fraude, suborno são exemplos dessas formas de violência.

3) Em relação à categoria suborno, podemos afirmar que existe uma


desconfiança geral no ambiente futebolístico português, que sugere que esse tipo de
violência contribui para a perda de credibilidade do mesmo. Apesar de aparentemente, o
árbitro ser agente principal desse tipo de violência, é importante destacarmos que a
interpretação dos fatos, também sugere os dirigentes como intervenientes nesse tipo de
violência. Está categoria de violência, torna-se particularmente preocupante, uma vez que,
neste momento, se põe aos clubes a possibilidade de sua transformação em
clubes/empresas, como forma de melhorar a qualidade do futebol.

4) A violência física, manifestada predominantemente dentro dos campos de


futebol numa dimensão reativa - exceto no caso de violência física entre torcidas - está
relacionada com a dinâmica, que inclui a forma como a arbitragem é praticada, e, com
hábitos e vícios adquiridos em função dessa dinâmica, ou seja, existe uma mentalidade
voltada para essa forma de atuar. Podemos afirmar que a importância dessa constatação
deriva do fato de se situar no âmbito da estrutura do desporto futebol, e não em outros
aspectos exteriores a essa dinâmica. As regras que evidenciam mais problemas de
avaliação e consequentemente geram mais confusões e muitas manifestações de violência,
são as de fora de jogo, as faltas das grandes penalidades e os critérios utilizado pelo árbitro
para a punição das faltas que merecem cartões amarelos e vermelhos, que nem sempre, são
coerentes ou consensuais, podendo variar conforme a situação, ou clima de jogo.
Consideram-se a alta imponderabilidade da construção do resultado no
futebol, e a consequente grande incerteza da vitória, podemos inferir que o contexto torna-
se altamente tenso.
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5) Em função dos muitos problemas ocorridos, essa dinâmica da arbitragem


passa por um processo de questionamento, onde não faltam sugestões, ou dizendo de outra
forma, mudanças emergentes que já são testadas em alguns países. A consulta e
interpretações das críticas sobre os acontecimentos exaustivamente comentados nesse
estudo, sugerem essa mudanças poderiam ser efetuadas com maior rapidez para melhoria
da dinâmica do jogo. Entretanto, parece existir certa resistência às mesmas, por parte do
órgão normativo do futebol internacional, no caso da FIFA, que reluta em efetuar
mudanças significativas que facilitem a forma como a arbitragem é efetuada.

6) Em relação à violência física das torcidas o aspecto que parece ganhar


realce, é o prazer pelos atos violentos. Apesar de, comparativamente com outra sociedade,
não terem chegado a praticar atos de extrema violências, as manifestações ocorridas em
Portugal, sugerem que existe uma grande violência latente em muitos grupos de torcedores.
Em se tratando de comportamento de grupos, é aconselhável algum cuidado na forma de
lidar com essas torcidas, visto que a violência desses grupos pode potencializar-se por
fatores imprevisíveis. A associação desta forma de violência, exclusivamente a aspectos
sociais, seria uma interpretação equivocada e limitada de um comportamento que
incomoda a sociedade, mais que se apresenta como uma realidade a ser encarada.

7) Considerando a fundamentação teórica utilizada e a análise e observação


do mundo futebolístico português, podemos afirmar, que a dimensão profissional -
entendida no sue sentido mais amplo - pode ser uma forma de contribuir para a diminuição
de ocorrências de violência e simultaneamente contribuir para melhoria da qualidade do
futebol. Esta dimensão é ponto predominante nas discussões entre agentes futebolísticos
portugueses, mas limitada à transformação dos clubes em empresas e à oferta do
espetáculo. Podemos afirmar essas discussões devem ser estendidas às reflexões dos
valores que medeiam as relações de poder no futebol profissional e que, como
consequência, poderão contribuir para a diminuição da violência no mesmo.
Gostaríamos de encerrar estas reflexões, de forma a deixar algumas
perspectivas para futuros estudos. Ao consultar um artigo de FLORES (1995) sobre a
construção de um conceito de violência, utilizamos suas palavras para ajudar a resumir
nossos pensamentos. O autor ao discutir o conceito de violência, entre muitas reflexões
elaboradas afirma:

“Deste modo, a tarefa do analista social é a de descobrir entre possíveis


uma articulação complexa que só a escuta da conjuntura observada permite” (p.15).

Neste sentido concordamos inteiramente com o autor, e temos consciência


que procuramos ao máximo perceber a singularidade do futebol português e suas
articulações, apesar de que talvez não tenhamos conseguido estabelecer todas as possíveis
articulações. Entretanto, tendo também a consciência de que um trabalho desse tipo não
consegue dar conta de todo fenômeno, penso que as descrições, reflexões e conclusões
aqui elaboradas, procuram situar a violência o mais próximo possível de uma realidade
desportivo/profissional, que cada dia que passa, torna-se mais importante, do ponto de
vista da investigação, para o conjunto de conhecimentos que constitui as ciências do
desporto.

REFERÊNCIAS

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.


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DENZIN, Norman K. The logic of naturalistic Inquiry. In Sociological Methods: A


sourcebook, Edited por N.K.Denzin. New York: McGraw-Hill, 1978.
ELIAS, Norbert e DUNNING, Eric. A busca da Excitação. Lisboa Difel, 1992.
HAAG, Herbert. Triangulation: a strategy for upgrading comparative research
methodology in sport science. In Sport in the Global Village. Ralph C. Wilcox (Org.).
Fitness Information Technology/Morgantown, 1994.
FLORES, Luiz Felipe Baêta Neves. Da construção do conceito de violência. Rio de
Janeiro, Pesquisa de Campo/Revista do Núcleo de Sociologia do Futebol/Uerj - n 2, p. 7-
16, 1995
LOVISOLO, Hugo. Arte da Mediação. Rio de Janeiro, Sprint, 1995.
SANTOS, Roberto Ferreira dos. Educação, desporto e violência no futebol. Dissertação de
Mestrado. Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense, 1990
SILVA, Augusto Santos, PINTO, José Madureira. (Orgs.) Metodologia das Ciências
Sociais. Porto, Edições Afrontamento, 1990.
THIOLLENT, Michel J. M. Crítica Metodológica, Investigação Social e Enquete Operária.
São Paulo: Editora Polis, 1985.
UNESCO. Estudio multidisciplinário sobre la violencia em el actividade desportiva.
Revista Colombiana de Educacion Física, Bogotá: V. , n 4, p.76-91, Jul. 1989.

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