Gisela de Albuquerque Frattini - 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

INSTITUTO DE ARTES E DESIGN


CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES
ESPECIALIZAÇÃO EM PATRIMÔNIO CULTURAL E CONSERVAÇÃO ARTEFATOS

Gisela de Albuquerque Frattini

Monografia apresentada ao Curso de Pós-


graduação em Artes, sob orientação da
Professora Me Ana Paula Neto de Faria.

PELOTAS
ABRIL DE 2006
Agradecimentos

As arquitetas Carmem Vera Roig e Simone Soares Delanoy, com amizade e carinho
foram responsáveis pelo meu trabalho com o Patrimônio Cultural e por conseqüência
esta especialização;

A arquiteta Beatriz Maria Bitencurt Dias, pela amizade, criticas e sugestões;

Aos colegas da Secult, arquitetas Liciane Almeida, Michele Bastos, Paulina von Laer, e
o acadêmico de arquitetura Tiago Dionello, por todo o apoio e contribuições
fundamentais para conclusão deste trabalho;

A acadêmica de arquitetura Juliana Gadret da Silva, pela elaboração do banco de


dados, desenho dos mapas e gráficos;

Aos professores Maurício Couto Polidori, e Ana Lúcia Costa de Oliveira e ao


historiador Mogar Pagana Xavier, pelo auxílio na bibliografia;

Ao colega, Carlos Henrique Teixeira, responsável pelo Arquivo Municipal da Secretaria


Municipal de Urbanismo, pelo auxílio na localização das plantas,

A Manuela Ferreira Viana, pelo auxílio na informática;

A Daniele Luckow pela contribuição na finalização dos mapas e gráficos;

A arquiteta Ana Paula Neto de Faria, pelo ensinamento, dedicação, paciência,


mostrando o verdadeiro significado da palavra orientação, meu eterno agradecimento;

E por fim a todos colegas e professores em especial a professora Francisca Ferreira


Michelon, Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Artes, especialização em
Patrimônio Cultural e artefatos do Instituto de Artes e Design UFPel.
Dedicatória

Aos meus queridos pais,


ao Fábio e ao Antonio
“...Na casa em que morei, velha,
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que tem história,
Cheia de ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
À qual sempre quis como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego...”.

Trecho da Toada de Portalegre – Autor José Régio


Sumário

1- Introdução 1
2- A produção arquitetônica na Região do Prata e Sul do Brasil no século IX e
primeira metade do século XX 2
2 1- A formação da mão de obra 2
2.2- A linguagem arquitetônica 5
3- O uso de cimento penteado 8
4- O uso de cimento penteado em Pelotas. 14
4.1 Levantamento de dados 16
4.1.1 Levantamento no Arquivo Público da Secretaria Municipal de
Urbanismo 16
4.1.2.Levantamento no Inventário do Patrimônio Cultural de Pelotas
de 1986 e de 2001 18
4.1.3 Levantamento a campo 18
4.1.4 Algumas considerações preliminares sobre os dados
levantados 20
4.2 Elaboração do banco de dados para os prédios encontrados 21
4.3 Análise de dados e caracterização dos prédios de cimento penteado 23
4.3.1 Caracterização da arquitetura de cimento penteado 23
4.3.2 Construtores e proprietários 35
4.3.3 O cimento penteado e a paisagem urbana 39
4.3.4 Avaliação dos aspectos urbanos que podem influenciar na preservação 40
5- A construção dos argumentos para a preservação da arquitetura de
cimento penteado 45
5.1 Argumentos presentes nos documentos nacionais e internacionais de
preservação patrimonial – conceitos e aplicabilidade 46
5.2 Argumentação baseada na análise dos dados levantados neste trabalho 47
5.3 Dificuldades encontradas para preservar o cimento penteado 48
5.3.1 Problemas relativos à legislação de preservação 48
5.3.2 Problemas oriundos da situação urbana onde estão inseridos 49
5.3.3 Problemas técnicos quanto a sua manutenção e restauração 51
6- Conclusões e considerações finais 51
7- Depoimentos 53
8- Bibliografia 54
9- Anexos 58
1. Introdução

A cidade de Pelotas é impar por sua arquitetura, repleta de casarões


imponentes, mas também de inúmeras casas de beleza singela, todas repletas de
valores históricos e culturais. Entre estas últimas encontram-se diversas tipologias
que utilizaram cimento penteado como revestimento. Este revestimento, cuja técnica
se perdeu em algum momento do passado, não pode desaparecer por falta de
políticas de preservação adequadas pois faz parte da memória da paisagem urbana
de nossa cidade.

A permanência deste revestimento em muitos prédios da cidade é resultado


da ação individual dos que o conservam em suas fachadas porque gostam e as
acham bonitas, talvez por expressarem uma nostalgia com suas marcas escuras e
brilhantes, porém muito já se perdeu com a pintura indiscriminada de muitos prédios
revestidos de cimento penteado o que cobriu também parte da história da arquitetura
de Pelotas.

Com o meu trabalho na Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura


Municipal de Pelotas, surgiu um interesse em estudar estas fachadas. Constatei a
existência de vários exemplares revestidos com cimento penteado no Inventário do
Patrimônio Cultura de Pelotas, mas faltava uma base sólida para justificar e explicar
para a população leiga que arquitetura é essa e qual a sua importância.
Diferentemente da arquitetura eclética, esta não possuía trabalhos sistemáticos que a
descrevessem e a explicassem como uma arquitetura digna de ser preservada.

Com dificuldades de encontrar bibliografia sobre este tema, para a


elaboração desta monografia, além de uma busca na bibliografia pertinente, pesquisei
os arquivo da Secretaria Municipal de Urbanismo, os arquivos do Inventário do
Patrimônio Cultural de Pelotas e realizei um levantamento a campo registrado por
fotografias.

Para o levantamento junto ao arquivo da Secretaria Municipal de


Urbanismo foi feito um recorte temporal de 1900 a 1950. Para o levantamento a
campo o recorte espacial ficou definido pelo quadrilátero delimitado pelas ruas Dr.
Amarante, Av. Dom Joaquim, Rua Gonçalves Chaves, rua Marcílio Dias, e às

1
construções da Av. Duque de Caxias e Av. Brasil. No levantamento foram
encontradas 252 construções em cimento penteado, incluindo aquelas que
atualmente estão pintadas ou foram demolidas, mas que possuem um registro
fotográfico na Secretaria de Cultura. Foi neste universo de 252 exemplares de
arquitetura revestida em cimento penteado que realizei minha pesquisa. Meu
interesse é apenas resgatar culturalmente este revestimento que deixou sua técnica
perdida em algum momento do passado, mas que não pode desaparecer pois faz
parte da memória da paisagem urbana da nossa cidade.

Para desenvolvimento do trabalho foi elaborado um banco de dados do


levantamento fotográfico feito a campo, junto ao levantamento fotográfico dos
arquivos da Diretoria do Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura tendo
como objetivo fazer um levantamento destas construções e determinar quais as
características que acompanham seu uso, visando construir argumentos para sua
preservação.

2. A produção arquitetônica na Região do Prata e Sul do Brasil no


século XIX e primeira metade do século XX

2.1 A formação da mão de obra

Até o final do século XIX e princípio do século XX era grande o número de


imigrantes vindos da Europa para o sul do Brasil e região platina, almejando o
trabalho na indústria ou no comércio. Nesta época, Pelotas se desenvolvia com a
produção do charque e sua exportação, feitos que influenciaram o crescimento
econômico em outras atividades, bem como o aprimoramento cultural e o
desenvolvimento urbano.

A indústria do charque, concentradora de vultosos capitais na região será


também impulsionadora de outras atividades econômicas, sejam elas
complementares, como curtumes, fábricas de velas, de cola, de sabão, de guano, de
línguas salgadas e outras; ou paralelas como olarias, empresas de navegação,
comércio de madeira, empreendimentos bancários e creditícios, companhias de
seguro, etc (HALLAL DOS ANJOS, 2000, p.38). A cidade passa, então, a se
consagrar como centro regional e pólo de atração para migrações internas e

2
imigração estrangeira, face a sua proximidade com a fronteira uruguaia e à facilidade
proporcionada pela presença de um porto fluvial. Marcos Hallal dos Anjos (2000,
p.43) escreve sobre o porto de Pelotas:

“Importantíssimo elo de ligação entre Pelotas e o mundo, numa época em


que o transporte fluvial e marítimo era hegemônico. Saúde e doença, arte e
armas, alimento e vestuário, cultura e moda, gente e coisa, chegavam e
partiam pelo porto de Pelotas.”

Uma corrente de imigração importante para a cidade de Pelotas no século


XIX foi àquela formada por trabalhadores e artesãos de diversas origens européias
(principalmente franceses, espanhóis e italianos) que integraram o tecido social e
econômico da cidade. A maioria desses imigrantes procedia de Montevidéu e Buenos
Aires e chegaram à cidade a partir do ano de 1840. Sem dúvida, é no dinamismo da
economia local e nas possibilidades de desenvolvimento urbano que poderíamos fixar
as principais razões do fluxo de imigração para o Município.

Ceres Chevallier (2002), na sua dissertação de mestrado em que resgatou


a história da vida, a obra e a participação do arquiteto italiano José Isella na
edificação da cidade de Pelotas, relata que ele teria passado por Buenos Aires, antes
de chegar a Pelotas, assim como o construtor e arquiteto Caetano Casaretto.
Descreve a autora: “Caetano Casaretto era filho de Jeronimo Casaretto, que, como
tantos italianos, partiu em busca de uma vida melhor (...) No ano de 1853, Jerônimo,
com seus pais e irmãos, desembarcou em Buenos Aires, passou pelo Uruguai e,
após, chegou ao Brasil pelo porto de Rio Grande” (ibid. p.71 ). Sobre as imigrações
Beatriz Padilha (2003) comenta:

”...igualmente outros autores coincidem ao referir que a Argentina era


atrativa para os imigrantes porque os salários eram mais elevados que os
salários na Itália ou Espanha”... “Além do mais, os imigrantes conseguiam
atingir mais mobilidade social que os criollos ou nativos devido aos
preconceitos existentes nas elites locais. Assim, a grande maioria da força
de trabalho tanto qualificada como não qualificada (mais de 80%) era
composta por imigrantes.”

A grande afluência desta mão de obra estrangeira aos países do Prata e


seu posterior deslocamento ao Brasil, vem a constituir uma identidade de produção

3
cultural e arquitetônica nesta região, ainda que sopesem as diferenças históricas e
lingüísticas de colonização.

No caso específico de Pelotas, havia uma mescla de imigrações com a


presença de diversas etnias: alemães, italianos e outros que marcaram com seus
valores culturais a história da cidade.

Europeus de origem portuguesa, italiana e alemã aportaram ao Novo


Mundo como colonos; ao naturalizarem-se, declararam ser escultores, pintores,
artistas, pedreiros e marceneiros Entre os franceses encontramos um grande número
de sapateiros, carpinteiros e marceneiros. Entre os espanhóis se encontram
confeiteiros, padeiros e pedreiros; igual aos italianos, mas diferentemente dos
portugueses entre os quais encontramos um número elevado de caixeiros-viajantes.
(GUTIERREZ, 2004, p.466).

A partir das últimas décadas do século XIX, comerciantes e industriais


atraiam outros técnicos estrangeiros (engenheiros, arquitetos, tipógrafos, químicos,
agrônomos) de nacionalidade alemã, francesa ou italiana para trabalhar na cidade
sendo responsáveis pela introdução de inovações na arquitetura que continua
seguindo os padrões europeus. Juntamente com estes, outros profissionais
relacionados com a elite e seus desejos de luxo e opulência também chegaram à
cidade, como foi o caso dos professores, artistas, pintores, músicos, que ministravam
aulas para os filhos da aristocracia local. O ambiente citadino pelotense influenciado
por diversos padrões culturais europeus, acolheu estes elementos estrangeiros, bem
como integrou seus agentes disseminadores ao seu contexto social.

Assim, na cidade de Pelotas prestaram serviços técnicos e artísticos várias


pessoas de diferentes lugares. O Velho Mundo exportava mão de obra qualificada e
erudita, homens que tiveram acesso ao conhecimento tratadístico. Naqueles tempos,
na fronteira sul do Brasil e nos países banhados pelo rio da Prata, os tratados
eruditos e os símbolos clássicos representavam um fator de modernização nas obras
urbanas. Em Pelotas, temos os exemplos dos já citados construtores e arquitetos
José Isella e Caetano Casaretto, assim como do projetista francês Dominique Pineau
e do arquiteto Stanislau Szarfarki que projetou o teatro Guarany no ano de 1920
(MOURA, e SCHLEE,1998, p.118).

4
Figura 1 - Teatro Guarany, obra do arquiteto Stanislau Szarfarki, 1920. Foto da autora, 2005.

2.2 A linguagem arquitetônica

O Ecletismo era o estilo arquitetônico próprio do século XIX. Tendo como


berço o continente europeu foi adotado pela burguesia na sua busca pela legitimação
através dos símbolos das culturas tradicionais e aristocráticas, assim dava primazia
ao conforto, amava o progresso especialmente quando melhorava suas condições de
vida, amava as novidades, mas rebaixava a produção artística e arquitetônica ao
nível da moda e do gosto.

A arquitetura construída em Pelotas ao longo da segunda metade do século


XIX e primeiras décadas do século XX, se aproxima daquela construída no restante
da América Latina, onde até o fim da década de 1920 ocorreu um predomínio do
ecletismo formado por um neoclassicismo afrancesado, somado a um neo-
renascimento italiano e a vários revivals românticos. Através do capital acumulado
com a produção do charque foi possível construir um conjunto de obras que
transformaram a cidade de Pelotas, de um núcleo colonial, em uma importante cidade
eclética do Rio Grande do Sul (MOURA, 1998). Esta arquitetura eclética adquiriu uma
identidade própria caracterizando-se por uma qualidade artesanal dos diversos
elementos em massa adoçados a posteriori ao edifício.

Na Europa, em finais do século XIX e princípio do século XX, começava a


surgir um novo movimento arquitetônico, o Art Nouveau, também conhecido como
estilo 1900 ou o estilo Liberty. Na região platina e principalmente no sul do Brasil a
adoção deste movimento arquitetônico, enquanto linguagem formal, se dará mais

5
tarde. Este movimento apresentava uma tendência arquitetônica inovadora que
substituía a decoração eclética das antigas fachadas por outra com formas
assimétricas derivadas da natureza e manipuladas com obstinação e vigor, negando
qualquer ligação com o passado. Possuía um desenho mais simples e racional que
além de decorar, adorava a leveza, a sutileza, a transparência e a sinuosidade.
Utilizava materiais como ferro e vidro, sendo o ferro material decorativo e estrutural.

Este estilo terá seqüência pelo movimento Art Déco, ainda usando os
materiais de ferro e vidro, pois eram materiais que a indústria colocava como de
última geração para a construção civil na época. Procurava inspiração em linhas
geométricas, despojado, era fruto direto da Revolução Industrial. Com isto o ecletismo
de períodos passados convivia, no espaço urbano, com um movimento que utilizava
linhas racionais e funcionais e já percebia a vocação do futuro da arquitetura. O Art
Déco estava também vinculado à solução de problemas construtivos, como proteção
de alvenarias e aberturas. Estas reformas indicavam novos gostos, expressos através
desta decoração, que não impunha limite econômico. As fachadas tendem a se tornar
planas, as platibandas começam a mostrar desenhos geométricos, as fábricas e os
armazéns apresentam uma linguagem bem simplificada e alguns elementos como as
pilastras apresentavam saliências em algumas fachadas.

A partir da década de 20, também é este movimento um dos responsáveis


pelo desenvolvimento arquitetônico no Uruguai e na Argentina. Refletiu-se tanto em
obras com características mais eruditas utilizando materiais novos e nobres,
realizadas pelos profissionais formados nas escolas de arquitetura de países latino-
americanos, como também inspirou valores apropriados e traduzidos nas inúmeras
imitações empíricas realizadas pelos construtores (MOURA, 1998, p.164). A história
da renovação da arquitetura uruguaia é um exemplo da importância da formação
profissional mais ampla nestes processos de modernização. Jovens arquitetos,
formados em Montevidéu, na Faculdade de Arquitetura da Universidade da
República, criada no ano de 1915, recebiam como prêmio realizado pelos veteranos,
uma viagem à Europa, o que propiciava trabalhar em escritórios de arquitetos que
estavam à frente do processo de renovação da arquitetura européia. No retorno ao
seu país, muitos destes profissionais além de produzirem obras pautadas na nova
estética tornaram-se professores na Faculdade de Arquitetura.

Para Moura, a arquitetura pelotense nas décadas de 1940 e 1950, no que


se refere aos materiais e técnicas é uma arquitetura em que predominam os materiais

6
de barro, tijolo e telhas, sendo o madeiramento de pisos, tetos e escadas substituídos
pelo concreto. As estruturas em concreto armado que viabilizam a construção em
altura com vigas, pilares e lajes, foi pouco utilizada, predominando a estrutura mista
com paredes de alvenaria suportando lajes e vigas de concreto. Além da utilização do
azulejo em cozinhas e banheiros, este material também é adotado para o
acabamento do hall e circulações de edifícios. O ferro, além de guarda-corpo de
escadas, é bastante utilizado como detalhe em portas ou como material principal
sempre formando desenhos geométricos. Externamente é aplicado como
acabamento em peitoris ou platibandas. O material de acabamento externo mais
freqüente é denominado cimento penteado, agregado ou não de mica, mas quase
sempre cinza, característica que marcou essa arquitetura. A base das edificações
recebe um recobrimento em mármore ou granito preto (MOURA, 1998, p.144).

Este contexto de ”novas idéias” surge em Pelotas, entre outros fatos, com o
uso do revestimento construtivo cimento penteado, aportado pelos arquitetos ou
mestres italianos a Montevidéu, Buenos Aires e outras cidades Argentinas para
“europeizar” estas metrópoles. Imitando a pedra européia, com técnica importada dos
franceses, chamavam a este revestimento de símil piedra paris em boa parte da
região do Prata. Por várias décadas se constituiu em característica marcante da
produção arquitetônica das cidades mencionadas o que hoje motiva sua preservação.
Exemplos de prédios com revestimento em cimento penteado nas cidades de Buenos
Aires, Montevidéu e Córdoba podem ser vistos nas fotos abaixo.

Figura 2 – Prédios Art Nouveau em cimento penteado, Montevidéu. Fotos: Ana Paula N. Faria, 1996.

7
Figura 3 – Prédio Art Nouveau em cimento penteado, Buenos Aires. Fotos: Ana Paula N. Faria, 2002.

Figura 4 – Detalhe de edificação residencial em Córdoba, Argentina. Foto: Ana Paula N. Faria, 2002.

3. O uso de cimento penteado

O cimento penteado, como popularmente é chamado em Pelotas, traduz-se


como revestimento formado por um aglomerante, em geral cal e/ou cimento,
agregando areia de diversas glanulometrias e diversos minerais tais como mica,
dolomita, calcita, entre outros. A estes minerais que eram adicionados dá-se o nome
de pó-de-pedra. No dicionário Ilustrado de Arquitetura (ALBERNAZ, 2000) aparece o

8
nome “pó-de-pedra” como material proveniente do britamento de pedra, composto de
fragmentos de mica. Possui diâmetro máximo inferior a 0,075mm. Foi muito usado,
adicionado ao reboco, nas fachadas e muros de prédios na década de 30. As
modificações nas combinações e proporções dos componentes são o que alteram
sua cor e aspectos característicos de textura e brilho, assim como técnicas de
aplicação.

O emprego de materiais naturais limitava a paleta de cores aos tons dos


cinza e beges aos ocres, ao que se agregava o branco. Outras cores também
aparecem, embora em menor número, como os tons de verde e os rosados.

Rua Anchieta, 2604 Rua Gonçalves Chaves, 3432

Pça. Piratinino de Almeida, 5 Rua Barão de Santa Tecla, 355

Figura 5 – Diferenças de coloração no acabamento com o uso do cimento penteado em construções


em Pelotas. Fotos da autora, 2006.

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Como recurso estético, à cor se somava a textura que dependia da
granulometria dos agregados, da técnica de aplicação e das ferramentas usadas para
execução. Podemos notar nestes detalhes as diferenças de textura e brilho
conseguidos com o cimento penteado:

Rua Gen Telles, 517 Rua Gomes Carneiro, 1 Av. Saldanha Marinho, 123

Rua Tiradentes, 2306 Rua Benjamin Constant, 1261

Rua Lobo da Costa, 857 Rua Barão de Santa Tecla, 335

Figura 6 – Diferenças de textura no acabamento com o uso do cimento penteado em construções em


Pelotas. Fotos da autora, 2006.

Por último, a volumetria dada por elementos como molduras, guarda-


corpos, esculturas, completavam o conjunto de recursos estéticos.

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Av. Saldanha Marinho,123 Rua Benjamin Constant 1261

Rua Gen. Telles , 517 Rua Gen. Telles , 515

Figura 7 – Exemplos de ornamentos em fachadas com cimento penteado. Fotos da autora, 2006.

Em entrevista com o Sr Fernando Monte, no dia 20 de janeiro de 2006,


sobre de que forma era aplicado o cimento penteado, ele relatou que seu pai possuía
um amigo construtor, cujo nome era Pedro Moncks, já falecido, e entre suas obras
está a construção do prédio do Fonseca Junior, na década de 30 e que sempre
comentava com ele o seguinte quanto à aplicação do cimento penteado:

“Consistia em uma massa de cimento e areia, com ou sem mica que após
colocada na parede alisava-se com desempenadeira em sentido linear, de
cima para baixo, como se penteasse o cabelo.”

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Figura 8 - Teatro Guarany em obras. 1920. Prédio onde foi aplicado cimento penteado na fachada.
Foto em: CALDAS e SANTOS (1994; p. 25)

Sua finalidade preponderante era a de acabamento estético, mas os fatores


durabilidade e baixíssima manutenção contribuíam para a escolha deste revestimento
nas fachadas de Pelotas.

O revestimento cimento penteado é conhecido em outras cidades do Brasil


por diferentes nomes. O arquiteto Miguel Juliano, natural de Goiás, descreve o
Palácio do Governo de Goiânia, como:

“...um prédio muito bonito, horizontal, revestido com um material que aqui
em São Paulo se chamava Cirex, uma massa raspada com mica.”

Este nome também é utilizado em Porto Alegre, conforme relata a diretora


do IPHAE (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado), Arquiteta Débora
Magalhães da Costa, sobre a restauração do Palácio Piratini:

”No Palácio Piratini já foi feita a fachada principal há cerca de dois anos. O
Governo do Estado designou uma comissão para acompanhar a obra. Havia
um pessoal da Secretaria de Obras, do IPHAE, do próprio Palácio e da
CIENTEC (Fundação de Ciência e Tecnologia), que acompanhavam toda a

12
investigação sobre o revestimento de cirex que compõe o prédio. O material
tinha que ser o mesmo e precisava ser durável. Eles fizeram várias
propostas até encontrar a solução ideal. Então agora a solução já foi
encontrada para as outras fachadas. Só falta confeccionar.” (http//
www.netcrom.com.br).

Em Belo Horizonte, este revestimento aparece no ano de 1927 na obra do


arquiteto Luiz Signorelli, descrita como utilizando um jogo de volumes imponentes e
ornamentação restrita, com medalhões planos, frisos Luis XIV, colunas na varanda e
cornija com dentículos sob atiço que oculta o telhado e tem como característica da
época o uso do revestimento popularmente chamado de pó-de-pedra, composto por
fragmentos de mica adicionados ao reboco (SALGUEIRO, 1987).

Mesmo nome também é dado em Juiz de Fora, cidade mineira do século


XIX, que terá seu desenvolvimento industrial pautado pela modernização capitalista,
trazendo para a cidade além dos apitos das fábricas e da luz elétrica, o desejo de
civilizar-se nos moldes dos centros europeus:

“Nesse período, a “cara” da cidade se revestia de pó de pedra, ou seja, as


construções, principalmente do centro comercial, eram influenciadas por um
outro estilo arquitetônico: o Art Déco. Buscando uma maior racionalidade,
esse estilo reduziu a decoração das fachadas a formas mais retas, mais
geométricas. Nas fachadas, ao invés da pintura, se usou muito revestimento
de pó de pedra, em tons cinza ou ferrugem.”
(http//www.casaecia.arq.br/art_decor.htm-5k)

No Rio Grande do Sul, outras cidades além de Porto Alegre e Pelotas,


possuem um bom número de prédios com cimento penteado como Santana do
Livramento, Rio Grande e Bagé.

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Figura 9 – Escola Santa Joana D’arc. Exemplo de prédio com cimento penteado em Rio Grande. Foto:
http://www.riograndeemfotos.fot.br

Figura 10 – Clube Comercial de Bagé. Exemplo da arquitetura com revestimento em cimento penteado
no interior do Rio Grande do Sul. Foto http://www.alternet.com.br/bage/album/index.html

4. O uso de cimento penteado em Pelotas

Pelotas possui um bom número de exemplares de arquitetura revestida em


cimento penteado, no entanto pouco se conhece sobre as características
arquitetônicas e da paisagem urbana relacionadas com seu uso. Neste sentido, a
presente monografia tem por objetivo fazer um levantamento destas construções e
determinar quais as características que acompanham seu uso, visando construir

14
argumentos para a sua preservação enquanto testemunho de uma prática histórico-
cultural.

Para tanto, o presente trabalho irá tentar elucidar três questões principais:
que arquitetura é essa que utiliza o cimento penteado; que paisagem urbana ela
ajudou a construir; e que argumentos e estratégias devem ser utilizadas para a sua
preservação.

Para a primeira questão perguntas como: a) que aspectos formais da


arquitetura acompanham o uso do cimento penteado? b) existe uma arquitetura típica
para o cimento penteado e, portanto, exemplares típicos e excepcionais ou de
exceção? c) o uso deste material acompanha as mudanças formais da arquitetura
para o período ou era utilizado de forma dissociada das mesmas? deverão ser
respondidas.

Quanto aos aspectos da paisagem urbana as perguntas podem ser


formuladas são: a) a paisagem urbana teria realmente mudado e se tornado mais
cinza conforme vem descrito em alguns trabalhos? b) esta arquitetura está associada
a mudanças de implantação no lote? c) existem áreas onde o uso do cimento
penteado foi preponderante ou mais significativo?

Procurando delinear considerações que possam subsidiar as políticas de


preservação do município, o trabalho irá buscar respostas para questões como: a)
existem hoje, em Pelotas, áreas urbanas onde há uma maior concentração destes
exemplares de arquitetura e que, portanto, deveriam ser alvo de políticas de
preservação específicas? b) ou os exemplares estão disseminados e a preocupação
preservacionista deveria incorporar as preocupações com a manutenção do
revestimento como norma geral? c) quais os argumentos que devem pautar a
preservação dos exemplares de arquitetura com cimento penteado?

Pela importância deste material na arquitetura pelotense serão elencados


os exemplares que por si só mereçam ser preservados, incentivando a preocupação
de uma legislação que mantenha a memória de um material que perdeu seus
referenciais construtivos.

Todo o trabalho foi pautado tendo como objetivo responder a estas


questões. As etapas de trabalho desenvolvidas encontram-se descritas a seguir.

15
4.1 Levantamento de dados

Foram realizadas três formas distintas de levantamento para a detecção


dos prédios com revestimento em cimento penteado. A primeira foi um levantamento
das plantas com projetos aprovados existentes no Arquivo Público Municipal da
Secretaria Municipal de Urbanismo. Para esta fonte de dados foi delimitado como
limite temporal o período de 1900 a 1950, já que para este período era esperado um
maior número de projetos com a presença de revestimento em cimento penteado. A
segunda foi realizada nos arquivos do Inventário do Patrimônio Cultural de Pelotas de
1986 e de 2001. A terceira forma de levantamento foi realizada a campo, para
identificação visual das fachadas atualmente presentes na malha urbana e que
apresentam revestimento deste material.

4.1.1 Levantamento no Arquivo Público da Secretaria Municipal de Urbanismo

Na pesquisa feita nos arquivos do Arquivo Público Municipal da Secretaria


Municipal de Urbanismo da Prefeitura Municipal de Pelotas foram examinadas as
pastas dos anos de 1900 a 1950. O número total de projetos aprovados neste período
segundo os dados oficiais daquela Secretaria é de 8846, no entanto, ao realizar este
levantamento o número de plantas encontradas e examinadas era pelo menos 20%
menor que o número oficial. Em nenhum projeto do arquivo constava o material de
revestimento de fachada. Neste sentido é impossível saber, somente através destes
projetos, em que construções o cimento penteado foi empregado. Perante esta
dificuldade optou-se por fazer a identificação dos projetos referentes a prédios com
cimento penteado, identificados através dos levantamentos realizados a partir do
Inventário do Patrimônio Cultural de 1986 e de 2001 e do levantamento a campo.

Assim, com base nos levantamentos fotográficos existentes no Inventário


do Patrimônio Cultural de 1986 e de 2001 e no levantamento feito a campo, foi
possível identificar as plantas referentes a prédios com revestimento de cimento
penteado. Em muitos projetos o endereço era diferente devido ao nome da rua não
ser o atual ou em alguns casos a numeração ter sido alterada. Na atualização dos
nomes das ruas foi utilizada uma tabela com a relação das alterações feitas a 51
nomes de ruas entre os anos de 1815 a 1967 (NEAB – FAUrb, sem data). Quanto às
diferenças de numeração, era feita uma análise da fachada da planta com as fotos
atuais para a mesma rua.

16
Entre as 88 plantas identificadas como sendo referentes a prédios com
fachadas de cimento penteado, 2 eram referentes a mais de uma casa. Uma
referente a duas casas e outro a um conjunto de quatro sobrados totalizando,
portanto, 92 prédios. Entre as plantas: 2 solicitavam revestimento de fachada; 20
solicitavam alteração ou modificação de fachada; e 28 solicitavam construção,
aumento ou acréscimo. O restante não estava legível ou não marcava o tipo de
solicitação. Para alguns prédios, inclusive, foi possível encontrar as plantas da
construção original e a posterior solicitação do recobrimento de fachada, anos
seguintes a sua construção. Como exemplo, podemos citar o prédio localizado na
Rua Gonçalves Chaves, nº930, que marca o ano da aprovação de um aumento de
projeto em 1925 e tem a solicitação de recobrimento de fachada no ano de 1935.

ano 1925 ano 1935

Figura 11 – Exemplo de prédio onde foi feito a solicitação de construção numa data e posteriormente
solicitado o revestimento da fachada

Baseado nestes dados pode ser colocado como hipótese que o uso do
cimento penteado foi incorporado em objetos arquitetônicos de outros momentos
históricos, e desta forma, para Pelotas, pode estar associado a estruturas
compositivas de fachada mais antigas.

Para estes projetos encontrados foi preenchido um banco de dados com as


informações constantes nas plantas. As plantas foram digitalizadas, formando um
banco de imagens (entregue em CD anexo).

17
4.1.2 Levantamento no Inventário do Patrimônio Cultural de Pelotas de 1986 e
de 2001

O Inventário do Patrimônio Cultural de Pelotas iniciou no ano de 1986 e


possui o cadastro de 246 prédios, destes foram identificados 53 com revestimento em
cimento penteado. Os mesmos foram identificados pela ficha cadastral onde está
registrado o material de revestimento das fachadas.

Na atualização do Inventário do ano de 2001, também consta o tipo de


revestimento da fachada. Neste ano foi feita a revisão dos imóveis cadastrados em
1986, retirados os prédios demolidos e descaracterizados e acrescidos novos
imóveis. Ao final ficaram listados 1700 prédios. Destes, foram identificados 150
prédios com fachadas revestidas em cimento penteado. Destes, no levantamento a
campo foi constatado a pintura de 17 destas fachadas.

Foi observado no Inventário que o número de prédios revestidos com


cimento penteado no ano de 1986 totalizava quase 22%, enquanto no ano de 2001
não chegava a 9% do total de prédios.

Também para os prédios identificados no Inventário foi preenchido um


banco de dados com as informações constantes na ficha cadastral.

4.1.3 Levantamento a campo

Inicialmente a área escolhida para o levantamento dos prédios revestidos


com cimento penteado foi a que incluía as quatro ZPPCs 1 , no entanto, devido ao
número relevante de prédios com o mesmo revestimento detectados fora destas
zonas, a área original estendeu-se ao quadrilátero delimitado pelas ruas Dr.
Amarante, Av. Dom Joaquim, Rua Gonçalves Chaves, rua Marcílio Dias, e às
construções da Av. Duque de Caxias e Av. Brasil em toda sua extensão.

1
Zonas de Preservação do Patrimônio Cultural de Pelotas

18
Figura 12 – Mapa das ZPPCs e o limite final de levantamento a campo.

O levantamento a campo foi feito de forma expedita, não tendo a pretensão


de ter identificado todos os prédios com revestimento de cimento penteado existentes
na área demarcada. O limite temporal para a realização da pesquisa e as dificuldades
de identificar a existência do revestimento debaixo de pintura justificam as
imprecisões porventura existentes neste levantamento.

O trajeto foi feito com veiculo motorizado, normalmente aos finais de


semana, em aproximadamente dois meses. Os prédios identificados foram
fotografados e descritos em ficha própria. Algumas fotos foram tiradas nos dias de
domingo, para se ter maior visibilidade da fachada. O fator climático também
influenciou a fotografia, pois eram necessários dias de sol para poder ver a presença
de algum mineral com brilho.

O levantamento foi iniciado pela Rua João Manoel, percorrendo todas as


ruas paralelas até a Av. Bento Gonçalves. Dando continuidade, foram levantadas as
ruas perpendiculares, iniciando pela Rua Silveira Calheca até a Rua Manduca
Rodrigues. Seguido do levantamento da Av. Bento Gonçalves até a Av. Dom
Joaquim, e da Rua Almirante Barroso até a Rua Marcílio Dias. No Fragata foi

19
analisada a Av. Duque de Caxias em ambos os lados e por último no Bairro Simões
Lopes a Av. Brasil.

Na ficha foi anotada a cor do revestimento e se este possuía algum brilho,


demonstrando a presença de algum tipo de mineral reflexivo. Não era interesse nesta
pesquisa descobrir qual o mineral. Também era observado se havia aplicação de
algum ornamento e o tipo de material empregado neste. Foram anotados quaisquer
dados que pudessem mostrar a autoria do projeto como por exemplo, placas de
construtores. Outro item observado era a inscrição do ano de construção.
Observações sobre a disposição do prédio no terreno e sua relação com os vizinhos,
se o prédio estava geminado a outro ou se pertencia a um conjunto, também foram
registradas.

O levantamento a campo levou ao registro de 252 prédios com


revestimento em cimento penteado.

4.1.4 Algumas considerações preliminares sobre os dados levantados

Realizando o cruzamento dos dados levantados nas três fontes de


informação puderam ser observados alguns fatos interessantes:

• dos 90 projetos encontrados no Arquivo Público da Secretaria de Urbanismo


atualmente 7 encontram-se pintados e 2 foram demolidos;

• dos 53 prédios constantes no Inventário do Patrimônio Cultural de Pelotas de


1986, 25 foram localizados no levantamento a campo e estavam intactos, 24
prédios estavam pintados e apenas 4 prédios haviam sido demolidos ou
irreconhecivelmente descaracterizados;

• dos 150 prédios presentes no Inventário do Patrimônio Cultural de Pelotas de


2001, todos foram encontrados a campo no mesmo estado constante das fichas
cadastrais;

• dos 252 prédios levantados a campo um total de 88 prédios, mesmo estando


dentro das ZPPCs, não foram inventariados;

• durante o levantamento feito a campo, foi encontrado um número significativo de


conjuntos arquitetônicos em que somente uma casa apresenta este
revestimento. As restantes encontram-se pintadas, descaracterizadas ou foram
demolidas, não sendo possível se afirmar se o revestimento foi aplicado a

20
apenas uma das casas após sua construção, ou se os demais imóveis é que
foram pintados;

• aparentemente o problema da pintura das fachadas com cimento penteado é


mais comum que a demolição dos prédios.

De forma a compreender melhor o padrão de ocorrência espacial das


construções com fachadas em cimento penteado foi feito a espacialização dos 252
casos identificados nos três levantamentos:

Figura 13 – Mapa dos prédios identificados pelo levantamento a campo.

4.2 Elaboração do banco de dados para os prédios encontrados

Os dados levantados foram organizados inicialmente em três bancos de


dados distintos, um para cada fonte de levantamento. Estes dados foram mantidos
separados por dois motivos: primeiro pela natureza distinta das informações que
puderam ser coletados nas diferentes fontes e segundo para poder garantir os
cruzamentos de dados entre as fontes.

21
Do levantamento no Arquivo Público Municipal foram anotados os
seguintes dados: endereço, data da construção, nome do projetista, nome do
proprietário, e tipo de solicitação. Do Inventário do Patrimônio Cultural de Pelotas
foram anotados endereço, características da fachada e características da implantação
no lote. No levantamento a campo foi observado: as características do cimento
penteado, presença de elementos decorativos e suas características, endereço,
estado em que se encontra o revestimento, tipo de implantação no lote, construtor
quando existe placa identificando na fachada, data da construção ou reforma de
fachada quando presente na fachada.

A partir dos três bancos de dados iniciais foi montado um banco de dados
geral, com todas as informações conseguidas. Estas foram organizadas num banco
de dados em software apropriado para esta finalidade e compatível com programas
de geoprocessamento, garantindo assim a espacialização destes dados.

A organização do banco de dados se deu em tópicos gerais e seus


subitens conforme descrito no diagrama a seguir:

endereço
tipo de proteção existente
fonte de levantamento
depoimento dos prédios pintados ou
demolidos
presença de projeto no arquivo
Dados de identificação do prédio
data da construção ou reforma
nº da planta do arquivo municipal
proprietário
construtor
tipo de intervenção
pertencimento a um conjunto
prédio pintado
prédio demolido
Atributos do cimento penteado cor do revestimento
presença de mineral com brilho
estado atual do cimento penteado
estado atual da fachada
classificação dos prédios
presença de tijoletas
Atributos de fachada presença de ladrilhos
apliques de massa
placas imitando tijolo
reboco pintado

Tabela 1 - Estrutura de organização do banco de dados em tópicos e subitens.

22
O banco de dados foi associado a uma base espacial dentro de um
ambiente de SIG (sistema de informações geográficas) de forma a possibilitar uma
avaliação da existência ou não de padrões espaciais de ocorrências dos diferentes
atributos dos prédios de cimento penteado.

4.3 Análise de dados e caracterização dos prédios de cimento penteado

A análise de dados foi feita com base no banco de dados geral e numa
avaliação das possíveis correlações entre as características dos prédios levantados e
sua localização dentro da malha urbana. As análises foram feitas de forma a buscar
respostas para as questões de pesquisa levantadas anteriormente.

4.3.1 Caracterização da arquitetura de cimento penteado

A primeira análise realizada foi referente às próprias características do


cimento penteado: sua coloração e a presença ou ausência de mineral com brilho.

No item referente à cor do cimento penteado constatou-se que em Pelotas


as cores utilizadas foram diferentes tonalidades de cinza, areia, vermelhos e verdes.
As tonalidades de cinza são variadas indo de tonalidades mais claras as mais
escuras. Constatou-se que a cor principal predominante das fachadas foi o cinza em
seus vários tons. No entanto, uma observação mais cuidadosa de alguns exemplares
revelou que muitos dos prédios inicialmente classificados como tendo cor cinza
podem na verdade ter coloração areia ou bege, dependendo da incidência de luz.
Também foi verificado que a definição da tonalidade de cinza era bastante difícil e por
isso optou-se por deixar somente uma classificação de cinza. Fatores externos como
fungos, mofo, umidade, alteram a tonalidade e até o matiz observado, não permitindo
uma avaliação mais profunda da questão cor. A exposição da luz do sol também
altera um pouco sua coloração e por isso uma reavaliação da classificação cromática
através das fotografias não foi possível. Cabe ressaltar que a cor areia é muito
comum em outras cidades do Rio Grande do Sul e da própria região Platina, sendo
aconselhável uma classificação mais rigorosa quanto à cor para verificar se o cimento
penteado em Pelotas realmente tem um predomínio efetivo das tonalidades cinza 2 .

2
A arquiteta Natália Naumova em depoimento afirmou que para os casos por ela estudados em
Pelotas a cor mais encontrada foram as tonalidades de bege.

23
Primeira cor do cimento penteado

160
140
140

número de prédios
120

100
80
80

60

40 26
20
4 2
0

verde
cinza

areia

vermelho
demolido/pintado
cores

Figura 14 – Gráfico com as cores dominantes do cimento penteado conforme registrado no


levantamento a campo.

Figura 15 – Mapeamento das cores dominantes do cimento penteado conforme registrado no


levantamento a campo.

24
Pode ser observado pelo mapeamento da cor principal do cimento
penteado que a área mais central da cidade é menos cinza que as áreas norte e do
Porto.

Em relação à cor secundária, foram encontrados detalhes em cimento


penteado nas tonalidades avermelhadas, branco, areia, cinza, verde e azul. Em
alguns casos haviam dois tons da cor dominante. Na maioria dos casos analisados,
estas cores encontravam-se situadas em reentrâncias das platibandas, peitoris e
vergas das esquadrias e em ranhuras junto à porta de acesso. Para outros casos a
segunda cor estava associada aos elementos salientes de marcação horizontal e
vertical. Estes detalhes aparecem geralmente em pequenas quantidades, mas
mesmo assim ajudam a tornar mais cromática a fachada. A análise da segunda cor
foi prejudicada pela grande quantidade de casos onde estes elementos, aos quais a
segunda cor está associada, encontrarem-se pintados. Para os detalhes de fachada
os tons de vermelho aparecem como dominantes.

Segunda cor do cimento penteado


35
29
30
número de prédios

25
20
15
9
10 8

5 3
1 1
0
vermelho branco areia cinza verde azul

cores

Figura 16 – Gráfico com as cores secundárias do cimento penteado conforme observado no


levantamento a campo.

Quanto à presença de minerais com brilho no cimento penteado, a


predominância encontrada foi para o uso de mineral com brilho num total de 63% dos
casos, não sendo identificado o tipo de pedra, mas somente a análise superficial na
fachada com a presença da luz do sol. Pôde ser observado, no entanto, que estes
minerais possuíam granulometrias distintas e formas também distintas. Alguns
rebocos possuíam o mineral com forma mais laminar e outros com forma mais
arredondada.

25
Presença ou ausência de mineral com brilho

180

número de fachadas observadas


155
160

140

120
97
100

80

60

40

20

presença de mineral com brilho ausência de mineral com brilho


mineral com brilho

Figura 17 – Gráfico da presença ou ausência de mineral com brilho no cimento penteado.

LEGENDA

PRESENÇA DE MINERAL COM BRILHO

Cim_pent_com brilho

Cim_pent_sem brilho

500 0 500 1000 Meters

Figura 18 – Mapeamento da presença ou ausência de mineral com brilho no cimento penteado.

A avaliação da espacialização da presença ou ausência de mineral com


brilho no cimento penteado mostrou um padrão espacial de fraco a moderado.

26
Apenas pôde ser observada uma leve predominância de cimento penteado com a
presença de mineral com brilho nas duas áreas circundadas em verde claro no mapa.

Para verificar outros tipos de correlações possíveis entre as características


do cimento penteado, alguns de seus atributos foram cruzados. Foi verificada a
possível correlação entre a cor principal do cimento penteado e a data da construção
ou revestimento da fachada. Para este dado foi observado que sempre existe uma
maior incidência de prédios em cimento penteado na cor cinza. Outro dado
importante neste gráfico foi quanto ao surgimento da cor areia que começou a estar
presente nas fachadas de cimento penteado entre os anos 1916-1920, embora seja
muito pequena a quantidade de prédios com a cor areia aos quais se conhece a data
de construção. A falta de dados não permite uma análise conclusiva.

Cor principal por ano de construção

20 18
18
número de prédios

16
14 13
12
10 9 9
8 6 6
6
4 2 2 2
2 1 1 1 1 1 1
0
1900-1905

1906-1910

1911-1915

1916-1920

1921-1925

1926-1930

1931-1935

1936-1940

1941-1945

1946-1950
ano

Figura 19 – Gráfico da correlação entre a data da construção e a cor principal do cimento penteado.

Também foi verificada se a presença ou ausência de mineral com brilho


tinha correlação com a data da construção. Nesta correlação para todo o período
estudado o cimento penteado apresentava maior incidência com a presença de
mineral com brilho. É importante salientar que a presença de exemplares sem mica
só começa a aparecer a partir de 1915.

27
Presença de mineral com brilho por ano

18 17
16 14

número de casos
14
12
10 9 Com mineral com brilho
8 7 7 Sem mineral com brilho
6 4
5
4
4 2 2 2 2 2 2
2 1 1 1
0 1900-1905

1906-1910

1911-1915

1916-1920

1921-1925

1926-1930

1931-1935

1936-1940

1941-1945

1946-1950
ano

Figura 20 – Gráfico da correlação entre a data da construção e a presença ou ausência de mineral


com brilho no cimento penteado.

Por fim foi verificada se existia alguma correlação entre a cor principal do
cimento penteado e a presença ou ausência de mineral com brilho. Este gráfico
mostra que a cor cinza está mais relacionada com a presença do mineral com brilho,
enquanto que para a cor areia a dominância é da ausência deste mineral.

Cor principal e presença de mineral com


brilho
140
118
120

100
número de casos

76
80
com mineral com brilho
60 sem mineral com brilho

40

17
20
8
1 2 2 2
0
cinza areia verde vermelho

cores

Figura 21 – Gráfico da correlação entre a cor principal e a presença ou ausência de mineral com brilho
no cimento penteado.

28
Outros elementos de decoração, não revestidos de cimento penteado,
também foram encontrados nas fachadas. Entre estes cabe destacar a presença de
tijoletas e ladrilhos, notadamente as sextavadas. Estes elementos, embora não
apareçam na maioria das fachadas – apenas 5,15% do total – fazem parte do sistema
compositivo de um dos tipos de edificações encontrados com cimento penteado.

Outros elementos decorativos


14
12
12
número de casos

10
8
8
6
4
2 1

0
tijoletas/ladrilhos ou pedra pastilha
azuleijos

tipo de elemento

Figura 22 – Gráfico da presença de elementos decorativos aplicados na fachada.

Rua Saldanha Marinho, 123 Rua Santa Cruz, 1311

Figura 23 – Exemplares típicos de arquitetura com cimento penteado e presença de elementos


decorativos aplicados na fachada. 2005. Fotos da autora.

A segunda análise foi feita com relação ao tipo de implantação no lote e ao


tipo de edificação onde foi aplicado o cimento penteado. Para o item referente à
implantação no lote, foi observado que dos 252 prédios analisados, apenas 5,9%
possuem recuo de ajardinamento. No item tipo funcional da edificação pode ser
observado que o tipo preponderante é o residencial unifamiliar com 79,38%.

29
Aparecem ainda em número menos significativos usos comerciais 5,95%, industriais
1,98%, institucionais 2,77% e residenciais multifamiliares 9,92%.

LEGENDA

Prédios fora do alinhamento


Prédios no alinhamento
Área em estudo
Zppc.shp
ZPPC 1 - Sítio do 1º Loteamento
ZPPC 2 - Sítio do 2º Loteamento
ZPPC 3 - Sítio do Porto
ZPPC 4 - Sítio da Caieira
Agua.shp

Figura 24 – Mapa com a classificação por tipo de implantação das construções em cimento penteado.

LEGENDA

Prédios de uso não residencial


Prédios de uso residencial
Área em estudo
Zppc.shp
ZPPC 1 - Sítio do 1º Loteamento
ZPPC 2 - Sítio do 2º Loteamento
ZPPC 3 - Sítio do Porto
ZPPC 4 - Sítio da Caieira
Agua.shp

Figura 25 – Mapa com a classificação por tipo funcional de edificação em cimento penteado.

30
Para tentar definir categorias gerais de edificações em que foi constatado o
uso do cimento penteado como revestimento, as fotografias de todos os prédios
levantados foram analisadas. Foram observados quais atributos dos prédios
apresentavam uma maior variabilidade de soluções e, portanto, poderiam ser
potencialmente responsáveis pelas variações percebidas na solução arquitetônica
dos prédios. A análise das fotografias levou a seleção dos seguintes atributos: tipo e
intensidade de ornamentos na fachada, forma e proporção das esquadrias, número
de pavimentos e forma de implantação no lote.

Como base nestes quatro atributos foi gerada uma matriz de cruzamentos
entre eles. Esta matriz define 12 categorias gerais, cada uma com 6 subcategorias.
Todos os prédios foram classificados dentro desta matriz. O resultado pode ser
observado na figura 26 a seguir, e com mais detalhe nos anexos deste trabalho.

Analisando o resultado deste cruzamento pode ser observado que quanto


ao tipo de ornamentação de fachada associada ao uso do cimento penteado
predomina uma ornamentação geometrizada e bastante acentuada na fachada pelo
relevo utilizado e/ou pela quantidade da ornamentação. Estes ornamentos estão
associados ao que SCHLEE (1994) chama de terceiro período eclético. Os
ornamentos geométricos puros, mais relacionados com a arquitetura Art Déco,
aparecem em segundo lugar. Já os ornamentos restritos a frisos lineares horizontais
ou verticais, relacionados com a arquitetura modernista, aparecem em terceiro lugar.
As construções com ornamentos orgânicos representando figuras humanas e
principalmente folhas e flores são uma minoria e provavelmente estão associadas a
uma renovação de fachadas mais antigas ou então a persistência de um gosto pelo
ecletismo.

Para todos os tipos de ornamentação as janelas com a proporção vertical


dominante aparecem em maior número. Porém, para os ornamentos geométricos
puros e lineares, as janelas quadráticas aparecem quase que em igual número.
Categorias onde já aparecem também as janelas horizontais, mas em número bem
mais restrito de exemplares. O número de prédios encontrado com esquadrias
horizontais foi pouco expressivo, aparecendo principalmente associado com os
ornamentos mais simples e com prédios de 2 ou mais pavimentos.

31
Figura 26–Matriz de categorias gerais das edificações com revestimento de cimento penteado.(Anexo1)

Foi possível definir quais as categorias que apresentam maior número de


exemplares e quais os prédios atípicos no uso do cimento penteado. Existem dois
tipos básicos de edificações que podem ser considerados como sendo de maior
representatividade para o uso do cimento penteado. O mais significativo deles é a

32
categoria onde as construções estão situadas no alinhamento predial, com apenas 1
pavimento, ornamentação geométrica acentuada e aberturas verticais. Foi também
observado nesta categoria um número significativo de conjuntos, estipulados por 2
prédios ou mais de 1 e 2 pavimentos. Em segundo lugar aparecem em muito menor
número as construções que estão situadas no alinhamento predial com apenas 1
pavimento, ornamentação geométrica pura e aberturas verticais ou quadráticas.

Ao identificarmos os prédios que não estão inventariados no Inventário do


Patrimônio Cultural de Pelotas, observou-se que estão presentes em todas as
categorias, mas distribuídos de forma desigual. Aparece apenas um caso nas
categorias definidas como tendo uma ornamentação do tipo orgânico figurativo. Por
outro lado a categoria definida por ornamentações geométricas simples e janelas
quadráticas apresenta o maior número de imóveis desconsiderados pelo Inventário.

Figura 27 – Mapas das categorias gerais das edificações com revestimento de cimento penteado.

33
Correlação entre categoria dos prédios e período de construção

12 11
10
número de casos 10

6
4
4 33 3 3 3 3 3 3 3
2 2 2
2 1 1 1 1 1 1 111 1 1 11 1 1 11 1 1 1 1 11

0
1900-1905 1906-1910 1911-1915 1916-1920 1921-1925 1926-1930 1931-1935 1936-1940 1941-1945 1946-1950

ano
Ornamentos orgânicos c/abertura verticais Ornamentos geométricos acentuados c/aberturas verticais Ornamentos geométricos c/aberturas verticais
Ornamentos lineares c/aberturas verticais Ornamentos orgânicos c/abertura quadráticas Ornamentos geométricos acentuados c/aberturas quadráticas
Ornamentos geométricos c/aberturas quadráticas Ornamentos lineares c/aberturas quadráticas Ornamentos geométricos c/aberturas horizontais
Ornamentos lineares c/aberturas horizontais

Figura 28 – Gráfico das categorias gerais das edificações com revestimento de cimento penteado e
sua relação com as datas das construções.

Observando o gráfico das correlações entre as categorias gerais das


edificações com cimento penteado e as datas de aprovação de projeto podemos
observar que:

a) as categorias em que aparecem os ornamentos orgânicos na fachada e


janelas verticais ou quadráticas é mais encontrada no período de 1915 a 1930.
Possivelmente é uma arquitetura que está associada ao revestimento da fachada por
questões de gosto da moda ou necessidade de uma manutenção, com isto era usado
um recobrimento para sua preservação. Nesta categoria também aparecem prédios
importantes. Como o conjunto da Praça Cel. Pedro Osório, 62-64 (Pompas Fúnebres)
e o Teatro Guarany. Sua concentração se faz maior no 2º loteamento e alguns
poucos prédios no 1º loteamento;

b) a categoria em que predominam os ornamentos geométricos mais


acentuados se faz presente em todas as décadas levantadas para estudo neste
trabalho, e acontece com maior intensidade no período de 1920–1930. Os conjuntos
de 2 ou mais casas aparecem nesta categoria, assim como os sobrados. Está
presente no 1º e 2º loteamentos;

c) a categoria em que predominam os ornamentos geométricos puros está


presente a partir de 1925. Esta categoria aparece em menor quantidade. Está

34
associada a lotes que tendem a se localizar mais afastados da zona central e
começam a surgir em maior quantidade que as outras no sítio do porto e arredores;

d) a categoria em que predominam os ornamentos lineares passa a


aparecer nos período de 1920 a 1950. Possui um crescimento acentuado no período
de 1930 e 1945. Começam a surgir os prédios com mais de 2 pavimentos e sua
concentração maior está no 2º loteamento.

4.3.2 Construtores e proprietários

A análise referente aos proprietários e construtores de imóveis com cimento


penteado foi feita através de levantamento dos nomes legíveis encontrados nas
plantas do Arquivo Público Municipal. Das 90 plantas analisadas foi possível
identificar 67 proprietários e 22 construtores.

Entre os proprietários a família do Sr. Rodolpho Bonat era a que mais


possuía casas com revestimento em cimento penteado. Seu filho, Sr. Ildemar
Capdeboscq Bonat, relata que as casas eram construídas pelo seu pai para a família
e para alugar. Ao total são oito casas com este revestimento, com destaque para dois
conjuntos, um localizado na Avenida Bento Gonçalves, nº. 3959, 3965, 3969, 3973 e
outro na rua Dr. Amarante nº. 602, 606, 608. Todas se encontram integralmente
preservadas, mesmo as que hoje são ocupadas por atividades comerciais. Conforme
depoimento do Ildemar Bonat (entrevista em 04/06) o motivo que levava seu pai a
construir imóveis em cimento penteado era porque os achava bonitos.

O uso do cimento penteado também foi adotado pelos empresários do


início do século XX. A cidade de Pelotas possui na zona portuária um número
considerável de prédios que foram construídos com este revestimento. Como
exemplos da arquitetura industrial com cimento penteado temos os prédios do antigo
Frigorífico Anglo, o prédio da Cotada com seus galpões, o laboratório Leivas Leite
com uso laboratorial até os dias de hoje em funcionamento, e ainda temos a Vila
Operária da Fábrica de Chapéus Rheingantz.

35
Rua Gomes Carneiro, 1 Rua Benjamin Constant, 987

Rua Benjamin Constant, 1637 Rua Voluntários da Pátria, 1993

Figura 29 – Exemplos de arquitetura industrial com o uso de cimento penteado. Fotos da autora, 2006.

No decorrer deste trabalho, pude observar a pintura de dois prédios de


cimento penteado na zona portuária, um deles está retratado na figura 30 abaixo.

Figura 30 – Exemplo de prédio pintado, na Rua Benjamin Constant nº728. Fotos arquivo Secult e
autora 2006.

36
Parece que a arquitetura de cimento penteado não era apenas relacionada
com uma arquitetura “menor”, mais popular, ou com a arquitetura preocupada com a
durabilidade e a baixa manutenção como é o caso das casas de aluguel e a
arquitetura institucional e industrial; parece que o cimento penteado fez parte do
gosto de um período. Exemplos da adoção do cimento penteado em obras
residenciais de maior vulto podem ser vistas abaixo.

Figura 31 – Exemplos de residências com uso de cimento penteado. Em ordem: rua Gonçalves
Chaves 911, rua Lobo da Costa 866, rua Gonçalves Chaves 964 e Praça Cel. Pedro
Osório 55 (originalmente residência do Gen. Osório) Fotos do arquivo da Secult, 1986 e
da autora, 2006.

O cimento penteado também está presente em grandes prédios de nossa


arquitetura. Obras importantes como o Teatro Guarany e a Catedral São Francisco de
Paula utilizam este revestimento.

37
Figura 32 – Exemplos de arquitetura em grandes prédios públicos. Teatro Guarany e Catedral São
Francisco de Paula. Fotos da autora, 2006.

Os construtores foram identificados através do registro nos projetos


aprovados ou placas na fachada. Foram encontrados dois prédios com placas
colocadas no soco da fachada identificando o construtor. Exemplo no prédio da Rua
Gen. Osório:

Figura 33 – Placa de construtor fixado na fachada, rua Gen. Osório, 461. Construtor Manoel da Silva
André. Foto da autora, 2006.

38
CONSTRUTORES x CIM. PENTEADO
8

QUANT. DE PROJETOS
7
7
6

APROVADOS
6
5
5

4
3 3
3
2 2 2 2
2
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1

Antônio André Sº
Ayres Seixas
Álvaro Martins Villar

Antonio André Sobrinho

Júlio Delanoy

F. Rheigantz
Manuel da Silva Andre

Alberto F. Calleno
Caetano Cazaretto

Stanislau Szarfarki
..Synnotti

Waldemar Berntrantt
João Sinnott

Liberato...
Bernardino Ferreira

Alberto Sampaio

Rodrigues Cia
Fernando Rullmann

Francisco Silva

Musc Letzoro
Gaspar Scangarelli

Dahme,Conceição e Cia
CONSTRUTORES

Figura 34 – Gráfico com a relação dos construtores identificados e respectivo número de projetos com
revestimento de cimento penteado.

Merece destaque o fato de que construtores de renome local também


tenham adotado o cimento penteado em suas obras; puderam ser identificadas obras
do arquiteto italiano Caetano Casaretto.

Figura 35 - Rua Voluntários da Pátria, 612-627 e rua Gonçalves Chaves 911 – obras do arquiteto
Caetano Casaretto. Foto arquivo da Secult, 2003 e da autora, 2006.

4.3.3 O cimento penteado e a paisagem urbana

O universo de prédios revestidos de cimento penteado analisados neste


trabalho mostra uma grande incidência da cor areia, o que retifica a idéia de que a

39
paisagem urbana se tornou cinza, conforme vem descrito em alguns trabalhos. A
arquitetura formada por estes prédios tende a ser uma arquitetura de tipologia
simples, sem tendências monumentais, com marcantes linhas geométricas e
esquadrias verticais; não gerando uma ruptura acentuada com as construções
tradicionais.

A arquitetura formada por estes prédios não está associada a implantações


inovadoras no lote, tendem a seguir a tradição da localização sobre o alinhamento
predial. As áreas de maior preponderância no uso do cimento penteado são aquelas
situadas na zona central.

Desta forma é possível dizer que o uso do cimento penteado não está
associado em mudanças significativas da paisagem urbana, a não ser no seu aspecto
cromático.

4.3.4 Avaliação dos aspectos urbanos que podem influenciar na preservação

Na análise do tipo de proteção atualmente existente para os prédios revestidos


com cimento penteado foi observado que 35,31% encontram-se sem proteção,
significando que podem ser demolidos ou seus revestimentos descaracterizados.
Destes, 30,95% encontram-se dentro das ZPPCs.

Tipo de Proteção Atual dos Prédios com


Cimento Penteado
180
número de prédios detectados

156
160

140

120
96
100

80

60

40

20

0
inventariado nehuma proteção
tipo de proteção

Figura 36 – Gráfico do tipo de proteção atualmente existente para os prédios de cimento penteado em
Pelotas.

40
N

LEGENDA

PROTEÇÃO DOS IMÓVEIS DE CIM. PENT.

Cim_pent_sem proteção

Cim_pent_inventariados

500 0 500 1000 Meters

Figura 37 – Mapa do tipo de proteção atualmente existente para os prédios de cimento penteado.

Procurando entender quais os principais problemas a serem enfrentados


para a proteção dos prédios revestidos com cimento penteado foram feitas algumas
análises. A primeira refere-se a que tipo de situação urbana potencialmente está
relacionada com a descaracterização ou extinção dos prédios com cimento penteado.
Para isso foi feita uma verificação de onde estão localizados os prédios que foram
pintados e os que foram demolidos.

Endereço nº prédios cim nº prédios nº prédios


pent pintados demolidos
Rua Andrade Neves 16 2 2

Pça. Cel. Pedro Osório 3 1 1

Rua Gen. Osório 11 - 1

Rua Gonçalves Chaves 9 - 1

Rua Almirante Barroso 5 - 1

Rua Quinze de Novembro 12 2 -

Rua Anchieta 11 2 -

Av. Bento Gonçalves 9 2 -

Rua Benjamin Constant 8 1 -

Rua Felix da Cunha 8 1 -

Rua Gen. Telles 7 1 -

Rua D. Pedro II 4 1 -

Rua Voluntários da Pátria 4 1 -

Rua Dr. Miguel Barcellos 1 1 -

Pça. Vinte de Setembro 1 1 -

Tabela 2 – Localização dos prédios pintados ou demolidos por rua.

41
Pode ser observado, conforme a tabela 2 acima que a Rua Andrade Neves
foi a que mais descaracterizou prédios com cimento penteado. Os 2 prédios pintados
foram para instalação de comércio. O que vem a ser confirmado pela localização no
mapa abaixo.

LEGENDA
Prédios demolidos
Prédios pintados
Área em estudo

Zppc.shp
ZPPC 1 - Sítio do 1º Loteamento
ZPPC 2 - Sítio do 2º Loteamento
ZPPC 3 - Sítio do Porto
ZPPC 4 - Sítio da Caieira
Agua.shp
500 0 500 1000 Meters

Fi
gura 38 – Localização espacial dos prédios pintados ou demolidos.

A segunda análise refere-se ao tipo de uso abrigado pelos prédios que


foram pintados. No total foram identificados 16 prédios pintados, destes, 12 prédios
atualmente abrigam usos comerciais e apenas 2 com uso residencial. O que vem a
confirmar a influência do comércio sobre a descaracterização do revestimento de
cimento penteado.

Quanto à localização dos prédios que tiveram suas fachadas ou o


revestimento descaracterizado podemos observar que estes encontram-se quase em
sua totalidade dentro das ZPPCs. O que pode demonstrar uma certa incapacidade da
legislação de preservação em frear as pressões sobre a descaracterização do
cimento penteado.

42
Figura 39 – Localização espacial dos prédios por estado de conservação do cimento penteado.

Figura 40 – Localização espacial dos prédios por estado de conservação da fachada.

43
Por fim, foi feita uma análise do nível de potencial pressão imobiliária que
está sendo exercida sobre os prédios com cimento penteado. Para isso foi avaliada
sua localização por rua:

Prédios localizados por rua norte-sul

18
16
16
14
número de prédios
13
12
12 11
10 9 9 9
8 7 7
6 6
6 5 5
4 3 3 3 3
2 2 2 2
2 1 1
0
Rua Andrade Neves

Av. Brasil
Rua Santa Cruz

Rua Goncalves Chaves

Rua Cel. Alberto Rosa

Rua Professor Araujo

Av. Saldanha Marinho


Rua Quinze de Novembro

Rua Dr. Amarante

Rua Almirante Barroso


Rua Anchieta

Rua Felix da Cunha


Rua Gen. Osorio

Rua Garibaldi
Rua Santos Dumont
Rua Bento Martins

Rua Jose do Patrocínio


Rua Dona Mariana

Rua Mal Deodoro

Rua Joao Manoel


Rua Marcilio Dias

Rua Manduca Rodrigues


Rua Br. de Santa Tecla

rua

Prédio localizados por rua leste-oeste

18
16
número de prédios

14
12
10 9 9 9
8
6 6 6 6
6 5 5 5 5
4 4 4 4
4
2 2 2 2 2
2 1 1 1 1 1 1
0
Av. Bento Goncalves

Av. Duque de Caxias


Rua Uruguay

Rua Br. de Butuhy


Rua Voluntarios da Patria
Rua Gen. Argolo

Rua Conde de Porto Alegre


Rua D. Pedro II
Rua Dr. Amarante
Rua Lobo da Costa

Rua Dr. Cassiano

Rua Gen. Neto


Rua Gen. Telles

Rua Tiradentes

Rua Sete de Setembro


Rua Padre Felício

Rua Jose do Patrocínio

Rua Mal Floriano


Rua Gomes Carneiro

Rua Joao Manoel


Rua Benjamim Constant

Rua Miguel Barcellos


Rua Almirante Tamandare

Rua Tres de Maio

Rua Major Cícero


Rua Senador Mendonca

rua

Figura 41 – Gráficos com o número de prédios localizados sobre as ruas no sentido norte-sul e leste-
oeste. Ruas mais centrais indicadas na cor vinho e menos centrais na cor lilás.

Pode ser observado que independente da orientação das ruas, os prédios


com revestimento de cimento penteado encontram-se localizados em maior número
nas ruas mais centrais. Também nestas ruas estão localizados os prédios
institucionais e residências multifamiliares. Nas ruas mais centrais norte-sul, em geral
mais pressionadas pelas transformações urbanas 3 , poderão acontecer casos de
demolição de fachadas em vista de muitos destes prédios estarem sem manutenção

3
Esta afirmação se baseia em observações empíricas e foi verificada como verdadeira para as
construções com cimento penteado onde, para essas ruas, foi encontrado maior número de casos de
descaracterizações das fachadas e maior número de descaracterizações do cimento penteado.

44
e sem interesse dos proprietários em preservá-los, aguardando melhores ofertas do
mercado imobiliário para ser transformado em outro empreendimento. Um exemplo,
está no prédio da rua Major Cícero que só possui a fachada (figura 42). Estas
constatações, embora bastante iniciais, levam a uma grande preocupação quanto à
preservação destes prédios.

Figura 42 – Prédio parcialmente demolido, permanecendo apenas a fachada, rua major Cícero, 353.
Foto da autora, 2006.

5. A construção dos argumentos para a preservação da arquitetura


de cimento penteado

A relação do homem com os bens culturais e o valor que a estes atribui são
o resultado da interação de fatores distintos, mas uma vez reconhecido o valor de um
bem cultural quaisquer que venham a ser suas razões para isto, se adquire a
responsabilidade de preservá-lo, seja este uma obra de arte ou um conjunto urbano
(UNESCO, 1979). Qualquer manifestação estética é um reflexo de um determinado
momento histórico vivido por um grupo social (WEIMER, 1987, p. 258).

No caso do revestimento de uma fachada, se retirado, perde-se boa parte


da intenção estética do projetista porque quando se perde este aspecto, se perde sua
autenticidade e valor. É como repintarmos uma obra de arte. Esta perda pode ser
vista nas construções com cimento penteado quando as mesmas recebem
recobrimentos ou remoções de seu revestimento original. Valores culturais são
perdidos, o que pode significar perder a memória coletiva de uma comunidade,
despojando-a de sua consciência histórica e principalmente, de sua própria
consciência (ROIG, 1997, p.9).

45
Em Pelotas existe um número expressivo de construções que mantém este
revestimento, assim como a integridade de sua fachada. Estes prédios são
merecedores de medidas legais que garantam sua preservação de forma adequada,
além de incentivos para sua manutenção.

Tendo em vista a construção de argumentos que possam auxiliar a


formulação de instrumentos que garantam a preservação da arquitetura de cimento
penteado, vamos procurar identificar: a) que bases os documentos nacionais e
internacionais de preservação podem fornecer; b) o que a análise da arquitetura com
cimento penteado nos indica como importante e; c) quais as dificuldades detectadas
para preservar o cimento penteado.

5.1 Argumentos presentes nos documentos nacionais e internacionais de


preservação patrimonial – conceitos e aplicabilidade

Os documentos internacionais sobre conservação e restauração de


monumentos e sítios históricos trazem diversos argumentos que justificam tanto a
preservação da integridade de uma obra e, portanto, seu material de recobrimento,
quanto à preservação de arquiteturas não monumentais.

A Carta de Veneza 4 em seu artigo 3º diz: “A conservação e a restauração


dos monumentos visam a salvaguardar tanto a obra de arte quanto o testemunho
histórico”. No seu artigo 1o, define a noção de monumento histórico como: “... a
criação arquitetônica isolada, bem como o sítio urbano rural que dá testemunho de
uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento
histórico. Entende-se não só as grandes criações mas também às obras modestas,
que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural.” Já em seu artigo 11º
coloca que:

“As contribuições válidas de todas as épocas para a edificação do


monumento devem ser respeitadas, visto que a unidade de estilo não é
a finalidade a alcançar no curso de uma restauração, a exibição de uma
etapa subjacente só se justifica em circunstâncias excepcionais e
quando o que se elimina é de pouco interesse e o material que é
revelado é de grande valor histórico, arqueológico, ou estético, e seu
estado de conservação é considerado satisfatório. O julgamento do valor

4
Carta Internacional sobre conservação e restauração de monumentos e sítios. Maio de 1964.

46
dos elementos em causa e a decisão quanto ao que pode ser eliminado
não podem depender somente do autor do projeto”.

Portanto deste ponto de vista os conjuntos de elementos, materiais e


sistemas construtivos, ou seja, ornamentos de rebocos, esquadrias, revestimentos,
etc. deverão ser respeitados, fato que nos leva a executar determinadas
intervenções, e não outras, com o exclusivo fim de salvar e respeitar sua
originalidade. O que chamamos de restauração.

Se a restauração tem como objetivo conservar e revelar os valores


estéticos e históricos do monumento e fundamenta-se no respeito ao material original
e aos documentos autênticos (Carta de Veneza, art. 9º), no caso do revestimento em
cimento penteado como fica sua limpeza pois está diretamente ligada a pátina do
tempo, se a tiramos estamos assumindo uma modificação estética e em alguns casos
física de um material em função da degradação superficial da textura e da oxidação
dos pigmentos que dão a coloração. O que nos faz pensar: devemos respeitar a
pátina do tempo?

5.2 Argumentação baseada na análise dos dados levantados neste trabalho

Depois da análise do universo de prédios revestidos com cimento penteado


no contexto urbano de Pelotas (remanescentes e descaracterizados), compete-nos
enfatizar a importância da preservação dos que permanecem porque constituem, sem
dúvida, em um testemunho vivo de uma situação histórica, mas que além disto,
denotam uma tentativa de manutenção de tipologias existentes.

No caso dos exemplares de arquitetura monumental (Teatro Guarany,


Catedral de Pelotas, Colégio São José por exemplo), o próprio conceito de arquitetura
excepcional com seus valores introjetados de cunho histórico e estético seria um
motivo de peso para criação de uma legislação que contemplasse sua preservação.

Referente à arquitetura comum, cuja predominância se deu nas décadas


1920-1930, ressalta-se, sem dúvida o valor de testemunho de um contexto histórico e
sócio-cultural vigente na época citada e sua representatividade como tipologia que
traduzisse estes conceitos. Imperiosa torna-se a criação de uma legislação
preservacionista para estes bens - quer exemplares individuais, quer conjuntos - que
pelas suas características de arquitetura despojada não encontraram respaldo na lei
4568/00 para sua conservação.

47
Figura 43 – Matriz das categorias gerais dos prédios com cimento penteado e os imóveis que ficaram
fora do Inventário do Patrimônio Cultural de Pelotas. (Anexo2)

5.3 Dificuldades encontradas para preservar o cimento penteado

As dificuldades encontradas para preservar a arquitetura com cimento


penteado podem ser definidas como pertencentes a três instâncias específicas:
problemas relativos ás legislações de preservação e seus desdobramentos;
problemas oriundos da situação urbana específica onde estão inseridos; problemas
técnicos quanto a sua manutenção e restauração.

5.3.1 Problemas relativos à legislação de preservação

A legislação que rege a preservação dos imóveis integrantes do Inventário


do Patrimônio Cultura de Pelotas é a lei nº. 4568/00. A lei coloca como objeto de
preservação em seu Art. 3º §1º: “as fachadas públicas e a volumetria dos bens
constantes do Inventário do Patrimônio Histórico e Cultural de Pelotas”. Quanto à
conservação destas fachadas e volumetria, a lei conceitua em seu Art. 5º parágrafo I:
“a intervenção, de natureza preventiva que consiste na manutenção do estado

48
preservado do bem cultural”. E a reparação como: ”a intervenção, de natureza
corretiva, que consiste na substituição, modificação ou eliminação de elementos
integrantes visando à permanência de sua integridade, ou estabelecer a sua
conformidade com o conjunto”.

Na forma como foi redigida, a lei nº. 4568/00 traz um problema para a
preservação do cimento penteado pelo caráter excessivamente genérico na descrição
do objeto da preservação. A falta de explicitação da necessidade de se manter o tipo
de revestimento da fachada, além de seus elementos compositivos componentes,
pode levar a interpretações errôneas da manutenção e reparação a ser dada nestas
fachadas. Este fato é agravado pela lei Municipal nº5146/05 que “reduz alíquotas do
IPTU e dá outras providências”, altera a Lei 4878/02 que em seu art. 5º parágrafo V
isenta de IPTU “os imóveis tombados ou inventariados pelo patrimônio histórico, que
constem na lista oficial publicada pelo poder público, desde que mantidas as
características originais, conforme normas estabelecidas pelo órgão responsável pelo
respectivo tombamento ou inventariado”. Não existem normas para a preservação do
cimento penteado. Embora, quando solicitado, os técnicos da Secretaria Municipal de
Cultura não permitam a pintura deste revestimento. A lei de isenção de IPTU é um
estímulo aos proprietários a preservarem as fachadas de seus imóveis, mas também
induz os mesmos a querer sua limpeza, o que em geral é feito de forma inadequada
para a preservação do revestimento, de onde se conclui que há necessidade de um
amparo legal para sua preservação.

5.3.2 Problemas oriundos da situação urbana onde estão inseridos

Uma das dificuldades encontradas na preservação das construções com


cimento penteado está na sua localização dentro da malha urbana. Conforme foi
constatado pelo levantamento, boa parte dos prédios encontra-se dentro da área
central. Esta área sofre pressões imobiliárias por renovações e densificações e
pressões exercidas pelo tipo de uso preponderante, o comércio. As atividades
comerciais tendem a gerar atitudes competitivas pela atenção do observador ou
potencial consumidor. Como resultado os comerciantes colocam em suas fachadas
cores saturadas e vibrantes, letreiros e elementos de publicidade e propaganda em
profusão, materiais de acabamento brilhantes, etc. tudo para chamar a atenção do
consumidor. Neste contexto o cimento penteado aparece como um acabamento
apagado e pouco atrativo. Haja visto que a maioria das descaracterizações são em

49
prédios comerciais pelo próprio interesse do comércio em adequar a sua propaganda
a uma cor de fachada mais chamativa.

Outro aspecto significativo que dificulta a preservação dos exemplares mais


elaborados é de que estes em geral situam-se em lotes maiores e mais bem
localizados, portanto, mais atrativos para novos empreendimentos imobiliários nas
áreas centrais da cidade. Como exemplos de edificações que não resistiram a estas
pressões podemos mostrar as fotos abaixo:

Figura 44 – Exemplo de prédio demolido, na Rua Gonçalves Chaves nº964 e os empreendimentos


colocados no local. Fotos arquivo Secult (1986) e da autora (2006).

Figura 45 – Exemplo de prédio demolido, na Pça Cel Pedro Osório esquina rua Princesa Izabel e o
empreendimento colocado no local. Fotos arquivo Secult (1986) e da autora (2006).

50
Figura 46 – Exemplo de prédio parcialmente demolido e pintado, na Pça Cel Pedro Osório no 55 e o
empreendimento colocado no local. Fotos arquivo Secult (1986) e da autora (2006).

5.3.3 Problemas técnicos quanto a sua manutenção e restauração

A maior dificuldade na preservação deste revestimento está relacionada a


sua conservação. Atualmente não se conhece em Pelotas uma técnica adequada de
conservação e manutenção do revestimento em cimento penteado. Também não se
conhece como produzir o cimento penteado para se aplicar em partes da fachada que
tenham quebrado. Estudos são necessários para indicar técnicas de recuperação das
fachadas que apresentam problemas de degradação. Assim como a divulgação do
modo de limpeza destas fachadas, pois está provado que jatos de água muito fortes
provocam a queda do mineral que está agregado ao revestimento, alterando o
revestimento daqueles exemplares que possuem o brilho natural.

A lei 4568/00 citada anteriormente prevê a preservação da fachada e não


especificamente do seu recobrimento. Se o material que reveste uma fachada não for
protegido por lei e por outro lado for solicitada a sua preservação, o que acontecerá
com os prédios que com o passar do tempo sofrem degradações pela falta de
manutenção. O próprio poder público irá aceitar uma pintura nestas fachadas para
que o edifício seja preservado?

6. Conclusões e considerações finais

O presente trabalho se propôs a tentar responder às seguintes questões:


que arquitetura é essa que utiliza o cimento penteado; que paisagem urbana ela
ajudou a construir e; que argumentos e estratégias devem ser utilizadas para a sua
preservação. Aqui vamos procurar resumir as respostas encontradas.

51
Na definição da arquitetura utilizada pelo cimento penteado podemos
afirmar que esta caracteriza-se na sua grande maioria por linhas geométricas,
esquadrias verticais, ausência de adornos rebuscados, ”uma linguagem pouco
carregada e com menor apelação a elementos de artesanato artísticos”, (MOURA,
1998) acompanhando o uso de outros materiais como o ferro, embora constate-se a
presença de outros adornos num período de transição. Ressalta-se a existência de
elementos excepcionais na arquitetura monumental.

Quanto aos aspectos da paisagem urbana podemos dizer que a cor areia é
relevante com 31,75% presente na área estudada, conforme demonstrado pelos
registros do banco de dados, retificando a idéia de que a paisagem urbana se tornou
mais cinza.

Procurando delinear considerações que possam subsidiar as políticas de


preservação do município, podemos colocar que há uma maior concentração destes
exemplares na zona central, contudo eles se espalham por uma área mais ampla o
que nos leva a uma recomendação do incremento espacial da zona de abrangência
do próprio inventário.

O valor de testemunho de um contexto histórico e sócio-cultural vigente na


época citada e sua representatividade como tipologia que traduzisse estes conceitos
requer uma legislação preservacionista para estes bens- quer exemplares individuais,
quer conjuntos, quer exemplar de arquitetura monumental que não encontraram
respaldo na lei 4568/00 para sua conservação.

Partindo da premissa da Carta de Pelotas: “Só se preserva o que se ama”,


o presente trabalho conclui com a recomendação de políticas de valorização do
patrimônio de revestimentos em cimento penteado e de estudos para a conservação
desta técnica, para que possam ser recuperados e preservados o universo objeto
deste trabalho.

52
7. Depoimentos:

ARRIECHE, César Cazaubon. Dados referentes a existência do cimento penteado


no prédio situado a rua Anchieta nº. 2293-2297. Pelotas. Fevereiro 2006.

BONAT, Ildemar Capdeboscq. Dados referentes a existência do cimento penteado


nos prédios construídos por seu pai Sr. Rodolpho Bonat. Pelotas. Abril 2006

DIAS, Maria Bitencurt. Dados referentes a existência do cimento penteado nos


prédios situados a rua Dr. Miguel Barcellos nº. 540 e rua Gonçalves Chaves
nº964. Pelotas. Junho 2005.

MONTE, Fernando. Dados referentes a técnica utilizada para na execução do


cimento penteado. Pelotas. Janeiro 2006.

NAOUMOVA, Natália. Dados referentes à coloração do cimento penteado.


Pelotas, Abril de 2006.

OLIVEIRA, Ana Lúcia Costa de. Dados referentes à existência do cimento


penteado na Escola São Benedito. Rua Félix da Cunha no. 990. Pelotas. Março de
2006.

SILVA, Juliana Gadret da. Dados referentes à existência do cimento penteado


nos prédios situados na rua Andrade Neves nº. 3183 e 3189. Pelotas. Abril 2006

53
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57

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