Atanásio de Alexandria
Atanásio de Alexandria
Atanásio de Alexandria
Teria vivido, portanto, quase 80 anos, o que era uma expectativa de vida
muito acima da média da época. Viveu intensamente e deixou um legado dos
mais valiosos para a consolidação do cristianismo no Império Romano. Quanto
à sua infância, entretanto, Gregório Nazianzeno, em sua Oratio (21,6), diz que
“ele foi educado, desde o começo, nos hábitos e nas práticas religiosas, após
um breve estudo de literatura e filosofia, de maneira que ele não podia ser
considerado como incapacitado para esses assuntos, ou ignorante em matérias
as quais ele estava determinado em desprezá-las. Pois a sua alma generosa e
solícita não podia ficar ocupada com vaidades, como atletas despreparados,
que socam o ar ao invés dos seus adversários e perdem o prêmio. Através da
meditação em cada um dos livros do Velho e do Novo Testamento, com uma
profundidade que até então ninguém tinha aplicado a um só deles, ele cresceu
rico em contemplação e em esplendor de vida, combinando-os de maneira
marvilhosa num laço dourado que poucos conseguem alcançar; usando a vida
como uma guia de contemplação, e a contemplação como o selo da
vida.”1 Ainda que pouco se saiba desse período, aparentemente Atanásio teve
algum tipo de influência cristã na sua formação. A sua produção literária na
fase adulta indica que é muito provável que ele tenha tido algum tipo de
treinamento filosófico, especialmente em Homero, Demóstenes, Platão, bem
como outros platônicos posteriores, o que mostra a importância que deu à
cultura grega. Entretanto, parecia também ser versado pelo menos na língua
copta falada pelo povo egípcio da época, o que lhe despertou o interesse
inclusive para escrever, posteriormente, “Vida e Conduta de Santo Antão”,
sobre o padre eremita do deserto que marcou tanto o início da igreja cristã no
Norte da África. Já na juventude e no início da idade adulta, aprenderá tanto da
fonte do bem, representada por Alexandre, bispo de Alexandria (a quem
sucederia no patriarcado local), como na fonte do mal, cujo maior símbolo foi
Ário e sua heresia que ameaçou as estruturas do cristianismo. Foi
contemporâneo, portanto, de homens que estiveram em lados opostos do
grande combate que se travou sobre a natureza de Cristo, e – ao tomar o
partido da ortodoxia – deixou seu nome gravado para sempre no rol dos heróis
da fé. Hubertus R. Drobner tem uma versão curiosa sobre os primeiros passos
de Atanásio na fé:
Seja lendário ou não esse relato, tudo indica que a formação cristã de
Atanásio se processou de forma rápida e consistente, já que aos 17 anos de
idade o patriarca Alexandre de Alexandria o nomeia para o cargo de leitor da
igreja. Em 318, já aos 23 anos de idade, Alexandre o promove a diácono e
secretário episcopal, isso numa época em que Ário já estava em uma das
igrejas de Alexandria dando vazão a suas ideias polêmicas sobre a divindade
de Jesus Cristo. A controvérsia toma tal proporção que Alexandre convoca um
sínodo local, ao qual compareceram cerca de 100 prelados da região, que
termina por condenar as ideias de Ário, expulsando-o da Igreja em 321.
Eusébio de Nicomédia então o recebe e passa a protegê-lo, e a polêmica
chega aos ouvidos de Constantino, que – preocupado com a unidade da Igreja
que era o cimento do seu império – tenta apaziguar os ânimos, enviando Ósio
de Córdoba à região na tentativa de mediar a crise, com uma carta pessoal sua
endereçada aos dois principais contendores, em que diz que considerava
aquilo “uma inútil disputa entre teólogos” 3, mas que não consegue fazê-los
chegar a um acordo satisfatório a todas as partes envolvidas. Diante do
impasse, não há outra solução senão convocar o concílio ecumênico de Niceia,
que se realizaria no ano 325 e no qual estariam representados todos os bispos
da cristandade, para se dirimir finalmente a questão. Agendado o concílio,
começa então uma verdadeira guerra diplomática (para os padrões da época)
dentro da Igreja. O próprio Ósio, entretanto, participaria de um concílio local em
Antioquia pouco tempo antes de Niceia, no qual seriam condenados Eusébio
de Cesareia e outros partidários de Ário. Este ensinava “uma doutrina que se
pode sintetizar nestas Três frases: ‘O Verbo não é eterno nem tem a mesma
natureza do Pai. Foi criado no tempo por Deus Pai. Só por metáfora é que lhe
chamamos Filho de Deus’. Ário e seus discípulos separam, assim, o filho do
Pai. Afirmam que o Filho não existia antes de ter sido gerado. Se houve,
portanto, um tempo em que ele não existia, ele não é coeterno ao Pai. Ele, o
filho, é a primeira e a mais sublime das criaturas, uma espécie de ‘segundo
deus’ (déutero theós) mas é alheio ao Pai quanto à essência, como a vinha ao
vinhateiro ou o navio ao construtor”4.
Em sua Oratio (cap.6), Gregório Nazianzeno dá um destaque enorme à
figura de Atanásio durante o concílio de Niceia, que se realizou entre os dias 20
de maio e 25 de agosto de 325. Chega a dizer que o diácono teve voz ativa
durante as deliberações, o que é difícil de acreditar já que apenas os bispos
tinham esse direito. É certo, entretanto, que Atanásio teve muita influência na
formulação das ideias de seu bispo Alexandre, que antes da abertura dos
trabalhos do concílio, envia uma carta encíclica aos seus pares, fazendo
questão de ressaltar a verdadeira dimensão da controvérsia. Nela, há claros
sinais da gênese do pensamento de Atanásio, que o acompanharia por todas
as muitas polêmicas cristológicas que ainda iria enfrentar durante sua longa
vida:
Notas:
9. Pedro era o patriarca de Alexandria entre 300 e 311, ano em que foi
decapitado pela repressão de Diocleciano. Pedro passou boa parte do seu
episcopado preso juntamente com vários outros líderes durante a última
perseguição no Egito, que durou de 303 a 312, e Melício de Licópolis
aproveitou a ausência do patriarca para rejeitar toda e qualquer reconciliação
de cristãos – salvo por rebatismo - que haviam negado a fé diante da tortura e
ameaça de morte, bem como tratou de nomear e ordenar novos bispos para as
sedes vacantes de cada igreja sob a jurisdição de Alexandria, gerando um
cisma na igreja. Num dos intervalos entre um cárcere e outro, Pedro reassumiu
sua sede patriarcal e condenou Melício e seus seguidores, que, entretanto,
continuaram fortes por algum tempo naquela região.
10. “Os melicianos, que haviam escolhido um antibispo, uniram-se depois com
o partido ariano agrupado em torno de Eusébio de Nicomédia e tentaram
conseguir a deposição de Atanásio através de processos criminais.” (Hubertus
R. Drobner, op. cit., p. 257)