Bruna Fernandez Guimarães Borsoi

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A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DE CIRURGIAS PLÁSTICAS NO BRASIL E A

MERCANTILIZAÇÃO DO CORPO.

Bruna Fernandez Guimarães Borsoi


Graduanda em Licenciatura e Bacharel em Geografia
Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT/UNESP)
E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO
Atualmente o Brasil é o segundo maior mercado para cirurgias plásticas
estéticas no mundo, com um total de 1.343.293 de procedimentos no ano de 2014, de
acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (ISAPS), estando abaixo
apenas dos Estados Unidos da América. Ainda de acordo com ISAPS, os procedimentos
cirúrgicos mais procurados no Brasil são aqueles que envolvem a face e a cabeça, com
total de 501.503 procedimentos, superando até mesmo os EUA.
Em escala nacional, segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
(SBCP), o país possui atualmente o número aproximado de 5.500 cirurgiões plásticos
associados. Estima-se que este número de profissionais credenciados a esta associação
tenha se elevado nos últimos anos, uma vez que se observa um aumento significativo de
pessoas que recorrem a este tipo de procedimento cirúrgico. Uma vez que este processo
ocorre, cria-se a oferta de um serviço que manipula o corpo, numa tênue fronteira entre
a medicina e a estética, num mercado com acentuada expansão. Essa situação pode ser
associada ao discurso propagado por ações publicitárias, midiáticas e sociais em que se
deve ter e estar sempre em busca do corpo perfeito, pois ele representa a felicidade e o
bem estar social, criando-se estereótipos de beleza tanto para os homens quanto para as
mulheres.

OBJETIVOS
O nosso objetivo é compreender esse mercado movido pela oferta de serviços.
Para isto, é fundamental a compreensão da distribuição e localização dessa oferta de
serviços no território nacional, bem como sua relação com o consumo de um novo
modelo estético.

METODOLOGIA
Na busca de atingir o objetivo proposto, utilizamos diferentes procedimentos
metodológicos. Primeiramente, realizamos uma revisão bibliográfica a respeito do tema.
Em um segundo momento, organizamos e sistematizamos dados obtidos através do site
da SBCP, com os cadastros de cirurgiões plásticos no país e dados de cirurgias plásticas
mundiais pelo ISAPS, para a elaboração de mapas temáticos, desenvolvidos por meio
de ferramentas do software QuantumGis.

O MERCADO DA BELEZA
No decorrer da história da humanidade cada sociedade possuiu e possui um
ideário a ser alcançado com a beleza estética, modificando-se e ajustando-se com o
passar do tempo.
Há pelo menos 22.000 anos a imagem da mulher ideal para as sociedades
antepassadas era robusta, com seios, pernas, barriga e vulva grandes que assimilava o
sentido de fertilidade. Esse modelo estético foi deduzido por estudiosos a partir da
estatueta encontrada na Áustria em agosto de 1908, conhecida como Vênus de
Willendorf1. Já na mitologia Grega e romana a imagem de beleza era traduzida pela
Deusa Afrodite e Vênus, respectivamente, possuindo diversas manifestações artísticas
correspondentes a sua imagem, a mais famosa a estatua Vênus de Milo da Grécia
Antiga.
No século X as chinesas conhecidas com os pés de flor de lótus 2 eram
obrigadas socialmente, desde crianças, a usarem faixas apertadas nos pés para os
diminuírem chegando ao tamanho máximo aceito de 10 cm. Somente assim

1
http://www.superinteressante.pt/index.php?option=com_content&id=545:miss-europa-25000-
ac&Itemid=83. Acesso: 21 jun.2016
2
http://diariodebiologia.com/2014/06/pes-de-lotus-mulheres-chinesas-que-eram-obrigadas-a-
ter-o-pe-com-no-maximo-10-centimetros/ Acesso: 21 jun.2016
conseguiriam se casar, sendo uma prática muito comum em todo o país, uma exigência
que os homens possuíam, pois achavam os pequenos pés atraentes.
No século XVII o uso do espartilho foi muito comum entre as mulheres para
afinarem as cinturas, já no início do século XX as mulheres e homens sofreram bastante
com a mudança da beleza, sendo investida na moda a integração das mulheres no
mercado de trabalho, com roupas mais práticas para as fábricas e escritórios. Já na
década de 1920, com o fim da Primeira Guerra Mundial, as mulheres possuíam outro
estilo, cuja referência foi a modista Coco Chanel. Na década de 1950, com o fim da
Segunda Guerra, o estilo também evoluiu e a referência foi Marilyn Monroe, que traz
uma imagem de mulher loira e esbelta para o cinema, com o sentido de símbolo sexual
feminino. Na mesma época, a imagem masculina era de Elvis Presley, cantor e ator
mundialmente conhecido.3
Já com a entrada do século XXI, percebemos que a evolução do corpo e sua
essência foram totalmente alteradas. O que antes a mulher ideal era considerada a fértil
e robusta, hoje a mulher magra e esbelta é considerada o símbolo de perfeição e
sexualidade da nossa cultura.
Como vimos, no decorrer do tempo, a cultura da beleza foi se modificando. As
mulheres passaram por transformações sociais, mudando parte de seus corpos, cabelo,
roupas e maquiagem, chegando até a atualidade. A imagem ideal dos homens também
passou por mudanças, no entanto, a prática masculina na procura de perfeição estética
era menor ou menos visível. Na sociedade atual vemos que a procura por essas
transformações são maiores e mais expostas, deixando de ser algo unicamente ligado às
mulheres. A imagem masculina que possuímos hoje é pela procura do corpo sarado.4
Ambos os sexos nos dias atuais se veem na “obrigação” da busca pelo corpo
perfeito. Tanto os homens quanto as mulheres fazem regimes, dietas, exercícios físicos
e procedimentos estéticos a procura de padrões sociais, transformando a beleza do corpo
em um produto. Segundo Alves,

3
http://www.circulodabeleza.com.br/p/historia-da-beleza.html Acesso: 21 jun. 2016
4
GOLDENBERG, Mirian. Gênero e corpo na cultura brasileira. Rio de Janeiro. p.71, 2005
Dentro do discurso do modelo de corpo ideal na nossa
sociedade, o corpo se torna o mais belo objeto de consumo, um
produto dentre os outros, caracterizado por traços, muitas vezes
idealizados, estabelecidos a partir do exterior (ALVES, 2010,
p.52).

Com o passar dos anos, a sociedade modificou os modelos estéticos, e as


empresas se utilizaram desses modelos para venderem seus produtos. Não apenas a
indústria da beleza se utilizou de técnicas publicitárias e midiáticas como a medicina
também a partir das cirurgias plásticas estéticas, que prometem milagres de beleza e a
resposta para a “formula da juventude”, um serviço que encontramos dentro do sistema
de saúde fez com que o país fosse inundado por uma crescente procura por tais
procedimentos. Assim, notamos que

definir a beleza é algo complexo. Mas uma verdade é inegável.


A maior parte das pessoas vive constantemente em sua busca e
alguns arriscam suas vidas para conseguí-la. E esta procura
incessante não é atual, mas histórica (BEKEMBALL e
CALAZANS, 2011, p. 2).

A beleza é imposta pela sociedade, ela é o objeto, o produto para ser


consumido, tal como o belo, sendo elaborada e comandada pelos interesses econômicos.
A busca pela beleza é histórica e a propaganda apenas utiliza a cultura socialmente
impregnada para expor isso, para vender um produto usando de símbolos às pessoas
“perfeitas” socialmente, estigmatizando esse processo. Como descreve Garrini:

A mídia encontrou no “corpo perfeito” o discurso ideal para a


difusão dos produtos e dos serviços de beleza, como os
cosméticos, os moderadores de apetite, as cirurgias plásticas, as
clínicas de estéticas e academias esportivas, entre outros. Ela
adquiriu um imenso poder de influência sobre os indivíduos,
massificou a paixão pela moda e tornou a aparência uma
dimensão essencial na sociedade (GARRINI, 2007, p. 6).

Com o mercado crescente da beleza, as pessoas passaram a “mercantilizar”


seus corpos, transformando-os em um objeto de consumo social, traduzido no belo,
sendo ele o produto/serviço dessa demanda. É nesse contexto que podemos analisar as
cirurgias plásticas, uma vez que trouxeram um novo conceito de transformações do
corpo, sendo uma maneira rápida e quase sempre eficiente para se alcançar o padrão
desejável. Nessa busca incessante, criou-se na medicina um mercado que oferece
serviços para a população, de acordo com seus desejos de perfeição corporal.
O corpo possui uma construção cultural e política, sendo ele a base de uma
sociedade. No entanto, é essa sociedade que esculpi e induz o corpo a mudar, criando-se
estereótipos físicos para cada gênero, acreditando-se ser a forma do bem estar do
sujeito, como analisa Goldenberg (2005, p. 68):

Assim, há uma construção cultural do corpo, com uma


valorização de certos atributos e comportamentos em
detrimento de outros, fazendo com que haja um corpo típico
para cada sociedade. Esse corpo, que pode variar de acordo com
o contexto histórico e cultural, é adquirido pelos membros da
sociedade por meio da imitação prestigiosa.

Dessa forma o indivíduo retrata no corpo o que é socialmente imposto,


transformando-se a partir do lugar que ocupa na sociedade, podendo-se compreender
melhor a partir da distribuição espacial dos cirurgiões plásticos no país.

DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DE CIRURGIAS PLÁSTICAS


Atualmente, ao visitar o site da Sociedade Brasileira de Cirurgias Plásticas
(SBCP) consta-se que esta possui um total aproximado 5.500 cirurgiões plásticos
cadastrados pelas unidades federativas brasileiras. Esse número varia entre titulares,
associados e possíveis membros; no entanto ao fazer uma busca mais precisa de
cirurgiões por estado, percebemos que essa distribuição é totalmente concentrada em
alguns pontos- estados e cidades do país.
Essa desigualdade de distribuição é encontrada nas regiões consideradas mais
urbanizadas do país, resultando em locais que possuem grande produção, trazidos pela
modernização do espaço e pela globalização. Santos (1994, p.132) explica esse processo
pelo momento que o espaço está inserido, o meio técnico-científico-informacional, que
segundo ele “é, o momento histórico no qual a construção ou reconstrução do espaço se
dará com um crescente conteúdo de ciência e de técnicas”. Assim, sabemos que essas
regiões concentram técnica, informação e ciência, proporcionando a oferta de serviços e
produtos, para nós traduzidos no mercado das cirurgias plásticas.
Os dados analisados foram retirados do site da SBCP no mês de abril deste
ano, sendo colhidos na aba “Encontre um cirurgião”. Assim, foram analisados os dados
cadastrais de cirurgiões plásticos no Brasil por estado e os dados cadastrais de
cirurgiões no estado de São Paulo por cidade, representados em tabela e mapas para
melhor compreensão, como veremos a seguir.
Mapa 1: Distribuição Espacial de cirurgiões plásticos cadastrados na SBCP por
estado do Brasil:

Fonte: dados retirados do site SBCP. Org.: BORSOI (2016)

Na imagem acima, podemos ver a representação dos cirurgiões plásticos por


unidades federativas brasileiras, nota-se que a distribuição é emitida por cores
graduadas e por dois mapas na imagem.
A caixa menor localizada a direita do mapa principal possui a anamorfose
geográfica, representando o país desconfigurado espacialmente. Nesse mapa podemos
ver de forma simplificada o que seria a deformação da demanda de cirurgiões plásticos
cadastrados. Por sua vez, no mapa maior, representando os mesmos dados da
anamorfose geográfica, vemos a representação federativa do país, ambos evidenciados
pela coloração de acordo com a intensidade do número de médicos cadastrados.
Podemos notar dessa forma, que os estados pertencentes à região Sudeste e um
estado da região Sul, neste caso o Rio Grande do Sul, possuem uma maior concentração
de médicos especialistas em cirurgias plásticas cadastrados no SBCP. Dentre todos os
estados. São Paulo é o de maior número de oferta, totalizando 1.587 cirurgiões
cadastrados, enquanto estados como o Acre, Amapá e Roraima possuem cadastros de 1,
5 e 3 respectivamente, sendo concentrados na região Norte do país, como constatado na
tabela abaixo.

TABELA: Número de cirurgiões plásticos cadastrados por estado no Brasil:


Estado Cirurgiões Credenciados Estado Cirurgiões Credenciados
AC 1 PB 36
AL 26 PR 22
AP 5 PE 112
AM 27 PI 23
BA 130 RJ 654
CE 108 RN 27
DF 146 RS 357
ES 95 RO 18
GO 184 RR 3
MA 20 SC 174
MT 47 SP 1587
MS 57 SE 29
MG 520 TO 14
PA 54 Total 4476

Fonte: dados retirados do site da SBCP.

Como expressado anteriormente, o estado que mais se destaca nos mapas é São
Paulo pertencente à região sudeste do país. O estado possui a maior população do país,
de acordo com o IBGE tem um total estimado no ano de 2015 com mais de 44 milhões
de pessoas, distribuídas em 645 municípios, sendo:
Mais rica das unidades federativas, São Paulo também figura entre
os estados com alto Índice de Desenvolvimento Humano, sendo
superado apenas por Santa Catarina e pelo Distrito Federal.
Responsável por 28,7% do PIB do país, São Paulo legitima seu
status de "motor econômico" do Brasil por possuir melhor
infraestrutura, mão de obra qualificada, fabricar produtos de alta
tecnologia, além de abrigar o maior parque industrial e a maior
produção econômica.
(http://www.saopaulo.sp.gov.br/conhecasp/principal_conheca)

Dentro da própria distribuição de médicos cadastrados no país existe também


uma má distribuição no próprio estado, sendo vista nas duas representações na imagem
abaixo, uma de anamorfose geográfica e outra da unidade federativa.
De acordo com Santos (1994, p.134), esses objetos que estão localizados na
regiões mais rica do país, sendo mais especializado nas suas funções, cria-se uma
tendência que possui maiores fluxos diferenciados desses serviços comparado à outras
áreas. Como vemos na imagem, que possui em sua capital o maior número de médicos
cadastrados, 908, e as outras cidades, possuem de 0 a 87.

Mapa 2: Distribuição espacial de médicos cadastrados na SBCP no estado de


São Paulo
Fonte: dados retirados no site da SBCP. Og.: BORSOI (2016)

Para melhor visualização dos dados, a representação do estado foi feita em


tabela com um total de 104 cidades que possuem no mínimo o número de 1 (um)
médico cadastrado, as demais cidades possuem o número de 0 (zero) médicos
cadastrados.
O que queremos demonstrar a partir cartografia, é que em escala nacional
pode-se perceber a desigual distribuição de médicos cadastrados em cirurgias plásticas
no país, de acordo com suas unidades federativas. Quando visto em escala regional,
percebemos que essa distribuição é também concentrada em algumas cidades,
ocasionando uma diferenciação no espaço, esse que é predominantemente
especializado, moderno e urbanizado. Assim deduzimos que a partir da localização da
oferta de serviço- referindo-se aos médicos que promovem as cirurgias plásticas
estéticas- certamente a procura por eles ocorre em pontos específicos do território,
revelando serem os pontos que mais praticam esse serviço, como no estado e a capital
São Paulo, concentrando-se no local considerado o provedor da técnica e informação do
país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pôde-se observar que a distribuição da oferta de serviços de cirurgia plástica no
Brasil é muito desigual, concentrando-se principalmente no estado de São Paulo e sua
capital. Essa situação pode ser relacionada com as condições do meio técnico-científico
informacional existente no país.
O corpo é representado na sua forma cultural, e atualmente é alterado de várias
formas para sua aceitação na sociedade, o que para alguns pode ser considerado forma
de beleza. Acreditamos que sejam estereótipos criados para a venda de produtos e
serviços, onde o sujeito se submete à variações estéticas para se sentir e parecer melhor
perante o seu grupo social, participando de um processo histórico que a sociedade induz
o sujeito a modificar seu corpo para se adequar ao seu corpo social.
A busca pelo belo a partir do uso das cirurgias plásticas é apenas mais um dos
produtos oferecidos pelo sistema. O uso desses procedimentos nos leva a pensar que o
corpo virou parte do mercado, que é mudado, produzido e esculpido de forma que irá
remeter ao “bem estar” no indivíduo.
A partir dessa análise preliminar, a pesquisa terá continuidade numa
abordagem qualitativa, buscando-se compreender a mercantilização do corpo do
brasileiro subsumido pela cadeia médico-industrial do ramo de cirurgias plásticas, o que
é uma prática concentrada no território paulista.

REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Natália Cristina. A cidade inscrita no meu corpo: gênero e saúde em Presidente
Prudente-SP. Presidente Prudente: [s.n], 2010.
BEKEMBALL, F., CALAZANS, J. Revitalift Duplo Lifiting: o discurso da beleza na
publicidade. XIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste Maceió-
AL. junho 2011.
GOLDENBERG, Mirian. Gênero e corpo na cultura brasileira. Rio de Janeiro.
VOL.17, N.2, P.65 – 80, 2005
GUARRINI, Selma P. F. Do corpo desmedido ao corpo ultramedido: reflexões sobre o
corpo feminino e suas significações na mídia impressa. São Paulo. V Congresso
Nacional de História da Mídia 2007.
SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e Meio Técnico-cientifico-
informacional. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1994.
Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). Disponível em:
(http://www2.cirurgiaplastica.org.br/encontre-um-cirurgiao). Acesso em: 11 abr. 2016.
Disponível em: (http://www.saopaulo.sp.gov.br/conhecasp/principal_conheca). Acesso
em: 22 jun. 2016.

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