A Profecia de Isaías - Vol.1

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A PROFECIA DE I S A I A S

C A P ÍT U L O S 1-39

TEXTO, EXEGESE E EXPOSIÇÃO

VOLUME I

A. R. CRABTREE
1.“ EDIÇÃO

1967
CASA P U B LIC A D O R A B A T IST A
Caixa Postal 320 - Z C - OO
Rio de Janeiro — Gb.
Impresso em Gráficas Próprias

Tiragem 3.000 Data 30-03-1967


IN MEMORIAM

Estava êste livro para sair do prelo quando nos veio


a triste notícia do falecimento do seu ilustre autor, nosso
saudoso irmão, Dr. A. R. Crabtree, que, aposentado, resi­
dia ultimamente em sua terra natal, os Estados Unidos
da América do Norte. Ilustre e mui competente catedrático
no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, e também
Reitor, Crabtree ensinou hebraico, Velho Testamento,
Teologia do V .T., Filosofia da Religião Cristã, Apologética
e ainda outras disciplinas.
Dos seus livros podemos mencionar no momento os
seguintes : «História dos Batistas no Brasil», Vol. I, «Ar­
queologia Bíblica», «Introdução ao Nôvo Testamento»,
«Sintaxe do Hebraico do Velho Testamento», «Esperança
Messiânica», «O Livro de Amós», «O Livro de Oséias», «A
Profecia de Isaías» em 2 volumes (o 2" volume no prelo), «A
Profecia de Jeremias» (a sair), «Dicionário Hebraico-Por-
tuguês», «Baptists in Brazil» (em inglês), e muitas outras
publicações menos volumosas.
O seu passamento deu-se em Roanoke, Va., E .U .A .,
no dia 15 de abril de 1965.
Pretendemos publicar uma biografia mais extensa
quando da divulgação do 2’ Volume de «A Profecia de
Isaías», atualmente no prelo.
Ao saudoso Irmão, a homenagem dos batistas do Bra­
sil e da Casa Publicadora Batista.
Maio de 1965.
Alrair S. Gonçalves
Èste Comentário sobre a Mensagem do
Príncipe dos Profetas representa um meio século
de estudo agradável da Bíblia, trinta, e cinco
anos de ensino de Hebraico e do Velho Testa­
mento, com muito tempo dedicado ao preparo de
quinze livros em português. Sem qualqwer re-
TMmeração financeirao único motwo na pro­
dução desta obra é o amor ao trabalho e o desejo
de contribuir à literatura evangélica na língua
portuguêsa para os pastores e obreiros que es­
tão servindo galhardamente na extensão do
reino de Deus no mundo.
Êste é um estudo crítico e exegético da
Profecia de Isaías, com a exposição cuidadosa
dos problemas do texto hebraico e da sua inter­
pretação. Apesar de o texto original do Velho
Testamento ter sido evidentemente transmitido
com cuidado escru/puloso atrmés dos séculos,
ainda há vários problemas textuais da Bíblia
Hebraica. Há numerosos manuscritos e Muitos
outros documentos que ajudam no estudo críti­
co do Nôvo Testamento. Mas até recentemente
foávia apenas três manuscritos antigos do He­
braico Bíblico, e o mais antigo destes, conheci­
do como o Texto Massorético, é datado de 895
a.C ., muitos séculos depois do tempo de Isaías.
Em 1947 foram descobertos numa caver­
nat perto do Mar Morto, um manuscrito quase
completo do Livro de Isaías, e outro que tem
apenas a têrça parte da obra. Êstes documen­
tos mo datados por F. W. Albright e outros
arqueólogos no último século antes de Cristo,
Ou no primeiro século cristão. Êstes dois ma­
nuscritos concordam notavelmente com o Tex­
to Massorético. O primeiro contém variações
que esclarecem algumas dificuldades dos três
textos do século nono. As versões, como a
Septuagmta ou LXX, a Aramaica e outras, têm
valor no estudo do Hebraico Bíblico . 0 leitor
notará no Comentário a discussão destas ver­
sões, e a preferência em alguns casos do texto
na edição da Bíblia Hebraica de Rud. Kittel da
American Bible Society.
No preparo dêste Comentário, o autor vi-
swva não somente aos estudantes do Hebraico,
mas também aos muitos pastores estudiosos que
fizeram o seu curso teológico sem incluir o es­
tudo da língua de Sião. Êstes podem entender
claramente, e aproveitar-se das explicações do
texto original do grande profeta.
No estudo desta profecia, surge o proble­
ma de algumas interpelações na obra origi/nal
de Isaías. Mas, segundo os nossos estudos, al­
guns comentaristas exageram o número destas
interpólações, e assim atribuem várias passa­
gens escritas por Isaías a outros escritores do
tempo do cativeiro babilônico, e até ãe depois
dessa época. Alguns destes não querem enten­
der a larga visão do remo de Deus, e a profun­
deza das mensagens do profeta, e assim insis­
tem em que as profecias sobre a Nova Êpoca
foram escritas muitos anos depois do tempo de
Isams. Mas alguns eruditos modernos reco­
nhecem, a autenticidade destas passagens.
O autor apresenta a sua própria tradução
do hebraico, cfue varia freqüentemente das ver­
sões em português e inglês, na esperança de
que a versão mais literal possa ajudar no es­
clarecimento do sentido original da linguagem
poética do livro. A maior parte da profecia foi
escrita em poesia, e o reconhecimento dêste
fato ajuda no entendimento mais claro da men­
sagem .
Além das obras mencionadas na Bibliogra­
fia, o autor reconhece que ele é devedor a mui­
tos estudos, e a muitas experiências da provi­
dência de Deus, como pastor, e como professor
no Seminário Teológico do Rio de Janeiro.
A minha senhora, Dona Mdbel, tem enri­
quecido a minha vida espiritual como compa­
nheira no serviço do Senhor. Além do seu
trabalho mcansável de esposa e mãe, ela se
aprofundou no estudo de português. Tem lido
todos os méus manuscritos, corrigindo os erros
tipográficos, e oferecendo sugestões importan­
tes sôbre a linguagem de várias declarações.
Ê o desejo do autor que esta obra seja útil
aos pastores do Brasil e de Portugal no aumen­
to do seu conhecimento das verdades eternas
apresentadas por êste nobre Mensageiro da Re­
velação Divina.
A. E. Crabtree
11 de agôsto de 1963
P re fác io ............................................................................................. 7
In tro d u ção ........................................................................................ 17
Análise dos Capítulos 1 -3 9 .......................................................... 51
A Profecia de Isaías — Texto, Exegese e E xposição............. 59
I. A Infidelidade de Judá e Je ru sa lé m ................................ 59
A. O S obrescrito........................................................................ 59
B. A Controvérsia do Senhor com o Seu P o v o .............. 60
1. A Ingratidão do Povo de I s r a e l................................. 61
2. A Nação P ecam inosa..................................................... 64
3. A Palavra do Senhor sôbre a Religião e a Vida 69
4. “Arrependei-vos” ............................................................ 75
5. Lamento sôbre Jeru salém ........................................... 77
6. O Julgamento do S e n h o r............................................. 78
7. A Operação da Justiça Divina na Vida deIsrael 79
8. A Vinda dos Povos ao Senhor de S i ã o .................. 83
C. O Castigo da Idolatria e do Orgulho Humano no
Dia do S e n h o r..................................................................... 90
D. O Julgamento Divino de Jerusalém e de Judá . . . . 98
1. A Anarquia S o c ia l........................................................ 99
2. O Povo A rru in ado.......................................................... 103
3. Os Esmagadores do P o v o ............................................ 106
E. As Mulheres Altivas de Je ru sa lé m ................................ 107
F. A Beleza e a Glória de Sião P u rificad a........................ 112
G. Um Cântico da Vinha do S e n h o r................................... 117
H. Ais Contra os P erv erso s................................................... 123
II. “Resguarda o Testemunho” ................................................. 134
A. A Visão Inaugural de I s a ía s ........................................... 134
B. Isaías e a Guerra S iríaco-E fraim ita........................... 146
1. O Sinal de S ear-Jasu b e............................................... 148
2. Sinal de E m a n u e l......................................................... 154
3. A Invasão de Judá pelos Assírios e osEgípcios 165
4. O Sinal de M aher-Shalal-H as-B az......................... 168
5. Os Dois Rios Simbólicos ............................................ 170
6. A Fé do Profeta no Senhor Emanu E l .................. 172
7. O Temor do Homem e o Temor de D e u s ............. 173
C. Isaías Cessa as Atividades P ro féticas.......................... 175
III. Superstições dos Vacilantes na F é ................................. 177
A. Admoestações Contra o E sp iritism o ............................ 177
B. À Lei e ao T estem unho..................................................... 178
C. O Reino M essiânico............................................................ 180
D. O Julgamento de Efraim como Lição para Judá .. 186
IV. Não Temas a A ssíria............................................................ 191
A. A Ameaça Arrogante da A ssíria..................................... 192
1. A Jactância da A ssíria................................................ 192
2. A Labareda do Senhor Consumirá as Florestas
da A ssíria......................................................................... 193
3. Um Restante de Israel e Judá Voltará ao Senhor 199
4. Sião Será Liberto do Jugo da A ssíria................... 201
5. A Aproximação do In v a so r........................................ 202
6. A Humilhação dos Invasores O rgulhosos............. 204
B. O Reino Pacífico e Justo do M essias........................ 205
1. O Rebento de J e s s é ..................................................... 206
2. O Messias e a Nova Glória de I s r a e l.................... 212
C. O Culto de Louvor pela Restauração de Israel .. .. 217
V. O Julgamento de Reinos e de P o v o s............................... 220
A. O Destino da B abilônia..................................................... 221
B. A Queda do Tirano das N ações..................................... 231
C . O Propósito do Senhor na Destruição da Assíria .. 242
D. A Alegria Prem atura dos F ilisteu s................................ 244
E. Oráculo Concernente a M o a b e ....................................... 247
F. Oráculo sôbre a Aliança de Israel e a S ír ia ............. 258
1. Oráculo Concernente a D am asco .......................... 259
2. O Abandono dos Íd o lo s............................................... 261
3. O Culto de Adonis, uma Segurança Falsa .. .. 262
G. O Poder Mundial Se Levanta, e C a i.............................. 264
H. Profecia Concernente ao E g ito ...................................... 266
1. Resposta do Profeta aos Emissários da Etiópia 267
2. Profecia Contra o E g ito ............................................. 272
3. Judá e Javé dos Exércitos, um Terror para os
\ E gípcios............................................................................. 279
\ 4. Os Egípcios e os Assírios Adorarão ao Senhor .. 280
' 5. Evitar Alianças Políticas com Estrangeiros .. .. 285
i. Uma Visão da Queda da B ab ilô nia.............................. 289
J. Oráculo Concernente a D u m á ......................................... 294
KL Oráculo Concernente à A rá b ia ...................................... 296
Lj. A Leviandade Religiosa dos Habitantes deJerusalém 298
M. A Degradação de Sebna, o Mordomo do R e i ............... 306
íí. A Profecia Contra T ir o ..................................................... 311
1. Oráculo Concernente a Tiro e S id o m ................... 311
2. A Restauração de Tiro Depois de Setenta Anos .. 316
. “Despertai e Cantai, os Que Habitais no Pó” ............... 318
A. O Bom Efeito do Castigo de I s r a e l............................. 321
1. A Terra Ficará Desolada por Causa do Pecado dos
Seus H a b ita n te s............................................................. 321
2. Um Clamor de C o nfiança........................................... 325
3. A Grande C atástro fe................................................. 327
4. O Julgamento e a Nova E r a ..................................... 328
B. Maravilhas das Atividades do S e n h o r ...................... 330
1. Salmo de Gratidão ao Senhor pelo Livramento do
Seu P o v o .......................................................................... 330
2. Uma Profecia da Idade M essiânica..................... 332
3. Outro Hino de Louvor Relacionado com a Hu­
milhação de M o a b e...................................................... 335
C. Um Pedido de Salvação Mais P e rfe ita ......................... 337
1. Hino de Gratidão pela V itó ria ................................... 338
2. O Povo Espera Ansiosamente os Juízos Retos do
S e n h o r.............................................................................. 340
3. As Bênçãos da Disciplina e da Orientação Divina 342
4. Experiências Tristes Que o Povo Sofreu antes da
Sua Redenção .. .......................................................... 344
5. Os Teus Mortos Viverão, os Seus Corpos Res­
suscitarão .................................................................. •• 345
D. Conclusão desta Mensagem de Aspirações e Espe­
ranças ...................................................................................... 347
1. O Povo Deve Esconder-se até Que Passe o Jul­
gamento D iv in o ............................................................. 347
2. A Punição dos Podêres Cruéisdo M u n d o ................ 348 Ji
3. Cântico do Senhor Concernente à Sua Vinha ..
4. A Significação da Disciplina Divina de Israel ..
5. Uma Profecia da Restauração dos Desterrados
de I s r a e l...........................................................................
VII. Não Escarneçais para Fazer Mais Fortes os Vossos
G rilhões.................................................................................. 354
A. O Castigo Certo dos Impenitentes de Efraim e Judá 356
1. A Queda de Samaria, a Capital de Israel .. .. 356
2. Jerusalém, Bem como Samaria, Tem os Seus Bê­
bados, Incluindo Sacerdotes e P ro fe ta s ............... 359
3. A Aliança com a Morte e com S h e o l.................... 362
B. A Justificação das Atividades Providenciais do Se­
nhor em Relação com o Seu P o v o ................................ 366
C. A Obra Maravilhosa do S e n h o r.................................... 369
1. A Humilhação Iminente e a Libertação de Je­
rusalém ............................................................................. 369
2. A Cegueira e a .Hipocrisia do P o v o ......................... 371
3. A Religião Meramente Convencional Perecerá .. 373
D. A Rejeição da Segurança da Fé no S e n h o r.............. 374
1. A Repreensão dos C onspiradores........................... 374
2. A Redenção de I s r a e l.................................................. 376
3. A Infidelidade na Aliança Política com o Egito 378
4. No Sossêgo e na Confiança Estará a Vossa Fôrça 381
E. O Poder do Deus Invisível............................................... 386
1. Promessa para o Povo Sofredor de S iã o .............. 386
2. Será Destruído o Inimigo do Povo de Deus .. .. 389
3. A Fôrça de Cavalos ou o Poder do Espírito do
S e n h o r............................................................................... 392
4. O Senhor dos Exércitos É o Defensor de Jerusalém 394
F. A Comunidade Ideal na Idade M essiânica............... 397
1. O Estabelecimento do Govêmo Messiânico .. .. 398
2. A Transformação Espiritual do Povo na Nova Era 399
3. O Contraste entre os Característicos do Fraudu­
lento e os do N o b re ...................................................... 400
4. Advertência Contra as Mulheres de Jerusalém 402
5. O Poder Transformador do Espírito na Idade
V in d o u ra.......................................................................... 404
\ A PR O FEC IA DE ISAÍAS 15

\ . Página
VIII. “A Recompensa de Deus” .............................................. 406
À A Aflição e o Livramento de Je ru sa lé m .................... 407
I 1. O Apêlo do Profeta ao Senhor Contra os Opres-
\ sores dos J u d e u s ............................................................ 407
12. Efeitos da Manifestação da Presença do Senhor 412
B . \A Indignação do Senhor Contra Tôdas as Nações .. 417
C. |A Felicidade de Sião no F u tu ro ..................................... 423
IX. A Influência de Isaías em Três Situações no Reino
I de E zequias..................................................................... 427
A. Senaqueribe Exige a Capitulação de Jerusalém .. .. 429
B. O Rei Ezequias Recebe o Conselho de I s a ía s ............. 439
i- C. A Carta do Rei da A ssíria................................................ 440
D. A Oração de E zequias..................................................... 442
E.O Profeta Conforta a E zequias........................................ 446
F. Sinal para os Sobreviventes............................................ 448
G. Mensagem sôbre a Retirada de S enaqueribe............. 449
H. O Desastre dos Assírios e a Morte de Senaqueribe 450
I. A Doença de Ezequias e a Sua Cura Maravilhosa 452
J. A Embaixada de M erodaque-B aladã......................... 459

f
\ \

ISA!AS
INTRODUÇÃO, CAPÍTULOS 1 - 39
I. A História do Tempo de Isaías, 742-601
Não há outra obra do Velho Testamento que interesse
tão profundamente aos estudantes bíblicos como o Livro
de Isaías. O livro inteiro relaciona-se com mais de du­
zentos anos da história dramática da religião do povo de
Israel. Neste período o reino do sul, ou de Judá, na pro­
vidência de Deus, sobreviveu à subjugação política pela
Assíria, e, mais de cem anos depois, a pequena nação caiu
no poder da Babilônia. A cidade capital, juntamente com
o Templo do Senhor, foi completamente destruída; e o
seu povo mais importante foi levado em cativeiro. Assim
Judá escapou ao destino da morte nacional que Israel ti­
nha sofrido, para conservar o restante dos fiéis do povo
do Senhor no Império da Babilônia. Êstes judeus passa­
ram longos anos no cativeiro, mas tinham o privilégio de
habitar, ou viver como colônia, e assim manter em grande
parte os seus costumes nacionais e a sua própria religião.
Depois de setenta anos no cativeiro, êste grupo do povo
escolhido do Senhor Javé, na providência divina, foi liber­
tado e restaurado para a sua terra, disciplinado e prepa­
rado pelo Senhor, para cumprir a sua missão dé trans­
mitir, através da sua própria história, a revelação do amor
e do propósito do Senhor Deus para tôdas as nações do
mundo.
O profeta Isaías de Jerusalém, com os seus ensinos'
proféticos, imprimiu a sua influência pessoal no livro in­
teiro, mas as próprias mensagens dêle, segundo as evidên­
cias intèrnàs, são incluídas nos primeiros 39 capítulos da
obra.
0 profeta recebeu a sua visão inaugural no ano da
morte do rei Uzias ou Azarias, e exerceu o seu ministério
profético nos últimos 40 anos do século oitavo, no período
dos reinos de Jotão, Acaz e Ezequias. É difícil determi­
nar a data exata dos respectivos governos dêsses reis,
mas as conclusões dos estudantes modernos, à luz dos no­
vos conhecimentos arqueológicos, variam dentro de pou­
cos anos. Muitos concordam no ano de 742 a.C. como a
data da visão inaugural do profeta.
Uzias começou o seu reino em 783; Jotão governou
como regente de 750-742, e como rei de 742-735. Acaz rei­
nou de 735-715, e Ezequias de 715-687. Isaías exerceu o
seu ministério profético entre os anos 742 e 701, e possi­
velmente por mais alguns poucos anos. Não há certeza
de que tivesse proferido qualquer mensagem antes de ter
recebido a visão da majestade do Senhor, no Templo.
Israel e Judá no Reinado de Uzias, 783-742
Por muitos anos depois da morte de Salomão e a di­
visão do Reino de Israel, havia contendas e lutas políticas
entre os dois reinos, de significação local, especialmente
na influência da religião e da ética do povo. Mas quando
o Reino de Israel tornou-se mais poderoso sob o govêrno
de Onri e Acabe, os dois reinos dos israelitas, no desen­
volvimento do comércio internacional, chegaram a reco­
nhecer a insensatez das contendas locais perante o desen­
volvimento do Império da Assíria.
Isaías nasceu e passou os primeiros anos da mocidade
no período mais próspero na história de Israel e Judá des­
de o tempo de Salomão. Mas houve um período crítico
na história dé Israel quando Salmanaser III começou a cam­
panha militar, com o propósito de aumentar o domínio da
Assíria pela conquista das pequenas nações ao oeste e su­
doeste. Êle foi detido pela coalizão de Israel, Síria, Ha-
mate e outros pequenos aliados na batalha de Karkar ou
Carcar, c. 853. Mais tarde, Jeú, rei de Israel, pagou tri­
buto à Assíria, c. 842, Por alguns anos depois, Israel
manteve guerras com os arameus da Síria, II Reis 13:3.
Judá também sofreu dessas lutas, II Reis 12:17-18. Mas
por alguns anos, depois destas luta<s, quando os ara­
meus ficaram impotentes e os assírios se preocupavam
com problemas internos, Israel e Judá experimentaram o
maior período de prosperidade na sua história.
Jeroboão II de Israel restabeleceu domínio sôbre a
maior parte dos países governados por Salomão, II Reis
14:25, 28. Do saque dêsses estados, e do tributo que dêles
recebeu, ganhou Israel enormes riquezas.
Judá era menos poderoso, mas tornou-se próspero
nessa mesma época, sob o governo de Uzias ou Azarias.
A conquista de Edom e o pôrto de Elate do Mar Ver­
melho, II Reis 14:7, 22, lhe deu domínio sôbre o comér­
cio das caravanas entre o pôrto do Mediterrâneo e o les­
te. Uzias usou a renda dessas conquistas para desenvol­
ver a economia de Judá, e para fortalecer as suas defesas
militares, II Crôn. 26:1-15. Quando Isaías começou o seu
ministério público, Judá se achava no auge de sua pros­
peridade (Cp. Is. 2:7).
Com o grande aumento dos tesouros de prata e ouro,
de cavalos e carros, os ricos adoravam cada vez mais o
luxo, e os privilegiados se regozijavam na prosperidade
e na libertinagem, Is. 3:16-23; 5:11-22; 28:1; 32:9. Os
ricos abusavam do poder para perverter a justiça e rou­
bar os indefesos, 1:23; 3:14, 15; 5:23; 10:1,2. Os ava­
rentos ajuntavam casa a casa até que não houvesse mais
lugar. Assim êles ficaram como os únicos moradores no
meio da terra, 5:8. Nesta terrível desordem social,
acompanhada pela hipocrisia religiosa, 1:11, o jovem pro­
feta proclamou a justiça do Santo de Israel, e o dia imi­
nente do julgamento do Senhor.
/

Nessas condições econômicas, os políticos de Sama-


ria e de Jerusalém nada queriam saber dos perigos pro­
clamados pelos profetas. Como Amós tinha dito: «Êles
viviam sossegados em Sião, e sentiam-se seguros no mon­
te de Samaria», Am. 6:1. Os políticos, e até o povo em
geral, não tinham o discernimento moral para reconhecer
a gravidade da sua infidelidade para com o Senhor Javé,
o Santo de Israel. Nem podiam entender que a sua pros­
peridade material tinha sido o resultado, em grande par­
te, do descanso político, enquanto que a Assíria estava
preocupada com a subjugação dos vizinhos de Judá, com
o preparo para estender a sua campanha militar na con­
quista das pequenas nações vizinhas, e até do seu grande
rival, o Egito.
Antes da morte de Uzias, o Império da Assíria, sob
o govêrno do nôvo imperador, Tiglate-Pileser, já come­
çara a campanha de 18 anos de conquista dos países vizi­
nhos ao oeste. Dentro de poucos anos êle subjugou Ar-
pade, Damasco e Tiro, estendendo o seu domínio até Ha-
mate no Orontes. Cêrca de 738, Menaém, de Israel, pa­
gou tributo enorme ao conquistador, II Reis 15:19-20.
Não obstante o fato de que Judá se achava no caminho
da marcha do poderoso exército da Assíria, não há qual­
quer indicação de que as autoridades de Jerusalém tives­
sem qualquer noção do perigo do conquistador.
A Confederação de Rezim, Rei da Síria, e Peca,
de Israel
Alguns anos depois da subjugação de Israel por Ti­
glate-Pileser, Peca, assassino e usurpador do trono de
Israel, fêz aliança com Rezim de Damasco, em revolta
contra o domínio da Assíria. Cêrca de 735, êstes dois
reis planejaram atacar a Judá, e obrigá-lo a entrar numa
aliança política contra o domínio da Assíria, II Reis 15:
37; 16:5; Is. 7:1-2. É possível que o rei Acaz e os seus
conselheiros de Jerusalém já haviam adotado a política
de pedir o socorro da Assíria contra a aliança de Peca
e Rezim.
Nos capítulos 7 e 8 de Isaías temos um relató­
rio resumido da entrevista do profeta com o rei Acaz. O
mensageiro do Senhor revela claramente, nesta hora crí­
tica da história de Judá, o espírito profético no conselho
ao rei na sua grande perturbação. Procura animar o rei
com a mensagem do Senhor. O rei, da casa de Davi, deve
acautelar-se e ficar calmo, e não deve ter mêdo, nem fi­
car desanimado «por causa destes dois tocos de tições fu-
megantes». Êstes dois homens fracos e barulhentos es-
gotar-se-ão sem poder executar o seu plano contra Judá.
Isaías reconheceu que a Assíria se tornaria inimigo mais
perigoso de Judá do que a aliança de Rezim e Peca. A
aliança de Acaz com a Assíria mostra a falta de fé no
Senhor Deus, e o perigo crescente para a religião do povo
de Judá. Veja II Reis 16:7. Isaías aconselhou, em vão,
que o rei de Judá se libertasse de alianças políticas e con­
fiasse no Senhor.
É difícil entender, à luz dos eventos subseqüentes,
por que alguns escritores justificam esta submissão vo­
luntária à Assíria da parte do covarde Acaz. Êle aban­
donou a fé no Senhor Javé, o Deus do seu povo, fêz pas­
sar o seu filho pelo fogo, e entregou-se completamente
à idolatria, II Reis 16:10-18. Assim, precipitou o envol­
vimento de Judá no seu declínio político e religioso. Não
há nada na história dêsse homem para indicar que êle
demonstrou no seu govêrno quaisquer qualidades de esta­
dista. Quando o rei Acaz recusou definitivamente a men­
sagem do Senhor e entregou-se ao domínio da Assíria, o
profeta ficou quase inativo durante a maior parte do go­
vêrno dêsse rei infiel.
Todavia, Isaías apresentou o seu apêlo ao povo numa
série de breves mensagens, encontradas no capítulo 8.
Por meio de um ato simbólico, êle ilustrou a destruição
da Síria e de Israel. Com formalidade legal o mensagei­
ro do Senhor colocou uma placa num lugar público com a
inscrição A Maher-shalal-hash-baz, o nome de um dos seus
filhos, Rápido-despôja-prêsa-segura. Declarou, na ocasião,
«Antes que o menino saiba dizer meu pai ou minha mãe,
serão levadas as riquezas de Damasco, e os despojos de
Samaria, diante do rei da Assíria» — Is. 8 :4. Mas o povo
em geral, bem como as autoridades públicas mostraram
a mesma insensibilidade espiritual e incredulidade religio­
sa. A pregação do profeta produziu apenas a cegueira
mental e a dureza de coração, justamente de acôrdo com
o significado da visão inaugural.
Quando o povo em geral chegou a desprezar a men­
sagem divina, o profeta cessou por algum tempo o seu
ministério público, e marcou a ocasião por um ato signi­
ficativo. «Liga o testemunho, sela a lei entre os meus
discípulos» — 8:16. A expressão fica obscura, mas tal­
vez se refira às mensagens proferidas durante a crise com
Acaz, e que o profeta selou na presença de seus poucos
discípulos como protesto contra a incredulidade nacional.
É quase certo que havia, neste tempo de incredulidade
geral, um grupo de discípulos do profeta, instruído e de­
senvolvido mais tarde como o restante fiel.
O Significado da Queda de Samaria, 721
Tiglate-Pileser aceitou com alegria o tributo de Acaz,
matou o rei da Síria, conquistou a cidade de Damasco e
levou cativa uma grande parte do seu povo. Colocou um
títere no trono de Samaria, e assim fêz de Israel uma
província da Assíria. Quando Tiglate morreu, em 727, o
seu filho Salmanaser V ocupou o trono da Assíria, de 727-
722. Oséias, rei de Israel, pagou tributo a Salmanaser
por pouco tempo, e então conspirou com o rei do Egito
contra a Assíria, II Reis 18:4, no esforço de ganhar a sua
independência. Salmanaser respondeu logo com uma for­
te invasão de Israel. Sitiou a cidade de Samaria por mais
de três anos, II Reis 17:2-6, e a cidade caiu finalmente no
poder de Sargão II, sucessor de Salmanaser, no princípio
do ano 721. Assim terminou o Reino de Israel. As Dez
Tribos ficaram perdidas para sempre. Foi um caso de
genocídio, ou a destruição nacional. Uma grande parte
dos moradores da cidade, 27.290, foi deportada para a
Mesopotâmia e Média. Samaria passou a ser habitada por
uma população mista, e Judá limitava-se em parte com
uma província do Império da Assíria, exterminador de
nações.
Eventos no Reinado de Sargão II, 721-705
No primeiro ano do seu govêrno Sargão sofreu uma
derrota que lhe foi infligida pelo rei de Elão. Então sur­
giu logo entre as províncias do oeste, incluindo a Filístia
e o Egito, uma revolta contra a Assíria, mas Sargão es­
magou os revoltosos na batalha de Ráfia. Devido pro­
vavelmente à influência de Isaías, Judá não tomou parte
nesta batalha contra a Assíria. Na mensagem de 14:28-
32, proferida talvez no último ano de Acaz, Isaías adver­
tiu aos filisteus de que o poder da Assíria ainda não fôra
enfraquecido.
Surgiu entre os judeus, influenciados pelo Egito, mas
sem o apoio de Isaías, um movimento revoltoso contra a
Assíria, nos princípios do reinado de Ezequias. Numa
inscrição de 711 Sargão menciona Filístia, Éden, Moabe
e Judá, como os países obrigados a trazer tributo à Assí­
ria. Declara também que estas províncias tinham envia­
do sinais de homenagem a Faraó, príncipe sem poder de
ajudá-las. Sargão despachou uma expedição militar con­
tra Asdode, e com a queda do foco da conspiração, a re­
volta fracassou. Judá estava pagando tributo à Assíria,
mas não há evidência de que tomasse parte nesta cons­
piração .
A invasão de Judá por Senaqueribe, 701
Com o assassínio de Sargão e o estabelecimento de
Senaqueribe no trono da Assíria, em 705, surgiu entre
as províncias do grande império o desejo e a esperan­
ça de libertarem-se do domínio cruel do seu opressor.
Por alguns anos, 721-709, Merodaque-Baladã, o caldeu, ti­
nha oferecido resistência obstinada contra Sargão, e foi
subjugado com dificuldade. Revoltou-se também contra
Senaqueribe, e foi subjugado com duas campanhas do
exército assírio. No seu poder crescente, o Egito ambi­
cioso aproveitou-se das perturbações políticas para fo­
mentar a insurreição contra a Assíria. Nestas circuns­
tâncias, as províncias da Palestina e Fenícia uniram-se na
revolta. Contra o conselho de Isaías, Ezequias, de Judá,
tomou parte na conspiração.
De 705 a 701 o profeta Isaías dirigiu as suas mensa­
gens contra os conselheiros políticos que confiavam no
socorro do Egito, 28:7-13; 28:14-22; 29:15-16; 30:1-7;
31:1-3. Durante o govêrno de Ezequias, o grande mensa-
géiro do Senhor exerceu o seu ministério profético vigo­
rosamente, mas aparentemente com poucos resultados até
à crise na história de Jerusalém, quando aconselhou e per-
suádiü ao rei Ezequias a recusar a entrega da cidade de
Jerusalém ao poder de Senaqueribe, Is. 37.
, Nota-se uma certa mudança na pregação do profeta
no período do govêrno de Ezequias. No princípio do seu
ministério, o profeta denunciou em têrmos fortes o or­
gulho, a iniqüidade e a infidelidade religiosa do povo.,
Condenou severamente a. corrupção e a injustiça dos ricos
e das autoridades políticas. No período do govêrno de
Ezequias o profeta olhou mais para o futuro, e discutiu
a operação do propósito do Senhor na história, e especial­
mente na história do povo do Senhor. Ao mesmo tempo
êle denunciou severamente as intrigas políticas e a injus­
tiça social. Veja 28:14-15; 29:15-16; 31:1-3; 22:15-25;
28:1-21; 29:9-14. Quando Ezequias pediu o socorro do
Egito, o profeta denunciou «esta aliança com a morte»,
28:15.
Quando o rei e o povo confiavam no poder militar
e nas alianças políticas, o conselheiro espiritual do seu
povo declarou que a fé no Senhor Javé, o Santo de Israel,
o Deus da história, era a única esperança segura para
Judá. Ao mesmo tempo, o profeta reconheceu que a Assí­
ria era instrumento na mão de Deus para castigar o povo
infiel de Judá. Mas declara firmemente que o arrogan­
te conquistador será humilhado, 10:5-16; 37:22-25.
Como um dos conspiradores contra o Império da
Assíria, Ezequias aguardava a fúria da vingança de Se­
naqueribe. Na sua terceira campanha militar o terrí­
vel conquistador invadiu as províncias no oeste. Êle des­
creve as vitórias e as conquistas dramáticas daquela ex­
pedição no «Taylor-Prism», agora no Museu Britânico
(Veja a Arqueologia Bíblica do autor, p. 269). A sua
narrativa não concorda perfeitamente nos pormenores
com a da Bíblia, II Reis 18:13-16. Nota-se logo na sua
narrativa a arrogância e o exagêro costumário dos fatos
em favor da grandeza das vitórias militares, em contras­
te com a história clara e humilhante na Bíblia, II Reis
18:17-37. Senaqueribe não oferece qualquer explicação
porque abandonou o sítio de Jerusalém, mas dá a entender
que foi por causa do grande tributo que tinha recebido
de Ezequias.
Lembrando-se da sorte funesta de Israel, Ezequias,
por motivos de patriotismo e da religião, recusou-se a en­
tregar a cidade ao poder cruel da Assíria. Mas que podia
fazer nessa situação extrema? Virou-se ao homem de
Deus. Isaías tinha pregado corajosamente contra a polí­
tica de Ezequias na revolta contra a Assíria, mas nunca
tinha perdido a fé no propósito do Senhor de salvar a ci­
dade de Sião do poder de Senaqueribe. Não obstante o
fato de que o rei Ezequias havia seguido a política popu­
lar, contra o conselho do profeta Isaías, nesta grande
crise êle recebe e segue o conselho do mensageiro do Se­
nhor, e recusa submeter-se às exigências arrogantes de
Senaqueribe. O discernimento espiritual do mensageiro
do Senhor foi completamente verificado. De repente,
uma pestilência terrível atacou o acampamento dos assí­
rios, e matou 185.000 homens do exército assírio, Is. 37 :
36. Assim, Senaqueribe retirou-se repentinamente de
Judá, voltou para a sua terra, e nunca mais voltou contra
Judá e a cidade de Jerusalém. A sua política foi comple­
tamente alterada pelo desastre que sofreu na campanha
contra Jerusalém. Quando consideramos o significado
da salvação de Jerusalém do poder do exército cruel da
Assíria, é difícil exagerar a importância dêsse evento do
qual dependia o futuro da religião de Judá.
A inspiração divina que guiou o ministério profético
de Isaías e a bênção da providência de Deus que honrou
e conseguiu a realização das suas esperanças proféticas
constituem a mais linda história, e o mais profundo en­
tendimento da religião do povo do Velho Testamento.
Esta vitória da fé, juntamente com os eventos históricos
de 701, termina apropriadamente a carreira pública dês-
te nobre mensageiro do Santo de Israel.
II. A vida e o Ministério Profético de Isaías
Fora dos seus próprios escritos temos pouca infor­
mação sôbre a vida do profeta Isaías. Nasceu nos fins
do período da prosperidade econômica, e do declínio reli­
gioso de Israel e Judá. A poderosa nação da Assíria já
começara a campanha militar contra o ocidente, com o
propósito de conquistar o mundo. Isaías era menino quan­
do Amós, o primeiro profeta canônico, dirigiu ao reino de
Israel a mensagem do julgamento divino sôbre a infideli­
dade daquela nação. Amós e Oséias já tinham iniciado
o nôvo movimento profético, com novas revelações do
caráter de Deus e novas interpretações dos princípios
fundamentais do reino de Deus, quando Isaías recebeu a
visão da santidade e da majestade do Senhor Javé, e res­
pondeu voluntàriamente à voz de Deus: «Eis-me aqui, en­
via-me a mim.»
Era filho de Amoz, distinguido claramente do pro­
feta Amós. Segundo uma tradição persistente entre os
judeus, Amoz era de família nobre, irmão de Amazias,
rei de Judá, II Reis 14:1. No seu espírito como profeta
e como estadista, Isaías era mais nobre do que os reis de
Israel e Judá. O profeta geralmente ocupava uma posi­
ção social nos círculos^ políticos e sacerdotais. A sua
mentalidade aristocrática indicava a nobreza da família.
Em 8:3 a espôsa de Isaías é mencionada como pro-
fetisa, e alguns supõem que ela tivesse o dom e o espí­
rito de profecia. Mas é mais provável que as esposas dos
profetas eram chamadas profetisas por cortesia, do mes­
mo modo como as mulheres dos sacerdotes eram deno­
minadas sacerdotisas. Isaías teve dois filhos e êle lhes deu
nomes simbólicos: Sear-Jasube (Um-Restante-Yoltará);
Maher-shalal-hash-baz (Rápido-despôjo-prêsa-segura) .
Isaías exerceu o seu ministério profético nos últimos
40 anos do século oitavo, e possivelmente por mais um
pouco de tempo, mas não temos referência a qualquer
mensagem dêle depois do ano 701. De u’a maneira es­
pecial êste homem de Deus tomou parte proeminente nas
crises políticas e religiosas de Judá durante o seu mi­
nistério, e assim ganhou fama bem merecida como o
maior estadista da época, se não do Velho Testamento.
É certamente o mais poderoso profeta do Velho Testa­
mento. É claro que o Senhor levantou êste homem no
período da apostasia do seu povo, e no tempo da expan­
são do Império da Assíria, que ameaçou a destruição do
povo escolhido do Senhor. De acôrdo com a tradição,
êle sofreu martírio às ordens do rei Manassés, e foi pro­
vavelmente serrado ao meio (Cp. Heb. 11:37).
Em espírito aristocrático, Isaías comportou-se como
príncipe entre os homens, falando sempre com a auto­
ridade do embaixador do Santo de Israel. Nas prega­
ções, bem como nas obras e nas atividades proféticas,
êle sempre se apresenta como o mais alto exemplo da
cultura de Judá. Sempre demonstra a capacidade inte­
lectual de analisar os problemas políticos e sociais do
seu povo, e a habilidade profética de entender e interpre­
tar a mensagem do Senhor Javé, o Santo de Israel, de
acôrdo com as necessidades religiosas dos seus patrí­
cios. Sempre demonstra a firmeza de caráter para pre­
gar as verdades da revelação divina como a única solu­
ção dos problemas políticos, éticos, sociais e religiosos
de Judá. Observam-se, no estudo cuidadoso das suas
mensagens, não somente os seus maravilhosos talentos,
como também a perfeita harmonia no uso de seus dons
no esforço de orientar as autoridades políticas, e a socie­
dade nacional nos deveres e nas responsabilidades mo­
rais de acôrdo com a vontade revelada do Senhor.
Como Amós e os outros profetas, Isaías era homem
do seu tempo, influenciado pela história do seu povo, e
pelas crises históricas da época. Mas a fôrça da sua
personalidade, e seu discernimento espiritual dos sinais
do tempo, e sua transmissão das verdades eternas da
revelação divina para as gerações do futuro, elevaram
êste mensageiro do Senhor acima da época transitória,
e fizeram dêle um mensageiro de Deus para tôdas as ge­
rações subseqüentes. As verdades fundamentais que
Isaías proclamou vivem ainda, e viverão eternamente.
Não tinha, nem poderia ter, a última palavra da revela­
ção divina sôbre a glória e a graça de Deus, mas contri­
buiu muito para esclarecer as operações do Criador na
história humana, e o propósito e poder do Controlador
das atividades dos povos e das nações do mundo. A gló­
ria do Senhor enche o mundo inteiro, mas, na sua ma­
jestade maravilhosa, o Deus de Israel comunica-se com
os seus profetas, e com todos os seus servos fiéis.
Nas meditações sôbre a morte do seu rei Uzias, o
jovem experimentou a presença e o poder da santidade,
da majestade e da glória de Deus. E naquela sublime
visão, Isaías recebeu a incumbência de entregar-se nas
mãos do Senhor, e dedicar a vida completamente ao ser­
viço do Senhor. O velho monarca tinha governado o
reino de Judá no período da maior prosperidade nacio­
nal, mas estava nos últimos dias de sua vida, ou já ti­
nha morrido. É provável que Isaías já começara a en­
tender que a morte dêste poderoso rei do seu povo es­
tava marcando o fim de uma época na história de Judá,
e o princípio do período de anarquia e confusão (Cp,
3:18). Assim, na visão foi permitido ao jovem pro­
feta entender, à luz da revelação da santidade e da ma­
jestade do Senhor, o pecado da infidelidade do povo e
os sofrimentos que haviam de enfrentar por causa da
sua infidelidade e dos seus pecados, 6:9-13. A revelação
da Pessoa do verdadeiro Rei preparou Isaías para en­
frentar as responsabilidades e as obrigações morais de
receber e transmitir ao seu povo obstinado e rebelde os
seus ensinos, com coragem, confiança e persistência,
na dependência do socorro divino.
As verdades eternas imprimidas no espírito de Isaías
por essa experiência memorável são confirmadas pelos
resultados do seu ministério profético. Desempenhou-se
fielmente da incumbência que aceitou voluntariamente
em resposta ao Senhor, «A quem enviarei, e quem há de
ir por nós?» Manifestaram-se os resultados da pregação
da mensagem de Deus na vida e na história dos insensí­
veis e incrédulos, bem como no espírito e na missão do
restante fiel, o núcleo do povo regenerado pela graça de
Deus.
Convém reconhecer os quatro períodos do ministé­
rio dêsse profeta, e a adaptação da mensagem profética
às circunstâncias históricas da vida nacional. O pri­
meiro se estende desde a morte de Uzias em 742 até os
princípios do reino de Acaz em 734. O segundo é o pe­
ríodo de conflito do profeta com o rei Acaz, nos princí­
pios do seu reino de 734-715. O terceiro se centraliza
contra a política de aliança com o Egito contra o Impé­
rio da Assíria de 715-705. Na quarta divisão a profecia
relaciona-se principalmente com a invasão de Judá por
Senaqueribe, e a libertação de Jerusalém de 705-701.
1. As Profecias do Primeiro Período
É difícil determinar as ocasiões e as datas quando
foram proferidas muitas das mensagens de Isaías. Essas
questões serão discutidas mais elaboradamente no co­
mentário próprio. As pregações «a respeito de Judá e
Jerusalém» nos capítulos 1-5 foram proclamadas prova­
velmente no reino de Jotão.
As condições sociais e religiosas de Judá eram se­
melhantes às de Israel nos dias de Amós. Mas, devido
às maiores relações políticas de Israel com outras na­
ções, e especialmente devido ao casamento de Acabe com
Jezabel, o reino do norte foi mais influenciado pela re­
ligião dos fenícios do que o de Judá. Ao mesmo tempo,
na ingratidão para com o Senhor, na religião de cerimo-
nialismo, na infidelidade ao Senhor, e no fracasso mo­
ral, Judá não era superior ao Reino de Israel. O profeta
tm la dos pecados de Judá no espírito e no entendimen­
to do seu predecessor, Amós. O povo se mostra mais
insensível aos favores de Deus do que o boi e a jumenta
aos cuidados de seus donos, 1:3. A idolatria, a supers­
tição e a confiança nas riquezas são característicos da
vida nacional, cp. 2. Os males sociais, a opressão e a
injustiça praticadas contra os pobres e fracos pelos ri­
cos e poderosos, 3:9,14,15, e o luxo e a vaidade das
mulheres de Jerusalém, 3:16, são condenados com a
mesma severidade do profeta Amós. Nesse período do
seu ministério o profeta se apresenta como pregador da
justiça e do juízo vindouro. Os dois assuntos mais acen­
tuados nas pregações dêsse tempo são o pecado do povo,
especialmente dos ricos, e a certeza do desastre nacional,
5:8-24. As passagens 9:8-21; 10:22-23; 32:9-14, e pro­
vavelmente outras, foram proferidas nesse período.
O povo de Judá em geral, como o de Israel, influen­
ciado, sem dúvida, pela religião mais fácil e mais agra­
dável dos cananeus, julgava que podia ganhar os favo­
res do Senhor Javé pelos serviços rituais e os sacrifícios
custosos, apesar dos pecados e da infidelidade dos ofertan-
tes, 1:10-17. A Parábola da Vinha, 5:1-7, proclama em
têrmos claros que o Senhor esperava da casa de Israel,
e dos homens de Judá, o juízo em vez de opressão, e a
justiça em vez do clamor dos oprimidos.
Isaías proclama também o julgamento vindouro em
têrmos claros e cintilantes. O dia do Senhor não será o
dia de vitória e honra para o povo de Judá, como se es­
perava. Será antes o dia quando todo o soberbo e al­
tivo será humilhado perante a exaltada majestade e a
glória do Senhor, 2:9-22. O Senhor mesmo virá em pes­
soa para julgar os anciãos e os príncipes do povo, 3:14.
Em 1:24-26 o profeta olha para o futuro quando Judá
será purificada, como era dantes. Então Jerusalém se
chamará «idade de justiça, cidade fiel. Há dois lindos
quadros da Idade Messiânica do futuro, 2:2-4 e 4:2-6.
2. O Conflito do Profeta com o Rei Acaz
No esforço de persuadir o rei Acaz a confiar no au­
xílio do Senhor, e não fazer aliança com a Assíria, o pro­
feta fracassou. Os profetas em geral sempre se mos­
travam contra alianças políticas das pequenas nações de
Israel e Judá com as nações poderosas. Opuseram-se
igualmente à violação de tais alianças que pudessem re­
sultar na sua subjugação, ou na sua ruína final. Apre­
sentam-se nos capítulos 7 e 8 a história do confli­
to de Isaías com o rei Acaz, e algumas mensagens sim­
bólicas dirigidas ao povo. Nesta segunda parte do seu
ministério, o profeta se apresenta como conselheiro po­
lítico, e, segundo a opinião de muitos estudantes, como
verdadeiro estadista. Instava com tôda autoridade pro­
fética para que Acaz renunciasse à confiança no auxí­
lio político, e confiasse no socorro do Senhor. «Se não
crerdes, certamente não sereis estabelecidos.» Isaías en­
tendeu claramente a insensatez do rei Acaz em subme­
ter-se voluntariamente ao domínio da Assíria, pagando
tributo a Tiglate-Pileser para livrá-lo da ameaça da Sí­
ria e Efraim quando êle já havia começado o seu plano
de conquistar os pequenos países ao oeste.
Com a rejeição da sua mensagem pelo rei e pelo
povo em geral, o profeta interrompeu a sua atividade
profética até à morte do rei Acaz. Houve, porém, um
pequeno grupo de homens que ouviu com interêsse as
pregações do profeta. Entre êstes que se destacaram de
entre a geração incrédula e insensível, e receberam com
alegria os ensinos do mensageiro do Senhor, havia aquê-
le restante fiel de que dependia o futuro do reino de
Deus.
3. A Operação do Propósito de Deus na História
Com a morte do rei Acaz e á inauguração do rei
Ezequias, Isaías reassumiu o seu ministério profético.
A profecia contra os filisteus foi proferida neste perío­
do, 14:28-32. Durante êste período o profeta pregou
freqüentemente, dirigindo as suas mensagens ao rei
Ezequias, às autoridades políticas, no esforço de orien­
tar a vida nacional de acôrdo com a vontade do Senhor.
No ministério dêsse período (18:1-7; 19:1-15; 20:
1-6; 22:1-25), nota-se uma certa mudança no interêsse
e nas mensagens do profeta. Na primeira parte do seu
ministério êle denunciou severamente o orgulho, a ini­
qüidade e a infidelidade religiosa do povo. Condenou
igualmente a corrupção e a opressão do povo pelos ho­
mens ricos e poderosos. No reino de Ezequias o profe­
ta pensava mais profundamente na operação do propó­
sito de Deus na História. Continuou a censurar as in­
trigas políticas das autoridades, 28:14-15; 29:15-16;
30:1-5; 31:1-3. Nos anos de 715 a 711 êle fala menos
na injustiça e opressão, e trata do problema da queda de
Samaria, e a extinção do reino das Dez Tribos. Fala
mais claramente sôbre o problema que perturba os pen­
sadores de tôdas as gerações. O Império da Assíria era
mais cruel do que a nação de Israel que êle tinha des­
truído. Vangloriou-se no sítio de Jerusalém, dizendo:
«Porventura como fiz a Samaria e aos seus ídolos, não
o faria igualmente a Jerusalém e aos seus ídolos?» Com
clareza crescente o profeta anunciava a aniquilação da­
quele império envolvido no plano divino para o estabe­
lecimento do verdadeiro reino de Deus no mundo. É di­
fícil para alguns teólogos de hoje entender o ensino de
Isaías, de que Deus pudesse usar o poder cruel da Assí­
ria na realização do seu propósito na direção da histó­
ria humana (10:5). Depois de ser usada como instru­
mento na mão de Deus no castigo de Judá, a Assíria se­
ria destruída pelo poder supremo do Senhor, 10:5-17.
4. A Invasão de Judá por Senaqueribe, e a Salvação
de Jerusalém
Aparentemente, Ezequias não prometeu a Meroda-
que-Baladã auxílio na revolta contra a Assíria. É cer­
to, todavia, que os países pequenos, vizinhos de Judá, en­
traram na conspiração contra o poderoso império, en­
corajados aparentemente pelo revoltoso Merodaque-Ba-
ladã da província da Babilônia. Logo que subjugou êste
persistente revoltoso da Babilônia, Senaqueribe, o nôvo
rei da Assíria, iniciou a campanha militar contra as pro­
víncias revoltosas do oeste. Embora Judá não tomasse
parte na aliança contra a Assíria, Ezequias, com o seu
povo, ficou amedrontado perante a pavorosa campa­
nha militar de Senaqueribe. Seguindo o conselho dos
políticos, Ezequias pediu a ajuda do Egito (28:7-13,
14:22; 29:15-16; 30:1-7; 31:1-3). O mensageiro do Se­
nhor denunciou vigorosamente esta aliança com a morte,
28:15, e a esperança falsa de achar segurança política
por meio de alianças militares.
Isaías entendeu claramente a ambição e a política pe­
rigosa da Assíria, bem como a futilidade de qualquer
aliança de Judá contra ela. A única fôrça de Judá con­
tra a agressão arrogante da Assíria não seria militar, mas
sim o propósito do Santo de Israel, o Controlador da Histó­
ria. O rei Ezequias e os políticos aparentemente tinham dú­
vidas quanto ao valor do auxílio militar do Egito, e ten­
taram esconder do profeta os seus desígnios, 29 :15; 30:1.
Mas o profeta acompanhava as atividades e os planos
dêsses homens, e freqüentemente usava de linguagem
irônica sôbre os seus esforços sutis de enganar o Todo-
Poderoso (29:15; 30:1-12; 31:1-2). Nessa situação pe­
rigosa, Isaías usou métodos ainda mais drásticos para
influenciar a opinião pública contra a rebelião. Por três
anos êle andou «nu e descalço», 20:1-6, como sinal da
humilhação que o Egito havia de sofrer às mãos da
Assíria.
O profeta reconheceu que Judá também tinha que
sofrer a invasão da Assíria, e que isto seria o julgamen­
to inevitável do Senhor. Assim, nas suas pregações, o
mensageiro do Senhor procurou desenvolver o espírito
religioso das autoridades e do povo, e prepará-los para
enfrentar a tragédia sem perder a fé no Senhor da His­
tória, o Deus de Israel. Como tinha procurado persuadir
o rei Acaz a não fazer aliança com a Assíria, agora êle
se esforça para mostrar às autoridades a tolice de fazer
aliança com o Egito em revolta contra a Assíria.
Na orientação divina, Isaías entendeu claramente
os limites do poder da Assíria no eterno propósito de
Deus. Releva notar, todavia, que o profeta nunca iden­
tificou a política da Assíria com o propósito moral do
Todo-Poderoso. Veja 10:32 e 10:33. A crise na vida de
Jerusalém ofereceu ao Senhor dos céus e da terra a oca­
sião de demonstrar a sua majestade, a sua glória e o
seu poder no transtorno do poder arrogante da Assíria.
A libertação de Jerusalém do poderoso exército militar
de Senaqueribe é um exemplo supremo na história in­
teira da redenção poderosa do Deus Altíssimo. Foi a
inauguração do reino de santidade, justiça e paz, reser­
vado para o restante purificado do povo escolhido.
A orientação e o encorajamento do rei Ezequias pelo
profeta nessa ocasião, com os seus resultados de eterna
significação para o reino de Deus no mundo foi uma
conclusão apropriada do ministério dêsse grande homem
de Deus. «Com os pés na terra firme, a cabeça nas nu­
vens e o coração nas verdades eternas do Deus verdadei­
ro», êste servo de Deus entendeu claramente a injustiça
política e a infidelidade religiosa do seu povo. Homem de
convicções inabaláveis, êle pregava fielmente as verdades
eternamente operativas na vida dos homens e das nações.
Na comunhão entranhável com o Espírito do Senhor Oni­
potente, êste pregador da justiça divina tinha a autori­
dade e o poder de apresentar a mensagem de esperança
ao seu povo na hora da angústia, e assim salvou o reino
enfraquecido de Judá da tragédia nacional que ocorrera
com o Reino de Israel.
III. A Teologia de Isaías
Não há diferença especial entre os ensinos teológicos
de Isaías e os outros profetas da época. Êles concordam
nos ensinos sôbre a natureza e o caráter do Senhor Javé,
o Deus de Israel; a controvérsia divina com o povo de Is­
rael e Judá; o julgamento vindouro de Israel e Judá pela
agência da Assíria; e o estabelecimento final do reino de
Deus no mundo. Isaías, porém, entendeu mais claramen­
te do que os outros profetas os fatos políticos da história
humana. Como resultado da visão inaugural, êle enten­
deu mais claramente a santidade, a majestade e a glória
eterna de Deus, a missão de Israel, e o futuro do Reino
Messiânico do Senhor dos céus e da terra.
Pois na experiência religiosa de Isaías, Deus era o
Soberano, o Exaltado, o Senhor Javé dos Exércitos, o
Santo cuja glória enchia tôda a terra. No seu alto e su­
blime trono o Senhor Javé é o Rei, não somente de Israel,
mas o Soberano absoluto e universal do mundo inteiro.
As criaturas resplandecentes, os serafins, que refletem e
proclamam a glória divina, são cônscios das suas imper­
feições em comparação com a majestade do Senhor, e co­
brem o rosto e os pés na presença do seu Criador.
O profeta contemplava profundamente o mistério so­
lene da visão que recebera do Senhor; o fogo simbólico
da expiação; a severidade da mensagem divina dirigida ao
povo de Israel; e acima de tudo a santidade inacessível do
Senhor Javé. A significação radical de santidade é sepa­
ração, mas o que separa o Senhor do universo que Êle
criou é a bondade e a justiça do seu propósito nas ativi­
dades de preservar e dirigir as obras da criação. A san­
tidade ou a divindade descreve a superioridade infinita do
Senhor em relação às criaturas do mundo. A santidade
não descreve qualquer atributo especial da natureza di­
vina, mas declara apenas a noção da divindade, na sua
distinção de tôdas as outras formas de existência.
O têrmo santidade, per si, não especifica qualquer
atributo de Deus, mas toma a sua qualidade da natureza
e do propósito de todos os atributos do Senhor, como a
bondade e a justiça, 5:16. A bondade, a justiça e o amor
de Deus são absolutos. Tôdas as virtudes humanas são
relativas. A justiça soberana é pessoal nas relações com
o homem criado à imagem de Deus. No seu amor e na
sua justiça Deus fala à consciência do homem, exigindo
dêle a submissão e a obediência. Mas é na revelação pró­
pria do Senhor que o homem conhece a vontade e o pro­
pósito de Deus para a sua vida na sociedade humana. O
Santo de Israel é o Rei soberano na história de tôdas as
nações. Não obstante o fato de que os homens não enten­
dem perfeitamente a significação das obras divinas, é o
Senhor Javé quem governa a História de acôrdo com o
seu eterno propósito na criação do homem (Cp. 5:12,19;
28: 23-29; 29:14).
O Santo de Israel é inteiramente diferente de outros
santos: na sua natureza, na soberania, no propósito das
suas atividades, e na exigência de obediência universal
à sua vontade.
A glória do Senhor relaciona-se com o universo in­
teiro. «Tôda a terra está cheia da sua glória.» Santo,
santo, santo é o Senhor dos Exércitos. Esta afirmação
dos serafins declara o que Deus é em si mesmo. Tôda a
terra está cheia da sua glória. Esta declaração descreve
o que Deus é na revelação. Assim o cântico dos serafins
declara que a plenitude da terra inteira é a glória de
Deus.
0 Senhor Javé na História
A doutrina da soberania de Deus, acentuada nos
ensinos de Isaías, levou o profeta a pensar na revelação
do propósito do Senhor na História. No propósito do seu
reino, o Soberano pergunta na visão quem há de repre­
sentá-lo na terra. Desde então, Isaías pensava no pro­
pósito do Senhor que se realiza progressivamente no go-
vêmo providencial do mundo, 5:12; 10:12,23; 14:24,26,27;
28:21-24. A obra do Senhor significa para o profeta o
estabelecimento do seu Reino de Justiça no mundo. É
o ato final e decisivo que o Senhor executará na grande
consumação da História.
As autoridades irreligiosas não podiam entender as
obras e as atividades do Senhor na direção da História,
5:12. Permaneciam cegas quanto à operação da provi­
dência de Deus na vida dos homens e das nações. O gênio
de Isaías, em comunhão com o Espírito do Senhor, per­
cebeu que o reino do Senhor é supremo, não somente
na esfera da natureza física, como também no govêmo
da história humana. Como a glória do Senhor enche tôda a
terra, assim também a atividade do Criador penetra tôda
a história humana. Como os homens eram cegos quanto
à glória do Senhor, assim também os irreligiosos zomba­
vam das atividades de Deus no controle da história dos
homens e das nações.
Isaías, como Amós, acentuava os atributos austeros
do Senhor. Fala freqüentemente sôbre a sabedoria, o
zêlo e a ira do Senhor, 28:29; 31:2; 9:7; 9:19; 10:6. A
justiça divina liga-se diretamente com a santidade do
Senhor, 5:16. Embora Isaías, de Jerusalém, não fale do
amor como atributo do Senhor Javé, o Santo de Israel,
êle reconhece claramente o propósito da graça de Deus
em tôdas as suas relações com Israel, 30:18. No senti­
mento vigoroso de Isaías, Deus se apresenta como o So­
berano absoluto, de majestade suprema e de glória infi­
nita. Deus fala aos homens por intermédio do profeta
Isaías como o Senhor Javé dos Exércitos, com a autori­
dade do Criador e do Rei dos céus e da terra.
O Senhor Javé e Israel
O concêrto do Senhor com o povo de Israel deter­
minou o desenvolvimento das escrituras do Velho Tes­
tamento. Mas neste sentido temos que entender a signi­
ficação do concêrto, Qên. 12:3 e Êx. 19:1-6. Isaías, como
os outros profetas, baseou a sua mensagem ao povo nesta
relação especial entre o Senhor e a nação de Israel. De
acôrdo com o concêrto, o Senhor Javé é o Deus de Israel,
e Israel é o povo de Deus. É evidente em todos os escri­
tos proféticos que o povo em geral não entendeu clara­
mente a verdadeira significação do concêrto. Israel se
ufanava da sua relação peculiar com o Senhor, mas não
quis entender ou aceitar a responsabilidade religiosa que
o concêrto lhe impunha. Javé é o Deus de Israel num
sentido especial. E, correlativamente, Israel é o povo do
Senhor num sentido especial.
Porquanto a sua religião fôsse nacional, segundo os
profetas, Israel tinha a incumbência de servir ao Senhor
como nação sacerdotal. Por intermédio dos profetas, o
Senhor trata com o povo de Israel no seu conjunto. O
pecado do israelita é reconhecido como delito nacional.
Todos os israelitas tinham que reconhecer e honrar ao
Senhor Javé na vida pessoal, mas sempre como membro
do conjunto nacional. Em virtude da solidariedade nacio­
nal, todos os israelitas, em tôdas as esferas da vida,
eram responsáveis perante o Senhor pelos pecados ou
pela fé e obediência do grupo.
Deus como Soberano universal, em virtude do seu
propósito na escolha de Israel, era Rei, num sentido es­
pecial, dêste povo. Israel, por sua parte, representava o
reino de Deus na terra. Isaías era o mensageiro do Rei,
comissionado para falar ao povo e orientá-lo de acôrdo
com a revelação do Senhor Soberano. Portanto, Isaías,
como os outros profetas, se esforçava para estabelecer
as relações de harmonia espiritual entre o Rei e o povo
do seu reino. Para êste profeta a religião nacional resu­
mia-se na frase a santificação do Senhor dos Exércitos
(8:13; 29:33).
O julgamento do estado moral de Israel pelo profeta
era simplesmente a aplicação dêstes princípios às con­
dições sociais é religiosas do povo da época. Experimen­
tando a visão da Santidade do Senhor, o jovem Isaías
sentiu-se perdido, separado de Deus pela sua impureza.
Logo em seguida, êle reconheceu a condição pecaminosa
da vida inteira de Israel como nação. O seu próprio pe­
cado foi purificado pelo contato com o fogo divino, o
símbolo da santidade do Senhor. Mas aprendeu na mesma
ocasião que o único fogo que poderia purificar a nação
mergulhada na iniqüidade era o fogo do julgamento su­
premo, que podia queimar ou destruir os elementos peca­
minosos de Israel, deixando apenas o restante indestru­
tível, a santa semente, 6:13.
A visão da Santidade do Senhor, na sua majestade
e justiça, preparou o jovem para entender e interpretar
a insensibilidade, a impureza, e a corrupção do povo em
geral, bem como a tirania, a injustiça e a hipocrisia das
autoridades políticas, ricas e poderosas, 29:13; 1:10-17;
1:4.
Nas circunstâncias religiosas da época, Isaías enten­
deu que a sua pregação teria o efeito de afastar o povo
hipócrita ainda para mais longe do Deus Santo. Israel
como nação tinha abandonado ao Senhor, e o Senhor o
rejeitara.
Uma das doutrinas básicas e fundamentais dêste
mensageiro do Senhor é que a fé tem que ser o motivo
e a fôrça da orientação de Israel na sua vida política,
bem como na vida religiosa, 7:9. Aquêle que crer não se
apressará, 28:16. Na tranqüilidade e na confiança será a
vossa fôrça, 30:15. Estas declarações nos oferecem a
chave para abrir o entendimento desta grande profecia.
Quando o destino do povo em geral foi determinado pela
incredulidade e a infidelidade, os que se separaram dos
pecaminosos e incrédulos da época eram orientados e
abençoados de acôrdo com a sua fé no Santo de Israel.
Portanto, o julgamento iminente de Israel não apresenta
quaisquer terrores para aquêles que crêem na palavra
certa da Revelação.
Os Ensinos Escatológicos de Isaías
Os escritores do Velho Testamento são os primeiros
entre todos os povos antigos do mundo que apresentam
um conceito distintivo, definitivo e coerente do signifi­
cado da História. A origem histórica da religião bíblica
forneceu aos escritores a chave para a interpretação da
História. Os mensageiros da revelação de Deus sabiam
interpretar as atividades do Senhor na sua vida nacional.
Entenderam não somente o propósito do Senhor, na sua
própria história, como também na criação do mundo para
o serviço e o desenvolvimento da humanidade inteira.
O Criador dos céus e da terra está dirigindo a história do
mundo para o alvo que êle mesmo predeterminou.
Mas, como os outros profetas, Isaías reconheceu a
desarmonia, a incoerência e as imperfeições religiosas do
povo de Israel, em comparação com o reino ideal do fu­
turo que pela fé no Deus Santo e Justo esperava. Aparen­
temente, os profetas do século oitavo esperavam uma
catástrofe física e social, seguida por uma nova ordem
do reino de Deus na terra, no qual tôdas as fôrças da
natureza se tornariam subservientes às necessidades da
humanidade completamente renovada.
Há quatro elementos nos ensinos de Isaías sôbre o
futuro do reino de Deus: O Dia do Senhor, O Restante, O
Reino Messiânico e A Inviolabilidade de Sião. Alguns
dizem que há contradições nestes ensinos. É verdade que
as circunstâncias históricas e religiosas determinavam a
variação da ênfase em cada um dêles, mas isto certa­
mente não significa contradições. Significa antes a har­
monia no julgamento divino da massa do infiéis e do Res­
tante Fiel.
O Dia do Senhor
Isaías, 2:12-21, como Amós, 5:18, descreve o Dia
do Senhor como o dia que será contra todo soberbo e altivo,
e contra todo o que se exalta, para que seja abatido, 2:12.
No conceito do Dia do Senhor, os dois profetas explicam
as conseqüências da rebelião e da infidelidade de Israel
e Judá. Naquele dia o Senhor se apresentará no esplen­
dor da sua glória e da sua majestade para julgar os po­
vos, a soberba, a autoridade e o poder dos homens infiéis.
Todos êstes serão abatidos, e lançarão às toupeiras e aos
morcegos os seus ídolos de prata e os seus ídolos de ouro
que fizeram para adorar, 2 :20 .
Isaías não limitou a significação do Dia do Senhor
ao desastre da invasão de Judá pelos assírios. Reconheceu
que o Senhor usou a Assíria como instrumento para o
castigo de Judá, e ensinou também que o propósito de
Deus visava à destruição do cruel Império da Assíria.
Depois da retirada do exército de Senaqueribe que infli­
giu um desastre terrível contra Judá e Jerusalém, Isaías
reconheceu que o Dia do Senhor, o Santo de Israel, seria
o alvo da história humana quando o reino da justiça di­
vina fôsse estabelecido na terra.
O Restante Fiel do Senhor
Por meio do nome de um dos seus filhos o profeta
proclama esta doutrina do Restante fiel: Sear-Jasube
(Um-Restante-Voltará). O ensino do significado dêsto
nome do filho indica que Isaías, bem cedo, talvez desde
a visão inaugural, 6:13, nutria a esperança, se não a cer­
teza, de que um restante do povo de Israel seria salvo do
desastre vindouro. Não há qualquer contradição neste
ensino do arrependimento e salvação de um grupo fiel
ao Senhor, e a infidelidade persistente da massa que as­
sim traria sôbre si a destruição completa. O fogo do
julgamento, como a brasa viva da visão, pode destruir,
5:24; 9:19, ou pode purificar, 1:25,26. O Senhor não
podia abandonar Israel, o seu povo, enquanto houvesse
alguns sobreviventes da Filha de Sião, 1:9. O propósito
divino no castigo de Israel é a disciplina para que o povo
reconheça a sua infidelidade, se arrependa da iniqüidade
e se volte ao Senhor, 9:13; 10:12. Mas para os revolto­
sos persistentes contra o Senhor a destruição final é ine­
vitável, 28:22. Deus pode perdoar, purificar e salvar os
pecadores que se arrependem e se voltam com fé ao
Santo de Israel. A ameaça para os infiéis toma-se uma
gloriosa promessa para os fiés. Um-Restante-Voltará.
Naquele dia o restante de Israel e os sobreviventes da
casa de Jacó nunca mais se estribarão naquele que os feriu,
mas se estribarão no Senhor, o Santo de Israel, 10:20.
Quanto ao Reino de Israel, Isaías não esperava mais
do que um pequeno número de sobreviventes, 17:5,6, por­
que aquela nação como tal tinha que sofrer o extermínio.
Quanto a Judá, a promessa de salvação foi limitada ac
número das pessoas que receberiam a mensagem do pro
feta e se arrependeriam, depositando a fé na graça sal
vadora do Senhor. Em 10:20-23 o restante é constituído
dos escapados de Jacó. Mas é provável que Isaías pensava
em formar, ensinar e treinar o grupo de seus discípulos.
8:16-18, como o grupo fiel ou o núcleo do reino futuro
do Senhor. Êste resto indestrutível dos israelitas, ou da
casa de Jacó, levou o profeta Isaías, desanimado com os
resultados da pregação da Palavra de Deus, a reconhecer
que o seu serviço como mensageiro do Santo de Israel
tinha valor inestimável e permanente para a religião do
futuro.
O Reino Messiânico
O têrmo Messias originou-se do costume de ungir
com óleo, 5 pessoas ou cousas, e assim separá-las
para um serviço especial do Senhor. O têrmo Messias,
- T

ungido, usa-se no Velho Testamento para designar o Rei


Ideal da casa de Davi, sempre com a esperança de que êle
estabeleceria o reino ideal de justiça. Teórica e simboli­
camente todos os reis eram ungidos do Senhor, represen­
tantes do reino de Deus na terra. Mas na prática muitos
dos reis contribuíram para a corrupção do govêrno, e o
desvio do povo para a infidelidade e a idolatria.
Não há outro profeta que tenha entendido tão clara­
mente o fracasso religioso do povo escolhido como aquêle
que havia experimentado a visão da santidade do Senhor.
Mas êste mensageiro zeloso do Senhor nos apresenta tam­
bém o Rei Ideal do futuro, o Rei Messiânico da casa de Davi.
A figura dêste Rei e do seu reino apresenta-se freqüente­
mente na obra de Isaías, 7:14-17; 9:2-7; 11:1-9; 32:1-5.
Opiniões variam quanto à ordem cronológica destas
passagens, e também quanto à interpretação do seu signi­
ficado. Não há razão suficiente para se duvidar de que
êstes trechos são profecias genuínas de Isaías. O con­
traste entre os ensinos destas passagens e o teor da pro­
fecia que trata da infidelidade da massa do povo concor­
dam perfeitamente com a visão inaugural e as experiên­
cias subseqüentes do profeta. Não há razões suficientes
para se rejeitar a interpretação messiânica do oráculo
de 7:14-17. A passagem evidentemente se relaciona com
9:2-7. Nestes dois oráculos o destino nacional depende
do nascimento da Criança. Êste fato indica que Emanu EI
ó idêntico à Criança Maravilhosa de 9:6,7. Em 7:14 a
criança é Deus Conosco, e em 9:6 é Deus Forte, Pai da
Eternidade, Príncipe da Paz. A criança nascida da virgem,
Mat. 1:23, é o Messias, o herdeiro maravilhoso do trono
de Davi. Isto não é declarado na passagem, mas o pro­
feta reconhece que a incredulidade de Acaz determina o
destino trágico para a nação, e desde então o profeta de­
posita sua confiança no restante fiel. Êle declara aqui
como o Rei Messiânico há de nascer . Em 9:1-7 êle men­
ciona os atributos divinos do Messias que lhe deram a
habilidade de inspirar e guiar o restante que tinha andado
nas trevas, para ver e andar na luz resplandecente do Se­
nhor. Em 11:1-9 o Messias é um rebento do tronco de
Jessé, dotado com o Espírito do Senhor, o espírito de sa­
bedoria e entendimento, o espírito de conselho e de forta­
leza, o espírito de conhecimento e do temor do Senhor. Os
atributos conferidos ao Rebento pelo Espírito do Senhor
significam, como as outras passagens, a divindade do Ungi­
do do Senhor. O Espírito do Senhor confere ao Rei Messiâ­
nico o discernimento e a energia devocional para executar
o govêrno perfeito do seu reino eterno de justiça e paz.
Os versículos 1-8 e 15-18 do capítulo 32 descrevem o
reino justo e reto do Messias. 0 profeta não fala, nestas
passagens, nos atributos divinos do Rei ideal, menciona­
dos nos capítulos 9 e 11, mas descreve a perfeição do go­
vêrno do Messias vindouro.
A Inviolabilidade de Sião
Portanto, assim diz o Senhor Javé:
Eis que estou assentando em Sião, uma pedra,
uma pedra já provada,
pedra preciosa de esquina, de fundação segura;
aquêle que crê não se apresse, 28:16.
Nos dias de Ezequias os assírios ameaçaram Jerusa­
lém, e no sítio da cidade pelo exército poderoso de Senâ-
queribe, a destruição do monte do Senhor parecia inevi­
tável. Mas o Senhor tinha revelado ao profeta o propó­
sito de salvar Jerusalém, mostrando-lhe embora, também,
a necessidade imperiosa de castigar e disciplinar o povo
antes que o reino divino pudesse ser aperfeiçoado. Em vá­
rias declarações o profeta reconheceu a Sião como o centro
do reino futuro do Senhor, 1:26,27; 2:2-4; 8:18; 14:32;
18:7; 28:16; 29:1; 30:19,29; 37:32.
Isaías viu a glória do Senhor no Templo, o lugar da
habitação divina na terra. Nos últimos dias o reino de
Deus será estabelecido no monte da casa do Senhor, 2:1.
No tempo do maior perigo o Senhor assentou-se no Monte
Sião, e defendeu a cidade contra os inimigos. Assim ma­
nifestou o seu poder perante tôdas as nações. Sião como
o Santuário do Senhor é inviolável. Será salvo na crise
do julgamento, e será o refúgio dos salvos da calamidade
nacional. A santidade de Sião, como o resto fiel da casa
de Davi, é o penhor divino da indestrutibilidade da cidade
dos servos fiéis do Senhor.
Alguns pensam que esta convicção inabalável do
profeta a respeito da inviolabilidade de Sião firmou-se
nos últimos dias do seu ministério. Há, porém, numero­
sas referências ao Monte Sião, como a habitação do Se­
nhor, em várias partes da profecia. E estas referências a
Sião como a habitação do Senhor indicam que esta cer­
teza do profeta a respeito de Jerusalém como o centro do
reino eterno do Senhor era um dos princípios básicos nos
ensinos de Isaías.
IV. Característicos Literários do Profeta Isaías
A maior parte da sua profecia foi escrita em forma
de poesia. É muito semelhante à estrutura da poesia
dos Salmos, de Provérbios e de outras profecias. Os co­
mentaristas modernos geralmente reconhecem três ou
quatro espécies de composição na profecia. Os oráculos
são as declarações ou as mensagens que o profeta recebe
diretamente do Senhor, com a incumbência de transmi-
ti-los ao povo como a Palavra de Deus. As memórias são
as narrativas autobiográficas que o profeta conta ao povo.
São geralmente explicações da chamada ao ministério
profético, ou de outras experiências pessoais com Deus.
A biografia profética distingue-se das memórias, porque
são narrativas a respeito do profeta contadas por outras
pessoas, e não pelo profeta mesmo, como no caso de 7 :1-17.
Oráculos
O elemento de suprema importância da profecia é
o Oráculo, ou a mensagem que o profeta recebe direta­
mente do Senhor com a vocação de transmiti-la ao seu
povo. O oráculo é geralmente proclamado como a Pala­
vra de Deus. Ao mesmo tempo o profeta podia sentir-se
incumbido de publicar em forma permanente a mensagem
recebida do Senhor, Jer. 36:1-4. Isaías, como Jeremias, re­
conheceu a incumbência pessoal de apresentar uma série
de seus oráculos na forma escrita, 8:16-18; 30:1. Quando
o profeta declara: Assim diz o Senhor, 10:24;37:6, êle
é o portador da mensagem da autoridade do Senhor, o
Deus Soberano.
O oráculo podia tomar a forma de repreensão, ameaça,
exortação ou promessa. Estas formas aparecem, às vêzes,
em combinação, como repreensão e ameaça, ou como exor­
tação e promessa, 5:8; 5:24; 10:1-4; 10:20; 7:4-6. O
profeta verdadeiro não falava da sua própria volição, por­
que sempre se sentia constrangido pela vontade do Se­
nhor, Jer. 20:7-9.
Quando o profeta tinha a certeza de que havia sido
comissionado pelo Senhor, a experiência da chamada e da
comunicação espiritual com Deus influenciou profunda­
mente o seu ministério profético e fortaleceu a mensa­
gem para com os ouvintes (Cp. Jer. 20:9).
Memórias
Estas narrativas autobiográficas aparecem na for­
ma de prosa, mas encontram-se nelas, de vez em quando,
alguns breves oráculos pessoais, 6:8-13; 8:1,5-8, 12-15.
No capítulo 6 Isaías conta uma das mais importantes
narrativas autobiográficas em tôda a literatura profética.
É a história da experiência pessoal com o Senhor quando,
por meio da visão inaugural, o jovem sentiu-se vocacio­
nado e comissionado como mensageiro do Santo de Israel.
Biografia Profética
Esta forma da literatura profética consta de narra­
tivas escritas sôbre as atividades do profeta por outra
pessoa, como 7:1-17; 20:1-6; 36:1-39:8. Mas há opiniões
diferentes a respeito dos capítulos 36-39. Alguns escrito­
res pensam que a primeira passagem, 7:1-17, foi origi­
nalmente autobiográfica, e foi mudada em biográfica por
algumas pequenas mudanças do texto, dando a entender
que é a mensagem de Isaías, mas escrita por outra pessoa,
Mas o profeta certamente podia escrever na terceira pes­
soa sôbre as suas próprias experiências. Encontram-se
também oráculos em algumas destas narrativas biográ­
ficas, como 37:22-29; 38:10-20. Algumas destas passa­
gens biográficas apresentam problemas críticos que serão
discutidos no comentário.
V. O Texto Massorético e o Rôlo do Mar Morto
O nosso comentário baseia-se quase que inteiramente
no hebraico do Texto Massorético datado em 895, e guar­
dado atualmente no Cairo. Seguimos, de vez em quando,
o texto sugerido na margem da Bíblia Hebraica, editada
por Rud. Kittel da American Bible Society, ou outras
versões aprovadas por alguns dos mais eruditos comen­
taristas. Não temos exemplares dos outros dois manus­
critos antigos guardados em Alepo e Leninegrado, mas
apenas algumas referências dos mesmos em outras obras.
Temos um exemplo dos LXX que consultamos freqüen­
temente .
Passaram-se quinze séculos desde o tempo do profeta
Isaías até à publicação do Texto Massorético da sua pro­
fecia. Êste texto foi transmitido através dos anos com
muito cuidado e fidelidade. Mas no correr dos anos o
texto original inevitavelmente sofreu algumas pequenas
modificações na transmissão, devido aos erros dos copis-
tas, e talvez, em raros casos, devido ao esforço de escla­
recer textos difíceis ou duvidosos. Mas são poucos os
exemplos dos textos cujo sentido é duvidoso ou inexpli­
cável .
As versões do grego, latim, siríaco e aramaico podem
oferecer um pouco de auxílio no estudo do texto hebraico,
quando o sentido do texto não fôr bem claro, mas devem
ser usadas com cuidado.
Entre a descoberta de manuscritos bíblicos na caverna
de Ain Feshca, perto do Mar Morto, em 1947, havia um
manuscrito de Isaías quase completo, e outro que pre­
serva mais ou menos a têrça parte da profecia. O pri­
meiro dêstes é geralmente conhecido como O Rôlo de
Isaías do Mosteiro d,e São Marcos, de Jerusalém, mas agora
pertence ao govêrno de Israel. Êste manuscrito concorda,
em geral, com o Texto Massorético. Mas apresenta al­
gumas poucas variações, importantes no estudo do texto.
Os tradutores da Revised Standard Version preferiram
treze destas variações em lugar do Texto Massorético.
O manuscrito incompleto de Isaías segue mais de perto
o Texto Massorético, e tem pouco valor no estudo de pas­
sagens difíceis do hebraico.
Mas êstes manuscritos, datados agora na última parte
do segundo século, ou na primeira parte do primeiro sé­
culo antes de Cristo, são os mais antigos exemplos do
texto da profecia, e concordam notàvelmente com o texto
tradicional.
Análise dos Capítulos 1-39
Há quatro divisões principais destes capítulos: I.
Capítulos 1-12; II. 13-27; III. 28-35; IV. 36-39.
ESBÔÇO MAIS COMPLETO DÊSTES CAPÍTULOS, 1:1-39:»
I. A Infidelidade de Judá e Jerusalém, 1:1-5:29
A. O Sobrescrito, 1:1
B. A Controvérsia do Senhor com o Seu povo,
1 :2-31
1. A Ingratidão do Povo de Israel, 1:2-3
2. A Nação Pecaminosa, 2:4-9
3. A Palavra do Senhor sôbre a Religião
e a Vida, 1:10-17
4. Arrependei-vos, 1:18-20
5. Lamento sôbre Jerusalém, 1:21-23
6. O Julgamento da Parte do Senhor,
1:24-26
7. A Operação da Justiça Divina na Vida
de Israel, 1:27-31
8. A Vinda dos Povos ao Senhor de Sião,
2:1-5
C. O Castigo da Idolatria e do Orgulho Humano
no Dia do Senhor, 2:6-22
D. O Julgamento Divino de Jerusalém e de Judá,
3:1-15
1. A Anarquia Social, 3 :l-7
2. O Povo Arruinado, 3:8-12
3. Os Esmagadores do Povo, 3:13-15
E. As Mulheres Altivas de Jerusalém, 3:16-4:1
F. A Beleza e a Glória de Sião Purificada, 4:2-6
G. Um Cântico d.a Vinha do Senhor, 5:1-7
H. Ais Contra os Perversos, 5:8-30
II. Resguarda o Testemunho, 6:1 - 8:18
A. A Visão Inaugural de Isaías, 6:1-13
B. Isaías e a Guerra Siríaco-Efraimita, 7:1-8:15
1. Sinal de Sear-Jasube, 7:1-9
2. Sinal de Emanuel, 7:10-17
3. A Invasão Iminente, 7:18-25
4. Sinal de Maher-Shalal-Hash-Baz, 8:1-4
5. Os Dois Rios Simbólicos, 8:5-8
6. A Fé do Profeta no Senhor Emanuel,
8:9-10
7. O Temor do Homem e o Temor de Deus,
8:11-15
C. Isaías Cessa as Atividades Proféticas, 8:16-18
III. Superstições dos Vacilantes na Fé, 8:19-9:1
A. Admoestações Contra o Espiritismo, 8:19
B. À Lei e ao Testemunho, 8:20; 9:1
C. O Reino Messiânico, 9:2-7
D. O Julgamento de Efraim Apresenta uma Li­
ção para Judá, 9:8-10:4
IV. Não Temas a Assíria, 10:5-12:6
A. A Ameaça Arrogante da Assíria, 10:5-34
1. A Jactância da Assíria, 10:5-16
2. A Labareda do Senhor Consumirá as
Florestas da Assíria, 10:17-19
3. Um Resto de Israel e Judá Voltará ao
Senhor, 10:20-23
4. Sião Será Liberto do Jugo da Assí­
ria, 10:24-27
5. O Invasor Aproxima-se, 10:28-32
6. A Humilhação dos Invasores Orgulho­
sos, 10:33-34
B. O Reino Pacífico e Justo d,o Messias, 11:1-16
1. O Rebento de Jessé, 11:1-9
2. O Messias e a Nova Glória de Israel,
11:10-16
C. Culto de Louvor pela Restauração de Israel,
12 :1-6
O Julgamento de Reinos e de Povos, 13:1-23:18
A. O Destino da Babilônia, 13:1-22
B. A Queda do Tirano das Nações, 14:1-23
C. O Propósito do Senhor na Destruição da
Assíria, 14:24-27
D. A Alegria Prematura dos Filisteus, 14:28:32
E . Oráculo Concernente a Moabe, 15:1-16:14
F . Oráculo sôbre a Aliança de Israel e a Síria,
17:1-11
1. Oráculo Concernente a Damasco, 17 :l-6
2. Abandono dos ídolos, 17:7-8
3. Segurança Falsa, o Culto de ídolos,
17:9-11
G. O Poder Mundial Se Levanta e Cai, 17:12-14
H. Profecia Contra o Egito, 18:1-20:6
1. Resposta do Profeta aos Emissários
da Etiópia, 18:1-7
2. Profecia Contra o Egito, 19:1-15
3. Judá e o Senhor Javé, um Terror para
os Egípcios, 19:16-17
4. Os Egípcios e os Assírios Adorarão ao
Senhor, 19:18-25
5. Evita Alianças Políticas com Estran­
geiros, 20:1-6
I. Uma Visão da Queda da Babilônia, 21:1-10
J. Oráculo Concernente a Dumá, 21:11-12
K. Oráculo Concernente a Arábia, 21:13-17
L. A Leviandade Religiosa dos Moradores de
Jerusalém, 22:1-14
M. A Degradação de Sebna, 22:15-25
N. A Profecia Contra Tiro, 23:1-18
1. Oráculo Concernente a Tiro e Sidom,
23:1-14
2. A Restauração de Tiro Depois de Se­
tenta Anos, 23:15-18
Despertai e Cantai, os Que Habitais no Pó,
24:1-27:13
A. O Bom Efeito do Castigo de Israel, 24:1-23
1. A Terra Ficará Desolada por Causa do
Pecado dos Habitantes, 24:1-12
2. Um Clamor de Confiança, 24:13-16a
3. A Grande Catástrofe, 24:16b-20
4. O Julgamento e a Nova Era, 24:21-23
B. Maravilhas das Atividades do Senhor, 25:1-12
1. Salmo de Gratidão pelo Livramento
do Povo, 25:1-5
2. Profecia da Idade Messiânica, 25:6-8
3. Hino de Louvor pela Humilhação de
Moabe, 25:9-12
C. Um Pedido de Salvação Mais Perfeita,
26:1-19
1. Gratidão pela Vitória, 26:1-6
•2. O Povo Espera Ansiosamente os Juizes
Retos do Senhor, 26:7-10
3. As Bênçãos da Disciplina e da Orien­
tação Divina, 26:11-15
4. Experiências Tristes Que o Povo So­
freu Antes da Sua Redenção, 26:16-18
5. Os Teus Mortos Viverão, os Seus Cor­
pos Ressuscitarão, 26:19
D. Conclusão da Mensagem de Aspirações e Es­
peranças, 26:20-27:13
1. O Povo Deve Esconder-se até Que
Passe o Julgamento Divino, 26:20-21
2. A Punição dos Poderes Cruéis do Mun­
do, 27:1
3. Cântico da Vinha do Senhor, 27:2-6
4. A Significação da Disciplina de Israel,
27: 7-11
5. Uma Profecia da Restauração dos Des­
terrados de Israel, 27:12-13
VII. Não Escarneçais, Agravando, Assim, os Vossos
Grilhões, 28:1-32:20
A. O Castigo Certo de Efraim e Judá, 28:1-29
1. A Queda da Capital de Israel, 28:1-6
2. Bêbedos entre os Sacerdotes e Profetas
de Jerusalém, 28:7-13
3. A Aliança com a Morte e com o Sheol,
28:14-22
B . A Providência do Senhor em Relação ao Seu
Povo, 28:23-29
C. A Obra Maravilhosa do Senhor, 29:1-14
1. A Humilhação e o Livramento de Je­
rusalém, 29:1-8
2. A Cegueira e a Hipocrisia do Povo,
29:9-12
3. A Religião Meramente Convencional
Perecerá, 29:13-14
D. A Rejeição da Segurança da Fé no Senhor,
29:15 - 30:17
1. A Repreensão dos Conspiradores,
29:15-16
2. A Redenção de Israel, 29:17-24
3. A Infidelidade de Judá na Aliança Po­
lítica com o Egito, 30:1-7
4. No Sossêgo e na Confiança a Vossa
Fôrça, 30:8-17
E. O Poder do Deus Invisível, 30:18-31:9
1. Promessa para o Povo Sofredor de
Sião, 30:18-26
2. Será Destruído o Inimigo do Povo de
Deus, 30:27-33
3. A Fôrça de Cavalos e o Poder do Se­
nhor, 31:1-3
4. O Senhor dos Exércitos É o Defensor
de Jerusalém, 31:4-9
F. A Comunidade Ideal na Idade Messiânica,
32:1-8
1 . 0 Estabelecimento do Govêrno Mes­
siânico, 32:1-2
2. A transformação Espiritual do Povo
na Idade Messiânica, 32:3-5
3. Contraste entre os Característicos do
Fraudulento e do Honesto, 32:6-8
4. Advertência Contra as Mulheres de
Jerusalém, 32:9-14
5. 0 Poder Transformador do Espírito
na Idade Vindoura, 32:15-20
VIII. A Recompensa Divina, 33:1-35:10
A. A Aflição e o Livramento de Jerusalém,
33:1-24
1. O Apêlo ao Senhor Contra os Opresso­
res dos Judeus, 33:1-13
2. Efeitos da Manifestação da Presença
do Senhor, 33:14-24
B. A Indignação do Senhor Contra Tõdas as
Nações, 34:1-17
C. A Felicidade de Sião no Futuro, 35:1-10
IX. A Influência de Isaías no Reino de Ezequias,
36:1-39:8
A. Senaqueribe Exige a Capitulação de Jerusa­
lém, 36:1-37:4
B. O Rei Ezequias Recebe o Conselho do Pro­
feta Isaías, 37:5-7
C. A Carta do Rei da Assíria, 37:8-13
D. A oração de Ezequias, 37:14-20
E. O Profeta Aconselha e Conforta Ezequias,
37:21-29
F. Sinal para os Sobreviventes, 37:30-32
G. O Desastre dos Assírios e a Morte de Sena-
queribe, 37:33-38
H. A Doença de Ezequias e Sua Cura Maravi­
lhosa, 38:1-21
I. A Embaixada de Merodaque-Baladã Visita o
Rei Ezequias, 39:1-8
Capítulos 1 - 3 9
TEXTO, EXEGESE E EXPOSIÇÃO
I. A Infidelidade de Judá e Jerusalém — 1 :1 - 5:29
Esta primeira secção do livro consta de profecias re­
cebidas do Senhor e transmitidas a Judá e Jerusalém no
primeiro período do ministério de Isaias. Nesta série
de oráculos o profeta apresenta acusações e ameaças do
Senhor contra o povo de Judá, com a promessa de mi­
sericórdia divina, nas condições de arrependimento e
obediência à vontade revelada de Deus. Neste primeiro
capítulo o profeta dá ênfase aos ensinos básicos do li­
vro e ao seu ministério como mensageiro de Deus.
A. O Sobrescrito — 1:1
1. A visão de Isaías, filho de Amoz, que êle viu concernente a
Judá e Jerusalém, nos dias de Uzias, Jotão e Ezequias, reis
de Judá.

O versículo é claramente o título da profecia que ter­


mina com as narrativas sôbre o reino de Ezequias nos
cps. 36-39. Todavia, é mais apropriado para os primei­
ros doze capítulos. Há, porém, uma série de ameaças con­
tra o reino de Israel em 9:8-21, e nos capítulos 13-23 há
um grupo de oráculos contra várias outras nações. Mas
estas nações estão relacionadas, de uma ou de outra ma­
neira, com a história de Judá.
A visão, }Í?Hi, de Isaías aparentemente indica aqui a
mensagem inteira do livro, mas êste fato não exclui o
sentido radical da palavra. O cp. 6 descreve o signi­
ficado da visão na experiência do profeta. O têrmo tem
o sentido largo de ver, contemplar, perceber, sentir e ex­
perimentar. Assim, todos os verdadeiros profetas do Se­
nhor tinham a vocação de receber e entender a mensagem
da revelação divina, distingui-la de seus próprios pensa­
mentos, e entregá-la ao povo de acôrdo com a vontade
divina.
O nome Isaías, , significa Jave é a salvação
ou Javé dará a salvação. Êste grande mensageiro do Se­
t : “ :

nhor entendeu e exemplificou a significação simbólica do


próprio nome nas suas pregações. O nome do pai de
Isaías é Amoz, diferente do nome do profeta Amós.
Enquanto o profeta fala principalmente “concernen­
te a Judá e Jerusalém”, no cap. 7, e em vários outros
lugares, êle trata das relações do Reino de Israel com
Judá. Jerusalém, a cidade do profeta, a capital de Judá,
e o centro da teocracia, é considerada, às vêzes, como a
região inteira de Judá. É também distinguida de Judá,
e recebe ênfase especial no livro, 3:1, 8; 5:8; 22:21.
Alguns insistem em que a frase “reis de Judá” é tau-
tológica, e foi acrescentada depois do tempo de Isaías,
mas frases paralelas se encontram nos títulos dos livros
de Jeremias, Oséias, Amós e Miquéias.
B . A Controvérsia do Senhor com o Seu Povo, 1:2-31
É fato significativo a posição do profeta no meio da
história do povo escolhido. A bondade do Senhor não ti­
nha despertado o espírito de gratidão no íntimo dos filhos
de Judá, e o castigo disciplinar não os tinha levado ao
arrependimento e à obediência. Contudo, o Senhor Javé,
110 seu amor imutável, não podia desampará-los, mas le­
vantou profetas para admoestar ao povo de Judá sôbre o
perigo da destruição daqueles que persistem na rebelião
contra o seu Deus, e a calamidade do desprêzo da pala­
vra divina claramente revelada por intermédio dos men­
sageiros do Senhor.
0 profeta explica neste capítulo a controvérsia do
Senhor com o seu povo de Judá. Judá está sofrendo as
conseqüências da sua rebelião contra o Senhor, mas não
quer aprender a lição do seu sofrimento. 0 profeta de­
nuncia o culto que o povo de Judá julga agradável a Deus
e esclarece o espírito da religião verdadeira. Não obstan­
te a sua infidelidade, o povo ainda pode voltar-se para o
Senhor.
1. A Ingratidão do Povo de Israel, 1:2-3
2. Ouvi, ó céus, e dá ouvidos, ó terra;
porque o Senhor é quem fala:
Criei filhos, e os engrandeci,
mas êles se rebelaram contra mim.

3. O boi conhece o seu possuidor,


e o jumento a manjedoura do seu dono:
mas Israel não conhece,
o meu povo não entende.

Êstes dois versículos poéticos constituem a introdu­


ção de uma série de mensagens recebidas do Senhor,
apresentando, ao mesmo tempo, a razão básica da terrí­
vel denúncia de Judá. Os céus e a terra são chamados
para testemunhar a acusação do Senhor contra o seu
povo. É uma introdução profundamente significativa.
Moisés começou o seu cântico de Deut. 32:1-43 com o
mesmo apêlo aos céus e à terra. Quando o Senhor ofe­
receu ao seu povo a liberdade de escolher entre a bên­
ção e a maldição, entre a obediência e a desobediência,
êle chamou os céus e a terra como testemunhas, Deut.
30:19. Segundo Amós 3:9 e Miquéias 6:2, o procedimen­
to revoltoso de Israel é publicado aos exércitos dos céus
e aos habitantes da terra. A rebelião contra o Senhor tor­
na-se mais grave à luz da verdade de que a sua glória en­
che os céus e a terra, Is. 6:3; Amós 4:13. É o Todo-
Poderoso quem opera na História para conseguir o seu
eterno propósito, Is. 10:5.
Porque é Javé quem fala. É o grande EU SOU, rPHií
mas para Moisés, os profetas e os israelitas êle é Javé
(Jeovah), m rP , ÈLE É.
Criei e engrandeci filhos. A forma destes dois ver­
bos no hebraico é intensiva. Os têrmos são sinônimos,
mas no uso de palavras sinônimas, a segunda geralmen­
te avança o sentido da primeira. A primeira palavra aqui
descreve o processo de criar e educar carinhosamente o
filho; a segunda refere-se à alta posição do filho bem
treinado. Assim o Senhor gerou o seu filho, libertando-
o da escravidão do Egito. Deu-lhe a independência como
povo, com as suas próprias leis; plantou-o na sua própria
terra, e levantou profetas para lhe transmitir as eternas
verdades da revelação divina. Além de tudo isto, o Se­
nhor lhe deu a incumbência de preservar e entregar às
nações da terra as verdades eternas recebidas do Se­
nhor.
Através da História o Senhor tratou o seu povo es­
colhido como filho querido. Êste versículo no princípio
da mensagem severa do profeta, bem como Oséias 11:1-4,
refuta a opinião popular de que o ensino da paternidade
de Deus apresenta-se somente em o Nôvo Testamento.
Aqui o Senhor fala como pai, comovido pelo sentimen­
to de pesar despertado pela insensibilidade e a infidelida­
de de Israel, e do sofrimento que está trazendo sôbre si
mesmo pela rebelião contra o seu Deus, de santidade, jus­
tiça e amor. Na sua infidelidade o povo tinlia perdido
a capacidade de discernir ou avaliar o amor imutável
do seu Deus.
Foi assim que o filho Israel correspondeu ao amor
paterno do seu Deus. Esta palavra yti*E , significa ram-
per relações com alguém, ou separar-se completamente
“ T

dêlc. Assim Israel se rebelou contra a casa de Davi, I


Heis 12:19. Pela própria vontade, e até com violência,
Judá tinha rompido a sua própria relação com o seu Se­
nhor. Apesar do amor de Deus que o povo tinha experi­
mentado através da História, e não obstante a promessa
solene da fidelidade (Êx. 1,9:8), o filho revoltoso renun­
ciou ao amor imutável do Senhor e abandonou o seu
Deus.
Havendo violado o concêrto de Deus, e cortado os
laços que o prendiam ao Senhor, Israel tinha perdido
o seu sentido moral, e a capacidade de reconhecer a gra­
vidade do seu pecado. Com a persistência na rebelião, o
povo tinha perdido a capacidade de arrepender-se e vol­
tar ao Senhor. Desde o tempo de Davi e Salomão, o espí­
rito revoltoso do povo em geral tornava-se cada vez mais
forte. Os reis Asa e Joás se esforçaram para fazer uma
reforma religiosa entre o povo, mas com poucos resul­
tados. Os reis, os ricos e o povo em geral tinham caído
tão completamente na imoralidade, que praticavam, sem
escrúpulo, a injustiça, a corrupção e a idolatria. Rejei­
tavam a palavra dos mensageiros do Senhor e entrega­
vam-se de coração ao serviço agradável dos deuses es­
tranhos. Isto também acontece com todos que se esque­
cem de Deus.
0 profeta acentua a tragédia da ingratidão de Israel
pelo contraste com a fidelidade instintiva dos animais do­
mésticos aos seus donos. Até o boi conhece o seu dono.
Esta palavra, y p é muito rica nos seus vários sentidos.
Usa-se aqui no sentido de conhecer por experiência. O
animal doméstico conhece instintivamente a bondade do
seu dono. Trabalha docilmente no serviço do homem, e
dêle recebe sustento. Não tem qualquer propensão de
mudar o seu modo de viver e servir, ou de recusar obe­
decer fielmente à vontade do dono. Também pela expe­
riência o jumento tem conhecimento, pelo menos, da
manjedoura do seu possuidor.
Israel deve ter profundo conhecimento filial do Se­
nhor, o conhecimento entranhável do amor do seu Deus,
mas tinha perdido até o sentido de gratidão, característi­
co do animal doméstico. Não entende, r a , não tem con­
sideração, não reconhece mais que são filhos do Senhor
Javé, que a sua própria existência e a sua felicidade de­
pendem da graça de Deus (Jer. 5:24).
2. A Nação Pecaminosa, 2:4-9
4. A h! nação pecaminosa,
povo carregado de iniqüidade,
descendência de malfeitores,
filhos corruptores !
Êles abandonaram o Senhor,
desprezaram o Santo de Israel,
afastaram-se para, trás.

Nota-se a mudança do ritmo nesta poesia de lamen­


tação. O Senhor tinha falado pelo profeta e acusado os
seus filhos de rebelião. Mas nesta lamentação do Pai,
acentua-se ainda mais a tragédia da revolta de Judá. Há
neste versículo quatro substantivos para designar os re­
voltosos: nação, povo, semente, filhos.
As nações vizinhas ignoravam a revelação divina
que os israelitas tinham recebido por intermédio dos
mensageiros do Senhor. Mas Deus, o Pai de Israel, de­
clara neste versículo que o seu próprio povo se tornara
"nação pecaminosa” em vez de uma nação santa; “povo
iníquo” ou “perverso” em vez de um povo justo; “se­
mente de malfeitores” em vez de a descendência do povo
escolhido do Senhor; “filhos que praticam a corrupção”
em vez de filhos do amor imutável do seu Pai.
A palavra Ah! descreve o sentimento de dor do Pai
abandonado pelos filhos, e não se refere aqui ao sofri­
mento de Judá, segundo a nossa interpretação, mas pode
significar o ai do povo pecaminoso. 0 participio NI2'P1
declara que a nação vai errando repetidamente o alvo
da sua vocação. 0 povo é sobrecarregado, * 0 3 ,oprimi-
d ^ vv
do de perversidade, T
ou atos malignos. Os filhos da
casa do Pai degeneraram, — T
tornaram-se crimino-
sos. Abandonaram, 31!?, o Senhor, desprezaram,
ou rejeitaram com desdém “o Santo de Israel”, o seu
- T ' T

próprio Deus. A frase, o Senhor de Israel, usada freqüente­


mente pelo profeta Isaías, originou-se evidentemente com
a experiência na visão inaugural no Templo. A Santidade
é a natureza essencial do Senhor que o separa e o exalta
acima de tôda a criação. Pessoas e cousas são denomi­
nadas santas apenas no sentido da sua separação para o
serviço do Senhor. A frase voltaram para trás não tra­
duz nitidamente o hebraico que é um pouco difícil. A
forma reflexiva do verbo -flté melhor traduzida “se es­
tranharam completamente”, apostataram. Chamado
para ser um povo santo, Israel tinha recebido as provas
do amor imutável no concerto do Sénhór, mas tinha
rompido os laços que o prendiam ao Santo de Israel.
Não obstante o plural dos verbos no versículo cin­
co, o autor personifica a nação, e descreve a sua enfer­
midade como se fôsse homem gravemente enfêrmo. Al­
guns dizem que a descrição sugere o corpo de escravo
tão castigado que não há mais lugar nêle sem feridas.
Assim traduzem Hfâ “Em que parte sereis ainda fe­
ridos?” Mas, “Por que” traduz melhor o hebraico. O
verbo !"D3 significa ferir, matar, Jos. 10:26. Por que
continuais a vossa rebelião, a vossa apostasia?
T T

O povo tinha recebido bastante castigo para ser le­


vado ao arrependimento. O corpo estava cheio de contu­
sões, e o coração se tornara fraco e insensível. Não ha­
via nada recomendável na sua vida moral e religiosa.
É desesperada a condição nacional. Havendo despreza­
do o Santo de Israel, a única fonte do seu socorro, o
povo, na sua miséria, não tinha qualquer alívio ou con-
fôrto, e não manifestava qualquer desejo de voltar-se
para o Senhor.
A ferida, , com a carne rasgada deve ser atada;
a pisadura, nTlâH >deve ser amolecida com óleo; a cha
T “

ga sangradora, n v"Ü deve ser espremida e limpa,


para se tornar curável. Assim a nação pecadora tinha
T * * T “

trazido sôbre si a terrível moléstia que ameaçava des­


truí-la, e não quis arrepender-se para receber a salva­
ção. “Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não
tenho prazer na morte do perverso, mas em que êle se
converta do seu caminho e viva” (Ez. 33:11; Cp. Is.
1 :18) .
5* Por que sereia perpetuamente feridos,
visto que continuais em rebeldia ?
Tôda a cabeça está doente,
e todo o coração enfermo.
6. Desde a planta do pé até à cabeça,
não há nêle cousa sã,
senão feridas, plsaduras
e chagas sangradoras,
não espremidas, nem atadas,
nem amolecidas com óleo.

7. A vossa terra está assolada,


as vossas cidades consumidas pelo fogo;
em vossa, própria presença
estranhos devoram a vossa lavoura;
a terra se acha devastada, como subversão de estranhos.

8. A filha de Sião é deixada


como choça na vinha,
como palhoça no pepinal,
como cidade sitiada.

9. Se Javé dos Exércitos


não nos tivesse deixado alguns sobreviventes,
nóc teríamos sido como Sodoma,
e nos teríamos tornado semelhantes a Gomorra.

Os versículos cinco e seis descrevem a enfermidade


de Israel em linguagem figurativa. Nos versos sete e
oito o profeta conta literalmente o fato da invasão da
terra por estranhos, com resultados desastrosos. A se­
melhança entre a figura do homem severamente castiga­
do e a terra arruinada pela invasão de inimigos, apresen­
ta um exemplo do estilo artístico do profeta. O versículo
sete é muito semelhante a Lev. 26:33, que fala da mal­
dição da desobediência.
É difícil determinar se o profeta está falando da
invasão de Israel pelos sírios e efraimitas, II Reis 14:8-
14 e II Crôn. 24 e 25, ou se se refere à destruição vandá-
lica de Senaqueribe quando êle entrou na terra e des­
truiu, segundo a sua própria narrativa, “46 cidades for­
tificadas e vilas sem número” . Os expositores modernos
geralmente ligam a referência à terrível devastação cau­
sada pelo exército cruel da Assíria.
A vossa terra é uma assolação, ou fica com-
pletamente em ruínas. A vossa lavoura traduz correta­
T T S

mente a vossa terra, o vosso solo produtivo, ou os pro­


dutos do solo. A palavra HOSníi, transtorno ou subver-
são, significa o transtorno feito pelos estranhos. Em to­
T ** I "

dos os outros lugares esta palavra sempre se refere à


destruição de Sodoma e Gomorra, Deut. 29:23, Is. 13:
19, Jer" 50:40 e Amós 4:11. Alguns intérpretes pensam
que o profeta usou aqui o transtorno da Sodoma, mas
o texto é claro.
Foi uma dolorosa experiência para Isaías entregar
esta mensagem tão dura do Senhor ao seu povo infiel,
sem qualquer sentimento de culpa, e sem qualquer de­
sejo de abandonar os seus pecados e voltar ao seu Deus.
Mas foi a pregação corajosa dêste mensageiro do Senhor
que finalmente levou um pequeno grupo do seu povo ao
arrependimento, o restante fiel que salvou Judá da des­
truição do poder cruel da Assíria, o mesmo poder que
destruiu para sempre a nação de Israel.
Os têrmos A Filha de Sião e A Virgem Filha de Sião
usam-se freqüentemente para designar a cidade de Je­
rusalém . A forma genitiva da aposição diz A filha, Sião.
O nome Sião designou originalmente o outeiro que Davi
tomou dos jebuseus, dando-lhe o nome de Cidade de
Davi. Foi chamada também a Cidade Santa. A palavra
filha personifica a cidade. Agora, à luz das descobertas
arqueológicas, é reconhecido que Jerusalém existiu mui­
tos séculos antes do tçmpo de Davi (Ver A Arqueologia
Bíblica do' autor, p . 206}.
Na referência à vinha e ao pepinal o profeta está
pensando nêles antes dè serem recolhidos os seus fru­
tos, Quando fala de Jerusalém como choça na vinha, ou
a palhoça no pepinal, está dirigindo sua atenção à soli­
dão da cidade, e também à fraqueza dela perante os ini­
migos.
Se a palavra sitiada, , se refere ao sítio pelo
exército da Assíria, quando Senaqueribe “fechou o rei
T S

Ezequias na cidade como se fecha o pássaro na gaiola”,


a providência divina não permitiu ao arrogante general
realizar o desejo de capturar a capital de Judá, II Reis
19:35. Pelá misericórdia de Deus, e segundo o seu pro­
pósito na escolha de Israel, Judá não foi completamente
destruída, como foi aniquilada Sodoma, que ficou sem
sobreviventes.
O Senhor dos Exércitos, ÍYjKHS !Tirp , foi usado
como o nome de Deus em I Sam. 17:45, no sentido dos
T J

exércitos militares de Israel. Mas foi abandonado aquê-


le uso da frase, talvez depois da captura da arca pelos
filisteus. Mas desde o período antigo da história de Is­
rael a frase designava O Senhor dos Exércitos celestiais,
Juizes 5:20; e mais tarde tem o sentido de O Senhor dos
céus e da terra, Amós 4:13, Is. 54:5, Jer. 31:35 (Cp.
A Teologia Bíblica do Velho Testamento do autor, p.
62).
Alguns sobreviventes, é o primeiro
exemplo do ensino de Isaías sôbre “o restante de Israel”
T J • * T

que sobreviverá (Ver 4:2; 10:19-23; 17:6; 28:5, 6). O


nome do primeiro filho do profeta significa “Um-Res-
tante-Voltará” . A doutrina do restante não se baseia na
clemência dos inimigos de Israel, mas na misericórdia,
no propósito e na operação de Deus na História.
3. A Palavra do Senhor sôbre a Religião e a Vida, i :10-17
10. Ouvi a palavra do Senhor,
vós governadores de Sodoma !
dai ouvidos ao ensino do nosso DeuS:
povo de Gom orra!
11. De que me serve a mim a multidão de vossos sacrifícios?,
diz o Senhor;
Estou farto dos holocaustos de carneiros,
e da gordura de animais cevados;
não me agrado do sangue de novilhos,
nem de carneiros, nem de bodes.

Havendo apresentado as acusações contra a nação


pecaminosa, juntamente com os resultados desastrosos
da injustiça, o profeta dirige ao povo a palavra do Se­
nhor e o ensino do nosso Deus. O Senhor não se agrada
de ofertas e sacrifícios,; de festas religiosas e de assem­
bléias solenes, apresentadas com cerimônias elaboradas,
mas espera antes o tributo da justiça, do amor, da bon­
dade e da misericórdia nas relações sociais do seu povo
(Cp. Amós 5:21-24; Os. 6:6; 8:11-14; Miq. 6:6-8; Jer.
7:22-23).
Não se pode deixar de reconhecer o conflito entre
o sistema sacrificial dos sacerdotes e os ensinos dos pro­
fetas canônicos. Os sacerdotes tinham abusado do sis­
tema de sacrifícios até ao ponto de levar o povo a pen­
sar que até os homens injustos e pecaminosos poderiam
comprar os favores divinos mediante oferta de animais
no altar do Senhor, e pelas assembléias solenes. Às ve­
zes é difícil discernir se os profetas condenam apenas o
abuso do modo de oferecer animais ao Senhor, ou se
êles estão condenando o sistema inteiro de sacrifícios.
O culto ritual pode ser agradável ao ouvido ou à vista,
mas é abominável ao Senhor quando é oferecido como
substituto da vida de retidão e justiça e da obediência
moral. Na apresentação dêste princípio eterno da justi­
ça, o profeta descreve o contraste entre o procedimento
de alguns homens de hoje na igreja e nas suas ativida­
des nos outros dias da semana. Êste tema revolucioná­
rio dos profetas canônicos é o âmago da verdadeira re­
ligião, e trata da luta que sempre existe entre a religião
meramente formal e a comunhão íntima e pessoal do
homem com Deus.
O profeta não podia ter usado têrmos de reprova­
ção mais severos do que governadores de Sodoma e povo
de Gomorra. Estas duas cidades foram aniquiladas por
causa dos seus pecados. “Tão certo como eu vivo, diz
o Senhor Javé, não fêz Sodoma, tua irmã, nem ela, nem
suas filhas, como fizeste tu e tuas filhas. Eis que esta
foi a perversidade da tua irmã Sodoma: achavam-se nela
e nas suas filhas a soberba, a fartura de pão e a próspera
tranqüilidade; mas não amparou o pobre e o necessita­
do” (Ez. 16:48, 49). Os príncipes, ou chefes, do povo
do Senhor são iguais aos governadores de Sodoma na
direção moral dos seus patrícios. O povo de Judá é tão
pecaminoso e tão culpado como o povo de Gomorra.
Mas Isaías tem uma mensagem do Senhor para os chefes
que desviavam o seu povo, como também para o povo
desviado. A exterminação de Sodoma e Gomorra será
também o destino de Judá, se êle continuar na revolta
contra o Santo de Israel, e na rejeição persistente da pa­
lavra do Senhor e do ensino do nosso Deus.
A palavra , do Senhor, associa-se diretamente
com o conceito da soberania e da glória de Deus, pois é
T V

a revelação da natureza, do caráter e da própria Pessoa


do Deus Santo. O ensino m iR do nosso Deus, sinò-
nimo da palavra de Deus, emprega-se em vários senti­
T

dos. Usa-se, no singular e no plural, em Êx.-Deut. e


em outros lugares no próprio sentido de leis, como a
lei moral, as leis dos sacerdotes, ou qualquer código de
leis. Mas neste versículo a palavra significa instrução,
ensino ou direção. A palavra lei nas versões em portu­
guês e outras línguas não representa o sentido da palavra
neste versículo. O ensino de Deus é a sua instrução sôbre
a vontade divina, transmitido pelos profetas (Is. 2:3,
30:9, Jó 22:22, Lam. 2:9).
O Senhor persiste em perguntar pelos profetas: “Por
que esta multiplicação de sacrifícios e holocaustos ?” O
primeiro têrmo, {"Dí, refere-se à matança e à oferta de
animais ao Senhor. A carne dêstes, sem o sangue, pro­
porcionava aos ofertantes uma festa de grande alegria.
Os holocaustos, ’ J? >e as partes especiais (Lev. 3:17,
4:8, 19, 26), a gordura e o sangue, que o povo não co­
T

mia, eram reservados e santificados ao Senhor. Mas os


cfue ofereciam animais cevados, novilhos, carneiros (fora
de holocaustos), e bodes, comiam a carne, separada do
sangue, nas festas religiosas (Am. 5:22- Ez. 39:18; II
Sam. 6:13; I Reis 1:9-19).
Que se pode dizer sôbre a influência da religião no
caráter, e no procedimento dos homens religiosos de
nossa época? Não é verdade que as injustiças, a cruel­
dade e a mentira contradizem os protestos públicos da
fé cristã de muitas pessoas de hoje?
12. Quando vindes para comparecer perante mim,
quem vos requer
o pisardes os meus átrios?

13. Não continueis a trazer ofertas vãs;


o incenso é para mim àbominação.
A lua nova e o sábado, a convocação de assembléias —
não posso suportar a iniqüidade e o ajuntamento solene.

14. As vossas luas novas, e as vossas solenidades,


a minha alma as aborrece;
elas me são como carga,
estou cansado de as sofrer.

Quando vindes para comparecer perante mim tem


um sentido especial, e significa o ato de culto no Templo
cm Jerusalém perante a habitação do Senhor, sôbre a arca
110 Lugar Santíssimo. Alguns comentaristas insistem em
que o têrmo comparecer, foi originalmente
T •*

, a ver o meu rosto, e foi mudado para evitai- a


iiparência de antropomorfismo, mas o texto é claro e
perfeitamente natural. A mesma forma do verbo é usa­
da no mesmo sentido em Èx. 34:23, Deut. 31:11, Sal.
42:3. Quem vos requer, ou pede insistentemente
isto das vossas mãos, o pisardes os meus átrios? O pro­
feta se refere aos hipócritas que passeavam no Lugar
Santo do Templo, onde se ofereciam os animais no altar
(Cp. João 2:14, 16; Mat. 21:12-16; Mar. 11:15-17).
A oferta, n n ift , presente ou tributo de gratidão ao
Senhor era principálmente de cereais, Lev. 2:11-13; 7:
T S •

37; Núm. 7:13; Jos. 22:23; I Reis 8:64. Assim, o pro­


feta condena severamente estas oferendas que deviam
expressar o espírito de gratidão do ofertante como ofer­
tas vãs que simplesmente representavam a vaidade dos
ofertantes, e não tinham qualquer significação perante o
Senhor. Até o incenso que subiu no fumo de tais ofertas
era abominação para o Senhor. Até a celebração do apa­
recimento da lua nova, dos vários sábados, incluindo os
dias que iniciavam e terminavam as assembléias sole­
nes, eram apenas exemplos multiplicados da iniqüida­
de do povo. 0 Senhor não podia suportar mais aqueles
que assim acrescentavam a hipocrisia à iniqüidade da
revolta contra êle.
Que significa a religião na vida moral e na vida so­
cial de muitas pessoas de hoje que se apresentam como
extremamente fervorosas na prática das formalidades
de sua igreja? As verdades da revelação divina apresen­
tadas aqui pelo profeta têm a mesma aplicação aos ho­
mens de hoje, nominalmente muito religiosos, mas que
praticam tôdas as formas de injustiça e iniqüidade nas
suas relações sociais.
15. Quando estenderdes as vossas mãos,
esconderei de vós os meus olhos;
ainda quando multipiicardes orações,
eu não danei atenção;
as vossas mãos estão cheias de sangue.

16. Lavai-vos; purificai-vos;


tirai a maldade de vossos atos
de diante dos meus olhos;
cessai de fazer o mal,

17. aprendei a fazer o bem;


atendei à justiça,
fazei que o opressor seja reto;
defendei o direito do órfão,
pleiteai a causa da viúva.

'Êstes homens egoístas não eram mais capazes de


reconhecer a hipocrisia nos seus cultos. Estendiam as
mãos, cheias de sangue, na oração, com a esperança de
receber do Senhor quaisquer bênçãos materiais que pe­
dissem. Já tinham perdido o sentido moral da justi­
ça, e assim rebaixaram o seu próprio conceito da jus­
tiça de Deus. Assim, depois de declarar em têrmos
âbsolutos a ineficácia dos sacrifícios, e das assembléias
solenes, o profeta declara que as orações dêstes homens
não têm efeito nenhum para com Deus, porque as mãos
levantadas no ato de pedir o socorro divino estão man­
chadas do sangue das suas vítimas. O manuscrito de
Isaías achado na caverna de Qumrã acrescenta “e os
vossos dedos de iniqüidade” .
Mas há um remédio até para êstes pecadores. “La-
vai-vos; purificai-vos.” Purificai os vossos corações,
n vossa natureza pecaminosa. A palavra VÍTl » lavar
usa-se geralmente no sentido literal, ou cerimonial, mas
~ T

uqui tem a mesma significação paralela de H3Í , ser


moralmente puro, ser justificado, Sal. 51:6, Miq. 6:11, e
t T

quer dizer fazer-se moralmente puro. Tirai a maldade


de vossos atos, o espírito pecaminoso que se revela nas
vossas atividades, I Sam. 17:28, a malignidade do cora­
ção, Sal. 73:13.
Aprendei, —T
, a fazer o bem, e prestar ao Senhor
o serviço que êle requer. Buscai ou atendei à
justiça, à retidão, Gên. 18:25. Deus ama a retidão, Sal.
“ T

33:5. A palavra :
é intensiva, e significa mais do
que repreender. Almeida traduz corretamente, fazei
que seja reto o opressor, , o desumano, o cruel. A
justiça se manifesta especialmente pela compaixão para
T

com aqueles sem defesa própria, como o órfão e a viúva.


4. “ Arrependei-vos”, 1:18-20
18. Vinde, pois, 6 arrazoemos,
diz o Senhor;
ainda que os vossos pecados são como o escarlate,
êles se tornarão brancos como a neve;
ainda que são vermelhos como o carmesim,
tornar-se-ão como a lã.
19. Se fôr da vossa vontade, e se obedecerdes,
comereis os produtos da terra.
20. Mas se recusardes, e fordes rebeldes,
sereis devorados pela espada;
pois a bôca do Senhor o disse.

Nos versículos 10 a 17, o Senhor tinha falado, atra­


vés do profeta, na sua ira contra a perversidade do seu
povo; mostra, porém, em 16 e 17, que não deseja a des­
truição de Israel, mas antes, no seu amor imutável, êle
quer salvar o povo da sua escolha. Não obstante a falta
de uma conexão enfática, êstes versículos concordam
perfeitamente no ensino persistente de que o arrepen­
dimento e a obediência são impreteríveis para o povo
do Senhor. As duas afirmações de que os pecados do
povo inteiro se tornarão brancos como a neve ou a lã,
não cabem no contexto, segundo a opinião de alguns co­
mentaristas. Mas a palavra arrazoemos e os versículos
19 e 20 constituem uma parte essencial do contexto, e
mostram a possibilidade aberta da salvação do povo, na
condição do arrependimento e obediência.
O versículo 18 não representa um processo legal
para determinar a inocência ou a culpa de Israel. A cul­
pa do prisioneiro já está determinada. Êle é chamado a
comparecer perante o Senhor, o Juiz, que lhe oferece a
segunda oportunidade. Está em prova e tem que fazer a
sua própria escolha, o seu próprio destino. A escolha é
voluntária, mas envolve conseqüências. Vinde, pois, e
arrazoemos, nPDWl • A forma Nifal do verbo no he-
braico pode significar ação reflexiva, passiva ou recí­
T ; T • :

proca. O Nifal de rD 1’usa-se mais duas vêzes no Velho


Testamento. Em Jó 23:7 o homem reto podia pleitear
~ t

ou arrazoar. Em Gên. 20:16 o Nifal tem o sentido de


ser justificado ou endireitado. O verbo aqui significa
arrazoar, argüir, discutir, a fim de chegar a acordo reto
e justo.
As declarações que seguem em 18b-20 são clara­
mente condicionais: Os vossos pecados se tornarão bran­
cos como a neve; brancos como a lã; comereis os pro­
dutos da terra; sereis devorados pela espada. Assim o
povo tem o privilégio de considerar a natureza e as con­
seqüências da sua infidelidade, e de escolher entre o bem
e o mal, entre a vida e a morte.
5. Lamento sôbre Jerusalém, 1:21-23
21. Como ae fêz prostituta
a cidade fiel,
ela que estava cheia dé retidão I
Nela habitava a justiça,
mas agora homicidas.

22. A tua prata se tornou em escória,


o teu vinho, misturado com água. '

23. Os teus príncipes são rebeldes,


e companheiros de ladrões.
Cada um dêles ama o suborno,
e corre atrás de presentes.
Êles não defendem o órfão,
e não chega perante êles a causa da-viúvà.

O lamento é uma forma literária do . Velho Testa­


mento, usado originalmente para descrevei a tristeza
sôbre a morte de uma pessoa, como o cântico fúnebre
de Davi por Saul, II Sam. 1:17-27. Mais tarde os profe­
tas e os poetas usaram o lamento para descrever a cor­
rupção ou a desolação de um povo ou de uma nação,
como o livro de Lamentações. Sião, a cidade fiel, se
tornou infiel, a espôsa do Senhor se fêz prostituta. Em
outra época, no tempo de Davi, a cidade estava cheia de
retidão, > o julgamento pelos juizes e príncipes
éra de acôrdo com os mandamentos e estatutos do Se­
T :

nhor. E a justiça, p i s , que concorda com a natureza


santa e a vontade pura de Javé, habitava nela. Estas
duas palavras chegaram a significar a mesma cousa, o
procedimento nobre dos homens de Deus, segundo a Tôra
do Senhor. Mas a cidade tinha caído na injustiça, na
imoralidade e na crueldade, até ficar cheia de ladrões
e homicidas.
Misturavam escória com a prata, e assim falsifica­
vam o dinheiro. Misturavam água com vinho, e provà-
velmente com leite também.
Os príncipes tinham perdido qualquer sentido de
honradez. Rebeldes contra a honestidade e a justiça, êles
tinham prazer em cooperar com os ladrões, e assim re­
ceber uma parte do despojo. Todos amavam o suborno
e corriam atrás de presentes recebidos por atos da injus­
tiça. Não existia mais no seu espírito o desejo de pres­
tar qualquer serviço aos mais necessitados, como o ór­
fão ou a viúva.
6. O Julgamento do Senhor, 1:24-26
24. Portanto, diz o Senhor
Javé dos Exércitos,
o Poderoso de Israel:
A h! aliviar-me-ei dos meus adversários,
e vingar-me-ei dos meus inimigos I
25. Voltarei sôbre ti a minha mão,
e purificar-te-ei como com potassa das tuas escórias,
e tirarei de ti todo metal impuro.
26. Restituir-te-ei os teus juizes como no princípio,
e os teus conselheiros como no tempo anterior.
Depois te chamarão cidade de justiça,
a cidade fiel.

Além de ser uma espôsa infiel, Judá, com a persis­


tência na injustiça, tornou-se inimigo do Senhor. En­
quanto o Senhor vai se vingar de seus inimigos, êle visa
a limpar o povo das impurezas e purificá-lo dos seus pe­
cados. Também promete restituir-lhe juizes e conse­
lheiros, como nos dias antigos de Davi, e que a cidade
se tornará a habitação da fidelidade e da justiça. A fi­
gura da refinação de prata aparentemente produziu na
meditação do profeta o conceito da época de justiça, ou
o reino messiânico que havia de seguir o julgamento
iminente.
A palavra ^1*1^, Senhor, era usada pelos israelitas
cm vez do Tetragramatom JHVH, que por reverência
êles não ousavam pronunciar. A palavra aqui indica
que Javé é o proprietário, o mestre, o governador de Is­
rael. Javé dos Exércitos, o Poderoso, de Israel
linha sido o seu defensor nos dias perigosos, e tinha ma­
nifestado o seu poder na derrota de seus inimigos. Ah!
tomarei satisfações aos meus adversários, ou aliviar-me-ei,
2H2, da carga dos meus adversários; e vingar-me-ei,
“ T

Bp* , dos meus inimigos. Estas referências à operação


da justiça divina na punição dos pecadores não devem
“ T

ser entendidas no sentido de paixões humanas, pois com


Deus elas se harmonizam perfeitamente com a sua san­
tidade e o seu amor imutável.
Voltarei contra ou sôbre, >ti a minha mão. Pa­
rece-me que sôbre é preferível porque o resultado será
a purificação e a restauração da cidade à sua glória an­
tiga. Deterei com potassa as tuas escórias, e tirarei de
ti as impurezas das tuas atividades.
Com a limpeza pelo fogo, Sião se tornará uma
nova cidade. Os juizes e os conselheiros praticarão a
justiça, como nos dias ideais de Davi (II Sam. 8:15),
quando Jerusalém chegou a ser a cidade exemplar. En­
tão ela merecerá o nome tradicional (Gên. 14:18, Sal.
110:2, 4) de cidade de justiça, e de a cidade fiel, rtJfifcW
e assim ganhará de nôvo o seu prestígio e a sua glória.
t t v:

7. A Operação da Justiça Divina na Vida de Israel, 1:27-31


27. Sião será redimida pela retidão
e os qu>e nela se arrependem pela justiça.
28. Mas rebeldes e pecadores serão destruídos juntos,
o os que abandonarem ao Senhor serão destruídos.
29. Pois vos envergonhareis dos carvalhos
de que vos agradastes;
e sereis confundidos por causa dos jardins
que tendes escolhido.

30. Porque sereis como o carvalho,


cujas fôlhas murcham,
e como jardim que não tem água.

31. E o forte se tornará em estôpa,


e a sua obra será como faísca,
ambos arderão juntamente,
e não haverá quem os apague.

Apresentam-se no versículo 27 novas idéias sôbre


a salvação de Israel, mas não se justifica o exagêro de
alguns observadores sôbre as diferenças entre êste ver­
sículo e o anterior. O profeta usa uma nova palavra:
redenção, ÍTTÔ , e aplica o têrmo não somente a Jerusa-
lém, mas a todos os nacionais que se arrependerem dos
T T

seus pecados. O têrmo Sião, propriamente dito, não se


limita apenas aos que se arrependam. A redenção é
oferecida a todos, mas serão redimidos somente aquê-
les que se arrependam da sua i'ebelião e se voltem ao
Senhor. O versículo não diz, e nem implica que o povo
precisa qualificar-se pela sua própria retidão e justiça
a fim de receber a salvação. O abandono da injustiça, e
a prática da justiça, a mudança nas relações sociais, e
a fidelidade para com Deus constituem o âmago da pre­
gação de Isaías.
A palavra remir ou redimir usa-se em dois sentidos,
mas sempre leva a idéia de libertação do cativeiro, do
perigo, da punição, da escravidão ou do pecado. Usa-se
no sentido simples de resgatar ou salvar, sem qualquer
referência ao preço da redenção, Deut. 7:8; II Sam. 4:t9;
Jó 5:20; Os. 7:13. E a palavra usa-se freqüentemente
também com a menção do preço pago pela redenção,
Êx. 13:13; Núm. 18:15, 16, 17. Comp. Gál. 3:13; I Ped.
1:18; Ef. 1:14. Mas nesta passagem significa que o Se­
nhor salvará os que voltam dela,JTOt2/ , ou os que nela
se arrependem. Os israelitas serão redimidos pela re­
T V T

tidão e justiça de Deus, sob a condição de arrependi­


mento .
Os rebeldes, :
, os pecadores, • t
, c os

que abandonam, '21'}}


... , ao Senhor serão destruídos, •^3*'
T. >
consumidos ou exterminados.
Os pecadores, segundo o versículo 28, perecerão por­
que abandonaram o Senhor. E os deuses que habitam nas
árvores e perto das fontes não têm poder de salvar os
seus novos adeptos. A mudança da terceira para a se­
gunda pessoa nesta seção não indica que êstes versículos
e os 27 a 28 fôssem originalmente composições distintas,
de autores diferentes, como diz R. B. Y. Scott na The
Interpreter’s Bible. A mudança simplesmente represen­
ta a facilidade do estilo dos escritores hebraicos, exempli­
ficada freqüentemente nos livros proféticos. Não há di­
ferença nenhuma na situação histórica e na teologia dos
versículos 27 a 31, pois o trecho harmoniza perfeitamente
com o resto do primeiro capítulo.
Na maior parte dêste capítulo o profeta trata da re­
belião do povo contra o Senhor. Fala das suas injustiças
nas relações sociais, da ingratidão e da infidelidade reli­
giosa, e da violação das leis morais do Santo de Israel.
Nesta última parte êle fala da operação da justiça do Se­
nhor em relação com a injustiça do seu povo infiel. Nes­
tes versículos êle descreve a apostasia nos seus cultos aos
deuses falsos, e a prática do pecado vergonhoso na sombra
das árvores que adoravam. A apostasia é o pior de todos
os pecados, e a causa, em grande parte, de tôdas as outras
formas de iniqüidade. Neste caso, a infidelidade de Is­
rael representava não somente uma religião diferente, mas
uma idolatria que negava a revelação divina, e despre­
zava a justiça, o amor e a bondade do Senhor Javé, o
Santo de Israel. 0 profeta Oséias trata mais explicita­
mente desta relação dupla da rebelião de Israel.
Os carvalhos do versículo 29 fazem alusão aos cuí-
tos de fertilidade praticados debaixo de tôdas as árvo­
res verdes, I Reis 14:23; Os. 4:13; Jer. 2:20, 3:6, 16.
A palavra significa carvalho, terebinto, e, às ve­
zes, qualquer árvore verde. Nos tempos antigos os bos­
ques ou jardins, JTÍ2Í , eram lugares prediletos para os
cultos aos deuses que habitavam nas árvores. Não ha­
via r:ma distinção clara entre a árvore e os deuses da
árvore, um característico da idolatria moderna, que não
distingue entre a imagem e a pessoa ou o Deus que a
imagem representa. Na cidade pagã de Roma havia nu­
merosos bosques, alguns com templos, altares e outros
adornos, consagrados ao serviço dos deuses. Há várias
referências nas Escrituras aos jardins ou bosques, Deut.
12:2; II Reis 16:4, 17-10.
Os apóstatas do versículo 30, que praticavam os seus
cultos vergonhosos aos deuses da fertilidade debaixo dos
carvalhos vigorosos, e nos bosques viçosos, são represen­
tados pelo profeta na figura do carvalho que murcha,
T V T V V
, cujas fôlhas murcham, e como jardim
árido, 1*^ sêco.
A palavra ^ T
o forte, não dá um sentido claro. É
preferível a palavra hebraica DÜDil , a sua fôrça, que se
encontra no manuscrito lQIsa® do Mar Morto, para se
ler: “ A sua fôrça se tornará em estôpa, e a sua obra será
como faísca.” Todavia, a semelhança da obra à faísca,
e não à cousa sêca que a faísca queima, é também cie
difícil interpretação.
Mas apesar da falta de clareza dos versículos 30 e 31,
é certo que o profeta pronuncia uma calamidade terrí­
vel que cairá sôbre a nação de Israel por causa dos seus
pecados de infidelidade e hipocrisia.
Assim logo no princípio do seu ministério proféti­
co, Isaías enfrentou a responsabilidade de pregar a con­
denação divina desta nação. Êste povo salvo da escravi­
dão do Egito pela graça de Deus, escolhido para ser o in­
termediário entre Deus e as outras nações, abençoado
através da sua história pela direção da providência di­
vina, honrado como o veículo da revelação do caráter
e do propósito do Senhor Javé a todos os povos do mun­
do, pelos profetas, os mensageiros de Deus, já se torna­
ra o inimigo do Senhor dos Exércitos dos céus e da ter­
ra. Os pecados de rebelião, desobediência, infidelidade
e idolatria o levaram à destruição.
Isaías assim aprendeu pela experiência profética,
em harmonia com a revelação que recebera na visão
inaugural, de que o Senhor Javé é o Deus da justiça, que
a sua ira arde contra a injustiça e contra tôdas as for­
mas de iniqüidade, e que o salário é a morte.
8. A Vinda dos Povos ao Senhor de Sião, 2:1-5
1. O oráculo que, em visão, veio a Isaías, filho de Amoz, a
respeito de Judá e Jerusalém.
2. E acontecerá nos últimos dias
que o monte da casa do Senhor
será estabelecido como o mais alto dos montes,
e se elevará por cima dos outeiros;
e para êle afluirão tôdas as nações.
3. Virão muitos povos, e dirão:
Vinde, e subamos ao monte do Senhor,
e à casa do Deus de Jacó:
para que nos ensine cios seus caminhos,
e que andemos pelas suas veredas.
Porque de Sião sairá a lei,
e de Jerusalém a palavra do Senhor.

4. Então êle julgará entre as nações,


e decidirá para muitos povos;
das suas espadas forjarão relhas de arados,
e das suas lanças podadeiras.
Nação não levantará espada contra nação,
nem aprenderão mais a guerra.

5. Vinde, ó casa de Jacó,


e andsmos na luz do Senhor.

Surgem várias perguntas a respeito dêste oráculo.


Quem é o autor? Quando foi escrito? Está fora do seu
próprio contexto, ou do seu lugar na profecia? Os co­
mentaristas não concordam nas várias respostas a esr
tas perguntas. Considerando o estilo literário da poe­
sia que nos parece semelhante ao de Isaías, e de acordo
com o seu gênio, pensamos que êle mesmo é o autor dêste
sublime oráculo. Alguns pensam que o profeta escreveu
esta mensagem quando já estava avançado em anos, mas
o lugar da poesia no livro indica que foi escrita no primei­
ro período do seu ministério profético. 0 oráculo é uma
grande poesia completa em si, escrito na altura de uma
grande inspiração, principalmente para o conforto do
espírito do autor, e colocado nesse lugar pelo redator,
por causa do contraste na esperança futura do mensa­
geiro do Senhor, com as condições religiosas e sociais
tão lamentáveis do povo da época.
Êste oráculo sôbre o mundo de justiça e a miseri­
córdia nos últimos dias concorda com o conceito do cur­
so e do fim da história humana que se apresenta na Bí­
blia. Não obstante a injustiça, a desordem e a cruelda­
de do mundo no tempo de Isaías, êste mensageiro do
Senhor, na sua apreensão e desapontamento, no seu amor
ao justo e ao santo, podia sonhar com o triunfo final da
justiça sôbre a injustiça, do bem sôbre o mal. Sonhou
com os dias vindouros quando tôdas as nações haviam
de achegar-se ao Senhor, receber dos seus ensinos, andar
nas suas veredas, viver em paz e harmonia, abandonar
tôdas as formas de injustiça e estabelecer uma socieda­
de mundial em que não haveria mais possibilidade de
guerra. É difícil para muitas pessoas do nosso mundo
de hoje, ainda tão cheio de iniqüidade, crer na realiza­
ção dêsse nobre sonho, mas a humanidade está avan­
çando vagarosamente, vacilando e coxeando, porém com
a vista voltada para o alvo.
O primeiro versículo indica o princípio de uma
nova profecia que não tem conexão direta com a men­
sagem que precede. Usa-se aqui o têrmo hebraico davar
em vez de visão de Is. 1:1, e a palavra pode ser traduzida
para mensagem, profecia, revelação ou oráculo que
Isaías visionou,ntn , ou recebeu em visão. 0 oráculo
c uma revelação de eventos futuros que acontecerão a
T T

respeito de Judá e Jerusalém.


0 próprio oráculo, versículos 2 a 5, é uma poesia,
escrita em linguagem, em grande parte, figurada, mas
apresenta a revelação de uma mensagem divina que cor­
re como fio de ouro através da Bíblia inteira.
Nos últimos dias, JT T liO , é uma expres­
são usada freqüentemente pelos profetas para designar
um período de tempo no futuro, e especialmente quan­
do falavam da Idade Messiânica. Não se refere aqui di­
retamente ao reino do Messias, mas trata daquela eter­
na esperança da sociedade ideal, o sonho áureo dos es­
critores bíblicos desde o princípio da sua história. Des­
de o tempo de Davi os profetas concentraram as suas es­
peranças no reino perfeito do Messias vindouro, Joel 2:
28; Miq. 4:1-4; Is. 9:2, 11:1-16, caps. 42, 49, 50, 53; At.
2:17; I Ped. 1:5; I João 2:18; Heb. 1:2.
Em o Nôvo Testamento os últimos dias significa o
último período de tempo, sem indicar que seria de pou­
ca duração. Mas seria a consumação da história huma­
na, II Tess. 2:1-5. É bastante limitado o ensino do Nôvo
Testamento sôbre os últimos dias, mas declara que Cris­
to voltará para julgar o mundo, que os mortos serão
ressuscitados, e que as atividades e os negócios do mun­
do serão terminados.
O monte da casa do Senhor c o monte do Templo,
o centro do govêrno espiritual do Senhor para o povo
de Israel. É o culto verdadeiro que será oferecido ao
Deus verdadeiro na casa do Senhor em Jerusalém, que
terá finalmente o poder espiritual para atrair as nações.
Mas, que significa a declaração de que o monte da casa
do Senhor será estabelecido como a cabeça, tífaí “12 > ou o
mais alto dos montes? É claramente linguagem poética
t

que não deve ser interpretada literalmente, no sentido


de que o próprio monte dc Moriá será elevado fisicamen­
te para ser o mais alto dos montes. A versão grega con­
tém a casa do Senhor em vez de o monte da casa do Se­
nhor, indicando a aceitação da linguagem como sendo
figurada. E’ o culto glorioso do Senhor Javé que atrai­
rá com tanto poder as nações que elas serão induzidas a
abandonar os seus deuses, e os seus lugares de culto,
para afluírem à casa do Senhor, para lhe oferecerem o
seu culto espiritual. A exaltação da importância religio­
sa de Sião é o sentido dessa linguagem poética.
As multidões, atraídas j)elo poder encantador, aflui-
rão, ou acorrerão como corrente ao centro do culto da
humanidade, 11:10; 60:1-14; Zac. 8:20-23. Segundo
Is. 42:1-6, os povos responderão à Tôra, à revelação di­
vina da profecia hebraica, à mensagem do Senhor para
todos os povos, Is. 49:22; 54:3; 60:3, 5, 10; 62:2; 66:12.
A passagem não faz referência a qualquer período an­
tes do estabelecimento do evangelho. É com a vinda
de Cristo e a pregação do evangelho que esta profecia
está recebendo o seu cumprimento.
Virão muitos povos. Esta declaração indica a fome
espiritual dos povos e o seu desejo de encontrar-se com o
verdadeiro Deus e de estabelecer comunhão com êle. Su­
bamos ao monte do Senhor e à casa do Deus de Jacó.
Insatisfeitos com a insensatez dos seus cultos, e de seus
deuses impotentes; desanimados com o fracasso da sua
fé, e continuando espiritualmente famintos, êles querem
buscar o Deus de poder, de amor e de fidelidade. As re­
ligiões imperfeitas e enganadoras das nações, e o Deus
que vem buscando e salvando os perdidos entre elas,
são fatos indicativos de que o reino de Deus está na mar­
cha, em direção do alvo final. A operação silenciosa e
misteriosa do Espírito do Senhor na vida das nações é
a verdade que nos inspira com a esperança do pleno
cumprimento final da visão de Isaías e dos outros pro­
fetas do Senhor.
Assim, as nações vêm a Jerusalém com o propósi­
to de aprender e praticar a verdadeira religião. Desejam
saber dos caminhos, ou do procedimento do Se-
nhor nas suas relações com os homens. É interessante
T t :

a comparação desta passagem com os cps. 40 a 55. Na


primeira, as nações vêm chegando à Sião, querendo
aprender do próprio Senhor, por intermédio dos profe­
tas, do caráter e da vontade do Senhor de Sião. Na se­
gunda, o povo missionário leva o conhecimento do Se­
nhor às nações. Êstes mensageiros de Israel ensinam
aos povos o propósito divino de estender o seu reino
espiritual a tôdas as nações do mundo. Mas não há
cousa alguma nestas duas passagens sôbre a subversão
política das nações ao domínio de Israel. Êste fato é de
importância especial em relação com o princípio de que
a religião do homem e a sua comunhão com Deus deve
ser inteiramente livre do domínio de qualquer governo
político. As religiões antigas eram nacionais, e o reco­
nhecimento dos deuses de outras nações era comum en­
tre os povos antigos.
0 ponto de vista aqui é inteiramente nôvo. As nações
querem aprender dos caminhos, e não' meramente con­
cernente aos caminhos do Senhor de Sião. Desejam co­
nhecer o próprio Senhor para que possam andar pelas
suas veredas.
Então diz o profela: “De Sião sairá a m in e de Je-
T

rusalém a “127! de Javé.” Cada um destes termos he-


braicos usa-se em vários sentidos, mas neste contexto
T T

são sinônimos, e significam a Palavra de Deus ou a Re­


velação divina. Jerusalém é, portanto, o centro do qual
será proclamada a mensagem da salvação pelo Senhor
e Criador de todos os povos do mundo. Assim, Jesus
Cristo, vitorioso sôbre o pecado e a morte, ordenou que
os seus discípulos ficassem em Jerusalém até que fos­
sem revestidos do poder do alto. Então seriam prepara­
dos para pregar o arrependimento e a remissão de pe­
cados em tôdas as nações, começando por Jerusalém.
Assim, se encontra em Luc. 24:46-49 o resumo da men­
sagem do Senhor na Bíblia inteira. As verdades de Sião
vão se radiando pelos mensageiros do Senhor. A ciên­
cia e a filosofia do mundo não podem criar qualquer
verdade, ou qualquer evangelho, para a redenção do
mundo perdido nos seus pecados de egoísmo, ambição,
cobiça e sensualidade. A verdade eterna que liberta o
homem do poder do pecado e o prepara para andar nas
veredas do Senhor é a palavra de Deus, personificada em
Cristo Jesus, experimentada no coração dos crentes, pre­
servada e proclamada pelas igrejas de Cristo.
Então êle julgará entre as nações. Quando os po­
vos aprenderem finalmente da revelação do Senhor e da
operação da sua justiça, êle então será o Juiz dos pro­
blemas internacionais e o árbitro entre os povos. Isto
acontecerá quando os povos conhecerem o amor e o pro­
pósito de Deus na sua vida, e da sua operação na histó­
ria humana e no espírito dos homens de fé. No julga­
mento das controvérsias, o Senhor terminará o período
de guerras e estabelecerá a paz entre as nações. A justiça
divina revela a iniqüidade das guerras e demonstra o
pecado das paixões e das ambições, que são as causas da
guerra. O evangelho tem êste poder de produzir no co­
ração dos homens o entendimento da estultícia e dos
horrores da guerra. Assim, a influência do evangelho,
se fôsse pregado a tôdas as nações, levaria a humanidade
cada vez mais perto do tempo quando as espadas, as
lanças e tôdas as máquinas de guerra serão forjadas em
rêlhas de arados, ou mudadas em aparelhos para o ser­
viço e o bem-estar da sociedade humana. 0 término das
guerras é um ideal proeminente na profecia messiânica,
Os. 2:18; Zac. 9:10; Is. 9:5; Sal. 46:7-9.
Nação não levantará espada contra nação. Esta
predição positiva ainda está longe de ser realizada. As
nações e os povos do mundo já estão ficando horrori­
zados com a crueldade e a destruição terrível da guerra.
As nações estão reconhecendo a futilidade das lutas mi­
litares, até para os vitoriosos. Estão trabalhando na or­
ganização de Nações Unidas para descobrir e remover
as causas da guerra, e para promover meios de manter
a paz entre os povos.
0 evangelho está exercendo uma influência cada
vez mais poderosa na mentalidade e no espírito dos po­
vos, especialmente na promoção dos ideais da justiça.
As nações mais prósperas estão ajudando as fracas e po­
bres. Há numerosas organizações das igrejas cristãs de­
dica das ao serviço e ao socorro das nações mais neces­
sitadas, e especialmente das que sofrem de calamidades
ou aflições. Enquanto tôdas estas influências benéficas
apontam para o alvo visado na profecia e no Evange­
lho, o mundo ainda está longe da sua realização. Mas
os homens de Deus sabem que o seu trabalho não é vão
no Senhor. Vinde, pois, ó casa de Jacó, ó crentes em
Cristo, e andemos na luz do Senhor, obedecendo aos seus
mandamentos de pregar o evangelho do amor cristão
a tôdas as nações do mundo, na certeza de que èle está
conosco até à consumação dos séculos.
C. O Castigo da Idolatria e do Orgulho Humano no Dia
do Senhor, 2:6-22
6. Pois tu rejeitaste o teu povo, a casa de Jacó,
porque se encheram da corrupção do oriente,

e dos agoureiros como os filisteus,
e batem palmas com fiihos de estrangeiros.
7. A sua terra está cheia de prata e de ouro,
e não têm conta os s^sus tesouros;
também está cheia a sua terra de cavalos,
e os seus carros não têm fim .
8. A sua terra está cheia de ídolos;
inclinam-se perante a obra das suas mãos,
aquilo que os seus próprios dedos fizeram.

Èstes versículos foram escritos evidentemente no


princípio do reino de Jotão quando o esplendor da pros­
peridade material, alcançada no govêrno de Uzias, ainda
se exibia, aliás por pouco tempo. Há várias dificuldades
no texto hebraico que se tornam evidentes na exegese
dos versículos. Baseando-se nas várias repetições, al­
guns estudantes pensam que isto resultou na combina­
ção de dois oráculos, ou de duas mensagens semelhantes
do profeta. Mas não há falta de harmonia no pensa­
mento, pois todos os versículos tratam dos horrores do
julgamento do Senhor sôbre os pecados do povo. Os
versículos 9b a 10 não constam no manuscrito do Mar
Morto, e a Septuaginta omite o versículo 22.
Os versículos 6 a 11 descrevem as causas e as con­
seqüências da rejeição divina do povo escolhido. Haven­
do observado a apostasia, a ostentação de riquezas com
orgulho e arrogância, a confiança nos recursos milita­
res, as superstições e a idolatria do povo, o profeta anun­
cia o Dia do Senhor, o dia da humilhação' da glória hu­
mana pela manifestação do terror, da glória e da ma­
jestade do Senhor.
Pois tu rejeitaste o teu povo. A palavra rejeitar,
é bastante forte. Usa-se em DeuL 32:15 e Jer.
15:6 para expressar a gravidade da rejeição do Senhor
- T

pelo povo de Israel. Mas a palavra refere-se mais fre­


qüentemente ao desamparo do povo de Israel pelo Se­
nhor, Juí. 6:13; I Sam. 12:22; I Reis 8:57; Is. 2:6; Jer.
7:29; 12:7. Assim, o Senhor entregou o povo às conse­
qüências naturais dos seus próprios pecados.
Porque se encheram do oriente é a tradução do he­
braico. De que se encheram do oriente? Alguns dizem
de adivinhadores, sinônimo de agoureiros. Outras ver­
sões têm costumes ou corrupção. O povo se tornara lou­
co por qualquer forma de idolatria que viesse do oriente.
A palavra D lp significa também antigüidade, e esta é
a tradução da Septuaginta. Mas a palavra oriente é pre­
ferível aqui, e refere-se a Arábia, a Pérsia ou a Babilô­
nia . A confiança ou a fé do povo de Israel nos adivinha­
dores e agoureiros sienificava a rejeição do Senhor, o
verdadeiro Deus. Êstes profetas das nações contempo­
râneas de Israel afirmavam que tinham meios secretos
pelos quais podiam predizer, e, às vezes, controlar os
eventos futuros. Havia alguns destes agoureiros, pro­
fetas falsos, entre os israelitas. As relações comerciais
evidentemente aumentaram a influência dos costumes
religiosos do oriente na vida de Israel. O bater mãos
significa a confirmação de alianças sociais e políticas
com os estrangeiros. Os íilisíeus ocupavam uma parte
da terra no sudoeste da Palestina, e os israelitas os con­
sideravam como estrangeiros.
O versículo 7 fala das riquezas de Israel: prata e
ouro, tesouros, cavalos e carros. 0 povo ficava encanta­
do, não somente com as superstições das religiões falsas
que os desviavam do Senhor, mas confiavam também na
abundância das suas riquezas que satisfaziam às suas
necessidades materiais, e nutriam o seu orgulho e a
sua hipocrisia religiosa, Deut. 27:16, 17; 20:1; Is. 31:1;
Miq. 5:10; Zac. 9:10. O aumento dos tesouros de Israel
resultou das atividades comerciais e da vantagem do
Iráfico no seu contrôle do Mar Vermelho. Israel, como
o Egito, confiava no poder dos cavalos e carros na guer­
ra. Assim, com os seus deuses, verdadeiros camaradas,
os tesouros incontáveis, e os poderosos recursos milita­
res, Israel se sentia perfeitamente seguro, apesar da pre­
gação dos profetas “fanáticos” .
A pobreza pode ser uma maldição para as pessoas
que vivem em ignorância e superstição. Mas é mais fá­
cil para êles do que para os ricos, reconhecer a sua de­
pendência do socorro do Senhor, e assim aceitar a men­
sagem do profeta ou do pregador do evangelho. O or­
gulho é o pecado peculiar dos ricos e prósperos do
mundo.
O versículo oito é um comentário do profeta sôbre
a tolice da idolatria. Isaías é o primeiro profeta que usou
o têrmo ou deuses, para significar ídolos, aqui­
lo que os próprios dedos dos adoradores fizeram. Nota-
se que o profeta não fêz distinção entre o ídolo c o deus
que êle representava.
S. Assim, o povo será abatido,
e os homens serão humilhados;
portanto, não lhes perdoarás.

10 . Entra nas rochas


e esconde-te no pó,
ante o terror do Senhor
e a glória da sua majestade.

11. Os olhos altivos do homem serão abatidos,


e a altivez dos homens ssrá humilhada;
só o Senhor será exaltado naquele dia.

O homem no seu orgulho será abatido, e os liomens


serão humilhados. Não há tanta diferença entre o sig­
nificado de e como dizem alguns comenta-
ristas. A primeira palavra significa homem no sentido
T T

da humanidade. Neste contexto o têrmo adão significa


o homem, isto é, o povo em geral. A palavra dis­
tingue entre o homem e a mulher, e usa-se às vê-
zes no sentido de homem varonil. O sentido das duas
T ♦

palavras varia segundo o seu uso, e aqui se usam quase


como sinônimas. Aqui o segundo têrmo aparentemen­
te significa os homens em posições de autoridade que se
julgavam nobres, mas eram os pecadores mais respon­
sáveis pela infidelidade nacional. A forma dos verbos é
reflexiva ou passiva. O sentido passivo cabe melhor no
contexto.
A frase não lhes perdoarás é geralmente reconheci­
da como ordem sarcástica do escritor, mas esta inter­
pretação não concorda com o espírito do profeta. O pro­
feta simplesmente reconhece que o povo se afastara além
da possibilidade de arrependimento, a condição necessá­
ria para voltar ao Senhor e receber o perdão. Há várias
palavras no hebraico que significam cancelar, apagar
e remover a culpa do pecado. A palavra aqui é
NÍW , levar embora, perdoar.
O versículo dez declara que a nação, na imaginação
da sua glória, ficará espantada e humilhada ante o ter­
ror e a glória do Senhor, e entrará nas cavernas das ro­
chas e se esconderá no pó. Aquêles que pecam contra
o Senhor têm que pagar a pena. De Deus não se zom­
ba. Ao Senhor pertence o reino, o poder e a glória.
Naquele dia, no dia do julgamento do Senhor, os
homens orgulhosos e arrogantes receberão o castigo que
merecem, e só o Senhor será exaltado e glorificado. Os
profetas, os filósofos e os poetas reconhecem os perigos
dos olhos altivos, e do orgulho dos homens. No poema
Paraíso Perdido, Milton representa o orgulho e a arro­
gância de Lúcifer na citação das suas palavras: “É me­
lhor reinar no inferno do que servir no céu.”
12. Pois Javé dos Exércitos tem um dia
contra todo soberbo e altivo,
contra todo que se exalta,
para. que seja abatido;

13. contra todos os cedros do Líbano,


os altos e os elevados;
e contra todos os carvalhos de Basã;

14. contra todos os montes altos,


e contra todos os outeiros elevados;
15. contra tôda tôrre alta,
e contra todo muro fortificado;
16. contra todos os navios de Társis,
e contra tudo o que é belo à vista.

Esta poesia pitoresca é característica da literatura


hebraica, mas não é alegórica. As árvores, os montes,
os edifícios e os navios não são apenas emblemas das ri­
quezas do povo. 0 profeta está declarando que tudo
que é imponente e sublime será destruído, e que só o Se­
nhor dos Exércitos será exaltado naquele dia.
Alguns levantam dúvidas sôbre o texto “para
que seja abatido”, e pensam que fôsse originalmente
■■ T


H 'ü , , “e fica elevado”, mas a Septuaginta concorda
T

com o hebraico que é claro.


O Dia do Senhor é realmente o dia do triunfo da
justiça divina. Os israelitas, em geral, tinham a tendên­
cia de pensar que êles eram os justos em virtude de ser
o povo eleito pelo Senhor, mas tinham perdido o sentido
da responsabilidade que a eleição lhes impusera. E por
causa da sua apcístasia, e da renúncia do Concêrto do
Senhor com êles, da idolatria e dos pecados da injusti­
ça, o Dia do Senhor será para êles um dia de trevas e
não de luz, um dia de julgamento e punição, Am . 5:18.
Êste ensino de Amós foi desenvolvido e proclamado por
outros profetas, Is. 13:6; Joel 1:15; 2:1, 11, 31; Sof.
1:7, 14; Mal. 4:5; Zac. 14:1. No esclarecimento e na
proclamação da doutrina do Dia do Senhor, não somen­
te Israel, mas tôdas as nações sofrerão o castigo dos seus
pecados neste grande dia do julgamento do Senhor, Ez.
30:3-10; Joel 3:11-13; Is. 13:6-22. Será o dia de suble-
vação quando os fortes serão fracos (Cp. I Cor. 1:27) e
quando as cousas estabelecidas serão transtornadas, e
quando tudo que é reconhecido de grande poder ou de
muito valor será imprestável e sem valor algum.
Todo soberbo e altivo significa tôdas as pessoas or­
gulhosas, e tudo de que se ufanavam. A linguagem é
geral, mas aplica-se especialmente aos príncipes, aos ma­
gistrados e aos proprietários que se orgulhavam não so­
mente da sua autoridade, do seu poder e influência, como
também das cousas que possuíam. O amor das rique­
zas, da posição social e dos prazeres que estas cousas
oferecem é condenado em tôda parte das Escrituras Sa­
gradas. A história da civilização e as experiências hu­
manas nos ensinam que o orgulho dos homens e das na­
ções é freqüentemente a causa principal da sua destrui­
ção.
Contra todos os cedros do Líbano. Líbano fica ao
norte da Palestina, e antigamente foi muito celebrado
pelos seus grandes cedros. A madeira destas árvores é
durável, muito bonita, e de grande utilidade, não so­
mente para os tetos e abóbadas dos templos, como tam­
bém para estátuas e imagens. Salomão usou desta linda
madeira na construção do Templo. Segundo a tradição,
a madeira foi usada também na construção do templo
de Diana dos efésios.
Nos tempos antigos êstes cedros eram magníficos e
abundantes. 0 tronco de alguns media mais de dez me­
tros de circunferência. Mui poucos dêsses cedros tão
grandes ainda se acham em um ou dois dos altos mon­
tes do Líbano. O cedro se usa figurativamente nas Es­
crituras como símbolo de reis, príncipes e nobres, Ez.
31:3; Dan. 4:20-22; Zac. 11:1, 2; Is. 14:18.
E contra todos os carvalhos de Basã. Basã fica ao
leste do Bio Jordão, e foi conhecida como terra fértil que
produzia vacas e touros gordos, Sal. 22:12; Ez. 3,9:18;
Am. 4:1; Miq. 7:14, e especialmente carvalhos fortes e
majestosos, Ez. 27:6; Am. 2:9; Zac. 11:2. É provável
que o profeta estivesse pensando como o povo associava
os carvalhos com a sua idolatria. Os montes altos e os
outeiros elevados eram lugares de beleza, e de defesa e
proteção contra invasores e inimigos. Tôrres construí­
das rios muros das cidades eram lugares ótimos de ob­
servação. Os muros fortificados ofereciam refúgio para
’ó éxército. As fortificações construídas nos outeiros al­
tos davam aos defensores uma grande vantagem sôbre
os inimigos que lançassem ataques contra a terra.
Társis era uma cidade fenícia no sul da Espa­
nha. Os navios que faziam as longas viagens a
Társis representavam a importância do comércio de
Israel, especialmente no tempo do reino de Uzias.
A frase ÍTlttnn V -
talvez signifique as obras de
:
arte, de escultura e das lindas imagens feitas de ouro e
x I

prata que os navios traziam para os ricos de Israel no


tempo da sua grande prosperidade.
17. A arrogância do homem será abatida,
e a altivez dos homens será humilhada;
só o Senhor será exaltado naquele dia.

18. E os ídolos totalmente desaparecerão.

19. Então os homens se meterão nas cavernas das rochas,


e nos buracos da terra,
ante o terror do Senhor,
e a glória da sua majestade,
quando êle se levantar para assombrar a terra.

20. Naquele dia os homens lançarão


às toupeiras e aos morcegos
os seus ídolos de prata, e os seus ídolos de ouro,
que fizeram para ante êles se prostrarem,

21. e meter-se-ão pelas fendas das rochas,


e pelas cavernas das penhas,
ante o terror do Senhor,
e a glória da sua majestade,
quando êle se levantar para assombrar a terra.

22. Afastai-vos, pois, do homem


cujo fôlego está no seu nariz.
Pois em que é êle estimado ?

Os versículos 17 e 11 são semelhantes, como tam­


bém os 19 e 10. O verso 18 interrompe a conexão entre
17 e 19, e talvez seja uma interpolação. Mas é uma pre-
dição de interesse especial, e foi completamente cumpri­
da na vida de Israel. Depois do cativeiro babilônico nun­
ca mais se manifestou entre o povo de Israel a tendên­
cia de fabricar e adorar ídolos. Desapareceram as ima­
gens, o culto e até a memória dos ídolos (Zac. 13:2).
A frase fazer estremecer a terra talvez traduz me­
lhor as palavras do que assombrar a ter-
ra. Talvez o profeta estivesse pensando no terremoto
V T T "*! "

que abalou a terra no reino de Uzias, mas Delitzsch pensa


que visa ao julgamento final do ponto de vista de Is­
rael.
A última estrofe, versículos 20 a 22, acrescenta pou­
co que seja distintivo ao pensamento do parágrafo 6 a
16. Mas o povo, quando foge para o seu refúgio, lan­
çará os seus ídolos às toupeiras e aos morcegos.
O verso 22 não consta na versão grega, mas acon­
selha o abandono da confiança no homem e nas fôrças
humanas, Sal. 118:8, 9; 146:3; Jer. 17:5.
D. O Julgamento Divino de Jerusalém e de Judá, 3:1-15
Há três divisões desta mensagem sôbre o julgamen­
to de Jerusalém e Judá. Os primeiros sete versículos
descrevem a anarquia que seguirá a remoção dos homens
que ocupam posições de responsabilidade na vida polí­
tica e religiosa do povo. Os versos 8 a 12 explicam a
fonte e as causas dêste julgamento. A anarquia de Je­
rusalém e Judá resultará do aumento das iniqüidades
vergonhosas do povo. A blasfêmia da língua e as obras
da injustiça desafiavam a gloriosa presença do Senhor.
Os pecadores mais culpados são os chefes políticos e re­
ligiosos. A repreensão nos versículos 13 a 15 é dirigida
aos anciãos e aos príncipes que roubavam e esmagavam
o povo e moíam a face do pobre. Assim, o dia do julga­
mento vindouro será um tempo de terrível confusão e
anarquia social para Jerusalém e Judá. Depois da in­
trodução, Javé fala na primeira pessoa.
O ponto de vista do profeta nesta seção é pouco di­
ferente daquele que se apresenta nos versos 6 a 22 no
capítulo anterior. Na primeira êle dá ênfase aos peca­
dos do povo em geral: o orgulho, a idolatria e a arro­
gância. Nesta seção' trata-se do pecado nas suas conse­
qüências sociais, o govêrno tirânico, a crueldade e o de­
safio do Senhor, da parte dos príncipes e governadores.
Na primeira o julgamento é representado como uma po­
derosa catástrofe física; na segunda é a dissolução so­
cial que resulta na anarquia com todos os seus males
incontroláveis. 0 profeta reconhece que sem restrição
o povo tem a tendência de seguir o instinto egoístico na
sua vida social. Êste entendimento dos males da anar­
quia, e do valor de um bom govêrno para o bem-estar
nacional, é característico de Isaías como estadista.
1. A Anarquia Social, 3:1-7
1. Eis, pois, o Senhor Javé dos Exércitos
tira de Jerusalém e de Judá
o esteio e o suporte,
todo sustento de pão,
e todo sustento de água;

2. o valente e o soldado,
o juiz e o profeta,
o adivinho e o ancião;

3. o capitão de cinqüenta,
e o homem de posição,
o conselheiro e o sábio nas artes mágicas,
e o encantador perito.

4. Dar-lhes-ei meninos por príncipes,


e crianças governarão sôbre 6les.

5. E oprimirão uns abs outros,


o homem ao companheiro,
e cada um ao seu próximo;
o menino se atreverá contra o ancião,
e o vil contra o nobre,
6. Quando o homem segurar a seu irmão,
e lhe disser, na casa de seu pai:
Tu tens roupa;
tu serás o nosso principe,
e êste montão de ruínas
será sob o teu govêrno.

7. Naquele dia levantará êste a voz, dizendo;


Não serei médico,
pois na minha casa não há pSo, nem vestido:
não me poreis
por príncipe do povo.

O Senhor Javé dos Exércitos, MK32t r o n \ o Deus


Soberano, vai remover, já resolveu remover as classes
T :

que deviam contribuir para manter a ordem social e a


estabilidade do Estado, porque eram justamente êstes
que estavam arrastando a sociedade ao desastre. Disse
um estadista inglês: “O poder corrompe, e o poder ab­
soluto corrompe absolutamente.” A história humana
confirma esta observação. Entre os homens em geral
há uma tendência de aproveitar qualquer ocasião opor­
tuna, especialmente nos tempos de confusão, para ga­
nhar ilicitamente, ou roubar, dinheiro que pertence ao
govêrno ou à sociedade.
As palavras ••
ou
í " T S
e a forma feminina
HJyíyÜ têm a mesma significação, e podem ser tradu-
zidas para apoio, esteio, suporte, sustento, e também
T •• * “

para bordão e cajado, que não ficam bem neste contex­


to. Significam aqui pilares da sociedade, como falamos
dos pilares da igreja. Os pilares ou os chefes do govêr­
no e da sociedade da época, talvez no reino de Acaz, eram
os maiores responsáveis pela dissolução nacional. Foi
especialmente a corrupção dos chefes do povo que des­
pertou a ira do Senhor. Segundo o modo de pensar dos
hebreus a respeito da soberania de Deus, tudo que acon­
tece é devido à direção do Senhor. Ao mesmo tempo,
os escritores bíblicos reconhecem que o próprio povo,
pela infidelidade para com o seu Deus, trouxe sôbre si
tôdas as calamidades que sofreu através da História.
Há três tipos de chefes do povo que o Senhor vai
remover. Os chefes militares, os valentes e os soldados,
são mencionados em primeiro lugar. Mas isto certamen­
te não significa que êles eram os mais importantes na
preservação da paz e da segurança da terra. Êles muito
contribuíram para a perturbação política, o declínio e a
destruição final dos dois reinos de Israel e Judá. São
mencionados em segundo lugar os profetas, os juizes,
os anciãos e os conselheiros. Os fiéis, os verdadeiros
dêstes grupos, eram os mensageiros, os representantes,
os servos de Deus através da história do povo escolhido.
É impossível avaliar o serviço dêste grupo na história
de Israel, e a sua contribuição ao desenvolvimento da
civilização, especialmente quanto à legação que deixa­
ram à humanidade nas Escrituras Sagradas. Mas o pro­
feta está falando dos infiéis entre êste grupo dos mais
nobres servos do Senhor na história da religião do Velho
Testamento (Miq. 3:11; 7:3; Am. 5:12; Jer. 6:13; Ez.
22:12). Entre todos os servos de Deus no Velho Testa­
mento, o profeta chamado por Deus era o mais impor­
tante, e prestou o maior serviço ao seu povo e à huma­
nidade do que qualquer outro membro dêsse grupo.
Foi êle quem recebeu e transmitiu ao povo a revelação
divina. Como o mensageiro de Deus, êle interpretou o
propósito do Senhor na escolha de Israel, e explicou a
missão do povo escolhido na história humana. E’ difí­
cil acreditar que o profeta vocacionado pelo Senhor
esteja sendo indicado nesta passagem. Ela se refere aos
profetas falsos, não incumbidos pelo Senhor, que apro­
veitaram a confusão do povo, e, por dinheiro, apresen­
tavam mensagem agradável aos ouvidos dos rebeldes
contra o Senhor. O juiz verdadeiro era também honrado
representante do Senhor, e procurava representar a von­
tade do Senhor em tôdas as suas decisões legais. Os an­
ciãos e conselheiros tinham o nome de prestígio e honra
entre o povo em virtude do seu nobre serviço. O desvio
do caminho de retidão e justiça de qualquer membro
dêstes grupos ameaçava a estrutura social, e quando mui­
tos dos representantes dêsses grupos se entregaram à in­
justiça, êles levavam o povo ao desastre nacional. Muitos
representantes políticos e religiosos das nações moder­
nas roubam inescrupulosamente a seu povo, e sem reco­
nhecer a maldição do seu procedimento.
Encontram-se no terceiro grupo adivinhadores, sá­
bios nas artes mágicas, e encantadores peritos. Todos
êstes representam os elementos de paganismo na reli­
gião de Israel (Núm. 22:7; 23:23; II Reis 17:17; Miq.
3:6, 7; Jer. 27:9; 29:8; Ez. 13:9-23; 21:29). A menção
dêstes representantes das religiões dos cananeus, babi­
lônios e egípcios indica que o povo de Israel, havendo
abandonado a fé no Senhor, tinha que achar outra dire­
ção nas superstições e nas práticas dos seus vizinhos.
Quando os homens abandonam o Senhor Deus, êles se
entregam inevitàvelmente à idolatria. Os homens mo­
dernos não escolhem entre o cristianismo e a increduli­
dade, mas entre a fidelidade cristã e qualquer forma de
idolatria. Quando não querem beber da água viva, êles
cavam para si cisternas rôtas que não retêm as águas (Jer.
2:13).
As palavras meninos e crianças significam gover­
nadores sem conhecimento e sem experiência. Os ver­
sículos 5 a 7 descrevem a confusão e a anarquia sob o
govêrno sem autoridade e sem o poder de manter a or­
dem. Os homens não respeitam mais os princípios da
justiça. Cada um oprimirá o seu companheiro e o seu
próximo até ao limite do seu poder. Na desordem social
ninguém respeita mais a dignidade humana. As crianças
se mostram insolentes, e não há mais ordem na família,
o esteio mais forte da sociedade. Os profetas, ou mes­
tres religiosos, os juizes, os anciãos e òs conselheiro®
não recebem qualquer respeito ou qualquer deferência
do povo, simplesmente porque não merecem tal acata­
mento .
No desespêro, os aflitos apelam ao homem que tem
roupa ou acúmulo de bens, e oferecem fazê-lo príncipe
sôbre êles. É provável que o apêlo seja dirigido a um
ancião que não participava das lutas políticas e sociais,
e ainda possuía a sua propriedade. Neste caso, o povo,
no seu pedido de socorro, sentia-se obrigado a respeitar
êsse homem. Há variações no texto dêste versículo,
mas é claro na expressão da miséria e da anarquia do
povo.
Naquele dia levantará é a declaração do hebraico
do versículo 7, . Algumas versões acrescentam a
T ♦
sua voz ou a sua m ão. A Septuaginta e a Yulgata dizem
êle responderá. Não serei médico ou curandeiro dessa
terrível desordem social. Tão grande era a ruína so­
cial, que o homem não quis aceitar a posição de honra
que o povo lhe oferecia.
2. O Povo Arruinado, 3:8-12
8. Porque Jerusalém tropeçou,
■g Judá caiu;
porquanto a sua língua e as suas obras
são contra o Senhor,
desafiando a sua gloriosa presença.

6. A expressão do seu rosto testifica contra £las;


como Sodoma, proclamam o seu pecado,
e não o encobrem.
Ai da sua alma I
Porque trouxeram o mal sôbre si mesmos.
Jerusalém tropeçou, T
, ou está arruinada, e
» T

Judá caiu, *£3. A forma destes verbos, o perfeito pro-


fético, expressa a certeza da calamidade iminente que
• T

cairá sôbre Judá e Jerusalém. O pecado tão manifesto


na vida do povo já proclamou o julgamento vindouro. A
capital e o país inteiro estão decididamente contra o Se­
nhor. Com a língua, os habitantes publicam a blasfêmia
contra o Senhor, e, com as obras, êles profanam a santi­
dade de Javé dos Exércitos. Com as palavras e com os
atos, tinham repudiado as suas promessas solenes de fi­
delidade, e tinham renunciado tôdas as responsabilida­
des religiosas e morais que voluntàriamente assumiram
quando aceitaram com gratidão o concêrto de graça que
o Senhor fêz com êles.
Ao desafiar, ÍTj“|£3^ , a sua gloriosa presença. É
muito forte esta palavra que traduzimos por desafiar, e
t —

pode ser traduzida por provocar ou irritar. Usa-se tam­


bém no sentido de rebelar, resistir obstinadamente e des­
prezar (Cp. Am. 2:7; Jer. 7:18; 32:29). Assim, o pro­
feta descreve a psicologia do espírito rebelde do pecador
de hoje, ou de qualquer outra época da História. Os
olhos da sua glória, ou a sua gloriosa presença talvez seja
uma alusão à visão do profeta no Templo.
A expressão do seu rosto, n"l3Pl traduz melhor o
hebraico do que a parcialidade da R.S.V. O semblante ou
- T -

a aparência. A fisionomia de uma pessoa freqüentemente


revela o estado de saúde ou do seu espírito. As emoções
como a arrogância, vaidade, desdém dos iníquos testificam
contra êles. Os pecados que os habitantes de Jerusa­
lém e Judá cometiam, e as injustiças que praticavam
contra os vizinhos trazem sôbre êles a punição que mere­
cem. Ai da alma do pecador que se mata a si mesmo pe­
las iniqüidades que comete!
10. Dizei aos justos que êles serão bem sucedidos;
porque comerão do fruto das suas ações.
11. A i do perverso! êle passará mal;
porque receberá a recompensa das suas mãos.
12. Os opressores do meu povo são crianças,
e mulheres estão à testa do seu govêrno.
Ah! povo meu ! os que te guiam te enganam,
e destroem o curso das tuas veredas.

Os versículos dez e onze apresentam a lei universal


da retribuição divina. Alguns críticos pensam que não
foram escritos por Isaías, mas interpolados mais tarde,
talvez depois do exílio. Diz R.B.Y . Scott na The inter­
preteis Bible que os versos ficam à parte do contexto.
Mas o profeta tinha proclamado o mesmo ensino em
1:19, 20. Sendo o profeta da justiça, o tema da sua men­
sagem o mesmo dos versos anteriores. Todos os ho­
é
mens receberão a recompensa das suas obras. Êste é
justamente o ensino dos profetas e salmistas. É verda­
de, porém, que os escritores do Velho Testamento tinham
que lutar com o problema do sofrimento dos justos, em
virtude desta crença, até que fôsse firmemente estabele­
cida a revelação divina sôbre a vida além da morte.
Dizei aos justos que bem... O singular de p r,?!!í
usa-se aqui no sentido coletivo. A palavra en­
cerra ou leva a idéia de que os justos serão bem su­
cedidos. A Septuaginta tem uma tradução complicada
de 9b-10: “Ai da sua alma, porque êles se aconselham
entre si, dizendo: Amarremôs o justo, pois é perturbador
para nós; portanto, êles comerão do fruto das suas
obras. ” Com a pequena mudança de j •Para *
pode-se ler, “Feliz é o justo, pois tudo vai bem com êle.”
Ai do perverso, porque a sua recompensa será jus­
tamente as obras das suas mãos. Os governadores ti­
nham a responsabilidade de promover o bem-estar do
seu povo, e protegê-lo da injustiça de opressores, mas
êles mesmos se tornaram os tiranos. Eram crianças no
entendimento do significado dos seus atos, não somente
para a nação, mas também para si próprios.
Na referência a mulheres é provável que o profeta
estivesse pensando na influência maléfica das mulheres
do harém dos próprios governadores. Mas o govêrno
de Atalia, mãe de Acazias, II Reis 11:1-16, foi uma dolo­
rosa experiência para o povo de Judá. Os guias do povo
levaram-no à destruição.
3. Os Esmagadores do Povo, 3:13-15
13. O Senhor toma o seu lugar para contender,
e apresenta-se para julgar o seu povo.
14. O Senhor entra em juízo
com os anciãos e os príncipes do seu povo:
Vós sois os que devorastes a vinha;
o espólio do pobre está em vossas casas.
15. Que há convosco que esmagais o meu povo,
e moeis a face dos pobres ?
diz o Senhor Javé dós Exércitos.

Apresenta-se aqui um espetáculo do julgamento di­


vino. O Senhor toma o seu lugar, não para piei-
tear, mas para contender, condenar e castigar os iníquos
T *

de acôrdo com as suas obras. ÊÍe se apresenta no meio


do povo como acusador, juiz e o administrador da ver­
dadeira justiça. A acusação divina, que o povo não po­
dia negar, é também a sentença do julgamento,
O Senhor entra em juízo particularmente com os
anciãos e os príncipes. Se êstes governadores do povo
tivessem mantido a integridade e o sentido da justiça,
êles poderiam ter mantido a ordem social, e assim ter
restringido os crimes do povo em geral. Quando êles
abandonaram as responsabilidades da sua nobre incum­
bência, não havia ninguém que se interessasse em man­
ter a ordem, e o resultado foi a terrível anarquia social.
O Senhor se apresenta para julgar o seu povo. Esta
é a tradução da Septuaginta. O hebraico tem os povos,
mas o contexto mostra que êste julgamento do Senhor é
limitado ao povo escolhido.
E’ muito forte a acusação contra os anciãos e prín­
cipes. Êstes, que foram escolhidos para proteger a vinha
e guardá-la dos ladrões, tornaram-se traidores e saquea­
dores das propriedades públicas, e assim devoraram,
ou consumiram a vinha. Os presentes que exigi-
ram do povo pelo serviço legítimo que não fizeram, e
- r *

o despojo que roubaram dos pobres, e dos que não tinham


defesa, estavam nas casas dos ladrões. Que se pode di­
zer dêsses homens no serviço público, nestes tempos mo­
dernos, que edificam os seus palácios e acumulam enor­
mes riquezas dentro do período em que ficam no poder?
Que direito tendes vós de esmagar o meu povo,
e moer a face dos pobres, ^Bí
Isaías, bem como os outros profetas e salmistas eram
os defensores dos órfãos, viúvas e pobres que não tives­
sem os meios de defender os seus direitos.
E. As Mulheres Altivas de Jerusalém, 3:16-4:1
16. O Senhor disse :
Porquanto são altivas as filhas de Sião,
e andam de pescoço emproado,
de olhares impudentes,
a n d a n d o com agilidade,
fazendo tinir os ornamentos de ssus pés;
17. o Senhor afligirá com cicatriz
a coroa das cabeças das filhas de Sião,
o Senhor porá a descoberto as suas vergonhas.

Os versículos 16 a 24 constituem um oráculo do


profeta dirigido às mulheres altivas de Jerusalém. Como
Amós 4:1-3 expõe as extorsões da parte dos ricos de Sama-
ria, assim Isaías reconhece no luxo, e na vaidade das
mulheres de Jerusalém a opressão e a injustiça pratica­
das por seus maridos (Cp. 32:9-12). Nesta seção os ver­
sículos 16 e 17 e 24 a 26 foram escritos em forma poé­
tica, mas os versos 18 a 23 e 4:1 se acham em prosa.
Por isso, alguns pensam que Isaías não escreveu os ver­
sos 18 a 23, e que foram interpolados mais tarde por
outro escritor. Mas, como Amós, Isaías reconheceu que
as mulheres da aristocracia de Jerusalém eram respon­
sáveis pêla opressão e a injustiça praticadas pelos ma­
ridos. A vida moral e social das mulheres é geralmente
o critério das condições éticas e religiosas entre todos os
povos.
As filhas de Sião é a frase que se refere às mulheres
da parte da cidade ocupada pelos ricos, principalmente
dos governadores. A altivez, FD'} — o orgulho e a arro-
gância das mulheres — é evidenciada nos gestos e no modo
“ T

de andar em público, de pescoço emproado, ou estendi­


do, níDJ, até ao limite, para se distinguirem das
mulheres da classe baixa, e assim demonstrar a grande­
T T

za das senhoras da côrte, das nobres e da aristocracia


de Jerusalém.
De olhares impudentes, . T •* t
, olhares
“ l
fingidos com arte para encantar e seduzir com o brilho
dos olhos, andando com agilidade, ou a passos afetados
de ternura, Í1BÍD. Elas assim faziam tinir os ornamentos
dos pés. As mulheres usavam tornozeleiras, ligadas com
correntinhas curtas, com ornamentos que tiniam quan­
do elas andavam.
O castigo destas mulheres ricas e arrogantes será
muito humilhante, a recompensa apropriada da cruelda­
de que praticavam com os maridos contra o povo sem
defesa, a cicatriz na coroa da cabeça, e a descoberta de
sua nudez.
18. Naquele dia tirará o Senhor o adôrno dos anéis dos
artelhos, as toucas e os ornamentos em forma de meia lua;
19. os pendentes, os braceletes e os véus esvoagantes;
20 os turbantes, as cadeiazinhas para os passos, as cintas,
as caixinhas de perfumes e os amuletos;
21. os anéis de selar, e as jóias pendentes do nariz;
22. os vestidos de festa, os mantos, as capas e as bôlsas;
23. os vestidos diáfanos, as vestes de linho, os atavios de
cabeça e os véus grandes.

É um tanto obscura esta descrição minuciosa dos


artigos do vestuário das mulheres de Jerusalém no tem­
po de Isaías. O estudo dos objetos de adôrno pessoal
achados nas escavações da Palestina, e datados na mes­
ma época, esclarecem a descrição de alguns dêstes ar­
tigos. A versão SBB talvez apresente a melhor tradução
dos nomes hebraicos dos vários artigos. É claro que o
profeta não quis dizer que qualquer mulher usava ne-
cessàriamente todos êsses artigos de uma vez. Um bom
número dos artigos eram apenas ornamentos, e alguns
dêstes se usavam para proteger a pessoa dos espíritos,
ou dos deuses malignos. Muitos dêsses artigos de podê-
res encantadores ainda se usam no Oriente, e também
são usados por algumas pessoas supersticiosas no Oci­
dente .
Alguns dos artigos do vestuário das mulheres de
Jerusalém são usados em todos os países do mundo até
hoje em dia. Mas os anéis dos artelhos, as cadeiazinhas
para os passos, as jóias pendentes do nariz, e alguns dos
véus, especialmente o véu do rosto, não se usam em
muitos dos países de hoje.
O profeta está condenando a vaidade e a degradação
moral das mulheres ricas de Jerusalém, e a sua terrí­
vel influência na corrupção da sociedade, e na destrui­
ção nacional do seu povo. A qualidade moral do sexo
feminino determina, em grande parte, o caráter da so­
ciedade de qualquer país. São elas, como mães, que es­
tabelecem os ideais dos homens. As mulheres inspiram
os seus filhos com o seu próprio espírito de nobreza,
amor e sacrifício; ou os corrompem com a sua vaidade,
o seu egoísmo e a sua falta de interêsse no bem-estar
moral, no treinamento dêles. Na profunda apreciação
da influência das mulheres na formação do caráter dos
homens, e assim no destino do seu povo, o profeta é se­
vero na condenação dos seus pecados.
24. Em lugar de perfume haverá podridão;
em lugar de cinto, corda,
em lugar de encrespadura de cabelos, calvície;
em lugar de veste suntuosa, cilício,
e em lugar de formosura, vergonha.

25. Os teus homens cairão à espada,


e os teus valentes na batalha.

26. As suas portas lamentarão e prantearão;


e ela se assentará no chão, desolada.

4:1. Sete mulheres naquele dia lançarão mão dum homem, dizen­
do: Nós comeremos do nosso pão, e nos vestiremos de nossos
vestidos; tão sòmente queremos ser chamadas pelo teu nome;
tira o nosso opróbrio.

O verso 24 descreve a degradação das mulheres da


alta sociedade de Jerusalém no dia do julgamento. O
versículo relaciona-se mais diretamente com o verso 17.
Há quatro contrastes aqui entre a ostentação e a arro­
gância das mulheres ricas de Jerusalém e o caráter de­
las de acôrdo com o julgamento. Os contrastes mostram
que estas mulheres injustas, pecaminosas e arrogantes
hão de receber o castigo que merecem. Em vez de per­
fume haverá podridão, ou o mau cheiro da escravidão.
Em vez de um cinto, ornamento de vestido, haverá uma
corda, ou cabo no pescoço, símbolo da degradação. Em
vez de encrespadura de cabelos, ou penteado da moda,
haverá calvície. E em vez de formosura haverá vergo­
nha . A palavra vergonha, H tífà, não se encontra senão
no manuscrito do Mar Morto.
Os versos 25 e 26 são dirigidos a Jerusalém. A per­
sonificação de Jerusalém é freqüente na Bíblia. Nas
calamidades que cairão sôbre a cidade amada, os seus
homens fortes e valentes perecerão. As portas nos mu­
ros da cidade lamentarão a sorte dos seus bravos solda­
dos . Os homens se reunirão nas portas para tratar de ne­
gócios, e ali se encontrarão com amigos e conhecidos
que vão entrando e saindo da cidade. Nestas reuniões
haveria lamentações pelos valentes que morreram na
defesa da cidade amada. Na poesia hebraica até as pró­
prias portas da cidade choravam a morte de seus de­
fensores .
Naquele dia de sofrimento' terrível da cidade, 4:1,
sete mulheres, número indefinido de viúvas (Cp. 3:25),
sem esperança de outro casamento, lançarão mão dum
homem, e lhe pedirão insistentemente que as receba na
casa dêle, para que tenham o nome dêle, e assim fiquem
livres do opróbrio. Nós comeremos do nosso pão. Pe­
dem apenas a proteção da parte do homem para que fi­
quem livres de ignomínia (Cp. Gên. 30:23 e I Sam. 1:6).
O julgamento das mulheres, e o dos governadores, re­
presentam a condenação mais compreensiva de Jerusa­
lém e Judá, bem como a censura de tudo que seja exal­
tado e arrogante.
F. A Beleza e a Glória de Sião Purificada, 4:2-6
2. Naquele dia o Renôvo do Senhor será de beleza ® de glória;
e o fruto da. terra será o orgulho e o resplendor dos
sobreviventes de Israel.
3. E aquêle que é deixado em Sião « permanece em Jerusalém
será chamado santo; todo aquêle que estiver inscrito
entre os vivos em Jerusalém;
4. quando o Senhor houver lavado a imundície das filhas de
Sião, e limpado Jerusalém da culpa do sangue do meio dela,
com o espírito d>e justiça e com o espírito purificador.

Em contraste com o julgamento severo na seção


anterior, os versos 2 a 4 descrevem a visão do profeta
sôbre a glória futura de Jerusalém restaurada. Naquele
dia não se refere ao dia do julgamento de 2:12-20, já no
passado, mas ao dia de 1:16 a 27, quando Jerusalém será
a cidade de justiça, cidade fiel.
Alguns críticos, perturbados pelo estilo de contras­
tes do hebraico, declaram que esta passagem, em perfeita
harmonia com o estilo e o ensino de Isaías, foi interpo-
lada mais tarde, talvez depois do exílio. Esta teoria de
que estudantes da Bíblia, no tempo depois do exílio, fi­
zeram uso das idéias e da linguagem de Isaías para de­
senvolver e esclarecer os seus ensinos, contradiz os fatos
bem conhecidos a respeito do cuidado extraordinário na
preservação das Escrituras sem quaisquer modificações.
Além disto, a passagem concorda perfeitamente com Is.
9:2-7 e 11:1-16. É também difícil pensar que qualquer
redator subseqüente pudesse julgar necessário interpo-
lar esta passagem justamente neste lugar.
Êste é um cântico de esperança que se encontra em
tôda parte do Velho Testamento desde o princípio até ao
fim. Foi a inspiração do profeta quando Senaqueribe
arrogantemente ameaçava capturar a cidade de Jerusa­
lém, a última fortaleza que protegia o Reino de Judá do
genocídio da parte da Assíria. Foi a esperança de Jere­
mias e de Ezequiel nos dias mais escuros da história de
Israel. Esta maravilhosa esperança baseava-se na fé ina­
balável na bondade e no poder do Senhor Javé no cum­
primento das suas eternas promessas.
Naquele dia o Renôvo, FIDÜ , do Senhor será formoso
e glorioso. Há várias interpretações dêste versículo, até nas
traduções. A Septuaginta traduz: “Naquele dia, Deus res­
plandecerá em conselho com glória sôbre a terra, para
exaltar e para glorificar o restante de Israel.” A Caldaica
traduz: “Naquele dia, o Messias do Senhor por júbilo e
glória, e por obreiros da lei, pelo louvor e pela honra
dos sobreviventes de Israel.” A palavra Renôvo ou Re­
bento é do verbo brotar, das plantas. É a mesma pala­
vra que se usa em Jer. 23:5; 33:15; Zac. 3:8; 6:12, com
referência ao Messias vindouro. Isaías usa a palavra só
neste versículo, mas na passagem messiânica do capí­
tulo nove êle diz “sôbre o trono de Davi” . E em 11:1 êle
emprega o sinônimo “|t2 Tl , rebemto que sairá do tronco
v
de Jessé. 0 reino que o Renôvo estabelecerá pertence a
Deus, porque a obra do Messias é a obra de Deus (Cp.
A Esperança Messiânica do autor, Cap. VI). Segundo
esta interpretação, a segunda parte do verso refere-se
à fecundidade, ou à produção abundante da terra, como
símbolo ou prova da nova idade. Como no dia de ini­
qüidade e aflição a terra estará de luto e pranteará (Am.
1:2; Jer. 4:28; Zac. 12:12), assim ao nôvo dia a terra fi­
cará alegre e se regozijará na abundância da sua produ­
ção (Cp. Is. 11:1-10 e Os. 2:21-23). Não podemos
aceitar a interpretação de alguns comentaristas de que
o Renôvo do Senhor significa a renovação da natureza
física da terra. A nossa interpretação explica melhor o
paralelismo das duas partes do versículo, e concorda
melhor com a grande significação do nôvo dia para os
sobreviventes, de Israel. Esta mesma palavra
usa-se freqüentemente para designar os sobreviventes
T •• 1

do cativeiro babilônico que voltaram para Judá.


Alguns interpretam a referência ao Renôvo do Se­
nhor para significar apenas o restante que sobreviveu
ao julgamento divino. Assim dizem que o Restante dei­
xado se levantará, pela misericórdia de Javé, como o
Renôvo ou o Rebento do tronco. Afirmam que essa in­
terpretação concorda com os versos 3 e 4, mas há uma
distinção clara entre o Renôvo e o Restante, como nas
várias passagens que tratam do Reino Messiânico.
Aquêle que é deixado, , ptc. Nif., em Sião, e
** T

permanece, "‘irV > em Jerusalém será chamado santo


(Cp. Is. 60:14; 61:6; 62:12). A santidade aqui inclui as
** T

idéias da consagração ao Senhor, bem como a pureza


moral.
É a palavra santo, , que recebe a ênfase no
verso 4. A frase ser chamado santo significa ser santo.
T

Os hebreus tinham o costume de manter um registro


dos nomes de todo o povo, segundo as tribos e as famí­
lias. Todo aquêle que estiver inscrito entre os vivos em
Jerusalém significa todos os habitantes da cidade. Quan­
do uma pessoa falecia seu nome era riscado do livro da
vida (Êx. 32:32; Dan. 12:1; Ez. 13:9). Todos os sobre­
viventes eram santos ou separados para o serviço do Se­
nhor. Mais tarde, todos os inscritos no livro da vida
eram o povo de Deus (Luc. 10:20; Fil. 4:3; Apoc. 3:5,
13:8, 20:14).
As filhas de Sião têm que ser lavadas da sua imun-
dícia, e Jerusalém tem que ser limpa da culpa do san­
gue, antes que os deixados na cidade possam ser cha­
mados santos. A imundícia das mulheres significa a
corrupção, a vaidade, a arrogância e a infidelidade. A
culpa do sangue de Jerusalém refere-se aos pecados de
opressão, crueldade, injustiça, rapina, idolatria e hipo­
crisia dos governadores e dos ricos de Jerusalém e de
Judá.
É pelo espírito de justiça e o espírito purificador, o
espírito divino que opera no mundo físico e moral, se­
gundo a providência de Deus, que o povo limpo (purifi­
cado) é preparado para receber as bênçãos gloriosas do
Senhor. A palavra purificador, significa queimar,
ou ser consumido pelo fogo.
- r

5. Então o Senhor criará sôbre todo o sítio do monte de Sião, a


sôbre as suas assembléias uma nuvem de dia, e um fumo e um
resplendor de fogo chamejante de noite; porque sdbre tôda a
glória se estenderá um dossel e um pavilhão.

6. Será para sombra contra o calor do dia, e para refúgio e es­


conderijo contra a tempestade e a chuva.

Apresenta-se nos versos 5 a 6 uma outra descrição,


um pouco diferente da dos versos 2 a 4, do grande dia da
restauração. A gloriosa presença do Senhor torna-se
uma preciosa realidade na nuvem de fogo e do fumo
que resplandecem sôbre a nova Jerusalém. O simbolis­
mo visível é o mesmo que brilhava sôbre o tabernáculo
no deserto no período do êxodo (Êx. 13:21-23; 40:34-38).
A comunhão que o povo experimentou com Deus no
êxodo do Egito é restaurada, e o Senhor Javé está com o
seu povo. “A aparência da glória do Senhor era como um
fogo consumidor no cimo do monte, aos olhos dos filhos
de Israel”, Êx. 24:17.
Como o Senhor desceu sôbre o Sinai e ia adiante dos
hebreus durante o dia numa coluna de nuvem para os
guiar pelo caminho, e durante a noite numa coluna de
fogo, assim, nesta nova restauração, a presença do Se­
nhor acompanhará o seu povo, e êle se estabelecerá sôbre
tôdas as suas assembléias. Esta linguagem é figurada, e
não necessariamente declara, como dizem alguns, que
ao nôvo dia o povo receberá apenas as bênçãos que os
hebreus receberam no período da sua história no deser­
to, enquanto os versos 2 a 4 falam da purificação e da
restauração da comunidade humana no seu aperfeiçoa­
mento final.
O uso da palavra criará, que sempre desig-
na uma produção original e miraculosa, é justificado
T T

por Delitzsch, porque o profeta fala sôbre uma nova


revelação da sua presença, acima do curso regular da
história. Mas a Septuaginta tem a palavraSOí e diz:
“Então Javé virá sôbre tôda habitação no monte de Sião,
T

e sôbre tôdas as assembléias como a nuvem de dia.”


A versão do Padre Matos Soares traduz a palavra
por extensão, que talvez seja melhor do que sítio
de RSV. Porque sôbre a glória se estenderá um dossel
',
i

e um pavilhão, H3D1 HSn TD3 2 porque


sôbre cada glória um dossel, uma coberta apropriada.
T \ t T \ T T ~

A palavra HSn significa cobertura, tenda ou dossel, e


T \

Í13D significa tenda, barraca ou abrigo. A nuvem ofe-


\
rece uma sombra e um esconderijo; o fogo oferece luz e
T

proteção contra podêres hostis. 0 profeta fala não so­


mente da presença do Senhor, mas também nas suas ati­
vidades na proteção e na salvação do seu povo.
O calor do dia, a tempestade e a chuva representam
os vários perigos dos quais o Senhor protegerá o seu
povo. A chuva é geralmente considerada uma grande
bênção na Palestina. Por que se usa aqui como símbo­
lo de perigo? Talvez se use aqui em conexão com tem­
pestade no sentido de dilúvio. É difícil acreditar que a
palavra fôsse acrescentada mais tarde por qualquer ou­
tro escritor.
Apesar das dificuldades técnicas nesta passagem, é
claro que representa a fé e a esperança de Isaías, isto é,
que o julgamento divino purificará a cidade de Jerusa­
lém, e que ela será atraída e restaurada pela experiência
do poder redentor do Senhor, e se tornará um povo san­
to e dedicado ao serviço do seu Deus no cumprimento
da sua gloriosa missão messiânica (Cp. 2:2-5).
G. Um Cântico da Vinha do Senhor, 5:1-7
1. Seja-me permitido, pois, cantar ao meu amado,
um cântico a respeito da sua vinha.
O meu amado teve uma vinha
num outeiro fertilíssimo.
2. Revolveu a terra e a limpou das pedras,
e a plantou de vides escolhidas;
edificou no meio dela uma tôrre,
e abriu nela um lagar;
e esperava que desse uvas,
mas deu uvas bravas.
3. Agora, pois, ó moradores de Jerusalém
e homens de Judá,
julgai, vos pego, entre mim
e a. minha vinha.
4. Que havia de fazer ainda à minha vinha,
que eu lhe não tenha feito ?
Quando eu esperava que desse uvas,
por que produziu uvas bravas ?

Êste cântico, que é também uma parábola, é um dos


mais lindos exemplos da perícia literária do profeta
Isaías. O profeta se apresenta como bardo, ou cantor de
músicas populares, talvez na ocasião da Festa dos Ta-
bernáculos, a celebração pública da colheita dos produ­
tos da lavoura. As festas da colheita eram ocasiões de
profunda alegria. O povo se ajuntava em grandes as­
sembléias para beber, comer e jubilar (Cp. Juí. 9:27).
A parábola não é meramente uma ilustração, nem
uma alegoria em que todos os pormenores simbolizam
uma verdade. Mas é uma pequena narrativa que encer­
ra uma mensagem de importância especial para os ou­
vintes. O ensino apresentado na forma de parábola tor-
na-se mais evidente e mais poderoso para o ouvinte do
que quando é proferido diretamente, ou reforçado por
uma ilustração. Era ocasião especial para os cânticos
de vindima, e a multidão reunida, talvez na côrte do
Templo, estava pronta para ouvir, com profunda atenção
e com interêsse e alegria, qualquer cântico nôvo.
F.m circunstâncias tão favoráveis, o profeta encan­
tou logo os seus ouvintes. Sem dúvida, êles tinham ou­
vido cânticos sôbre o assunto tão popular como a vi­
nha. Ficaram excitados de curiosidade a respeito de
qualquer nôvo pensamento que o profeta pudesse ofere­
cer nesse cântico diferente dos outros que conheciam.
Como Amós levou os seus ouvintes a condenar os seus
próprios pecados, na condenação das nações vizinhas,
e como Natã induziu o rei Davi a reconhecer os seus pe­
cados, assim o profeta levou o povo a pensar no seu fra­
casso como a nação escolhida do Senhor.
A poesia tem duas divisões, versos 1 a 4 e 5 a 7 . E
cada uma destas tem duas subdivisões. Os versos 1 a 2a
descrevem as condições favoráveis no preparo para a
plantação da vinha, enquanto 2b a 4 explicam o desa­
pontamento do vinhateiro com os resultados, e pedem aos
ouvintes a julgar se a falta era dêle ou da própria vi­
nha. Então o proprietário declara a sua intenção de des­
truir a vinha (5 a 6). Em profunda simpatia com a
decepção do vinhateiro, os ouvintes apoiaram o seu
propósito de demolir a vinha. 0 clímax inesperado do
cântico é proclamado no versículo 7 quando a vinha da
parábola identifica-se com a nação de Israel nos maus
frutos que tinha produzido como o povo do Senhor.
Seja-me permitido cantar do meu amado, ou a res­
peito do meu amado, YT T ^ , é melhor do que para o
meu amado, como é traduzida a palavra :- !
a res-
peito da sua vinha. Não está cantando para o amado,
mas do amado. As palavras “P T e TjH são sinôni-
mas. São têrmos de carinho especial para com um ami­
•T

go íntimo e, assim, muito amado. A palavra se usa para


designar os amados do Senhor, como no Sal. 127:2 e
Deut. 33:12. É certo que êste têrmo amado nem sem­
pre se usa no sentido erótico, como declara The Inter­
preteis Bible.
A respeito da sua vinha. Os hebreus são freqüen­
temente representados em figura como a vinha do Se­
nhor, Sal. 80:8-15; Jer. 2:21; 12:10. O nosso Salvador
usou esta figura expressiva para designar o carinho de
Deus no cuidado do seu povo, Mat. 21:33 sq. e Mar.
12:1 sq.
Outeiro fertilíssimo é a tradução da frase hebraica
que significa “ como filho de azeite” . A imagem é poé­
tica e bonita, e declara que Deus tinha plantado o seu
povo em circunstâncias favoráveis, e esperava que cres­
cesse e produzisse bons frutos para a glória do seu Deus.
O vinhateiro cavou e revolveu o solo, e tirou dêle tô­
das as pedras. A Vulgata e a Septuaginta dizem “cer­
cou-a duma sebe” . O versículo 5 diz, “removerei a
sebe”, mas a palavra pTJ? do texto hebraico significa
mexer o solo. Com a esperança de uma grande produção
— T

de uvas, o dono edificou uma tôrre no meio da vinha,


donde o guarda pudesse observar e expulsar os intrusos.
Havendo preparado cuidadosamente o solo no ou­
teiro fertilíssimo, o dono escolheu as melhores vides,
com o desejo de produzir os melhores e os mais abun­
dantes frutos. Dizem os comentaristas judeus que a
vide sorek, , produz uma boa qualidade de uvas
vermelhas com sementes pequenas (Cp. Jer. 2:21).
Edificou uma tôrre no meio da vinha como abrigo para
o guarda que protegia as vides e o fruto contra os la­
drões. Abriu um lagar, a p " . cortado na pedra para re-
V V
ceber o suco que corria da prensa (Cp. Joel 3:13; Prov.
3:10; Neem. 13:15). Mas a palavra se usa, às vêzes,
no sentido de prensa de lagar. Depois de todo êste cui­
dado e trabalho, o dono esperava que as vides lhe dessem
uma abundância de uvas de boa qualidade, •
mas
T " I

produziram uvas b r a v a s , , de mau cheiro.


• \ i >

Há, no versículo três, uma transição da terceira


para a primeira pessoa. O cantor identifica-se com o
“Amado”, o verdadeiro dono da vinha, dando assim um
palpite de que haja uma significação mais profunda da
sua parábola do que o motivo de divertir os ouvintes.
O dono não pede aos ouvintes para que digam o que êle
devia fazer com a vinha, porque já determinara a sua
resolução que declara aos ouvintes. Mas pede que os
moradores de Jerusalém e os homens de Judá julgas­
sem entre êle e a sua vinha. Sem o saber, os ouvintes
são induzidos a oferecer um julgamento inevitável a res­
peito de si mesmos como a nação que tinha fracassado
miseràvelmente como a vinha do Senhor.
Depois de parar por um momento para dar aos ou­
vintestempo de considerar como o vinhateiro tinha fei­
to tudo possível quanto à vinha, e que nãohavia qual­
quer desculpa em favor da vinha, o profeta apresenta o
julgamento justo do caso nos versos 5 a 7.
5. Agora, pois, vos farei saber
o que vou fazer à minha vinha.
Tirarei a sua sebe, e ela será devorada;
derribarei o seu muro, e será pisada.

6. Torná-la-ei «m deserto; não será podada nem sachada;


crescerão nela sarças e espinheiros;
e às nuvens darei ordem
.que não derramem chuva sôbre ela.

7. Pois a vinha de Javé dos Exércitos é a casa de Israel,


e os homens de Judá a plantação da sua delfcia;
êle esperou a retidão, mas eis o derramamento de sangue;
a justiça, mas eis aí um clamor!

Como o dono fizera tudo que podia ser feito no cul­


tivo de sua vinha, assim o Senhor havia feito em favor
dos judeus tudo que era possível, de acôrdo com as cir­
cunstâncias, para a cultura da sua fé, e para ajudá-los
no cumprimento da sua nobre missão. Tinha-os liber­
tado da escravidão do Egito, escolhendo-os como o seu
povo peculiar. Fêz com êles o seu concêrto de amor, e
lhes enviou profetas e mestres para os guiar e orientar
na sua vida moral e religiosa. Agora lhes apresenta o
apêlo' para dizer que mais o Amado poderia ter feito em
favor dêles.
Terminou o cântico no verso 4, e então o profeta
pronuncia a sentença contra a vinha. A vinha será aban­
donada e deixada para se tornar em deserto, com a pro­
dução de sarças e espinheiros. Será tirada a sua sebe
de abrolhos e derribado o muro de pedras, deixando a
terra aberta aos animais e feras. Será pisada e comple­
tamente arruinada. Não receberá mais qualquer aten­
ção ou cuidado, e será coberta de sarças e espinheiros.
O Senhor dará ordem às nuvens que não derramem
mais chuva sôbre aquela terra, pois é claro que o sujeito
do verbo “darei ordem” é o Amado, o dono da vinha.
Mas no versículo 7 o profeta declara definitivamente
que Javé dos Exércitos é o Amado que plantou a vinha,
e a vinlia é a casa de Israel. Assim a parábola ensina
com ênfase dois fatos. A vinha de Javé é a casa de Is­
rael, especialmente os homens de Judá, a planta dileta
do Senhor. O segundo fato acentuado na parábola é
que as uvas bravas que o povo escolhido do Senhor, a
sua vinha, produzia são as opressões terríveis, a injus­
tiça, a iniqüidade.
Êle esperou o juízo, ÍOfitifà , mishpat.
T í ’

Eis o derramamento de sangue, T :


, mispa.
*

Esperou a justiça, HpIU , tsedhaká.


T T *

Eis um clamor, HpJJlí , tseaká.


A palavra significa a justiça que os próprios
juizes de Israel, como representantes do Senhor, deve­
T I •

riam ter dispensado no julgamento dos homens perante


os tribunais. A palavra retidão traduz o sentido. A jus­
tiça, nCTO > significa a justiça absoluta, ou a justiça
divina.
T T *
O Senhor espera do seu povo o fruto da justiça
como o resultado da cultura divina. Quando os homens
desprezam o amor e o cuidado divinos, êles perdem a
proteção e as benéficas influências da graça de Deus.
H. Ais Contra os Perversos, 5:8-30
8. Ai dos que ajuntam casa a casa,
e vão acrescentando campo a campo,
até chegar ao fim do lugar,
como os únicos moradores no meio da terra.

9. A meus ouvidos jurou o Senhor dos Exércitos:


Verdadeiramente muitas casas ficarão desertas,
grandes e belas sem moradores.

10. Pois dez jeiras de vinha darão um bato,


e um êmer de semente dará apenas uma efa.

Ê possível que esta série de ais sofreu algum desar­


ranjo na transmissão. A palavra introdutória ai apare­
ce seis vêzes na discussão, mas com uma certa irregu­
laridade. O ai dos bêbedos é mencionado duas vêzes,
com pequena modificação. Esta série de denúncias dos
aristocratas sociais inclui os ricos que se aproveitam
das condições sociais e econômicas para tomar posse
da terra, 8; os que seguem a bebedice, 11; os iníquos
agressivos, 18; os que justificam os seus pecados, 20;
os sábios aos seus próprios olhos, 21; os bêbedos e os
juizes corruptos, 22, 23.
Êstes vários grupos de pecadores não temem a Deus,
nem respeitam os homens. O profeta descreve em têr-
mos fortes, e condena severamente os pecados do egoís­
mo, do orgulho, da insensibilidade, da depravação mo­
ral e da apatia religiosa: pecados que êle e os profetas
contemporâneos denunciam repetidas vêzes. No perío­
do prolongado de prosperidade material no reinado de
Jeroboão II, os governadores e os privilegiados oprimiam
cada vez mais severamente os pobres e os fracos, en­
quanto a religião, a justiça social e o espírito de frater­
nidade sofriam uma desastrosa decadência. Com o de­
clínio moral e religioso da sociedade aumentavam-se as
formas cerimoniais, adaptadas dos cananeus, na osten­
tação elaborada, no sacrifício de animais e nas festas
sensuais do povo. Evidentemente, o povo não experi­
mentava mais a comunhão íntima com o Senhor dos
Exércitos, o Santo de Israel, o Deus do Concêrto do Si­
nai. A religião de Israel já se tornara apenas uma tra­
dição .
O fundo histórico dêsse capítulo talvez seja a últi­
ma parte do reinado de Jotão, ou na primeira parte do
reinado de Acaz. O castigo do povo infiel não será mais
um terremoto, mas por causa da falta de entendimento
o povo será levado cativo. Os nobres terão fome, e a
multidão se secará de sêde, v. 13.
Como o profeta tinha proclamado o dia do julga­
mento na Parábola da Vinha, êle declara repetidamente
que o dia de prestar contas está chegando quando os vá­
rios grupos de pecadores que tinham produzido os fru­
tos amargos da apostasia e degradação hão de sofrer a
mesma ruína da vinha abandonada aos animais e às
feras.
No verso 8 o profeta especifica alguns dos pecados
indicados na Parábola da Vinha. Condena severamente
a avareza dos ricos, no seu desejo ardente de adquirir
dos vizinhos que sofriam fome, mais, mais, e ainda
mais dos seus terrenos, até que não houvesse mais qual­
quer lugar para ser adquirido por rapacidade ou por
compra.
A gravidade dessa avareza na economia do país foi
aumentada por várias circunstâncias. A terra da Pa­
lestina é reconhecida no Velho Testamento como a pro­
priedade do Senhor, e o povo recebe a sua porção como
herança divina. Os donos, então, têm a incumbência de
cuidar de seus terrenos como herança recebida do Se­
nhor para as suas respectivas famílias. Para honrar essa
responsabilidade qualquer dono que ficasse obrigado a
vender o seu terreno por fôrça de razões econômicas
haveria de oferecê-lo primeiro ao parente mais achegado
(Rute 4:3-10). Quando Nabote informou ao rei Acabe
de que não lhe podia vender a vinha que desejava, o
rei, embora desapontado, respeitou o direito do dono.
Mas a sua espôsa Jezabel, uma estrangeira, insistiu em
que o marido exercesse a sua autoridade como rei e to­
masse a vinha (I Reis 21:1-16).
No tempo de Isaías, devido ao declínio da justiça e
ao poder crescente dos ricos e avarentos, o direito do
proprietário pobre era desprezado, e violado sem escrú­
pulo. Na opressão da parte dos avarentos, muitos dos
donos mais pobres foram obrigados a vender os seus pe­
quenos terrenos, e alguns dêstes foram escravizados por
seus credores (Am. 2:6). A propriedade de alguns po­
bres foi arrebatada no pagamento de dívidas (II Reis
4:1; Miq. 2:2). Assim, diminuía o número dos donos de
terras, e êstes trabalhavam como empregados ou escra­
vos dos ricos.
O Senhor dos Exércitos revelou ao profeta que ia
afligir aos avarentos opressores. Êste é o sentido das
palavras: “Aos meus ouvidos jurou o Senhor” . Muitas
casas grandes e belas ficarão desertas e sem moradores
na devastação iminente da terra,
0 castigo divino da rapacidade dos ricos será de
acôrdo com os seus crimes. Os terrenos que arrebata­
ram dos vizinhos produzirão apenas a décima parte das
sementes que plantam.
11 a 13. Os pecados de bebedice e de mundanismo
11. A i dos que se levantam pela manhã cedo,
para buscar a bebida forte,
e se demoram até alta noite,
até que o vinho os esquenta.

12. Liras e harpas, tamboris e flautas,


e vinho há nos seus banquetes;
porém não consideram os feitos do Senhor,
nem olham para as obras das suas mãos.

13. Portanto, 0 meu povo é levado cativo,


por falta de conhecimento;
os seus nobres sofrem de fome,
e a sua multidão se seca de sêde.

Os profetas condenaram severamente o vício da em­


briaguez, e todos os modos de gratificar os desejos peca­
minosos (Cp. Os. 7:5; Am. 6:6; Joel 3:3; Miq. 2:1, 2) . Os
bêbedos levantaram-se bem cedo de manhã e correram
para buscar a bebida forte. Esta palavra, T
usa-se
••

no sentido não sòmente do vinho forte, mas também se


refere a outras bebidas mais fortes, como na frase “vi­
nho e bebida forte” (Lev. 10:9; Núm. 6:3; Juizes 13:4,
7). Desde os tempos antigos os povos vêm fazendo be­
bidas fortes de frutos e cereais.
Nos seus banquetes celebrados em nome da religião,
os apóstatas se entregavam à satisfação de seus desejos
carnais. Comiam, bebiam e se alegravam ao som de
música. Ficando embriagados, êles perdiam o senso
moral e se dedicavam a saciar os apetites pecaminosos.
A música foi adaptada para estimular as emoções físi­
cas. Na sua falta de conhecimento, êles julgavam que
podiam agradar ao Deus de Israel com o seu paganis­
mo, se é que chegavam a pensar no Senhor. Mas anda­
vam tão preocupados com muitas coisas que nem consi­
deraram os feitos do Senhor, nem as obras carinhosas
que havia feito em seu favor.
Os seus nobres, T
sofrem, rn d , de fome, e sua
•• t

multidão seca-se, m , de sêde. Êstes são os sofrimen­


tos do povo já levado cativo pelos assírios. Mas alguns
pensam que o profeta está se referindo ao cativeiro vin­
douro. Não há certeza se o povo do reino do norte a
êsse tempo já fora levado cativo para a Assíria (Cp.
Am. 6:7).
14. Portanto, SHeol aumentou o seu apetite,
e abriu a bôca desmesuradamente;
paro lá descem os nobres d® Sião e o seu tumulto,
a sua multidão e quem nesse meio se regozijava.
15. A plebe é abatida e o nobre rebaixado,
e os olhos dos arrogantes são humilhados.

16. Mas o Senhor dos Exércitos é exaltado em julgamento,


e o Deus Santo se mostra santo em justiça.

17. Então os cordeiros pastarão como no seu pasto,


e os gordos e os cordeirinhos se nutrirão nas rufnas.

Os versículos 14 a 17 apresentam a ameaça de des­


truir repentinamente a cidade de Jerusalém. A palavra
“portanto”, sem conexão direta com os versos anterio­
res, aparentemente indica que um versículo que introdu­
ziu o terceiro “ai” foi omitido na transmissão.
0 têrmo Sheol, sinônimo de Hades e cova, signifi­
cava, nesta época da história de Israel, uma grande ca­
vidade nas profundezas da terra, habitada por todos os
mortos (Cp. Is. 14:9; 38:10; Os. 13:14; Jon. 2:2; Cant.
8:6; Prov. 1:12; 30:16) . A palavra não apresenta qual­
quer idéia de castigo, como inferno, mas ÍSheol era
monstro terrível, devorador insaciável. Os seus habitan­
tes tinham uma vida vaga, e quase insensível na escuri­
dão, e sem conhecimento de Deus. Mais tarde, no tem­
po de Daniel, e no período interbíblico, ia se desenvol­
vendo uma diferença entre a condição dos iníquos e a
dos justos no Sheol (Cp. a discussão do assunto na Teo­
logia Bíblica do Velho Testamento do autor, pg. 267 e
seg.). No grande castigo de Judá, muitos se destinaram
ao cativeiro. Mas Sheol aumentou o seu grande apetite,
e abriu a bôca além da medida, para receber os corta­
dos pela fome, pela sêde e pela espada.
As multidões da plebe, juntamente com os homens
de autoridade e os ricos e tudo de que êstes se ufanavam,
juntamente com todos os meios que lhes forneceram
prazeres, serão destruídos. Nesta execução da justiça
divina, os judeus orgulhosos, arrogantes e hipócritas fi­
carão humilhados, enquanto Javé dos Exércitos é exal­
tado no julgamento dos pecadores, e mostra-se Santo no
exercício da justiça absoluta. Assim, o povo será cons­
trangido a reconhecer a divindade do Santo de Israel, na
execução da sua justiça que revela o seu verdadeiro ca­
ráter em tôda a sua glória.
O versículo 17 completa a ameaça do verso 13. Há
variações no sentido do hebraico e das versões do caldai-
co e do siríaco.
O verso 17 completa a ameaça do versículo 13, e
aparentemente seguiu originalmente logo após este. O
hebraico dêsse versículo é de difícil tradução, e há va­
riantes no sentido das versões do caldaico e do siríaco.
Êste ai é dos arrogantes que desafiavam o julgamento
do Senhor por seus pecados, e por suas palavras de blas­
fêmia. A frase como no seu pasto, D"D"D» e as ruínas
T I T t

ou os territórios não cultivados, d t i » h d t i , são sinô-


• l T
nimos e significam a terra que tinha sido bem cultivada,
mas que já se tornara simplesmente um pasto para os
animais.
18. Ai dos que puxam a iniqüidade com cordas de falsidade,
e o pecado como com t/rantes de carro I
19. Que dizem: Apresse-se, avie-se a sua obra para que a vejamos;
aproxime-se e venha o conselho do Santo de Israel,
para que o conheçamos.

Ai dos que puxam a iniqüidade, dos homens que


vão puxando os seus pecados, como se fôssem um carro.
São os homens que se entregavam com entusiasmo e vi­
gor aus prazeres do pecado, crendo que Deus não os
castigaria. São os homens que não recebiam e não acre­
ditavam na mensagem dos profetas, com as ameaças da
retribuição divina. No entanto, estão fazendo inconscien­
temente tudo que é possível, nas suas atividades peca­
minosas e nas palavras de blasfêmia, para apressar a
vinda do julgamento da sua apostasia e infidelidade.
A segunda parte do verso indica que o pecado é um
fardo tão pesado para muitos judeus que esgotava a sua
energia (Cp. Jer. 9:5). São os resultados ou as conse­
qüências do pecado que o pecador puxa com cordas de
falsidade: ódio, retribuição de inimigos, e em alguns ca­
sos a doença, o sofrimento e a morte. Cordas de falsi­
dade, ou de vaidade, Jly , tem também o sentido de de-
cepção, e isto pode significar esquemas ou planos de en­
T

ganar e roubar.
Os pecadores do verso 19 afirmam que não tinham
observado quaisquer atividades de Deus, e na increduli-
dade êles desafiam o Senhor para que êle faça depressa
a sua obra a fim de que possam observá-la. Para êstes
apóstatas e infiéis não havia qualquer razão ou motivo de
crer naquilo que os profetas diziam sôbre a justiça di­
vina no castigo do pecado. Esta é a mesma falta de fé
de outros judeus no tempo de Ezequiel, 8:12, 9:9, e de
muitas pessoas em tôdas as épocas da História. O pe­
cador sempre tem o desejo de fortalecer a sua incredu­
lidade a fim de negar ou desafiar a lei moral. O con­
ceito do Deus justo é inconveniente para opecador.
20. A i dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal;
que põem as trevas por luz, e a luz por trevas;
e põem o amargo por doce, e o doce por amargol

21. A i dos que são sábios aos próprios olhos,


<e prudentes diante de si mesmos !
22. A i dos que são heróis para beber vinho,
e valentes para misturar a bebida forte;

23. o» quais por suborno justificam o ímpio,


e ao justo tiram o direito!

É notável como os profetas falam ao povo da nos­


sa época moderna. Ai daqueles que pervertem e confun­
dem a distinção entre o mal e o bem. O profeta fala
das pessoas que justificam qualquer ato, por perverso
que seja, quando êste promova os seus interêsses, ou os
ajude na realização de seus planos. Para a satisfação
do egoísmo de tais pessoas, os principios morais podem
ser aproveitados ou desprezados de acôrdo com a pró­
pria conveniência. Se a prática do mal é vantajosa é
muito bom; se o bem é desvantajoso é muito mau. Tais
homens são depravados e criminosos.
Os sábios aos próprios olhos não são necessària-
mente os arrogantes e os altivos. São aquêles que ficam
perfeitamente satisfeitos com a certeza de que êles mes­
mos são capazes de satisfazer a tôdas as suas próprias
necessidades, sem o socorro que os fracos procuram na
religião. Os homens do verso 20, sem escrúpulo, con­
fundiram o bem e o mal a fim de satisfazer ao seu egoís­
mo. O grupo do verso 21 geralmente é dos que têm um
padrão moral; mas julgam-se capazes de se orientarem
a si mesmos na vida sem qualquer direção de autori­
dade superior.
Os heróis para beber vinho, significa aquêles que
podiam beber muito sem ficar demasiadamente embria­
gados, todavia não deixavam de ficar embriagados, e a
embriaguez produzia nesses heróis o espírito temporá­
rio de genialidade e animação. Mas êstes homens en­
tregues ao vício de beber são heróis somente quando a
embriaguez os separa das obrigações duras e os dever es
difíceis da vida. Assim, êles perdem a capacidade de se
disciplinarem na vida moral. São êstes que por subor­
no justificam o ímpio ou o perverso, e tiram do justo o
seu direito. Êstes homens desmoralizados eram justa­
mente aquêles escolhidos para manter a verdadeira jus­
tiça. A perversão da justiça é o princípio da destruição
de qualquer grupo social, religioso ou nacional.
24. Portanto, como a língua de fogo devora o restôlho,
e a palha cai na chama,
assim a raiz dêles será como podridão,
e a sua flor se esvaecerá como pô;
porquanto rejeitaram a lei do Senhor dos Exércitos,
e desprezaram a palavra do Santo de Israel.

25. Por isso, se acendeu a ira do Senhor contra o seu povo,


e estendeu a mão contra êle, e o feriu, e os montes
tremeram,
e os seus cadáveres eram como monturo no meio das ruas.
Com tudo isto não se aplacou a sua ira,
e ainda está estendida a sua mão.

Muitos comentaristas pensam que os versos 24 a 30


constituem uma parte do oráculo contra o reino seten­
trional, o qual se apresenta em 9:8-21. Aparentemen­
te, o verso 24 não tem conexão com o anterior. Os jul­
gamentos pronunciados em 24 a 30 talvez se refiram aos
vários tipos condenados pelos ais, mas seguem mais lo­
gicamente 9:21. O reino setentrional estava chegando
ao fim da sua história. Samaria foi sitiada e caiu em
722. Os dois reinos sofreram as conseqüências terríveis
da rebelião contra o Senhor.
O destino dos infiéis descreve-se no v. 24 em termos
figurados. Se êste verso se refere aos tipos de 8 a 21,
a declaração de que a sua raiz será como podridão, e a
sua flor esvaecerá como pó são figuras aptas. Êstes ím­
pios são como a arvore que perdeu a sua vitalidade, e se
tornou sêca e murcha, pois a rai^ se apodreceu e a flor
é levada embora como o pó perante o vento. Se a lín­
gua de fogo que devora o restôlho significa o vento abra­
sador do deserto, não há discordância nas figuras de
fogo e de podridão, e a descrição é forte e efetiva. A
raiz e a flor é uma expressão figurativa que se encontra
freqüentemente no Velho Testamento, Is. 14:29; 37:31;
Am. 2:9; Os. 9:16; Mal. 4:1.
Todos os profetas reconhecem que o pecado mais
grave dos dois reinos foi a rejeição da Lei, a Torah, a
Revelação especial do Senhor dos Exércitos, e o desprê-
zo da Palavra do Senhor de Israel. Porquanto rejeita­
ram, m m , a Torah do Senhor, e desprezaram, m ftíí
T t : •
a Palavra do Deus de Israel. Esta rejeição da Torah e
da orientação divina é sempre o pecado dos pecados.
Por isso, acendeu a ira do Senhor. A ira do Senhor
é a manifestação da justiça divina contra tôdas as for­
mas da injustiça (Cp. Núm. 11:33; II Reis 23:26; Sal.
2:12; 56:7; Jó 10:11; Deut. 7:4; 11:17; Juí. 2:14 e ou­
tros) . A mão do Senhor está estendida na ira e na con­
denação ,
26. Êle arvorará um estandarte para as nações da long«,
e lhe assobiará das extremidades da terra;
e eis que vem apressadamente!

27. Ninguém fica cansado, e não há quem tropece;


ninguém tosqueneja nem dorme;
não se lhe desata o cinto dos seus lombos,
nem se lhe quebra a correia das sandálias.

28. As suas flechas são agudas,


e todos os seus arcos retesados;
as unhas dos seus cavalos são como pederneira,
e as rodas dos seus carros como o redemoinho.

29. O seu rugido é como o do leão;


rugem como os leãozinhos;
êles rosnam e arrebatam a prêsa,
e a levam, e não há quem a livre.
30. Bramam contra êles, naquele dia,
como o bramido do mar.
Se alguém olhar para a terra,
eis, as trevas e a angústia;
e a luz se escurece nas nuvens.

Muitos eruditos pensam que êstes versos descrevem


o invasor do norte, e assim fazem parte do oráculo con­
tra o reino setentrional, seguindo originalmente o verso
21 do capitulo 9. Depois de falar de desastres que já
aconteceram, o profeta descreve o pior que há de vir.
Javé vai chamar o exército cruel da Assíria contra Is­
rael, e o profeta descreve, em têrmos pictóricos, a apro­
ximação das fôrças invencíveis. Já passou o tempo para
qualquer esperança de salvar a nação infiel. O profeta
não menciona o nome do invasor, mas a descrição in­
dica claramente que é o grande inimigo e destruidor de
pequenas nações. Êste invasor possuiu a mais poderosa
máquina militar que existiu naquele tempo.
Javé, o Senhor do mundo natural, apresenta-se aqui
como o Senhor também da História. As frases breves e
sugestivas descrevem o movimento rápido, o plano e o
progresso do apresto militar bem disciplinado. O po­
deroso inimigo, com armas perfeitas, cavalos treina­
dos, e carros em ótimas condições, marcha apressada­
mente para executar o seu plano de conquista. Sôbre
tôda a terra há trevas e angústia. Assim o Senhor dos
Exércitos usou a nação cruel para destruir o reino de
Israel por causa da sua infidelidade. Mas a Assíria tam­
bém, por sua vez, sofrerá a extinção por causa da sua
terrível iniqüidade.
II. “Resguarda o Testemunho”, 6:1-8:18
Esta seção do livro consta principalmente de narra­
tivas e oráculos. Daqui em diante o profeta não trata
tanto dos pecados do povo, como de experiências pes­
soais e de oráculos recebidos diretamente do Senhor, e
aplicados às condições históricas e religiosas da socie­
dade. Os capítulos 6; 8:1-8, 11-18 e 7:1-17 são prin­
cipalmente autobiográficos.
A. A Visão Inaugural de Isaías, 6:1-13
1. No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sôbra
um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes enchiam o
templo.

Êste capítulo é uma das passagens mais notáveis da


Bíblia que justifica a doutrina da revelação divina nas
Escrituras do Velho Testamento. Esta experiência espi­
ritual de Isaías deu-lhe a certeza da sua vocação, e des­
creve a sua chamada e iniciação como mensageiro ins­
pirado do Senhor. Alguns pensam que a ordem das men­
sagens do livro é cronológica, e que a visão neste capí­
tulo representa uma renovação duma chamada anterior
do profeta. Mas devemos lembrar a história da chama­
da de Amós em 7:14-16 do seu livro, e reconhecer que
os profetas não sentiram a necessidade de começar as
suas profecias com a crônica da sua chamada. É tam­
bém muito provável que êste capítulo tenha sido o pri­
meiro de uma coleção de mensagens que foi incorpora­
da mais tarde neste lugar na redação final do livro. No
estudo cuidadoso das profecias, torna-se claro que os
profetas freqüentemente apresentaram as suas mensa­
gens ao público antes de reduzi-las à forma escrita.
Os leitores da Bíblia sabem que êste capítulo é o
mais conhecido da literatura profética. Alguns comen­
taristas falam dessa experiência de Isaías como sendo
visão extática, mas os profetas canônicos nada sabiam
da experiência extática, conhecida pelos gregos. Os pro­
fetas canônicos do Velho Testamento chegaram ao mais
alto poder de conhecimento verdadeiro na hora da sua
inspiração divina. Êles sabiam distinguir os seus pró­
prios pensamentos das eternas verdades que recebiam
diretamente de Deus. A experiência psicológica do pro­
feta em comunhão com Deus é profundamente diferente
da experiência de êxtase dos gregos, e de alguns profe­
tas do Velho Testamento, produzida pela dança, ou do
daroês muçulmano, e outros exercícios físicos entre as
nações antigas.
A visão apresentou ao profeta a grave condição da
religião do seu povo. Não há razão para crer que a ex­
periência religiosa apresentada na visão do profeta foi
escrita perto do fim do seu ministério, refletindo, as­
sim, o que êle teria aprendido pela experiência com o
povo no exercício da sua vocação profética. A verda­
de é que a visão descreve as condições políticas e religio­
sas que existiam quando o jovem recebeu a sua chama­
da, antes de iniciar as suas atividades religiosas.
Isaias, como Amós e Oséias, e como os seus suces­
sores Jeremias e Ezequiel, sentiu-se constrangido para
entregar ao povo rebelde a mensagem que recebeu do
Senhor, e assim deixar os resultados da sua pregação
eom o Senhor.
Na grandeza do estilo literário, e na descrição da
majestade do Senhor, e no exemplo da comunhão do
homem com Deus não há outro exemplo igual no Velho
Testamento. Na leitura dessa narrativa muitas pessoas
sentem uma dor aguda na consciência, pois se sentem
na presença da santidade e da glória do Senhor. O ho­
mem que se esforça para purificar-se a si mesmo, e para
guardar as regras costumeiras das leis morais, sente-
se perdido na presença do Senhor exaltado em justiça e
majestade. É com esta convicção do homem, produzida
no seu espirito pelo poder do Espírito de Deus, que êle
é levado ao arrependimento, e assim preparado para pe­
dir e receber a graça salvadora do Senhor.
Foi no ano da morte de Uzias, cêrca de 742 a. C.,
que o profeta recebeu a sua visão inaugural. Êle era
conhecido também pelo nome de Azarias, e alguns pen­
sam que êste talvez fôsse o seu nome original (II Reis
14:21), e que recebesse o nome de Uzias quando subiu ao
trono, mas é nome comum no Velho Testamento e sig­
nifica “minha fôrça é Jav” . O reino próspero de 52
anos de Uzias (II Reis 15:1-3), produziu entre o povo
de Judá o sentido falso da segurança e da estabilidade
do seu govêrno, uma certeza tão forte que não podia
aceitar as mensagens de ameaça de Isaías. Mas para o
profeta a morte de Uzias foi uma advertência da morta­
lidade do homem e da brevidade de instituições huma­
nas. Não se pode determinar se Isaías recebeu a sua vi­
são antes ou depois da morte do rei, a qual teria uma
significação especial para o profeta, se acontecesse an­
tes de receber a sua visão. Neste caso, a sua experiên­
cia religiosa seria a resposta do Senhor ao espírito per­
turbado do jovem, e o ajudaria no preparo para entre­
gar ao seu povo a mensagem do Senhor.
Eu vi o Senhor. O jovem não estava dormindo nem
sonhando. Estava acordado e muito alerta. Viu o Se­
nhor, mas foi apenas um olhar de relance no mundo in­
visível que abriu o seu sentido para reconhecer a pre­
sença do Senhor na sua majestade e na sua gloriosa san­
tidade. Êle descreve as vestes reais e os serafins que
acompanhavam a presença divina, mas não a aparên­
cia do Senhor que ocupava o trono. Ezequiel 1:26-27 e
Daniel 7:9 apresentam uma descrição do Senhor, mas
com menos efeito do que o simples aviso de Isaías.
Evidentemente, Isaías chegou ao Templo para ado­
rar ao Senhor, na esperança de conforto nesta hora de
crise na história do seu povo. É claro que não se inte­
ressava no culto cerimonial nesta ocasião, mas desejava
comunicar-se com o Senhor e receber dêle o poder divino
para o levantar acima da religião que confiava na efi­
cácia do sacrifício de animais, de luas novas e de vá­
rias solenidades (1:12-18). Isaías usa a palavra ,
Adonai, que nem sempre significa a divindade essencial,
t

mas usa-se aqui neste sentido, como sinônimo de Javé,


nos versículos 5, 8 e 11; ver também Sal. 114:7; Jó 28:
28; Is. 8:7.
O Senhor é representado como Rei, assentado sôbre
um alto e sublime trono. Deus é um grande Rei, acima
de todos os deuses, Sal. 95:3, O Senhor é o Rei eterno,
Sal. 10:16; ver I Reis 22:19; Ez. 43:7; Jer. 17:12.
Traduzimos a palavra para as abas de snas
vestes, mas a palavra significa o vestido inteiro, e espe­
T

cialmente a parte da cintura para baixo que se desdobra­


va ou se estendia para encher o templo. Esta visão de
Isaías não foi a Shekina ou o símbolo visível do Senhor
que aparecia às vêzes por cima da arca no Lugar San­
tíssimo .
2. Serafins estavam por cima dêle. Os serafins, sê-
res abrasadores, eram assistentes ou servidores do trono
celestial, mas não são mencionados em qualquer outro
lugar nas Escrituras (Ver Núm. 21:6; Deut. 8:15; Is.
14:29; 30:6). São ministros do santuário invisível.
Como os querubins e as criaturas viventes, êles são cria­
turas celestes. Mas têm mãos, rosto e voz como do ho­
mem. São eretos como o homem, e têm três pares de
asas. O têrmo é significativo e talvez simbolize relâmpa­
go, como a palavra querubim simboliza as nuvens de
trovão, Sal. 18:8-15. Êstes sêres celestes que acompa­
nhavam a glória e a majestade do Senhor deslumbraram
o espírito de Isaías. Os serafins estavam acima dêle. A
frase acima dêle não descreve nitidamente a posição dos
serafins. Êles voavam no ar sem se moverem de um
lugar para outro. Não se achavam sôbre o Senhor, mas
numa certa altura, ao redor do Senhor assentado no
trono.
2. Serafins estavam por cima dêle; cada um tinha seis asas;
com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus pés, e
com duas voava.

3. E clamavam uns para os outros, dizendo:


Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos;
tôda a terra está cheia da sua glória.

4. Os umbrais das portas se moveram à voz do que clamava,


e a casa se encheu de fumo.

Na presença do Senhor os serafins cobriam orosto


porque se sentiam indignos ou incapazes de olhar para
o Senhor. No espírito de reverência, êles cobriam os seus
corpos. O verso três fala do louvor dos serafins. Êles
clamavam uns para os outros alternativamente. Um
clamava “Santo”; e outro respondia, dizendo também
“Santo” . Então o terceiro dizia a mesma cousa. É
muito provável que clamavam juntos em grande côro:
“Tôda a terra está cheia da sua glória.” A palavra “San­
to” dá ênfase especial ao significado da visão para o pro­
feta Isaías. É uma revelação do caráter de Deus que in­
fluenciou profundamente o ministério e a profecia de
Isaías. A idéia radical de santidade é separação. A pa­
lavra dá ênfase ao imponente contraste entre o divino
e o humano. O têrmo abrange todos os atributos positi­
vos de Deus que constituem a sua natureza divina. Com
referência ao Senhor, a santidade é a palavra-chave da
profecia de Isaías, dando ênfase à transcendência do Se­
nhor, e acentuando a verdade de que Deus é superior e
independente do universo que êle criou. A santidade do
Senhor revelada ao profeta nesta visão despertou nele
o mais profundo sentido de temor, reverência e adora­
ção. É verdade que a palavra santidade não se identi­
fica diretamente com a pureza moral no Yelho Testa­
mento, mas torna-se evidente no sentido imediato da
culpa de Isaías perante o Senhor, que a perfeição ética
inclui-se nos atributos constituintes do Senhor dos Exér­
citos. A segunda parte do triságio dá ênfase ao fato de
que a glória do Senhor se revela na criação, pois tôda a
terra está cheia da glória divina.
5. Então, disse eu: A i de mim I Estou perdido I porque
sou homem de lábios impuros, e habito no meio de
um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o
Rei, o Senhor dos Exércitos !

Os umbrais das portas ou as bases do limiar, ÍTjjâit


D'2Dn . Não está claro se estas palavras técnicas signi­
ficam as ombreiras da porta ou os alicerces do limiar
(Ver Amós 9:1). 0 sentido fundamental é claro. Tô-
das as vêzes que os serafins clamavam, estremeciam a
porta, onde provàvelmente se achava Isaías. Isto certa­
mente aumentou a significação do clamor dos serafins.
E a casa se encheu de fumo ou estava cheia de fumo.
Neste caso o fumo não é o símbolo ou o testemunho da
presença de Deus, como em I Reis 8:10. Deus não está
escondido na nuvem, e aqui o fumo representa o efeito
dos clamores dos serafins, uma parte significativa do
acompanhamento da presença do Senhor.
Então disse eu: Âi de mim! Estou perdido! Êle
fica confundido e esmagado com o sentido de culpa e in­
dignidade na presença do Senhor dos Exércitos. Estou
perdido, TVETlJ . Esta pálavra, , significa destruir,
arruinar, perecer. Ver Os. 4:6; 10:15; Sof. 1:2; Is.
•* * * T T

15:1. “Porquanto homem algum verá a minha face e


viverá’ (Êx. 33:20: 19:21; 20:19; Deut. 18:16). Na
presença do Senhor, os serafins cobriam o rosto, mas
Isaías viu com os próprios olhos o Rei, o Senhor dos
Exércitos. Como poderia sobreviver a tal experiência?
Profundamente cônscio da própria indignidade, como
homem de lábios impuros, e da iniqüidade do seu povo,
nada podia fazer. A visão de Deus lhe mostrara a sua
natureza pecaminosa, e lhe revelara também a terrível
condição do seu povo infiel e indigno de tomar o nome
do Senhor nos seus lábios profanos.
Assim, a visão, com a adoração do Senhor pelos se­
rafins, e a revelação do Rei, o Senhor dos Exércitos, im­
pressionou profundamente o homem com o sentido da
santidade de Deus. Ninguém pode ter uma visão, ou uma
convicção da majestade e da glória do Senhor, sem se
sentir profundamente humilde e cônscio da sua iniqüi­
dade. Abraão reconheceu-se a si mesmo como pó e cin­
za perante o Senhor, Gên. 18:27. Jó descreve a sua
profunda consciência de culpa quando reconheceu a san­
tidade e a majestade de Deus: “Eu te conhecia só de ou­
vir, mas agora os meus olhos te vêem. Por isso, me
abomino, e me arrependo no pó e na cinza”, 42:5, 6.
6. Então voou para mim um dos serafins, trazendo na mão uma
brasa viva, que tirara do altar com uma tenaz.
7. E êle tocou a minha bôca, e disse: E is que esta tocou os
teus lábios; a tua iniqüidade foi tirada, e perdoado o teu pe-
cad0' ,7 . , i
Isaías não foi expulso da presença do Senhor por
causa da sua impureza. A mesma visão que lhe inten­
sificou o sentido da sua natureza pecaminosa, ainda lhe
deu a certeza de que a sua iniqüidade fôra tirada, e o
seu pecado foi coberto, “|S3 • Deixando os seus compa-
nheiros, um dos serafins voou até o altar na côrte do
— T

templo, e, com uma tenaz, DVip^ttS , com tomadores,


• “ T * VI
tomou uma brasa viva de sôbre o altar, e voou por cima
da côrte até ao lugar onde Isaías se achava, na porta do
templo, e tocou os seus lábios impuros com a brasa, pu­
rificando-os com o fogo (Cp. Núm. 31:23; Mal. 3:2).
Foi uma brasa viva, e não uma pedra chata esquentada
no fogo do altar, que tocou os lábios do pecador. O con­
tato com o fogo da santidade divina não é necessària-
mente destrutivo. O fogo, como o símbolo da santidade
€ o agente de purificação, removeu do profeta tudo que
lhe pudesse impedir a comunhão com a santidade do
Senhor.
A cerimônia da expiação significa que a graça de
Deus respondeu imediatamente ao sentimento de culpa
e ao arrependimento do pecador. Foi um ato da graça
livre do Senhor, sem a necessidade de qualquer oferta
ou qualquer sacrifício de animal. A aplicação da brasa
viva aos lábios de Isaías significou para êle não somente
a purificação da sua iniqüidade, como também o preparo
dos seus lábios para proclamar a mensagem do Senhor.
Com a sensação de alívio, e da felicidade de estar livre
da culpa do pecado, Isaías desejava imediatamente en­
tregar a vida ao serviço do Senhor. Com o perdão do
pecado o jovem foi preparado para conhecer e fazer a
vontade de Deus (Cp. Sal. 51:12-15).
0 Senhor dos Exércitos, no seu maravilhoso poder
soberano, ainda usa os homens salvos pela graça de Deus
e preparados pelo poder divino para proclamar a men­
sagem de salvação aos homens perdidos. O jovem
Isaías, na sua nova experiência com Deus, entendeu cla­
ramente que o seu povo estava se afastando do Senhor
e fracassando no cumprimento da sua nobre missão.
No seu espírito, êle desejava ser usado como mensagei­
ro do Senhor ao seu povo.
8. E ouvi a voz do Senhor, dizendo: A quem enviarei, e quem
irá por nós ? Então, disse eu : Eis-me aqui I Envia-me a mim.
9. Então, disse êle: Vai e dize a êste povo: Ouvi, ouvindo, e
não entendais; vêde, vendo, mas não percebais.

10. Engorda o coração dêste povo,


endurece-lhe os ouvidos,
e fecha-lhe os olhos,
para que não venha êle a ver com os olhos,
e ouvir com os ouvidos,
e a entender com o coração,
£ se converta e seja sarado.

Isaías ouviu a voz do Senhor depois da sua purifi­


cação, quando assim ficou preparado para a comunica­
ção com êle, e quando simpatizava com o seu propósito.
Quem irá por nós? A palavra nós aqui não é o plural de
majestade, nem uma referência à Trindade, mas inclui a
assembléia dos santos, como no Salmo 89:7. Eis-me
aqui! Isaías respondeu espontâneamente, aceitando li­
vremente a missão que exerceu fielmente durante a vida,
sem se queixar de responsabilidade tão espinhosa.
Isaias reconhece que o Senhor dos Exércitos, não
obstante a sua soberania, necessita de mensageiros para
proclamar a sua mensagem a fim de que seja realizado
o seu eterno propósito. Então Deus trabalha em co­
operação com os seus servos humanos. Homens de tô-
das as épocas da revelação divina que têm recebido as
bênçãos da graça de Deus sentem-se gratos e felizes com
o privilégio de serem cooperadores com Deus, II Cor.
6:1 .
Qual será o efeito da pregação de Isaías? Encon­
tramos aqui uma exposição do trabalho profético que
tem perturbado a muitos estudantes da Bíblia. A pro­
clamação da mensagem do Senhor vai aumentar a in­
sensibilidade do povo. O ministério do profeta ficará em
perfeita harmonia com a obra do Senhor no desenvolvi­
mento do seu propósito na História (v. 12; Cp. Am.
3:7). Mas ouvindo a palavra de Deus e testemunhando
a sua obra, o povo permanecerá na sua vida pecaminosa,
e na sua rebelião contra o Senhor.
A frase êste povo não se refere necessàriamente ao
povo do reino setentrional, como insistem alguns. (Cp.
8:6, 12; 9:16; 28:11, 14; 29:13, 14). 0 têrmo aqui cer­
tamente se refere a Judá, e descreve a sua condição pe­
caminosa. Todavia, a mensagem de ameaças não é in­
coerente com a esperança de que um restante voltará.
Ouvi, ouvindo ou ouvi continuamente, mas não en­
tendais, e vêde continuamente mas não percebais. O in­
finitivo absoluto ouvindo ou o ato de ouvir intensifica o
sentido do imperativo do verbo. Engorda o coração é
figurado e significa fazer insensível o coração. Para os
escritores do Velho Testamento o coração era o órgão
de perceber, conhecer e entender. Fechar os olhos sig­
nifica untar os olhos (Cp. 28:10; 42:19; 44:18).
Muitos estudantes do Velho Testamento não enten­
dem a psicologia dos escritores bíblicos, e lutam com di­
ficuldades no esforço de interpretar o versículo 10 e ou­
tras passagens semelhantes. Na esfera da religião, os
hebreus tinham a tendência de reconhecer todos os acon­
tecimentos como atividades diretas do Senhor, o Cria­
dor, Aquêle que dirige tôdas as cousas, Assim, êles não
pensavam, como nós, em causas secundárias. Na dire­
ção providencial do reino de Deus, os acontecimentos
inevitáveis, como a infidelidade do povo escolhido que
tinha recebido o seu livre arbítrio do Criador, identifi-
cam-se com o propósito divino. Para o profeta, a inca­
pacidade do seu povo de reconhecer o caráter de Deus
e a providência divina na sua própria história será cada
vez mais intensificada pela proclamação da mensagem
do Senhor dos Exércitos. Esta mesma experiência ve-
rifica-se no espírito das pessoas que endurecem o cora­
ção para resistir e rejeitar o apelo do evangelho de Cris­
to. Isaías entendeu a verdade profunda de que o' julga­
mento divino é mais severo para aquêles que receberam
a abundante revelação de Deus. Os escritores do Nôvo
Testamento reconhecem a responsabilidade daqueles que
recebem a revelação divina e assim apresentam o ape­
lo do evangelho de Cristo na base dêste princípio (Mat.
13:14-23; At. 16:27-34; Rom. 11:8). “0 julgamento
é êste: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram
mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram
más”, João 3:19.
A proclamação do evangelho é desagradável para
os pecadores, e, às vêzes, êles ficam irritados e ainda
mais rebeldes ao ouvirem a palavra de Deus. Todavia,
o Senhor continua a chamar os seus servos, como cha­
mou Isaías, para pregarem o evangelho de esperança
eterna.
11. Então, disse eu: Até quando, Senhor? E Sle respondeu:
Até que sejam desoladas as cidades e (fiquem)
sem habitantes,
e casas (fiquem) sem homens,
.e a terra seja de todo assolada,

12. e o Senhor afaste dela os homens,


e até que sejam muitos os lugaroe abandonados
no meio da terra.
13. Se ainda ficar nela a décima parte,
essa tornará a ser destruída
como terebinto ou como carvalho,
cujo tôco ainda permanece
depois de derrubado.
A santa semente é o seu tôco.

Até quando? pergunta Isaías. Por quanto tempo vai


continuar êste processo de endurecimento da parte do
povo na sua infidelidade? A resposta é clara e dura: Até
que a nação existente seja aniquilada, e a terra arruinada,
ficando sem habitante. Na pergunta do profeta, nota-
se o tom de protesto, e o reconhecimento da austerida­
de da sua vocação profética. A calamidade terrível cai­
rá sôbre a terra do povo rebelde. Os habitantes serão
removidos, mas enquanto houver alguns para ouvi-lo, o
profeta tem a incumbência de entregar-lhes a mensa­
gem do Senhor.
O versículo treze apresenta uma qualificação das
declarações anteriores que falam da destruição com­
pleta da terra, com os seus habitantes. O capítulo pare­
ce completo sem êste versículo, mas não se pode dizer
que êle contradiz o verso 11. De acôrdo com o estilo
do hebraico, a aplicação de ensinos, princípios e amea­
ças, que se apresenta em têrmos absolutos, pode ser mu­
dada por qualificações subseqüentes, segundo a mudan­
ça de condições e circunstâncias. Além disto, o verso
13 concorda perfeitamente com a doutrina do Restante,
mencionada freqüentemente pelo profeta Isaías (Cp.
1:9, 25; 4:2-4; 10:20-23; 11:11-16 e vários outros). A
declaração A santa semente é o seu tôco, não se encon­
tra na versão grega, mas evidentemente se refere à dé­
cima parte, e o restante que sobreviverá ao julgamen­
to e cumprirá a sua missão messiânica. Como o tere-
binto e o carvalho, quando derrubados, ainda retêm nas
suas raízes, a vitalidade, que de nôvo brotará e produ­
zirá uma grande árvore (Cp. Jó 14:7-$), assim, a pe­
quena nação arruinada, tem ainda a semente indestru­
tível do futuro reino de Deus.
B. Isaías e a Guerra Siríaco-Efraimita, 7:1-8:15
Descreve-se nesta seção as atividades proféticas de
Isaías no reino de Acaz. Um evento importante na sua
carreira neste período é o de êle se apresentar como esta­
dista dando ao rei o' seu conselho sábio sôbre a polí­
tica. Na confusão do govêrno de Acaz, o profeta lhe
recomendou um plano de ação para salvaguardar o des­
tino do país. Outro evento de interesse no seu ministé­
rio profético foi a formação de um grupo de discípulos,
na ocasião da sua retirada temporária da vida pública
(8:16-18). Assim, a história do povo rebelde vai se de­
senrolando de acôrdo com os princípios revelados na vi­
são inaugural do mensageiro do Senhor.
A rejeição do conselho do profeta pelo rei, apoiado,
evidentemente, pela opinião pública, e o desprêzo de Javé
da parte de Acaz (Cp. II Reis 16 e II Crôn. 28) são in­
dícios da deterioração religiosa e da apostasia comple­
ta do Reino de Judá, e também da frustração do minis­
tério do profeta neste período. Mas a escolha e o trei­
namento de um grupo de discípulos mostra como a dou­
trina do restante fiel, ou da “santa semente” se tornou
o ideal prático do profeta desde então.
O esclarecimento das condições políticas neste tem­
po, tanto quanto seja possível, ajuda no entendimento
das atividades e dos ensinos do profeta. A hostilidade
da Síria e de Efraim contra Judá começou antes da
morte do rei Jotão (II Reis 15:37). Mas a hostilidade
intensificou-se e tornou-se ativa logo no princípio do
reino de Acaz. Quando Peca, o assassino do rei Pecaías,
tomou o trono em Samaria, êle fêz uma aliança com
Rezim, rei da Siria, com o propósito declarado de sub­
jugar o Reino de Judá e obrigá-lo a cooperar com êles
na campanha militar contra o reino poderoso e agressi­
vo da Assíria. Os edumeus e os filisteus já faziam parte
da coalizão, e êles tinham invadido a terra de Judá (II
Crôn. 28:16-18). O profeta reconheceu que o perigo do
reino invencível da Assíria era muito maior do que a
ameaça de Rezim e Peca. Acaz era homem fraco, co­
varde, e tinha muito mêdo de Rezim e Peca, e, portanto,
pediu auxílio a Tiglate-Pileser, que já estava avançando
ao oeste na campanha de subjugar as pequenas e fracas
nações de Israel e Síria e os seus aliados. Acaz pagou
caro êste seu êrro. Na entrevista com Acaz, Isaías pro­
curara acalmar o mêdo despertado no espírito do rei
pelas ameaças de Rezim e Peca. Mas a veemência do
apêlo do profeta foi intensificada, sem dúvida, pelo de­
sejo de advertir o rei contra o perigo de pedir o auxílio
à poderosa e ambiciosa Assíria contra os seus mesqui­
nhos adversários. O perigo da subjugação política de
Judá ao reino da Assíria, que o profeta reconheceu, foi
ti'àgicamente experimentado poucos anos depois no rei­
nado de Ezequias. Na certeza da futilidade da campa­
nha de Rezim e Peca contra a Assíria, para esta foi po­
liticamente desnecessário que Judá se lhe submetesse nes­
te tempo.
Além disto, Isaías, por motivos religiosos, impugna­
va quaisquer alianças com podêres pagãos, porque tais
alianças envolviam na deslealdade ao Senhor de Israel,
e na falta de fé no seu poder. A apostasia do rei eviden­
temente influenciou profundamente a mentalidade reli­
giosa do povo em geral. Portanto, o mensageiro do Se-
nhtír, no seu encontro com o rei, fêz todo o possível para
dissuadi-lo de qualquer plano de estabelecer relações
com a nação pagã.
1. O Sinal de Sear-Jasube, 7:1-9
1. Sucedeu nos dias de Acaz, filho de Jotão, filho de Uzias,
rei de Judá, que Rezim, rei da Síria, e Peca, filho de
Remalias, rei de Israel, subiram a Jerusalém, para pelejarem
contra ela, porém não prevaleoeram contra ela.

Aparentemente, o profeta se interessava no fato de


que o rei Acaz era da linhagem de Davi, e isto talvez
explique a genealogia do rei em 7:1, as referências a
Davi, 7:2; 7:13; 9:7 e várias outras, como também o es­
forço especial de influenciar a política do chefe da pe­
quena nação do povo escolhido. O versículo dá um re­
sumo da campanha contra Judá, de Rezim e Peca até à
ocasião da entrevista do profeta com Acaz. Segundo
Reis 16:5, fala do sítio de Jerusalém por Rezim e Peca,
e declara que não o puderam vencer. Então o medroso
Acaz tomou a prata e o ouro da casa do Senhor, e os te­
souros da casa do rei, e os enviou ao rei da Assíria, com
a declaração vexatória: “Eu sou teu servo e teu filho.
Livra-me do poder dos reis da Síria e de Israel” (II
Reis 16:7-9). 0 pusilânime Acaz rejeitou por com­
pleto o apêlo à coragem e a promessa de libertação
que o mensageiro do Senhor lhe oferecera, renunciou
ao Deus de Israel e entregou-se inteiramente ao paga­
nismo, e seguiu o costume cruel e insensato da nova
religião, sacrificando o seu próprio filho (II Reis 16:3;
Cp. 3:26-27).
2. Quando se deu aviso à casa de Davi: A Síria está aliada
com Efraim, agitou-se o seu coração e o coração do seu povo,
como se agitam as árvores do bosque com o vento.

3. Então, disse o Senhor a Isaías: Agora sai tu com teu filho,


Sear-Jasube ao encontro de Acaz, que está na extremidade
do aqueduto do açude superior, junto ao caminho do campo
do lavadeiro,
4. e dize-lhe: Acautela-te e aquieta-te; não temas, nem se
desanime o teu coração por causa dêstes dois tocos de tições
fumegantes; por causa do ardor da, ira de Rezim e da Síria,
e do filho de Remalias.

A casa de Davi refere-se à monarquia, ameaçada por


Síria e Efraim (v. 6). Não é mencionado o nome do
rei, talvez porque a ameaça da Síria e do Reino de Is­
rael contra Judá já existisse desde o tempo de Jotão (II
Reis 15:36-37) . A Síria está aliada a Efraim, ou repousa
sôbre,^y p|*];j Efraim. A Síria uniu as suas fôrças mili­
tares com as do Reino de Israel contra Judá, no esfor­
ço de obrigá-la a cooperar com êles na campanha contra
a Assíria. Êste aviso agitou o espírito medroso de Acaz,
e abalou a confiança do seu povo, como as árvores do
bosque são sacudidas pelo vento.
Com esta agitação da cidade de Jerusalém, Isaías
recebeu do Senhor a ordem de sair com o seu filho Sear-
Jasube ao encontro de Acaz. Segundo o costume dos
hebreus, êste filho de Isaías tinha recebido o nome sim­
bólico de “Um Restante Voltará” . Evidentemente, o
nome significa aqui um grupo fiel do povo voltará ao
Senhor. Mais tarde, a mesma frase significou um res­
tante voltará do cativeiro. O nome dêste filho certa­
mente indica um dos ensinos mais importantes do pro­
feta. O homem de Deus levou consigo o filho, na espe­
rança de que o nome dêle pudesse reforçar a mensagem
do Senhor que havia de entregar ao rei. A presença
da criança com êste nome demonstrava a convicção fir­
me de Isaías de que alguns dos habitantes de Judá vol­
tariam a Deus, com a fé inabalável no propósito eterno
revelado ao seu povo escolhido. Um restante fiel do
povo sobreviveria a tôdas as calamidades nacionais para
testemunhar a vontade do Senhor, e para sempre man­
ter as bases firmes do reino de Deus.
O encontro de Isaías com o rei Acaz representa o
maior fracasso do seu ministério quanto ao resultado do
conselho que ofereceu ao dirigente do povo de Judá.
Fracassou no esforço de persuadir o rei a mudar a polí­
tica de submeter o Reino de Judá ao perigoso Império
da Assíria, e a confiar no socorro do Senhor para man­
ter a independência do seu povo. Mas a fé, a coragem
e a sabedoria da mensagem que entregou ao rei Acaz
permanece na História para encorajar o povo de Deus
na sua fidelidade através dos séculos.
É difícil determinar com certeza o lugar exato do
encontro de Isaías com Acaz. Mas a extremidade do
aqueduto do açude superior refere-se, aparentemente, ao
canal da fonte de Giom, que naquele tempo se achava
fora da cidade. Supõe-se que o rei estava examinando o
tanque de água, e considerando como poderia ser defen­
dido, na hipótese de a cidade ser sitiada. Já havia um
aqueduto ou túnel desde esta fonte, debaixo do muro e
da cidade, até o fundo de um poço no meio da cidade,
desde o tempo da ocupação de Jerusalém pelos jebuseus
(II Sam. 5:6-8). Foi êste o aqueduto que o rei estava
inspecionando. Mais tarde, o rei Ezequias estendeu o tú­
nel até Siloé no lado sudoeste de Ofel (Ver Arqueologia
Bíblica do autor, p. 209).
O profeta começa a sua mensagem ao rei com a
exortação, Acautela-te e aquieta-te, típtífill > i01'
perativos fortes, proferidos com autoridade profética.
Guarda-te e não fiques desanimado. Livra-te dessa agi­
tação desnecessária. Não tenhas mêdo e não fique desa­
nimado o teu coração por causa dêstes dois tocos de ti-
ções fumegantes, a Síria e Efraim. Êles já se gastaram
nas suas guerras infrutíferas, e não têm mais poder de
prejudicar-te. São apenas dois tocos de tições fumegan­
tes, frios e fracos e sem poder de guerrear.
Isaías condena duas fraquezas de Acaz, o seu mêdo
e a sua falta de confiança no socorro do Senhor. Sem
fé é impossível ficar firme, v. 9. Com as suas palavras,
êle pede que o rei confie no socorro do Senhor dos Exér­
citos, o verdadeiro rei do seu povo escolhido. A presen­
ça do filho Sear-Jasube constitui o apêlo para que o rei
volte ao Senhor. Êste mesmo ponto de vista do profeta
apresenta-se mais tarde em 30:15: “Em vos converter-
des e em sossegardes está a vossa salvação; na tranqüi­
lidade e na confiança a vossa fôrça.” O ardor da ira de
Rezim e do filho de Remalias não significa nada do pon­
to de vista do profeta. No seu escárnio em relação ao
assassino e usurpador do trono do Reino de Israel, o
profeta não menciona o nome de Peca, mas fala dêle
como o filho de Remalias.
5. Porquanto a Síria resolveu fazer-te mal, bem como Efraim
e o filho de Remalias, dizendo:

6. Subamos contra Judá, amedrontemo-lo e o conquistemos


para nós, e façamos reinar no meio dêle o filho de Tabeal.

7. Assim diz o Senhor Deus: Isto não subsistirá, nem tam ­


pouco acontecerá.

8. Pois a capital da Síria é Damasco e o cabeça de Damasco,


Rezim, e dentro de sessenta e cinco anos Efraim será des­
pedaçado, e deixará de ser povo.

9. E a capital de Efraim é Samaria, e o cabeça de Samaria o


filho de Remalias; se não crerdes, certamente não ficareis
firmes.

O verso 5 indica que Rezim da Síria tomou a lide­


rança no projeto de subjugar Judá, e o filho de Remalias
de Efraim concordou com êle. Êles já conseguiram o
seu primeiro propósito de amedrontar o rei e o povo de
Judá, mas haviam resolvido capturar a cidade de Jeru­
salém, destronar Acaz, e estabelecer no trono de Judá
o seu títere, cujo nome êles não mencionam, mas falam
dêle como o filho de Tabe-el, Deus é bom. Mu-
dando a pronúncia do nome, o profeta fala dêle como
•• I T

Tabe-al, "
> filho de ninguém, de acôrdo com a fra-
I T
queza do homem, cujo nome não merecia menção. Mas
o projeto está contra o propósito do Senhor, e o profeta
tem certeza de que “não subsistirá, nem tampouco acon­
tecerá.” Êstes dois homens encolerizados estão se es­
forçando para efetuar os seus planos de subjugar o Rei­
no de Judá, e fazer uso dela na campanha contra a As­
síria. Do outro lado está o Senhor dos Exércitos, o go­
vernador supremo, cujo reino não tem fim, e cujo re­
presentante no combate neste tempo é o fraco e medroso
apóstata Acaz. Mas quando os representantes do Senhor
são infiéis, o Senhor tem outros meios de conseguir os
seus propósitos.
Não obstante o mêdo de Acaz, e acima do projeto
da Síria e Efraim está a resolução inabalável do Senhor,
versos 7 a 9. O próprio iníqiio dos aliados não será
conseguido. Rezim é o cabeça de Damasco e Peca é o
cabeça de Efraim, e como chefes dos seus respectivos
reinos fracos, estão no alto do seu poder, mas dentro em
breve os seus reinos serão despedaçados, flftPl • O go-
vêrno de Judá não lhes pertence, e nunca lhes pertence­
“ T

rá. Quanto a êstes inimigos, Judá está perfeitamente


seguro. É o próprio rei de Judá quem leva o seu país
à beira da destruição.
E dentro de sessenta e cinco anos Efraim será des­
pedaçado, e deixará de ser povo. É quase certo que esta
declaração foi interpolada na mensagem de Isaías anos
depois da sua entrevista com Acaz. É claro que não faz
parte do texto original, porque interrompe a conexão
e o paralelismo entre 8a e 9a: “Pois a capital da Síria
é Damasco, e o cabeça de Damasco é Rezim; e a capital
de Efraim é Samaria, e o cabeça de Samaria o filho de
Remalias.” Além disto, a declaração contradiz os fatos
da História. A destruição de Efraim 65 anos depois des­
ta entrevista fixa a data da queda de Samaria no ano
669, ou 52 anos depois daquele desastre que terminou de­
finitivamente com a história de Efraim como nação em
721. E a declaração, se fôsse exata, não poderia confor­
tar ou animar o rei Acaz que tinha mêdo de Efraim na­
quela hora. Quando os profetas falam de acontecimen­
tos no futuro, êles usam números redondos ou simbóli­
cos, em vez de mencionar anos exatos.
Se não crerdes, certamente não ficareis firmes.
Para preservar a aliteração do hebraico,
.. T ««
, se não ficardes firmes na fé, certa-
mente não ficareis firmes. Esta é a declaração de Isaías,
apresentada pela primeira vez como o complemento ou o
remate da revelação divina. A fé do homem normal, no
sentido bíblico, tem a capacidade de reconhecer e discer­
nir a verdade, uma vez que ela lhe seja claramente reve­
lada. Mas o reconhecimento da mensagem divina, sem
se crer plenamente no seu eterno valor, e sem se orientar
a vida por ela, não tem efeito no desenvolvimento do
caráter. O profeta, ou o mensageiro do Senhor, como
Isaías, reconhece, entende, recebe e transmite a verdade
que lhe é revelada. Ao mesmo tempo, o homem normal
tem a faculdade análoga de reconhecer a verdade re­
velada, aceitá-la, e por meio dela orientar a vida, na sua
relação pessoal com Deus.
Assim, o profeta Isaías procurou mostrar ao rei
Acaz que a sua segurança no govêrno de Judá dependia
da sua relação para com o Senhor, e não do poder mili­
tar que esperava receber da Assíria. A ameaça dos dois
tições fumegantes não apresentava qualquer perigo para
Judá. Ao mesmo tempo, o fracasso dos seus planos
não lhe oferecia qualquer garantia para a segurança fu­
tura de Jerusalém. A salvação do rei e do povo de Judá
dependia do entendimento verdadeiro do caráter do Se­
nhor Javé, e da fé nêle como o Salvador.
2. Sinal de Emanuel, 7:10-16
10. Novam»nte o Senhor falou com Acaz, dizendo:

11. Pede ao Senhor teu Deus um sina!; quer seja profundo como
Sheol ou quer seja alto como os céus.

12. Acaz, porém, disse: Não o pedirei, e não submeterei à prova


o Senhor.

Não há certeza de que êste incidente seguisse ime­


diatamente ao conselho do profeta nos versículos ante­
riores. Alguns pensam que o verso 10 talvez indique
pouco tempo depois, e, provàvelmente, na câmara do
conselho no templo. Com profunda confiança, e com o
propósito de acalmar o espirito agitado do rei e forta­
lecer a sua fé em Deus, o profeta lhe oferece um sinal.
Isaías, como o verdadeiro profeta do Senhor, achava-se
no conselho do Senhor quando falava com o rei Acaz
(Cp. Amós 3:7 e Jer. 23:16-22).
O falso profeta sempre afirmava que tinha recebi­
do a sua mensagem do Senhor. Portanto, não era fácil
distinguir entre o falso profeta e o verdadeiro mensagei­
ro do Senhor. Encontra-se em Deut. 18:21, 22; 13:1-3
uma prova bastante severa para vindicar o mensageiro
verdadeiro do Senhor. Êle podia predizer um evento
futuro, e se tal evento acontecesse de acôrdo com a sua
palavra, êle seria reconhecido como homem de Deus.
Submetendo-se a essa prova severa, Isaías, com magní­
fica confiança, ofereceu mostrar qualquer sinal, fllX,
que o rei Acaz quisesse pedir como prova de que estava
diante de um verdadeiro profeta de Deus.
Pede para ti, para o teu próprio benefício, ao Se­
nhor teu Deus um sinal. Não obstante a infidelidade
dêsse filho de Davi, o Senhor ainda se apresenta como
o seu Deus. Isaías, como homem de Deus, oferece a
Acaz, naquele momento, o privilégio de escolher qual­
quer prova que desejasse para garantir a verdade da
mensagem que está recebendo do Senhor. Se desejar um
sinal de qualquer esfera debaixo da terra, como Sheol;
ou em cima da terra, nas alturas do céu, ser-lhe-á con­
cedido como prova do poder do Senhor na verificação da
verdade da mensagem do seu profeta. É a vontade do
Senhor Javé dos Exércitos que Jerusalém não venha a
Sofrer prejuízo algum pelas fôrças militares de Efraim
e Síria. Aparentemente, não temos a história completa
desta entrevista, mas apenas a declaração dos fatos mais
significativos.
A palavra sinal usa-se em vários sentidos na Bíblia.
Pode significar uma marca ou símbolo (Gên. 4:15; Jos.
2:12). Pode ser apenas uma indicação de chuva ou de
qualquer outra cousa que possa acontecer (Gên. 1:14;
Jer. 10:2). O memorial de uma experiência importante
pode ser designado como um sinal (Jos. 4:6; Núm.
17:5). Uma insígnia ou estandarte é sinal (Núm. 2:2;
Sal. 74:4). É o penhor da promessa de pactuantes, ou
do concerto de Deus com o seu povo (Gên. 9:12; 17:11).
Maravilhas e milagres são sinais, ou atestações de pro­
messas divinas (Êx. 4:8; Is. 37:30). Mas, neste caso,
o sinal que o homem de Deus oferece ao rei de Judá é um
verdadeiro milagre que pode ser operado em qualquer
parte do reino da criação, nas alturas dos céus ou nas
profundezas do mundo subterrâneo.
Mas Acaz se recusa a considerar a prova ou o sinal
que o profeta lhe ofereceu para demonstrar a boa von­
tade e a certeza do socorro do Santo de Israel. Com fin­
gimento de piedade superior, êle declara que não deseja
tentar ao Senhor, para assim obrigá-lo a demonstrar o
seu poder (Êx. 17:7). A resposta prova a sua incapacida­
de de exercer a fé que o mensageiro do Senhor lhe pede.
Evidentemente, Acaz acredita que o sinal ou o milagre
será operado se êle o pedir. Se pedisse o sinal e se lhe
fôsse concedido, êle ficaria muito embaraçado, porque
não era mais capaz de confiar no fato espiritual que um
tal milagre lhe pudesse demonstrar. A verdade é que o
rei já havia rejeitado definitivamente o Santo de Israel
como o seu próprio Deus, ou como o Deus do seu reino,
e estava depositando a sua fé no deus do poderoso exér­
cito da Assíria. É muito provável que já houvesse expe­
dido a sua petição, com o ouro e a prata do templo, ao
rei da Assíria. Portanto, supunha que não poderia ga­
nhar nada, deixando o deus do seu aliado para voltar ao
“Deus” de Israel que tinha abandonado. Já firmado
na idolatria, Acaz não quis testemunhar o sinal ou a prova
de que Javé era o mais poderoso dos numerosos deuses.
Era muito mais fácil agradar ao deus da Assíria do que
ao Deus de Israel, e Acaz não quis que Isaías demons­
trasse publicamente a tolice da sua apostasia. Portan­
to, o procedimento do rei de Judá agravou o seu insul­
to ao Senhor pela pretensão de reverência e pela decla­
ração hipócrita de que não queria tentar ao Senhor.
13. Então, disse êle: Ouvi, agora, 6 casa de Davi !
Acaso não vos basta fatigardes os homens,
mas ainda fatigais também ao meu Deus?

14. Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal :


Eis que a virgem conceberá, e dará à luz
um filho, e chamará o nome dêle Emanu E l.

15. Êle comerá leite coalhado e mel quando


souber desprezar o mal e escolher o bem.

16. Pòis antes que o menino saiba desprezar o mal


e escolher o bem, será desamparada a terra,
ante cujos dois reis tu tremes de mêdo.
Na sua resposta ao rei, no v. 13, o profeta mostra
que entendeu perfeitamente o fingimento de piedade e a
hipocrisia de Acaz, e revela a impaciência para com o
representante da casa de Davi. Fala com ardor na re­
preensão do rei. Não vos basta fatigardes, >"
,
en-
fastiardes, aborrecerdes os homens, mas ainda fatigais
também ao meu Deus? A frase ao meu Deus dá ênfase
à hipocrisia de Acaz, pois o Senhor dos Exércitos não é
mais o Deus do rei apóstata.
Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal. Não
obstante a infidelidade do rei Acaz, o próprio Senhor
lhe fornecerá um sinal que êle não tinha a coragem de
pedir. Talvez não haja outra profecia no Velho Testa­
mento que tenha produzido mais perplexidade e mais
discussão do que êstes versículos sôbre o sinal, jTYi^ »
que o Senhor deu ao rei Acaz.
Os comentaristas, em geral, começam as suas dis­
cussões desta profecia com as opiniões formadas sôbre
o ensino e a significação da passagem, e apresentam a
interpretação que satisfaz ao seu ponto de vista. É ge­
ralmente reconhecido que o texto é bem preservado, e
não deve ser modificado ou suplementado meramente
para apoiar ou reforçar qualquer interpretação.
Importa notar logo no princípio a gravidade da oca­
sião, e a certeza da parte do profeta de que é o próprio
Senhor, e não Isaías, quem está falando. O ponto de
vista do profeta não é meramente político, nesta crise
da história de Judá, mas profundamente religioso. Por
causa da infidelidade de Acaz e do povo de Judá, já che­
gou a hora para o Senhor intervir na História a fim de
realizar o seu eterno propósito na escolha de Israel. O
sinal, portanto, é do Senhor, neste caso sobrenatural,
emblema da orientação da História de acôrdo com o
eterno propósito de Deus, Parece claro, então, que o sig­
nificado do sinal está na concepção e em o nascimento
do filho, pois os têrmos da profecia indicam um evento
extraordinário e misterioso.
Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho.
A palavra , que traduzimos por virgem, levan-
ta logo para os intérpretes uma longa e complicada dis­
T I - T

cussão. Quase tôdas as palavras se usam em mais de


um sentido. A significação de qualquer palavra bíbli­
ca deve ser determinada pelo uso no contexto, pelo sen­
tido em o'utras passagens bíblicas, e em relação com o en­
sino geral da Bíblia sôbre o mesmo assunto. Esta pala­
vra usa-se no sentido de uma jovem no vigor da idade
de se casar, donzela e virgem. Qual é o sentido da pala­
vra neste verso? Esta mesma palavra se usa no sentido
de virgem em Gên. 24:43 e Êx. 2:8, e neste contexto da
passagem que dá tanta ênfase ao significado do sinal do
nascimento de Emanu El, parece necessário reconhecer
que o sentido da palavra nesta declaração é virgem.
Para aquêles que insistem em que a palavra aqui deve
ser traduzida por jovem ou môça, seria, certamente, su­
bentendido que ela era virgem, e não uma jovem imo­
ral. É verdade que a palavra significa virgem,
mas o sentido desta palavra é ambíguo, e aparentemente
T »

não significa virgem em Joel 1:8.


No entendimento dos tradutores dos LXX, a palavra
T I -
significa virgem neste verso, e êles verteram
T

o têrmo no grego rj irapdévoç, a virgem, e não se pode


pôr de lado como insignificante o conhecimento dêstes
grandes tradutores, evidenciado em tôda parte do Velho
Testamento. Portanto, não há base para o dogmatismo
daqueles que insistem em que o têrmo aqui tem que
ser traduzido para — uma jovem na idade de se casar.
l‘niiiIkmh não há justificação de se afirmar que o ar-
IÍMO definido usa-se neste caso no sentido indefinido.
Q iiíuuIo o artigo hebraico se usa no sentido indefinido
iVIo fato fica bastante claro. (Cp. O Emprego do Arti­
go, Sintaxe do Hebraico do Velho Testamento do autor,
)), í)l e seg.). O artigo neste caso não é supérfluo ou
encanador, como dizem alguns, mas tem importância na
interpretação da mensagem desta grande profecia.
Eis,(12(1 , que a virgem conceberá. Esta palavra é
seguida pelo adjetivo participial <T“in e o infinitivo ab-
soluto. Quando usada por Isaías, esta palavra eis sem­
T T

pre introduz alguma cousa que há de acontecer no fu­


turo. Portanto, não se justifica a tradução de alguns in­
térpretes, “U’a môça que já concebeu dará à luz um
filho.”
E chamará o nome dêle Emanu El, > ®eus
Conosco. O nome especifica que o Senhor está com a
T ’

nação como seu protetor, e o nascimento da criança é


o sinal ou a garantia da promessa. É claro que o nasci­
mento e o nome do filho constituem a promessa de
Deus de que a cidade de Jerusalém será livre das amea­
ças da invasão da parte da Síria e de Efraim, e que o
rei Acaz podia ficar sem mêdo de Peca e do filho de Re­
malias. Se Acaz tivesse aceitado o sinal, podia ter sig­
nificado também para êle, e para o seu povo, que Isaías
era o verdadeiro mensageiro do Senhor para êle e para
o seu povo. Não há qualquer evidência ou indicação de
que Acaz ficasse impressionado com o livramento de Je­
rusalém do poder de Rezim e Peca, ou que êle tivesse
qualquer confiança na promessa do profeta.
Foi a própria mãe que deu ao filho o seu nome.
Tem havido muita especulação infrutífera no esforço
de determinar quem era a mãe dêsse maravilhoso filho.
Há várias teorias, mas nenhuma delas merece qualquer
consideração. Mas o artigo definido não indica qual­
quer môça, mas uma jovem já determinada quando o
profeta entregou a mensagem ao rei.
Enquanto o nascimento dêste filho é declaradamen­
te um sinal para Acaz, êste fato evidentemente não es­
gota a significação desta maravilhosa mensagem. Quan­
do examinamos cuidadosamente a ocasião e a menta­
lidade do profeta, durante a entrevista com o rei, surge
a idéia, se não a firme convicção, de que o sinal do filho
prometido não se limita somente à libertação de Judá
do poder da Síria e de Efraim, mas visá também a um
grande personagem no reino ideal do povo do Senhor
no futuro. Acaz não se interessava no sinal oferecido
pelo Senhor, porque não acreditava que Javé, o Deus
de Israel, se interessasse, ou tivesse o poder de libertá-lo
da fôrça militar de seus inimigos. O profeta evidente­
mente desejava mostrar ao rei, e aos seus conselheiros,
que o Senhor Javé tinha o propósito de intervir na história
do seu povo. O nome Emanu EI expressa claramente
êste propósito divino. A presença do filho do profeta,
Sear-Jasube, indicava que Isaías estava pensando no res­
tante do povo fiel de Judá. O rei, com o seu povo po­
diam voltar ao Senhor e fazer parte do grupo dos fiéis
de Judá, ou seguir a política de egoísmo e arrastar o país
à destruição. Devemos observar também os têrmos da
comunicação do profeta com Acaz, notando os três pon­
tos salientes da mensagem: “Acautela-te e aquieta-te”
(v. 4); “Isto não subsistirá, nem tampouco acontecerá”
(v. 7): “Se não crerdes, certamente não ficareis fir­
mes” (v. 9). Assim, estas mensagens proclamam muito
mais do que o fracasso do projeto dos aliados contra
Judá.
0 ponto de vista do mensageiro do Senhor em tôda
0.8ta discussão com o rei é religioso, e visa à operação
do Senhor dos Exércitos na História. O projeto de Re-
jcirn e Peca contra Judá fracassou porque era contrário ao
propósito universal de Deus. Por causa da infidelidade
do rei e do povo de Judá, já está determinado o destino
desta nação rebelde. Depois da conquista da Síria e de
Efraim, os assírios subjugarão também a Judá (7:17;
8:4, 7, 8). Então seguirá um período de tribulação, no
qual Isaías e seus filhos serão sinais para o povo em
Israel, e vai-se fórmando, com a orientação do profeta,
o restante dos crentes fiéis ao Senhor.
Portanto, Emanu El é o sinal, não somente da liber­
tação temporária de Judá, como também o sinal de outro
livramento além do período de trevas e tribulação, o
princípio e a fundação da Idade Messiânica, o período da
salvação espiritual e de paz com Deus.
Depois de estudar cuidadosamente o texto hebrai­
co desta profecia, do príncipe dos profetas, e as várias
interpretações desta mensagem, cheguei à conclusão de
que é de verdade uma profecia messiânica. Talvez seja
conveniente oferecer aqui uma palavra de explicação
sôbre os têrmos “Messias” e “A Profecia Messiânica”,
como se apresentam no Yelho Testamento. O fato é que
nenhum profeta do Yelho Testamento entendeu perfei­
tamente a natureza e a ordem do Filho de Deus. (Cp.
A Natureza do Cumprimento da Profecia Messiânica, em
A Esperança Messiânica do autor, p. 318 e seg.). Os
homens de Deus, os profetas e salmistas, entenderam,
embora imperfeitamente, a santidade, a justiça e o amor
eterno de Deus.
Mas, para os profetas, o Ungido do Senhor, o ver­
dadeiro Messias, não podia ser um rei fraco e infiel, como
Acaz e outros reis de Judá e Israel. O Messias vindouro
haveria de representar, na sua própria pessoa, a verda­
deira natureza e o propósito universal do Senhor Javé,
e não simplesmente o Deus de Israel. 0 conceito de par-
tenogênese, o nascimento de virgem, era bem conhecido
entre as nações do Oriente naquele tempo, e representado
por exemplos na sua literatura. Os profetas do Senhor,
decepcionados pela infidelidade e a iniqüidade dos reis e
do povo escolhido, entenderam a importância e a signi­
ficação do nascimento do Messias de uma virgem.
Devemos reconhecer que os profetas em geral apre­
sentavam nas suas pregações princípios eternos, e que
tais mensagens sempre tinham aplicação direta às condi­
ções religiosas da época. Assim, a linguagem de Isaías,
neste caso, baseia-se na crise política e religiosa de Judá,
e no mêdo e nas maquinações políticas do rei Acaz. O
profeta lhe declara, com plena certeza, que a Síria e
Efraim não podiam capturar o Reino de Judá, porque
isto seria contra o eterno propósito do Senhor. Ofereceu
ao rei medroso o sinal ou a prova de que dentro em breve
o poder dêstes dois inimigos de Judá seria destruído pe­
los assírios.
O ensino geral de Isaías é que a nação escolhida do
Senhor não podia ser destruída completamente até que
houvesse cumprido a sua missão por intermédio do seu
restante fiel. A vitalidade do povo era como a do tôco
do carvalho, e permanecerá como a santa semente (6:
13). Com a destruição dos seus inimigos, o povo do Se­
nhor permanecerá até à vinda do seu Libertador, Emanu
El, de acôrdo com o eterno propósito de Deus.
Assim, o profeta não somente contemplava esta crise
religiosa na história de Judá, mas terminou o seu
oráculo com a descrição maravilhosa da glória futura
do reino de Deus em 9:1-7, regozijando-se com o levan­
tamento da luz que viu nas trevas da Galiléia, com o
nascimento do Príncipe da Paz. A profecia messiânica
tlc Miquéias, contemporâneo de Isaías, 5:2, 3, concorda
clurnmente com êste oráculo de Isaías.
Mas tu, ó Belém Efrata,
pequena entre os milhares de Judá,
de ti me sairá
o que há de ser governador em Israel,
cuja origem é dos tempos antigos,
desde os dias da eternidade.
Portanto, os entregará até ao tempo
quando aquela que está em dores tiver dado à luz;
então o restante de seus irmãos voltará
aos filhos de Israel.
O reconhecimento de que esta profecia, indubità-
velmente messiânica, foi escrita por Miquéias, contem­
porâneo de Isaías; que a última parte do verso 8:8 de
Isaías é uma apóstrofe dirigida ao Emanu El do capí­
tulo anterior; e finalmente, que 9:1-7 trata do Messias
vindouro, como o desenvolvimento de 7:14-16, esclare­
ce e .reforça a interpretação messiânica de Emanu El
nesta maravilhosa profecia.
Êle comerá leite coalhado e mel. Esta palavra,
nN ftn, geralmente, se não sempre, significa leite coa-
T * V
lhado, e não manteiga. Esta declaração é geralmente ex­
plicada como indicação da simplicidade primitiva da
dieta do homem, reduzida pela falta dos produtos da
agricultura. Segundo esta interpretação, a terra seria
devastada pelos invasores, e o povo teria que viver no
meio de privações e do sofrimento de fome. Mas atra­
vés do Velho Testamento estas palavras leite e mel são
sinônimas de uma dieta de abundância (Gên. 18:8;
Deut. 32:14; Juí. 5:25; II Sam. 17:29). Os têrmos tam­
bém designam freqüentemente a plenitude da bênção
divina. Como diz A. F. Kirkpatrick, Isaiah, The Cam-
bridge Bible, Vol. I, p. 60: “Esta interpretação atrativa
leva diretamente à conclusão de que Emanu El foi con­
cebido como filho divino.”
Quando souber rejeitar o mal e escolher o bem.
O hebraico diz literalmente ao seu s a b e r , >que é
melhor traduzido quando souber, ou ao tempo de saber
rejeitar o mal e escolher o bem. Assim, o menino co­
merá leite e mel até que chegue à idade de distinguir
entre o bem e o mal. Parece que a frase significa a ida­
de quando o menino começa a distinguir entre o bom
e o mau, entre o agradável e o desagradável. Esta ex­
pressão “rejeitar o mau e escolher o bom” evidentemente
se relaciona com os versículos 16 e 8:4.
Então se esperava que o evento, predito no v. 16,
havia de acontecer dentro de pouco tempo, talvez dentro
de três anos depois da entrevista do profeta com Acaz.
Mas alguns entendem que a frase até souber rejeitar o
mal e escolher o bem refere-se à consciência moral, à
idade de 10 a 12 anos. Mas isto introduz uma discre­
pância desnecessária entre êste sinal e o de 8:4. Julgan­
do do teor da profecia durante o reino de Acaz, o pro­
feta provàvelmente esperava a invasão de Judá pelo exér­
cito da Assíria pouco tempo depois da queda de Damas­
co e de Samaria.
A palavra '3 do v. 16, traduzida por pois, porque,
na verdade, relaciona-se com o v. 14, porque enquanto o
filho Emanu El ainda está na infância, acontecerá a in­
tervenção divina.
Será desamparada a terra, ante cujos dois reis tu
tremes de mêdo (Ver 6:12). A palavra terra aqui se re­
fere evidentemente às duas terras da Síria e de Efraim,
simplesmente porque ficaram unidas contra Judá. A pa­
lavra usa-se aqui com o sinônimo dealiança. Não se
justifica atribuir o mêdo ou o ódio de Acaz aos países
de Efraim e Síria, em vez de aos dois reis destas terras.
3. A Invasão de Judá pelos Assírios e os Egípcios, 7:17-25
17. Mas o Senhor fará v ir sôbre ti, c sôbre o teu povo,
e sôbre a casa do teu pai, por intermédio do rei da
Assíria, dias tais, quais nunca vieram, desde o dia
em que Efraim se separou de Judá.

18. Pois há de acontecer que naquele dia assobiará


o Senhor à môsca que há no extremo dos rios do
Egito, e à abelha que há na terra da Assiria.

19. E todos virão e pousarão nos vales profundos,


nas fendas das rochas, e em todos os
espinheiros e em todos os pastios.

A calamidade de Judá envolveu a retribuição da in­


fidelidade de Acaz e do povo de Judá na sua vida políti­
ca e religiosa, porque o rei desprezou a promessa do
socorro do Senhor, e preferiu o auxílio do exército da
Assíria. Judá, entre a terra da Assíria e a do Egito, era
o campo de luta entre estas duas nações, no esfôrço de
dominar a Ásia. Êstes últimos versos do capítulo tra­
tam do desastre que caiu sôbre Judá como o castigo di­
vino da sua apostasia.
Antes, porém, de invadir Judá, Tiglate-Pileser es­
magou os reinos da Siria e de Efraim, e levou cativa
uma grande parte dos habitantes dos dois países (II Reis
15:29, 16:19). Assim, o enrêdo de Acaz com a Assíria
resultou, não somente na destruição dos reinos de seus
inimigos, mas também deitou a base sinistra para a in­
vasão desastrosa de Judá pelo seu próprio aliado, a na­
ção cruel da Assíria.
0 Senhor fará vir sôbre ti, e sôbre os principes e
nobres, tempos de calamidade, tais que nunca vieram
desde o dia em que Efraim se separou de Judá. Acaz
começou o seu reino em c. 735, e o profeta teve a entre­
vista com êle pouco tempo depois. Damasco sofreu uma
derrota severa pelos assírios em 734, e em 721 o Reino
de Israel foi destruído com a queda de Samaria. Judá
teve um período bréve de descanso, mas a profecia do
seu sofrimento foi cumprida pela invasão de Senaque-
ribe em 701.
O enrêdo político de Judá com a Assíria custou-lhe
caro em tributôs pesados, prejuízo da terra anos depois,
e a grave corrupção da religião do povo.
Os anúncios dos versos 18 a 25 sôbre a invasão da
Assíria (18-20) e as suas conseqüências (21-25) não fo­
ram dirigidos ao rei Acaz. São profecias da invasão
iminente de Judá pelos assírios.
Assobiará o Senhor à môsca ... do Egito, e à abe­
lha da Assíria. O Egito, sendo infestado de môscns
(18:1), e a Assíria uma terra de abelhas (Deut. 1:41);
o profeta assim fala figurativamente dos exércitos inva­
sores dêsses países na terra de Judá. Nas lutas milita­
res o exército do Egito, e mais freqüentemente os pode­
rosos e cruéis militares da Assíria, invadiam e ocupa­
vam a terra de Judá como base militar. Por que Deus
usou a terra cruel e pecaminosa da Assíria para casti­
gar o povo menos pecaminoso de Judá? O profeta Ha-
bacuque, e muitos outros têm lutado com êste problema.
Mas quando observamos a natureza pecaminosa da hu­
manidade, e a vontade livre do homem, podemos entender
o propósito do Senhor em utilizar-se da Assíria, não
obstante a sua injustiça e brutalidade, para executar o
propósito justo no castigo de Judá (Cp. Gên. 45:5-8;
50:20). A terra da Assíria também sofrerá as conse­
qüências da sua iniqüidade. Assim, o Senhor revela o
nou propósito e a sua sabedoria no seu poder de usar os
atos iníquos do homem para levar avante o seu reino
do santidade e justiça na cruz de Cristo.
0 v. 19 descreve o terror dessa ocupação de Judá
pelos invasores. A nação egípcia é comparada com enxa­
mes de môscas, e o povo assírio, no seu afã de guerra e
conquista, com abelhas picantes. Pousarão nos vales
profundos, talvez onde pudessem achar água. As fen­
das das rochas são numerosas na Palestina, lugares
de abrigo. Espinheiros significam os arbustos de pouco
valor. É duvidoso o significado dos pastios, mas tal­
vez se refiram aos lugares refrescantes. Alguns pensam
que esta descrição da terra de Judá, ocupada completa­
mente pelo inimigo, descreve melhor a devastação ter­
rível de Nabucodonosor, mas certamente aplica-se pri­
meiro à invasão de Senaqueribe da Assíria.
20. Naquele dia rapará o Senhor com uma navalha alugada
do além do rio — com o rei da Assíria — a cabeça e o
cabelo dos pés, e tirará também a barba.
21. E sucederá naquele dia que um homem manterá
uma vaca nova « duas ovelhas;
22. e por causa da abundância do leite que elas darão, que
comerá leite coalhado; pois todo aquêle que fica no
meio da terraf comerá leite coalhado • mel.
23. Também naquele dia todo lugar, em que houvera mil vides no
valor de mil siclos de prata, será para espinheiros e abrolhos.
24. Com arco e flechas se entrará ali porque os espinheiroa
e abrolhos cobrirão tôda a terra.
25. Quanto a todos os montes que costumavam sachar com enxada,
para ali não entrarás por temeres os espinhos e abrolhos;
mas serão para pasto de bois, e para serem pisados pelas
ovelhas.

A navalha alugada do além do rio Eufrates talvez


seja uma alusão ao pedido que o rei Acaz dirigiu a Ti-
glate-Pileser (II Reis 16:7-9). O cabelo dos pés é uma
frase que se refere às outras partes do corpo, uma ex­
pressão de vergonha. A barba representava a dignida­
de do homem. Não se menciona mais a terra do Egito
nestes últimos versículos do capítulo.
Os versos 21 e 22 apresentam uma dificuldade. Se­
gundo muitos intérpretes, a passagem descreve a pobre­
za da terra na ocasião quando a Assíria invadiu a terra,
e assim concorda com o v. 23. Mas a palavra
não tem artigo, e a referência à abundância que a sua
vaca nova e as duas ovelhas lhe dão talvez indique um
caso excepcional, e confusão no contraste com as con­
dições do povo em geral.
Naquele dia de desastre, em todos os lugares onde
havia mil vides que representavam trabalho cuidadoso,
e o grande valor de mil siclos será entregue aos espi­
nheiros e abrolhos.
A terra mais fértil e mais produtiva ficará mais de­
solada, e será abandonada às feras. Os campos de vides
arruinados, cobertos de espinheiros e abrolhos e ocupa­
dos por animais bravios, não têm mais valor senão para
os caçadores, com seus arcos e flechas.
A linguagem dêstes últimos versos é figurativa e
poética, e não concorda nos pormenores. Êste último
verso é um resumo das calamidades infligidas à terra
pela invasão dos assírios.
4. O Sinal de Maher-Shalal-Has-Baz, 8:1-4
1. Então, o Senhor me disse: Toma uma tabuleta grande,
e escreve nela de maneira inteligível:

A Maher-Shalal-Has-Baz.

2. E tomei comigo testemunhas fidedignas, a Urias,


sacerdote, e a Zacarias, filho de Jeberequias.
3. Fui ter com a profetisa, e ela concebeu, e deu
à luz um filho. Então, me disse o Senhor;
Põe-lhe o nome de M aher-Shalal-Has-Baz.

4. Porque antes que o menino saiba dizer meu pai ou


minha mãe, serão levadas as riquezas de Damasco, •
os despojos de Samaria, diante do rei da Assíria.

Não podendo influenciar a política da côrte de Acaz


(7:1-17), o profeta, divinamente inspirado, representou
dois atos significativos, perante o público, na demonstra­
ção do ponto de vista do Senhor. Primeiro, recebeu do
Senhor ordem de colocar em lugar público uma grande
tabuleta, de pedra, metal ou madeira, com a inscrição
, . ,legível,
cl8.r3.rn.entc , , rã- wn- t t m**a- ?> , Rápido-Des-
pôjo-Pronta-Pilhagem. Então, o mensageiro do Senhor
oficializou formalmente o seu ato, levando consigo dois
homens de prestígio como testemunhas. Depois êle ex­
plicou o significado da palavra na tabuleta em relação
com o nome do seu filho. É claro que Isaías apresentou
êstes dois atos ao público antes da queda final de Da­
masco em 732. (Êstes versos proclamam, como 7:16, a
destruição da Síria e de Efraim, mas não menciona a
ameaça contra Judá.
As duas testemunhas não eram necessàriamente
amigas do profeta. O sacerdote Urias é mencionado em
II Reis 16:10-13 como aquêle que fêz uma cópia do altar
de Damasco para o rei Acaz em Jerusalém.
A profetisa apresenta-se no v. 3 simplesmente como
a espôsa do profeta, mas a palavra em II Reis
22:14 significa mulher vidente, profetisa do Senhor. É
T • *

especialmente notável que Isaías, nove ou dez meses de­


pois de publicar a sua profecia na tabuleta, desse ao seu
filho, como nome, a mensagem idêntica (Cp. Deut, 18:22).
Os versos 3 e 4 dão ênfase aos primeiros dois versí­
culos (Cp. 7:3), è também ao fato de que a destruição
de Damasco e Samaria acontecerá antes que o filho do
profeta possa dizer, “Meu pai” ou “Minha mãe” .
5. Os Dois Rios Simbólicos, 8:5-8
5. Falou-me ainda o Senhor, dizendo :

6. Porquanto êste povo desprezou as águas de Siloá


que correm brandamente, e se derrete de mêdo
diante de Rezim e do filho de Remalias;

7. portanto, eis que o Senhor fará vir sôbre êles


as águas do Rio, fortes e impetuosas, isto é, o
rei da Assíria, com tôda a sua glória; e subirá
acima de todos os seus regatos e transbordará
por tôdas as suas ribanceiras.

8. E passará através de Judá, inundando-o, e, passando


por êle, chegará até ao pescoço; as suas asas estendidas
encherão a largura da tua terra, 6 Emanu El.

Êste oráculo continua a discussão dos versos ante­


riores. Falou-me oütra vez o Senhor, ou continnou o
Senhor a falar ainda comigo. O profeta declara que a
aliança que o rei Acaz fizera com a Assíria não termi­
nará com a destruição de seus inimigos, Rezim e Peca.
Mas o poderoso império, sem escrúpulo, logo depois de
conquistar as pequenas nações da Síria e de Efraim, to­
mará também a terra de Judá. Assim se verificou que
a aliança com a Assíria, com o pagamento de um tribu­
to pesado, foi um êrro insensato, do ponto de vista po­
lítico, como o profeta reconheceu. Mas o homem de
Deus ficou mais preocupado com a infidelidade do re­
presentante da casa de Davi e do povo de Judá. Nota-
se, todavia, que esta mensagem não foi dirigida ao rei
Acaz.
O oráculo se apresenta por duas figuras poéticas:
as águas de Siloá que correm brandamente; e as águas
do Eufrates fortes e impetuosas. As águas de Siloá ou
Siloé são aquelas que corriam da Fonte da Virgem, ao
nordeste da cidade, pelo canal, até ao Tanque de Siloé,
ao sudoeste da cidade, no sul do Vale de Tiropoeon. Pou­
co mais tarde, Ezequias estendeu o aqueduto antigo dos
jebuseus, debaixo do centro da cidade, até ao Tanque de
Siloé (II Reis 20:20; Arqueologia do autor, p. 207). É
expressivo o contraste entre esta pequena e branda cor­
rente com o poderoso e impetuoso Eufrates da Assíria.
Impressionado pelo contraste entre a fraqueza de Judá e
o poder da Assíria, e dominado por dúvidas ,e mêdo, Acaz
rejeitou o Deus de Judá que lhe ofereceu sossego e con­
fiança (30:15), e entregou-se ao deus da Assíria que, na
ocasião, lhe representou invencível poder militar.
E se derrete de mêdo, DíDfà, é claramente o texto
T

correto, pois a palavra , alegrar, desfaz o sentido


l
da passagem, e envolve uma contradição. ® tam-
bém trocadilho com .
t

T T

O Eufrates é um grande e poderoso rio, em contras­


te com as águas brandas de Siloé. Apresenta-se nesta
passagem no poder do seu transbordamento. Acaz es­
perava controlar o seu curso, mas agora está passando
por Judá, e inundando-o até ao pescoço de Jerusalém.
É uma figura expressiva da invasão de Judá pelo exér­
cito da Assíria, cujas asas estendidas enchem a terra de
Emanu El
9. Ajuntai-vos, ó povos, e sereis despedagados;
dai ouvidos, tôdas as terras longínquas;
cingi-vos e sereis despedagados.
cingi-vos e sereis despedagados.

10. Tomai juntamente conselho, e êle será frustrado;


falai uma palavra, e ela não subsistirá,
porque Deus é conosco.

Êstes dois versículos são dirigidos às nações combi­


nadas do mundo. É um desafio da fé aos inimigos de
Judá (Cp. Sal. 2:1-6). O texto do v. 9a apresenta uma
dificuldade. Não há certeza sôbre se o verbo é de vr\ — T

ou de H jn . Alguns seguem os LXX, e aceitam


como o texto original, e traduzem conhecei-vos, como
T T I *

paralelo de dai ouvidos. Preferimos aceitar a forma


*jn como imperativo plural de HIM, e assim tra-
duzir por ajuntai ou associai-vos. Ajuntai-vos, ó povos,
* T T

e sereis despedaçados. Êstes versículos descrevem a fu­


tilidade de todos os planos e ações semelhantes à alian­
ça de Acaz com Tiglate-Pileser. Judá será castigado
pelos inimigos, mas há um limite do poder militar dos
inimigos sôbre Judá. Cingi-vos e sereis despedaçados.
Tomai juntamente conselho, e êle será frustrado. Pro­
clamai as vossas resoluções, mas não serão cumpridas.
Por quê? Porque Deus é conosco.
O nome do filho do profeta, Sear-Jasube, declara
que Judá não será completamente destruído, e êste é o
sentido dêstes versículos. A esperança do profeta re­
pousava no restante fiel, disciplinado e purificado, para
realizar o eterno propósito do Senhor, visado na escolha
e na disciplina do seu povo.
11. Porque assim o Senhor me disse, com a sua mão forte
sôbre mim, e me advertiu que não andasse pelo
caminho dêste povo, dizendo :
12. Não chameis conspiração a tudo quanto êste povo chama
conspiração; e não temais o que êle teme, nem vos assombreis.

13. Mas ao Senhor dos Exércitos, a êle honrai como santo;


e seja êle o vosso temor, e seja êle o vosso assombro.

14. Êle vos será santuário; mas será pedra de tropêço,


e rocha de ofensa às duas casas de Israel, laço •
armadilha aos moradores de Jerusalém.
15. Muitos dentre êles tropeçarão; cairão e serão quebrantadqs;
serão enlaçados e presos.

Êstes versículos explicam como Isaías se orientava


como mensageiro do Senhor na crise perigosa das duas
nações de Israel. Numa visão espiritual, o profeta reco­
nhece a mão forte do Senhor deitada sôbre êle (Cp. Ez.
1:3; 3:14). A mensagem divina é dirigida ao profeta
e aos seus discípulos. Êles não devem ter mêdo dos ini­
migos que estão aterrorizando o povo em geral. Êles
devem confiar somente no Senhor dos Exércitos que
será o temor e o assombro do seu povo fiel.
A frase com a mão forte sôbre mim dá ênfase à co­
munhão direta do profeta com Deus, e à certeza de que
êle estava no controle de Javé dos Exércitos, e era cons­
trangido pelo poder irresistível do Senhor. Assim, nes­
ta comunhão espiritual, o Senhor lhe falou, e o advertiu
para que não entrasse na aliança com as nações, segun­
do o plano de Judá sob a direção do rei Acaz.
Alguns sugerem a modificação do texto do v. 12,
mas está claro e mais aceitável do que qualquer mudan­
ça sugerida pelos comentaristas. O profeta e os seus dis­
cípulos não devem ficar perturbados pelos gritos de
conspiração do povo em geral, e não devem ter mêdo
dos eventos políticos que aterrorizavam os seguidores do
rei Acaz. A palavra conspiração aqui não significa trai­
ção dentro do Estado. Pode ser usada a respeito de uma
coalizão externa que ameaça a integridade do país. Re­
fere-se, neste caso, à conspiração de Rezim e Peca contra
Judá. E não temais o que êle teme, nem vos assom­
breis. 0 povo infiel pode ficar assustado pelas ameaças
da Síria e de Efraim, mas os homens de fé não se as­
sombrarão .
Honrai como santo o Senhor dos Exércitos. Adorai
a vosso Deus com o temor de reverência, e confiai nêle
como a verdadeira fonte de segurança e defesa. Acaz
e o seu povo, não crendo mais na vontade e no poder de
Deus, pediram o socorro da poderosa Assíria contra
Efraim e a Síria, mas esta nação traiu a confiança do
povo de Judá.
Êle vos será santuário. O Senhor dos Exércitos é o
santuário dos que nêle confiam. A palavra sig-
nifica santuário e não um objeto santo. 0 Senhor dos
T *

Exércitos é refúgio seguro para o seu povo (Cp. Êx.


21:14; I Reis 1:50; Ez. 11:16). Para o restante fiel,
aquêles que confiam no Senhor, e procuram fazer a sua
vontade, o Senhor dos Exércitos é uma verdadeira for­
taleza segura. “Deus é o nosso refúgio e fortaleza, so­
corro bem presente nas tribulações” — Sal. 46:1. Mas
será pedra de tropêço para os infiéis das duas nações
(Cp. Mat. 18:6; Mar. 9:42; Luc. 17:2). O Senhor dos
Exércitos será rocha de ofensa. Deus é representado
freqüentemente nas Escrituras como rocha, defesa fir­
me ou lugar de segurança para aquêles que nêle con­
fiam e se refugiam. Mas o Senhor é também uma rocha
de ofensa para aquêles que o abandonam, e assim se fa­
zem inimigos dêle. Não se pode deixar de lado ao Se­
nhor com impunidade; e não se pode opor-se ao Senhor
sem sofrer o castigo da justiça divina. “Todo o que cair
sôbre esta pedra, ficará em pedaços; e aquêle sôbre
quem ela cair ficará reduzido a pó” — Luc. 20:18. As­
sim, o Senhor será ofensa aos infiéis dos dois reinos:
Judá e Israel. Aquêles que rejeitam o conselho do men­
sageiro do Senhor, e resistem às leis e à proteção de
Deus, ficarão inesperadamente em dificuldades, como
os pássaros apanhados no laço.
Muitos dentre êles tropeçarão. Os assírios destruí­
ram completamente o Reino de Israel como nação. Mui­
tos dos habitantes foram mortos, e muitos outros foram
levados cativos e espalhados nas terras da Assíria, e al­
guns dos habitantes destas terras foram levados para o
território capturado de Israel. Judá foi invadido e mui­
tos dos seus habitantes levados em cativeiro. A repeti­
ção neste versículo de várias frases sinônimas dá ênfase
à predição do profeta, com a certeza de que dentro em
breve seria cumprida.
C. Isaías Cessa as Atividades Proféticas, 8:16-18
16. Liga o testemunho, sela a lei entre os meus discípulos.

17. Esperarei ao Senhor que esconde o seu rosto da casa de


Jacó, e nêle confiarei.

18. Eis, eu e os filhos que o Senhor me deu, para sinais


e para portentos em Israel da parte do Senhor dos
Exércitos, que habita no Monte Sião.

O rei Acaz recusou aceitar o conselho de Isaías na


crise política de Judá, e confiava persistentemente na
aliança que fizera côm a Assíria, é no auxílio qüè espe­
rava receber do seu poderoso aliado (II Reis 16:7-9) .
Com a rejeição da mensagem do Senhòr pelo rei e pelo
povo, na ocasião da ameaça da Síria e de Efraim, o pro­
feta escreveu a sua mensagem, que tinha proclamado
publicamente, num rôlo, selou o documento e o entre­
gou à custódia dos seus discípulos. Assim, com êste ato
solene, cessou Isaías por algum tempo as atividades pro­
féticas, e formou a fraternidade de um grupo de seus
discípulos fiéis como núcleo ou restante do povo de
Deus.
Liga o testemunho, sela a lei. Qualquer mensagem
ou profecia escrita no rôlo de pergaminho ou papiro,
quando êste não estava sendo usado, foi atada com um
barbante e selada, e assim preservada para o estudo ou
para a referência no futuro (Cp. Is. 29:11; I Reis 21:8;
Jer. 32:10; Dan. 12:4). Assim, o profeta esperava com
certeza o cumprimento da sua mensagem que tinha re­
cebido do Senhor e proclamado fielmente ao povo. Os
têrmos testemunho e lei são sinônimos, e significam a
instrução ou o ensino que o profeta recebeu do Senhor
e transmitiu ao povo.
O Senhor que esconde o seu rosto da casa de Jacó.
Esta frase figurada significa a retirada do favor e da
proteção do Senhor (Ver Deut. 31:17; Miq. 3:4; Jer. 33:5;
Sal. 13:1; Jó 13:24). O Senhor não mais apresentará
admoestações e ensinos ao povo rebelde por intermédio
do seu mensageiro, mas o entregará ao castigo divino
que merece. O profeta esperará no Senhor.
Eis, eu e os filhos que o Senhor me deu. Os nomes
do profeta e de seus filhos eram significativos, e se re­
feriam a verdades importantes da mensagem profética.
O profeta reconheceu o seu próprio nome, T* " J
Javé Salva, como verdade fundamental da sua mensa­
gem, enquanto os nomes dos filhos significavam ensinos
proféticos de profunda importância. Que habita no
Monte Sião. O principio profético da inviolabilidade de
Jerusalém originou-se com Isaías no tempo quando a ci­
dade foi ameaçada pelo exército poderoso da Assíria.
Há várias dificuldades no texto hebraico destes ver­
sículos. É difícil reconhecer qualquer conexão com o
assunto dos versículos anteriores. Apresenta uma série
de idéias sôbre as superstições e a infidelidade do povo
de Judá em geral. Alguns pensam que talvez sejam men­
sagens dirigidas ao povo por intermédio dos discípulos
do profeta no período da sua inatividade.
A. Admoestações Contra o Espiritismo, 8:19
19. Quando vos disserem : Consultai os necromantes e os que
têm espíritos familiares, que chilreiam e murmuram,
acaso não consultará o povo ao seu Deus? A favor dos
vivos, se consultarão os mortos?

Quando um povo abandona a fonte das águas vivas,


cava para si cisternas rôtas, que não retêm as águas
(Jer. 2:13). Havendo abandonado o seu Deus, o Se­
nhor Javé dos Exércitos, quase todos os habitantes de
Judá e Israel voltaram-se à prática antiga de supersti­
ções (19:3). Os dois têrmos P V D e signifi­
cam necromantes e adivinhos ou espíritos familiares.
Êstes dois têrmos constam juntos freqüentemente nas
proibições da prática de consultar aquêles que se apre­
sentaram como adivinhos e feiticeiros profissionais (Lev.
19:31; 20:6, 27; I Sam. 28:3, 9; II Reis .21:6), O necro-
mante dizia que tinha o dom de comunicar com qual­
quer espírito, enquanto o adivinho declarava que o espí­
rito familiar lhe responderia em qualquer ocasião que o
chamasse. Chilreiam e murmuram referem-se à voz
fraca ou sepulcral dos espíritos, como o chilrear do pas­
sarinho. A prática de consultar o espírito dos mortos
prevalecia entre as nações antigas. O oráculo de Del'
fos tornou-se famoso em países fora da Grécia.
B. À Lei e ao Testemunho, 8:20-9:1
20. Â lei e ao testemunho! Se êles não falarem desta maneira,
jamais verão a alva.

21. Passarão pela terra duramente oprimidos e famintos; a


quando tiverem fome, enfurecendo-se, amaldisoarão ao
seu rei e ao seu Deus, olhando para cima.

22. Olharão para a terra, mas eis aí angústia, escuridão,


sombras de ansiedade; e serão lançados para densas trevas.

O sentido destes versos é obscuro, mas tem relação


com a lei e o testemunho.
A palavra m in usa-se em vários sentidos, mas
aqui significa o ensino da revelação divina transmitido
T

por intermédio do profeta vocacionado e inspirado pelo


Senhor (Cp. 6:8, 9). Parece que esta declaração se re­
laciona com o verso 16, e que o profeta está dizendo aos
seus discípulos que êles já têm a palavra segura da pro­
fecia, ou a revelação da vontade de Deus. Para os ou­
vintes a única fonte de conhecimento é a palavra do Se­
nhor transmitida aos seus mensageiros, os profetas. Se
êles não falarem desta maneira, jamais verão a alva.
O texto hebraico é obscuro, e é traduzido de várias ma­
neiras. A RSV traduz: Certamente, para esta palavra
que êles falam não há alva. Esta talvez seja a melhor
tradução, e assim significa que não há futuro para os
supersticiosos. O que está condenado aqui acontece fre­
qüentemente entre pessoas religiosas. Pessoas se tornam
desdenhosas ou indiferentes quanto às responsabilida­
des da verdadeira religião, e nos tempos de tensão ou
perigo confiam nas superstições dos feiticeiros e adivi-
nhadores.
Os versos 21 e 22 descrevem as privações e os sofri­
mentos das pessoas que perderam a fé, e confiam nas
superstições. Desapontadas e frustradas, tais pessoas
passam pela terra duramente oprimidas e famintas.
Quando têm fome, ficam endurecidas e amaldiçoam ao
seu rei e ao seu Deus, e finalmente desaparecem nas tre­
vas.
9:1. Pois não haverá obscuridade para aquela que estava em
angústia. Êle no primeiro tempo tornou desprezível a
terra de Zebulom e a terra de Nafta,li; mas no último
tempo tornará glorioso o caminho do mar, além do
Jordão, a Galiléia dos gentios.

O verso 9:1 foi escrito aparentemente para explicar


a conexão entre a passagem messiânica, 9:2-7, e o as­
sunto do parágrafo anterior. Pois não haverá obscuri­
dade para ela que estava em angústia. Nesta declara­
ção no hebraico não há verbos, e alguns traduzem:
“Pois não há obscuridade para ela (a terra) que está
em angústia?” A tradução do sentido do hebraico repre­
senta um enigma. Nos primeiros tempos êle (Deus)
tornou desprezível a terra de Zebulom e a terra de Naf-
f,ali. Há um elemento misterioso nesta declaração do
escritor. Por que liga a profecia messiânica especial­
mente com Zebulom e Naftali? É provável que mencio­
ne Zebulom e Naftali, as primeiras terras invadidas pelos
assírios, para designar o território inteiro do reino se­
tentrional, pois está fazendo contraste entre o terrível
desastre destas terras no domínio da Assíria, e no seu
futuro glorioso sob o reino vindouro do Ungido do Se­
nhor. O caminho do mar, usa-se aqui para designar o
caminho ao longo da planície litorânea da Palestina.
Além do Jordão talvez se refira à Síria e Gileade. Gali­
léia das nações, ou o circuito das nações, geralmente sig­
nifica no Yelho Testamento um canto da Galiléia su­
perior (I Reis 9:11; Jos. 20:7; II Reis 15:29). Al­
guns pensam que o escritor está se referindo ao circui­
to das nações mencionadas nos primeiros dois capítulos
de Amós (Moabe, Amom, Edom, Filístia, etc.). Não
obstante as dificuldades na interpretação do versículo, a
passagem recebeu uma nova significação quando o Se­
nhor Jesus proclamou as Boas Novas do Reino na Ga­
liléia (Mat. 4:13-15).
C. O iReino Messiânico, 9:2-7
2. O povo que andava em trevas
viu uma grande luz;
os que habitavam na região das trevas profundas,
sôbre êles resplandeceu a luz.

3. Tens multiplicado a nação,


a alegria lhe aumentaste;
.al«gra,m-se êles diante de ti como se alegram na ceifa,
e como se regozijam quando repartem os despojos.

Nessa linda poesia, o profeta sente-se transportado


para o futuro, e canta da grande salvação que confiada-
mente esperava para o povo do Senhor. Há quatro es­
trofes, cada qual de quatro linhas. A poesia apresenta
um contraste notável com o capítulo 8. Segundo a nos­
sa interpretação, a maravilhosa passagem desenvolve o
ensino de Emanu El de 7:14. Muitos intérpretes moder­
nos, e extremamente liberais, julgam “que êste oráculo
foi composto para celebrar a coroação de um rei da atua­
lidade de Judá” (The Interpreter’s Bible, in loco). Esta
interpretação é forçada, não concorda com o teor e o
espírito da profecia de Isaías, nem com a psicologia dos
escritores do Yelho Testamento. Êste modo de inter­
pretar as profecias messiânicas do Velho Testamento
baseia-se na falta do entendimento de certas semelhan­
ças na garbosidade dos reis da Assíria e da Babilônia,
em comparação com as declarações dos profetas que
censuravam severamente a infidelidade dos reis da atua­
lidade, e desejavam ardentemente o govêrno do rei ideal.
Não se pode negar que esta profecia de Isaías visa­
va a um Messias político-religioso, e não meramente po­
lítico, como dizem alguns. As profecias messiânicas dos
Salmos e as de outros profetas, geralmente visavam ao
Messias da linhagem de Davi, ou a um rei ideal, simples­
mente porque êstes mensageiros da religião dos hebreus
eram os únicos que entendiam e ensinavam o monoteís-
mo, e que o Senhor Javé é o Verdadeiro Deus. Com o de­
clínio moral dos reis de Judá, aprofundou-se o conceito
profético do reino messiânico, com mais ênfase aos atri­
butos espirituais do Messias. Quando observamos como
o ensino de Emanu El, Conosco Deus, apresenta-se per­
sistentemente nas mensagens do profeta neste período,
não podemos deixar de reconhecer que o Menino nasci­
do de 9:6 identificou-se, no pensamento e no ensino do
profeta, com Emanu El de 7:14.
O fato de que as profecias messiânicas foram cum­
pridas mais perfeitamente na Pessoa e no reino de Jesus
Cristo do que os profetas esperavam, certamente não
nega a doutrina persistente do reino vindouro do Mes­
sias no Velho Testamento. Mas êste reino messiânico
do Velho Testamento será dirigido por um rei perfeito
na sabedoria, no poder e na justiça, e o povo será supre­
mamente feliz no seu govêrno, que na providência do
Senhor Javé dos Exércitos permanecará para todo o
sempre.
Os versículos 2 e 3 tratam da luz e da alegria do
povo na sua libertação do poder das trevas. O povo que
andava em trevas viu uma grande luz. 0 tempo dos ver­
bos hebraicos não é determinado meramente pela forma
perfeita ou imperfeita, mas pelo uso no seu contexto
(Cp. Sintaxe do Hebraico do Velho Testamento do
autor, p. 25). É claro que o profeta não está fa­
lando de algum evento acontecido no passado, como
dizem alguns, mas do reino futuro do Ungido do Se­
nhor. Como na profecia de Emanu El, é possível que o
profeta estivesse pensando numa libertação naquela épo­
ca cheia de problemas e incertezas. De fato, a cidade
de Jerusalém foi miraculosamente liberta do poderoso
exército de Senaqueribe poucos anos depois da proclama­
ção desta mensagem. Mas esta grande mensagem do
profeta foi plenamente cumprida quando o próprio Naza­
reno apareceu na região das trevas como a Luz da ver­
dade e o Poder de libertar o povo da escravidão do peca­
do (Mat. 4:13-16).
Tens multiplicado a nação. Não é o povo, nem as
autoridades, mas o próprio Senhor quem multiplicará a
nação nos dias futuros de paz e segurança. O aumento
da população é um sinal ou penhor da bênção de Deus.
0 texto hebraico tem X J 'ÍS!"!, a alegria não lhe au-
mentaste, em vez de a alegria lhe aumentaste,
T ‘ ™
que evidentemente foi o texto original. Alegram-se êles
diante de ti como se alegram na ceifa. A ceifa, entre
os hebreus, foi um tempo de exultação e regozijo. Quan­
do os produtos da ceifa eram ajuntados, havia profun­
da alegria, ação de graças e celebrações festivas. A frase
diante de ti refere-se ao fato de que as primícias da cei­
fa foram apresentadas no Templo com um culto de lou­
vor e gratidão a Deus, Deut. 12:7; 14:22-26. Como se
regozijam na repartição dos despojos da guerra (Cp.
33:23; Juí. 5:30; Sal. 119:162).
4. Porque o jugo da sua carga,
e a vara para o seu ombro,
e o cetro do seu opressor,
tu quebraste como no dia de Midiã.

5. Pois tôda bota do guerreiro no tumulto,


e tôda veste revolvida em sangue,
será para queimadura,
combustível para o fogo.
Os versículos 4 e 5 descrevem a destruição do poder
do opressor e o término da guerra. É difícil representar
a linguagem poética do hebraico na tradução dêstes ver­
sos. O verso 4 descreve o regime opressivo que o povo
de Israel e Judá estava experimentando. As duas frases,
0 jugo da sua carga e a vara) para o seu ombro, prova­
velmente descrevem os arreios ou o aparelho antigo dos
bois. É, certamente, uma figura de opressão, como em
1 Reis 12:4. O cetro ou a vara do opressor era um bor­
dão pesado, uma arma perigosa (Êx. 21:20). A frase
indica a opressão e o castigo daqueles que se achavam
lia servidão. No dia de Midiã refere-se à vitória de Gi-
deâó e dos seus 300 homens corajosos, com o auxílio do
Senhor, na batalha contra os midianitas, que por alguns
anos tinham invadido a terra dos hebreus e levado pro­
dutos do seu trabalho, logo que foram ceifados.
Tôda bota do guerreiro no tumulto e tôda veste re­
volvida em sangue, e os aparelhos de guerra serão ajun-
tados e completamente queimados, porque não terão
mais utilidade para o povo que vive em paz e alegria.
6. Porque um menino nos nasceu,
um filho se nos deu;
o governo repousará sôbre o seu ombro»
e o seu nome será:
Maravilhoso Conselheiro,
Deus Poderoso,
Pai da Eternidade,
Príncipe da Paz.

..•7. Do incremento do seu govêrno,


e de paz não haverá fim,
. sâbre p trono de Davi
e através do seu reino,
pára o estàbeleoer e o firm ar
mediante a retidão e a justiça,
desde agora e para sempre,
o zêlo do Senhor dos Exércitos fará isto.
0 maior motivo de alegria será o nascimento do
Messias, os maravilhosos atributos da sua Pessoa e o es­
tabelecimento do seu reino de justiça. Porque. Êste é
o mais importante dos muitos porquês, tão profunda­
mente significativos das Escrituras Sagradas, pois ex­
plica a razão das gloriosas vitórias que serão consegui­
das pelo Messias vindouro. Um filho, Emanu El, ser-
nos-á dado. O profeta está falando do grande Libertador
que o próprio Deus nos dará.
Êste filho não terá um nome que será para um si­
nal, como os nomes dos filhos de Isaías. 0 nome dêle
descreve os atributos divinos da sua Pessoa, e os carac­
terísticos do seu ministério de amor e justiça. O profeta
Isaías fala freqüentemente dos conflitos, do pecado, das
trevas, das calamidades, dos sítios e do sofrimento do
povo infiel. Mas o Deus Santo e Justo lhe deu também
uma gloriosa visão do reino ideal do Messias vindouro.
Nesta grande hora da inspiração divina, o Senhor lhe
deu um nôvo entendimento do reino ideal do Messias
vindouro, e do propósito de Deus no govêrno do seu
povo. Assim, o homem de Deus viu a grande luz que
algum dia havia de brilhar nas trevas da Galiléia, e en­
tendeu a suprema alegria que havia de encher o espí
rito do povo na submissão à vontade e ao govêrno do
Verdadeiro Ungido do Senhor.
O govêrno repousará sôbre o seu ombro. Esta pa­
lavra m tP tí, traduzida govêrno, encontra-se somente
aqui e no verso seguinte. Talvez se derive da palavra
T » *

"ity , Príncipe e se refira ao principado do Rei Messiâni­


co. Enquanto a forma perfeita dos verbos descreve atos
completos, ou eventos já realizados, o profeta aqui des­
creve os eventos que tinha visto na visão como já reali­
zados, mas que acontecerão em algum tempo na história
futura. Êste uso da forma perfeita do verbo é chamado
o perfeito profético. Há, porém, várias opiniões a res­
peito do tempo e da natureza do cumprimento desta vi­
são profética fora do ponto de vista do Nôvo Testamen­
to, Mat. 4:16.
0 nome do Messias apresenta-se em quatro partes,
ou numa série de títulos de honra que descrevem o seu
caráter como Príncipe, e os característicos divinos exem­
plificados no seu govêrno. Maravilhoso Conselheiro é
geralmente reconhecido como um nome ou título, e não
dois. Êle governará com sabedoria infalível, e guiará o
povo no caminho reto, e não fará escolhas falsas e fu­
nestas, como fêz o rei Acaz (Cp. 7:12; II Reis 16:7-9).
Como Deus poderoso, êle reinará sôbre o seu povo, não
com as armas de guerra, mas com o poder do carinho e
da justiça divina. Como Pai da Eternidade, êle orientará a
nação com paternal amor, cuidando de seus súditos como
se lhe fôssem filhos. Como Príncipe da Paz, a sua ad­
ministração será pacífica, e conseguirá a paz e o bem-
estar espiritual dos seus súditos.
Enquanto êstes títulos de honra atribuem podêres
sobre-humanos ao Messias, êle não se apresenta como
Deus na carne, mas como o rei ideal, descendente de
Davi, que governará a nação com justiça e amor, e esta­
belecerá a paz permanente entre o seu povo (Cp. 11:
2-8; Miq. 5:4; Zac. 12:8). O título Pai da Eternidade
significa que o Ungido do Senhor sempre governará
como o pai do seu povo. O Príncipe da Paz dará ao seu
povo as bênçãos de paz e prosperidade (Cp. 11:2-4;
Miq. 5:5; Zac. 9:10).
O verso 7 descreve a extensão e a firmeza do rei­
no messiânimo. Do incremento, Í"I3*1D^ em vez de
•• i “ s

do seu govêrno e de paz não haverá fim. A


govêrno de príncipe. Sôbre o trono de Davi indica cla­
ramente um reino político-religioso, que será estabelecido
e firmado mediante a retidão e a justiça. O zêlo do Se­
nhor dos Exércitos fará isto. Assim, êste reino ideal do
Ungido do Senhor será finalmente realizado pelo zêlo de
Javé, que no seu cuidado e no seu amor orientará e aben­
çoará o seu povo. Esta grande visão profética foi cum­
prida na Pessoa de Jesus Cristo muito além da esperança
do profeta Isaías.
D. O Julgamento de Efraim como Lição para Judá,
9:8-10:4
8. O Senhor enviou uma palavra contra Jacã,
e ela caiu em Israel;

9. e todo êste povo saberá,


Efraim e os moradores de Samaria,
que em soberba e altivez de coração dizem :
10. Os tijolos caíram,
mas edificaremos com pedras lavradas;
cortaram-se os sicômoros,
mas por cedros os substituiremos.

11. Portanto, o Senhor suscita contra êles adversários,


e instiga os seus inimigos.

12. Do oriente os siros, do ocidente os filisteus,


devoram a israel à bôca escancarada.
Com tudo isto não se aparta a sua ira,
mas ainda está estendida a sua mão.

A esta descrição do julgamento de Efraim deve-se li­


gar a passagem 5:25-30, que trata do mesmo assunto, com
a repetição das palavras de 5:25b em 9:12, 17, 21 e 10:4.
Os vários desastres de Israel serão completados com a
destruição completa do seu reino.
0 Senhor enviou uma palavra, uma revelação ao
profeta, que caiu sôbre Jacó ou Israel, como o ressoar de
trovão, mas na sua soberba e altivez de coração, o povo
declara que, não obstante a destruição que está sofrendo
dos inimigos, edificaremos com pedras lavradas em lugar
dos tijolos que caíram, e com cedros em lugar dos sicô-
moros que foram cortados. É difícil determinar quando
surgiu esta esperança de Israel, mas talvez logo depois da
morte de Tiglate-Pileser; nem se sabe quando foi procla­
mada esta mensagem do profeta.
Portanto, o Senhor suscita contra êles adversários.
Alguns textos têm os adversários de Rezim, 'IS > e
• I ** T

outros têm príncipes de Rezim, jT] v"ifcy, mas é geral-


mente reconhecido que estas frases são glosas, e não per-
• I T

lenceirí ao texto original. A versão grega tem adversários


de Sião.
Os siros e os filisteus devoram a Israel à bôca escan­
carada. Não se encontra qualquer referência de ativida­
des militares dos siros e dos filisteus contra Israel nessa
época, mas eram inimigos tradicionais de Israel, e prova­
velmente faziam algumas incursões nos limites da terra
de Israel no período instável da política depois da morte
de Jeroboão II. E devoram a Israel à bôca escancarada
é a figura de uma fera voraz.
13. O povo não se voltou para quem o feriu,
nem buscou ao Senhor dos Exércitos.

14 Pelo que o Senhor cortou de Israel a cabeça e a cauda,


a palma e o junco, num mesmo dia.

15. O ancião e o varão de respeito é a cabeça,


e o profeta que ensina mentiras é a cauda;
16. Porque os guias dêste povo são enganadores,
e o$ que por êles são guiados são devorados.
17. Portanto, o Senhor não se regozija com os seus mancebos,
e não se compadece dos seus órfãos e das suas viúvas;
pois todos êles são hipócritas e malfeitores,
e tôda bôca profere doidices.
Com tudo isto não se apartou a sua ira,
mas ainda está estendida a sua mão.

Mas ainda está estendida a sua mão. Esta figura de


Javé, com a mão estendida na ira, repetidas vêzes, é uma
declaração persistente de que Israel será destruída como
nação, porque recusou persistentemente ouvir a mensa­
gem do Senhor, e permaneceu na rebelião contra o seu
Deus.
Esta estrofe, constituída dos versos 13 a 17, explica
que a anarquia e a violência se desenvolveram entre o
povo de Israel como resultado da sua rebelião persistente
contra o seu Deus. O povo não se voltou para quem o
feriu, Am. 4:6, 8, 11; Os. 7:10. Foi o desígnio do Senhor
levar o povo de Israel ao arrependimento pelo castigo de
seus pecados, mas a nação se tornava cada vez mais vio­
lenta nas conspirações políticas e no assassínio de reis (II
Reis 15:10, 14, 25; Os. 7:3-7). A nação se tornou tão cor­
rupta que o julgamento de Deus cortou o varão de res­
peito e o profeta falso, a cabeça e a cauda; o digno e o
indigno, a palma e o junco. É provável que o v. 15 seja
uma interpolação, pois o estilo é diferente, e não explica
corretamente o v. 14.
O v. 16 declara que aquêles que tinham a incumbên­
cia de guiar o povo, dirigiram-no erradamente. Portan­
to, os enganadores serão devorados juntamente com os
enganados.
O v. 17 declara que Israel é condenado e rejeitado,
incluindo até os jovens, os órfãos e as viúvas. Por causa
da corrupção moral e irremediável da nação, o Senhor
Javé retira a sua compaixão, e entrega o povo ao seu pró­
prio destino. O profeta declara neste verso 17 que Is­
rael será condenado e completamente rejeitado, incluin­
do até os jovens, os órfãos e as viúvas. É um caso em
que os inocentes inevitàvelmente sofrem com os cul­
pados .
18. Pois a iniqüidade lavra como um fogo,
ela devora espinheiros e abrolhos;
acende as brenhas do bosque,
e estas sobem em espessas nuvens de fumo.

19. Pela ira de Javé dos Exércitos


a terra está abrasada,
e o povo é pasto de fogo;
ninguém poupa a seu irmão.

20. Devora à direita, e ainda tem fome,


come à esquerda, e não se farta;
cada um come a carne de seu braço.
21. Manasses a Efraim , e Efraim a Manassés,
e êstes, juntos, contra Judá.
Com tudo isto não se apartou a sua ira,
mas ainda está estendida a sua mão.

Nesta estrofe, 18 a 21, descreve-se o fogo' da ira do Se­


nhor. De fato, a passagem fala de dois fogos devastado­
res. Descreve especialmente a paixão consumidora da
iniqüidade do povo que devora os homens como o fogo
do bosque queima os espinheiros e os abrolhos, v. 18.
Fala também do fogo da ira de Deus, e a nação rebelde
é o pasto dêste fogo.
A guerra civil é um nôvo elemento do julgamento
vindouro do Senhor. Israelita luta contra israelita, e
tribo contra tribo, e reis são brutalmente assassinados. A
iniqüidade está destruindo ràpidamente a nação.
A terra está abrasada ou queimada, DFIJ73 • Não se
- I V

encontra esta palavra hebraica em qualquer outro lugar,


e alguns sugerem nyna, entregar-se à selvajaria, mas a
mudança é desnecessária. Cada um come a carne de seu
braço. É possível que os homens loucos de fome pudes­
sem comer a própria carne, mas um texto diz de seu pró­
ximo em vez de seu braço. A palavra próximo concorda
melhor com o verso seguinte.
O verso 21 declara que Manassés e Efraim, vizinhos,
estavam lutando um contra o outro, e ao mesmo tempo
as duas tribos faziam guerra a Judá. No período de anar­
quia e confusão, a guerra civil, bem como os inimigos de
fora, estavam devorando o povo do Reino de Israel.
10:1. A i dos que fazem decretos iníquos,
dos que escrevem leis de opressão,
2. para negarem justiça aos pobres,
para arrebatarem o direito aos aflitos do meu povo.
a fim de que viúvas sejam o seu despojo,
e órfãos a sua prêsa.

3. Que fareis no dia do castigo,


na desolação que vem de longe ?
A quem recorrereis para obter socorro,
e onde deixareis a vossa glória ?

4. Nada vos resta senão dobrar-vos entre os prisioneiros,


ou cair entre os mortos.
Com tudo isto a sua ira não se apartou,
mas ainda está estendida a sua mão.

Êstes primeiros versos continuam a discussão do jul­


gamento de Efraim. A matéria desta estrofe não é tão
diferente do assunto das outras, como dizem alguns. Fa­
la-se ainda dos pecados de Efraim, dando-se ênfase espe­
cial à injustiça e à opressão dos indefesos pelas autorida­
des. Os pecados de Israel mencionados na profecia de
Amós são semelhantes quanto à opressão e à injustiça
mencionadas nestes versículos. A frase “os pobres do meu
pdvo” certamente não prova que o profeta estava falando
ao povo de Judá. Os pecados mencionados nesta estrofe
prevaleceram nos dois reinos, Israel e Judá,
Oh que fazem decretos iníquos e escrevem (leis de)
tiiiiTHMÍio, são justamente as autoridades que legalizavam
nh nctiN pecados de roubo e opressão, pelos decretos e do­
cumentos oficiais que preparavam para a sua própria
IHiileçtío. Tão avarentos e insaciáveis eram os homens
iln govêrno que instituíam leis para justificar legalmente
n roubo dos pobres, dos órfãos e das viúvas. O profeta
Amós declara que “os juizes venderam o justo por di­
nheiro, e o necessitado por um par de sapatos”, 2:6.
Que fareis no dia do castigo, na desolação que vem
do longe? Para êstes ladrões hipócritas vem o dia de con-
lus, quando êles, têm que responder ao Juízo Supremo.
Que fareis então? (Cp. Os. 9:5). 0 dia de visitações é
o dia de prestar contas, o dia do castigo inevitável. A
desolação refere-se à invasão de Israel pelos assírios, a
tempestade que vem de longe. A vossa glória talvez se
refira sarcàsticamente aos bens que tinham roubado.
Há problemas difíceis no texto da primeira parte do
verso 4. Alguns pensam que haja uma referência aos
deuses, Beltis, . |
Osíris, •t d k . Mas não há qual-
. . —

quer evidência de que os israelitas adoravam êstes deu­


ses do Egito. Fala-se da tragédia da destruição do Rei­
no de Israel. Não há meio de escapar do dia do ajus­
te de contas. Algumas das vítimas se dobrarão entre os
prisioneiros, enquanto outras cairão mortas, e isto será o
fim desta nação, o resultado da sua infidelidade.
IV. Não Temas a Assíria, 10:5-12:6
é
5. A i da Assíria, a vara da minha ira,
o cetro nas suas mãos a minha fúria!

6. Envio-a contra uma nação profana,


• contra o povo da minha ira lhe dou ordans,
para lhe tomar despojo e arrebatar a prêsa,
•e para os pisar aos pés, como a lama das ruas.
7. Êle, porém, assim não pensa,
e não entende assim o seu coração;
antes intenta consigo mesmo destruir
e desarraigar não poucas nações.

Descreve-se nesta seção as atividades militares do


orgulhoso conquistador, a Assíria. Enquanto esta nação
cruel será usada como vara na mão do Senhor para cas­
tigar o povo infiel de Judá, a discussão em geral dá ênfase
ao fato de que a Assíria é o objeto da ira do Senhor. Êstes
oráculos também explicam o propósito do Senhor como
o Dirigente Supremo da História. O ensino mais impor­
tante a respeito da Assíria é o contraste entre a incum­
bência que ela recebeu, segundo o propósito de Deus, e
a sua própria política ambiciosa de dominar as nações
do mundo com o poder cruel do seu exército militar.
A. A Ameaça Arrogante da Assíria, 10:5-34
A Assíria atribuiu o êxito das suas fôrças militares
à sua própria sabedoria. Não reconheceu qualquer dife­
rença entre o Senhor Javé e os outros deuses do mundo.
A escolha da Assíria como a vara de Deus, para castigar
o povo infiel de Judá, proclama a verdade de que o
Senhor Javé dos Exércitos é o Deus de tôdas as nações
do mundo. A destruição do poder arrogante da Assíria,
que transgrediu a sua comissão providencial, publica o
poder supremo de Deus no govêrno do mundo.
1. A Jactância da Assíria, 10:5-16
Esta é uma das mais notáveis mensagens do profeta.
Como o Deus da História, o Senhor usa a nação arrogante
da Assíria para executar a sentença da justiça pronun­
ciada contra Judá. Enquanto a Assíria é apenas uma
vara na mão do Senhor, ela não sabe nada do propósito
divino nas suas conquistas, tornando-se cada vez mais
arrogante e ambiciosa com as suas vitórias militares, e
sonha com o domínio do mundo. Mas logo que sirva ao
propósito de Deus, ela sofrerá, por sua vez, o castigo da
sua iniqüidade.
É difícil compreender a profunda significação dessa
nova doutrina revolucionária de Isaías. Como é que o
Senhor podia usar a Assíria no desenvolvimento do seu
plano para as nações? Muitos anos depois do tempo de
Isaías, numa crise semelhante, o profeta Habacuque en­
frentou êsse problema, ensinando que essa nação bru­
tal está no controle absoluto do Deus de Israel, e logo
que sirva ao propósito divino, será lançada fora e en­
tregue à destruição.
Ai da Assíria! A palavra 'IH é muito forte, e difícil
de expressar em português, ai! grito de profunda emoção,
vergonha! amaldiçoada! Ai da Assíria, a vara da minha
mão! A vara que o Senhor usou, na sua ira, para castigar
o povo de Judá, é a Assíria. O cetro é sinônimo de vara,
instrumento de punição. Há várias interpretações da frase
nas suas mãos. A RSV corta a frase, e traduz “the staff
of my fury”, a vara da minha fúria. Outra versão: “O
cetro em cuja mão está o instrumento da minha indigna­
ção.” Traduzimos quase que literalmente o hebraico,
que não está bem claro. Corrigindo o hebraico, Procksch
traduz: “A vara da minha ira está na minha m ão.”
Outros entendem, “O assírio é a minha vara, e nas mãos
dêle está a minha fúria.”
Envio-a. Isto significa que a Assíria está no poder
do Senhor, e sujeita completamente à sua direção. Con­
tra uma nação profana, C]2n ,ou hipócrita. A nação pro-
fana pode significar os dois reinos de Efraim e Judá, ou
•• T
apenas Judá, ou qualquer outro reino profano que sofreu
às mãos da Assíria.
A última parte do verso 6 expressa em têrmos de
guerra o sofrimento do seu povo às mãos dos assírios.
Mas os assírios pretendem exterminar muitas nações, sem
qualquer entendimento, ou qualquer consideração do
propósito ou do plano do Senhor. Os assírios orientam-
se, não pela vontade do Senhor, mas pela avareza cruel,
e assim excedem os limites da sua missão.
Todos êstes oráculos a respeito do poderoso conquis­
tador, a Assíria, baseiam-se na fé do profeta na preserva­
ção divina do restante fiel. Foi esta fé que sustentou a
sua nobre coragem quando na crise da invasão de Sena-
queribe.
Êle, porém, assim não pensa. 0 sujeito do verbo é pro-
vàvelmente Senaqueribe, e não a Assíria. Nada sabendo
do propósito de Deus, e não conhecendo cousa alguma
da natureza do Senhor Javé, o assírio se interessava so­
mente nos seus planos de subjugar as nações vizinhas e
dominar o mundo. Seria ridículo para Senaqueribe, por
exemplo, pensar de si mesmo como vara na mão do Se­
nhor, pois êle zombava da fraqueza do deus de Samaria
e de Jerusalém, e apresentou fatos para provar que o
deus de Jerusalém era incapaz de proteger o seu povo
(Cp. 36:4-22). Intoxicado pelo seu poder, Senaqueribe,
como todos os ditadores da História, não se incomodava
com princípios éticos, muito embora o seu poder não lhe
desse o direito de aniquilar ou subjugar as nações mais
fracas.
8. Pois êle diz :
Não são os meus príncipes todos êles reis?

9. Não é Calnó como Carquemis?


Não é Hamate como Arpade?
Não é Samaria como Damasco,
10. Como o meu poder alcançou os reinos dos ídolos,
cujas imagens de escultura eram melhores
do que as de Jerusalém e as de Samaria,

11. não farei a Jerusalém e aos seus ídolos


como fiz a Samaria e aos seus ídolos?

Os versos 8 a 11 apresentam o primeiro discurso ar­


rogante do assírio. Êle se vangloria dos seus generais,
das suas vitórias e dos seus podêres políticos e militares.
Não são os meus príncipes, ou oficiais, todos êles reis?
Muitos dêles eram reis subjugados, ou vassalos (II Reis
25:28). Eram governadores das províncias subjugadas,
e êle se considerava rei dos reis.
Não é Calnó como Carquemis? As seis cidades são
mencionadas na ordem geográfica, do norte para o sul.
Carquemis, no lado direito do Eufrates superior, uma ci­
dade central dos hiteus, foi subjugada várias vêzes pelos
assírios, e finalmente incorporada no Império de Sargão
em 717. Calnó foi capturado por Tiglate-Pileser IV em
738. É mencionado' como Calné em Am. 6:2. Hamate,
cidade célebre da Síria às margens do Rio Orontes, foi
capturada por Sargão em 720, Damasco em 731 e Sama­
ria em 721. Esta seção foi escrita evidentemente depois
de 721.
O argumento dos versículos 10 e 11 é que os muitos
deuses ou ídolos de Hamate, Damasco e Samaria não po­
diam salvar as suas respectivas cidades. Como é então
que Jerusalém pode escapar do poder insuperável da As­
síria ?
12. Quando o Senhor tiver acabado tôda a sua obra no monte
Sião e em Jerusalém, êle castigará a arrogância vaidoaa
do rei da Assíria e a pompa da aua altivez.

13. Porquanto êle diz:


Com o poder da minha mão fiz isto,
e com a minha sabedoria, porque eou entendido;
removi os limites dos povos,
e roubei os seus tesouros;
como valente abati
os que se assentavam em tronos.

14. Achou a minha mão, como um ninho,


as riquezas dos povos;
e como se ajuntam ovos abandonados,
assim eu ajuntei tôda a terra;
e não houve quem movesse asa,
ou abrisse a bôca ou piasse.
15. Gloriar-se-á o machado contra o que corta com êle,
ou se magnificará a serra contra o que a maneja?
Seria como se o bordão brandisse ao que o levanta,
ou a vara levantasse o que não é pau!

16. Pelo que o Senhor, o Senhor dos Exércitos,


enviará o definhamento entre os seus fortes guerreiros,
e debaixo da sua glória se acenderá uma queima,
como a queima de fogo.

Depois de punir o orgulho e a arrogância de Judá


(Cp. 9:9-12; 10:6), o Senhor castigará o orgulho e a ar­
rogância da Assíria (v. 12). Havendo completado a sua
obra no monte Sião e em Jerusalém, usando os assírios
neste projeto, então o Senhor castigará a jactância vaido­
sa do rei da Assíria e a pompa da sua altivez. O hebraico
diz, visitarei o fruto do arrogante coração.
Os versos 13 e 14 apresentam mais uma arrogante
declaração do rei da Assíria, na glorificação própria das
vitórias do seu poder invencível. Parece a continuação do
discurso de 8 a 11 , interrompido com o verso 1 2 .
Com o poder da minha mão fiz isto. É o rei da As­
síria, Senaqueribe, quem fala, e êste verso reflete a arro­
gância do seu espírito. Fala não somente com o louvor
das suas vitórias, mas com o sentido da sua eficiência
própria, como se fôsse supremo em sabedoria, entendi­
mento e poder. Removi os limites dos povos. Parece que
o Impérip Assírio; era o primeiro conquistador que prati­
cou a política de obliterar distinções nacionais, ou pela
união de certas nações sob uma só administração, ou pela
deportação de populações dos países conquistados.
A magnífica figura do verso 14 explica como o for­
midável exército da Assíria produzia terror e pânico nos
povos das terras invadidas. Conta como o exército de­
vastou os países conquistados, roubando à vontade as suas
riquezas, sem qualquer oposição. Ajuntou os ovos aban­
donados, e não houve, da parte dos governadores, quem
movesse asa, ou abrisse a bôca ou piasse. Ajuntei tôda a
terra, e não houve quem abrisse a bôca. Os habitantes
ficaram aterrorizados, e não podiam fazer cousa alguma
em sua defesa.
Mas o profeta Isaías, confiando no govêrno divino do
mundo, reconheceu a tolice da exaltação própria da As­
síria (Cp. 45:9, 10; 64:8; Jer. 18:6). Já tinha declarado
que a Assíria era apenas uma vara na mão do Senhor. A
jactância de Senaqueribe é tão lúdrica como se o macha­
do ou a serra se gloriassem contra o homem que os usa
no seu serviço; tão ridícula como se o bordão brandisse a
pessoa que o levanta, ou a vara levantasse o homem que
não é pau. O general Senaqueribe, vitorioso na campa­
nha militar de conquista, fala ,com gabolice pretensiosa,
como se fosse senhor do mundo, com a força e capacidade
de estabelecer o seu próprio destino.
O verso 16 apresenta o ponto de vista do profeta
sôbre o futuro da Assíria e o seu poderio militar. O poder
do exército da Assíria, com o seu pomposo general, será
destruído pelo Senhor dos Exércitos. Usam-se duas fi­
guras pará descrever o castigo da insolência e do orgu­
lho do conquistador que se enfatuava perante os venci­
dos, na citação das suas vitórias e a pilhagem do seu exér­
cito. O Senhor enviará definhamento entre òs seus for­
tes guerreiros. Alguns traduzem, enviará magreza entre
gradualmente e constantemente enfraquece o doente, en­
tre os , fortes ou vigorosos. Debaixo da sua glória
se acenderá uma queima provàvelmente significa que a
T I •

honra e a glória que Senaqueribe atribuiu a si mesmo se


desvanecerão como se fôssem queimadas pelo fogo.
2. A Labareda do Senhor Consumirá as Florestas da
Assíria, 10:17-19
17. A luz de Israel virá a ser um fogo
e o seu Santo uma labareda,
e queimará e devorará
os seus espinhos e os seus abrolhos, num só dia.
18. A glória da sua floresta e do seu campo fértil
o Senhor consumirá, desde a alma até ao corpo;
e será como quando um doente se definha.
19. E o resto das árvores da sua floresta será tão pouco
que um menino pode escrever o número delas.

O poder da Assíria será destruído. Não se entende


como The Interpreter’s Bible, contrário a todos os outros
comentários, atribui a destruição mencionada nestes ver­
sículos à terra do povo de.Israel. A luz de Israel, e não
o resto das árvores, é a chave da interpretação desta pas­
sagem. Javé é a luz de Israel. Deus é fogo (Deut. 9:3) e
luz (Sal. 27:1). Deus é santo, tí^np, e luz, 11$ .Como
a luz de Israel, Javé iluminará o caminho pelo qual o seu
T

povo deve andar (2:5); é também fogo destruidor que


consumirá os assírios, inimigos de Israel. Os soldados do
magnífico exército de Senaqueribe são espinhos e abro­
lhos que o fogo da ira do Senhor devorará num só dia.
A glória da sua floresta. Aqui o exército assírio é
comparado com uma linda floresta de muitas árvores.
Como a floresta é rapidamente destruída pelo fogo, assim
o magnífico exército da Assíria será destruído pelo fogo
divino. Se espinhos e abrolhos se referem aos soldados
rasos, então a glória da floresta talvez indique os prín­
cipes e os nobres, os oficiais majestosos da floresta.
Seu campo fértil, . Carmelo é o nome do mon-
te fértil no Mediterrâneo, entre a planície de Sarom ao
v « -

sul e Esdraelom ao norte. A palavra aqui se refere ao


exército de Senaqueribe em harmonia com a figura do
v. 17. O Senhor consumirá, desde a alma até ao corpo.
O Senhor não faz parte do texto, mas é claramente êle o
destruidor do exército de Senaqueribe. A destruição desde
a alma até ao corpo é completa. E será como quando um
doente se definha. O texto DD'3 D Dfô é difícil. A Septua-
ginta traduz: “E êle fugirá como aquêle que escapa do
•• i

fogo.” A Vulgata: “E êle fugirá de puro mêdo” (Cp.


Êx. 16:21; Sal. 68:2).
O resto das árvores continua a figura do exército de
Senaqueribe como floresta, e refere-se aos poucos que es­
caparam ao desastre de 37:36, 37.
3. Um Restante de Israel e Judá Voltará ao Senhor,
10:20-23
20. Acontecerá naquele dia que o restante de Israel e oa aobre-
viventes da casa de Jacó não se estribarão mais naquela que
os feriu, mas se estribarão no Senhor, o Santo de larael, em
verdade.

21. Um restante voltará; sim, o restante de Jacó, ao Deua po­


deroso.

22. Pois ainda que o teu povo, ó Israel, seja como a areia do mar,
só um restante dêle voltará; deatruigão está determinada,
transbordante de justiça.

23. Porque o Senhor, o Senhor dos Exércitos, executará uma des­


truição completa, já decretada, no meio de tôda a terra.
Acontecerá naquele dia. O julgamento do poderoso
exército de Senaqueribe demonstrou para muitos dos ju­
deus a futilidade de depender de alianças políticas, sem­
pre denunciadas pelos profetas. A Assíria tinha violado
a aliança feita com Acaz (II Reis 16:7-9). Várias vêzes
as nações de Israel e Judá confiaram fütilmente no socor­
ro de um aliado. Assim, a política de alianças destas pe­
quenas nações resultou finalmente na destruição do Rei­
no de Israel, e em vários desastres na vida nacional de
Judá.
O restante de Israel é uma das doutrinas fundamen­
tais do profeta Isaías, desde o princípio do seu ministé­
rio, indicado pelo nome do seu filho, Sear-Jasube, ou Res­
tante-Voltará. Alguns perguntam: Êste nome significa
uma ameaça ou uma promessa? É perfeitamente claro
que a palavra, em si, significa somente uma promessa,
mas uma promessa no fundo histórico da infidelidade da
grande maioria do povo dos dois reinos.
O restante de Israel e os escapados da casa de Jacó
não se estribarão mais naquele que os feriu, íJlStí • O
assírio cruel é traidor e transgressor de alianças, de acor­
do com as suas ambições políticas, e sem escrúpulo. Deus
Poderoso, • Êste é o título do Messias em 9:6,
mas aqui se refere a Javé, o Senhor Deus que destruiu o
poder do exército de Senaqueribe.
Não obstante o povo do concêrto constituir de mul­
tidões, voltará somente o restante dos fiéis. Todos os in­
fiéis sofrerão as conseqüências da sua injustiça e serão
destruídos. Já está decretado que o justo viverá da fé, en­
quanto os infiéis serão destruídos.
4. Sião Será Liberto do Jugo da Assíria, 10:24-27
24. Pelo que, assim diz o Senhor Javé dos Exércitos: Ô, povo
meu, que habitais em Sião, não temas a Assíria, quando te
ferir com a vara, e contra ti levantar o seu bordão à m a­
neira dos egípcios.

25. Pois daqui a bem pouco ss cumprirá a minha indignação, e


a minha ira se dirigirá à destruição dêles.

26. E o Senhor dos Exércitos suscitará contra êle um flagelo, como


a matança de Midiã junto à rocha de Orebe, e a sua vara
estará sôbre o mar, e êle a levantará como fêz no Egito.

27. Acontecerá naquele dia que a sua carga será tirada do teu
ombro, e o seu jugo será despedaçado do teu pescoço.

Apresenta-se nestes versículos uma mensagem de


consolação para os habitantes de Jerusalém, e a passa­
gem liga-se ao pensamento dos versos 16 a 19. A Assí­
ria ignorava o fato de que era uma vara na mão de Deus,
e ao ela atacar Jerusalém e zombar da sua fraqueza, o
Senhor cancelou a sua comissão.
Não temas, povo meu, que habitais em Sião. Os
habitantes de Jerusalém podiam ficar sossegados. A sua
cidade não será tomada pelos assírios, porque o poder do
seu terrível exército será destruído (14:32; 30:19). Não
obstante a punição dos pecados do seu povo, o Senhor
lhe fala aqui com ternura e compaixão. O mensageiro do
Senhor entende a natureza dessa crise na história do seu
povo. Jerusalém será preservada, e o povo fiel do Se­
nhor cumprirá à sua missão (Cp. II Reis 19:20-34 e Êx.
19:4-6). Não temas, nem quando te ferir com a vara,
nem quando levantar contra ti o seu bordão à maneira
dos egípcios. Não obstante a severidade da opressão, o
povo do Senhor vai experimentar uma grande liberta­
ção^ assim como os pais foram salvos do poder do Egi-
W (Cpv Ê x. 14:10, 21-24) . .... ■. ‘ ;
O verso 25 declara que a indignação do Senhor con­
tra o seu povo se cumprirá dentro em breve, pois o pro­
pósito da sua punição será realizado. Por outro lado, a
sua ira contra os assírios terminará na destruição dêles,
isto é, na destruição do seu poder de capturar a cidade de
Jerusalém e destruir o seu povo.
Esta libertação do poder dos assírios será, não so­
mente como a dos midianitas, mas será semelhante ao
maior livramento que foi o do poder do Egito através do
Mar dos Juncos (Vermelho).
O texto hebraico do v. 27 é complicado e difícil.
Seguimos a RSV, que é simples e clara, e dá o sentido.
- "*3SÜ ^ ’V »jugo das faces de azeite não tem signifi-
cação, e nem por causa da gordura ou unção.
V v •• * •

5. A Aproximação do Invasor, 10:28-32


28. Êle vem chegando a Aiate;
vai passando por Migrom,
e em Micmás lança a sua bagagem.
29. Passam o desfiladeiro,
alojam-se em Geba,
Rama treme,
Gibeá de Saul foge.
30. Levanta a tua voz, ó filha de Galim!
Ouve, ó Laís!
Responde-lhe, ó Anatote!

31. Madmena vai-se fugindo,


os moradores de Gebim fogem para salvar-se.

32. Neste mesmo dia êle parará em Nobe;


agitará o punho
ao monte da filha de Sião,
o outeiro de Jerusalém,

Muitas versões modernas, buscando uma introdu­


ção apropriada do v. 28, seguem Duhm, na tradução da
última parte do v. 27, “Êle sobe de Penê Rimom.”
Mas isto exige uma mudança completa do texto, com a
exceção da palavra sobe, Esta pequena poesia des-
creve, em linguagem emocional e expressiva, a invasão
T T

da Palestina pelo exército da Assíria. Apresenta um re­


trato imaginativo do assalto contra Judá, e especialmen­
te contra a cidade de Jerusalém. Não é a continuação
do assunto dos versos 24-27, mas antes de 5-11, correndo
paralelo com 5:26-30. Os verbos são perfeitos proféticos,
e são mais bem traduzidos pelo presente. Esta é clara­
mente uma predição da marcha de Senaqueribe contra
Jerusalém, e não a descrição do evento que já havia ocor­
rido. Não é uma descrição exata do caminho pelo qual
o exército chegou à Jerusalém, pois Senaqueribe veio da
Filístia, ao sudoeste de Jerusalém. É um exemplo da
profecia de eventos futuros. O mensageiro do Senhor
pode entender o significado de eventos futuros, sem com­
preender necessàriamente os pormenores de tais eventos.
O profeta descreve gràficamente o progresso da in­
vasão, desde Aiate até o outeiro de Jerusalém. Êle ex­
plica especialmente o terror e a lamentação dos habitan­
tes que fugiram diante dos invasores, quando os assírios
se aproximavam. Apresenta-se aqui o contraste entre o
orgulho e a arrogância de Senaqueribe, na sua marcha
pomposa, com a certeza de vitória, com a certeza de que
o Senhor dos Exércitos esmagaria os blasfemadores.
Nem todos os lugares mencionados nesta secção po­
dem ser identificados hoje. Aiate talvez seja a antiga ci­
dade de Ai, três ou quatro quilômetros ao noroeste de
Micmás (Ver Arqueologia Bíblica do autor, p . 192). Mi­
grom, entre Aiate e Micmás, não pode ser identificado
com certeza. Micmás, Mucmás de hoje, é bem conheci­
do como o lugar da grande aventura de Jônatas (I Sam.
14). Ver a Arqueologia do autor, p. 260. Geba, Ramá
e Gibeá ficam mais perto de Jerusalém. 0 lugar de Laís
é desconhecido. Anatote, perto de Jerusalém, é o lugar
do nascimento do profeta Jeremias. Madmena não é
mencionado em qualquer outro lugar. Nobe, uma cida­
de de Benjamim, perto de Jerusalém, é mencionada em
Neem. 11:32 e I Sam. 21:1-6.
Os versos 30 a 32 descrevem o terror dos habitantes
dêstes lugares, no caminho da marcha de Senaqueribe.
Levanta a tua voz com gritos altos, ó filha de Galim!
Ouve, ó Laís. Êstes lugares são desconhecidos. Madmena
dispersa, e os moradores fogem, com a esperança de
salvar-se.
6 . A Humilhação dos Invasores Orgulhosos, 10:33-34
33. Mas eis que o Senhor Javé dos Exércitos
está cortando os ramos com poder terrível;
e aquêles de grande aitura serão derribados,
e os altivos serão abatidos.

34* Cortará com o ferro as brenhas da floresta,


e o Líbano, com as suas árvores majestosas, cairá.

Mas eis que o Senhor. Depois de descrever a marcha


dos assírios contra Jerusalém, com a sua barbaridade e
insolência, o profeta apresenta, nos versos 33 e 34, um
retrato da humilhação do seu poderoso exército, e expli­
ca o livramento miraculoso da cidade de Jerusalém. En­
quanto o profeta dá ênfase aqui ao propósito do Senhor
no cancelamento da incumbência da Assíria, e no castigo
dos seus terríveis pecados, êle explica em vários outros
lugares o grande significado da salvação de Jerusalém do
poder do exército de Senaqueribe. Nem se fala aqui em
apenas o restante fiel, pois outros habitantes da cidade
foram salvos juntamente com aquêles que haviam de
cumprir a missão do povo escolhido, de acôrdo com o
eterno propósito do Senhor Javé dos Exércitos.
B. O Reino Pacífico e Justo do Messias, 11:1-16
Esta profecia messiânica harmoniza perfeitamente
com 7:14 e 9:2-7. A primeira passagem fala do nascimen­
to do Menino Emanu El. A segunda descreve os atribur
tos e o govêrno do Menino Nascido. Os primeiros nove
versos do capítulo 11 tratam do advento e do reino do
Messias. Do tronco de Jessé levantar-se-á o rei perfei­
to. Êle governará com justiça, eqüidade e misericórdia,
e haverá no seu govêrno, com as bênçãos do Senhor, uma
maravilhosa transformação da ordem moral. Um nú­
mero crescente dos teólogos modernos reconhece que esta
passagem messiânica foi escrita pelo profeta Isaías, no
período da infidelidade e idolatria de uma grande parte
do povo de Judá.
Os críticos se contradizem na interpretação das pas­
sagens messiânicas dêsse grande profeta. Todavia, é sig­
nificativo que quase todos êles já abandonaram os seus
argumentos baseados na diferença do estilo literário e da
linguagem destas passagens messiânicas de Isaías.
Um fraco argumento, representado pela The Inter­
preteis Bible, in loco, é que todos os reis eram ungidos
do Senhor, e todos êles, quando ungidos e entronizados,
despertavam novas esperanças de govêrno ideal, ou do
princípio do reino messiânico. Ver a nossa crítica desta
explicação na exegese de 9:2-7.
Um argumento contra a autoria isaiânica desta pas­
sagem, e contra a sua interpretação messiânica, baseia-
se na palavra tronco, . Insistem em que esta palavra
significa que o reino da dinastia de Davi já havia termi­
nado. Portanto, esta passagem foi escrita no período de­
pois da queda do Reino de Judá em 586, e proclamada
depois desta data. Os profetas sempre reconheceram que
o reino messiânico seria estabelecido no futuro, mas nun­
ca especificaram o tempo exato do advento do Messias.
É difícil determinar a data exata dêste oráculo do
profeta. A afinidade com 9:2-7 sugere que talvez fôsse
proclamado no reino de Acaz. O conceito do Rei Mes­
siânico é característico do pensamento de Isaías através
de todo o seu ministério profético.
1. O Rebento de Jessé, 11:1-9
1. Do -tronco de Jessé sairá um rebendo,
e das suas raízes um renôvo.
2. E repousará sôbre Sle o Espírito do Senhor,
o Espírito de sabedoria e de entendimento,
o Espírito de conselho e de fortaleza,
o Espírito de conhecimento e do temor do Senhor.
3. E o seu deleite será no temor do Senhor.
E não julgará segundo a vista dos seus olhos,
nem decidirá segundo o ouvir dos seus ouvidos.

A figura do primeiro verso corresponde ao pensa­


mento de 6:13. Uma nova nação surgirá do reino deca­
dente de Judá, e o Rei Messiânico se levantará da famí­
lia de Davi. Pode haver nesta imagem um contraste com
o verso 34 do cap. 10. Enquanto a floresta da Assíria,
com as suas árvores majestosas, será cortada, o tronco
da dinastia da casa real de Judá brotará e florescerá.
Interessante é a comparação desta passagem com 9:
2-7, não que haja qualquer diferença nas descrições da
Pessoa do Messias e da Idade Messiânica. Na primeira o
profeta fala da grande luz que resplandecerá e despertará
a alegria universal do povo, e 110 fim fala do Menino Ma­
ravilhoso que nascerá para subir ao trono. Nesta passa­
gem o Messias se apresenta, com os seus grandes atribu­
tos, e se descreve então o seu reino de justiça, eqüidade e
misericórdia.
O Espírito de Javé repousará s,ôbre êle. Alguns pen­
sam que o profeta se refere aqui ao Espírito Santo, mas a
doutrina do Espírito Santo se apresenta e se desenvolve
em relação com a Pessoa de Jesus Cristo em o Nôvo Tes­
tamento (João 14:16, 26; 16:13-15). O Espírito do Senhor
significa energia, vitalidade ou a fôrça da vida. As Es­
crituras falam freqüentemente sôbre o efeito da operação
do Espírito do Senhor na vida do homem, no aumento do
seu poder (Êx. 31:3; 35:31), coragem (Juí. 6:34; 11:29;
13:25), sabedoria (Gên. 41:38), poder profético (Is. 6 :6-
13; 61:11; Jer. 1:8-10).
Neste versículo 2, o profeta fala dos poderes sobre­
naturais do Espírito do Senhor na vida e na obra do Mes­
sias. Os seus dons da graça divina, ou carismata, apre­
sentam-se em três pares que descrevem ou analisam o
prisma do “Espírito do Senhor” . Assim, os poderes ou
virtudes do Ungido do Senhor são intelectuais, práticos e
espirituais.
A sabedoria e o entendimento, ou discernimento, são
qualificações fundamentais do juiz ou do governador
(Deut. 1:13; I Reis 3:12); Cp. 9:6. A sabedoria é o poder
de olhar além da aparência das cousas, ver a realidade,
e atentar às cousas “que se não vêem” (II Cor. 4:18). O
Espírito de sabedoria é freqüentemente atribuído a Jesus
em o Nôvo Testamento (I Cor. 1:30; Ef. 1:17; Col. 2:3).
O têrmo rTVS >entendimento ou discernimento, significa o
poder de perceber, distinguir e explicar.
T

O Espírito de conselho, rTCJ?, é o dom de formar as


resoluções apropriadas para conseguir a retidão e a justi­
T **

ça. É também a qualificação de instruir publicamente.


Em 9:6 o Messias é o Maravilhoso Conselheiro. A for-
é o vigor , a energia e o' poder de pôr em
execução as resoluções do éspírito.
T *

O Espírito de conhecimento e do temor do Senhor.


O conhecimento do Senhor é aquêle que nasce da comu­
nhão do amor com Deus. É o conhecimento da santida­
de, da justiça e do amor de Deus, bem como a experiên­
cia da providência, ou do cuidado divino na vida. O te­
mor do Senhor é o têrmo que descreve a piedade dos ho­
mens justos do Velho Testamento. O conceito da religião
do Velho Testamento é o conhecimento e o temor de
Deus. Consultem-se as seguintes passagens sôbre o co­
nhecimento e o temor do Senhor, Mat. 11:27; João 1:18;
I João 5:20; Jó 28:28; Sal. 19:9; 111:10; Prov. 1:7; 3:13.
O seu deleite será no temor do Senhor, ou Um per­
fume doce para êle é o temor de Javé. O têrmo i n n
significa cheirar com deleite. Mas há dúvidas sôbre o
texto. A Septuaginta diz: Enchê-lo-á o espírito do temor
de Deus. A Siríaca: Êle será resplendente no temor do
Senhor. Possuindo todos os atributos pessoais, e tôdas
as qualificações necessárias para o cumprimento da sua
nobre missão, o Rei Ideal governará o seu povo com
eqüidade, justiça e amor. Em perfeita harmonia espiri­
tual com o Senhor, êle se regozijará na observação do te­
mor do Senhor da parte dos seus súditos.
4. Mas julgará com justiça os pobres,
e decidirá com eqüidade a, favor dos mansos da terra;
e ferirá a terra com a vara de sua bôca,
e com o sôpro dos seus lábios matará o perverso.

5. A justiça será o cinto dos seus lombos,


e a fidelidade o cinto dos seus rins.

Não julgará segundo a vista dos seus olhos. Não


dependerá da evidência dos sentidos físicos, nem da vista
dos olhos, nem'do ouvir dos ouvidos. Êle saberá discer­
nir diretamente a condição moral do espírito dos homens,
e não ficará enganado pelas protestações de fidelidade e
justiça da parte dos infiéis. 0 temor de Dèus é uma
oferta constante de adoração, e a obediência ao Senhor
enriquece a vida com as bênçãos deDeus .
Nota-se uma certa correspondência entre as quali­
dades mencionadas no v. 2 e os característicos do govêr­
no do rei. Julgará com justiça, » os pobres. Esta
palavra justiça é um dos têrmos de profundo sentido
da revelação divina. No sentido absoluto a justiça é um
dos atributos de Deus, e neste sentido pertence somente
a êle. Mas quando o Senhor derrama o seu Espírito sô­
bre os seus servos, êles entendem e amam a justiça
divina, e procuram praticá-la nas suas relações so­
ciais. Mas permanece, em certo sentido, uma luta en­
tre o egoísmo e o amor à justiça, no espírito dos
servos de Deus. No serviço aos pobres e nècessita-
dos, a justiça floresce no amor, na compaixão e na pie­
dade. Nos países orientais, e em várias nações moder­
nas, os recursos materiais e as riquezas da terra estão fir­
memente nas mãos dos ricos, enquanto que os indefesos
sofrem. Nota-se que o profeta reconhece que até no rei­
no ideal ainda haverá opressão, mas declara que tais ca­
sos serão corrigidos sem demora a favor dos mansos da
terra.
E ferirá a terra com a vara da sua bôca. A palavra
terra, n « . talvez fôsse originalmente Y“$ , tirano ou
v V * T

opressor cruel, paralelo com o perverso, J?$") , com a


T T
vara de sua bôca ... com o sôpro dos seus lábios. A vara,
da bôca, é instrumento de castigo, ou de punição
do iníquo (Prov. 10:13; 13:24). A vara é a ordem, o co­
mando de punição, mas é sempre justa e imparcial. Á or­
dem ou a sentença do .Messias leva. consigo o poder de
cumprir-se a si mesma (Cp. Os. 6:5) . Assim, se fala da
operação do “espírito de fortaleza” e do efeito do “Espí­
rito de sabedoria” .
O cinto dos lombos e o cinto dos rins. O cinto era
artigo importante, usado para cingir a roupa folgada do
homem oriental, especialmente quando estivesse em ati­
vidade. Sempre simboliza figuradamente a ação resoluta
e vigorosa. Aqui o cinto simboliza a justiça e a fidelida­
de que descrevem ou caracterizam o govêrno do Messias
(Cp. Ef. 6:14). As peças do vestuário usam-se freqüen­
temente nas Escrituras como figuras das virtudes da ver­
dadeira religião (Jó 29:14; Is. 61:10).
6. O lôbo habitará com o cordeiro,
•e o leopardo se deitará com o cabrito;
o bezerro, o leão nSvo e o animal cevado andarão juntos,
e um menino pequeno os guiará.
7. A vaca e a ursa serão companheiras,
e as suas crias juntas se deitarão;
o leão comerá palha como o boi.
8. A criança de peito brincará sôbre a toca da áspide,
e o já desmamado meterá a mão na cova do basilisco.
9. Não se farão mal nem destruirão
em todo o meu santo monte,
pois a terra se encherá do conhecimento do Senhor,
como as águas cobrem o mar.

Há várias interpretações desta passagem sôbre a har­


monia perfeita entre as criaturas de Deus na futura Idade
Messiânica. Os primeiros expositores cristãos, bem como
Lutero, Calvino e outros, interpretaram simbolicamente
êstes retratos dos animais. Os racionalistas explicaram-
nos literalmente, mas como a representação de um lindo
sonho, ou como aspirações religiosas. Outros seguem o
método alegórico, geralmente desacreditado, dizendo, por
exemplo, que a mudança da natureza dos animais fero­
zes significa a transformação espiritual na natureza brutal
dos homens pelo poder da salvação cristã.
Êste notável poema que descreve a mudança da na­
tureza dos animais braviós é imitado nos oráculos sibi-
linos. E um poeta árabe também fala da época vin­
doura da justiça quando o lôbo faminto se tornará manso.
Não se deve interpretar alegòricamente a descrição,
como se as feras fôssem apenas símbolos da natureza
cruel dos homens. É uma apresentação poética da ver­
dade verificada pela experiência da transformação da
sociedade humana pelo poder de Deus, acompanhada
pela restauração gradual da harmonia na criação divi­
na (Cp. Rom. 8:1,9-22). A linguagem poética adapta-
se melhor do que a prosa para descrever os sentimentos
e as verdades da experiência religiosa. Os animais do­
mésticos apresentam-se, nesta descrição, juntamente com
os bravios, para ilustrar o pensamento principal do es­
tabelecimento da paz entre o homem e os animais (Os.
2:18). Na terceira linha do v. 6 , a versão grega diz “o
bezerro e o leão pastarão juntos” . Animal cevado,
iO Itt , talvez signifique amigos,
• l
. .......

A vaca e a ursa serão companheiras, ou associar-


se-ão, n r jn n n , em vez de rWJHfl > pastarão juntas.
T V T I * T V t «

O contraste mais notável nesta descrição é que o in­


fante brincará com a serpente venenosa. Se o profeta
está pensando na inimizade perpétua que resultou da
primeira tentação, êste é o exemplo mais compreensivo
da restauração do paraíso do Éden. A áspide, traduzida
víbora nos Sal. 58:4 e 91:13, é uma espécie não identi­
ficada. O basilisco geralmente se identifica com a mu-
çurana do norte da África, mas esta serpente não existe
mais na Palestina. A palavra toca é tradução duvidosa
de *in\ . Alguns pensam que significa o brilho do ôlho
da serpente.
Não se farão mal nem destruirão é a tradução cor­
reta do hebraico. É claro que são os animais que não
farão mal, nem destruirão. Em todo o meu santo mon­
te aqui significa não somente em Jerusalém, mas atra­
vés de tôda a terra de Javé (Cp. Is. 14:25; 65:25).
Pois a terra se encherá do conhecimento do Senhor,
na Idade Áurea do Messias. As multidões terão entendi­
mento cada vez mais claro da santidade, da justiça e do
amor do Senhor. Entenderão melhor os propósitos e os
planos do Senhor, e ficarão dispostas a obedecer à sua
vontade. Assim, irão servindo a Deus e cooperando com
êle na extensão do seu reino no mundo (Cp. Mat. 9:35-
38; 28:18-20; Luc. 24:44-4(9 ). Como as águas cobrem o
mar, isto é, a terra no fundo do mar (Hab. 2:14). O pro­
feta está pensando no futuro quando a sua visão será
realizada. A profecia já está cumprida em parte, e vai
se cumprindo gradativamente nesta época missionária
pela pregação do evangelho em quase tôdas as nações
do mundo.
Onde êste Evangelho de Cristo é conhecido, amado
e obedecido, o seu poder transforma a natureza pecami­
nosa dos homens, e posteritírmente da sociedade. Vai
subjugando as paixões dos homens, mudando os seus
sentimentos e produzindo nêles o espírito do amor fra­
ternal. O ambiente cristão abranda a ferocidade nacio­
nal e cultiva o desejo de estabelecer a paz entre as na­
ções do mundo. Não obstante a influência do materia-
lismo e do espírito egoísta da civilização moderna, o po­
der de Cristo está operando no círculo da família, em
tôdas as esferas da sociedade, e até nas relações inter­
nacionais, de acôrdo com esta grande visão do mensa­
geiro de Deus.
2. O Messias e a Nova Glória de Israel, 11:10-16
10. Naquele dia recorrerão as nações à raiz de Jessé que está
posta por estandarte dos povos; e o lugar do seu repouso
será glorioso.
11. Naquele dia o Senhor tornará a estender a mão para adquirir
o restante do seu povo, que fôr deixado da Assíria, do Egito,
de Patros, de Etiópia, de Elã, de Sinear, de Hamate e das
terras do mar.

Esta seção segue logicamente os versos 1 a 9, mas


alguns críticos pensam que seja composta de vários
fragmentos, escritos depois do tempo de Isaías, e origi­
nalmente separados, mas o assunto está em perfeita har­
monia com os ensinos messiânicos de Isaías. O escritor
trata da poderosa influência da verdadeira religião de
Israel sôbre as nações do mundo, mas fala em particular
da restauração do restante de Israel e Judá, e do seu
ajuntamento na sua própria terra. A passagem é seme­
lhante à de 2:2-4.
A significação da frase naquele dia é sempre indefi­
nida, quanto ao tempo exato no futuro. A palavra dia
em tais passagens significa uma época, ou um período
indefinido de tempo, e não um dia de 24 horas. A res­
tauração dos israelitas exilados é um tema predileto dos
profetas, nos vários períodos da sua história (Os. 3:5,
11:11; Am. 9:12; Ob. 21; Miq. 5:4, 7:12; Joel 2:28-32;
Sof. 2:4-11; Jer. 3:18, 31:8-9; Zac. 9:1-7, 9-10, 10:6-7;
10:10, 11). A Pessoa do Messias é a figura central dês-
tes versículos 10 a 16 de Is. 11.
As palavras a raiz de Jessé chegaram a significar
um título do Messias vindouro (Cp. 53:2; Apoc. 5:5).
A raiz,^*| W , sobreviveu a muito sofrimento, sempre
despertando interesse e curiosidade a respeito da sua du­
ração permanente. Esta Raiz está posta, ou melhor,
vai ficando de pé, “Ift y , como insígna ou estan­
darte que desperta a esperança dos desterrados, e os atrai
ao grande ajuntamento com o seu povo, ricamente aben­
çoado pelo Senhor, na sua terra amada. Pois o lugar do
seu repouso será glorioso.
O verso 11 fala da restauração dos desterrados de
Israel e Judá das várias terras onde ficaram espalhados.
O Senhor estenderá a sua mão para adquirir ou possuir
o seu povo. Não há dúvida nenhuma de que judeus de
Israel e Judá foram espalhados nestes vários países men­
cionados, no tempo de Isaías. Desde o tempo de Salomão,
o Egito ofereceu asilo aos adversários políticos da Pa­
lestina (Cp. I Reis 11:14-40). Os assírios deporta­
ram muitos judeus ,e os espalharam pelas terras do seu
Império.
12. Levantará uma insignia para as nações,
e ajuntará os desterrados de Israel,
e recolherá os dispersos de Judá
desde os quatro confins da terra.

13. Afastar-se-á a inveja de Efraim ,


e os adversários de Judá serão eliminados;
Efraim não invejará a Judá,
e Judá não perseguirá a Efraim.

14. Antes cairão para sôbre os ombros dos filisteus ao Ocidanter


juntos despojarão os filhos do Oriente;
contra Edom e Moabe lançarão as suas mãos,
e os amonitas lhes serão sujeitos.

Êstes versículos descrevem a vitória e a felicidade


da vida dos homens que voltam do cativeiro para as ter­
ras de Israel e Judá. Levantará uma insígnia para as
nações. Alguns comentaristas pensam que a insígnia
aqui significa o Messias, como no versículo 10. Outros
julgam que tenha o sentido de bandeira ou estandarte
das várias companhias na volta para a sua terra (Cp.
49:22).
Ajuntará os desterrados de Israel, e recolherá as
dispersas H15ÍS3
\ ■de Judá. Esta forma feminina chama
a atenção ao fato de que as mulheres dispersas voltaram
com os homens, desde os confins da terra.
Na Idade Messiânica não haverá mais hostilidade da
parte de outros países contra Efraim e Judá. Restaura­
dos do cativeiro, não haverá mais inveja entre Efraim
e Judá. Deixarão de disputar entre si, e viverão juntos
em paz e fraternidade (Cp. Os. 1:11; Ez. 37:15-19).
Neste quadro de restauração e paz, o v. 14 aparen­
temente introduz uma nota discordante. Que significam
estas declarações a respeito do Ocidente, do Oriente, de
Edom e Moabe e dos amonitas? Alguns preferem a in­
terpretação literal, e pensam que o profeta, até no pe­
ríodo de paz, declara que Israel e Judá se vingarão dos
inimigos, e os subjugarão à fôrça, segundo o método de
Davi (Cp. I Sam. 11; 14:47; II Sam. 8:3-12). Outros,
considerando o teor das profecias messiânicas do pro­
feta Isaías, pensam que as declarações do v. 14 não sig­
nificariam uma conquista motivada por vingança. Re­
solve-se, portanto, a contradição aparente pelo fato de
que êstes países vizinhos serão conquistados, não pela
fôrça das armas, mas pelo poder espiritual de Israel e
Judá, sob o govêrno do Messias.
15. O Senhor destruirá totalmente a língua do mar do Egito;
e moverá a mão sôbre o rio com o seu vento abrasador,
e, ferindo-o, dividi-lo-á em sete canais,
de sorte que qualquer o atravessará de sandálias.

16. E haverá caminho plano para o restante do seu povo


que fôr deixado da Assiria,
como o houve para Israel
no dia em que subiu da terra do Egito.

Os primeiros dois países mencionados, da diáspora


dos judeus, são a Assíria e o Egito. O Senhor Javé pro­
mete preparar o caminho daqueles que regressarem des­
tas terras. O Senhor destruirá completamente a língua
do mar do Egito. Algumas versões antigas contêm
, secará, que cabe melhor no contexto do que
• Vt V
a n n n , destruirá totalmente. Há opiniões diferentes a
• VI V
respeito da frase a língua do mar do Egito. Alguns di­
zem que significa o Gôlfo de Suez. Outros pensam que
se fala do Mar dos Papiros, ou do Rio Nilo. A palavra
rio, na segunda linha, significa o Nilo, mas em quase to­
dos os outros lugares o têrmo refere-se ao Eufrates. 0
sentido de vento abrasador é de difícil decifração no
contexto, mas faz parte da figura que descreve o mar
sêco. A linguagem do versículo é complicada e difícil,
mas é claro que está falando do livramento miraculoso
do povo de Deus do poder do Egito. Com o movimento
da mão o Senhor dividirá o rio em sete canais, ou divi­
sões, e o povo o atravessará com sandálias sêcas (Cp.
Jos. 15:2, 5; 18:19; Zac. 10:11; Is. 10:32; 19:16).
Haverá caminho plano. Na volta do restante do
povo do Senhor da Assíria, êles não encontrarão quais­
quer obstruções ou dificuldades. O Senhor acompanha­
rá o seu povo e subjugará os seus inimigos, e tudo será,
para os que voltam da Assíria, como houve para Israel
no livramento do poder do Egito.
A palavra restante usa-se em dois sentidos na pro­
fecia de Isaías. Significa aqui, como no verso 11, os
judeus dispersos através do mundo. Em outros lugares
o têrmo significa o grupo limitado dos fiéis ao Senhor,
entre os israelitas no período da infidelidade das múlti-
dões. Êste emprêgo da palavra sempre se relaciona com
o Reino Messiânico do futuro. ,
A linguagem destes versos 10 a 16 concorda perfei­
tamente com o estilo de Isaías. Os argumentos de al­
guns críticos, contra a autoria isaiânica (Ja passagem, ba­
seiam-se na premissa falsa. de que o profeta não podia
falar de eventos do futuro remoto. Mas um dos elemen­
tos da grandeza e da glória dos profetas do Velho Tes­
tamento, que -os distingue dos profetas antigos de outros
países, é que êles tratam do progresso do reino eterno de
Deus entre o seu povo. Nota-se, todavia, que são as
verdades eternas do Reino de Deus, e não simplesmente
os pormenores da história que interessam e preocupam
os mensageiros do Senhor. À verdade ou cuiftprimento
desta mensagem foi realizada, em parte, com a liberta­
ção de Jerusalém do poder de Senaqueribe e, em
parte, com a volta dos cativos da Assíria, do Egito
e da Babilônia para a sua terra, a fim de cumprir a sua
nobre missão. Mas ainda está sendo cumprido o ideal de
Isaías no progresso do Reino de Cristo no mundo.
C. O Culto de Louvor pela Restauração de Israel, 12:1-6
1. Dirás naquele dia:
Graças te dou, ó Senhor,
pois ainda que te iraste contra mim,
a tua ira se retirou, e tu me consolas.

2. Eis que Deus é a minha salvação;


confiarei e não temerei;
porque o Senhor Deus é a minha fôrça e o meu cântico;
êle se tornou a minha salvação.

Êste capítulo 12 é uma conclusão poética da primei­


ra grande divisão do livro de Isaías. Muitos críticos mo­
dernos pensam que o cântico não foi escrito por Isaías.
Dizem que as afinidades literárias do cântico com o de
Moisés, e com os Salmos, não concordam com a profecia
de Isaías. Argumentam também que a poesia reflete o
período histórico depois do cativeiro babilônico. Não se
pode negar a fôrça dêstes argumentos, mas não provam
absolutamente que o estilo literário e o teor do pensa­
mento da poesia negam a autoria isaiâmca do cântico.
É uma conclusão apropriada das mensagens dos primei­
ros onze capítulos, e especialmente de 11:1-10. Expres­
sa com fôrça e clareza a esperança do profeta de que
Israel, apesar da sua infidelidade como nação, tem um
grupo dos fiéis ao Santo de Israel que cumprirá a sua
missão messiânica. O Senhor havia punido e disciplina­
do o seu povo por causa dos seus pecados. Espalhados
em lugares distantes da pátria, êles se arrependeram dos
seus pecados, e o Senhor, no seu amor imutável, demons­
tra que êle é o seu Deus e o seu Salvador.
O cântico apresenta-se em duas porções. Os versos
1 a 3 expressam a gratidão individual, talvez da assem­
bléia congregada no culto. Os versos 4 a 6, no plural,
falam da gratidão ao Senhor, e da proclamação das suas
grandes obras em tôda a terra. A introdução ao primei­
ro e ao quarto versículos é semelhante à fórmula intro­
dutória de 25:9 e 27:2.
Alguns pensam que êste cântico continua a visão de
10:5. Havendo falado do livramento de Jerusalém do
poder do exército de Senaqueribe, e olhando para o fu­
turo, o profeta contemplava o reino messiânico, quan­
do a nova redenção que êle ardentemente esperava se­
ria celebrada com o nôvo cântico de louvor e gratidão
ao Senhor (Cp. 42:10; Apoc. 5:9).
Graças te dou. Os versos 1 a 3 descrevem a grati­
dão do povo depois de um período de sofrimento por
causa dos seus pecados, e da infidelidade para com o
seu Deus. A ira **• T
de Deus aqui representa a opera-
ção da justiça divina na vida de Israel. Êste é o único
lugar onde se encontra esta palavra nas profecias. Mas
aqui, como sempre é o caso, a consolação toma o lugar
da ira divina na condição de arrependimento. De fato,
a ira do Senhor é simplesmente uma manifestação da
sua justiça. Para uma nação, ou para uma pessoa, re­
dimida pela graça divina, a sua gratidão e o seu louvOr
ao Senhor é o reconhecimento, embora imperfeito, do
amor imutável do seu Salvador.
Eis que Deus é a minha salvação. Deus é o autor,
a fonte, o poder da minha salvação. A salvação do povo
não foi devida à intervenção de sacerdotes, nem ao sa­
crifício de animais no altar do Senhor, nem a qualquer
poder humano ou angélico, mas somente ao dom do
amor de Deus (Os. 6:1-3; Jó 5:18). Não temerei. Esta
palavra"inS significa ter mêdo, trem er. Sendo' Deus a
fôrça do seu povo, êste não terá mêdo do poder dos ini­
- T

migos no mundo. É outra palavra que indica o temor


ou a reverência para com Deus.
O Senhor Deus é a tradução de Jav Javé, ni!T /T,
Jav é o têrmo poético que significa o Senhor, e geralmen­
T

te não se encontra com Javé em outros lugares. Alguns


pensam que se usam as duas palavras aqui e em 26:4
para dar ênfase ao fato de que Javé é o único Deus.
Expressam-se aqui uma alegria genuína e uma gra­
tidão profunda pela misericórdia de Deus na disciplina
e na redenção do seu povo escolhido. O Senhor não ti­
nha rejeitado o seu povo, mas, na sua bondade, êle o
preservou e lhe revelou o seu eterno propósito, como o
seu Salvador.
3. E vós com alegria tirarei* águas da* fontes da salvafio.
4. Direis naquele dia:
Dai graças ao Senhor,
invocai o seu nonve;
tornai conhecidos os seus feitos entre os povos,
proclamai que é excelso o seu nome.

5. Cantai louvores ao Senhor, porque obrou gloriosamente;


saiba-se isto em tôda a terra.

6. Exulta « canta com alegria, 6 habitante de 8ião,


porque grande é o Santo de Israel no meio da tl.

O verso 3 contém uma promessa que liga os dois


cânticos da poesia. Nos versos 3 a 6 o povo canta com
alegria, tirando águas das fontes da salvação. A lingua­
gem é figurada, mas o sentido é claro. É preciosa qual­
quer fonte de água boa na Palestina, e nas Escrituras é
o emblema daquilo que sustenta, refresca e produz ale­
gria no espírito do homem sequioso e cansado. Assim,
o povo vai se regozijando com as fontes da graça reden­
tora que o Senhor, na sua misericórdia, lhe oferece.
Dai graças ao Senhor. Êste é um hino de profun­
da gratidão a Deus, pelas suas grandes obras, e de lou­
vor ao seu excelso nome. A palavra invocai usa-se aqui
no sentido de pedir o auxílio de Deus na proclamação
da sua grandeza. Delitzsch e outros traduzem a pala­
vra por proclamai. Fazei conhecidas as obras de Deus
entre os povos, todos os grandes eventos históricos efe­
tuados ou conseguidos como resultado da sua providên­
cia ativa na vida do povo da sua escolha.
Cantai ao Senhor (Cp. Êx. 15:21), louvai o seu
nome porque êle operou gloriosamente, não somente na
história do seu povo, mas também nos eventos históri­
cos das outras nações do mundo. Êle é o Governador
de tôda a história humana, e o poeta pede que tudo isto
seja proclamado em tôda a terra.
Exulta e canta em voz alta ^ '*11 ou celebrai
com júbilo, ó habitante de Sião (Cp. Lev. 9:24; Jó
38:7; Sal. 33:1; 51:15). Grande é o Santo de Israel no
meio de ti.
Êste é um hino triunfante de redenção, e expressa
apropriadamente a gratidão e o louvor de todos os re­
midos do Senhor.
V. O Julgamento de Reinos e de Povos, 13:1-23:18
Encontra-se nestes capítulos uma série de profe­
cias contra várias nações: Babilônia, Filístia, Moabe,
Damasco, Etiópia e o Egito. Há também algumas bre­
ves passagens sôbre outros assuntos. 0 título usado em
13:1, com o nome de Isaías, indica que esta seção foi a
primeira parte de uma coleção de passagens que vieram
principalmente da mão de Isaías. Em Jeremias 46-51,
e Ezequiel 25-32, há também profecias contra nações
cuja história se relacionava com as vicissitudes do povo
de Israel.
A. O Destino da Babilônia, 13:1-22
Na última parte do seu ministério profético, Isaías
ficou perturbado com a embaixada que o rei da Babi­
lônia enviou ao rei Ezequias, com presentes e protestos
de amizade, II Reis 20:12-1,9; Is. 39:1-8. 0 profeta tinha
demonstrado a sua superioridade como estadista nas suas
relações com os reis Acaz e Ezequias, e tinha observado
o crescimento rápido da província da Babilônia, no pe­
ríodo do declínio do Império Assírio. Dizem alguns co­
mentaristas modernos que Isaías não escreveu, nem po­
dia ter escrito qualquer parte dêsse capítulo 13. e afir­
mam dogmàticamente que esta profecia se originou no
período do cativeiro, depois de 586 a. C. Mas, lendo com
cuidado o capítulo, não se nota quaisquer indicações cer­
tas do ambiente histórico do período do cativeiro nos
versos 2 a 16.
Também não há nada no estilo literário, nem no
ambiente histórico que negue a autoria isaiânica dos ver­
sos 2-16 dêste capítulo. Se o primeiro verso é propria­
mente reconhecido com a introdução dêsse conjunto de
profecias, e não meramente dêsse capítulo, não há qual­
quer referência nos versos 2-16 a Babilônia. Nos versos
5 â 11 O julgamento divino alcançará tôda a terra (Cp.
18:3). O profeta descreve, em têrmos pitorescos, o jul­
gamento terrível que cairá sôbre as nações da terra no
grande dia do Senhor que está perto.
A descrição das convulsões da natureza aparece fre­
qüentemente, mais tarde, em várias profecias, mas é
claro de Amós 8:9 que êste característico de julgamen­
to divino era bem conhecido no tempo de Isaías. Não há
qualquer argumento definitivo nos versos 2 a 16 para
provar que o profeta Isaías não escreveu esta profecia.
1. O oráculo concernente a Babilônia, que viu Isaías, filho de
Amoz.

2. Alçai um sinal sôbre o monte escalvado,


levantai a voz para êles;
acenai-lhes com a mão, para que entrem
pelas portas dos nobres,

3. Eu mesmo dei ordens aos meus consagrados,


chamei os meus valentes para executarem a minha ira,
os meus exultantes orgulhosos.

Êste capítulo 13 é o princípio de uma nova divisão


do livro de Isaías. Apresenta-se nos primeiros doze ca­
pítulos uma série de profecias concernentes aos judeus,
o povo escolhido. Esta segunda divisão consta de pro­
fecias sôbre nações que se relacionavam com a história
e as vicissitudes do povo de Israel. Alguns pensam que
o título original não citava a Babilônia, e que Isaías era
mencionado como o autor desta coleção de profecias.
Esta palavra é traduzida pêso, carga, sen-
tença, declaração, oráculo, profecia (Cp. II Crôn. 17:11;
T "*

Is. 19:1; 21:11, 13; 22:1; 23:1; 30:6; Jer. 23:33, 34, 38;
Neem. 1:1; Zac. 1:1; 12:1; Mal. 1:1). Em tôdas estas
passagens o lêrmo expressa pensamentos ou sentimentos
solenes com referência à ira ou à calamidade que entris­
tece o espirito do escritor. O oráculo concernente a Ba­
bilônia é a chamada dos valentes do Senhor para exe­
cutarem a sua ira contra esta nação.
Esta é uma linda poesia, no estilo literário de destre­
za e poder, com figuras e têrmos cintilantes e caracte­
rísticos do profeta. Alçai um sinal, uma insígnia ou ban­
deira, em lugar bem visível, no monte escalvado. Levan­
tai a voz para êles; acenai-lhes com a mão. Assim, o
Senhor Javé faz a chamada às suas hostes para se reu­
nirem e estarem preparadas para os grandes eventos
iminentes. Chama os seus consagrados, os seus valen­
tes, os que exultam com a majestade divina. A guerra
é contra os inimigos do Senhor, e será dirigida com de­
dicação religiosa pelos consagrados ou separados para
esta missão (Cp. I Sam. 13:9; Jer. 22:7; 51:28; Joel
3:9).
Os meus exultantes orgulhosos. Êles ficam encan­
tados com a vitória e se regozijam no seu orgulho (Cp.
Sof. 3:11). A palavra , exultante ou jubilante é
usada freqüentemente por Isaías (22:2; 23:7; 24:8;
32:13).
4. Eis um tumulto nas montanhas
como o de muito povol
Eis o clamor de reinos,
de nações congregadas!
O Senhor dos Exércitos passa em revista
as tropas da guerra.
5. Vêm de uma terra distante,
desde a extremidade dos céus,
o Senhor e os instrumentos da sua indignação,
para destruir tôda a terra.
6. Uivai, pois está perto o dia do Senhor;
vem do Todo-poderoso como assolação!
7. Pelo que tôdas as mãos se tornarão frouxas,
« o coração de iodos os homens se derreterá,
8. e ficarão assombrados.
Apoderar-se-ão dêles dores e ais,
e se angustiarão como a mulher parturiente.
Olharão atônitos uns para os outros;
os seus rostos se tornarão rostos flamejante*.
Os versos 4 a 5 descrevem gràficamente o ajunta­
mento dos povos para a guerra. Ouve-se de longe o es­
trondo das tropas que se congregam para a batalha.
Esta grande multidão vem de longe, desde a extremida­
de dos céus, e se ajunta ao redor do estandarte alçado
no monte. As hostes do Senhor se compõem de reinos
e nações congregadas. É o Senhor quem põe em ordem
militar estas tropas que ardentemente desejam entrar
no conflito para destruir tôda a terra. É o dia do Se­
nhor.
A terceira estrofe, 6 a 8, descreve o desânimo e a
angústia, a dor e o terror da destruição. Esta grande as-
solação dos iníquos vem da mão do Todo-poderoso,
Tôdas as mãos se tornarão frouxas. Ficarão
aterrorizados, sem coragem, sem esperança, e sem qual­
quer fôrça de resistir ao poder das tropas do Senhor.
O coração de todos os homens se derreterá, e assim não
terão a fôrça de vontade para reagir. Abatidos e angus­
tiados, êles sofrerão as dores terríveis da mulher par-
turiente. Na ansiedade e miséria, êles olharão, em de-
sespêro, uns para os outros. Rostos pálidos normalmen­
te indicam mêdo e apreensão, mas aqui os rostos flame­
jantes indicam a vergonha e a desonra.
Do ponto de vista da Bíblia, Deus é o guia da his­
tória humana, e, neste sentido, o autor da guerra, mas
o homem é sempre responsável pela iniqüidade que, na
sua livre vontade, pratica contra a justiça divina.
9. Eis que o dia do Senhor vem,
cruel, com ira e ardente furor,
para pôr a terra em assolação,
e dela destruir os seus pecadores.
10. Porque as estréias dos céus e as suas constelações
não darão a sua luz;
o sol logo ao nascer se escurecerá,
e a lua não fará resplandecer a sua luz.
11. Castigarei o mundo por causa da sua maidade,
e os perversos por causa da sua iniqüidade;
farei cessar a arrogância dos atrevidos,
e abaterei a soberba dos tiranos.
12. Farei que os homens sejam mais escassos do que o ouro puro,
mais raros do que o ouro de Ofir.

Esta estrofe, 9 a 12, descreve a desolação da terra, e


o castigo do orgulho e da iniqüidade dos homens no dia
do Senhor. Êste versículo indica que o profeta não está
falando, se não indiretamente da Babilônia, neste capí­
tulo. O dia de Javé vem como dia amargamente cruel.
Ü profeta está falando claramente de uma calamidade na
história das nações. Alguns intérpretes insistem em que
o profeta Isaías não podia ter escrito êste capítulo, por­
que se refere ao cativeiro babilônico. O teor do capítulo,
e especialmente a frase o dia do Senhor, não concorda
com essa interpretação. Por isso, querem eliminar, sem
justificação, a palavra Dl*1, o dia de, e ler: o Senhor
vem, cruel, com furor e ira ardente. Mas a palavra cer­
tamente não significa, ou não quer dizer que Deus é
cruel. É o dia de o Senhor, o dia da justiça de Deus que
é sempre cruel para os criminosos e os rebeldes contra
a justiça divina. É verdade que o furor ardente e a ira
expressam indignação intensa que devastará a terra, e
destruirá os seus pecadores.
O verso 10 fala das convulsões das fôrças da natu­
reza física. Se não se deve interpretar literalmente êste
verso, não se pode negar o fato de que o profeta repre­
senta o envolvimento das fôrças da natureza física no
julgamento dos podêres do mal (Cp. Is. 34:4; Ez.
32:7, 8; Joel 2:10; 3:15, 16; Am. 8:9; Apoc. 6:12-14).
Tôda a criação é uma obra coordenada, e as atividades
e os trabalhos do Senhor na terra relacionam-se, ou fi­
cam em perfeita harmonia, com o universo de Deus. A
palavra constelações talvez se refira ao órion.
0 Senhor castigará a arrogância, a perversidade das
nações e humilhará a soberba dos violentos e tiranos
cruéis. Não se pode determinar o local de Ofir.
13. Portanto, farei estremecer os céus;
e a terra será sacudida do seu lugar,
Por causa da ira do Senhor dos Exércitos,
e o dia do seu ardente furor.

14. E como gazela que é perseguida,


ou o rebanho que ninguém recolhe;
cada um voltará para o seu povo,
e cada um fugirá para a sua terra.
15. Quem fôr achado será traspassado;
e quem fôr apanhado cairá à espada.

16. E suas crianças serão despedaçadas


perante os seus olhos;
as suas casas serão saqueadas,
e suas mulheres violadas.

Êstes versos descrevem as conseqüências terríveis


da ira divina no dia do Senhor. Deus fará estremecer
os céus e sacudirá a terra do seu lugar. Esta lingua­
gem não é simplesmente figurada, e nem absolutamente
literal. É linguagem poética e poderosa, característica
do profeta Isaías, na exposição da ira do Senhor dos
Exércitos contra as fôrças do mal que lutam contra a
operação da justiça divina no universo. Tais represen­
tações do dia do Senhor apresentam-se freqüentemente
nas Escrituras, e se aplicam não somente a Israel e Judá,
mas a todos os povos do mundo (Is. 18:3; 30-32; Am.
8:9; Sof. 1:14-18; Hab. 3:6, 10). Êstes versículos des­
crevem, em linguagem sublime, os efeitos da ira de Deus
na vida de povos e nações. A própria terra ficará espan­
tada com a manifestação da ira do Senhor, e os povos
aterrorizados fugirão para a sua terra.
A linguagem poética não é sempre lógica. É claro,
pois, que alguns dos pais viram as suas crianças despe­
daçadas, as suas casas saqueadas e as suas mulheres
violadas perante os seus olhos, antes de serem traspas-
sados, e antes de caírem à espada. Quem fôr achado,
>será traspassado, e quem fôr apanhado, nSDjH
cairá à espada. Os injustos não podem fugir ou
evitar o seu terrível destino. Não aceitam qualquer sen­
tido de responsabilidade pela ruína (Naurn. 28), e sem
qualquer sentimento' de simpatia para com os sofrimen­
tos de outros, êles fogem como gazela perseguida.
Não obstante o primeiro versículo, esta seção 2 a 16
não trata especificamente, nem particularmente, da Ba­
bilônia, mas trata dos resultados gerais do dia do Senhor.
Portanto, não há qualquer argumento definitivo para
negar que êstes versículos fôssem escritos pelo profeta
Isaías.
17. Eis que estou despertando contra êles os medos,
que não fazem caso de prata,
nem tampouco desejam ouro. I

18. Os seus arcos matarão os jovens;


não se compadecerão do fruto do ventre;
os seus olhos não têm compaixão das crianças.

19. E Babilônia, glória dos reinos,


esplendor e orgulho dos caldeus,
será como Sodoma e Gomorra,
quando Deus as transtornou.

20. Nunca e jamais será habitada,


ninguém morará nela de geração em geração;
o árabe não armará ali a sua tenda,
nem tampouco os pastores farão ali deitar os seus rebanhos.

21. Porém ali repousarão as feras do deserto,


e as suas casas se encherão de animais uivantes;
ali habitarão as avestruzes,
e os sátiros pularão ali. ! ,
22. Uivarão Hienas nos seus castelos,
e chacais nos seus palácios de prazer;
está prestes a chegar o seu tempo,
e os seus dias não se prolongarão.

Os versos 17 a 22 falam especificamente da destrui*


ção da Babilônia. Quase todos os estudantes modernos
da profecia têm certeza de que os profetas do Yelho
Testamento proferiram, ou apresentaram, as suas men­
sagens proféticas diretamente aos seus contemporâneos.
De acôrdo com êste critério, a mensagem dos versos 17
a 22 foi dirigida aos judeus no cativeiro babilônio, entre
586 e 539, por um mensageiro do Senhor daquela épo­
ca, influenciado notavelmente pelo grande profeta Isaías.
Embora os profetas falassem diretamente ao povo do seu
tempo, as verdades eternas das suas profecias tinham va-
Jor não somente para os seus contemporâneos, mas tam­
bém para tôdas as gerações do futuro.
O reconhecimento de que algumas passagens no livro
de Isaías não foram escritas por êle, certamente não sig­
nifica que tais mensagens não tenham valor. Em verdade
tôdas as profecias ficam mais claras e têm mais valor
quando são reconhecidas as circunstâncias históricas do
mensageiro e da sua mensagem.
Esta seção, 17 a 22, conta a história da destruição da
Babilônia pelos medos. Êste povo ficou sujeito, por mui­
tos anos, ao Império Assírio. Os medos, ‘Hfà , eram alia-
dos dos caldeus, ou neo-babilônios, até o fim do reino de
~ T

Nabucodonosor, em 561. Êles revoltaram-se contra a


Assíria, e ganharam a sua independência na batalha de
Assur, em 614. Sob a direção militar de Ciáxares, cap­
turaram a grande cidade de Nínive, a cidade capital, e o
orgulho dos assírios, no ano de 612. Os medos domina­
ram a pequena nação persa até 549, quando Ciro, o Gran­
de, se estabeleceu como imperador dos medos e persas.
Ciro, um dos grandes estadistas da antigüidade, subjugou
o Império Babilônio em 539, e permitiu que os judeus ca­
tivos voltassem da Babilônia para a sua terra (Cp. Esd.
1:1-2:70).
Eis que estou despertando contra êles os medos. Não
são mencionados aqui os persas. Foram os medos, em
cooperação com os persas, que puseram fim ao Império
Babilônio. Os persas são mencionados pela primeira
vez nas profecias de Ezequiel e Daniel. É provável que
o têrmo madai seja usado aqui no sentido de povo ira­
niano. A declaração de que os medos não fazem caso de
prata e ouro provàvelmente indica que foram animados
por motivos mais altos do que o amor aos despojos de
guerra. É fato, estabelecido pela História, que o nobre
estadista Ciro foi um homem humanitário, que se dirigia
pelo espírito da justiça.
O texto do v. 18 é de difícil interpretação, e talvez
não represente exatamente a linguagem original, mas a
primeira declaração, Os seus arcos matarão os jovens,
é clara, e menciona as armas antigas de guerra . O fruto
do ventre é paralelo a crianças. O tratamento cruel das
crianças (II Reis 8:12; 15:16) representa o espírito desu­
mano de vingança, especialmente no tempo da guerra.
Babilônia, glória dos reinos, esplendor dos caldeus.
Há várias declarações na Bíblia sôbre a grandeza da Ba­
bilônia, a capital e o ornamento de muitas nações: “a
grande Babilônia” (Dan. 4:30); “senhora de reinos” (Is.
47:5); “rico de tesouros” (Jer. 51:13); “a glória de tôda a
terra” (Jer. 51:41) . Como a capital do império poderoso,
a cidade da Babilônia era o ornamento e a glória dos cal­
deus, a cidade mais famosa do mundo antigo. Mas com
tôda a sua grandeza e esplendor, a cidade será completa­
mente destruída como foram aniquiladas Sodoma e Go-
morra. É estudo interessante êste da história da destrui­
ção da Babilônia, que não concorda com os fatos, nos por­
menores, mas descreve maravilhosamente os resultados
da destruição. A Crônica de Nabonido e o Cilindro de
Ciro concordam com a história da entrada do conquista­
dor na Babilônia, sem batalha ou conflito (Ver Arqueo­
logia Bíblica do autor, p. 282 e seg .).
Ciro tomou a Babilônia de surprêsa, preservou a sua
magnificência, e legou a cidade, com o seu esplendor e
poder, ao seu sucessor Dario. Depois da morte de Ciro,
a Babilônia revoltou-se contra o govêrno de Dario, desa­
fiando o poder do Império Persa. O historiador Heródo-
to, 111:153-160, conta em linguagem gráfica a história da
revolta, e a conquista da cidade pelo exército da Pérsia.
Dario destruiu os grandes muros da cidade, e segundo
Heródoto, crucificou 3.000 dos mais nobres dos habitan­
tes. Xerxes, o sucessor de Dario, destruiu os templos da
cidade. A Babilônia foi capturada pela terceira vez por
Alexandre, o Grande. Por outras conquistas subseqüen­
tes, e várias influências prejudiciais, a cidade ia se decli­
nando gradualmente até que se tornou um deserto, sem
habitantes, e onde repousavam apenas as feras, justamente
de acôrdo com as descrições nos versículos 19 a 22.
Nunca e jamais será habitada. Por muitos séculos o
lugar permaneceu como um montão de ruínas para a es­
cavação e o estudo de arqueólogos. Segundo os versículos
20 a 22 a Babilônia será uma desolação perpétua depois da
sua destruição. O árabe não armará ali a sua tenda. A
palavra árabe significava originalmente um habitante do
deserto, mas adquiriu finalmente o sentido de um nome
próprio (Yer Jer. 25:24; II Crôn. 9:14). Os pastores não
entrarão no lugar, e nem deixarão os seus rebanhos re­
pousarem ali.
Há várias palavras de difícil interpretação nestes ver-
siculos. As feras deserto. Esta palavra, da raiz
, secura, aridez, significa feras que vivem em lugares
secos e desoladtís (Cp. 23:18; 34:14; Jer. 50:39). Ani­
mais uivantes ou horríveis, DTI' K • A palavra significa
um animal que solta gritos agudos, mas o sentido exato
da palavra é incerto. Os sátiros Q''“P}?Í£? pularão. O sá­
tiro é geralmente representado como semideus, homem
com pés e pernas de bode. A palavra , uivadores,
talvez signifique aqui hienas. A palavra é traduzida por
ilha® ou terras do mar em 11:11; 41:1. O têrmo O^ri é
traduzido por chacais em Jó 30:29; Sal. 44:19; Miq. 1:8;
Mal. 1:3. Chacais uivarão nos seus palácios. Mas é usa­
do também para designar um grande peixe, um monstro
marinho, dragão, serpente (Gên. 1:21; Jó 7:12; Ez. 32:2;
Deut. 32:33; Neem. 2:13).
Assim, êstes versículos apresentam uma descrição
gráfica das ruínas da cidade mais resplandecente da anti­
güidade .
B. A Queda do Tirano das Nações, 14:1-23
Levanta-se logo no princípio da discussão dêste as­
sunto a questão do autor. Muitos estudantes modernos
reconhecem, sem dificuldade, o estilo do grande poeta
Isaías no hino fúnebre dos versos 4b a 21. Segundo esta
opinião, a introdução, versos 1 a 4a, foi escrita no período
do cativeiro, muitos anos depois da própria elegia. Fora
da introdução, com a menção de Babilônia, não há nada
na poesia que justifique a negação da autoria isaiânica
desta magnífica obra literária, uma das poesias mais no­
táveis do Velho Testamento. É provável que Isaías tenha
escrito a elegia para celebrar a morte de Senaqueribe, e
que o redator, 110 período do cativeiro, escreveu a intro­
dução, e atribuiu o hino fúnebre a um dos reis da Babilô­
nia, talvez Nabucodonosor. Mas não há prova definitiva
desta opinião.
Alguns pensam que o autor personificou o Império
Babilônico, mas os pormenores da poesia, especialmente
nos versos 12 a 15, indicam claramente que o autor está
falando da morte de uma pessoa.
A poesia é denominada um mashal • Esta pa-
lavra se usa no sentido de comparação, parábola, provér­
T T

bio ou motete. Esta poesia é elegia irônica, com o tom


de sarcasmo zombador, tipo de literatura mais usada no
período do cativeiro. O profeta fala da queda do déspota
como se já houvesse acontecido. Os elementos mitológi­
cos na elegia são característicos da poesia hebraica 11a ex­
posição das verdades essenciais que o homem precisa en­
frentar na vida e na morte.
Há três divisões da poesia. A primeira, 4b a 8, cele­
bra com ironia o fim do opressor. Descreve o alívio e a
alegria universal do povo com o término do reino de ter­
ror. Até as árvores se regozijam juntamente com tôda a
terra. Na segunda estrofe, 9 a 11, descreve-se a grande
humilhação do poderoso déspota na morte. Os reis em
Sheol mal se despertam das sombras da morte para rece­
ber o tirano humilhado como qualquer outra pessoa. Nos
versos 12 a 15 o povo escarnece do arrogante opressor
que se julgava capaz de elevar-se ao lugar do Altíssimo.
Nos versos 16 a 19 os observadores na terra meditam sôbre
o homem que tinha dominado o mundo, e foi humilhan-
temente desonrado na morte. Os versos 20 e 21 falam do
ódio, da maldade e do espírito de vingança do povo que o
tirano havia oprimido com tanta crueldade.
Israel não tinha o prestígio militar e político das na­
ções poderosas, mas os profetas e o restante fiel do seu
povo sempre confiavam na revelação da justiça divina, e
assim sobreviveram às calamidades e as vicissitudes da
História. Mas as nações poderosas e arrogantes, com a
ambição de subjugar os povos fracos, e dominar o mun­
do com a sua fôrça militar, levantam-se e caem, deixan­
do às gerações subseqüentes a vergonhosa história da sua
desgraça. Assim o Império Babilônico foi aniquilado pela
mesma crueldade que êle mesmo tinha praticado. A re­
volta contra a vontade do Senhor, no seu eterno propó­
sito de estabelecer o reino da justiça entre os homens,
resulta finalmente no fracasso e no sofrimento.
1. Pois o Senhor se compadecerá de Jacó, e ainda elegerá a
Israel e os porá na sua própria terra; e ajuntar-se-ão com
êles os estrangeiros, e êstes se achegarão a casa de Jacó>

2. £ os povos os tomarão e os levarão aos lugares dêles, e a casa


de Israel os possuirá por servos e por servas, na terra do Se­
nhor; cativarão aquêles que os cativaram, e dominarão os seus
opressores.
3. No dia em que o Senhor te der descanso do teu trabalho, da
tua angústia e da dura servidão com que te fizeram servir,

4a. então proferirás êste motejo contra o rei da Babilônia;

Nestes versos 1 a 4a o Senhor promete libertar o seu


povo do poder do opressor, e trazê-lo de nôvo para a sua
própria terra. Com o julgamento divino da Babilônia, o
povo de Israel será liberto do cativeiro, escolhido de nôvo
como nação sacerdotal (Èx. 19:6) e restaurado na sua
pátria para cumprir o propósito divino na sua escolha.
E ajuntar-se-ão com êles os estrangeiros. A destrui­
ção do Templo e a dispersão dos judeus foram reconheci­
das e aceitas como o castigo divino da infidelidade de Is­
rael. Na misteriosa providência do Senhor, a revelação
divina ao povo de Israel, por intermédio dos profetas,
chegou a ser conhecida por várias nações do mundo, e os
estrangeiros finalmente comecaram a unir-se com a casa
de Jacó (Is. 56:3-7; Zac. 2 :lí, 8:21-23).
A declaração de que a casa de Israel há de possuir
os povos por servos e por servas, e cativar aquêles que os
cativaram, expressa o espírito fervoroso de nacionalismo,
e certamente não será literalmente cumprida. As frases
descanso do teu trabalho e da dura servidão indicam que
o escritor está pensando na semelhança do sofrimento de
Israel no cativeiro, e na escravidão no Egito (Êx. 1:14) .
4b. Como cessou o opressor,
como acabou a íü ria insolente!

5. Quebrou o Senhor a vara dos perversos,


e o cetro dos dominadores,

6. aquele que feria os povos com furor,


com golpes incessantes,
e com ira dominava as nações,
com perseguição irresistível.

7. A terra tôda descansa e está sossegada;


todos exultam com júbilo.

8. Até os ciprestes se alegram sôbre ti,


e os cedros do Líbano excSamam :
Desds que tu caiste,
ninguém sobe contra nós para nos cortar.

A irônica elegia começa com a segunda parte do ver­


sículo 4: Como cessou © opressor, como acabou a fúria in­
solente. Estas palavras representam um grande suspiro
de alívio. À palavra jjjtt '2 significa em Êx. 3:7 exator ou
chefe cruel dos escravos. A Babilônia tinha oprimido
cruelmente as suas províncias, exigindo delas pesados tri­
butos. A palavra rD ÍT ltt, cidade dourada, segundo
Almeida, não se encontra em qualquer outro lugar no
Yelho Testamento. 0 têrm ornrTfâ, fúria insolente, em
T .. j -

vários manuscritos cabe melhor no contexto, e mais pro­


vavelmente representa o texto original.
O próprio Senhor Javé quebrou o cetro, o símbolo
do poder da Assíria ou da Babilônia, e terminou o seu
domínio arrogante. Tomando o lugar do Império da As­
síria, a Babilônia dominava muitas nações e povos com o
seu poder militar, e se julgava invencível. As nações e os
povos, sujeitos aos golpes incessantes, e à perseguição im­
placável do tirano, finalmente viram-se livres da opres­
são, e exultaram com júbilo. Desde os tempos antigos, os
povos e as nações vêm lutando contra os ditadores e tira­
nos para ganhar a sua liberdade. É difícil extínguir do
espírito humano o sentido da dignidade, e o amor de es­
tar livre da opressão. Até os ciprestes e cedros da flores­
ta se regozijavam com os habitantes pela queda da Ba­
bilônia que havia cortado as árvores para a construção
dos seus palácios e dos seus implementos de guerra.
9. Sheol desde o profundo se turbou por ti,
para te encontrar na tua vinda,
êle desperta por ti as sombras,
todos os príncipes da terra,
e faz levantar dos seus tronos
a todos os reis das nações.
10. Todos êstes responderão
e te dirão:
Tu também adoeoeste como nós!
E és semelhante a nós!
11. Derribada está até Sheol a tua soberba,
também o som das tuas harpas;
por baixo de ti uma cama de gusanos,
e os vermes são a tua coberta.

Êstes versículos contam como foi recebido o ti­


rano morto em Sheol. A palavra Sheol, não
lem o sentido que geralmente associamos com a
palavra inferno, segundo Apoc. 20:10, e O Inferno
de Dante. A palavra geralmente significa uma grande
região subterrânea que é a habitação dos mortos (Jó 3:
13-19; Sal. 115:17). É lugar de profundas trevas, e os
habitantes são apenas sombras, da vida. Fi-
cam entorpecidos, silenciosos, no lugar de esquecimento
• T :

(Sal. 88:12), onde perecem os sentimentos de amor, ódio


e inveja (Ecl. 9:5). A palavra é usada no sentido figu­
rado em Deut. 32:22; Is. 7:11; Jon. 2:2, 3; Am. 9:2-4.
As referências geralmente indicam que não há distinções
na condição dos habitantes do lugar. Mas Is. 24:21 e 22;
Ez. 32:23 indicam uma diferença entre as condições dos
justos e os injustos em Sheol. Mas convém notar, nesta
conexão, o desenvolvimento dos ensinos do Yelho Testa­
mento sôbre a vida futura dos justos; Salmos 16, 17, 49,
e 73 e Jó 19:25-27.
Há um contraste notável entre essa estrofe e a pri­
meira. O tirano que tinha oprimido as nações fracas do
mundo, e, no seu orgulho e pompa, tinha causado tanto
sofrimento, desperta muito excitamento quando chega a
Sheol. Sheol desperta as sombras dos príncipes e dos
reis das nações dos seus tronos para receber a sombra
do mais poderoso rei da terra. Dizem sarcásticamente:
Tu também adoeceste e ficaste tão fraco como nós! Apo­
dreceu tôda a tua grandeza e tôda a tua magnificência!
Derribada está a tua soberba. Já terminou a tua vida de
suntuosidade. A tua cama agora é de gusanos, e os ver­
mes sã© a tua coberta.
12. Como caists do céu,
ó estréia da manhã, filho da alval
Como fôste lançado por torra,
tu que debilitavas as nações!
13. Tu dizias no teu coração:
Eu subirei ao céu;
acima das estréias de Deus
estabelecerei o meu trono;
e no monte da congregação me assentarei,
nas extremidades do norte.
14. Subirei acima das mais altas nuvens,
e serei semelhante ao Altíssimo.

15. Contudo, serás precipitado para Sheol,


ao mais profundo abismo.

Esta terceira estrofe da elegia irônica descreve a


queda vergonhosa do ambicioso monarca. Como caiste
do céu, ó estrêla da manhã, filho da alva. Esta compara­
ção é um exemplo da arte literária do profeta. A palavra
não é nome próprio. Deriva-se do verbo ^ , bri-
lhar (Is. 13:10; Jó 29:3; 31:26). O têrmo significa a es­
. . . . — T

trêla da manhã que é muito brilhante no Oriente Próxi­


mo. Mas a estrêla resplandecente perde o seu brilho
perante a alvorada, mas não cai do céu. O poeta compa­
ra o esplendor magnífico do rei da Babilônia com o bri­
lho da estrêla da manhã. Mas a descrição do poeta corre
paralela com o mito cananeu. Segundo êste mito, Helal,
filho de Shahar, —t
, rebelou-se contra o Altíssimo, e foi
lançado no fundo de Sheol (Cp. Ez. 28:1-10).
O opressor tirânico não consegue o lugar nas alturas
que ambiciona, mas cai na profundeza do mundo sub­
terrâneo. A história proclama que não há nada na ex­
periência humana que corrompa o homem como o poder
sôbre o seu semelhante. Tu dizias no teu coração: Eu
subirei ao céu. Esta expressão grosseira, da parte do rei
ambicioso, de estabelecer-se como autoridade suprema, e
que todos os seus súditos tinham que homenageá-lo como
o poder absoluto, nos lembra de como Nero e Domicia-
no, mais tarde, procuraram obrigar os cristãos a lhes ce­
der o lugar que o Senhor Jesus Crisio ocupava nos seus
cultos.
No monte da congregação, isío é, no monte da as­
sembléia dos deuses, me assentarei. Ü monte dos deuses,
Zafom, ficava nas extremidades dò norte. (Cp. “o santo
monte de Deus”, Ez. 28:14). Assentar-me-ei significa serei
entronizado, Sal. ,29:10. Assim, o rei ambicioso espera es­
tabelecer o seu trono nas alturas, e presidir a assembléia
dos deuses (Cp. Jó 1:6-9; Sal. 82).
Subirei acima das mais altas nuvens, e serei seme­
lhante ao Altíssimo. Esta declaração é o resumo dos sen­
timentos ambiciosos do rei, e a expressão das suas últi­
mas pretensões. Há uma semelhança notável entre os
pensamentos dêste monarca arrogante e os do anticristo
que toma o seu lugar no santuário, e se ostenta como
se fôsse o próprio Deus, II Tess. 2:4. O autor do Apoca­
lipse representa figuradamente a Babilônia como a sede
de arrogância, orgulho e opressão. Com tôda a sua pom­
pa e glória, o mais poderoso dos imperadores será preci­
pitado para Sheol, ao mais profundo abismo.
16. Os que te virem te contemplarão,
fitar-te-ão os olhos, dizendo:
É êste o homem que fazia estremecer a terra,
e que fazia sacudir reinos?

17. Que punha o mundo como deserto,


e assolava as suas cidades?
que os seus cativos não deixava ir para suas casas?

18. Todos os reis das nações,


sim, todos êles jazem com honra,
cada um no seu túmulo.

19. Mas tu és lançado fora da tua sepultura,


como renôvo abominável,
vestido de mortos traspassados à espada,
que descem às pedras da cova,
como corpo morto pisado aos pés.
Nesta quarta estrofe, 16 a 19, o profeta explica como
o mais arrogante conquistador de nações foi vergonho­
samente desonrado na morte. Os que te virem depois da
tua morte ficarão pasmados que êste homem, que tinha
o poder de fazer estremecer a terra, sacudir reinos, fazer
do mundo habitável, , um deserto, Ç?U?L. , assolar
. . . . T ! ’

cidades e escravizar os seus cativos, pudesse ficar tão


desonrado na morte. O espetáculo do corpo morto dêste
conquistador de nações leva os observadores a se mara­
vilharem, a ficarem de bòca aberta, e a meditarem como
os orgulhosos reis da terra são precipitados nas sombras
da morte.
Todos os reis das nações jazem com honra. Todos
os reis que o arrogante imperador tinha subjugado ja­
zem honrados nas suas próprias sepulturas, enquanto o
tirano insepulto, abominável carcaça, jaz no chão, cober­
to de mortos traspassados à espada.
A frase que descem às pedras da cova não está ciara.
Aparentemente, significa neste contexto o modo de co­
brir com pedras os cadáveres que se achavam expostos
no chão (Cp. II Sam. 18:17). Alguns sugerem que a
frase, ligeiramente modificada, seja transferida ao prin­
cípio do verso 20, para se ler:
Aquêles que são enterrados em covas de pedra, —
com êles não te reunirás na sepultura.
De acôrdo com esta mudança a frase significa em-
têrro honroso, e pedras de cova tem o sentido de túmulos
construídos de pedras. Mas a mudança não satisfaz, ou
não esclarece o sentido dos versos 19 e 20.
20. Com êles não te reunirás na sepultura,
porque destruiste a tua terra,
mataste o teu povo.
Não seja mencionada para sempre
a descendência dos malignos.
21. Prsparai a matança para os filhos
por causa da maldade de seus pais,
para que não se levantem e possuam a terra,
e encham o mundo de cidades.

Como corpo morto pisado aos pés. O cadáver do rei


malvado não será sepultado, mas ficará exposto como
o corpo de qualquer animal, e será pisado aos pés. Com
êles não te reunirás na sepultura. O orgulhoso conquis­
tador de nações ocupava a posição de glória na terra,
enquanto as nações conquistadas eram subjugadas com
humilhação ao seu poder. Mas não terá o privilégio de
unir-se com os reis que êle tinha oprimido, porque êstes
jazem com honra, cada um no seu túmulo. Esta primeira
parte do verso 20 termina a discussão sôbre a desonra fi­
nal do opressor cruel.
Os versículos 20b e 21 expressam o desejo de que ne­
nhum descendente do tirano malvado sobrevivesse para
seguir a carreira dêle. Não seja mencionada para sem­
pre a descendência dos malignos; que os filhos dos ma­
lignos, nunca tenham nomes honrados. O singular ma­
ligno de alguns manuscritos cabe melhor no contexto
do que o plural. Preparai a matança, o lugar de matan­
ça, para os filhos, para que nenhum dêles perpetue as
iniqüidades do pai. A natureza pecaminosa do pai é ge­
ralmente transmitida aos filhos que continuam a prática
da iniqüidade (Cp. Êx. 20:5). Para que não se levan­
tem e possuam a terra, e encham o mundo de cidades. A
Septuaginta traduz a palavra guerras, e encham o
mundo de guerras. Mas as cidades que os iníquos vies­
sem a fundar seriam cheias de arrogância, orgulho c
maldade.
22. Levantar-me-ei contra êles, diz Javé dos Exércitos;
e cortarei de Babilônia nome e restante, descendente
e posteridade, diz o Senhor.
23. E farei dela a possessão do ouriço, e lagoas de água;
varrê-la-ei com a vassoura da destruição, diz Javé dos
Exércitos.

Esta conclusão da poesia está escrita em prosa. Al­


guns pensam que foi acrescentada à elegia do profeta
Isaías, por algum redator, algum tempo depois do cati­
veiro, a fim de aplicar o hino fúnebre ao rei da Babilô­
nia. A conclusão tem a forma de oráculo, proferido ao
escritor pelo Senhor dos Exércitos. 0 Senhor se levan­
ta contra os descendentes do rei da Babilônia para exter­
ná-los completamente, nome e restante, 0&*
descendente e posteridade, “1311 p jl .
Os poderes destruidores que o rei da Babilônia ti­
nha lançado contra as nações, eis que se levantam con­
tra os seus descendentes e contra a sua terra. As repre­
sas cedem ao poder das águas do rio que cobrem a ter­
ra, e a cidade é levada embora, como o lixo da rua é
varrido para fora. Então, o ouriço ocupa o lugar em vez
do homem, e em lugar dos grandes palácios haverá la­
goas de água.
Muitas questões interessantes e importantes surgem
a respeito dêste hino fúnebre. A lamentação de Eze-
quiel, 32:17-32, sôbre a queda de Faraó e suas hostes é
semelhante a esta elegia. Alguns eruditos modernos, à
luz do nôvo conhecimento da vasta literatura da Babi­
lônia, exageram a influência daquelas obras literárias
sôbre as Escrituras do Yelho Testamento. 0 fato de
que os hebreus e os babilônios tiveram algumas idéias
semelhantes a respeito da vida futura, certamente, não
prova que o autor dessa elegia tenha recebido dos babi­
lônios, no tempo do cativeiro, os seus ensinos sôbre êste
assunto. Por muito tempo, os hebreus, com o seu con­
ceito peculiar da justiça absoluta do seu Deus, lutavam
com o problema de Jó, Por que o justo sofre? Na sua
visão inaugural, o profeta Isaías recebeu uma visão, ou
uma revelação da santidade, da justiça e da glória de
Deus, que o preparou para entender a distinção, apresen­
tada nesta elegia, entre a existência futura dos justos e
dos iníquos.
Mais importante do que os pontos técnicos dessa poe­
sia, levantados pelos críticos, é o valor eterno e a apli­
cação universal do ensino do mensageiro de Deus.
Nesta mensagem do homem de Deus, proclamada aos
seus contemporâneos, há mais de vinte e seis séculos, êle
apresenta uma verdade eterna, que se vai verificando
através do curso da História. É o Deus Altíssimo quem
governa o mundo, e os governadores de nações que des­
prezam êste fato e, no seu orgulho e egoísmo, oprimem
cruelmente o povo, têm que sofrer as conseqüências da
sua iniqüidade. Essa elegia apresenta um fato historio
que se aplica aos tiranos cruéis de tôdas as nações em
tôdas as épocas.
C. O Propósito do Senhor na Destruição da Assíria, 14:
24-27
24. O Senhor dos Exércitos jurou, dizendo:
como pens>si, assim sucederá?
e como determinei, assim se efetuará.
25. Quebrantarei a Assíria na minha terra?
e nas minhas montanhas a pisarei,
o seu jugo se apartará deles,
e a sua carga se desviará dos ombros deles.

26. Êste é o propósito que se formou


concernente a tôda a terra;
e esta é a mão que está estendida
sôbre tôdas as nações.
27. Pois o Senhor dos Exércitos o determinou;
quem o ínvaíídará?
 sua mão está estendida;
quem, pois, a fará voltar atrás?
Èste oráculo que proclama o propósito divino na des­
truição da Assíria foi transmitido ao povo de Judá nos
primeiros anos do reino de Senaqueribe, que orgulhosa­
mente se julgava capaz de esmagar a pequena nação que
já tinha subjugado, menos Jerusalém, a cidade capital
(Cp. 10:5-34; 17:12-14; 37:8-13). Mais uma vez o profeta
Isaías declara que Javé dos Exércitos é o Senhor da His­
tória, e que êle não permite a escravização da humani­
dade por qualquer conquistador. Assim, a destruição da
Assíria, o esmagador de pequenas nações, é um evento
histórico que demonstra a operação da providência divina
no interesse de todos os povos e de tôdas as raças. A des­
truição de qualquer opressor cruel indica o propósito do
Senhor na extinção dos inimigos do seu reino no mundo.
O plano de Senaqueribe, no esforço de tomar a cidade
de Jerusalém, naquela época da História, ameaçava a
extinção do reino de Deus no mundo e o interêsse espi­
ritual de tôda a humanidade.
Jurou o Senhor dos Exércitos. O juramento do Se­
nhor representa a certeza absoluta do cumprimento da
sua palavra (Ver Am. 4:2; 6:8; 8:7; Is. 45:23; 54:9; 62:8).
Esla declaração não se liga diretamente aos versículos 22
a 23, mas provàvelmente se relaciona com a elegia dos
vèrsos 5 a 21, se esta poesia é o hino fúnebre de Sena­
queribe. É certamente a garantia absoluta da promessa
de conforto. Como pensei, ou como designei. Os desígnios
e os planos do Senhor são infalíveis. Deus é imutável (I
Sam. 15:29; Mal. 3:6; Tiago 1:17).
Quebrantarei a Assíria na minha terra. Esta decla­
ração, que concorda com os eternos propósitos do Senhor,
foi cumprida na destruição do poderoso exército de Se-
naqueribe nas montanhas perto de Jerusalém (Ver a dis­
cussão sôbre o cap. 10). Assim, Israel se libertou do jugo
da Assíria que lhe tinha sido assaz pesado.
Os versículos 26 e 27 declaram que o propósito eter­
no do Senhor abrange tôdas as nações da terra (Cp. 8:
9; 10:23; 28:22). Êstes versos apresentam um testemu­
nho notável do profundo entendimento do profeta Isaías
acêrca do govêrno divino das nações e dos povos da
terra.
©ste é o propósito que se formou concernente a tôda
a terra. O propósito imediato do Senhor é a destruição
da Assíria, e a libertação dos povos que ela tinha sub­
jugado e escravizado. Isto não significa, de maneira al­
guma, que o Senhor é um Deus de guerra, como dizem
Gray e outros. Por outro lado, o profeta está dizendo que
as nações poderosas, como a Assíria, que usam o seu po­
der militar para esmagar as nações fracas serão destruí­
das. É o eterno propósito do Senhor que os povos do
mundo sejam livres. Nenhum império, e nenhum poder
mundial pode dominar a humanidade. Se há um fato
que a História nos ensina com certeza absoluta, é que os
grandes podêres que se esforçam para subjugar o mundo
sempre são dominados ou destruídos, de acôrdo com a
eterna providência de Deus que êles desafiam.
Não há nenhum poder nacional ou militar que possa
resistir à mão do Senhor que está estendida sôbre tôdas
as nações. A destruição da Assíria, que se julgava inven­
cível, tinha uma grande significação, não somente para
o povo da época, mas também para tôdas as gerações
subseqüentes. Ninguém pode invalidar o que o Senhor
dos Exércitos determinou. Para o Deus da história hu­
mana, as nações são consideradas com© um pingo que
cai de um balde, e como um grão de pó na balança
(40:15).
D. A Alegria Prematura dos Filisteus, 14:28-32
28. No ano em que morreu o rei Acaz, foi pronunciado êste
oráculo:
29. Não te alegres, tu, tôda a Filístia,
por estar quebrada a vara que te feria;
porque da raiz da serpente sairá basilisco,
e o seu fruto será uma serpente voadora.

30. Os primogênitos dos pobres apascentarão,


e os necessitados se deitarão seguros;
mas farei morrer de fome a tua raiz,
e os teus sobreviventes eu matarei.

31. Uiva, ó porta; grita, ó cidade;


derrete em mêdo, ó tu, Filístia tôda.
Porque do norte vem fumaça,
e ninguém há que se afaste das fileiras.

32. Que se responderá aos mensageiros desta nação?


Que o Senhor fundou a Sião,
e nela encontram refúgio os aflitos do seu povo.

Levantam-se várias questões sôbre a interpretação


desta passagem, mas parece que alguns comentaristas
exageram as dificuldades. O profeta adverte a Filístia
para que não se regozije pelo fato de que um de seus ini­
migos havia morrido, pois outro adversário viria do nor­
te para afligi-la e escravizá-la de nôvo. E ela vai fracas­
sar no esforço de ganhar a cooperação de Judá como alia­
do contra o nôvo inimigo. Judá não precisa buscar au­
xílio nessas alianças políticas, porque na sua cidade de
Sião, o Restante terá a proteção do seu Deus, o Senhor
dos Exércitos.
Segundo o versículo 28, a data do oráculo é o ano da
morte do rei Acaz, em 724, mais ou menos. Tiglate-Pile-
ser III morreu um pouco antes do rei Acaz. Êle tinha
invadido a Filístia, subjugado a terra e exigido pesados
tributos do povo. Portanto, a morte do opressor foi cer­
tamente a causa da grande alegria dos filisteus. É mui­
to provável que tenha sido nesta ocasião que a Filístia che­
fiou uma revolta contra a Assíria. Os outros pequenos
estados vassalos também tinham prazer em cooperar com
a Filístia na revolta contra o opressor. Neste mesmo tempo
a Filísta tentou ganhar a cooperação de Judá contra a As­
síria. 0 profeta Isaías, que sempre fôra contrário às alian­
ças políticas de Judá com as nações vizinhas, persuadiu
ao rei Ezequias a ficar livre dessa aliança perigosa con­
tra a Assíria; e a predição do profeta de que a Filístia
haveria de sofrer ainda mais. Cumpriu-se, pois, pouco
mais tarde, Salmanaser V castigou severamente os revol­
tosos da Filístia (sôbre uma breve história dos filisteus
na Palestina, consultar a Arqueologia do autor, p . 258).
No ano em que morreu o rei Acaz. Esta pequena
profecia trata da Filístia, e não tem qualquer relação com
as mensagens anteriores do profeta. Não há qualquer in­
dicação de que está dirigindo a mensagem aos filisteus,
pois está falando diretamente a Judá. Há confusão e
incerteza a respeito das circunstâncias históricas dessa
mensagem sôbre os filisteus. Portanto, surgem várias
opiniões a respeito da interpretação de alguns pormeno­
res e referências da mensagem. Na advertência de que
os filisteus não se alegrem por estar quebrada a vara que
os feria, quem era esta vara? A vara não pode significar
o rei Acaz, como dizem alguns. Foi justamente no reino
fraco de Acaz que os filisteus atacaram a terra de Judá,
e capturaram algumas das suas cidades (II Crôn. 28:18).
Evidentemente, os filisteus se regozijavam por cau­
sa da morte do rei da Assíria, o seu cruel opressor. Por
estar quebrada a vara que te feria, refere-se à morte do
rei da Assíria, provavelmente Tiglate-Pileser, o rei po­
deroso e cruel que tinha escravizado os filisteus. 0 verso
29 fala da alegria prematura dos filisteus. Porque da raiz
da serpente, o rei morto, sairá o seu sucessor, basilisco,
ainda mais venenoso e mais cruel, Salmanaser V. Esta
linguagem figurada é clara, mas não menciona os nomes
dos dois reis da Assíria.
O verso 30 é obscuro e difícil de ser interpretado,
mas, aparentemente, se refere aos mais pobres de Jerusa­
lém, ou de Judá, que terão bastante para comer, e fica­
rão seguros em Sião, sob a proteção do Senhor, enquanto
que a Filístia será completamente destruída.
O inimigo dos filisteus vem do norte, bem organiza­
do e poderoso o exército da Assíria. Não há ninguém que
se afaste das fileiras. Ai de todos os filisteus que uivam
e gritam de terror, e derretem em mêdo, perante os in­
vasores cruéis!
Parece que os mensageiros do verso 32 são filisteus,
enviados a Jerusalém para pedir o auxílio dos judeus con­
tra a Assíria. Que se responderá aos mensageiros desta
nação? A resposta concorda perfeitamente com o ensino
de Isaías sôbre a inviolabilidade de Sião, fundada pelo
Senhor, e refúgio dos aflitos do seu povo.
E. Oráculo Concernente a Moabe, 15:1-16:14
Há muitas referências no Velho Testamento sôbre
Moabe e os moabitas, e a sua relação com a história dos
israelitas. Quase tôdas estas referências são desfavorá­
veis aos moabitas. O rei Saul pelejou vitoriosamente con­
tra Moabe (I Sam. 14:47). O rei Davi subjugou os moa­
bitas (II Sam. 8:2). Os moabitas pagaram tributo aos
reis de Israel em Samaria, mas quando o rei Acabe mor­
reu, Mesha, o rei de Moabe, libertou o seu povo dessa obri­
gação (II Reis 1:1, 3, 4 e seg.). A Pedra Moabita, desco­
berta em Dibom em 1868, tem uma inscrição que serve
de suplemento de II Reis 3:4-5. Esta pedra comemora,
com a sua inscrição, a libertação dos moabitas do jugo
de Israel (Ver a Arqueologia do autor, p. 141). No pe­
ríodo do reinado de Jeú de Israel, Moabe foi subjugada
por Hazael da Síria. O território conquistado por Jero-
boão II de Israel incluiu a maior parte da terra de Moabe
(II Reis 14:25). No tempo desta profecia, Moabe se acha­
va sob o domínio da Assíria.
O território de Moabe ficava ao leste do Jordão. To­
cava no Mar Morto no sul, e se estendia além do rio Ar-
nom ao norte, no tempo do seu maior poder. Rúben e
Gade disputaram o direito ao território ocupado por Moa­
be ao norte do Arnom.
Os capítulos 15 e 16 descrevem o terrível desastre que
tinha acontecido a Moabe. A terra ficara em ruínas, e os
habitantes eram fugitivos. Os versículos 15:1-9 e 16:8-18
constituem uma elegia sôbre o triste destino de Moabe,
enquanto 16:1-7, 12 descrevem a embaixada que Moabe
enviou a Judá. A conclusão, 16:13, 14, declara que dentro
de três anos o oráculo será cumprido.
Surgem várias opiniões sôbre o autor e a data do
oráculo, e a sua relação com a passagem semelhante no
capítulo 48 de Jeremias. Os comentaristas não concor­
dam no seu entendimento destas questões. Alguns ar­
gumentam que a linguagem do oráculo é diferente do es­
tilo de Isaías. Êste argumento não tem cabimento pelo
fato de não considerar que o vocabulário, e até o estilo
literário, de qualquer escritor varia necessariamente de
acôrdo com o assunto que está discutindo. Não há dife­
rença suficiente no rico vocabulário, e no estilo literá­
rio de Isaías, para dogmàticamente se afirmar que o pro­
feta não podia ter escrito esta elegia.
Tiglate-Pileser tomou de nôvo a terra de Moabe, na
ocasião de subjugar o grupo das pequenas nações que se
tinham revoltado contra o seu domínio. Esta mensagem
de Isaías foi proclamada nestas circunstâncias históricas.
Considerando-se a semelhança entre esta profecia e a
mensagem em Jeremias, é provável que o epílogo 16:13-
14 tenha sido acrescentado muito tempo depois da procla­
mação da elegia.
1. Oráculo concernente a Moabe.
Pois numa noite Ar-Moabe é assolada, destruída!
Pois numa noite Quir-Moabe é assolada, destruída!
2. Vai subindo a filha de Dibom
aos lugares altos para chorar;
nos montes Nebo e Medeba lamenta Moabe:
em tôdas as cabeças há calva,
e tôda barba é rapada.
3. Cingem-se de sacos nas ruas;
nos seus terraços e nas suas praças
andam todos uivando, e choram abundantemente.
4. Hesbom e Eleale andam gritando,
ouve-se a sua voz até Jaaz;
por isso, os arm ados de Moabe clamam;
a sua aima treme dentro dêle.

O primeiro versículo anuncia a calamidade que li­


nha caído sôbre a terra de Moabe e o seu povo, especial­
mente na queda das duas cidades principais. Ar-Moabe
ficava ao lado esquerdo do Rio Arnom (Núm. 21:15, 28;
Deut. 2:9, 18, 29). A uns trinta quilômetros ao sul de
Ar fica o sítio de Quir-Moabe, ou Quir-Haresete (16:7,
11), Quir-Heres no verso 11. Estas duas cidades ficavam
dentro da própria terra de Moabe. As tribos de Rúben e
Gade alegavam que o distrito ao norte do Arnom, com
os montes Nebo e Medeba, e as cidades de Hesbom e Elea­
le pertenciam a Israel. A disputa sôbre a possessão dêste
distrito era o motivo do ódio c da guerra entre Israel e
Moabe.
Os versículos 2 a 4 descrevem a lamentação dos moa­
bitas. Surgem dúvidas sôbre o texto dos massoretas,
rVSH > Sobe-se ao templo e a Dibom. Al-
guns manuscritos e a margem da edição Kittel contêm o
• : ----- T T

seguinte texto, que nos parece preferível,'' 2 ^ I"IÍ >


Vai subindo a filha de Dibom aos lugares altos para cho­
rar. Os lugares altos eram santuários para os moabitas
e para os israelitas infiéis. Nos montes Nebo e Medeba,
Moabe lamenta ou uiva. Esta palavra é onomato-
péica, isto é, a pronúncia da palavra imita o som do chôro
dos moabitas. Nebo, uma habitação perto do Monte
Nebo, ficava ao leste da entrada do Jordão no Mar Morto,
e Medeba distava pouco ao sudeste. Os dois lugares são
mencionados na Pedra Moabita. Segundo Jerônimo,
achava-se uma imagem de Quemós, principal deus dos
moabitas, no Monte Nebo. Do tôpo dêste monte podia-
se ter uma vista de Canaã. Êste monte foi distinguido
entre os hebreus como o lugar da morte de Moisés (Deut.
34:1, 5). Dibom é o lugar onde foi descoberta a Pedra
Moabita. Calva nas cabeças e a barba rapada eram si­
nais de profunda tristeza e lamentação para os hebreus,
bem como para os moabitas (Miq. 1:16; Jó 1:20).
Cingem-se de sacos, nas ruas, nas praças e nos terra­
ços, sinal de humilhação e sofrimento, nas ocasiões de ca­
lamidade e profunda tristeza. Os terraços planos do
Oriente eram lugares de oração e de reuniões sociais
( 22:1) .
Hesbom e Eleale andam gritando. Hesbom foi uma
cidade célebre dos amorreus (Núm. 21:26), depois de
Israel (Jos. 13:17), e de Moabe no tempo desta profe­
cia. Hesbom distava cinco quilômetros ao nordeste de
Nebo, e Eleale (El Aal, o alto) dois quilômetros de
Hesbom. O lugar de Jaaz é desconhecido. Até os arma­
dos de Moabe clamam de tristeza e de pavor. A alma,
ou a vida, de Moabe treme dentro dêle.
5. O meu coração clama por causa de Moabe,
os seus fugitivos vão até Zoar,
até Eglate-Selisias.
Porque pela subida de Luíte
êles vão chorando;
no caminho de Horonaim
levantam um grito de destruição;
6. porque as águas de Ninrim
são uma desolação;
seca-se o pasto, acaba-se a erva,
não há verdura alguma.

0 hebraico do verso 4 é muito difícil. O meu co­


ração, , clama por causa de Moabe. A Sepíuaginta
contem , o seu coração (o coração de Moabe). A
declaração expressa o mais profundo sentimento para
com os moabitas na sua terrível calamidade. Alguns
argumentam que estas palavras não podem representar
o sentimento do profeta Isaías. Pode ser que não repre­
sentem o sentimento do povo em geral de Israel, mas
a compaixão do mensageiro do Senhor era muito su­
perior ao sentimento público. O coração do profeta cla­
mava por causa dos fugitivos (Cp. 16:9, 11). A palavra
r i m a é geralmente traduzida por seus nobres, mas
alguns manuscritos trazem (VÍT12 > seus fugitivos, que
cabe melhor no contexto. É também difícil a frase
rrtw que alguns traduzem por novilho de três
anos, mas Eglate-Selisias é melhor (Cp. Jer. 48:34). No
caminho de Horonaim, na descida de Horonaim (Jer.
48:5) aparentemente significa a descida entre Zoar, ao
sueste do Mar Morto, e Eglate-Selisias.
Alguns pensam que as águas de Ninrim (Jer. 48:
34) são as da cidade de Bete-Nimra (Núm. 32:36), que
entram no Jordão uns dez quilômetros acima da sua
entrada no Mar Morto. Outros pensam que se refere
a um lugar no sul de Moabe, e esta opinião concorda
melhor com o contexto.
7. Portanto, a abundância que ganharam,
e o que guardaram,
êles levam embora
para além do ribeiro dos salgueiros.

8. Porque o pranto rodeia


os limites de Moabe;
até Eglaim chega o seu grito,
e ainda até Beer-Elim o seu lamento.

9. Porque as águas de Dimom estão cheias de sangue;


pois ainda acrescentarei mais a Dimom,
um leão para aquele que escapar de Moabe,
•e para o restante da terra.

A abundância ou a sobra que os fugitivos levaram


consigo (Jer. 48:36), êles carregaram além ou sôbre
o ribeiro dos salgueiros, até à sua entrada na terra de
Edom.
O pranto, o grito ou a lamentação rodeia os limites
de Moabe. Os dois lugares, Eglaim e Beer-Elim, talvez
indiquem os dois limites extremos de Moabe: Beer-Elim,
“poço dos poderosos” (Núm. 21:16-18), ao norte de
Moabe, e Eglaim ao sul (Cp. desde Dã até Berseba, I
Sam. 3:20).
As águas de Dimom traduz a frase hebraica, mas
alguns pensam que Dimom é outra forma de Dibom,
escolhida aqui por causa da aliteração com a palavra san­
gue (dam). Um leão aqui é símbolo do conquistador,
muito provàvelmente Tiglate-Pileser da Assíria.
16:1. Enviaram cordeiros
ao dominador da terra,
desde Sela, pelo deserto,
até ao monte da filha de Sião.

2. Como pássaros espantados,


lançados fora do ninho,
assim são as filhas de Moabe
nos vaus do Arnom.
3. Dá conselho,
executa a justiça;
faze a tua sombra como a noite
no pino do meio-dia;
esconde os desterrados,
e não descubras os fugitivos.

4. Habitem entre ti
os desterrados de Moabe,
serve-lhes de refúgio
perante a face do destruidor.
Quando o homem violento tiver fim,
a destruição fôr desfeita,
desvanecido o calcanhar do tirano
da terra,
5. então um trono se firm ará em benignidade,
e sôbre êle se assentará com fidelidade,
no tabernáculo de Davi
um que julgue, busque a integridade
e não tarde em fazer justiça.

O hebraico desta passagem é de difícil interpreta­


ção, e a tradução freqüentemente incerta. Como variam
as traduções, assim também variam as interpretações da
passagem. Segundo muitos intérpretes modernos, o primei­
ro verso fala claramente da embaixada enviada pelos moa­
bitas, fugitivos em Edom, à côrte de Judá, na cidade de
Sião. A palavra cordeiros é um coletivo, e significa o
tributo que anteriormente Moabe pagava a Israel (II
Reis 3:4), a então propunha enviar ao rei de Judá.
A primeira palavra varia quanto à forma nos ma­
nuscritos: , enviai, , enviaram, en­
viarei. Sela, “rocha” (mais tarde Petra) foi um centro
importante de Edom.
0 versículo 2 interrompe a conexão entre o primeiro
e o terceiro. Trocando lugar com o primeiro verso, o
sentido fica mais claro. Profundamente perturbados, as
moabitas pedem socorro a Judá. As filhas, cidades ou
habitantes, de Moabe ficam consternados como passa­
rinhos lançados fora do ninho.
Os versículos 3 a 5 apresentam o apêlo dos moabi­
tas, dirigido à côrte de Judá, por intermédio de seus
embaixadores. Alguns intérpretes antigos julgavam que
o profeta está apontando aos moabitas o caminho da
salvação nacional pela prática da justiça, e pedindo que
os moabitas mostrem benignidade para com os refugia­
dos de Israel na terra dêles. Mas tal exortação não
concorda com o teor da profecia, nem com as tristes
condições dos moabitas da época. Por outro lado, o
apêlo dos moabitas aos judeus mantém a continuidade
do pensamento do escritor, e concorda melhor com as
circunstâncias históricas dos dois países, indicadas nos
capítulos 15 e 16.
Dá conselho, executa a justiça. A embaixada dos
moabitas está pedindo que Judá adote medidas efetivas
para defender os moabitas do poder dos inimigos. Faze
a tua sombra como a noite. Permite que os moabitas
desterrados habitem no teu meio, na tua terra de Edom.
Seja para nós esconderijo contra a tempestade, “como
sombra duma grande rocha numa terra sedenta” .
Quando o opressor não existir mais; quando a des­
truição tiver cessado; e quando o tirano desvanecer da
terra, então o trono de Davi será estabelecido em amor
firme, e Moabe receberá a justiça às mãos de Judá. Esta
linguagem dos moabitas seria extravagante em outras
circunstâncias, mas natural no período da grande afli­
ção da sua terra. A libertação de Moabe do poder cruel
do inimigo com o socorro de Judá seria para a glória de
Davi no estabelecimento da sua descendência no trono
de Judá com justiça e retidão.
6. Temos ouvido da soberba de SVloabe,
soberba em extremo;
da sua arrogância, do seu orgulho e do seu furor;
a sua jactância é vã.
7. Portanto, uivará Moabe,
cada um por Moabe.
Gemereis profundamente, abatidos
pelas pastas de uvas de Quir-Haresete.

Os versículos 6 e 7 apresentam a resposta de Judá


ao pedido de socorro da parte dos nioabiias. A generosi­
dade que os moabitas expressaram no seu apêlo não foi
reconhecida como genuína pelos judeus. O profeta con­
dena severamente o orgulho e a arrogância de Moabe
(Cp. 25:11; Jer. 48:2,9; Sof. 2:8).
8. Pois os campos de Hesbom murcham,
e a vinha de Sibma;
or senhores das nações
talaram os seus ramos,
que se estenderam até Jazer
e vaguearam pelo deserto;
os seus sarmentos se estenderam
e passaram além do mar.
9. Pelo que pranteio com o pranto de Jazer
a vinha de Sibma;
rego-te com as minhas lágrimas,
ó Hesbom e Eleale;
pois sôbre os teus frutos e a tua vindima
caiu o grito da batalha.

10. A alegria e o regozijo são tirados


do campo frutífero;
nas vinhas já não se canta,
nem há júbilo algum;
não há pisador nos lagares.
Eu fiz cessar os gritos da vindima.

11. Pelo que por Moabe vibra como harpa o meu íntimo,
e o meu coração por Quir>Heres.
12. E quando Moabe se apresentar,
quando se cansar nos altos,
e entrar no santuário a orar,
não prevalecerá.
Havendo falado da última esperança de Moabe, o
poeta volta, no verso 7, ao lamento sôbre a triste con­
dição dos moabitas. O lamento dos moabitas será uni­
versal. Cada moabita, abatido e entristecido com a ca­
lamidade terrível da sua pátria, uivará por Moabe, com
gemidos de dor 110 seu coração. As pastas de uvas,
uvas comprimidas, sendo deliciosas, eram usadas nas
ocasiões festivas, especialmente na festa da sega dos
primeiros frutos (Cp. II Sam. 6:19; Os. 3:1; Jer. 7:18).
Quir-Haresete, lugar em Moabe, é chamado Quir-Heres
no verso 11.
É muito provável que os versículos 16:8-11 apre­
sentam a segunda parte da elegia de 15:1-9, interrompi­
da pela recusa de conceder o pedido dos mensageiros
de Moabe, apresentado aos judeus em 16:1-7.
O verso 8 descreve os campos ou as vinhas frutífe­
ras de Moabe. Sibma, perto de Hesbom, foi conhecida
pela famosa variedade de vinhas, ou “vides escolhidas”
(Cp. 5:2). Nos versos 8 a 11, o escritor fala dos seus
profundos sentimentos a respeito dos sofrimentos de
Moabe. Para uma terra tão frutífera como Moabe, a
perda das vinhas é um exemplo da enormidade do dano
que tinha sofrido. Não houve outro modo de produzir
tão grande desolação na terra de Moabe como a destrui­
ção completa das vides.
Pois os campos de Hesbom murcham. A palavra
campos aqui significa vinhas, como em Deut. 32:32. Na
figura de hipérbole o escritor representa a vinha de
Sibma por uma só vide, cuja raiz se estende ao norte até
Jazer; ao deserto, no leste e no sul; e ao oeste, até além
do Mar Morto. Os senhores das nações talaram : T
os seus ramos, isto é, arruinaram as vinhas. Mas pode
significar que foram intoxicados ou vencidos pelo vinho
(Cp. 28:1).
Rego-te com as minhas lágrimas. Meditando sôbre
a calamidade terrível dos moabitas, fugitivos da sua terra
assolada, o poeta não podia deixar de chorar. A frase
caiu o grito da batalha. A palavra I T n significa aqui
o grito da batalha dos invasores, mas a mesma palavra
T “

se usava para descrever o grito de alegria dos pisadores


de uvas nos lagares. Não havia mais alegria e júbilo na
terra tão frutífera de Moabe. Ouve-se a voz do Senhor:
Eu fiz cessar os gritos da vindima.
Por Moabe vibra como harpa o meu íntimo, ou as
minhas entranhas. As entranhas são a sede ou a fonte
das emoções intensas (Jó 30:27), especialmente de com­
paixão (Jer. 4:19; 31:20; Cant. 5:4).
O verso 12 é profético, e aparentemente se relaciona
com 15:2. Quando Moabe ficar cansada e entrar no
seu santuário para orar, ela não prevalecerá, porque os
seus deuses são impotentes.
13. Esta é a palavra que o Senhor falou no passado acêrca de
Moabe.
14. Mas agora o Senhor fala, dizendo: Dentro de três ahos,
tais como os de jornaleiros, será envilecida a glória de Moabe,
com tôda a sua grande multidão; e o restante será pouco e
impotente.

O epílogo da elegia apresenta-se nos versos 13 e 14,


e proclama o julgamento pesado sôbre Moabe dentro
de três anos. Esta é a palavra do Senhor, falada no pas­
sado a respeito de Moabe. O profeta assim declara que
está expressando o sentido geral das várias profecias do
passado sôbre a destruição de Moabe (Êx. 15:15; Núm.
24:17; Sal. 60:8; Am. 2:2; Sof. 2:9).
Como os anos do jornaleiro. Como o jornaleiro não
servia além do tempo prometido, assim a destruição de
Moabe não será adiada além dos três anos.
F. Oráculo sôbre a Aliança de Israel e a Síria, 17:1-11
1. Oráculo concernente a Damasco.
Eis que Damasco deixará de ser cidade,
e será um montão de ruínas.

, 2. As suas cidades serão abandonadas para sempre;


hão de ser para os rebanhos,
que se deitarão ssm haver quem os espante.

3. A fortaleza de Efraim desaparecerá!


como também o reino de Damasco;
e o restante da Síria será
como a glória dos filhos de Israel,
diz o Senhor dos Exércitos.
4. E naquele dia
será diminuída a glória de Jacó,
e a gordura da sua carne desaparecerá.

5. Será como o segador que colhe o trigo,


e com o seu braço sega as espigas,
Será também oomo quem colhe espigas
no vale de Refaim.

6. Ainda ficarão nêle alguns rabiscos,


como no sacudir da oliveira;
duas ou três azeitonas
na mais alta ponta dos ramos,
e quatro ou cinco
nos ramos da árvore frutífera,
diz o Senhor de Israel.

Esta passagem relaciona-se com a aliança entre Re­


zim da Síria e Peca de Israel contra Judá, 7:1-9:21. O
rei Acaz de Judá ficou amedrontado e resolveu, coxítra
o conselho de Isaías, pedir o auxílio militar da Assíria
contra os “dois tocos de tições fumegantes” . A data,
portanto, desta mensagem é de pouco tempo antes da
destruição de Damasco pela Assíria, cêrca de 732. A pas­
sagem trata principalmente do reino de Israel, mas a
discussão da Síria e Efraim nesta mensagem indica que
á aliança entre ais duas nações já foi estabelecida. O
profeta está pensando nesta mensagem sôbre os resulta­
dos funestos de alianças baseadas nas idolatrias dos es­
trangeiros.
Há três estrofes ou divisões da passagem. Os pri­
meiros três versículos tratam principalmente do desti­
no funesto do reino de Damasco, aliado de Israel con­
tra a Assíria. A Síria será subjugada, e Damasco, a ca­
pital, com as outras cidades serão reduzidas à desolação
perpétua. A segunda estrofe, versos 4 a 6, descreve fi-
guradamente o destino de Israel. Na terceira divisão,
versos 7 a 11, o profeta explica que a desolação de Is­
rael é o resultado da apostasia do Senhor, e a devoção
aos ídolos dos estrangeiros.
1. Oráculo Concernente a Damasco, 17 :l-6
O título do oráculo menciona Damasco, que é assunto
somente da primeira estrofe. Mas a discussão do destino
de Damasco explica por que êste oráculo foi incluído nas
profecias contra as nações estrangeiras. A destruição de
Damasco por Tiglate-Pileser será uma grande humilhação
para Efraim, o aliado da Síria. Poucas cidades do mun­
do têm experimentado as vicissitudes da História como a
antiquíssima cidade de Damasco. A Bíblia fala fre­
qüentemente sôbre as relações, principalmente as hos­
tis, entre Israel e a Síria. E será um montão, uma ruí­
na. As duas palavras hebraicas são sinônimas, e estão
em aposição.
As cidades de Aroer, ''lí' ’ aPresenta
certas dificuldades, porque não há cidades com êste
nome na Síria. A cidade mais conhecida por êste nome
ficava na terra de Moabe, à beira do Arnom, (Núm. 32:
34; Deut. 2:36), O texto da margem, , as âuâs
cidades, é mais provàvelmente o texto correto. Outra
T V T

cidade, Aroer, menos conhecida, ficava perto de Raba-


Amom (Jos. 13:25). A terceira cidade dêste nome, no
sul de Judá (I Sam. 30:28) é conhecida agora como
Arara. As suas cidades serão abandonadas para sempre,
e será um lugar onde os rebanhos se deitarão sem haver
quem os espante.
A fortaleza de Efraim desaparecerá. Usa-se muitas
vêzes Efraim no sentido do Reino de Israel. Devido à
sua posição geográfica, Damasco seria teoricamente
como bastião de defesa, ou fortaleza, para Israel. Mas
a capital da Síria será destruída fàcilmente pelo podero­
so exército da Assíria, e logo em seguida Israel enfren­
tará o mesmo destino, o qual será ainda mais trágico
para o povo de Israel, por causa da infidelidade ao seu
Deus, o Senhor dos Exércitos. Deve-se ler a última par­
te do verso 3 assim: “o restante da Síria será como a
glória dos filhos de Israel.” A declaração relaciona-se
com a descrição da tragédia de Israel no versículo se­
guinte .
Os versículos 4 a 6 descrevem figuradamente o des­
tino trágico de Israel. Naquele dia, na mesma ocasião
do julgamento sôbre a Síria, a glória de Jacó será di­
minuída, ou ficará atenuada. A gordura da sua carne
desaparecerá. Será enfraquecido por uma moléstia de-
bilitante. Perderá o seu poder, a sua população e a sua
prosperidade. Com a destruição de Damasco, é inevitá­
vel o destino terrível de Israel.
Será como segador que colhe o trigo. Os habitan­
tes e as riquezas de Israel serão a juntados e levados em­
bora pelos conquistadores cruéis. Isto será o fim trá­
gico do Reino de Israel, por causa dos seus pecados e
da sua infidelidade ao seu Deus. Como quem colhe es­
pigas no vale de Refaim. O vale fértil de Refaim fica
pouco distante ao sul de Jerusalém, onde provàvelmente
o profeta tivesse observado os segadores no seu traba­
lho (Cp. Rute 2:7; Jos. 15:8; 18:16).
O significado do verso 6 é que as poucas azeitonas
deixadas na oliveira sacudida pelo ceifeiro devem ser
deixadas para os pobres e necessitados (Deut. 24:20).
Nota-se que o hebraico diz, “nos ramos da árvore fru-
lifera”, e não “nos ramos mais exteriores de uma árvo­
re frutífera”, conforme Almeida e SBB.
2. O Abandono dos ídolos, 17:7-8
7. Naquele dia olhará o homem para o seu Criador, e os
seus olhos atentarão para o Santo de Israel.

8. E não olhará para os altares, obra das suas mãos, nem


atentará para o que fizeram seus dedos, nem para
os aserins, nem para os altares do incenso.

Parece que êstes versos têm pouca relevância para


a seção anterior. Mas a passagem aparentemente des­
creve o efeito do desastre do Reino de Israel sôbre os
habitantes de Judá. Assim, foi considerado como ad-
moestação, para que os fiéis de Judá olhassem para o
seu Criador, e atentassem para o Santo de Israel. Na
providência de Deus, o sofrimento e a calamidade des­
pertam os homens para examinar o coração, reconhe­
cer a sua infidelidade e mudar o seu procedimento mo­
ral e religioso. A queda do Reino de Israel influenciou o
pensamento do povo do Reino de Judá, especialmente a
respeito das suas práticas religiosas, influenciadas pela
idolatria dos cananeus. Deixaram de olhar para os seus
altares que eram apenas obras das suas próprias mãos,
e não atentaram mais para os aserins e os altares de in­
censo. Voltaram ao seu Criador, e os seus olhos aten­
taram para o Santo de Israel.
A palavra aserins significa postes erigidos ao lado
das colunas de pedra, isto é. ao lado dos altares dos ca­
naneus. Êstes postes-ídolos representavam o culto de
Asera, a mulher de Baal. As colunas sagradas represen­
tavam o culto de Asera., As colunas sagradas representa-
vaovo culto dirigido a Baal, o marido de Asera. Baal e
Asera eram os deuses da fertilidade. Êste culto represen­
tava práticas horríveis, chegando à bestialidade (Ver as
referências a Baal na Arqueologia Bíblica do autor) .
A palavra JfâJl no versículo 8 pode significar Ha-
man, um deus dos fenicios, mas o significado da pala­
'T “

vra aqui é geralmente reconhecido agora como o altar


de incenso (Cp. 27:29; II Reis 23:5, 11; Ez. 6:4).
3. O Culto de Adonis, uma Segurança Falsa, 17:9-11
9. Naquele dia serão as suas cidades fortes como os lugares
abandonados dos heveus e dos amorreus, que êles aban­
donaram por causa dos filhos de Israel, e haverá desolação.

10. Porquanto te esqueceste do Deus da tua salvação,


e não te lembraste da Rocha do teu refúgio.
Ainda que faças plantações formosas
e plantes mudas estranhas,

11. e, no dia «m que as plantares, as fizeres crescer,


e na manhã seguinte as fizeres florescer,
ainda assim a colheita voará
no dia da tribulação e das dor-es incuráveis.

É difícil determinar se o verso 9 se relaciona com


os versos 7-8 ou com 10-11. O símile do bosque e do
cume das montanhas, conforme está em Almeida e SBB,
não se une bem com a cláusula seguinte. É melhor a
versão grega que diz como os lugares que os heveus e
os amorreus abandonaram.
As cidades fortes de Judá serão como as cidades dos
heveus e dos amorreus, porque abandonaram o culto de
Javé, e adoraram os deuses estranhos. O têrmo amorreus
é usado freqüentemente no Velho Testamento para de­
signar os habitantes da Palestina quando os israelitas
entraram na terra sob a liderança de Josué. Às vêzes,
o têrmo cananeus significa a mesma cousa. Mas quan­
do se distingue o uso dos têrmos, os cananeus são os ha­
bitantes da planície litorânea e do vale do Jordão, en­
quanto os amorreus eram os moradores da região mon­
tanhosa . Os heveus e os horeus, identificados agora como
os hurianos, são bem conhecidos à luz das novas desco­
bertas arqueológicas. A cultura dos horeus de Nuzu foi
muito semelhante à dos hebreus no período patriarcal.
Os hurianos exerceram influência na vida patriarcal dos
hebreus (Consultar as referências sôbre êstes povos na
Arqueologia Bíblica do autor). Ver também A Revista
Teológica de julho de 1956.
Porquanto te esqueceste do Deus da tua salvação.
Êste é o único lugar onde o profeta usa esta frase que
faz parte do seu nome. Rocha do teu refúgio. Êste têr­
mo Rocha é usado freqüentemente como título de Deus,
30:29; 44:8; Deut. 32:4, Rocha, cuja obra é perfeita;
Sal. 19, 27, 31 e outros. As plantações formosas do
verso 10 eram jardins dedicados ao culto de Adônis, o
deus jovem que morre com o assalto do calor dessecan-
te de verão, quando a natureza dorme e parece morta.
O povo fazia estas plantações com a esperança de que
pudessem ajudar, no esforço da natureza para reviver
o seu deus e assim garantir a produção dos frutos do
campo. Êste culto de Adônis muito se espalhava entre
os povos antigos do Oriente Próximo. Os hebreus conhe­
ceram Adônis pelo nome Tamuz. Adônis era deus da
Síria, e, em conseqüência da aliança entre Israel e Da­
masco, alguns israelitas, especialmente mulheres, ado­
ravam o deus Tamuz (Ez. 8:14).
O verso 11 expõe a futilidade destas plantações no
culto de Adônis. Pode-se plantar, fazer crescer e fazer
florescer tais plantações, mas no dia dã tribulação e das
dores incuráveis a colheita voará. Tôdas as religiões
falsas são trágicas, porque deixam finalmente a alma do
homem desamparada, sem qualquer confôrto na hora de
sofrimento e tribulação (Cp. II Tim. 1:12).
G. 0 Poder Mundial Se Levanta e Cai, 17:12-14
12. Ai, o bramido de muitos povos,
êles bramam como o bramido dos mares!
E o rugido das nações,
elas rugem como o rugido das poderosas águas!

13. Rugem as nações como o rugido de muitas águas,


mas êle as repreende, e fogem para longe;
afugentadas como a palha dos montes diante do vento,
e como pó levado pelo tufão.

14. Ao anoitecer, eis, pavor!


Antes que amanheça o dia, não existem!
Êste é o quinhão daqueles que nos despojam,
e a sorte daqueles que nos saqueiam.

Não há problema de data, ou de interpretação, dês-


te breve oráculo. Foi proclamado pelo profeta quando
as nações da Síria e de Israel ainda existiam, mas pou­
co antes da sua destruição. A passagem não se liga com
os versículos anteriores, nem com o capítulo seguinte.
É muito provável que seguiu originalmente a passagem
sôbre o propósito do Senhor na destruição da Assíria,
14:24-27. Embora não seja mencionado o nome da As­
síria, a passagem apresenta uma descrição que concorda
perfeitamente com a destruição do exército poderoso de
Senaqueribe e o declínio da Assíria como potência mun­
dial. Foi proferida, neste caso, um pouco antes de 701.
Aqui, como nas passagens 10:5-16 e 14:24-27, o profeta
mais uma vez declara que Javé é o Senhor da História,
e que o eterno propósito de Deus se manifesta no casti­
go das nações injustas que desprezam a vontade divina.
Os assírios arrogantes lançam a sua campanha militar
contra a pequena nação de Judá, com barulhento terror
e com o poder aparentemente invencível, mas, com a
reprovação do Senhor, êstes violentos saqueadores de
fracas nações são derrotados em vim só dia, e desvane­
cem-se rapidamente da História.
Ai, o bramido de muitos povos. É difícil traduzir o
sentido da palavra “'IH, mas expressa aqui dor e indig­
nação, seguida pela proclamação de julgamento. A re­
petição das palavras hebraicas descreve o tumulto dos
povos e das nações no poderoso exército da Assíria com
mais efeito do que qualquer tradução. Êste grande exér­
cito de soldados de várias nações subjugadas, está na
marcha de grandes conquistas. Parece que o profeta,
nesta maravilhosa descrição, está acompanhando a m ar­
cha militar da Assíria na conquista rápida das nações
até à chegada perante Jerusalém.
Mas êle, Deus, as repreende, e o exército, aparente­
mente invencível, fica humilhado, e as nações fogem para
longe. Por causa das referências aos povos e às nações,
alguns intérpretes duvidam de que o profeta esteja fa­
lando da Assíria nestes versículos. Mas, considerando
as nações que a Assíria tinha subjugado, e o fato de que
elas foram obrigadas a fornecer contingentes para o exér­
cito nacional, a Assíria é a única nação que satisfaz a
esta descrição. Com a reprovação do Senhor, os assí­
rios estão chegando ao fim das suas conquistas cruéis.
São afugentados como a palha dos montes diante do
vento. As eiras geralmente se achavam nas elevações,
onde o vento levava a palha, como o pó diante do tufão.
Ao anoitecer, eis pavor! Antes que amanheça o
dia, já não existem. Assim pereceu o grande exército
de Senaqueribe, de 185.000 homens, que estava sitiando
Jerusalém, e exigindo a sua entrega incondicional, 37:3(i.
Êste é o quinhão daqueles que nos despojam. O
povo do Senhor está sempre seguro, seja quem fôr o ini­
migo que se levante contra êle, Rom. 8:37-39- II Cor.
4:16-18.
H. Profecia Concernente ao Egito, 18:1-20:6
Enquanto alguns intérpretes têm exagerado os pro­
blemas da interpretação destas profecias sôbre o Egito,
há várias dificuldades e perplexidades que surgem no
esforço de apresentar uma exposição satisfatória da lin­
guagem poética e figurada da passagem. A magnifica
linguagem é característica da literatura do principe dos
profetas. Êle se apresenta aqui como sábio estadisia,
e como homem de fé inabalável na revelação da vontade
de Deus para a orientação do seu povo nas crises político-
religiosas. Nas dramáticas circunstâncias da vida de
Judá, Isaías declara que o seu povo devia confiar em
Deus, e esperar com fé, até que o próprio Senhor deter­
mine a destruição do seu opressor.
O profeta trata da demolição do poder da Assíria,
sem mencionar o nome do tirano. Emissários da Etiópia
haviam chegado a Jerusalém para pedir o auxílio de
Judá na revolta geral contra a Assíria. O mais prová­
vel período histórico dêste incidente é o rompimento fi­
nal entre Judá e Assíria, pouco antes de 701. Êste é o
período quando se manifestava mais concórdia entre os
dois países. Uma data mais cedo não concordaria com
as circunstâncias históricas indicadas no capítulo 20,
cêrca de 711, quando Isaías profetizou a conquista da
Etiópia e do' Egito pela Assíria. Segundo êste ponto de
vista, os eventos mencionados neste grupo de profecias
não aconteceram na mesma ocasião. Não se encontram
aqui as severas denúncias das negociações do Egito como
nos capítulos 28 a 31 .
Aparentemente, o profeta não antecipava que Judá,
sob o govêrno do rei Ezequias, havia de responder favo-
ràvelmente às propostas do rei Sabaca. O teor do
oráculo mostra que o profeta esperava eventos penden­
tes e decisivos no conflito das nações. Enquanto a res­
posta aos emissários revela o espírito de cortesia diplo­
mática do profeta, pode-se entender a rejeição firme das
propostas dos nobres emissários. 0 profeta indica, na
sua mensagem, que o próprio Senhor esmagará os assí­
rios, sem o auxílio humano, e êste fato servirá como
demonstração para a Etiópia e para o mundo inteiro de
que o Senhor Javé é o Deus supremo que revela o seu
eterno propósito nos eventos da História.
1. Resposta do Profeta aos Emissários da Etiópia, 18:1-7
1. A h!, terra das asas zunidoras,
que está além dos rios da Etiópia.
2. Que envia embaixadores por mar,
em navios de papiro sôbre as águas!
Ide, mensageiros velozes,
a um povo alto e bronzeado,
a um povo terrível ao perto e ao longe;
a uma nação poderosa e esmagadora,
cuja terra os rios dividem.
3. Vós, todos os habitantes do mundo,
e vós os moradores da terra,
quando se arvorar um sinal nos montes, olhai !
E quando se tocar a trombeta, escutai!
1 . Nos primeiros três versículos dêste capítulo, o pro­
feta apresenta a sua mensagem aos emissários que vie­
ram a Jerusalém da Etiópia, ou da Cuxe, para propor
uma aliança com Judá contra o perigoso agressor, o Im­
pério da Assíria. O prefácio, 1 e 2, descreve em lingua­
gem poética a terra misteriosa da Etiópia e dos seus ha­
bitantes. A mensagem propriamente dita é o verso três,
um convite dirigido a todos os moradores para olhar,
escutar e testemunhar a retribuição divina na destruição
da Assíria, o conquistador e escravizador de nações.
A palavra vjn , Ai, ou Ah! não é um grito de dor ou
indignação aqui, como em outros lugares. Aqui é sim­
plesmente uma palavra formal, ou têrmo de saudação
(Cp. 4:1; Zac. 2:6, 7).
Ah! terra das asas zunidoras, '
Há uma meia dúzia de traduções destas palavras he­
braicas, mas parece que a nossa simples versão é a mais
satisfatória. A palavra é onomatopaica, e repre­
senta o som do vôo dos enxames de locustas sôbre o
Egito. A palavra whirring do inglês, e zunidoras do por­
tuguês, representam imperfeitamente o som do vôo das
locustas ou dos gafanhotos sôbre o Egito. A Septuaginta
traduz por a terra de navios alados, mas a nossa versão
cabe melhor no contexto.
Além dos rios da Etiópia ou de Cuxe (Cp. Sof.
3:10). O têrmo Etiópia é usado na Bíblia num sentido
um tanto vago para designar a região ao sul de Assouã,
Siene ou Sevena, perto da primeira grande queda do
Nilo. Esta região é a terra moderna de Sudão. A capi­
tal da Etiópia, talvez sob o govêrno do imperador Sa-
baca, nesse tempo era Napata, à beira do Nilo.
Os emissários fizeram a viagem em navios de pa­
piro sôbre as águas, ou por m ar. Desceram o Nilo até o
Mar Mediterrâneo, então viajaram pelo mar até ao pôr-
to de Jope. No Egito onde havia pouca madeira, o pa­
piro, planta aquática, era de grande utilidade. A palavra
papiro também significa o papel feito da planta, em que
os gregos e romanos escreveram tôdas as qualidades de
documentos por um período de mil anos. (Ver as mui­
tas referências sôbre o papiro na Arqueologia Bíblica
do autor.) Cêstos e outros vasos úteis, bem como ca­
noas ou pequenos navios, eram feitos da planta e betu-
mados com pez mineral (Cp. Êx. 2:3).
Um povo alto e bronzeado. A palavra tSTÍtt é tra-T
duzida também por polido e belo. Há muitas referências
favoráveis aos egípcios na literatura antiga. Heródoto
descreve os etíopes como os mais altos e os mais belos
dos homens (3:2). Na sua linguagem poética, o profe­
ta é muito generoso na descrição do povo da Etiópia:
povo alto, bronzeado, terrível, nação poderosa e con-
quistadora. Mas pode haver um tom de ironia nestas
palavras à luz do verso seguinte.
O verso 3 apresenta a mensagem que os emissários
devem levar ao seu povo. Mas é uma mensagem não
somente para os etíopes, como também para todos os
habitantes do mundo. Quando o sinal fôr levantado e
3 trombeta fôr tocada, o povo do mundo deve ficar pre­
parado para a intervenção decisiva do Senhor na histó­
ria do mundo, a destruição do inimigo arrogante do
reino de Deus na história das nações. Êste inimigo é a
Assíria.
4. Pois assim me disse o Senhor:
Estarei quieto, olhando desde a minha morada,
como o ardor do sol resplandecente,
como a nuvem do orvalho no calor da sega.
5. Pois antes da vindima, quando acaba a flor,
e a uva verde amadurece,
então podará os sarmentos com a foice,
e cortará os ramos que se estendem.
6. Serão deixados juntos
às aves dos montes
e aos animais da terra.
Sôbre êles veranearão as aves de rapina,
e todos os animais da terra invernarão sôbre êles.

Na segunda estrofe desta poesia, versos 4 a 6, o Se­


nhor revela ao profeta o seu modo de agir. Na realiza­
ção de seus eternos propósitos, Deus nunca atua preci­
pitadamente, como o homem, nem demora na execução
dos seus planos. O profeta ficou profundamente satis­
feito com a orientação divina nos seus ensinos sôbre o
propósito do Senhor nos eventos históricos dos povos
da época.
Pois assim o Senhor me disse. Òs judeus, bem como
os etíopes e outros povos, ficaram horrorizados pela
campanha militar dos ferozes assírios nas suas podero­
sas conquistas. É nestas circunstâncias que Isaías cha­
ma a atenção para a calma e o propósito do Governa­
dor Supremo da história. Diz o Senhor: Estarei quieto,
enquanto os inimigos iníquos do meu povo fazem as
suas preparações para dominar o mundo. O hebrai­
co indica claramente que as cláusulas seguintes são sí­
miles, e assirii as traduzimos: como o ardor do sol res­
plandecente, como a nuvem do orvalho no calor da cega.
Cõmo o calor do sol e o orvalho são prelúdios da sega,
e assim constituem o preparo para recolher o fruto, as­
sim o Senhor está determinando e preparando o desti­
no final das nações, especialmente da Assíria. A frase
a nuvem do orvalho é linguagem poética que perturba
alguns intérpretes cientistas, porque o orvalho não é ge­
rado na nuvem. Alguns traduzem a palavra *3 quando
em vez de como, que pode ser também o sentido da pa­
lavra, mas é menos satisfatória neste contexto.
Pois antes da vindima, Deus interpõe a sua autori­
dade. A linguagem aqui é figurada, e a imagem baseia-
se na declaração do versículo 4. Deus está consideran­
do calmamente os planos iníquos dos assírios, que estão
sendo preparados cuidadosamente, como o calor do sol
e o orvalho preparam o vinhedo para a ceifa dos frutos.
Enquanto a Assíria está fazendo os seus planos de con­
quista, as pequenas nações apavoradas querem ficar
preparadas de qualquer maneira para se defenderem.
Mas Deus afirma, por intermédio do seu mensageiro, que
os planos da Assma, feitos com tanta certeza de êxito,
hão de fracassar completamente, como se um homem
entrasse no vinhedo e cortasse as vides antes que as uvas
tivessem tempo para amadurecer. É figura expressiva
que declara a ruína da Assíria justamente no momento
quando estivesse realizando a sua ambição e o seu pro­
pósito de dominar o mundo, pois a calamidade cairia
inesperadamente sôbre ela. Tudo está preparado para
a sega. Ô sol e o orvalho já fizeram o seu trabalho. O
inimigo está bem preparado, as nações fracas não têm
defesa. O conquistador está pronto para ceifar as ri­
quezas das suas vítimas. Mas não contou com a inter­
venção do Senhor dos Exércitos.
No versículo 6 o profeta se refere mais claramente
aos assírios. É notável o contraste entre as esperanças
e os planos dos assírios e o resultado calamitoso da sua
campanha militar. O tempo de orgulho e regozijo,
com o seu póder invencível e as suas grandes conquis­
tas, termina abruptamente. Em vez de recolher, com o
grito de vitória, o despojo das suas vítimas, os seus pró­
prios corpos são entregues às ayes de rapina e aos ani­
mais da terra (Cp. Ez. 39:11-16). ,
Não obstante a obscuridade dêsse capítulo, e as di­
ficuldades encontradas na interpretação dos seus por­
menores, e da sua linguagem figurada, a passagem nos
oferece mais um exemplo da confiança suprema de
Isaías no Senhor Javé, como o Deus eterno da História.
Judá se achava numa situação extremamente perigosa,
e parecia importantíssimo qualquer auxílio que pudesse
obter por quaisquer alianças políticas, mas o profeta re­
pudia a idéia de tais alianças, porque Deus lhe revelara
o propósito de salvar a Judá, na realização do seu plano
eterno para tôdas as nações da terra.
7. Naquele tempo será levado um presente ao Senhor dos
Exércitos por um povo alto e polido,
povo terrível ao perto e ao longe,
uma nação poderosa e conquistadora,
cuja terra os rios dividem;
ao lugar do nome do Senhor dos Exércitos, ao Monte Sião.

O versículo 7 suplementa a declaração do v. 2. Êste


epílogo conta como Etiópia, havendo testemunhado o
grande livramento de Judá pelo poder do Senhor Javé,
trará tributo ao Monte Sião, ao Senhor dos Exércitos, a
quem pertence o poder supremo, a glória e a vitória fi­
nal (Cp. Sal. 76:12; Sof. 3:10).
A palavra presente, é rara, mas se encontra no
Sal. 68:29 e em 76:11, usada com a palavra poética ,
conduzir, ou levar consigo um presente. Ao lugar do
- t

Nome do Senhor dos Exércitos, ao Monte Sião. (Ver


30:27; Cp. I Reis 8:17; Deut. 12:5, 11.) Ver outras re­
ferências à conversão dos etíopes em 45:14; Sof. 3:10;
Sal. 68:31.)
É geralmente reconhecido que êste capítulo foi es­
crito quando Senaqueribe tinha chegado na altura do
seu poder, e quando a Assíria já obtivera as suas maio­
res conquistas, um pouco antes da destruição miraculo­
sa do grande exército da Assíria perante a cidade de Je­
rusalém em 601 (Ver a Arqueologia Bíblica do autor,
ps. 269-271).
2. Profecia Contra o Egito, 19:1-15
1. Oráculo concernente ao Egito.
Eis que o Senhor, cavalgando numa nuvém ligeira
vem ao Egito;
os ídolos do Egito estremecerão diante dêle,
e o coração dos egípcios se derreterá dentro dêles.

2. E farei com que egípcios se levantem contra egípcios,


e pelejarão cada um contra o seu irmão,
e cada um contra o seu próximo;
cidade contra cidade, reino contra reino.
3. O espírito dos egípcios se esvaecerá dentro dêles,
e eu confundirei o seu conselho;
êles consultarão os seus ídolos e encantadores,
e necromantes e feiticeiros.
4. E eu entregarei os egípcios
nas mãos ds um senhor duro;
e um rei feroz os dominará,
diz o Senhor, o Senhor dos Exércitos.

Êste capítulo consta de duas partes principais. A


primeira divisão, versos 1 a 15, está escrita na forma
de poesia, e descreve a aflição vindoura dos egípcios. O
Senhor vem ao Egito em juízo, e castigará os egípcios
de várias maneii’as. 0 profeta, em três estrofes poéticas,
descreve as conseqüências do julgamento divino na vida
religiosa, econômica e política do Egito. Degenera a re­
ligião, rebenta a guerra civil e ficam paralisadas as in­
dústrias do país. Os versículos 16 a 25 apresentam uma
série de avisos sôbre as condições da vida dos egípcios
nos dias vindouros. O povo abandonará a sua idolatria
e estabelecerá o culto ao Senhor. No temor de Javé,
alianças de amizade e paz serão estabelecidas entre o
Egito e Judá. Haverá também amizade entre o Egito
e a Assíria, e juntos os egípcios e os assírios adorarão
ao Senhor dos Exércitos com o povo de Israel.
Não é possível determinar a data certa quando
Isaías proclamou esta mensagem, porque as alusões his­
tóricas na passagem são vagas e incertas. Talvez fos­
se proclamada em 720, mais ou menos, quando o rei
Sargão da Assíria derrotou o rei do Egito na batalha de
Ráfia. Alguns ligam a data dêste oráculo com a da
subjugação dos filisteus pelos assírios em 711. Mas
parece mais provável que fôsse escrito no período de
amizade entre o Egito e Judá, em 702.
Sentença contra o Egito, ou oráculo concernente
ao Egito. Ver a discussão desta palavra na nota
sôbre 13:1. Javé vem ao Egito, cavalgando numa nu­
vem ligeira. Na linguagem poética, o Senhor é freqüen­
temente representado no seu modo de andar velozmente
no carro de nuvem, ou nas asas do vento, Deut. 33:26;
Sal. 18:10; 68:33; 104:3; Dan. 7:13; Hab. 3:3-10. E
Mat. 24:30 declara que o Filho do Homem virá sôbre as
nuvens do céu com poder e muita glória. Assim é re­
presentada a operação do juízo divino na dissolução da
vida nacional do Egito. Esta linguagem poética não é in­
coerente com o ensino da onipresença do Senhor em
Jer. 23:24 e Sal. 139; nem com a visão de Isaías, 6:1.
Os ídolos do Egito. Os egípcios adoravam vários deuses
e deusas, como Hathor, a Senhora de Biblos, ísis, Hó-
rus, Atom e outros; mas tinham também os seus pró­
prios ídolos, como o crocodilo, peixes, o homem, a árvo­
re e òutros. Mas o profeta fala aqui da decadência da
religião e da vida moral dos egipcios. Com a vinda do
Senhor os ídolos estremecerão, e o coração do povo se
derreterá diante da manifestação da justiça de Deus.
Os versos 2 e 3 descrevem a anarquia no Egito.
A profecia foi escrita num período de declínio do poder
do govêrno, provavelmente na ocasião da queda de uma
dinastia, que resultou na desorganização da vida nacio­
nal. Farei com que, 'FllDD-D de ^ D . Esta palavra é
usada em vários sentidos: incitar, excitar, estimular, ar­
• í - X • — T

mar, esconder, proteger. Deus incita ou faz com que, no


sentido de fazer operar a sua lei moral ou espiritual;
mas os próprios egípcios são responsáveis pelo fracasso
da sua religião, do seu govêrno e da sua vida social e
econômica. Êles estão pelejando uns contra os outros,
em tôdas as suas relações e em tôdas as suas atividades.
A religião não tem mais fôrça na sua vida moral e nas
suas relações sociais.
O espírito dos egípcios se esvaecerá dentro dêles. O
nifal do verbo significa ser esvaziado ou esgotado,
derramado. Com as contendas e lutas êles ficam com­
” T . . . .

pletamente esgotados, sem quaisquer recursos espirituais


011 religiosos. Consultarão, ou consultam os seus ídolos,
os encantadores, os necromantes e os feiticeiros, e ficam
cada vez mais confusos. Eu confundirei o seu conselho -
A palavra pode significar confundir, aniquilar
ou destruir. 0 Senhor destruirá ou aniquilará o consc-
Jho dos egípcios.
Entregarei os egípcios nas mãos de um senhor duro;
ou, mais literalmente, nas mãos de senhores de cruelda­
de, provavelmente os assírios. A palavra senhores é plu­
ral de majestade, como se vê na frase o rei feroz na
cláusula seguinte. O profeta declara que um opressor
cruel do Egito, ou da Assíria, se levantará como o resul­
tado da confusão e das lutas civis enti'e os egípcios. O
Egito sofreu por mais de um século como resultado das
guerras com os assírios e os babilônios .
5. Secarão as águas do Nilo,
e o rio se tornará sêco e árido.
6. Os canais exalarão mau cheiro,
e os braços do Nilo diminuirão e se esgotarão;
as canas e os juncos se murcharão.
7. Haverá lugares nus junto ao Nilo,
à beira do rio,
e tôda a sementeira junto do Nilo se secará,
será levada pelo vento, e não subsistirá.
8. Os pescadores gemerão e lamentarão,
todos que lançam anzol ao rio;
e desfalecerão
os que estendem rêde sôbre as águas.
9. E envergonhar-se-ão os que trabalham em linho fino,
e os que tecem pano branco.
10. Os seus grandes serão esmagados,
e todos os jornaleiros ficarão entristecidos.
Os versículos 5 a 10 descrevem as condições trági­
cas da vida econômica e social do povo do Egito. Estas
condições resultam da falta das águas do Nilo. Alguns
duvidam que haja qualquer conexão entre estas condi­
ções tristes do povo e a injustiça das condições políticas
e sociais apresentadas nos versos 1 a 4. Mas o tom da
mensagem indica que o profeta está dizendo que os egíp­
cios estão sofrendo por causa dos seus pecados da in­
justiça política, industrial e social.
Secarão as águas do mar. A palavra mar, como em
18:2, significa o Nilo, que, nos períodos de inundação,
tinha a aparência de mar, semelhante ao rio Amazonas.
Para os egípcios não podia haver maior desastre do que
a falha das águas do Nilo, porque tôda a prosperidade
da terra, e até a vida do povo dependiam das águas do
rio. Devemos reconhecer que a linguagem do profeta
aiqúi é poética, e não deve ser interpretada literalmente.
Nos tempos antigos o povo sofria quando se baixavam
as águas do Nilo, mas nunca se secaram totalmente as
suas águas.
Os canais exalarão mau cheiro. A palavra rio no
verso 5 significa o Nilo. Os rios, fYHílJ , do verso 6, sig­
nifica canais cortados para distribuir águas do rio Nilo
na irrigação das terras. Esta mesma palavra se usa
para designar os canais da Babilônia, no Salmo 137. O
verbo “ 3Í » exalar mau cheiro, não é usado em qualquer
outro lugar. Talvez seja palavra caldaica, mas o sentido
- T

aqui está claro. Os canais ficarão estagnados e pútridos,


com cheiro nauseabundo.
A palavra significa prado, traduzida por al-
guns revela. Mas o texto apresenta um problema. A mar­
T

gem de Kiltel tem ijnK , lugares nus, que cabe melhor no


texto. A sementeira junto do Nilo pode significar as
canas e os juncos do verso 6, mas alguns pensam que
significa o solo e as sementes plantadas nêle. As plan­
tações serão secadas e reduzidas a pó, sendo êste levado
pelo vento, como no nordeste do Brasil nos períodos da
sêca.
Os pescadores gemerão. A pesca constituía um das
indústrias mais importantes no Egito (Cp. Êx. 7:21).
Assim, as indústrias do Egito, a pesca, a lavoura, o pre­
paro de algodão e linho (Rôlo de 1Q Isaa do Mar Mor­
to) paralisam. Tôdas as classes da sociedade, os gran­
des e os jornaleiros serão esmagados, envergonhados e
entristecidos.
11. Na verdade, são néscios os príncipes de Zoã;
os sábios conselheiros de Faraó dão conselhos estúpidos.
Como podeis dizer a Faraó:
Filho de sábios sou eu,
filho de reis antigos?
12. Onde estão agora os teus sábios?
Anunciem-te agora e informem-te
do que o Senhor dos Exércitos determinou contra o Egito.
13. Loucos se tornaram Os príncipes de Zoã,
enganados estão os príncipes de Mênfis;
fazem errar o Egito
os que são pedras de esquina das suas tribos.
14. O Senhor difundiu no meio dela o espírito de confusão;
e êles fizeram estontear o Egito em tôda a sua obra,
como o bêbedo quando cambaleia no seu vômito.
15. E não haverá para o Egito obra alguma
que possa fazer cabeça, cauda, palma ou junco.
Os versos 11 a 15 descrevem a estultificação e a es­
tupidez dos conselheiros de Faraó. Os sábios famosos
do Egito, e os príncipes das cidades notáveis de Zoã
e Mênfis mostram a sua falta de entendimento, e sua
insensatez nos conselhos que davam a Faraó. O Senhor
írustrava os seus conselhos e os seus planos, porque êles
não podiam discernir, nem entender, os propósitos e os
planos de Deus para com as nações do mundo. Os sá­
bios, vaidosos, enganavam-se a si mesmos, bem como a
todos que participavam na vida e no govêrno do Egito,
e conseqüentemente o país ficou paralisado.
São néscios os príncipes de Zoã. A cidade tinha
também o nome de Tanis. É lima cidade de interesse
histórico. Os hebreus escravizados no Egito moravam
perto de Tanis, e muito provàvelmente foram obrigados
a construir esta cidade, bem como as cidades-celeiros de
Pitom e Ramessés (Êx. 1:11). As escavações mostram
que Zoã foi uma cidade importante ali pela décima-
segunda, ou a sexta dinastia, c. 2625-2475. Foi residên­
cia de reis desde o govêrno de Ramessés II no décimo
terceiro século. Foi também a cidade de Sisaque. rei do
Egito no tempo de Salomão (I Reis 11:40; 14:25; II
Crôn. 12:2, 5, 7).
Como podeis dizer a Faraó, sou filho dos sábios,
filho de reis antigos? A casta sacerdotal foi reconhecida
uo Egito como os herdeiros da sabedoria famosa do
Egito, pois as dinastias antigas eram da classe da elite
dos sacerdotes que teoricamente preservavam e trans­
mitiam a sabedoria do Egito. Mas, não obstante tôdas
as suas pretensões, e a sua vaidade, êles davam conselhos
estúpidos.
Onde estão agora os teus sábios? Pergunta sarcás­
tica, dirigida a Faraó. Perante o problema da aflição
e do sofrimento do Egito, êles não existiam. Existiam,
sim, mas simplesmente como loucos vaidosos que nada
sabiam. Não podiam discernir, nem dizer qual era o
propósito do Senhor concernente ao Egito.
Os príncipes de Zoã e de Mênfis já se tornaram lou­
cos. Mênfis, como Zoã, era unia cidade antiga, e de
importância histórica, como capital do Egito Setentrio­
nal, e como sede de religião e ciência. Ficava no canto
meridional do Delta, perto do local da cidade moderna do
Cairo. Foi conhecida pelo nome de Mofe, Os. 9:6; Nofe,
Jer, 2:16; Menofe, Ez. 30:13.
São estas pedras de esquina que faziam errar o Egi­
to (Cp. Jui. 20:2; I Sam. 14:28; Zac. 10:4). Como re­
sultado dos conselhos dêsses sábios, as autoridades fi­
cavam completamente confundidas. No seu juízo cor­
rompido, os sábios fizeram estontear o Egito em tôdas
as suas obras, como o bêbedo quando cambaleia no seu
vômito. Não podiam fazer covisa alguma. Cabeça e
cauda, príncipe e jornaleiro, forte e fraco, ficaram igual­
mente frustrados e impotentes.
3. Judá e Javé dos Exércitos, um Terror para os Egíp­
cios, 19:16, 17
16. Naquele dia os egípcios serão como mulheres; tremerão com
terror por causa do movimento da mão do Senhor dos Exércitos
que êle agitará contra êles.
17. E a terra de Judá se tornará um terror para os egípcios;
todo aquêle a quem isso se anunciar se assombrará, por causa
do propósito do Senhor dos Exércitos que determinou contra
êles.
Os egípcios tremerão perante o juízo iminente de
Javé dos Exércitos, e estremecerão quando se mencio­
nar o nome de Judá. Talvez haja uma alusão ao efei­
to das pragas na vida dos egípcios no tempo do êxodo,
Êx. 10:7; 11:3; 12:33, 36. Naquela ocasião, como nes­
ta profecia, o povo do Senhor se tornou objeto de ter­
ror para os seus inimigos, pelo movimento da mão de
Javé dos Exércitos.
Naquele dia introduz aqui uma profecia escatológi-
ca, encerrada no conceito bíblico do propósito do Senhor
dos Exércitos. A frase aqui, como em muitos outros lu­
gares, dá ênfase ao juízo do Senhor como o preparo ne­
cessário para o futuro do reino de Deus. Judá, como o
povo escolhido do Senhor, tinha a nobre incumbência
missionária de avançar o reino de Deus entre as nações.
Persistia, porém, no entendimento errado a respeito da
natureza da sua missão, e do seu próprio lugar no rei­
no (Ver a discussão sôbre O Dia do Senhor na Teolo­
gia Bíblica do autor, p. 227). O profeta fala aqui do
terror dos egípcios perante Judá, e perante o Deus do
povo escolhido, Javé dos Exércitos. Apresenta-se, aqui,
apenas o lado negativo do reino futuro de Deus entre as
nações, mas o escritor está visando ao dia quando Judá
dominará o mundo, e a sua religião será aceita univer­
salmente (Cp. 11:10-16; Miq. 7:16-17).
Os egípcios serão como mulheres, tímidos, medro­
sos e consternados. A terra de Judá se tornará um ter­
ror para êles, bem como o movimento da mão de Deus
sôbre a sua terra (Cp. 30:32; 10:32; 11:15).
A terra de Judá se tornará um terror para os egíp­
cios, mas não por causa da agressão de Judá contra o
Egito, como diz The Interpreter’s Bible, in loco. É sim­
plesmente o terror inspirado nos egípcios pelo Senhor
dos Exércitos, como no tempo do êxodo, e pela associa­
ção de idéias, a terra de Deus se tornará um terror para
os egípcios.
4. Os Egípcios e os Assírios Adorarão ao Senhor,
19:18-25
18. Naquele dia haverá cinco cidades na terra do Egito que
falarão a língua de Canaã e jurarão ao Senhor dos Exércitos.
Uma destas será chamada a Cidade do Sol.
19. Naquele dia haverá um altar dedicado ao Senhor no meio da
terra do Egito, e uma coluna se erigirá ao Senhor na sua
fronteira.
20. E servirá de sinal e cie testemunho ao Senhor dos Exércitos na
terra do Egito; quando clamarão ao Senhor por causa dos
opressores, êle lhes enviará um salvador e defensor que os
livrará.
21. E o Senhor se fará conhecido aos egipcios; e os egípcios co­
nhecerão ao Senhor naquele dia; sim, êles o adorarão com
s a c r i f í c i o s e ofertas, e farão votos ao Senhor, e os
cumprirão.
Êste versículo 18, que fala das cinco cidades na ter­
ra do Egito que falarão a língua de Canaã e jurarão ao
Senhor dos Exércitos, é de largo interêsse histórico.
Uma das cidades é distinguida das outras, talvez como
o centro do culto dos judeus no Egito. Esta seção do ca­
pítulo, versos 18 a 25, em contraste com a atitude de
hostilidade contra o Egito em 16 a 17, trata de três as­
suntos importantes — a colônia de judeus no Egito, a
conversão dos egípcios e a aliança religiosa entre o Egi­
to, a Assíria e Israel. As cartas de Elefantina ou Yebe,
descobertas em 1903, oferecem muita informação im­
portante sôbre a colônia dos judeus no Egito (Ver a Ar­
queologia Bíblica do autor, ps. 59-62). Essa colônia de
hebreus em Elefantina, perto de Assouã, erigiu o seu
Templo ao Senhor logo em 525 a.C ., ou talvez algum
tempo antes. Cêrca de 160, Onias, um sacerdote exila­
do, construiu em Leontópolis o segundo templo, justifi­
cando-se por esta passagem em Isaías, segundo Josefo,
Antigüidades XIII:3.1.
Alguns interpretam o versículo 18 como profecia de
que algumas cidades egípcias se converterão ao Senhoi'
Javé dos judeus como as primícias da terra, e assim fa­
larão a língua de Canaã. Mas, à luz da História, é claro
que as cinco cidades são colônias de judeus no Egito. O
culto de Javé dos Exércitos será estabelecido na terra,
e como resultado da conversão do Egito e da Assíria,
haverá uma aliança religiosa entre êstes países e Israel.
Não há ocasião mais apropriada historicamente para esta
visão do profeta do que a salvação miraculosa de Jeru­
salém do poder do exército de Senaqueribe em 701 a.C.
Falarão a língua de Canaã. Esta língua de Canaã é
o hebraico falado pelos israelitas e por vários outros po­
vos das terras vizinhas. Foi esta língua sagrada que dis-
tinguiu os judeus no Egito dos seus vizinhos. Jurarão
ao Senhor significa simplesmente que êstes judeus no
Egito eram fiéis ao Senhor dos Exércitos, o Deus que se
revelou ao seu povo. Há várias opiniões, e muita dis­
cussão a respeito do sentido original da última declara­
ção do verso 18. Uma destas será chamada a cidade da
destruição, DTlH; a cidade da justiça, p i da Sep-
tuaginta; a cidade do Sol,D“inn , de vários manuscritos.
A primeira destas versões representa o texto aceito; a
segunda representa a versão grega; a terceira segue o
hebraico de vários manuscritos. Alguns pensam que a
Cidade da Justiça represente o texto original (Cp. 1:26),
a pequena Jerusalém entre as cinco cidades no Egito.
Mais tarde, foi mudada para o nome egípcio, Cidade do
Sol, Heliópolis, uma cidade no Delta. A Cidade da Des­
truição representa uma data mais tarde, nome usado por
causa do zêlo ortodoxo em favor de Jerusalém como o
único santuário legítimo de Javé (Deut. 12:5). É tam­
bém possível que fôsse denominada a cidade da destrui­
ção por causa da hostilidade desenvolvida mais tarde
contra o Egito.
Haverá um altar ao Senhor no Egito para os ju­
deus na terra, e mais tarde para os egípcios convertidos
ao Deus de Israel. Como já explicamos, os judeus no
Egito construíram um Templo dedicado ao culto do Se­
nhor, não obstante a legislação deuteronômica que re­
conhecia apenas o altar ou o Templo em Jerusalém.
Uma coluna, n a s » , foi erigida na fronteira do Egito.
Colunas ou pilares comemoravam uma variedade de
T —

eventos históricos na terra de Israel, e finalmente eram


usados como acessórios ao culto. Esta coluna na fron­
teira do Egito servia, para os israelitas no Egito, de si­
nal e de testemunho ao Senhor dos Exércitos. Prome­
te, primeiro aos judeus, e depois aos egipcios que se con­
vertam ao Senhor, um Salvador e defensor, quando cla­
marão ao Senhor por causa dos opressores. Assim, o
processo da conversão dos egípcios se apresenta nos ver­
sos 20 e 21 de uma maneira significativa. Os judeus
proclamam aos egípcios o nome de Javé por suas obser­
vações religiosas, e depois no tempo de aflição, os egíp­
cios, sem mais confiança nos seus deuses falsos, vêm ao
Senhor, e dêle recebem respostas às suas orações. Os
egípcios se regozijam no conhecimento do Senhor, e na
sua profunda gratidão, e êles o adoram com sacrifícios
e ofertas.
22. E o Senhor ferirá os egípcios, ferindo e curando; e êles
se converterão ao Senhor, e êle lhes atenderá às orações,
e os curará.
23. Naquele dia haverá estrada do Egito até à Assíria, e os
assírios virão ao Egito, e os egípcios ã Assíria; e os egípcios
adorarão com os assírios ao Senhor.
24. Naquele dia Israel será o terceiro com os egípcios e os
assírios, uma bênção no meio da terra;
25. porquanto o Senhor dos Exércitos os abençoará, dizendo:
Bendito seja o Egito, meu povo, e a Assíria, obra das
minhas mãos, e Israel, minha herança.
O Senhor ferirá os egípcios, e assim os disciplina­
rá da mesma maneira, e com o mesmo propósito, com
que disciplinava o povo de Israel. Os egípcios que se con­
verterem ao Senhor terão a experiência da disciplina
paternal e da bondade divina que havia orientado o
povo de Israel. Terão até as mesmas fraquezas dos is­
raelitas, mas quando se desviarem do caminho do Se­
nhor, a disciplina os levará ao arrependimento, e voltan­
do-se ao Senhor, êles receberão as bênçãos do perdão,
e Deus responderá às suas súplicas e os curará (Cp.
Os. 6:1).
Naquele dia haverá estrada do Egito até à Assíria.
Assim haverá uma aliança pacífica entre êsses dois paí­
ses, baseada no seu nôvo conhecimento do Senhor dos
Exércitos, o verdadeiro Deus. Como o verso 21 explica
a conversão do Egito ao Senhor, assim êste verso 23 in­
dica claramente que a Assíria experimentara a mesma
transformação religiosa. A inimizade política que exis­
tira por longos anos entre o Egito e a Assíria termina­
rá com a nova experiência religiosa com o Senhor Javé,
o Deus de Israel. Os versos 23 a 25 falam da aliança
tríplice entre o Egito, a Assíria e Israel. Êstes três po-
dêres, na maravilhosa providência de Deus, serão uma
fonte de bênção para o mundo inteiro.
Naquele dia Israel será o terceiro com o Egito e a
Assíria. Os versos 24 e 25 explicam como êstes dois
grandes podêres rivais, que no período das suas famo­
sas carreiras políticas, esmagavam países, saqueavam
as suas riquezas e atormentavam os seus povos, naquele
dia do Senhor, êles cooperarão e trabalharão juntos com
Israel, para estender o reino dó Senhor dos Exércitos
entre os povos da terra. Com a estrada entre o Egito e
a Assíria que atravessa a terra de Israel, os egípcios e os
assírios serão relacionados ao Senhor tão diretamente
como Israel. Esta profecia missionária vai se cumprin­
do lentamente, mas com a certeza do seu cumprimento
final.
5. Evitar Alianças Políticas com Estrangeiros, 20:1-6
Êste tópico especifica um ensino geral dos profetas
que recebe ênfase especial neste capítulo. Mas a men­
sagem do profeta relaciona-se com vários fatos e even­
tos históricos de importância. Oferece, por exemplo, in­
formação nova sôbre a personalidade e a atividade po­
lítica de Isaías. Já havia demonstrado, no capítulo 7,
a sua forte oposição contra a aliança desastrosa de Judá
contra a Assíria. Naquela ocasião, o profeta levou con-.
sigo o filho, com o nome simbólico Sear-Jasube. Mas
agora êle representa um ato simbólico, aparentemente
humilhante e indecoroso para um mensageiro do Se­
nhor, para demonstrar o perigo de fazer uma aliança:
com o Egito. Andou três anos nu e descalço por sinal
e prodígio sôbre o Egito. Mas Jeremias e Ezequiel usa­
ram mais símbolos do que Isaías para reforçar os seus:
ensinos.
No ano de 711 a. C., Sargão II, rei da Assíria de
722 a 705, fêz a sua expedição contra Asdode, a cidade
principal dos filisteus. Das inscrições preservadas e acha­
das no magnífico palácio de Sargão II, em Dur-Sarrukin
ou Sargonópolis, íemos informação sôbre as atividades
dêsse poderoso imperador (Ver Winton Tliomas, Do-
cuments from Old Testament Times, ps. 61 e seg. e a
Arqueologia Bíblica do autor, ps. 79-80). Em 721 foi
êle quem completou o sítio de Samaria, e deportou
27.290 de seus habitantes, espalhando-os em vários paí­
ses sob o seu domínio, assim terminando definitivamen­
te o reino setentrional dos hebreus.
Asdode, a cidade principal dos filisteus, foi o cen­
tro da rebelião contra a Assíria. O rei Azuri de Asdode,
deixando de pagar o tributo exigido pela Assíria, uniu-
se com os príncipes dos estados vizinhos, com a esperan­
ça de ganhar o socorro de Judá e do Egito, numa grande
revolta contra a Assíria. Por esta insubordinação, Azu-
ri foi deposto e o seu irmão Aquimite estabelecido em
seu lugar. Mas os asdoditas removeram Aquimite e es­
colheram lamani como o seu governador. Sargão II
mandou imediatamente uma grande fôrça expedicioná­
ria contra os rebeldes, capturou a cidade de Asdode, sa­
queou as suas riquezas, e levou cativos os seus habitan­
tes. Sargão incorporou o território dos filisteus no Im­
pério da Assíria. Antes da chegada do exército de Sar­
gão contra os filisteus, o profeta evidentemente pensava
que os assírios conquistadores estenderiam o seu poder
também sôbre o Egito, e assim quis mostrar ao seu povo
a fraqueza daquele país, em cujo poder os judeus sempre
tinham a tendência de confiar, contra os conselhos dos
profetas. É um tributo à influência e ao poder de Isaías,
como estadista, que êle ganhasse a vitória sôbre o par­
tido político que favoreceu a união de Judá com o Egito
e a Etiópia nesse tempo.
1. No a n o em que o comandante-chefe, enviado por Sargão, rei
da Assíria, veio a Asdode, e a guerreou e a tomou,
2. nesse mesmo tempo o Senhor tinha falado por intermédio de
Isaías, filho de Amoz, dizendo; Vai, solta de teus lombos
o pano grosseiro e tira dos pés o calçado. E assim êle tinha
feito, indo despido e descalço.
3. Então, o Senhor disse: Assim como Isaias, meu servo, tem
andado três anos despido e descalço, por sinal e prodígio
contra o Egito e contra a Etiópia,
4. assim o rei da Assíria levará os presos do Egito, e os exilados
da Etiópia, tanto moços como velhos, despidos e descatços, e
com as nádegas descobertas, para vergonha do Egito.
No ano em que veio o comandante-chefe a Asdode.
Esta palavra (tartã) não é nome próprio, como se vê
em muitas versões. É o titulo do maior oficial do exér­
cito da Assíria, dépois do rei, o comandante-chefe das
tropas (II Reis 18:17). Sargão, ou Sarruquim, rei da
Assíria. Êste é o único lugar no Velho Testamento em
que o nome dêle é mencionado. Era filho de Salmane-
ser V e o pai de Senaqueribe (Cp. II Reis 17:5, 6). Era
um dos mais vigorosos reis da Assíria.
No verso 2 o sentido da palavra é claramen­
te tinha falado, em vez de falou, o Senhor por intermé^
dio de Isaías. 0 profeta tinha andado nu e descalço por
três anos, antes da vinda do exército da Assíria. Aqui;
como em muitos lugares do Velho Testamento, é o con­
texto e não a forma gramatical que determina o tempo
do verbo, como explico na minha Sintaxe do Hebraico,
caps. I e II. 0 vestido do profeta é geralmente repre­
sentado como manto de pêlos, H2 ■ H 3, o vestido comuittj
II Reis 1:8; Zac. 13:4. Mas . o vestido que o profeta
soltou era de pano grosseiro. A frase andando nu sig­
nifica que o profeta usava naquele período apenas uma
espécie de avental ou uma tanga (Cp. I Sam. 19:24;
João 21:7). O ato do profeta foi indecoroso e humilhan­
te para um homem como Isaías, e representa o espírito
de sacrifício no serviço do Senhor.
O verso 3 acentua êste fato de que Isaías era servo,
meu servo, do Senhor (Cp. Am. 3:7; Núm. 12:7). 0
seu ato era sinal e portento contra o Egito e contra a
Etiópia (Ver. 8:18). No tempo da proclamação desta
mensagem a Etiópia exercia a influência e o poder polí­
tico no vale do Nilo. Sabaca tinha subjugado todo o
Egito ao govêrno dos reis da Etiópia pouco antes de o
profeta proclamar a sua mensagem.
O rei da Assíria levará os presos do Egito, e os exi­
lados da Etiópia. A Assíria era notàvelmente cruel no
tratamento das nações que subjugava. Praticava a po­
lítica do genocídio, extinguindo as raças e as nações qite
conquistava. Assim, Sargão II tratou os filisteus venci­
dos com a mesma crueldade que tinha praticado contra
a nação de Israel, exilando tanto moços como velhos,
despidos e descalços, e com as nádegas descobertas.
Sargão não invadiu o Egito e a Etiópia nesta campanha,
mas os assírios derrotaram os egípcios na batalha de
Elteque dez anos depois, e em 670 o Egito foi invadido e
severamente derrotado pelos assírios. Mas o fato im­
portante é que os judeus, que tanto se esforçaram para
estabelecer uma aliança política com o Egito, viram a
tragédia dos filisteus que com tanta confiança tinham
dependido do socorro do Egito. Assim, Isaías viu que
a sua humilhação, na obediência ao Senhor, não foi
em vão.
5. Então se assombrarão e se envergonharão por causa da
Etiópia, sua esperança, e do Egito, seu orgulho.
6. E os moradores desta ilha dirão naquele dia: Vêde, foi
isto que aconteceu àqueles em quem esperávamos, e aos
quais fugimos por socorro, para livrar-nos do rei da Assiria!
Como, pois, escaparemos nós ?
Os versos 5 e 6 descrevem o efeito nos habitantes
de Judá, que tanto haviam confiado no Egito, quando
êles viram os filisteus levados cativos sem que lhes vies­
se qualquer auxílio da parte dos egípcios. Assim, foi
cumprida a mensagem do profeta, e vindicado o motivo
da sua humilhação. Foi um grande sacrifício para êste
nobre profeta que andava como príncipe, sujeitar-se ao es­
cárnio público. Mas não podemos deixar de lembrar que
Aquêle que se sujeitou à mais terrível humilhação ga­
nhou a vitória mais gloriosa, Fil. 2:5-11.
A frase desta região, ou a terra da costa descreve
o território dos filisteus, mas inclui também a terra
de Judá. O sacrifício do profeta visava especialmente
ao bem-estar do seu povo. Êste capítulo relaciona-se
claramente com 19:1-15, especialmente com o verso 4.
I. Uma Visão da Queda da Babilônia, 21:1-10
1. Oráculo concernente ao deserto do mar.
Como tufões no sul andam rapidamente,
êle vem do deserto,
duma terra terrível.
2. Visão dura me é anunciada;
o pérfido procede pèrfidamente,
o destruidor anda destruindo.
Sobe, ó Elão,
sitia, 6 Média;
todo o seu gemido
faço cessar.
Há três oráculos difíceis de interpretar neste capí­
tulo . As três poesias tratam da Babilônia, Dumá e a Ará­
bia. Cada uma das três mensagens acentua o elemento
visionário na experiência do mensageiro, e indica uma
certa simpatia para com os povos destas terras. O pro­
feta se agita com pensamentos obscuros e melancólicos.
A linguagem é um tanto enigmática e obscura, mas
breve e vigorosa, e com frases brilhantes. É a lingua­
gem de excitamento que descreve o movimento rápido
dos eventos apresentados.
Sem entrar nas numerosas discussões sôbre o au­
tor e a data dos oráculos, basta dizer que os argumen­
tos contra a autoria isaiânica, embora fortes, e para
muitos conclusivos, não são suficientes para provar que
o profeta Isaías não pudesse ter escrito êste capítulo.
Pode -se dizer também que, neste caso, a questão da da­
ta e do autor não muda essencialmente a significação
da mensagem.
Oráculo concernente ao deserto do mar. Que signifi­
ca esta declaração misteriosa? A versão grega e o Rôlo do
Mar Morto omitem a palavra mar. Mas é possível
que a palavra fôsse omitida do texto original por causa
da dificuldade da declaração. Enquanto o sul da Babi­
lônia, diretamente ao norte do Gôlfo Pérsico, não pode
ser descrito como o deserto do mar, não há dúvida de
que se fala aqui na Babilônia, seja qual fôr a solução do
enigma das palavras. Na visão dura o profeta está vendo
e contemplando a marcha rápida e tempestuosa das
hostes da Média e de Elão contra a Babilônia. Ora, esta
referência ao ataque de Elão e Média é suficiente para
convencer muitos estudantes de que se fala do assalto
histórico contra a Babilônia, quando ela caiu no podei'
dos persas, sob o comando de Ciro, em 530, muito tem­
po depois de Isaías. Mas o conteúdo do capítulo' também
cabe numa situação histórica do tempo de Isaías. Sabemos
de Is. 39:1-4 que Merodaque Baladã era homem pode­
roso da província da Babilônia, que ameaçava tomar
conta do govêrno do Império da Assíria no tempo do
profeta. Sargão II lutou contra êste adversário em 710
na província da Babilônia, e finalmente o subjugou.
Estas circunstâncias históricas oferecem uma explica­
ção da simpatia para com as vítimas da agressão assí­
ria, bem como do elemento visionário dos oráculos. Elão
e Média, sob o comando de Sargão II, representaram as
fôrças da Assíria contra a Babilônia.
O profeta está preocupado porque os tufões do de­
serto talvez venham contra a sua terra, depois da suh-
jugação da Babilônia, e a narrativa subseqüente focaliza
a atenção em Elão e Média. O perigo que viesse da­
quela região teria que atravessar o deserto para chegar
a Judá. A menção de Média e Elão como o adversário
conquistador não é incompatível com o reconhecimen­
to de Isaías como o autor da profecia (Ver 22:6). Os
elamitas eram um povd muito antigo, com uma longa
história de relações e alianças políticas com várias na­
ções do mundo (Gên. 14:1-11; Is. 11:11; Jer. .25:
25; Ez. 32:24; Esd. 4:0; Neem. 1:1; Est. 1:2; Dan.
8:2; At. 2:9). Os medos eram iranianos, indo-europeus,
<|tio ocupavam a terra ao sul do Mar Cáspio. Já consti­
tuíam uma nação crescente no tempo de Isaías, mas pa-
<{ílvnm tributo a Salmaneser II, c. 836. Em 612 êles
capturaram a orgulhosa cidade de Nínive, capital do
Império da Assíria. Ciro conquistou a Média em 549.
3. Pelo que os meus lombos estão cheios d« angústia;
dores se apoderaram de mim,
como as dores da mulher que dá à luz;
contorço-me de dores e não posso ouvir,
desfaleço e não posso ver.
4. O meu coração cambaleia, o horror me apavora;
o crepúsculo que desejava
se me tornou em tremores.
Os versos 3 e 4 descrevem a agitação e o terror do
profeta. 0 crepúsculo que desejava, se me tornou em
tremores. Esta declaração aparentemente menciona as
tristezas do profeta nos seus últimos dias, depois de um
período de calma. As dores mais terríveis se apodera­
ram dêle, e êle se achava apavorado.
5. Preparam a nrvesa,
estendem tapêtes,
comem, bebem.
Levantai-vos, príncipes,
untai o escudo.
6. Pois assim me disse o Senhor:
Vai, põe o atalaia,
que êle anuncie o que vir.
7. Quando êle vir uma tropa de homens montados,
cavaleiros de dois a dois,
uma tropa de jumentos,
e uma tropa de camelos,
que êle então escute atentamente,
mui atentamente,
8. Então gritou aquêle que viu:
S&bre a tôrre de vigia estou em pé, 6 Senhor,
continuamente durante o dia,
e de guarda me ponho
noites inteiras.
9 Eis agora vem uma tropa de homens,
cavaleiros de dois a dois!
Então ergueu êle a voz e disse:
Caiu, caiu Babilônia;
e tôdas as imagens de seus deuaes
êle despedaçou por terra.
O verso 5 descreve o indiferentismo dos babilônios
perante o perigo do sítio da cidade pelo inimigo. Termi­
na o versículo 5 com o apêlo dirigido ao povo que co­
mia e bebia, e aparentemente não se preocupava com
o perigo do inimigo. Levantai-vos, príncipes, untai o
escudo. O banquete termina em confusão, pois o ini­
migo já está à porta da cidade. Tudo isso o profeta con­
templa na visão. Untai o escudo, preparai-vos para a
batalha (Ver II Sam. 1:21). Até o verso 5, o profeta, na
sna visão, fala da mensagem que lhe foi anunciada di­
retamente, Mas nos versos 6 a 9 êle indica outro modo
de comunicação. Assim, êle se apresenta como perso­
nalidade dual. No fim, o atalaia é o próprio profeta.
Vê e ouve cousas que não entende, porque ficou em sus­
penso o seu poder de interpretar imediatamente o que
estava vendo e ouvindo. Ao mesmo tempo, êle se man­
tém alerta para entender e transmitir o significado da
mensagem que está recebendo como o atalaia. Encon­
tra-se a mesma experiência psicológica da parte de ou­
tros profetas; Hab. 2:1; Zac. 1:9; Ez. 8:1-3; 11:21-25.
Êste estilo enigmático não è característico do profeta
Isaías, e levanta dificuldades em se aceitar êste capítulo
como obra sua.
Vai, põe o atalaia, que êle anuncie o que vir. Esta
é ordem que o profeta recebe do Senhor. Assim, na vi­
são, o profeta vê e ouve mui atentamente a procissão
militar, com a certeza de que há de receber a mensagem
que ela representa,
A frase clamou como leão traduz corretamente o
lexto massorético, mas o texto da margem, gritou aque­
le que viu, é mais claro, e representa melhor o sentido
da passagem. A diligência do atalaia, que é o próprio
profeta, é indicada, com ênfase, pela declaração de que
êle fica estacionado de pé, na tôrre de vigia, durante o
dia e noites inteiras. E quando o profeta vê e escuta
mui atentamente a longa tropa, que, na visão, vem da
Babilônia, de repente êle entende o que significa o pa­
norama. Então ergueu a voz e clamou: Caiu, caiu Ba­
bilônia, juntamente com os seus deuses.
10. Oh! meu debulhado, meu filho da eiral
O que tenho ouvido do Senhor dos Exércitos,
o Deus de Israel, isso vos anuncio.
O verso 10 refere-se a Judá, o debulhado e o filho
da eira, do profeta. Com a subjugação da Babilônia, o
profeta está pensando aparentemente que o poderoso
exército da Assíria atacará logo as cidades rebeldes dos
filisteus, vizinhos de Judá, e provàvelmente a Judá tam­
bém.
Há três interpretações dêste capítulo que represen­
tam métodos diferentes de se entender a profecia do
ponto de vista da História. Alguns dizem que a visão do
profeta não está limitada quanto ao seu entendimento
dos eventos futuros da História. Segundo êste ponto de
vista, os intérpretes antigos, e alguns poucos entre os
modernos, dizem que Isaías, o autor dêste capítulo, ti­
nha recebido do Senhor uma visão clara da queda da
Babilônia no poder de Ciro em 586, aproximadamente
125 anos depois de escrever êste capítulo.
Por causa das grandes dificuldades de manter e
aplicar êste método de interpretar as profecias do Velho
Testamento, quase todos os eruditos modernos, reco-
nhecendo que a inspiração divina preparou os profetas
para entender e interpretar o significado dos eventos do
seu tempo na providência divina, não podem descobrir
nas profecias qualquer evidência de que os seus auto­
res tivessem o poder para descrever os pormenores dos
eventos futuros da História. Enquanto o profeta Isaias
era mestre inspirado pelo Senhor para entender e ex­
plicar a significação e a importância dos eventos histó­
ricos da sua época em relação ao propósito de Deus, êle
não foi inspirado para interpretar os pormenores dos
eventos históricos que aconteceriam mais de cem anos
depois da sua morte. Deus levantou e inspirou Jere­
mias e outros profetas para interpretarem o significa­
do, e o propósito divino do cativeiro babilônico.
Se o profeta Isaias escreveu êstes dez versículos, êle
descreve a derrota de Merodaque Baladã e a queda da
província da Babilônia, no seu esforço de dominar o Im­
pério da Assíria. Se o mensageiro está falando da queda
do Império da Babilônia no poder de Ciro em 587, não
é o profeta Isaias. Êste é o ponto de vista de quase to­
dos os eruditos de hoje.
J. Oráculo Concernente a Dumá, 21:11-12
11. Oráculo concernente a Dumá.
Clama para. mim de Seir:
Guarda, que há de noite?
Guarda, que há de noite?

12. Diz o guarda :


Vem a manhã, e também a noite.
Se quereis perguntar, perguntai;
voltai, vinde.

Êste breve oráculo trata de Dumá. Segundo a Sep-


tuaginta, e a margem de alguns manuscritos hebraicos,
Dumá identifica-se como Edom. A terra de Edom fica
diretamente ao sul e sueste do Mar Morto. A palavra
Dumá significa silêncio, e pode ser formada pela troca
da posição das letras hebraicas da palavra Edom. A
passagem breve e vaga não indica definitivamente a si­
tuação histórica, nem a data do oráculo. Mas o tom
de ansiedade na pergunta indica que Seir (Cp. Juí. 5:4;
Ez. 35:2) ou Edom se achava em grande perigo. Devi­
do à sua posição geográfica, Edom se achava neste
grande perigo quando Sargão II subjugou os filisteus, e
ameaçava estender a sua campanha militar até ao Egito,
c. 715. Neste caso, não pode haver dúvida de que Isaias
é o autor dêsse oráculo. Por outro lado, Edom prospe­
rou notàvelmente durante o período do exílio dos ju­
deus na Babilônia, ocupando uma grande parte do ter­
ritório dos exilados, e despertando contra si a hostilida­
de feroz dos vitimados (Cp. Ez. 25:12-14; 35:14; 36:3;
Is. 63:1-6; Mal. 1:2-5).
Clama para mim, fcH p Assim o ptc. sing.,
sem sujeito definido, indica clamor urgente. 0 claman-
te apresenta ao guarda, o profeta, a pergunta ansiosa:
Guarda, que há de noite? Que parte da noite já pas­
sou? Quantas horas até que venha a manhã? Esta lin­
guagem é obscura, e provàvelmente figurada. Quanto
tempo dêste período de aflição já passou? Quando vem
alívio? (Cp. Is. 8:20-22; 47:5; Jer. 15:9; Miq. 3:6).
Diz o guarda: Yem a manhã, e também a noite. A
resposta é tão obscura quanto a pergunta. Vem a ma­
nhã, sim, e logo depois a noite. Quando se achava Edom
neste período de aflição? É impossível responder com
certeza. Philip Schaff pensa que foi no período da in­
vasão de Judá por Senaqueribe, e que a manhã veio com
a derrota dêle, mas a noite voltou com o domínio da Ba­
bilônia (A Commentary on the Holy Scriptures, Vol.
XI, p . 243). Embora venha a manhã, será tragada
logo depois pela noite. A frase perguntai, voltai outra
vez, indica que talvez haja esperança para Edom, mas
não esclarece a obscuridade do oráculo concernente a
Edom.
K. Oráculo Concernente a Arábia, 21:13-17
13. Oráculo concernente a Arábia.
Nos bosques da Arábia passareis a noite,
6 caravanas de dedanitas.
14. Trazei águas aos sedentos;
levai pão aos fugitivos,
ó moradores da terra de Tema.
15. Porque êles fogem de diante das espadas,
de diante da espada nua,
de diante do arco armado,
e de diante do furor da guerra.
16. Pois assim me disse o Senhor: Dentro dum ano, tal como
o do jornaleiro, tâda a glória de Quedar desaparecerá.
17. E o restante do número dos flecheiros, os valentes dos filho*
de Quedar, será diminuto, porque assim o diss» o Senhor,
o Deus de Israel.

Não há qualquer evidência clara nestes versos obs­


curos para indicar a data certa dêsse oráculo. Talvez
a passagem se relacione com a campanha de Sargão II
contra as tribos no deserto da Arábia.
Tema e Dedã eram habitações no deserto da Ará­
bia, ao sueste do Mar Morto, na região do caminho para
o Egito. O verso 13 indica que os dedanitas foram des­
viados do seu caminho, pela pressão da guerra, fora dos
lugares onde se achavam água e comida. Pede-se então
que os moradores de Tema tragam aos fugitivos, seden­
tos e famintos, água e pão.
Surgem várias dificuldades na interpretação dêste
oráculo. O título não se encontra na Septuaginta, mas
provàvelmente se baseia na última parte do verso 13.
Ao mesmo tempo que a frase Nos bosques da Arábia, ou
na tarde, Segundo a Septuaginta, traz o sentido do he­
braico (Cp. Miq. 3:12), apresenta uma dificuldade, pois
não há e nunca houve bosques no deserto da Arábia. A
palavra nr aqui talvez signifique o deserto de areia e
pedras, mas não tem êste sentido em qualquer outro lu­
gar 110 Velho Testamento. A frase passareis a noite talvez
signifique aqui alojar-se ou abrigar-se até que passe o
perigo. As caravanas dos dedanitas eram duma tribo de
negociantes viageiros (Ez. 27:20 ; 38:13), que aparen­
temente foram desviados, por inimigos, da sua viagem,
talvez no caminho para o Egito. O profeta apela aos mo­
radores de Tema que forneçam a êstes viajantes parados
110 deserto água e pão.
Os temanitas, no tempo do Velho Testamento (Gên.
25:14; I Crôn 1:45; Jó 6:19), eram uma tribo de nego­
ciantes, e amigos dos dedanitas.
No verso 16, o Rôlodo Mar Mortodiz dentro de
três anos em vez de dentro dum ano. Os versos 16 e 17
em prosa, descrevem o desaparecimento da glória de
Quedar. Pois assim me disse o Senhor. Segundo Gên.
25:13 e I Crôn. 1:29, Quedar foi o primogênito de Is­
mael. Não é possível identificar o lugar onde os filhos
de Quedar moravam na Arábia. Sendo pastores, não
tinham habitação fixa (Cp. Is. 60:7; Ez. 27:21). Pa­
rece que foram uma das mais fortes tribos do norte
da Arábia (Cp. Cant. 1:5; Sal. 120:5). Assim, o têr-
mo é usado, às vêzes, para incluir os dedanitas e os te­
manitas (Is. 42:11; 60:7; Jer. 2:10).
Os quedarenos eram valentes e flecheiros eficien­
tes (Ver Gên. 21:20). E a glória de Quedar passou gra-
dativamente, mas evidentemente começou cêrca de 700
quando Senaqueribe, com arábios e assírios, atacou o
Egito (Heródoto II, 141).
A linguagem dos versos 16 e 17, como a do oráculo
inteiro, é reconhecida geralmente como isaiânica. As­
sim a situação histórica, bem como o estilo literário
mostram que êste oráculo foi escrito pelo profeta Isaias.
L. A Leviandade Religiosa dos Habitantes de Jerusalém,
22:1-14
2. Oráculo concernente ao vale de visão.
Que tens agora, que sobe aos telhados
todo o teu povo?
2. Tu que estás cheia de tumultos,
cidade turbulenta, cidade exultante?
Os teus mortos não são mortos à espada,
nem mortos da guerra.
3. Todos os teus príncipes fogem â uma,
e são presos sem que se use o arco:
todos os teus que foram encontrados são presos,
embora tivessem fugido para longe.
4. Portanto, digo:
Desviai de mim a vista,
para que chora amargamente;
não vos canseis mais em me consolar
pela destruição da filha do meu povo.

É geralmente reconhecido que a ocasião desta pro­


fecia se relaciona com a invasão de Judá e Jerusalém
por Senaqueribe em 701. Alguns pensam que fôsse pro­
clamada antes da invasão, enquanto outros raciocinam
que o profeta assim falou aos habitantes de Jerusalém
depois do livramento miraculoso da cidade, sôbre a ma­
nifestação do amor providencial do Senhor, que não
tinha levado o povo ao arrependimento e à fé em seu
Deus. A passagem apresenta dois contrastes entre o
profeta e o povo de Jerusalém. O primeiro é a preo­
cupação e a profunda tristeza do mensageiro de Deus
por causa do julgamento divino contra Jerusalém em
contraste com a ingratidão, a falta de arrependimento,
e a continuação nos pecados de sensualismo pelos ha­
bitantes da cidade (1-4; 12-14). O segundo é o apêlo do
profeta para que o povo deposite a sua fé no Senhor
como o seu Salvador e Protetor, em contraste com a
confiança do povo nas possessões materiais e nas armas
de guerra (8-11).
Com a maravilhosa salvação de Jerusalém, a últi­
ma fortaleza de Judá, do poder cruel de Senaqueribe, o
profeta esperava que êste grande exemplo do socorro
divino pudesse despertar o espírito de louvor e fidelidade
do povo de Jerusalém ao Senhor, o Deus de Israel. Mas
quando observou a insensibilidade espiritual e a obsti-
pação pública no pecado, o profeta declara que aquê-
les rebeldes tinham pecado além da possibilidade de re­
ceber o perdão divino. Alguns críticos, que procuram
descobrir incoerências nos ensinos dos profetas, decla­
ram que esta passagem contradiz o ensino de Isaias sô-
bre a inviolabilidade de Sião em 29:1-8. Mas êste en­
sino sôbre a inviolabilidade de Sião relaciona-se com o
cumprimento da missão do povo escolhido, e certamente
não significa a fidelidade absoluta dos habitantes de Je­
rusalém ao seu Deus.
O Dr. J. Skinner declara que esta passagem é a
mais pessimista de tôdas as profecias de Isaias (Cam-
bridge Bible for Schools and Colleges, p . 174). Surgem
dificuldades na explicação da passagem, e os comenta­
ristas não concordam no modo de estabelecer a data e a
ocasião, nem no esclarecimento dos problemas da in­
terpretação desta mensagem do profeta.
Isaias tinha declarado, 10:24-26, que Jerusalém não
havia de cair no poder de Senaqueribe, não por causa
da justiça da cidade, mas porque o tempo tinha chega­
do para o castigo divino da Assíria. O profeta esperava,
sem dúvida, que a libertação de Jerusalém, unicamente
pelo poder do Senhor, pudesse produzir a fé inabalável
do povo de Judá no seu Deus, e assim a cidade se torna­
ria o Restante firme de Israel. Todavia, a insensibilida­
de espiritual de Jerusalém nessa ocasião, que desapon­
tou profundamente o profeta, certamente não destruiu a
sua confiança na sobrevivência do Restante Fiel.
O vale de visão, o título da profecia, adotado do
verso 5, talvez se refira ao Vale do Hinom, ao sul de Je­
rusalém (Cp. Jer, 7:31-34). Os primeiros quatro ver­
sículos tratam do espírito leviano do povo de Jerusalém
nos seus prazeres mundanos, enquanto o profeta con­
templa com tristeza pesarosa a infidelidade dos habi­
tantes da cidade para com o seu Deus, que os tinha liber­
to das garras do seu terrível inimigo. Os versos 1 e 2 des­
crevem o excitamento e o espírito jubiloso dos moradores
da cidade. O povo' se acha nos telhados, não simplesmente
para o descanso e os prazeres sociais, mas para festejar o
seu alívio do grande perigo do inimigo, com júbilo rui­
doso, sem qualquer manifestação do espírito de louvor
e gratidão ao seu Deus.
Que tens agora? Que significa tudo isto? pergunta o
profeta ironicamente. Por que sobe aos telhados todo
o teu povo? Os telhados planos das casas foram ocupa­
dos pelos habitantes da cidade para celebrar o seu livra­
mento do desastre da conquista e da subjugação pelos
assírios (Cp. 15:3; Juí. 16:27). O verso 2 especifica
mais claramente a disposição festiva de Jerusalém (Cp.
32:13; 5:14). Philip Schaff pensa que o povo tinha su­
bido aos telhados para observar a aproximação do exér­
cito dos assírios (Op. cit., p. 217). Mas a chegada
do poderoso inimigo conquistador certamente não
ofereceu qualquer motivo de regozijo à cidade. Jerusa­
lém, nessa ocasião, estava manifestando o espírito fes­
tivo, tumultuoso, turbulento e exultante, na hora do seu
livramento do poder do inimigo. Mas não reconheceu,
na sua estultícia, que foi o Senhor dos Exércitos, o Deus
de Israel, quem destruiu o poder do inimigo, e lhe deu
a grandiosa vitória.
Do ponto de vista do profeta, os guerreiros e o povo
de Jerusalém deviam antes ficar envergonhados, em vez
de jubilosos. Os teus mortos não são mortos à espada,
nem mortos (honrosos) da guerra. Não morreram no
campo de batalha, na defesa da pátria, mas foram ig-
nominiosamente executados pelo inimigo. É provável
que o profeta estivesse pensando no costume cruel dos
assírios de empalar cativos perante os muros das cida­
des subjugadas. É certamente possível que Isaias ti­
vesse conhecimento de alguns soldados judeus assim
executados na terrível campanha militar de Senaqueri­
be na terra de Judá, antes do sítio de Jerusalém.
Não é clara a linguagem do verso 3, mas aparente­
mente se refere, como já tivemos ocasião de notificar,
à falta de coragem dos soldados judeus. Os príncipes,
generais do exército, fugiram perante o inimigo, e
muitos dos soldados foram presos sem terem usado as
armas de guerra. Outros foram presos depois de fugi­
rem para longe do campo de batalha (Cp. 30:16). Se­
naqueribe refere-se às tropas mercenárias de Ezequias,
nos seguintes têrmos: os arábios e os soldados que ti­
nha trazido para a defesa de Jerusalém” (Ver a cópia
de uma parte desta inscrição na Arqueologia Bíblica do
autor, p . 269).
O verso 4 descreve a pesarosa tristeza do profeta
em contraste com a alegria insensata do povo da cidade.
Desviai de mim a vista, para que chore com lágrimas
copiosas (Cp. Jó 7:19). Assim, o profeta repele aquê-
les que lhe procuram oferecer consolação. Jerusalém, a
cidade que o profeta amava, foi salva pelo poder de
Deus, no seu propósito de preservar o Restante Fiel en­
tre os habitantes de Jerusalém, para cumprir a missão
de Israel que lhe foi revelada na ocasião da sua escolha
(Êx. 19:4-6).
5. Porque um dia de alvoroço, de atropelamento e confusão,
tem o Senhor dos Exércitos,
no Vale de Visão,
um derribar de muros,
e um clamor até aos montes.

6. E Elão tomou a aljava,


com carros e cavaleiros;
e Quir descobriu o escudo.

7. Os teus vales melhores se encheram de carros,


e os cavaleiros se puseram às portas.

Os versos 5 a 7 são obscuros e difíceis de se decifrar,


como se verifica pelas várias interpretações dos comen­
taristas. Parece que a passagem faz referência a qual­
quer desastre que o povo tinha experimentado, junta­
mente com uma predição de outras calamidades que Je­
rusalém haveria de sofrer por causa da sua ingratidão,
e a sua insensibilidade para com a vontade de Deus.
Não há verbo no verso 5, e a falta do verbo numa de­
claração hebraica geralmente indica, mas nem sempre, o
tempo presente. Porque dia de alvoroço, de atropela­
mento, e de confusão, de acôrdo com o Senhor Javé dos
Exércitos. É notável a aliteração das palavras, HWIÍ2 T S

HDWtt e nSW D • Mas que significa no Vale de Vi-


são? O artigo, subentendido na estrutura da palavra vale,
T * T *

indica um vale definido. Visão pode ser o nome pró­


prio do vale, assim indicado pela letra maiúscula em
algumas versões, mas não é conhecido qualquer vale
com êste nome. Alguns pensam que seja a cidade de
Jerusalém, um pouco mais baixa do que o Monte das
Oliveiras, mas é mais provável que seja um dos três va­
les de Jerusalém. É também possível que o têrmo se
use aqui no sentido figurado.
Alguns pensam que o verso 5 descreve a confusão
de Jerusalém na ocasião já passada quando Senaqueri­
be sitiava a cidade; e que os versos 6 e 7 constituem uma
predição de outras calamidades que ainda cairão sôbre
o povo da cidade por causa da sua revolta obstinada e
persistente contra a vontade do Senhor. A forma dos
verbos nos versos 6 e 7 indica ação completa, sem indi­
car o tempo passado ou o futuro profético.
Outros julgam que os versos 5 a 8a descrevem um
desastre que ainda cairá sôbre a cidade, uma calamidade
de tumultos e confusão, quando os muros serão derri-
bados e os gritos do povo se ouvirão até aos montes. Os
elamitas e os quireanos (Am. 1:5; 9:7; II Reis 16:t9) são
mencionados como aliados da Assíria, que devastarão a
terra e descobrirão ou destruirão as defesas. É quase
impossível esclarecer o significado do hebraico, especial­
mente a frase com carros de homem e cavaleiros, que
traduzimos com carros e cavaleiros.
8. Tirou-se a proteção de Judá.
Naquele dia olhastes para as armas da casa do bosque.

9. Notastes as brechas da. cidade de Davi, por serem muitas, e


ajuntastes as águas do açude inferior.

10. E contastes as casas de Jerusalém, e derribastes as casas,


para fortalecer os muros.

11. Fizestes também um reservatório entre os dois muros para


as águas do açude velho. Mas não olhastes para aquèle que
o tinha feito, nem considerastes áquêle que o formou desde
a an tigüid ad e.

Os versos 8b a 11 descrevem a diligência no prepa­


ro da cidade para resistir ao sítio. A primeira parte do
verso declara que a terra será devastada, deixando fraca
a proteção de Jerusalém, a última fortaleza de Judá.
Aparentemente, os moradores de Jerusalém entenderam
a ameaça pronunciada pelo profeta sôbre o perigo na­
cional, e tomaram medidas práticas para resistir ao sí­
tio da cidade.
Notastes as brechas da cidade de Davi (II Sam.
5:7, 9). Com as muitas brechas e a falta de armas (v.
8), faltava muito a Jerusalém no preparo para defender-
se contra o inimigo. Ajuntastes as águas do açude in­
ferior. É provável que o açude inferior se refira ao Tan­
que de Siloé, preparado por Ezequias (Ver A Arqueolo­
gia Bíblica do autor, p. 209 e seg.). Examinaram as
casas de Jerusalém, construídas de pedras, e derriba-
ram algumas delas para fortalecer os muros da cidade.
O reservatório entre os dois muros não pode ser
identificado (Cp. II Reis 25:4; Jer. 39:4; 52:7). O lu­
gar indicado talvez seja a entrada do Vale Tiropoen.
Já notamos que o profeta Isaias entendeu a histó­
ria como o desenrolar dos planos do Senhor, enquanto
o povo da época ficava confundido nas suas lutas com
o inimigo. A insensibilidade espiritual, a orientação
egoísta e a frivolidade do povo mostraram ao profeta o
terrível perigo que a nação enfrentava.
12. Naquele dia, o Senhor Javé dos Exércitos
convidou para chorar e prantear,
rapar a cabeça e cingir o cilício.

13. E eis, ogôzo e a alegria,


o matar bois e o degolar ovelhas,
o comer carne e o beber vinho.
Comamos e bebamos,
pois amanhã morreremos.

14. O Senhor dos Exércitos declarou-se aos meus ouvidos:


Certamente esta iniqüidade não vos será perdoada,
até qu« morrais,
diz o Senhor Javé dos Exércitos.
Os versos 12 a 14 apresentam um contraste entre o
espírito fiel do profeta, que convida o povo para chorar
e prantear, e assim demonstrar o verdadeiro arrependi­
mento, e o espírito de infidelidade, e a iniqüidade do
povo nas suas festas orgíacas. É difícil determinar com
certeza a ocasião que estes versos descrevem. Sabemos
que o rei Ezequias pagou um tributo pesado aos assí­
rios, na condição de que abandonassem o sítio de Jeru­
salém. Isto êles fizeram por algum tempo, mas volta­
ram depois para exigir a entrega da cidade (Cp. II Reis
18:17 e seg.). É provável que o intervalo entre êstes
dois ataques contra a cidade representa a ocasião dêsse
incidente.
O povo não prestou a mínima atenção ao apêlo do
profeta. Ignorou por completo o convite do Senhor.
Não se interessava nas manifestações de humildade e ar­
rependimento (Cp. Joel 2:12; Am. 9:10; Is. 3:24;
20 :2 ).
E eis, o gôzo e alegria. Em vez de ouvir a mensa­
gem de Deus, o povo se entregou ao espírito leviano, e,
orientado pelo egoísmo, escolheu celebrar a vitória com
um banquete ruidoso e os prazeres de libertinagem. Co­
mamos e bebamos, pois amanhã morreremos. Estas
palavras não indicam que o povo esperava um terrível
desastre, mas simplesmente expressam a vaidade irre­
freável dos banqueteadores.
O Senhor dos Exércitos declarou aos ouvidos do
profeta que a iniqüidade do povo não será perdoada. O
espírito de leviandade e devassidão que se manifesta no
menosprêzo do Senhor é o pecado imperdoável de Judá.
Como nos dias de Isaias, ainda hoje, há multidões que
se manifestam escrupulosamente religiosas, mas funda­
mentalmente irreligiosas. O juízo austero do profeta
contra a irreligião de Judá aplica-se também aos povos
modernos que celebram as suas vitórias com grandes
demonstrações, mas sem qualquer pensamento sério sôbre
a sua dependência da providência divina. Alguns con­
tam somente com o amor de Deus. Oséias e Jesus en­
sinaram com ênfase o amor de Deus, mas ao mesmo
tempo chamaram a atenção para as conseqüências ter­
ríveis do pecado do indiferentismo religioso.
M. A Degradação de Sebna, o Mordomo do Rei, 22:15-25
O profeta apresenta, nesta seção, uma condenação
severa de Sebna, o administrador do rei (Cp. Am. 7:16-17;
Jer. 20:1-6; 28:15-17). Sebna é o único homem contra
o qual Isaias dirigiu diretamente uma severa condenação.
Sebna era o oficial mais poderoso do Reino de Judá. Èle
é condenado porque favoreceu a aliança de Judá com o
Egito contra a Assíria, a política que Isaias poderosa­
mente denunciava. Sebna foi deposto, aparentemente
como resultado da oposição do profeta, e Eliaquim foi
colocado em seu lugar, 36:3; 37:2. Quando Sargão II des­
truiu Asdode e subjugou os filisteus, êle não atacou a
Judá, provavelmente porque Sebna já fôra deposto, e Judá
tinha recusado aliar-se com a liga das nações vizinhas
contra a Assíria.
A linguagem do profeta indica que Sebna era político
ambicioso, mas de considerável capacidade. Não é men­
cionado o nome do pai, uma indicação de que êle não era
da aristocracia. A ambição do homem indica-se pela
construção de um túmulo magnífico para comemorar a
sua grandeza. A persistência e o poder de Sebna são
indicados pelo fato de que pouco tempo depois de ser
deposto êle foi secretário de Eliaquim, uma posição ofi­
cial de importância (Cp. 36:3,22; 37:2; II Reis 18:18,37; •
19:2). -
15. Assim diz o Senhor Javé dos Exércitos: Vem, vai ter com êste
administrador, com Sebna, o mordomo, e pergunta-lhe:
16. Que é que tens aqui, e a quem tens tu aqui, para que tenhas
aberto aqui uma sepultura, cavando em lugar alto a tua se­
pultura, cinzelando na rocha a tua própria morada?
17. Eis que o Senhor te arrojará violentamente, 6 homem forte,
êle te agarrará com firmeza,
18. e enrolar-te-á como bola e te atirará para uma terra espaçosa.
A li morrerás, e ali se acharão os carros da tua glória, 6
opróbrio da casa do teu senhor.
19. Eu te lançarei fora do teu pôsto e serás derribado da tua
posição.

Os versos 15 a 1,9 falam da denúncia de Sebna, o


mordomo ambicioso do rei, e da sua demissão do seu
alto ofício. O administrador da casa do rei era o princi­
pal ministro do Estado (Cp. I Reis 4:6).
Vem, vai ter com êste administrador. A frase êste
administrador usa-se aqui no sentido de desprezo e de
escárnio. Esta palavra ' D, administrador ou mordomo,
não é usada com êste sentido em qualquer outro lugar
no Velho Testamento. O verbo significa servir. O pro­
feta indica que Sebna é da classe dos subservientes, e in­
digno da posição que ocupava.
Que é que tens aqui, e a quem tens tu aqui? Se o
profeta obedeceu literalmente ordem recebida do Se­
à
nhor, é provável que se encontrou com Sebna perto da
sepultura que êste estava preparando para si, de acôrdo
com o costume da aristocracia de Jerusalém. Esta pre­
sunção dêsse homem indigno e ambicioso despertou a ira
do mensageiro do Senhor. O túmulo de Sebna era sim­
plesmente um monumento da sua vaidade ostensiva. Ca­
vando e cinzelando na rocha a sua habitação futura em
lugar alto e conspícuo, no esforço de comemorar a sua
grandeza pessoal, Sebna estava erguendo um monumen­
to à sua miserável vaidade.
Os versos 17 e 18 descrevem em têrmos fortes o des­
tino de Sebna. Eis o Senhor te arrojará violentamente.
Alguns pensam que as palavras em terra larga, do verso
18, seguiram a palavra violentamente no texto
original. Agarrar-te-á com firmeza traduz melhor o sen­
tido das palavras HI3J? e "p , do que de todo te envol-
verá. A terra larga é evidentemente a Assíria. Ali, na As­
T T *

síria, morrerás na tua desonra. Ali se acharão os carros da


tua glória, ó vergonha ou opróbrio da casa do teu senhor.
O verso 19 serve apenas como transição, declaran­
do que Sebna será demitido do seu ofício, e derribado da
sua alta posição. É o próprio Senhor quem lançará Sebna
da sua alta posição.
20. Naquele dia chamarei a meu servo Eliaquim, filho de Hilquias,

21. e vesti-lo-ei da tua túnica, cingi-lo-ei com a tua faixa, e lhe


entregarei nas mãos o teu poder, e êle será como pai para os
moradores de Jerusalém, e para a casa de Judá.

22. E porei sôbre o seu ombro a chave da casa de Davi; êle abrirá,
« ninguém fechará, fechará e ninguém abrirá.
23. Fincá-lo-ei como prego em lugar firme, e êle será como um
trono de honra para a casa de seu pai.
24. Nêle pendurarão tôda responsabilidade da casa de seu pai,
a prole e os descendentes, todos os vasos menores, desde
as tasas até às garrafas.
25. Naquele dia, diz o Senhor dos Exércitos, o prego que fôra
fincado em lugar firme será tirado, será arrancado, e cairá;
e a carga que nêle estava se desprenderá; porque o Senhor
o disse.

Os versos 20 a 23 falam de Eliaquim, filho de Hil­


quias, como o sucessor de Sebna, na posição de mordomo
ou administrador. A confiança em Eliaquim, como ofi­
cial do rei, indica-se pela designação dêle como meu ser­
vo, um têrmo honroso, usado também a respeito do pro­
feta Isaias em 20:3. Os versos 21 a 24 descrevem em têr-
mos de louvor a pessoa, o poder e a administração pater­
na de Eliaquim. Êle será como pai para os moradores
de Jerusalém, e para a casa de Judá.
É distinguido pelo vestuário do seu alto ofício, uma
túnica especial, ‘FO , e uma faixa, , que procla­
ma simbolicamente, ao público, a dignidade da sua pes­
soa e a insígnia da sua administração benéfica.
A chave da casa de Davi era o símbolo da autoridade
de Eliaquim, como o anel de Faraó era o símbolo da au­
toridade de José, Gên. 41:40-44. Esta autoridade se es­
tendia não somente ao pessoal da casa do' rei, como tam­
bém aos negócios do Estado. Somente no trono era o rei
Ezequias maior do que Eliaquim. O fato de que a chave
foi posta sôbre o ombro de Eliaquim não significa que
ela tenha sido grande e pesada, como dizem alguns. A
linguagem é a figura de obrigação e responsabilidade. A
túnica, o jugo, e a chave posta sôbre o ombro do homem
público significavam a incumbência do seu ofício. As­
sim, Eliaquim recebe a plena autoridade do primeiro mi­
nistro do rei. Êle abrirá, e ninguém fechará.
Como prego em lugar firme, êle será firmemente es­
tabelecido na sua posição de autoridade administrativa.
É tão seguro na sua autoridade como o prego ou a estaca
da tenda firmada no seu lugar. Será como trono ou as­
sento de honra não significa que Eliaquim seria rei do
seu povo (Cp. II Reis 4:10).
Nêle pendurarão tôda responsabilidade da casa de seu
pai. Esta afirmativa é a continuação da figura no verso
anterior. Explica a fôrça excessiva que o prego tinha de
sustentar. Presumivelmente, Eliaquim serviu eficiente­
mente, por algum tempo, como o primeiro ministro do
rei, antes de ficar sobrecarregado com o sustento dos pa­
rentes e amigos que se penduravam cada vez mais nêle.
Evidentemente, a prole e os descendentes significa não
somente os parentes mais dignos, mas também um nú­
mero cada vez maior de parasitas entre a gentalha. Tôdas
as qualidades de artigos baratos, todos os vasos menores,
desde as taças até às garrafas, pendurados no prego for­
te, ficaram tão pesados que finalmente arrancaram o
ministro do seu lugar.
Naquele dia, quando o prego fincado em lugar fir­
me, ficar sobrecarregado, êle será arrancado, e cairá.
A carga que nêle estava se desprenderá; porque o Senhor
o disse. i
Surgem várias dificuldades na explicação dêstes ver­
sículos 20 a 25. Estas dificuldades se complicam em re­
lação com as seguintes passagens: Is. 36:3, 22; 37:2; II
Reis 18:18, 37; 19:2. Segundo êstes versículos, que se
datam no tempo da segunda ameaça do exército de Se­
naqueribe contra Jerusalém em 701, Eliaquim era o pri­
meiro ministro do rei Ezequias, e Sebna era o seu se­
cretário. Não se pode determinar com certeza se o fra­
casso moral e a deposição de Sebna aconteceram algum
tempo antes de 701, no período da prosperidade de Je­
rusalém, ou algum tempo depois do segundo sítio de
Jerusalém. Surge também o problema da restauração
de Sebna, e a escolha dele como secretário de Elia­
quim .
E quando aconteceu o declínio e a queda de Elia­
quim? É possível, como dizem alguns, que os versos
24 e 25 se refiram à administração de Sebna, pois o nome
de Eliaquim não é mencionado nestes versos. Estas difi­
culdades poderiam ser esclarecidas somente à luz de
todos os fatos históricos com elas relacionados. Se os
versos 24 e 25 descrevem o declínio do nobre Eliaquim
na sua posição de responsabilidade, a experiência dêle é
característica de muitos homens honrados que sucumbi­
ram ao pêso das tentações da prosperidade material.
A PR O FEC IA DE ISAÍAS 311

N. A Profecia Contra Tiro, 23:1-18


1. Oráculo Concernente a Tiro e Sidom, 23:1-14
1. Oráculo concernente a Tiro.
Uivai, 6 navios de Társis,
porque T iro está assolada, sem casa ou ancoradouro!
Da terra de Chipre
lhes foi isto revelado.

2. Calai-vos, ó moradores do litoral,


ó mercadores de Sidom,
os teus mensageiros navegaram pelo mar,
viajando por muitas águas.

3. A tua renda era o cereal de Sior,


e a ceifa do Nilo;
tu vieste a ser a feira das nações.
4. Envergonha-te, ó Sidom, porque o mar fala,
a fortaleza do mar diz:
Não tive dores de parto, não dei à luz,
não criei mancebos,
nem eduquei donzelas.

O texto dos primeiros versos desta passagem é obs­


curo, e o sentido de algumas das palavras e frases é in­
certo, mas não há dúvida a respeito do significado geral
do oráculo. A passagem trata do povo fenício, habitante
da costa de Canaã, cujas cidades principais eram Tiro e
Sidom. Os comerciantes destas cidades negociavam, com
proveito material, com Társis, Chipre e o Egito.
Os israelitas associavam-se livremente aos fenícios
desde o tempo de Davi. Hirão, rei de Tiro, foi sempre
amigo de Davi, I Reis 5:1. Os fenícios forneceram pe­
ritos mecânicos, bem como materiais, para ajudar nâ
construção do Templo de Jerusalém (I Reis 5). Mais
tarde, Jezabel, espôsa de Acabe, e filha de um dos reis
de Sidom, tentou impor a cultura e os costumes dos fe­
nícios no govêrno e na vida social dos israelitas (I Reis
16:31-33). Os profetas de Israel, especialmente Amós,
reconheceram os vícios do materialismo dos fenícios nas
suas enérgicas atividades comerciais entre as nações vi­
zinhas, no esforço de ganhar riquezas e poder. A queda
deste povo, tão próspero nos seus negócios, impressio­
nou a imaginação do povo de Israel, e reforçou os en­
sinos dos profetas sôbre a natureza passageira de pros­
peridade material.
A profecia pode estar relacionada com uma das
duas ocasiões históricas do tempo de Isaias. A primei­
ra é a campanha de Salmaneser V em 722. Segundo Jo-
sefo, a parte insular de Tiro foi bloqueada nessa ocasião
por cinco anos (Ant. IX.-14, 2). Evidentemente, Sar-
gão, o sucessor de Salmaneser, e conquistador de Sa-
maria, pôs fim a êste sítio. Tiro foi assolada outra vez
por Senaqueribe em 701, pouco antes da invasão da Fi-
listia e Judá. Nessa ocasião, o rei de Sidom fugiu para
Chipre. É fato que Tiro não sofreu a ruina completa
nesta ocasião, mas a falta do cumprimento literal da pro­
fecia não oferece, ou justifica, a presunção contra a sua
autenticidade.
Uivai, navios de Társis. Esta declaração repete-se
no verso 14. Êstes maiores navios que viajavam entre
Tiro e Társis representavam a vida comercial, e a rique­
za dos fenícios. É por isso que os navios em vez dos ha­
bitantes são chamados figuradamente para fazer lamen­
tação. A nossa tradução da frase hebraica, JTStt
ETFD VlNtt KÍ3X5 por sem casa ou ancoradouro!
da terra de Chipre, não é completamente satisfatória.
Outra tradução, O seu pôrto de entrada, desde a terra
de Quitim lhes foi isto revelado. Outra versão, Na sua
vinda da terra de Quitim, isto se lhes torna claro. Pare­
ce claro que a notícia do desastre tinha chegado a Qui­
tim, no sul de Chipre, e foi transmitida aos navios.
Também os versos 2 e 3 são obscuros. Alguns su­
gerem o seguinte como o sentido das duas declarações:
Os fenícios viviam tão preocupados com os seus negó­
cios comerciais que não tinham tempo para tratar da
lavoura. 0 seu cereal, ou a sua ceifa, vinha do Egito,
enquanto êles se tornavam a feira das nações. A palavra
Sidom geralmente era usada no sentido de terra da Fe-
nícia, como Quitim era usada para significar tôda a ilha
de Chipre.
Alguns pensam que a frase a fortaleza do mar seja
uma interpolação no versículo 4, visto que introduz uma
contradição, porque é apenas o mar que fala, negando
que seja a mãe dos fenícios: Não tive dores de parto, não
dei à luz, não criei rapazes, nem eduquei donzelas. A
palavra Sidom aqui significa fenícios. Pode-se falar dos
fenícios como filhos do mar? O têrmo a terra-mãe no
hebraico é usado no sentido da terra que nutre os seus
filhos. Pode-se assim traduzir a última parte do ver­
sículo 4: Não terei mais dores de parto, nunca mais da­
rei à luz, não criarei mancebos, não educarei donzelas.
5. Quando chegar a notícia ao Egito,
êles se angustiarão com a notícia sôbre Tiro.

6. Passai a Társis,
uivai, ó moradores do litoral !

7. É esta a vossa cidade exultante,


cuja origem é de remotos dias,
cujos pés a levaram
para estabelecer-s-e até longe ?

8. Quem formou êste desígnio contra Tiro,


a cidade distribuidora de coroas,
cujos negociantes eram príncipes,
cujos mercadores eram os honrados da terra ?

9. O Senhor dos Exércitos formou êste desígnio,


para denegrir a soberba de tôda glâria,
e envilecer os honrados da terra.
Segundo o verso 5, a notícia da queda de Tiro cau­
sou profunda angústia no Egito, o seu aliado comercial
e político, contra o poderoso inimigo, a Assíria.
Quando um país é cruelmente devastado pelo ini­
migo, muitos dos seus habitantes fogem para outras
terras onde possam achar abrigo. Assim, os habitantes
de Tiro e do litoral são chamados a fugir para uma ter­
ra distante, para Társis, onde são conhecidos como ami-
g °S- í.l
Tiro é a cidade cuja origem é de remotos dias. De­
pois de Sidom, Tiro foi reconhecida como a mais anti­
ga cidade da Fenícia. A cidade é tão antiga que é im­
possível determinar a data da sua fundação. Numa ilha,
pouco distante da costa, Tiro era um dos grandes portos
comerciais do mundo por muitos anos. A cidade é men­
cionada numerosas vêzes na Bíblia: Jos. 19:29; Gên.
10:15; I Reis 9:10-14; II Crôn. 2:3-16; Am. 1:9; Joel
3:4-6; Mar. 7:24-31; At. 21:3-7. A frase cujos pés a le­
varam refere-se às viagens comerciais dos tírios.
Os versos 8 e 0 declaram que foi Javé, o Senhor dos
Exércitos, quem humilhou a soberba de Tiro de acôrdo
com o seu próprio desígnio. Tiro era distribuidora de
coroas, no sentido de que os reis de algumas das suas
colônias, como Társis e Cartago, eram sujeitos à cidade-
mãe. Cujos mercadores eram os honrados da terra (Cp.
Jó 41:6; Prov. 31:24; Zac. 14:21). O Senhor mancha­
rá a soberba da glória de Tiro (Ez. 28:7), e fará des­
prezíveis os honrados da terra. Esta é freqüentemente
a história dos honrados do mundo.
10. Percorre como o Nilo a tua terra,
ó filha, de Társis;
não Há quem te restrinja.

11. Êle estendeu a sua mão sôbre o mar,


e abalou os reinos.
O Senhor deu ordens contra Canaã,
para que ss destruíssem as suas fortalezas.

12. E disse êle :


Nunca mais exultarás,
ó oprimida filha virgem de Sidom :
levanta-te, passa a Chipre,
ainda ali não terás descanso.

13. Eis a terra dos caldeus! Êste era o povo; não era a Assíria.
Êles destinaram a Tiro para as feras. Êles levantaram as suas
tôrres e arrasaram os palácios de Tiro, e os converteram em
ruínas.
14. Uivai, ó navios de Társis,
porque é destruída a tua fortaleza.

Esta terceira estrofe trata principalmente da eman­


cipação das colônias da Fenícia. Com a queda de Tiro,
terminou o domínio rigoroso dos fenícios sôbre as suas
colônias. A palavra cinto, Hítt , aqui significa a cadeia
que restringia os movimentos independentes dos povos
sob o poder de Tiro. Na sua liberdade os habitantes
dessas colônias podiam andar livremente, como o Nilo,
e percorrer as suas terras.
O sentido dos versos 11 e 12 é que o Senhor que es­
tende a mão sôbre o mar e abala reinos, deu ordens que
as fortalezas de Canaã fôssem destruídas. Os fenícios
usaram o têrmo Canaã para significar a si mesmos, mas
a palavra não é usada neste sentido em mais nenhum
outro lugar do Velho Testamento. Os dias de triunfo e
glória de Sidom já terminaram. Sidom, no sentido do
país inteiro, é agora a cidade oprimida. Os seus habi­
tantes não encontrarão nenhum lugar de refúgio, nem
mesmo na Ilha de Chipre. A oprimida filha virgem de
Sidom aparentemente significa que ela nunca tinha sido
violada até então.
Parece impossível explicar satisfatoriamente o he­
braico do verso 13. Alguns pensam que foi interpolado
muito tempo depois de Isaias, tratando de outro assal­
to contra Tiro. É prosa entre versos poéticos, e inter­
rompe a conexão entre os versos 12 e 14. A RSV e SBB
dizem que os caldeus, e não os assírios, destinaram Tiro
às feras.
0 verso 14 é a repetição do primeiro, Uivai, ó na­
vios de Társis.
2. A Restauração de Tiro Depois de Setenta Anos, 23:
15-18
15. Naquele dia, Tiro será posta em esquecimento por setenta, anos,
segundo os anos dum rei. No fim dos setenta anos sucederá a
T iro o que se diz na canção da meretriz :
16. Toma uma harpa,
rodeia a cidade,
6 meretriz esquecida !
Toca com destreza,
canta muitos cânticos,
para que h a ja memória de ti.
17. No fim de setenta anos, o Senhor visitará a Tiro, e ela tornará
à sua g anân cia, e se prostituirá com todos os reinos do mundo
sôbre a face da terra.
18. O s«u ganho e a sua recompensa serão dedicados ao Senhor,
não serão entesourados nem quardados, mas o seu ganho
suprirá comida abundante e vestido fino para os que habitam
perante o Senhor.

O profeta Jeremias declara que os judeus hão de


passar setenta anos no cativeiro babilônico, 25:11-14;
29:10. O salmista diz que os dias da nossa vida sobem a
setenta anos, 90:10. Nestes versículos o profeta procla­
ma que Tiro será esquecida por setenta anos. Depois
ela voltará às atividades comerciais, e os lucros de seus
negócios serão dedicados ao povo do Senhor.
A palavra setenta se encontra em Zac. 1:12; 7:5;
Dan. 9:2; II Crôn. 36:21 com referência ao cativeiro dos
judeus. A palavra é usada numerosas vêzes na Bíblia,
com várias referências, como também no sentido sim­
bólico. Mas a frase segundo os anos dum rei é ambígua.
Alguns pensam que significa durante o período de uma
dinastia, ou o período da vida de um rei. Sucederá a
Tiro o que aconteceu com a meretriz na canção é o sen­
tido da última parte do verso 15.
Parece que o verso 16 é uma parte de um cântico
antigo que a meretriz está usando para ganhar de nôvo'
a sua influência. Deve-se notar que esta linguagem des­
critiva das novas atividades de Tiro é puramente figu­
rada. 0 cântico consta de seis linhas, e cada linha tem
apenas duas palavras hebraicas. Tem o ritmo musical
da dança. Toca com destreza, e canta as melodias que
despertarão saudades.
No verso 17 o cântico se aplica a Tiro neste sentido
figurado. Oséias fala de alianças e tráfico, ou comér­
cio, entre as nações como infidelidade para com o Se­
nhor. Apocalipse 18:3 e Naum 3:4 reconhecem certas
formas de comércio como infidelidade ou prostituição.
O verso 17 declara que o Senhor visitará a Tiro, e
que ela tornará à sua ganância, e se prostituirá com to­
dos os reinos do mundo. Assim, os fenicios terão outro
período de grande prosperidade comercial. A palavra ga­
nância, é o preço que se pagava à prostituta. Visto que
Tiro é semelhante à prostituta no aumento dos seus ne­
gócios com todos os reinos do mundo, é difícil para al­
guns intérpretes entenderem como poderia o Senhor
apoiar e prosperar esta nação tão agressiva nos seus ne­
gócios gananciosos. Mas não obstante a livre vontade
que Deus permite aos homens e às nações, a providência
divina opera para o bem na orientação da história hu­
mana (Cp. Rom. 8:28).
O verso 18 declara que quando o Senhor voltar
a Tiro, no dia da sua restauração, os frutos da sua
prosperidade não serão mais entesourados e guarda­
dos no espírito ganancioso e orgulhoso, mas serão de­
dicados ao Senhor, de modo semelhante ao tributo
das nações mencionado em Is. 61:6. Isto se dará em
algum tempo no futuro, depois da restauração de
Tiro. Depois da destruição de Tiro por Nabucodonosor
(585-573), ela ficou desolada até o fim da monarquia
babilônica. Depois foi construída na ilha uma nova ci­
dade que prosperou rapidamente. São interessantes as
vicissitudes da história subseqüente de Tiro. Digna de
menção é a visita de Eusébio à cidade, c. 309, onde viu
cristãos sendo lançados às feras no anfiteatro. Êle diz:
“Quando a igreja de Deus foi fundada em Tiro, e em
outros lugares, muito da sua riqueza foi consagrada a
Deus, e foi trazida como oferta à igreja, e apresentada
para o sustento do ministério agradável aos mandamen­
tos do Senhor” (Hist. X :4).
Parece evidente, para muitos comentaristas, que os
versos 1 a 14 foram escritos por Isaias, em relação ao
ataque, ou de Salmaneser Y ou de Senaqueribe. Mas
levantam-se dúvidas sôbre a data e a situação histórica
dos versos 15 a 18, que falam da restauração de Tiro
depois de setenta anos. Êstes versos refletem uma oca­
sião histórica no sexto século, e talvez fossem acrescen­
tados à mensagem de Isaias no tempo de Nabucodonosor
por um redator que conhecia Is. 10:12-19; 17:3; 18:7.
O verso 18 corre paralelo ao pensamento de Is. 45:14;
60:11; 61:6, e assim, para alguns, favorece esta última
data.
VI. “Despertai e Cantai, os Que Habitais no Pó”,
24:1-27:13
Êstes capítulos tratam do julgamento mundial pelo
Senhor Javé, e o estabelecimento da Nova Ordem. Se­
guem apropriadamente os capítulos 13 a 23, que apre­
sentam profecias e oráculos sôbre várias nações. Agora
é geralmente reconhecido que êstes capítulos 24 a 27
apresentam profecias escatológicas, salmos e hinos, es­
peranças e orações. Não obstante a variação do estilo
literário dentro dos quatro capítulos, a profecia é geral­
mente reconhecida como unidade.
Há muita discussão infrutífera sôbre a data e as cir­
cunstâncias históricas da profecia, mas todos os estu­
dantes sabem que a própria mensagem oferece pouca
informação sôbre o autor e a data da mensagem. Apre­
sentaremos, mais tarde, à luz do estudo da profecia, al­
gumas observações sôbre êstes assuntos.
Alguns comentaristas falam da forma apocalíptica
desta profecia, mas não é propriamente dito um apoca­
lipse, porque não tem os característicos básicos da lite­
ratura apocalíptica. A profecia, em geral, trata freqüen­
temente do futuro que surge normalmente das circuns­
tâncias históricas do próprio profeta. Por outro lado,
na literatura apocalíptica, o escritor fica desesperado com
o lento progresso da operação normal da justiça divina
na sociedade. Êle então declara com fé que o próprio
Senhor tomará a iniciativa, entrando forçosamente na
ordem social para salvar os fiéis da aflição e da injus­
tiça. Esta forma de literatura tornou-se popular espe­
cialmente no período do cativeiro babilônico. 0 Apo­
calipse do Nôvo Testamento foi escrito no período da
perseguição feroz dos discípulos de Cristo. Na literatu­
ra apocalíptica o autor geralmente esconde a sua identi­
dade sob o nome de um grande herói da história. Êle
também apresenta os pormenores da história por meio
de figuras e símbolos que os perseguidores não podem
entender, mas que ficam perfeitamente claros para os
perseguidos.
Na literatura escatológica, o escritor trata das cou-
sas vindouras do ponto de vista da operação dos princí­
pios da justiça divina na História. Assim, a profecia
dêstes capítulos é principalmente escatológica, mas tem
alguns característicos que se apresentam, mais tarde, na
literatura apocalíptica, como, por exemplo, o julgamen­
to universal, os sinais nos céus e a figura mitológica do
Leviatã. Mas êstes característicos encontram-se na pro­
fecia em geral desde o tempo de Amós — Am. 8:9 e
Miq. 3:6. Convém manter a distinção clara entre a pro­
fecia escatológica e a apocalíptica, em vez de acentuar
as suas semelhanças.
As profecias escatológicas dêstes quatro capítulos
misturam-se com poesias e salmos, introduzidos pelo
autor para reforçar e esclarecer a sua mensagem profé­
tica. Convém notar que não há outra passagem no Velho
Testamento que apresente com tanta ênfase e clareza a
doutrina da salvação pela graça de Deus, e a vida futura
além da morte.
As profecias escatológicas desta seção acentuam o
período da desolação da terra e a vinda do Dia do Se­
nhor, com referência a uma cidade não especificada, e
à destruição de Moabe, 24:1-12; 16b-18b; 25:10-12; 27:
7-11. As predições sôbre os eventos associados com a
vinda do Dia do Senhor, 24:18c-23; 25:6-8; 26:20-27:1,
concordam com as profecias de Amós e Miquéias sôbre
êste assunto. Também as promessas sôbre a restauração
futura de Israel, 24:13-16a; «27:2-6 e 12-13, concordam,
em geral, com as profecias messiânicas de Isaias e de
outros profetas.
Em 25:1-5, 9; 26:1-6 encontram-se salmos de grati­
dão e louvor ao' Senhor pelo livramento da opressão
e do sofrimento. O escritor também apresenta em 26:
7-19 uma súplica fervorosa, e de firme confiança, na
inabalável justiça do Senhor.
A. 0 Bom Efeito do Castigo de Israel, 24:1-23
1. A Terra Ficará Desolada por causa do Pecado dos
Seus Habitantes, 24:1-1.2
1 Eis que o Senhor esvaziará a terra, e a desolará;
transtornará a sua superfície, e dispersará os seus habitantes

2. O que suceder ao povo sucederá ao sacerdote;


ao servo, como ao seu senhor;
à serva, como à sua dona;
ao comprador, como ao vendedor;
ao que empresta, como ao que toma emprestado;
ao credor, como ao devedor.

3. A terra será de todo devastada, e totalmente saqueada,


porque o Senhor falou esta palavra.

4. A terra pranteia e se murcha;


o mundo enfraquece e se murcha;
enfraquecem os mais altos do povo da terra.

5. A terra fica contaminada


por causa dos seus moradores;
porquanto transgrediram as leis,
violaram os estatutos,
e quebraram o concerto eterno.

6. Portanto, a maldição devora a terra,


e os que nela habitam sofrem por causa da culpa;
por isso, serão queimados os moradores da terra,
e poucos homens restarão.

O capítulo 24 trata principalmente do último julga­


mento. Na primeira parte do capítulo o profeta fala da
desolação do mundo do seu tempo. Aparentemente, êle
pensa que está nos últimos dias, e que o Dia do Senhor
virá sem muita demora. Descreve, em linguagem for­
te e positiva, a confusão e a miséria do povo de sua épo­
ca, e a vinda de desastres ainda piores. É só no ver­
sículo 21 que o profeta começa a reconhecer e explicar
que o Dia do Senhor não será simplesmente um dia de
desolação, mas também um dia em que será revelada
a operação da justiça de Deus na vida do povo.
Em versos 1 a 3 o profeta anuncia uma grande ca­
tástrofe que, dentro em breve, há de alcançar o mundo
inteiro, incluindo tôdas as ordens e tôdas as classes da
sociedade. Será o grande dia do julgamento universal
do mundo.
Eis que o Senhor esvaziará a terra. A palavra ppÍ3
particípio de p p 3 , com a palavra introdutória Hin
é corretamente traduzida na forma do futuro. Mas, se­
— T

gundo o contexto, o Senhor vai logo esvaziar a terra.


Êste verbo é raro, mas geralmente é usado neste senti­
do de esvaziar, Jer. 19:7; 51:2 e Naum 2:8. Êle tam­
bém fará da terra uma desolação, contorcendo a sua su­
perfície, destruindo lugares e plantações, e dispersando
os seus habitantes (Cp. Gên. 11:8).
O que suceder ao povo sucederá ao sacerdote. As­
sim a organização da sociedade humana será completa­
mente modificada, de acôrdo com as declarações dêste
segundo versículo. A estrutura da sociedade humana
será completamente lançada em confusão. Não haverá
mais distinções sociais. O sacerdote que representa a
mais alta classe social será como o povo. O servo e a
serva ficarão na classe de seus donos, e os negociantes
ricos na classe de seus devedores.
A terra será devastada e totalmente saqueada, assim
se tornando sêca e murcha (Cp. 16:8; Am. 1:2; Os.
4:3). O grande julgamento alcançará tôdas as classes
sociais, sem distinção, porque esta é a palavra do Se­
nhor.
Nos versículos 4 a 6 o autor descreve a profanação
da terra ou do mundo, como o resultado da iniqüidade de
seus habitantes.
A terra pranteia e se murcha: o mundo enfraquece
e desfalece. As palavras hebraicas, e
e constituem uma paromásia que se encontra freqüen­
T : T T ST T l t \

temente no hebraico do Velho Testamento, e especialmen­


te nesta seção do livro de Isaias (Cp. 38:9; Os. 4:3; Joel
1:10). A iniqüidade dos habitantes do mundo profana,
a terra, e ela tem que sofrer as conseqüências dos
pecados de seus habitantes.
- r

É difícil a tradução da frase enfraquecem os mais al­


tos do povo da terra. A palavra povo não se encontra na
versão grega. Por isso, alguns traduzem as alturas da
terra murcham. A terra, portanto, não fica simplesmen­
te sêca e queimada. É profanada e corrompida (Cp.
Num. 35:33; Jer. 3:9). Assim, a pena dos pecados dos
homens cai no mundo que êles habitam (Cp. Jer. 4:
23-26).
Encontram-se várias declarações no Velho Testamen­
to sôbre a profanação da terra pelos pecados de adulté­
rio, idolatria e derramamento de sangue (Sal. 106:38;
Deut. 28:1-9; Jó 16:18). O derramamento de sangue foi
proibido não somente aos judeus, mas também a todos os
homens do mundo pelo concerto eterno entre Deus e tôda
a carne sôbre a terra (Gên. 9:1-17). O pecado dos ho­
mens do mundo é a violação dos princípios básicos da
justiça moral apresentados nas Escrituras e apoiados pela
consciência humana.
A maldição devora a terra (Cp. Zac. 5:3). Os mo­
radores da terra são queimados pela maldição que mani­
festa ou expressa a ira divina (Cp. Apoc. 16:8). O verbo
ÍTin significa arder de ira (Ez. 24:11); queimar, abrasar
TT
(Jó 30:30). Levantam-se, portanto, dúvidas sôbre a
palavra m il. A Septuaginta diz: “Portanto, os habi-
TT
tantes da terra ficarão pobres.” A Siríaca: “Os habi­
tantes da terra serão m ortos.” Poucos homens resta­
rão. As guerras e tôdas as outras formas de pecado re­
duzem a população do mundo. Todos que habitam no
mundo têm que sofrer a punição da sua iniqüidade. Os
pecados que êles praticam continuam a matá-los nas lu­
tas de injustiça, ódio e guerra.
7. Pranteia o vinho,
enlanguesce a vide,
suspiram todos os alegres de coração.
S. Cessou o folguedo dos tamboris,
acabou o ruído dos jubilantes,
cessou a alegria da harpa.
9. Já não bebem vinho entre canções;
a bebida forte é amarga para os que a bebem.

10. Demolida está a cidade caótica,


tôdas as casas estão fechadas, para que ninguém entre.
11. Há um clamor nas ruas por falta de vinho,
fêz-se noite para tôda alegria,
é banido o prazer da terra.
12. A desolação reina na cidade,
e a porta está reduzida a ruínas.

Os versos 7 a 9 declaram que a alegria vai desva­


necendo da terra. O vinho nôvo, ou o mosto, pranteia,
ou talvez seca-se, porquanto não alegra mais o coração.
Suspiram de tristeza todos aquêles que em outros tem­
pos eram alegres de coração. Cessou a alegria e o jú­
bilo produzidos pela música dos tamboris e das harpas.
Tão terrível é a calamidade, que deixaram de beber vi­
nho nas suas festividades. Até o vinho fica entristecido
por causa da calamidade e a tristeza do povo; e a vide
enlanguesce ou enfraquece, porque não é mais cultiva­
da, Não se ouve mais o ruído dos jubilantes. Em vez
de alegrar-se nas grandes festividades, êles olham para
a desolação da terra e choram. Tão grandes eram as
calamidades que tinham caído sôbre a terra que os ha­
bitantes não podiam achar conforto ou alegria em qual­
quer prazer costumeiro.
Há várias opiniões sôbre a cidade caótica, ou a ci­
dade de confusão. Alguns pensam que se refere à cida­
de de Jerusalém. Mas parece necessário reconhecer que
o têrmo é usado no sentido geral, para significar qual­
quer cidade, ou tôdas as cidades da terra, em harmo­
nia com a desolação geral. O têrmo *]!"!, H (Gên. 1:2)
significa o estado primitivo de caos, ou a desordem do
tnundo, antes de o Senhor estabelecer a ordem na cria­
ção. Não se ouve nada nas ruas da cidade, senão as la­
mentações sôbre a perda das cousas que alegram o co­
ração. Tôda a alegria chegou ao crepúsculo, ou fêz-se
noite. Com a demolição das cidades, tôdas as casas es­
tão fechadas, para que ninguém entre. Não se sabe
se os sobreviventes fecharam as portas das casas por
mêdo de intrusos, ou se as entradas ficaram fechadas
pelo obstáculo das ruínas.
Há um clamor nas ruas por falta de vinho. Com
a destruição dos muros e das casas, a cidade fica em de­
solação. O prazer foi exilado.
2. Um Clamor de Confiança, 24:13-16a
13. Pois assim será no meio da terra, entre os povos,
como o varejar da oliveira,
como o rebuscar, quando está acabada a vindima.
14. Êles levantam a voz, e cantam com alegria;
por causa da glária do Senhor clamarão desde o mar.
15. Por isso, glorificai ao Senhor no oriente;
e nas terras do mar, ao nome do Senhor Deus de Israel.
16a. Dos fins da terra ouvimos cânticos de louvor;
Glória ao Justo.
Na descrição da calamidade da terra e do povo, o
escritor apresenta nesta seção uma promessa em per­
feita harmonia com a doutrina isaiânica do Restante.
Temos neste verso 13 o começo da profecia. O profeta
declara que serão poucos os sobreviventes do grande jul­
gamento do Senhor, assim como no varejar da oliveira,
e como no rebuscar a vindima. Ver. 17:6.
Nos versos 14 a 16a o profeta está ouvindo cânticos
de louvor ao Senhor, do oeste, do leste, e até das terras
do mar. Os cantores estão saudando o princípio do
nôvo dia. O texto dêstes versos é difícil, mas alguns in­
térpretes exageram a obscuridade e a incerteza da sua
significação. O sentido geral do texto hebraico é mais
ou menos claro. Os judeus espalhados em diversos paí­
ses da terra estão esperando uma grande libertação pelo
Senhor, e, portanto, estão cantando hinos de louvor e
gratidão ao Deus de Israel. A sua tristeza está se con­
vertendo em grande alegria.
Êles levantam a voz e cantam com alegria. O le­
vantar a voz, nas Escrituras, pode significar profunda
tristeza, como em Gên. 21:6; I Sam. 24:16; ou pode
significar grande alegria e exulta ção, Ez. 21:22; Sal.
93:3. As palavras do mar ou do oeste aparentemente
indicam o lugar donde procedem os cânticos de triunfo,
mas alguns entendem que o clamor d êles se ouve acima
do som do mar.
Por isso, glorificai ao Senhor. Parece que estas pa­
lavras fazem parte do hino de louvor que se canta nas
terras do mar, ao nome do Senhor Deus de Israel. A
frase por isso refere-se evidentemente à causa do gran­
de regozijo que o profeta não especifica. A frase no
oriente, ffHNâ , significa mais nitidamente nas luzes,
ou na região das luzes. Cantam ao Senhor Deus de Is­
• S T
rael, mas isto não significa necessariamente que todos
os cantores sejam judeus.
A segunda parte do verso 16 explica como o profeta
ainda não pode concordar com a esperança e o regozijo
do povo em geral. Pois nas suas próprias circunstâncias,
êle pensa que a alegria do povo é prematura, e sobe do
coração dêle um grito de agonia. Êle pensa que o jul­
gamento ainda não tinha conseguido o seu propósito,
porque os pérfidos ainda tratavam pèrfidamente.
3. A Grande Catástrofe, 24:16b-20
16b. Mas >eu digo: Minha magreza,
minha magreza, ai de mim!
Os pérfidos tratam pèrfidamente;
sim, os pérfidos tratam mui pèrfidamente.

T7. Terror, cova e laço sôbre ti,


ó morador da terral

18. Aquêle que fugir do som do terror


cairá na cova;
e aquêle que subir da cova
o laço o prenderá.
Pois as janelas do alto se abrem,
e tremem os fundamentos da terra.

19. A terra está de todo quebrantada,


a terra está de todo despedaçada,
a terra se move violentamente.

20. A terra cambaleia como um bêbado,


e balanceia como choça:
a sua transgressão pesa sôbre ela,
e ela cai >e nunca mais se levanta.

Parece que esta descrição do julgamento da terra


e dos seus moradores liga-se diretamente ao verso 13.
Os versos 17 e 18a encontram-se quase que verbalmen­
te em Am. 5:19 e Jer. 48:43, 44.
Terror, cova e laço, 1J1S, m S 1), HS1 • Êste
verso 17 explica a causa da miséria mencionada no ver­
“ T " ~ T T T

so anterior. Ninguém se acha seguro em qualquer lu­


gar. Se fugir de um perigo, cairá logo em outro. As­
sim, na linguagem figurada, o escritor descreve os hor­
rores do julgamento divino. Nesta descrição pitoresca
do julgamento, o profeta apresenta duas imagens notá­
veis, o dilúvio e o terremoto. Pois as janelas do alto se
abrem, e tremem os fundamentos da terra (Cp. Gên.
7:11; 8:2 e Is. 29:6).
Os fundamentos da terra estão abalados (Cp. Sal.
11:3). A terra cambaleia como um bêbado, e balanceia
como choça (Cp. 1:8). A terra, na sua forma presente,
cairá e jamais se levantará. Mas a terra se levantará
outra vez, melhor preparada para cumprir a sua nobre
missão, quando o Senhor dos Exércitos reinará no Mon­
te Sião e em Jerusalém. Assim, nestes capítulos 24 a
27, o mensageiro do Senhor está pensando no mundo
condenado pelo pecado, e no mundo redimido pela graça
de Deus.
4. O Julgamento e a Nova Era, 24:21-23
21. Naquele dia o Senhor castigará
as hostes dos altos nas alturas,
e os reis da terra na terra.
22. E êles serão ajuntados
como presos em masmorra;
serão encarcerados num cárcere,
e serão castigados depois de muitos dias,
23 A lua se confundirá,
e o sol se envergonhará;
porque o Senhor dos Exércitos reinará
no Monte Sião e em Jerusalém;
e perante os seus anciãos
haverá glória.
O profeta declara, no v. 21, que o Senhor Deus cas­
tigará não somente os reis da terra, mas também as hos­
tes dos altos nas alturas. Há muita discussão nos co­
mentários sôbre o significado destas palavras. Alguns
insistem em que o profeta está declarando que o castigo
cairá sôbre as hostes dos céus, ou os podêres angélicos
que habitam os céus. Dizem êles que a frase as hostes
dos altos nas alturas, T ~ r
ÍGX, é o equi-
“ t t

valente de o exército dos céus, . —


&OX , Jer. 33:
T - r •

22; I Reis 22:19; Neem. 9:6. Mas o profeta não está


falando dos podêres angélicos ou dos sêres celestiais.
Está se referindo à adoração dos símbolos dos corpos
celestiais. Assim, quer dizer que o povo se desviava do
verdadeiro culto do Senhor Javé, o Criador dos corpos
celestiais.
Serão castigados depois de muitos dias. Assim, os
reis da terra e as hostes que ocupavam posições de in­
fluência na orientação do povo no culto dos corpos ce­
lestiais serão encarcerados e castigados. A palavra vi­
sitados, que traduzimos por castigados, é usada às ve­
zes no sentido favorável, mas claramente significa cas­
tigados neste contexto.
A lua se confundirá, e o sol se envergonhará. O
profeta não declara nestas palavras que a lua e o sol
perdem significação na presença de Javé, mas figurada-
mente ficam envergonhados como objetos de culto (Cp.
Is. 60:19; Apoc. 21:23; I Reis 22:19). O sentido é que
na Nova Era da verdadeira religião espiritual, êstes cor­
pos celestiais que haviam recebido a adoração do povo
se tornarão relativamente insignificantes à luz do esplen­
dor e da glória de Javé, o Criador e o Senhor de tôda a
criação.
Perante os seus anciãos haverá glória. Parece que
esta declaração é uma vaga referência à experiência de
Moisés e os setenta anciãos que viram o Senhor no Mon­
te Sinai, Êx. 24:9, 10. Na Nova Era o Senhor reinará
gloriosamente na presença dos anciãos, os representan­
tes religiosos do povo.
B. Maravilhas das Atividades do Senhor, 25:1-12
1. Salmo de Gratidão ao Senhor pelo Livramento
do Seu Povo, 25:1-5
1. Ó Senhor, tu és o meu Deus;
exaltar-te-ei, louvarei o teu nome;
porque tens feito maravilhas,
os conselhos antigos, fiéis e verdadeiros.

2. Pois tu fizeste da cidade um montão,


da cidade fortificada uma ruína;
a fortaleza dos estranhos não é mais uma cidade,
nunca mais será edificada.

3. Pelo que, povos fortes te glorificarão;


cidades das nações violentas te temerão.

4. Porque tens sido a fortaleza dos pobres,


a fortaleza dos necessitados na sua angústia;
refúgio contra a tempestade, sombra contra o calor;
porque o sôpro dos opressores é como a tempestade contra
o muro,

5. como o calor em lugar sêco.


Tu abates o ímpeto dos estranhos;
como o calor se abranda na sombra da nuvem,
assim é silenciado o cântico dos tiranos.

O profeta, como o representante dos judeus liber­


tos dó> poder do inimigo, invoca e louva ao Senhor.
Êle reconhece que essa gloriosa libertação representa um
passo no desenvolvimento do eterno propósito do Se­
nhor. Na sua visão profética o mensageiro do Senhor
entende a operação da providência divina nas várias
épocas da história do seu povo. Não obstante a depra-
vação dos habitantes do mundo, que tanto perturbou o
profeta no capítulo anterior, êle reconhece o glorioso
propósito do Senhor no aperfeiçoamento do seu reino
na direção da história humana.
Êste salmo de gratidão celebra a queda de uma ci­
dade inimiga que resultou na libertação de Israel. No
espírito de louvor e gratidão, o salmo concorda perfei­
tamente com os versos 14 e 15 do capítulo anterior.
ó Senhor, tu és o meu Deus. Esta é a linguagem de
muitos Salmos, 63:1; 145:1; 138:2; 54:6; 118:28. Porque
fizeste ou tens feito maravilhas, Êx. 15:11; Sal. 77:14.
Conselhos antigos referem-se ao propósito divino no li­
vramento de Israel da escravidão, e aos atos providen­
ciais do Senhor na direção da história e da vida do povo
escolhido. Assim, o Senhor ia se revelando como o Fiel
e o Verdadeiro, rUífàií, no cumprimento das pro-
messas do Concerto do seu eterno amor com Israel. Tu
V T VI

tens feito maravilhas, no cumprimento dos teus planos,


fiéis e verdadeiros, desde os tempos antigos.
Porque tu fizeste da cidade um montão. Embora o
hebraico dos versos 2 e 3 não esteja muito claro, é evi­
dente que o autor está falando das conseqüências gerais
da queda da cidade hostil ao povo do Senhor. Não se
pode identificar a cidade mencionada nesta declaração.
É provável que o têrmo se use no sentido coletivo, e as­
sim significa tôdas as cidades que eram hostis ao povo
do Senhor, o Deus de Israel. Pode-se dizer que a palavra
cidade simboliza a hostilidade do mundo para com o
reino de Deus. Como a cidade forte e hostil é reduzida
a ruínas, assim serão vencidos todos os inimigos do rei­
no do Senhor.
Pelo que, povos fortes te glorificarão. Êste é o re­
sultado da operação da justiça divina. A nação podero­
sa e cruel que tinha oprimido os judeus pobres experi­
mentará o julgamento do Senhor, ou o castigo divino.
Esta manifestação da justiça divina resultou na glori­
ficação do Senhor por povos fortes, e até no temor das
nações violentas e opressoras.
Há também muitas dificuldades no hebraico dos
versos 4 e 5. É claro, porém, que descrevem em geral
a fortaleza do Senhor no cuidado e na proteção do seu
povo. O profeta declara a sua gratidão e alegria pelo
cumprimento fiel das promessas divinas. O Senhor ti­
nha sido a fortaleza dos necessitados, e o seu refúgio
contra a tempestade. Há muitas referências no Velho
Testamento ao Senhor como o poder protetor do seu
povo, Is. 26:4; Sal. 27:1; 28:8; 29:11.
Não obstante a obscuridade do hebraico do verso 5,
o pensamento é o seguinte. Como a nuvem se interpõe
para abrandar o calor do sol, assim a misericórdia do
Senhor abate o furor do inimigo, e torna impotente o
opressor do povo de Deus. Assim, o cântico dos tiranos
é silenciado.
2. Uma Profecia da Idade Messiânica, 25:6-8
6. O Senhor dos Exércitos fará neste monte para todos os
povos
um banquete de cousas gordurosas, uma festa de vinhos
velhos,
de cousas gordurosas com tutanos, de vinhos velhos bem
clarificados.
7. E êle destruirá neste monte
a coberta que envolve todos os povos,
e o véu que está pôsto sôbre tôdas as nações.
8. Aniquilará a morte para sempre;
e o Senhor Javé enxugará as lágrimas de todos os rostos,
e removerá de tôda a terra o opróbrio do seupovo;
porque o Senhor tem falado.
Esta passagem liga-se diretamente com o pensamen­
to do reino do Senhor, apresentado no último versículo
do cap. 24. O banquete do Senhor, segundo o verso 6,
celebra a inauguração do reino eterno e universal do
Deus de Israel. Apresentada no contexto sombrio do
julgamento e terror, esta passagem é uma das mais im­
portantes e mais encantadoras que se encontra no Velho
Testamento. Descreve a entronização do Senhor Javé
nos corações de todos os povos da terra, e não meramen­
te na vida do povo escolhido de Israel.
O Senhor dos Exércitos fará um banquete neste
monte para todos os povos. Apresenta-se aqui em lin­
guagem figurada as ricas bênçãos espirituais do reino
aperfeiçoado do Senhor na Idade Messiânica. O Senhor
Javé será entronizado nos corações, não somente do seu
próprio povo de Israel, mas de todos os povos. Esta ver­
dade é freqüentemente acentuada pelo profeta, 2:1-4;
4:2-6; 9:2-7; 28:16; 32:1-3. 0 banquete era emblema,
não sòmente de grande alegria para as nações, mas tam­
bém da abundância das suas provisões espirituais.
No sacrifício de animais era costume reservar para
o Senhor as cousas gordurosas com tutanos, as partes
mais avaliadas do animal. 0 banquete era o símbolo do
mais alto regozijo espiritual com o Senhor, e o emblema
das provisões abundantes da misericórdia divina, Is.
55:2; Sal. 63:5; 36:8. Uma festa de vinhos velhos, ou de
vinhos com fezes. A palavra se refere ao sedimento
dos vinhos que aumenta a potência e a côr, o aroma e o
sabor da bebida. Os vinhos bem clarificados são os vi­
nhos velhos que ficaram por muito tempo com o sedi­
mento, Jer. 48:11; Sof. 1:12. Para ser clarificado, o
vinho velho foi passado pelo coador antes de ser usado.
A festa de vinhos velhos apresenta-se freqüentemente
como o emblema das bênçãos do reino de Deus, Sal.
23:5; Luc. 14:15-24.
E êle destruirá, ou removerá a coberta que envolve
todos os povos e o véu sôbre tôdas as nações. O véu era
usado, às vêzes, como modo de expressar a tristeza, mas
parece que o véu sôbre as nações significa a ignorância,
a superstição, o ci'ime, a miséria que cobriram a terra
"(Cp. II Sam. 15:30; 19:4; Jer. 14:3, 4).
Aniquilará ou tragará a morte para sempre. Ter­
minarão os dias de tristeza e lamentação, os dias de dor
e aflição. Esta é a mais clara e a mais perfeita expres­
são da vida além da morte, ou da imortalidade, que se
encontra em tôda a profecia. Esta certeza da abolição
da morte liga-se diretamente com a doutrina messiâni­
ca de Isaias. Os profetas entenderam cada vez mais cla­
ramente, desde o tempo de Isaias, que a morte tem que
ser abolida como o impedimento, ou como obstáculo no
desenvolvimento da bem-aventurança perfeita na Idade
Messiânica. É verdade que a doutrina da vida além da
jnorte se desenvolve gradativamente no Velho Testa­
mento, desde o tempo de Isaias, mas isto não significa,
de maneira alguma, que era impossível para qualquer
profeta entender esta verdade no tempo de Isaias. No
entendimento das bênçãos da comunhão com Deus, os
salmistas reconheceram que a morte não podia inter­
romper essa preciosa relação espiritual com Deus, Sal.
16; 17; 49; 73. Ver a Teologia Bíblica do Velho Testa­
mento do autor, pgs. 270-277.
O Senhor Javé enxugará as lágrimas de todos os
rostos. Assim, o profeta entende que a morte será com­
pleta e permanentemente abolida no reino do Messias.
Será absolutamente completa a vitória do povo de Deus
sôbre a morte. Estas preciosas palavras tocam pro­
fundamente no coração do homem sofredor. O poeta
Robert Burns disse que não podia ler estas palavras sem
ficar profundamente comovido. E removerá de tôda a
terra o opróbrio do seu povo. Através da sua história
o povo de Deus tem sofrido de escárnio e perseguição da
parte dos inimigos. Desde o principio do exílio dos ju­
deus, êles sentiram profundamente a vergonha dos seus
infortúnios nacionais, a zombaria da sua religião, e da
impotência do seu Deus na proteção dêles contra o po­
der dos inimigos (Cp. Joel 2:17; Sal. 44:14-17; 79:10).
Mas o profeta vê o tempo quando a sentença pronun­
ciada em Deut. 28:37 será completamente cancelada,
quando a perseguição há de cessar, e quando a verda­
deira religião prevalecerá entre todos os povos e tôdas
as nações da terra.
3. Outro Hino de Louvor Relacionado com a Humilha­
ção de Moabe, 25:,9-12
9. E naquele dia se dirá :
Eis que êste é o nosso Deus,
por êle temos esperado que êle nos salve:
Êste é o Senhor; por êle temos esperados
na sua salvação exultaremos e regozijaremos.
10. Pois neste monte repousará a mão do Senhor;
•e Moabe será trilhada no seu lugar,
como se pisa a palha na lama do monturo.
11. E estenderá as suas mãos no meio disto,
como as estende o nadador para nadar;
mas o Senhor lhe abaterá a sua altivez,
juntamente com a perícia das suas mãos.
12. E abaixará as altas fortificações dos seus muros;
abatê-las-á e derribá-las-ã por terra até ao p6.

E naquele dia se dirá: Eis que êste é o nosso Deus.


Esta é a linguagem de exultação e regozijo daqueles
que haviam experimentado a misericórdia do Senhor
Javé na sua maravilhosa libertação de opróbrio e vergo­
nha. Através da sua história de provações, calamidades
e perseguições, êles haviam esperado a vinda do Senhor
Javé para os libertar, e assim demonstrar, perante todos
os povos, a sua misericórdia e o seu supremo poder.
Pois neste monte repousará a jfíião do Senhor. A
mão se usa freqüentemente nas Escrituras como símbo­
lo de poder, de defesa e de proteção, Êx. 3:8; 13:14; Is.
38:6; Esd. 7:6, 28; 8:18, 22; Neem. 2:8. O reino uni­
versal do Senhor será inicialmente estabelecido no Mon­
te Sião, Sal. 14:7; Is. 2:3; Is. 24:23.
E Moabe será trilhada no seu lugar. É difícil a
muitos estudantes desta profecia acreditar que o autor
dos versos 6-8 tenha escrito também esta violenta con­
denação de Moabe. Perguntam: Como se pode acre­
ditar que o autor desta nobre visão do reino de Deus
pudesse falar ao mesmo tempo sôbre o fim miserável
de Moabe? Alguns pensam que esta descrição de Moa­
be, que representa o pensamento histórico de Israel, é
claramente uma composição separada, introduzida aqui
algum tempo depois da obra do autor da visão do Rei­
no Messiânico do Senhor.
Mas outros intérpretes apresentam a seguinte in­
terpretação: O profeta, havendo falado do triunfo final
dos crentes fiéis, descreve, a seguir, a sorte dos incrédu­
los. Êle menciona Moabe simplesmente como repre­
sentante ou tipo da classe dcs incrédulos. A declaração
de que Moabe será trilhada significa que todos os inimi­
gos de Deus e do povo de Deus serão humilhados e des­
truídos. Mas por que o autor menciona Moabe como
a representante dos inimigos de Deus, e do reino de
Deus? A arrogância dos moabitas é um fato histórico
sobejamente conhecido. E há várias outras descrições
dos desastres que caíram sôbre Moabe, Is. 15:1-16:14;
Jer. 48:1-47; Sof. 2:8-10; Ez. 25:8-11. Mas tudo isto
não nega que moabitas se achavam entre os povos e as
nações representadas no Reino Messiânico que o pro­
feta descreve nos versos 6-8 dês te capítulo.
Como se pisa a palha na lama do monturo, ou tal­
vez melhor na água ou na lama da cavidade de esterco.
Lançava-se palha na cavidade de água e refugo para pro­
duzir f ertilizador.
O verso 11 é muito difícil de se traduzir. Alguns
pensam que o escritor representa Moabe como homem
lançado na cavidade cheia de água e refugo, onde está
se esforçando para se salvar, estendendo as mãos como
nadador. A palavra traduzida por perícia em
muitas versões, tem a significação básica de emboscada
l T

ou traição. Portanto, alguns pensam que a declaração


deve ser traduzida por “O Senhor lhe abaterá a altivez,
e todos os seus artifícios traiçoeiros.” Não se refere,
neste caso, à perícia das mãos do nadador.
E abaixará as altas fortificações dos seus muros.
Tôdas as defesas militares dos orgulhosos moabitas se­
rão completamente destruídas, abatidas e derribadas por
terra até ao pó.
C. Um Pedido de Salvação Mais Perfeita, 26:1-19
Êstes dezenove versículos, entrelaçados no movimen­
to das suas idéias e dos seus pensamentos, constituem
uma unidade. Parece evidente que estas meditações pro­
féticas se relacionam com o período de opressão e sofri­
mento do povo do Senhor. Mas é impossível determinar
as eircunstâncias históricas associadas com a mensagem
do escritor. O povo expressa a sua profunda gratidão pe­
las manifestações da misericórdia do Senhor nas suas
experiências, mas deseja ardentemente experimentar
mais ricamente as bênçãos preciosas do seu Deus. As
emoções e os pensamentos religiosos variam na experiên­
cia do autor da poesia, mas no verso 19 a sua fé triunfa
sôbre as experiências do passado, e êle proclama a certeza
inabalável de que os mortos fiéis viverão com Deus. Não
obstante a variação do pensamento nas partes diferentes
da poesia, a conexão direta entre os versículos indica cla­
ramente a unidade da passagem.
Nos primeiros dois versículos o povo enaltece ao Se­
nhor pelo poder e segurança de Jerusalém que há de ser
a habitação dos justos e fiéis. Os versos 3 e 4 declaram
que o Senhor conserva em perfeita paz aqueles que nêle
confiam. Declara também nos versos 5 e 6 que a cidade
orgulhosa e hostil será humilhada e derribada até ao pó.
1. Hino de Gratidão pela Vitória, 26:1-6
1. Naquele dia se cantará êste hino na terra de Judá;
Temos uma cidade forte;
Deus lhe põe a salvação
por muros e baluartes.

2. Abri as portas,
para que entre a nação justa,
que guarda a fidelidade.

3. T u conservas em perfeita paz


aquêle cujo propósito é firme,
porque êle confia em ti.

4. Confiai no Senhor perpetuamente,


porque o Senhor Deus
é uma rocha eterna.

5. Porque êle tem abatido


os habitantes do alto,
a cidade exaltada.
Êle a humilha até ao chão,
a derriba até ao pó.
6. O pé a pisará:
os pés dos pobres,
os passos dos necessitados.

Naquele dia quando o Senhor libertar o seu povo e


iniciar o seu glorioso reino em Jerusalém, cantar-se-á
êste hino de gratidão e louvor ao Senhor por esta grande
vitória. Os que cantam na terra de Judá, em contraste
com Moabe, incluem também os fiéis de Jerusalém. Te­
mos uma cidade forte (Sal. 25:2). A topografia de Jeru­
salém facilitava a sua defesa militar. Mas o escritor não
está falando aqui da fortificação militar da cidade. A
cidade, naquele dia, será forte e invencível porque o pró­
prio Senhor é o seu Defensor. A segurança de Jerusalém
não depende de muros e baluartes, porque o Senhor lhe
põe a salvação como muros e baluartes, de acôrdo com
os seus planos eternos.
Abri as portas. As portas estão sempre abertas para
a nação justa e fiel, que na nova Jerusalém gozará a se­
gurança perfeita (Cp. Sal. 118:19, 20; Apoc. 22:14). O
povo do Senhor exultará porque Jerusalém será impug-
nável, e será habitada exclusivamente pelos justos, ver­
sos 1, 2 e 10. Os servos do Senhor permanecerão na
presença do Senhor, e o adorarão continuamente (Cp.
60:11 e Apoc. 21:25).
Conservas em paz, cujo propósito é firm e. A palavra
“lir pode ser traduzida mente, mentalidade, disposição,
mas propósito é claramente o sentido da palavra neste
contexto. Esta é uma verdade gloriosa da revelação di­
vina, experimentada por multidões de crentes fiéis em
tôdas as épocas da história cristã. A pessoa que deposita
a sua firme confiança no Senhor levanta-se, pelo socor­
ro divino, acima das perturbações mundanas. Sujeitos à
perseguição, à pobreza, à doença e à tristeza, os homens
de Deus mantêm a sua fé inabalável, e assim demonstram
a operação do poder de Deus nas suas experiências. A
psicologia moderna testifica poderosamente a verdade
apresentada nesta maravilhosa afirmação do profeta.
Confiai no Senhor perpètuamente, e assim recebei
constantemente as bênçãos do seu eterno amor e prote­
ção. Por que Jav, Javé é Rocha Eterna. Jav, H1 > é a
forma abreviada de Javé, nilT’ • A união destas duas
formas aqui acentua o poder, a majestade, a glória e a
340 A. R.
/
CRABTREE /

santidade do Senhor que é a Rocha Eterna. Porque Deus


é justo, firme e imutável, o seu povo sempre encontra
nêle a salvação perfeita (Deut. 32:4; I Sam. 2:2; Sal.
18:31; 19:14; 28:1).
No verso 4 o profeta explica as bênçãos da plena con­
fiança no Senhor. Nos versos 5 e 6 êle declara que Deus
tinha abatido os habitantes que se julgavam seguros no
seu lugar alto, e os perversos orgulhosos que tinham der-
ribado até ao pó a cidade exaltada. Em linguagem poéti­
ca, o verso 6 declara que os pés dos judeus,oprimidos,
pobres e necessitados, pisarão os seus opressores.
2. O Povo Espera Ansiosamente os Juízos Retos do
Senhor, 26:7-10
1. A vereda do justo é plana;
tu, que és justo, aplanas a vereda do justo.
8. Na vereda dos teus juízos,
ó Senhor, te esperamos;
no teu nome e na tua memória
está o desejo ardente da nossa alma.

9. A minha alma suspira na noite por ti,


O meu espírito dentro de mim te procura diligentemente;
pois quando os teus juízos reinam na terra,
os moradores do mundo aprendem justiça.
10. Ainda que se mostre favor ao perverso,
nem por isso aprende a justiça;
até na terra de retidão êle comete a iniqüidade,
e não atenta para a majestade do Senhor.

O verso 7 declara que o Senhor justo aplana a vereda


do justo (Prov. 3:6; 15:19). A vereda plana é o cami­
nho de retidão do homem justo. Deus dirige o homem
justo' no caminho livre de tropeços, e êle tem uma vida
feliz, e livre de desastres espirituais, Sal. 1:6; Prov. 3:6;
4:26; 5:6, 21; 11:5. Os obstáculos no caminho dos per­
versos sempre os fazem tropeçar e fracassar.
No caminho dos juízos do Senhor o seu povo espera.
Os juízos ou os julgamentos do Senhor significam, às vê-
zes, os estatutos ou a Lei do Senhor que é perfeita, Sal.
19:7, Is. 2:3. No teu nome e na tua memória está o de­
sejo ardente da alma, da nossa alma, ou do nosso espírito.
O Nome do Senhor freqüentemente significa a sua Pes­
soa. É, portanto, na própria Pessoa e nas recordações
das bênçãos providenciais do Senhor que a alma do seu
povo espera ardentemente. Na experiência religiosa o es­
pírito humano deseja profundamente a manifestação dos
julgamentos e do poder do Senhor. Quando os juízos do
Senhor não se manifestam, os perversos pensam que po­
dem pecar com impunidade. Pela manifestação dos juí­
zos do Senhor na história de homens e nações, os ha­
bitantes do mundo aprendem a justiça. Mas há perver­
sos que fecham os olhos para a majestade do Senhor, e
recusam andar nas veredas da justiça.
A minha alma suspira por ti na noite. Nota-se que
o profeta passa do plural para o singular. Eu desejo.
Identificando-se com o . povo fiel, o profeta expressa o
seu desejo pessoal de que o Senhor se manifeste de tal
maneira que os moradores do mundo aprendam justiça.
Assim, êle dá ênfase especial à sua própria aspiração.
(Cp. Sal. 44:4, 6). O profeta reconhece que quando os
juízos do Senhor chegarem a reinar na terra, os morado­
res do mundo aprenderão a verdadeira natureza da jus­
tiça divina. Deus revela constantemente as conseqüên­
cias terríveis das várias formas do pecado na vida dos
homens, bem como no transcurso da história humana.
O julgamento do Senhor sôbre os ódios internacionais, e
as guerras, falam bem alto no sofrimento das vítimas,
mas é mui difícil para o egoísmo humano reconhecer a
verdade, e orientar-se pelas leis da justiça divina. Mas o
mundo está acordando e reconhecendo que a injustiça hu­
mana, aproveitando-se dos podêres da ciência moderna,
é capaz de destruir o mundo.
Ainda que se mostre favor ao perverso, êle ainda as­
sim despreza a justiça e pratica a iniqüidade (Prov. 21:
10). Vive vida pecaminosa, mesmo quando está cerca­
do pela justiça (30:10). Não é impossível, mas é muito
difícil para o homem firmado na vida e prática da injus­
tiça atentar para a majestade do Senhor nas suas ativida­
des providenciais.
3. As Bênçãos da Disciplina e da Orientação Divina,
26:11-15
11. ó Senhor, a tua mão está levantada,
mas nem por isso a vêem.
Porém verão o teu zêlo pelo povo, e se envergonharão;
o fogo dos teus adversários os consumirá.
12. ó Senhor, tu nos darás a paz;
porque tôdas as nossas obras
tu as fizeste por nós.

13. ô Senhor, nosso Deus,


outros senhores têm tido domínio sôbre nós;
mas, por ti só, nos lembramos do teu nome.
14. São mortos, não viverão;
são sombras, não se levantarão;
por isso, os visitaste e destruíste,
e lhes apagaste tôda memória.

15. Mas Tu, Senhor, aumentaste a nação;


aumentaste a nação, T u és glorificado;
estendeste todos os confins da terra.

6 Senhor, a tua mão está levantada. A mão levanta­


da do Senhor representa as suas atividades providenciais
na direção da História, e especialmente do seu povo fiel.
Os homens de fé reconhecem o poder da mão levantada
do Senhor. Há, porém, alguns que não compreendem as
manifestações da obra do Senhor, pois não querem enten­
der as evidências da justiça divina na direção do mundo.
Mas quando vêm desastres, e os iníqüos têm que enfren­
tar a pobreza e o sofrimento, alguns acordam e experi­
mentam as bênçãos da fé no Senhor da justiça. O hebrai­
co da segunda e terceira declarações do versículo 11 é di­
fícil de se traduzir. Alguns traduzem: Êles verão e se
envergonharão, o fogo consumirá os teus adversários, as­
sim deixando fora algumas palavras que são interpola-
ções. Mas traduzindo a frase o zêlo do povo, DJ? ílíOp ,
o teu zêlo pelo povo, que nos parece justificável na lin­
T — ! *

guagem poética, as declarações ficam mais claras.


Tu nos darás, ou nos ordenarás a paz. Temos cer­
teza disto, porque até tôdas as obras que temos realizado,
tu as fizeste por nós (Cp. Sal. 90:16, 17). Na base das
experiências do passado, o profeta expressa a confiança
e a esperança na paz que vencerá todos os males que pos­
sam surgir contra o povo do Senhor.
Outros senhores têm tido domínio sôbre nós. Fala-
se evidentemente do domínio político de pagãos sôbre o
povo do Senhor. Amós, Oséias e Isaias nos explicam como
a idolatria destas nações dominadoras de Israel corrom­
peu a fé de muitos israelitas, e assim impediu a realiza­
ção perfeita da vontade do Senhor na vida nacional do
seu povo escolhido. Mas tinha aprendido, por experiên­
cias amargas, a futilidade de adorar os deuses falsos das
outras nações. Mas, por ti só, nos lembramos do teu
nome. O povo fiel tinha aprendido uma verdade muito
difícil de o homem entender. Sem o socorro divino não
se pode celebrar o nome do Senhor Javé.
São mortos, não viverão; são sombras, não se le­
vantarão. O profeta está falando dos senhores do verso
13. Êles nunca mais colocarão o jugo sôbre o povo do
Senhor, porque estão mortos, e apagada está tôda a me­
mória dêles.
Mas Tu, Senhor, aumentaste a nação. Havendo
destruído os dominadores de Israel, o Senhor também
estendeu os limites da sua terra (Cp. 9:3). Alguns pen­
sam que o verbo aumentaste seja um perfeito profético,
e assim se refira ao futuro. Outros pensam que seja uma
promessa que será cumprida na Idade Messiânica. Mas
parece claro que o escritor está simplesmente declaran­
do o que já se realizou no aumento da nação. Esta é as­
sim uma das bênçãos que o povo tinha recebido do Se­
nhor. Tu és glorificado. O Senhor glorificou-se a si
mesmo na exaltação do seu povo.
4. Experiências Tristes Que o Povo Sofreu antes da Sua
Redenção, 26:16-18
16. 6 Senhor, na angústia te buscaram;
quando lhes sobreveio a tua correção,
derramaram orações.
17. Como a mulher grávida,
que se contorce e dá gritos nas suas dores,
quando se lhe aproxima a hora de dar à luz,
assim fomos nós, na tua presença, ô Senhor;

18. concebemos nós e nos contorcemo9 em dores de parto,


foi como se tivéssemos dado à luz vento.
Não trouxemos à terra livramento algum,
nem caíram moradores do mundo.

ó Senhor, na angústia te buscaram. O hebraico do


verso 16 é difícil de se traduzir. Traduzimos o texto
massorético, mas nos parece que a margem de Kittel,
e a tradução da Septuaginta representam o texto origi­
nal que concorda melhor com os versos 17 e 18. “ó Se­
nhor, na angústia te buscamos; quando nos sobreveio
a tua correção, oramos em voz baixa” (Cp. II Sam.
12:19; Sal. 41:7). 0 profeta declara nos versos 16-18,
que não obstante a disciplina e a misericórdia do Senhor,
o povo tinha aprendido pouco a respeito da sua incum­
bência espiritual.
O profeta usa a figura da agonia da mulher na hora
de dar à luz para descrever a crise na vida religiosa do
povo (Cp. Os. 13:13; Miq. 4:10; II Reis 19:3; Is. 37:3).
Concebemos nós e nos contorcemos em dores de parto,
e não trouxemos à terra livramento algum. O povo es­
colhido tinha recebido a incumbência de produzir filhos
de fé, mas tinha fracassado. Nem caíram moradores
do mundo. A palavra aparentemente tem o sentido
neste contexto de nasceram. O verbo se usa neste sen­
t

tido no árabe, mas não em qualquer outro lugar, senão


no verso seguinte, na frase a terra lançará de si os seus
mortos. A nação escolhida não tinha produzido filhos
para povoar a terra. A declaração não contradiz o ver­
so 15. O conflito aparente desaparece quando reconhe­
cemos que a nação havia atingido um certo grau de
prosperidade com o aumento da população, mas ainda
não tinha conseguido plenamente a sua missão divina.
5. Os Teus Mortos Viverão, os Seus Corpos Ressuscita­
rão, 26:19
19. Os teus mortos viverão, os seus corpos ressuscitarão,
Despertai e cantai, vós que habitais no pó;
pois o teu orvalho é o orvalho de luz,
e a terra lançará de si os seus mortos.

Encontram-se algumas irregularidades no hebraico


dêste verso, como “vossos mortos” e “meu cadáver”
do Texto Massorético. O orvalho de luz, luzes, e não
o orvalho das ervas, é a tradução correta de fl ’T)'N neste
contexto. O versículo é profundamente interessante. A
Septuaginta e o Rôlo do Mar Morto contêm: “ O teu or­
valho é como o orvalho da alvorada.”
Parece que esta maravilhosa promessa se apresenta
abruptamente, mas é a resposta ao clamor das aspira­
ções, esperanças e orações da comunidade nos versos 16
a 17. O povo de Israel tinha recebido a incumbência
de transmitir a mensagem da revelação divina a tôdas
as nações do mundo. A sua religião era também a pri­
meira na histói’ia do mundo que ligava a ética, ou a vida
de retidão, justiça e pureza moral, à prática da sua fé.
Mas a nação, por muito tempo, tinha idéias vagas a res­
peito da vida futura, e especialmente quanto à recom­
pensa final do fiéis do Senhor. Èste príncipe dos profe­
tas, meditando sôbre as gerações dos fiéis que iam se
levantando e passando sem experimentar a esperança da
salvação perfeita da graça de Deus, recebeu esta pro­
messa divina da ressurreição dos justos do Senhor.
Os teus mortos viverão. Os seus corpos, ou os meus
corpos ressuscitarão. Os mortos que viveram e morre­
ram na fé e no temor do Senhor ressuscitarão e vive­
rão. Os fiéis do Senhor que habitam no pó verão a gló­
ria do seu julgamento, e se regozijarão no triunfo sôbre
a morte. Pois o seu orvalho é o orvalho da luz de Deus,
Tiago 1:17. Quando êste orvalho sobrenatural cair sô­
bre os mortos, êles acordarão e cantarão. A luz, nas Es­
crituras, freqüentemente significa a vida, Sal. 36:,9; Jó
3:20; 33:30; João 1:4.
A terra lançará de si os seus mortos. A declaração
pode ser traduzida, “a terra dará à luz as suas sombras”.
Sombras, * T »
refere-se aos mortos em Sheol. A dou-
trina da ressurreição dos mortos, apresentada neste ver­
sículo pelo profeta, é um lindo exemplo da operação do
Espírito do Senhor no espírito do profeta submisso à
oiúentação divina. Assim, o profeta inspirado chegou a
entender que a redenção de Israel não podia ser reali­
zada pelo seu próprio esforço. O homem de Deus per­
cebeu que as aspirações e as esperanças, acordadas no
seu coração pelo Espírito do Senhor, podiam ser realiza­
das somente pela ressurreição dos fiéis dentre os mor­
tos. Maravilhoso que seja o significado da revelação
desta doutrina no Velho Testamento, devemos reconhe­
cer que é imatura à luz dos ensinos do Nôvo Testamen­
to. Nesta declaração a esperança limita-se aos israeli­
tas que viveram e morreram na fé e no serviço do Se­
nhor (Cp. v. 14).
Esta doutrina profética da ressurreição dentre os
mortos é diferente do conceito da imortalidade da alma.
Para os hebreus, a plenitude da vida era impossível para
o espírito separado do corpo.
Convém notar que a doutrina da ressurreição neste
verso é bastante diferente do sentido das declarações de
Os. 6:2 e Ez. 37:1-14. Nestas passagens a ressurreição
dos mortos é apenas uma figura da regeneração dos
mortos espirituais, “ossos secos” que eram “a casa de
Israel” . Mas o profeta Isaias fala da ressurreição lite­
ral dos servos fiéis ao Senhor.
D. Conclusão desta Mensagem de Aspirações e Espe­
ranças, 26:20-27:13
O profeta discute, nesta divisão, vários tópicos, in-
ti’oduzindo passagens líricas em 27:2-6 e 7-11.
1. O Povo Deve Esconder-se até Que Passe o Julgamento
Divino, 26:20-21
20. Vem, povo meu, entra nas tuas câmaras,
e fecha as tuas portas sôbre ti;
esconde-te só por um momento,
21. Pois eis que o Senhor sai do seu lugar,
para castigar a iniqüidade dos moradores da terra,
a terra descobrirá o sangue que embebeu,
e não encobrirá mais os seus mortos.

No verso 20 o profeta volta ao discurso que inter­


rompeu em 25:8, declarando que ainda não se comple­
tou o julgamento divino. O povo deve entrar nos seus
quartos, e ali ficar por pouco tempo até que passe a tem­
pestade do juízo' divino (Cp. Jó 14:13; Dan. 11:36). Esta
manifestação da ira de Deus não visa ao povo do Senhor,
povo meu, os israelitas. Êles ficarão seguros até que passe
o juízo do Senhor.
O Senhor sai do seu lugar. Quando o Senhor vier
do seu lugar no céu para castigar a iniqüidade dos habi­
tantes do mundo, a terra descobrirá, ou mostrará, o san­
gue inocente dos mortos do qual se tinha embebido. O
sangue das vítimas se mostrará como testemunha con­
tra os assassinos (Cp. Gên. 4:11; Jó 16:8; Ez. 24:7, 8).
Não se declara que os próprios mártires se levantarão
para testemunhar juntamente com o seu sangue. De­
vemos sempre ter cuidado na interpretação da lingua­
gem simbólica ou figurada.
2. A Punição dos Podêres Cruéis do Mundo, 27:1
1. Naquele dia o Senhor castigará com a sua dura espada,
grande e forte, Leviatã, a serpente veloz, Leviatã, a ser­
pente tortuosa, e matará o dragão que está no mar.

A linguagem dêste verso é simbólica e obscura.


Apresentam-se várias interpretações do significado da
declaração. Fala o profeta de um só poder mundial,
ou de três impérios diferentes? Parece que está visan­
do a três grandes podêres na linguagem simbólica (Cp. 24:
21). O escritor menciona três monstros da mitologia an­
tiga, segundo a nossa interpretação, como símbolos de po-
dêres que haviam oprimido o povo do Senhor. O têrmo
Leviatã deriva-se do verbo que significa torcer. Era o
monstro terrível do mar. O Leviatã veloz é o mesmo que
o Leviatã tortuoso? E o dragão que está no mar é o Le­
viatã? É fato que êstes três têrmos são usados para de­
signar um monstro da mitologia. Mas parece que são
usados aqui para simbolizar três nações poderosas e
cruéis que tinham oprimido o povo de Israel.
É quase certo que o dragão que está no mar simbo­
liza o Egito, 30:7; 51:9; Ez. 29:3; 32:3; Sal. 74:13.
Os dois Leviatãs simbolizam podêres da Mesopotâmia,
talvez a Assíria e a Babilônia. Israel ficava entre o Egi­
to e a Mesopotâmia, e êstes dois podêres eram os mais
responsáveis pelos sofrimentos de Israel e Judá. Estas
duas maldições do povo do Senhor receberão o maior
castigo no dia do julgamento.
A espada dura, grande e forte do Senhor simboliza
o seu poder supremo sôbre as nações arrogantes do
mundo, 34:5, 6; Deut. 32:41; Ez. 21:4, 5, 9.
3. Cântico do Senhor Concernente à Sua Vinha, 27:2-6
2. Naquele dia :
Uma vinha deliciosa, cantai dela!
3. Eu, o Senhor, a guardo,
e cada momento a rego.
Para que ninguém lhe faça dano,
de noite e de dia eu cuido dela.
4. Não há ira em mim.
Quem me dera espinhos e abrolhos na batalhai
Eu iria contra êles,
e juntamente os queimaria.
5. Ou que se apodere da minha proteção,
que fa ;a paz comigo,
que faça paz comigo.
6. Nos dias vindouros Jacó lançará raízes;
Israel florescerá e brotará,
e encherão de fruto o mundo.
Nestes versículos, como na maior parte dêste capítu­
lo, o texto é poético, e o escritor apresenta o seu pensa­
mento num estilo brilhante, mas freqüentemente obs­
curo. Temos nesta poesia um contraste com o cântico
de 5:1-7. No primeiro caso o Senhor plantou e cuidou
carinhosamente da vinha que lhe produziu uvas bra­
vas. Na sua ira, êle entregou a vinha para ser destruí­
da e pisada. Neste cântico, o Senhor cuida constante­
mente da vinha deliciosa, e mostra a hostilidade aos es­
pinhos e abrolhos que simbolizam os inimigos de Israel.
A mensagem do cântico relaciona-se com o tema geral
dos capítulos 24 a 27. Nas suas atividades providen­
ciais, o Senhor está desenvolvendo o seu povo, “meu
povo”, para cumprir a sua missão mundial.
Uma vinha deliciosa. Êste é o texto da Septuagin­
ta. O massorético diz, Uma vinha de vinho, D*13
Uma confusão das letras 1 e “1. As palavras podem ser
traduzidas, cantai dela, cantai-lhe ou cantai para
ela.
T “

No versículo 3, o presente dos verbos guardar, re­


gar e cuidar traduz melhor o sentido das palavras. No
seu carinho, e no seu amor imutável, o Senhor cuida
constantemente, de dia e de noite, do seu povo, para
que ninguém lhe faça dano. Não há ira em m im . Mas
no seu amor da vinha, o Senhor destruirá os espinhos e
abrolhos, os inimigos do seu povo.
Ou que se apodere da minha proteção, ou da minha
fôrça (Cp. I Reis 1:50; 2:28). Parece que o Senhor, na
sua misericórdia, e sem ira, está dizendo: Se qualquer
um dos ofensores, entre os espinhos e abrolhos, desejar
escapar ao castigo dos seus companheiros, êle poderá
apoderar-se da minha fôrça. Qualquer pecador pode
salvar-se da morte, entregando-se incondicionalmente ao
Senhor da vida.
O verso 6 termina o cântico, identificando a Jacó,
Israel, como a vinha ou o povo do Senhor. Com a mo­
dificação ligeira da figura, Israel se apresenta como vide
gigantesca e florescente que enche de fruto o mundo
inteiro (Cp. Sal. 80:ll;0s. 14:6.)
4. A Significação da Disciplina Divina de Israel, 27:7-11
7. Feriu-o êle como feriu aos que o feriram ?
Ou foi êle morto como foram mortos os que o mataram?

3. Com medida contendeste com êle,


quando o rejeitaste;
êle o removeu com o seu vento forte,
no tempo do vento leste.
9. Portanto, com isto será expiada a culpa de Jaeó,
e êste será todo o fruto do perdão do seu pecado:
quando êle fizer a tôdas as pedras do altar
como pedras de cal feitas em pedaços,
não ficarão em pé os aserins e os altares de incenso.

10. Pois a cidade fortificada está solitária,


habitação desamparada e abandonada, como o deserto;
ali pasta o bezerro,
ali se deita e devora os seus ramos.

11. Quando os seus ramos se secam, são quebrados;


então vêm as mulheres, e lhes atearão fogo.
Pois êste é um povo sem discernimento;
por isso, não se compadecerá dêle aquêle que o fêz,
e aquêle que o formou não lhe mostrará favor.

Esta passagem tem pouca conexão com o cântico


da vinha que precede, e com os versos que seguem. Mas
a disciplina divina de Israel é um dos assuntos que ca­
racteriza esta divisão do livro de Isaias.
Não obstante a dificuldade do hebraico dos versos
7 e 8, o sentido da passagem é mais ou menos claro. Is­
rael não tinha sofrido tão severamente como aquêles que
pela opressão tinham causado o sofrimento de Israel.
As calamidades e os sofrimentos que os israelitas tinham
experimentado, visavam, na previdência divina, à sua
disciplina espiritual, ou ao seu arrependimento e fé ina­
balável no Senhor, o Deus de Israel.
Feriu-o êle como feriu aos que o feriram? A per­
gunta fica mais clara nas seguintes palavras: Feriu o
Senhor a Israel como feriu os seus inimigos que lhe cau­
saram tanto sofrimento? (Cp. Jer. 10:24, 25). A per­
gunta pede claramente a resposta negativa. Certamen­
te, o Senhor não havia ferido o seu povo como tinha feri­
do as mais poderosas nações inimigas de Israel. Ou foi
êle morto como foram mortos os que o mataram? Esta
tradução segue a versão da Septuaginta. O texto hebrai­
co diz, foram êles mortos? isto é, israelitas em vez de
Israel. O tratamento de Israel pelo Senhor é moderado
em comparação com o castigo que infligiu aos seus ini­
migos e opressores. Enquanto outras nações poderosas
e arrogantes iam perecendo, a pequena nação de Judá,
com tôdas as suas falhas, permanecia, porque tinha a
incumbência de servir ao seu Deus como nação de sa­
cerdotes, Êx. 19:6.
O hebraico do verso 8 é tão difícil que alguns estu­
dantes eruditos dizem que não se pode determinar o seu
sentido. A versão SSB é geralmente rejeitada. Almeida
segue mais de perto o sentido das palavras hebraicas. O
uso do pronome feminino de Almeida significa Jerusa­
lém, enquanto o nosso uso do masculino significa Israel.
Os sufixos do verso 8 são femininos, enquanto que os do
7, bem como os particípios, são masculinos. Por isso,
pensam alguns que o verso 8 deve seguir o verso 10.
Será expiada a iniqüidade de Jacó. Segundo êste
verso 9, a culpa de Israel, com tôdas as conseqüências dos
seus pecados, será removida. Mas a iniqüidade de Israel
será expiada sob a condição do seu abandono completo
da idolatria e dos seus objetos de culto. Não pode haver
lugar na comunidade ideal, visada nesta profecia, para
os aserins e os altares de incenso. Asera era uma das
deusas de Canaã, e aserins eram postes ou árvores sa­
gradas, imagens de Asera. Jezabel tinha 400 profetas
de Asera, I Reis 18:19. Os altares de incenso, nos luga­
res altos, não ficarão em pé (Cp. II Reis 17:11; Jer.
44:18; Os. 11:2). Judá aprendeu finalmente com o ca­
tiveiro, o propósito divino no castigo que sofreu, e aban-
dònou completamente tôdas as formas de idolatria.
A cidade fortificada está solitária. Os versos 10 e
11 descrevem a desolação de Jerusalém, e não de uma
cidade dos inimigos de Judá, segundo a opinião de al­
guns comentaristas. Outros pensam que o escritor está
falando na cidade de Samaria ou na Babilônia. É im­
possível determinar com certeza a cidade que o escritor
descreve. Mas era uma cidade que tinha sido fortifica­
da e poderosa, e agora estava desamparada e abando­
nada, como deserto. O bezerro se deitava no lugar, e
devorava os ramos dos pequenos arbustos que ali cres­
ciam. As mulheres buscavam pedaços de ramos secos
e quebrados para lenha. A destruição daquela cidade
foi o resultado da sua falta de entendimento.
5. Uma Profecia da Restauração dos Desterrados de
Israel, 27:12, 13
12. Naquele dia o Senhor debulhará o cereal desde o Rio até ao
ribeiro do Egito; e vós, 6 filhos de Israel, sereis colhidos um
■ um.
13. E naquele dia se tocará uma grande trombeta, e os que anda­
vam perdidos pela terra da Assíria, e os que foram desterra*
dos para a terra do Egito, virão e adorarão ao Senhor na
monte santo de Jerusalém.

Esta profecia é do mesmo caráter que a promessa


de 11:11-16. Êstes dois versículos apresentam a con­
clusão apropriada dos últimos quatro capítulos. 0 pro­
feta anuncia que os israelitas desterrados na Assíria e no
Egito serão restaurados e reunidos na sua própria terra.
O Senhor debulhará o cereal desde o Rio Eufrates
até ao ribeiro do Egito. Nesta imagem do lavrador que
ceifa e recolhe o seu fruto e cereal, o profeta representa
o Senhor que recolhe e restaura o seu povo desterrado,
desde a Mesopotâmia até ao Egito. Assim, os filhos de
Israel sereis colhidos um a um (Ver. 27:1; 25:8; 26:20;
24:23). Desde longe todos os fiéis serão reunidos em
Jerusalém, e ali adorarão o seu Deus, o Senhor dos Exér­
citos de Israel, o único e o verdadeiro Deus.
Tocar-se-á uma grande trombeta, e os que anda­
vam perecendo no estrangeiro acordarão, e voltarão das
terras longínquas para sua pátria amada, e para a glo­
riosa comunhão com o seu Deus (Ver. 18:3; Zac. 9:14;
Mat. 24:31).
A Data e a Unidade dos Capítulos 24-27
Segundo a nossa interpretação, não há argumentos
suficientes para negar ao profeta Isaias êstes quatro ca­
pítulos, incluindo as quatro poesias líricas. Há, porém,
indicações de que alguns versículos e frases foram acres­
centados à obra original por redatores, algum tempo
depois de Isaias. Quanto à data, não há indicações cer­
tas do tempo ou da época da profecia, mas esta reflete
mais as circunstâncias históricas de Ezequias e Sena­
queribe .
VII. Não Escarneçais para Fazer Mais Fortes os Vossos
Grilhões, 28:1-32:20
Êstes capítulos tratam principalmente das condi­
ções políticas e religiosas que prevaleceram nos reinos
de Israel e Judá nos últimos anos do século oitavo, pou­
co antes da invasão de Senaqueribe. Contra o conselho
sábio do profeta Isaias, o povo confiava nas alianças po­
líticas, em vez de reconhecer e ouvir a chamada divi­
na, e obedecer ao apêlo da fé em Deus. O resultado da
pregação do homem de Deus era semelhante ao de mui­
tos pregadores do evangelho em nossos dias. O profeta
se revela como verdadeiro estadista, no entendimento dos
problemas políticos da época, e nos conselhos que apre­
senta ao povo e às autoridades. Também expõe clara­
mente, às vêzes com escárnio, a inépcia dos nobres e dos
politiqueiros que procuravam fazer alianças com nações
poderosas e agressivas que não se interessavam no bem-
estar de Israel, antes, desejavam dominar a sua terra
como base de conquistas maiores.
Êstes capítulos não apresentam problemas sérios a
respeito do autor, da data e da unidade da mensagem.
Alguns comentaristas argumentam que partes da profe­
cia foram escritas algum tempo depois de Isaias, mas
reconhecem que tais passagens descrevem o fundo his­
tórico e os problemas da época de Ezequias, Isaias e Se­
naqueribe .
Na beleza do estilo literário, na análise do caráter
humano, no contraste entre o pecado e a justiça divina,
e na fôrça de argumento, êstes capítulos apresentam um
exemplo brilhante da literatura dos escritores sacros. As
verdades apresentadas aqui são relevantes para os nos­
sos dias. Alguns cientistas e autoridades políticas escar­
necem de preceitos religiosos, esquecendo-se de que as ver­
dades éticas da verdadeira religião preservam os melho­
res elementos da civilização humana.
O profeta troveja contra a política engenhosa, e de­
clara que a aliança com a Assíria e com o Egito não pode
salvar a pequena nação de Israel. Não se salva da mor­
te e do inferno fazendo alianças com êles. Aquêle que
crê não se apresse. Confiai no Senhor de Sião, porque
êle tem um plano para o seu povo fiel que nunca pode
ser derrotado.
A. O Castigo Certo dos Impenitentes de Efraim e Judá,
28:1-29
Há quatro pequenos discursos distintos neste capí­
tulo sôbre os pecadores impenitentes de Efraim, ou Is­
rael, e Judá.
1. A Queda de Samaria, a Capital de Israel, 28:1-6
1. A í da soberba coroa dos bêbados de Efraim,
e da flor caduca da sua gloriosa beleza,
que está sôbre a cabeça do vale fértil
dos que são vencidos pelo vinho!

2. Eis, o Senhor tem um que é valente e poderoso;


como uma tempestade de saraiva, uma tormenta de des­
truição,
como tempestade de impetuosas águas transbordantes,
com mão poderosa a derribará por terra.
3. A soberba coroa dos bêbados deEfraim
será pisada aos pés;
4. e a flor caduca da sua gloriosa beleza,
que está sôbre á cabeça do vale fértil,
será como figo prematuro antes do verão;
quando alguém põe nêle os olhos,
mal o apanha já o devora.
5. Naquele dia o Senhor dos Exércitos será a coroa de glória,
e o diadema de beleza para o restante do seu povo;

6. • será o espírito de justiça para o que se assenta ajulgar,


e a fortaleza para os que fazem recuar a peleja na porta.

Nos primeiros quatro versículos, o profeta denuncia


os bêbados de Efraim, e proclama a queda iminente da
sua linda cidade. É claro, portanto, que êste oráculo foi
proferido antes de 721, quando Samaria caiu no poder
da Assíria. O profeta descreve a capital do Reino de Is­
rael como a soberba coroa dos bêbados de Efraim. A
figura é de difícil interpretação e característica do he­
braico. Parece que a frase soberba coroa faz uma du­
pla referência. Refere-se, sem dúvida, à cidade de Sa­
maria no cume do outeiro, ficando quase 100 metros
mais alta do que a terra em redor. Alguns pensam que
se refira também à grinalda de flôres na cabeça do bê­
bado que se entregava à bacanal. As flôres estão mur­
chando, pois o tempo da orgia dos bêbados está chegando
ao fim, e a linda cidade de Samaria está nos últimos dias
da sua gloriosa formosura. O rei Onri comprou de Se-
mer o monte, I Reis 16:24, e, naquele lugar estratégico,
êle construiu a capital que floresceu no período da pros­
peridade de Efraim, e especialmente no reino de Jero-
boão II. Dos que são vencidos pelo vinho, J’'"'
• T ••
,
“«
batidos ou golpeados pelo vinho, completamente intoxi-
cados. No combate entre o beberrão e o vinho, é êste
que sai vencedor.
Eis, o Senhor tem um que é valente e poderoso. O
instrumento poderoso do Senhor, neste caso, é o assírio,
10:5. O poder da Assíria, no plano do Senhor, será usa­
do para castigar o povo infiel, os israelitas que tinham
rejeitado a orientação do seu Deus (II Reis 17:3-6).
Como se explica que o Senhor pudesse usar êste povo
tão cruel para conseguir o seu propósito na extermina-
ção do Reino de Israel? Ver a explicação nas notas
sôbre 10:5, 6. Como a tempestade de saraiva e o dilúvio
de águas impetuosas o violento exército da Assíria der-
ribará por terra o Reino de Israel.
A soberba coroa dos bêbados de Efraim será pisa­
da aos pés. O verbo dêste versículo é plural no hebrai­
co, indicando que os bêbados, bem como a cidade de Sa­
maria, serão pisados aos pés do conquistador.
No verso 4 é Samaria que será como figo prematu­
ro. Os primeiros figos são apanhados e devorados por­
que são os mais deliciosos (Ver Os. 9:10; Miq. 7:1;
Naum 3:12; Jer. 24:2). O profeta pensava que a linda
cidade de Samaria seria tomada e saqueada facilmente
pelo conquistador. Mas, poderoso e invencível como era
o exército assírio, teve que sitiar a cidade por três anos
antes que pudesse capturá-la. Mas logo que foi tom ida,
a cidade foi saqueada e completamente destruída. Mui­
tos dos habitantes foram mortos, e os cativos foram es­
palhados nas terras estranhas, sob o domínio da Assí­
ria, e o Reino de Israel, como nação, foi completamente
destruído.
Por muitos anos os reis e os nobres de Efraim ti­
nham demonstrado a sua decadência moral e religiosa,
bem como a sua incapacidade de entender a santidade, a
justiça e o amor do seu Deus. Como nos explica o pro­
feta Amós, os israelitas eram muito zelosos na prática
da religião formal, enquanto que, ao mesmo tempo, êles
estavam completamente separados do Senhor pela cor­
rução moral, a avareza, a hipocrisia e a injustiça. Jul­
gando que pudessem comprar as bênçãos do Senhor com
o sacrifício de animais, e continuar no pecado como
quisessem, êles não tinham mais o conhecimento e a
fôrça necessários para voltar ao Senhor Deus, a quem
tinham rejeitado.
Nos versos 5 e 6 o profeta usa os mesmos têrmos,
coroa de glória e diadema de beleza, que se encontram
em 1-4, mas em sentido notavelmente diferente. Na
Idade Messiânica, quando o reino da justiça fôr estabe­
lecido, v. 17, o Senhor Javé dos Exércitos será a coroa
de glória e o diadema de beleza para o restante fiel do
seu povo. Naquele dia é a frase que geralmente se refe­
re ao reino futuro do Messias, e não ao dia do julgamen­
to do Reino de Israel, nem à preservação do Reino de
Judá.
0 restante fiel do seu povo significa os regenera­
dos do Senhor que amam o seu reino de justiça. Não
há certeza de que a frase aqui signifique apenas os so­
breviventes das tribos do Reino de Israel, ou se inclui
também os regenerados de Judá. A linguagem não
abrange os infiéis de Judá. Certamente, havia um nú­
mero limitado dos fiéis entre os israelitas. 0 escritor
está visando à história do povo escolhido, com os vários
julgamentos de disciplina. Há, portanto, um profundo
contraste entre a glória falsa que desvanece, e a glória
verdadeira que permanece.
O poder do Espírito do Senhor é a beleza na vida
do povo redimido, e a fonte de tôdas as suas virtudes
cívicas e religiosas. O espírito do julgamento no verso
6 tem o mesmo sentido como em 11:2 para aquêle que
se assenta para julgar. “Repousará sôbre êle (o Mes­
sias) o Espírito do Senhor”, isto é, “julgará com justi­
ça” (Cp. 11:1-10). Na Idade Messiânica, o rei ou o juiz
que se assenta no tribunal da justiça representará o Es­
pírito do Senhor. É notável a promessa de fôrça para
os que fazem recuar o inimigo na porta da cidade ou da
terra. . _ • «j j {!
2. Jerusalém, Bem como Samaria, Tem os Seus Bêba­
dos, Incluindo Sacerdotes e Profetas, 28:7-13
A corrução social, na cidade de Samaria, que des­
truiu o Reino de Israel está se manifestando também
entre os habitantes de Jerusalém, a capital do Reino de
Judá. Os dirigentes religiosos, sacerdotes e profetas, en­
contram-se entre os bêbados e dissolutos da sociedade.
O plano de rebelião contra a Assíria foi feito por um
grupo de politiqueiros em uma das suas festas orgíacas.
7. Êstes também cambaleiam por causa do vinho,
e não podem ter-se em pé por causa da bebida forte;
o sacerdote e o profeta cambaleiam por causa da bebida forte,
são vencidos pelo vinho,
não podem ter-se em pé por causa da bebida forte;
êles erram na visão,
tropeçam no ato de julgar.

8. Pois tôdas as mesas estão cheias de vômitos,


não há lugar sem imundícía.

9. A quem ensinará conhecimento,


e a quem explicará a mensagem?
acaso aos desmamados,
e aos que foram afastados dos seios maternos?

10. Pois é preceito sôbre preceito, preceito sôbre preceito,


regra sôbre regra, regra sôbre regra;
um pouco aqui, um pouco ali.

11. Pelo que por lábios estranhos


e por outra língua
falará o Senhor a êste povo,

12. ao qual disse:


Êste é o descanso,
dai descanso ao cansado;
e êste é o refrigério;
mas não quiseram ouvir.

13. Assim, pois, a palavra do Senhor lhes será


preceito sôbre preceito, preceito sôbre preceito,
regra sôbre regra, regra sôbre regra;
um pouco aqui, um pouco ali;
para que vão, e caiam para trás,
e se quebrantem, e se enlacem, e sejam presos.

Nos versículos 7-13, o profeta descreve os dirigentes


embrutecidos de Judá em têrmos semelhantes aos que
usou na descrição dos bêbados de Efraim. Êstes sacer­
dotes e profetas eram escrupulosamente religiosos, mas
não permitiam que a religião determinasse o seu proce­
dimento na vida moral, ou nas suas atividades cívicas.
A religião era um meio de ganhar o favor e o apoio di­
vino na vida pessoal, e em tôdas as relações políticas do
povo nas atividades nacionais e internacionais. Assim,
os chefes ilustres de Jerusalém estavam seguindo a mes­
ma política das autoridades de Samaria, nos seus hábi­
tos dissolutos, e na insensatez de confiar na aliança com
o Egito.
0 verso 7 explica como os sacerdotes e profetas, os
guias espirituais do povo, iam errando na visão e trope­
çando no julgamento. Estas autoridades sôbre o povo
não podem andar sem cambalear, nem manter-se de pé,
porque estão embriagadas de vinho ou de bebida forte.
Neste estado de embriaguez, os profetas perdem a visão,
n m , e os sacerdotes perdem a capacidade de julgar,
V

rrW B (Cp. v. 15; Deut. 17:8-13; 19:17; Ez. 44:24).


T • • t

Tôdas as mesas estão cheias de vômitos. Todos os


lugares nas casas dêstes bêbados estavam sujos, nojen­
tos e repugnantes.
No verso 9, estas autoridades que se entregavam à
folia respondem sarcasticamente ao profeta Isaias. A
quem ensinará conhecimento? Quem somos nós para
que tenhamos de ouvir esta mensagem insultuosa? Não
somos nós os homens de conhecimento, os conselheiros
oficiais do povo? Somos nós os desmamados, mal afas­
tados dos seios maternos?
0 v. 10 cita a linguagem dos beberrões na zomba­
ria do profeta. Êles se aborreciam com os preceitos, os
mandamentos e a condenação da sua tolice na infideli­
dade de depender de alianças políticas. Então fazem um
esfôrço para ridicularizar as palavras do mensageiro do
Senhor. Na embriaguez êles tentam através de mímica
indecorosa ridicularizar as admoestações repetidas do
profeta. As suas palavras no hebraico são monossí-
labos, característicos da linguagem dos embriagados:
*av, lazav, zav, lazav, kav, lakav, kav, lakav; zer sham.
zer sham. Não é certo o sentido exato destas palavras
abreviadas que os beberrotes não podiam pronunciar
claramente.
No v. 11 o profeta responde fortemente à lingua­
gem abusiva dos políticos. Não querendo ouvir a pa­
lavra do Senhor em bom hebraico, êle lhes falará na
linguagem dura de lábios estranhos, e pela língua terrí­
vel dos assírios.
Ao qual disse: Êste é o descanso. Esta declaração
representa o teor do ensino do profeta a respeito da po­
lítica do seu povo (Cp. 30:15). O profeta tinha pro­
curado mostrar ao seu povo que o verdadeiro caminho de
descanso exigia que a nação se abstivesse de alianças po­
líticas, mas não quiseram ouvir.
Portanto, o julgamento do Senhor lhes será justa­
mente de acôrdo com as palavras que gaguejam em
zombaria do profeta. A mímica incoerente que faziam
no esfôrço de intimidar o profeta (v. 10) será para os
zombadores o oráculo do Senhor, o julgamento divino
dos iníqüos revoltosos contra a mensagem da revelação
divina.
3. A Aliança com a Morte e com Sheol, 28:14-22
14. Ouvi, pois, a palavra do Senhor, homens escarnecedortt,
que dominais êste povo que está em Jerusalém!

15. Porquanto tendes dito: Fizemos aliança com a mort»,


e com Sheol fizemos acôrdo;
quando passar o flagelo transbordante,
não chegará a nós;
porque temos feito mentiras o nosso refúgio,
e debaixo da falsidade nos temos escondido.

16. Portanto assim diz o Senhor Javé:


Eis que estou assentando em Sião uma pedra,
uma pedra já provada,
pedra preciosa de esquina, de firme fundamento ;
aquêle que crer, não se apressará.
17. Farei juízo a regra,
e justiça o prumo;
e a saraiva varrerá o refúgio da mentira,
« as águas inundarão o esconderijo.

A mensagem nesta seção é dirigida aos homens es-


carnecedores, os políticos que desprezaram com altivez
os conselhos do profeta. Ouvi, escarnecedores, que do­
minais êste povo de Jerusalém. Êstes zombadores fa­
zem os seus planos políticos em desafio da vontade re­
velada do Senhor (Cp. v. 22; 29:20). A frase que do­
minais êste povo indica que os antagonistas do profeta
dominavam as autoridades públicas na capital de Judá.
Porquanto tendes dito: Fizemos aliança com a mor­
te, e com Sheol um pacto. O profeta está se referindo
não somente à corrução moral dêstes escarnecedores,
pois o contexto indica que está condenando também a
sua superstição e idolatria, e especialmente a sua rebe­
lião contra o Senhor. Não há certeza de que o profeta
esteja citando aqui as palavras exatas dos seus antago­
nistas. No uso da frase pacto com a morte é provável
que se esteja referindo à aliança política com o Egito,
cujos deuses Osíris e Isis eram deuses da morte. Com
Sheol fizemos acôrdo, visão. A palavra Hí ’ Pi > visão, não
significa acôrdo em qualquer outro lugar, mas é tradu­
zida por acôrdo na Septuaginta e na Yulgata. No verso
18 usa-se a palavra rWH no mesmo sentido (Cp. 21:2;
29:11). Êstes antagonistas do profeta tinham a certeza
T

de que o seu acôrdo com o Egito os salvaria da morte


nacional! Temos feito mentiras o nosso refúgio. É muito
difícil crer que êles usaram exatamente estas palavras.
É mais provável que o profeta assim declara, nas suas
próprias palavras, o significado da aliança com o Egito.
Debaixo da falsidade nos temos escondido. É interes­
sante notar que estas palavras às vêzes representam o
ponto de vista moderno dos comunistas.
O profeta apresenta, em contraste com a falsa espe­
rança no Egito, o verdadeiro fundamento para o povo
de Judá, a pedra que o Senhor está assentando em Sião.
Esta é a pedra já provada pela história do amor imutá­
vel do Senhor para com o seu povo. É a pedra preciosa
da esquina, de firme fundamento; a verdade eterna da
revelação divina, confirmada pela experiência dos fiéis,
através da história humana. O único e o verdadeiro
fundamento para a vida do homem é a fé firme e ina­
balável no Senhor Deus. É nesta relação de fé e co­
munhão com o verdadeiro Senlior dos céus e da terra
que o povo pode construir a sua vida pessoal, bem como
a sua vida nacional. A relação espiritual de Javé com
Israel é o fundamento eterno da obra de Deus no mun­
do inteiro, embora seja uma relação invisível entre o es­
pírito divino e o espírito humano. Todos os profetas,
bem como os escritores do Nôvo Testamento, reconhe­
cem que o fundamento do reino de Deus no mundo é
o propósito do Senhor revelado na escolha de Israel. É
verdade que êste propósito foi realizado, não por Israel
como nação, mas pelo Restante que entendeu a palavra
de Deus, e se entregou ao Senhor pelo arrependimento
e a fé. A pedra de esquina, portanto, não é Israel como
nação, nem a cidade de Jerusalém que tanta importân­
cia tinha nas crises da história de Judá, mas é o grupo
dos fiéis, denominado o Restante.
Aquêle que crer, não se apressará. A Septuaginta
e I Ped. 2:6 dizem não se envergonhará. O profeta de­
clara aqui o que tinha dito em 7:0, que a fé é a condi­
ção fundamental da salvação (Cp. Sal. 118:22; Rom.
9:33; 10:11; I Ped. 2:6-8).
Farei juízo a regra, e justiça o prumo. Esta é uma
declaração das leis morais do Criador (Cp. 34:11).
Tudo que seja construído no fundamento tem que con­
cordar com os princípios eternos da justiça divina. Tudo
mais será varrido pela tempestade vindoura (Cp. Am.
7:7-8).
18. Então a vossa aliança com a morte será anulada,
e o vosso acôrdo com Sheol não subsistirá;
quando passar o açoite transbordante,
sereis esmagados por êle.
19. Tôdas as vêzes que passar vos arrebatará;
porque de manhã em manhã passará,
de dia e de noite;
e será puro terror o entender a mensagem.
20. Porque a cama é tão curta que nela ninguém se pode estender;
e o cobertor tão estreito que com Sle não se poda cobrir.
21. Porque o Senhor se levantará como no monte Perazim,
e se irará, como no val-s de Gibeão;
para fazer a sua obra, a sua obra estranha,
e para executar o seu ato, o seu ato estranho!
22. Agora, pois, não escarneçais,
para que os vossos grilhões não se façam mais fortes;
porque do Senhor Javé dos Exércitos ouvi falar do decreto da
destruição,
e essa já está determinada sôbre tôda a terra.

A vossa aliança com a morte será anulada. A pala-


significa cancelado, apagado ou coberto (Gên.
6:14). É a palavra que se usa no sentido de expiar e
perdoar o pecado. Mas não se usa em qualquer outro
lugar exatamente neste sentido de anular.
Tôdas as vêzes que passar vos arrebatará (Cp. I
Sam. 18:30). O castigo dos conspiradores será conti­
nuado, com a repetição dos açoites esmagadores, até que
todos êles sejam arrebatados. E será puro terror o en­
tender, ou o esclarecimento da mensagem profética. Os
oráculos do Senhor encherão o pensamento e o espírito
do ouvinte com horror (Cp. I Sam. 3:11; II Reis 21:12;
Jer. 19:3).
O verso 20 declara que os planos dêstes políticos in­
solentes, em vez de lhes trazer a segurança nacional e
pessoal que esperavam, resultarão em miséria extrema.
A declaração proverbial sôbre a cama e o cobertor ex­
pressa figuradamente a condição miserável que os polí­
ticos estão preparando para a sua nação e para si mes­
mos.
Porque o Senhor se levantará como no monte Pera­
zim, e se irará, como no vale de Gibeão. Para o signi­
ficado histórico de Perazim e Gibeão, comparar II Sam.
5:20 e 5:25. A segunda parte do verso 21 declara que o
Senhor se levantará na sua ira para fazer a sua obra, ou
o seu ato estranho de castigar o seu próprio povo (Cp.
Am. 3:2).
Apresenta-se no verso 22 o apêlo final aos escarne­
cedores. Êste apêlo baseia-se no propósito eterno e na
decisão irrevogável do Senhor. Não escarneçais, assim
trazendo sôbre vós a destruição que já está determinada
pela lei eterna da justiça divina (Cp. 10:23).
B. A Justificação das Atividades Providenciais do
Senhor em Relação com o Seu Povo, 28:23-29
23. Inclinai os ouvidos, e ouvi a minha voz;
atendei bem, e ouvi o meu discurso.
24. Porventura, lavra todo dia o lavrador, para semear?
«stá sempre abrindo e esterroando a sua terra?
25. Depois de ter nivelado a superfície,
não lhe espalha endro, não semeia cominho,
não lança nela trigo em leiras,
e cevada no lugar determinado,
e a espelta na margem?
26. Pois êle é devidamente instruído;
o seu Deus o ensina.

Muitas pessoas lutam com dificuldade no esforço


de entender as atividades providenciais do Senhor na
vida do homem e na vida das nações. Esta parábola
das operações lógicas e inteligentes do lavrador ensina
que o plano do Senhor para o seu povo é progressivo, e
que êle adapta a disciplina à natureza e às necessidades
do seu povo. Os versos 24-26 explicam como o lavrador
sulca, esterroa e semeia a sua terra. Êle não cultiva
para sempre a terra sem qualquer propósito ou plano.
Prepara o solo para receber nas melhores condições a
semente. Assim, a disciplina divina do homem prepara
o seu coração para receber a semente da Palavra de Deus
(Cp. Mat. 13:1-23). Assim, o castigo de Judá resulta­
rá finalmente no entendimento e no preparo do Restante
fiel para realizar o propósito eterno do Senhor.
Na introdução da parábola, o profeta adota a for­
ma do cântico de amor, e assim segue o costume de ga­
nhar atenção (Cp. Jer. 18:18). O profeta evidente­
mente tinha observado as atividades do lavrador, e tinha
conhecimento da agricultura. Sabia dos métodos dife­
rentes de plantar as várias sementes, e notou o cuida­
do especial na plantação de trigo. As palavras em leiras
e o lugar determinado não se encontram na Septuaginta,
e o versículo é claro sem estas frases.
0 verso 26 acentua a destreza e o conhecimento do
lavrador que lhe foi transmitido pelo socorro e a provi­
dência divina.
27. Porque o endro não se trilha com instrumento de trilhar,
nem sôbre o caminho passa roda de carro;
mas o endro é debulhado com a vara,
e o cominho com pau.

28. Acaso o trigo é esmiuçado?


Não, o lavrador não o debulha para sempre,
quando passa por cima dêle a roda do seu carro,
com os seus cavalos, não o esmiuça.
29. Também isso procede do Senhor dos Exércitos;
êle é maravilhoso em conselho,
e grande em sabedoria.

Os versos 27-29 falam da debulha de cereais. Não


se debulham todos os cereais com os mesmos instrumen­
tos. Seria desastroso a debulha de endro e do cominho
com instrumentos de trilhar, ou com a roda do carro.
Há várias passagens no Velho Testamento que falam de
métodos diferentes de debulhar, Rute 2:17; Deut. 25:4;
Miq. 4:13.
O trigo, embora debulhado pela roda do carro, não
fica esmiuçado, porque o lavrador não o trilha para sem­
pre, mas apenas suficientemente para separar os grãos
da palha. Levantam-se dúvidas sôbre o uso de cavalos
na agricultura no tempo de Isaias, e alguns pensam que
a frase com os seus cavalos seja uma interpolação.
Também isso procede do Senhor. O profeta ficou
impressionado pelo conhecimento e a destreza do lavra­
dor. Na revelação bíblica o Senhor é o Deus Yivo, e as
suas relações com o seu povo são pessoais, e não mecâni­
cas. O seu modo de tratar com os homens varia de
acôrdo com os seus característicos pessoais. A disci­
plina rigorosa é necessária para o desenvolvimento espi­
ritual de algumas pessoas. Outros são mais fàcilmente
levados a entregar-se ao Senhor pelo apêlo do amor de
Deus ao seu espírito, e pela persuasão e o encorajamen­
to da sua inteligência. Em todos os casos a disciplina
divina visa ao preparo do homem para amar e servir ao
seu Deus, e para produzir uma boa safra, não somente
para a sua própria felicidade, mas também para o bem-
estar do seu próximo.
C. A Obra Maravilhosa do Senhor, 29:1-14
1. A Humilhação Iminente e a Libertação de Jerusalém,
29:1-8
1 Ah! Ariel, Ariel,
cidade onde Davi acampou!
Acrescentai ano a ano;
completem as festas o seu ciclo.
2. Ainda porei Ariel em apêrto,
e haverá pranto e lamentação;
e ela será para mim como Ariel.

3. Cercar-te-ei e acamparei contra ti,


e te sitiarei com baluartes,
e levantarei tranqueiras contra ti.

4. Então abaixada, da terra falarás,


e desde o pó sairá fraca a tua fala;
subirá da terra a tua voz como a de feiticeiro,
e a tua fala resmungará desde o pó.

Esta mensagem foi proferida ao povo de Jerusalém


pouco antes da invasão de Judá pelos assírios sob o co­
mando de Senaqueribe. Não há dúvida de que a palavra
Ariel é nome poético de Jerusalém, mas que significa o
têrmo? Alguns sugerem que significa Leão de Deus,
mas êste significado não cabe nos versos 2 e 7. Éclaro
que neste contexto Ariel significa Lareira deDeus. Em
Ez. 43:15 a palavra se refere à superfície do altar do
holocausto em o Nôvo Templo (Cp. 31:9). É usada
também neste sentido de Lareira de Deus na inscrição
da Pedra Moabita. Jerusalém, como Ariel, é o altar do
holocausto, não para o sacrifício de animais, mas para
o sofrimento e o sacrifício do próprio povo no ato do
grande julgamento divino.
Acrescentai ano a ano, completem as festas o seu
ciclo. Estas palavras do profeta talvez sejam uma ex­
pressão de sarcasmo. Êstes versos sôbre a humilhação
de Jerusalém são paralelos com os de 28:1-4 que falam
da queda de Samaria. Não obstante a lição do desastre
de Samaria, Jerusalém se sente alegre e segura, sem
qualquer preocupação com o dia do julgamento divino.
No julgamento pendente, no sítio de Jerusalém pelo exér­
cito de Senaqueribe, a cidade será a Lareira de Deus,
não obstante a confiança do povo na sua segurança.
Ainda porei Ariel em apêrto, e haverá pranto e la­
mentação. A invasão de Judá e o sítio de Jerusalém
pelo cruel exército dos assírios será um período de humi­
lhação e sofrimento terrível para os judeus. Esmagados
e prostrados no pó, a voz baixa dos habitantes de Jeru­
salém é semelhante ao resmungo do feiticeiro. Na ago­
nia quase de morte, a fala do povo aparentemente vem
de Sheol.
5. Mas a multidão dos teus inimigos será como o pó miúdo,
■e a multidão dos tiranos como a palha que voa
n um momento, repentinamente.
6. Do Senhor dos Exércitos serás visitada
com trovões, com terremotos e grande ruído,
com tufão de vento, tempestade,
e labareda de fogo devorante.

7. Será como sonho e uma visão da noite,


a multidão de tôdas as nações que pel«jam contra Arief,
também todos os que pelejam contra ela,
e contra os seus muros, e a põem em apêrto.

8. Será também como o faminto que sonha que está comendo,


e, quando acorda, tem o estômago vazio;
ou como o sequioso que sonha que está bebendo,
e, quando acorda, sente-se fatigado e com sêde;
assim será a. multidão de tôdas as nações
que pelejarem contra o Monte Sião.

Os versos 5-8 tratam do desastre e da dispersão dos


inimigos de Sião quando se julgavam completamente vi­
toriosos na subjugação de Jerusalém. Com o verso 5
muda-se o assunto da mensagem do profeta. Não obs­
tante a fraqueza e a agonia da cidade no esforço de re­
sistir ao poderoso exército de Senaqueribe, o profeta ti­
nha certeza de que o Monte Sião não cairia no poder do
inimigo (10:24-26). Com plena confiança de que a ci­
dade capital seria salva pelo poder de Deus, Isaias es­
perava que a salvação miraculosa do Monte Sião pudes­
se despertar o povo ao arrependimento.
Os versos 5, 7 e 8 apresentam uma patética descri­
ção da calamidade do terrível exército dos assírios, que
se julgava invencível. Com o sítio da cidade pelo inimi­
go irresistível, a fraqueza, a confusão e o mêdo dos seus
habitantes, aparentemente não havia mais esperança de
libertação do poder do terrível adversário. Mas, de re­
pente, foi levantado o sítio, e as hostes dos assírios se
retiraram humilhadas pela intervenção de um poder su­
perior .
Na figura do sonho, nos versos 7 e 8, o profeta acen­
tua dois eventos importantes na vida do seu povo. O
primeiro é o desaparecimento do inimigo que ameaçava
destruir o povo escolhido do Senhor. Será como sonho
e uma visão da noite. Tôdas as nações que pelejam con­
tra o eterno propósito de Deus, na direção do povo do
seu reino, perecerão. Os que sonham com triunfos
sôbre as atividades da providência divina acordam para
descobrir que tais vitórias são apenas fadigas e o au­
mento da sêde insaciável.
2. A Cegueira e a Hipocrisia do Povo, 29:9-12
9. Estupeficai-vos e ficai estupefatos,
cegai-vos, e ficai cegos;
embriagai-vos, mas não de vinho;
cambaleai, mas não de embriaguez.
10. Porque o Senhor derramou sôbre vós
o espírito de profundo sono,
•fechou os vossos olhos, os profetas;
e vendou as vossas cabeças, os videntes.
11. E a visão de tudo isto já se vos tornou como as palavras de
um livro selado. Quando se dá ao que sabe ler, dizendo:
Lê isto, êle responde: Não posso, porque está selado.

12. E quando se dá o livro ao que não sabe ler, dizendo: Lê isto,


êle responde: Não sei ler.

Por que os homens não podem perceber ou enten­


der a obra do Senhor? O povo de Jerusalém não sabe
entender os sinais das atividades do Senhor, nem reco­
nhece a revelação divina que tinha recebido por inter­
médio de Isaias. Êstes versículos declaram que o povo
entorpecido de Jerusalém, que não reconhece a obra do
Senhor, e que despreza as admoestações do profeta, tem
que confrontar a sentença da justiça divina.
Tardai-vos é a tradução de ínfcÜlftfin do texto
: t — J •

massorético, mas estupeficai-vos, deiinfôm , a palavra


da margem, cabe melhor no contexto. A pequena mu­
dança das vogais dos verbos embriagar e cambalear dá
a forma imperativa, e expressa mais claramente o sen­
tido do hebraico. O texto original foi escrito sem vo­
gais.
O Senhor derramou s,ôbre vós o espírito de profun­
do sono, e fechou os vossos olhos. Esta é uma declara­
ção característica da psicologia dos escritores bíblicos.
As leis éticas do Senhor são tão reais como as leis do
mundo físico. Isaias não pensava que o Senhor tivesse
fechado os olhos dêsse povo. O homem pode prejudicar
a sua saúde, ou matar-se pela desobediência das leis fí­
sicas que o Criador estabeleceu. As leis espirituais dêste
mundo criado por Deus são tão reais como as leis físi­
cas. A pessoa que recusa reconhecer a lei espiritual de
que o salário do pecado é a morte, cega-se a si mesma,
e finalmente paga a pena da sua cegueira. Mas final­
mente temos que reconhecer que a cegueira espiritual


é num sentido verdadeiro a vontade do Senhor, porque
êle permite a operação das suas leis eternas. A cousa
importante para o homem é o espírito humilde que de­
seja saber a vontade do Senhor, e de aprender a fazer o
que Deus lhe pode ensinar.
Os versos 11-1.2 declaram que o' povo, estupidificado
pelos próprios pecados, não pode ser acordado. Até o
profeta não tem visão, e o vidente não tem discernimen­
to. Não há quem possa interpretar a visão. Para o ho­
mem de cultura, a visão ou o livro, fica selado. Êle, bem
como o homem que não sabe ler, fica entorpecido pelo
pecado. A nação, o povo ou o homem imerso nas cousas
materiais torna-se inevitàvelmente cada vez mais insen­
sível à vontade do Senhor, e finalmente se torna com­
pletamente cego a qualquer admoestação ou apêlo espi­
ritual.
3. A Religião Meramente Convencional Perecerá,
29:13-14
13 E o Senhor disse :
Porque êste povo se aproxima com a sua bôca,
e com os seus lábios me honra,
enquanto o seu coração está longe de mim,
e o seu temor para comigo é o mandamento
que aprendeu maquinalmente do homem;
14. portanto, eis que continuarei
a fazer cousas maravilhosas no meio dêste povo;
maravilhas e milagres;
a sabedoria dos seus sábios perecerá,
e o discernimento dos seus prudentes se esconderá.
Êste povo se aproxima de mim com a sua bôca, e
com os seus lábios me honra. Mas o culto do povo é
formal, tradicional e hipócrita. O seu temor para co­
migo é o mandamento que aprendeu maquinalmente do
homem. Não tinha uma experiência da presença do
Senhor no seu coração. 0 coração, juntamente com to­
dos os seus interêsses na vida, está longe de mim. Para
os profetas, e para os cristãos, a religião é a entrega, ou
a rendição completa da vida ao Senhor. É a comunhão
pessoal e espiritual com o amor e a justiça do Senhor.
Alguns escritores modernos dão muita ênfase ao culto
ritualista, sem reconhecer que todos os profetas con­
denaram severamente a observação escrupulosa do ri-
tualismo e do sacrificio de animais, que exclui o desejo
de estabelecer comunhão com o Senhor (ver 1:10-15).
Se alguns profetas consideravam favoravelmente o cul­
to ritualista, êles reconheciam, contudo, que a religião
meramente formal não tinha valor algum, se o oferece-
dor não tivesse o desejo de adorar e honrar a Deus. A
observação mecânica das formas e cerimônias da reli­
gião não tem mais valor hoje do que tinha nos dias de
Isaias.
O seu temor para comigo é o mandamento do ho­
mem, uma tradição que aprendeu mecânicamente (Cp.
Mat. 15:1-9). A comunhão espiritual com Deus é pes­
soal, vem da revelação, e não da sabedoria humana.
Esta é a diferença fundamental entre a religião biblica
e o paganismo.
A sabedoria dos seus sábios perecerá. Nestas cir­
cunstâncias, o Senhor se revelará de nôvo por maravi­
lhas e milagres que os sábios não podem entender nem
explicar. A sabedoria e o entendimento dos sábios fica­
rão completamente escondidos.
D. A Rejeição da Segurança da Fé no Senhor,
29:15-30:17
1. A Repreensão dos Conspiradores, 29:15-16
15. Ai dos que escondem profundamente o seu propósito do Senhor,
e as suas próprias obras fazem às escuras,
• que dizem: Quem nos vè? Quem nos conhece?
16. Vó» tudo perverteis!
O oleiro será reputado como o barro:
que a obra diga de quem o fêz:
Êle não me fêz;
ou a cousa formada diga de quem a formou:
Êle não tem entendimento?
Êstes versos 15-16 apresentam a repreensão aos po­
líticos de Judá por seu propósito de formar uma alian­
ça com o Egito na revolta contra a Assíria. Esperam
que êste plano, 28:7-22; 30:1-5; 31:1-3, fique escondido
do Senhor, mas o profeta conhece e expõe os movimen­
tos dêste grupo de conspiradores. Ai dos políticos que
procuram manipular os eventos da História, e assim
usurpar a autoridade do Senhor, que é o Dominador
supremo da história humana.
Ai dos que escondem profundamente o seu propó­
sito do Senhor. Êsse partido egípcio procurava ocultar
do profeta o seu plano de pedir socorro do Egito na re­
volta contra a Assíria. O profeta lhes declara que êste
esforço de esconder do mensageiro do Senhor o seu pro­
jeto é um ato de rebelião contra Deus. Quem nos vê?
Quem nos conhece? É característico do hipócrita, que
faz as suas obras às escuras, a pensar que pode ocultar
as suas atividades não somente do conhecimento dos ho­
mens, mas também da observação do próprio Deus.
Vós tudo perverteis, transtornais! Que perversida­
de a vossa! O Rôlo do Mar Morto diz: de cabeça para bai­
xo por causa de vós. Vós vos considerais os mestres do
mundo, tão sábios, de acôrdo com o vosso modo de pen­
sar, que julgais poder enganar o vosso próprio Criador!
Vós sois tão insensatos que pensais que o barro pode di­
zer ao oleiro: Tu não tens entendimento.
2. A Redenção de Israel, 29:17-24
17. Não há mui pouco tempo ainda
até que o Líbano se converta em campo frutífero,
e o campo frutífero será tido por bosque?
18. Naquele dia os surdos ouvirão as palavras de um livro,
e da escuridão e das trevas os olhos dos cegos verão.
19. Os mansos terão muito mais alegria no Senhor,
e os pobres entre os homens exultarão no Santo de Israel
20. Pois o tirano será reduzido a nada,
e o escarnecedor deixará de existir,
e serão eliminados todos os que cogitam da iniqüidade;
21. os quais por uma palavra condenam um homem,
os que armam lagos ao que repreende na porta,
e os que sem motivo negam ao justo o seu direito.
22. Portanto, acêrca da casa de Jacó, assim diz o Senhor,
que remiu a Abraão;
Jacó não será mais envergonhado,
nem mais se empalidecerá o seu rosto.
23. Pois quando vir os seus filhos,
a obra das minhas mãos, no meio dêle,
santificarão o meu nome;
santificarão o Santo de Jacó,
e temerão o Deus de Israel.
24. E os que erram de espírito virão a ter entendimento,
e os murmuradones receberão instrução.
Alguns argumentam que estas passagens foram es­
critas algum tempo depois de Isaias, mas reconhecem
que o estilo literário e a mensagem messiânica concor­
dam notàvelmente com outras profecias messiânicas, re­
conhecidas como obras de Isaias. O profeta proclama
que vem o tempo quando haverá uma grande transfor­
mação do mundo físico e da natureza da sociedade hu­
mana (Cp. 32:15-20). Aumentar-se-á a produtividade
da terra. O Líbano, que era apenas uma floresta, será
convertido em campo frutífero, e nas novas circuns­
tâncias êste campo frutífero será considerado apenas
como bosque.
Naquele dia os surdos ouvirão as palavras do livro,
e das trevas os olhos dos cegos verão. A nação perversa
e surda que não entende a lei que tinha recebido, ouvi­
rá e entenderá a mensagem da graça de Deus. E serão
abertos os olhos dos cegos para ver e compreender a
mensagem de Deus.
Os mansos e pobres que temem a Deus, em contras­
te com a classe dos ricos e os escarnecedores (v. 20)
terão mais alegria, e exultarão no Senhor de Israel, en­
quanto que os tiranos, os escarnecedores e os iníquos se­
rão eliminados. O tirano talvez se refira a um opressor
de fora, enquanto que o escarnecedor é membro do gru­
po dos revoltosos contra o plano do Senhor apresentado
pelo profeta.
No verso 21 o profeta se refere aos que pervertem
a justiça, e armam laços ao juiz que repreende o culpa­
do na porta. Por qualquer pretexto, os juizes falsos, nos
seus próprios interêsses, procuravam dominar o homem
justo e privá-lo dos seus direitos (10:2; Am. 5:10, 12).
Portanto, acerca da casa de Jacó, assim diz o Se­
nhor que remiu a Abraão. Há muita discussão sôbre a
frase que remiu a Abraão. Aparentemente, a frase se
refere apenas à chamada de Abraão de Ur. Assim, é
simplesmente uma referência casual, sem qualquer ên­
fase sôbre a significação da palavra aqui. O Senhor
que fala sôbre a casa de Jacó é o mesmo que trouxe o
T T

seu pai de Ur.


A tradução do v. 23 é difícil, porque não está claro
o sentido do hebraico. São os filhos de Jacó que santi­
ficarão o Santo de Jacó, e temerão o Deus de Israel.
Mas deve-se traduzir, quando êle vir os seus filhos, ou
quando virem os filhos a obra das minhas mãos, no
meio dêles?
No verso 24, os que erram de espírito são aquêles
que foram desviados pelo espírito de falsidade, segundo
versos 13 e 21. Os murmuradores são os revoltosos ou
os escarnecedores mencionados nos versos 15, 20-21.
3. A Infidelidade na Aliança Política com o Egito,
30:1-7
1. Ai dos fiihos rebeldes, diz o Senhor,
que tomam conselho, mas não de mim;
que fazem aliança, mas não do meu espírito,
para acrescentarem pecado sôbre pecado;
2. que se põem a caminho para descer ao Egito,
sem pedirem o meu conselho,
buscando refúgio na proteção de Faraó,
e abrigo à sombra do Egito !
3. Portanto, a proteção de Faraó se vos tornará em vergonha,
e o abrigo na sombra do Egito em confusão.
4. Pois os seus príncipes já estão em Zoã,
e os seus embaixadores já chegaram a Hanes.
5. Todos serão envergonhados
dum povo que de nada lhes valerá,
nem de ajuda nem de proveito,
porém de vergonha e de opróbrio.
6. Oráculo concernente às bêstas do Sul.
Através duma terra de aflição e angústia,
de onde vem a leoa e o leão,
a víbora e a serpente voadora,
êles levam a lombos de jumento as suas riquezas,
e sôbre as corcovas de camelos os seus tesouros,
a um povo que nada 1hes aproveitará.
7. Pois é vão e inútil o auxílio do Egito;
por isso, lhe chamei Raabe que não se move.

Por algum tempo, os políticos de Judá planejavam


a aliança com o Egito contra a poderosa nação agressi­
va da Assíria (28:14-22; 29:15-16). Na ocasião da mor­
te de Sargão II em 705, os judeus mandaram a sua em­
baixada ao Egito para pedir auxílio militar contra a As­
síria. O profeta Isaias sabia da rivalidade entre a Assíria
e o Egito, e a futilidade de qualquer aliança política
para a pequena nação de Judá. Entendeu também que
o Egito queria aproveitar-se dessa aliança somente no
seu próprio interesse, sem qualquer consideração
do bem-estar, ou da sobrevivência do seu aliado. O pro­
feta condenou a aliança também porque foi um ato de
desconfiança acêrca de Javé e do seu poder de proteger
o seu próprio povo. A aliança não tem o apoio do Se­
nhor porque não concorda com o propósito divino na
história do seu povo. Finalmente, êsse ato de descon­
fiança e infidelidade trará sôbre Judá a vergonha e a
desgraça.
Ai dos filhos rebeldes! filhos corruptores; abando­
naram o Senhor, blasfemaram do Santo de Israel, volta­
ram para trás (1:4). Êlstes filhos rebeldes tomam con­
selho, mas não do Senhor. Desprezam o mensageiro do
Senhor, no esfôrço de fazer os seus planos políticos se­
cretamente. Fazem aliança, mas não do meu espírito.
Esta é a tradução do sentido do hebraico que diz: co­
brir com uma cobertura, ou derramar uma libação ao
deus invocado em fazer a aliança. Para acrescentarem
(não para que possam acrescentar) pecado sôbre peca­
do. Ao pecado de rebelião contra Javé, praticado por
muito tempo por êstes revoltosos, os políticos acrescen­
tam o pecado da aliança política com o Egito.
E minha bôca não pediram, isto é: Não consulta­
ram o meu mensageiro. Buscando refúgio e abrigo à
sombra do Egito. Êste é o ponto de vista dos políticos
insensatos.
O profeta declara no verso 3 que a proteção e abri­
go que os políticos de Judá pedem do Egito, tornar-se-
Ihes-ão, no curso de eventos, em vergonha e confusão.
Esta predição foi cumprida mais de uma vez na história
de Judá: na invasão de Judá e Jerusalém por Senaqueri­
be, e, mais tarde, na destruição de Jerusalém e o cativei­
ro por Nabucodonosor.
Pois os seus príncipes já estão em Zoã, e os seus
embaixadores já chegaram a Hanes. Zoã ficava ao nor­
deste do delta, e era uma cidade importante do Egito.
Hanes, identificada como Heracleópolis, ficava ao sul de
Mênfis, no centro do Egito, e ao oeste do Nilo. Alguns
pensam que o profeta está falando do reinado de Saba-
ca da Etiópia, mas os reis da Etiópia não se denomina­
vam Faraós. É difícil determinar com certeza se os
príncipes e os embaixadores do verso 4 são de Judá ou
do Egito. Baseando-se na frase os seus príncipes, alguns
insistem em que os embaixadores e os príncipes são os
egípcios, representantes do governo do Egito. Dizem
que a frase os seus príncipes não pode se referir aos ju­
deus neste contexto. Mas foram justamente os príncipes
e os nobres de Judá que fizeram o plano de mandar em­
baixadores ao Egito para pedir o auxílio daquele país.
São justamente os príncipes e embaixadores do verso 4,
judeus e não egípcios, que serão envergonhados, segun­
do a declaração do versículo 5.
Todos serão envergonhados. Os embaixadores de
Judá ficaram profundamente envergonhados quando
chegaram ao Egito e fracassaram na sua missão. Não
se sabe se os egípcios recusaram fazer aliança com os
judeus, mas é certo que Judá não recebeu auxílio algum
do Egito na luta com a Assíria. É verdade que a alian­
ça com Judá não tinha valor para o Egito, pois o Egito
não ofereceu ajuda, nem proveito algum aos embaixa­
dores de Judá, antes serviu de vergonha e de opróbrio.
A palavra oráculo não significa aqui uma nova re­
velação, mas acentua a solenidade da mensagem que se­
gue. Mas é claro também que o profeta está continuan­
do a mensagem dos versos 1-5. Êle descreve primeiro
a dificuldade da viagem dos embaixadores, e dos ricos
presentes que êles levam aos egípcios. Logo em seguida
fala da impotência do Egito como aliado de Judá.
Os animais do Negebe, uma terra de aflição e an­
gústia. A parte meridional da Palestina, conhecida como
o Negebe, era uma terra árida e perigosa para os via­
jantes, por causa dos animais ferozes e as serpentes ve­
nenosas (Cp. 14:29). No caminho para o Egito, os em­
baixadores de Judá tinham que atravessar esta terra pe­
rigosa, com os seus animais carregados de ricos presen­
tes e tesouros valiosos do seu povo para os egípcios, a
fim de ganhar o favor e o auxílio do Egito (v. 6).
Os emissários de Judá enfrentaram os terrores e os
perigos da viagem, e levaram o seu pesado tributo aos
egípcios na esperança de ganhar o seu auxílio como alia­
do contra a Assíria. E o Egito, o seu auxílio é vão e inú­
til. Por isso, lhe chamei Raabe que não se move ou
que se assenta silencioso. Raabe é o nome de um mons­
tro mitológico, dragão do mar (Cp. 51:9; Jó 9:13; 26:
12). Escritores bíblicos falam dêsse monstro como
símbolo do Egito (Sal. 87:4; 89:10). Assim, o profeta
insiste em que êste esfôrço, da parte dos judeus, de ga­
nhar o Egito como aliado de Judá é insensato e desas­
troso tanto do ponto de vista político como religioso.
Pior de tudo, é o desprêzo da vontade do Senhor Javé,
e do seu plano na direção da história de Judá.
4. No Sossego e na Confiança Estará a Vossa Fôrça,
30:8-17
8. Vai, agora, escreve isso numa tabuinha perante tles,
escreve-o num livro,
para que fique registado para os dias vindouros,
como testem unha para sempre.
9. Porque povo rebelde é êste,
filhos mentirosos»
filhos que não querem ouvir
a instrução do Senhor.
10. Êles dizem aos videntes: Não vejais;
e aos profetas: Não profetizeis para nós o que é reto;
dizei-nos cousas aprazíveis,
profetizai-nos ilusões.
11. Desviai-vos do caminho,
apartai-vos da vereda;
faaei virar da nossa presença
o Santo de Israel.
No verso 8 o profeta recebe a ordem para escrever
a sua mensagem numa tabuinha e gravá-la num livro
como testemunho perpétuo (Cp. 8:16-18). A mensagem
deve ser escrita perante êles. A palavra ppíl é usada,
às vêzes, no sentido de gravar numa pedra. Qual é a
- T

mensagem que deve ser registada pelo profeta para os


dias vindouros, como testemunho perpétuo? É provà-
velmente o conselho contra a aliança com o Egito, e a
condenação da revolta do povo contra o Senhor, e a sua
desobediência para com a revelação divina por intermé­
dio do profeta.
Nos versículos 9-17 o profeta declara mais uma vez
que a segurança de Judá não pode ser conseguida pelas
atividades militares e as alianças políticas (Cp. 7:4, 9).
Isaias declara que Judá pode ser salva do poder militar
das poderosas nações, e assim manter a sua fé calma e
firme no Senhor Deus de Israel. O profeta nunca se es­
quece das atividades do Senhor na História, e sempre
mantém a certeza de que o Senhor há de realizar os
seus planos e os seus propósitos. Assim, êle interpreta
a insensatez de Judá nas suas atividades como sendo con­
tra os propósitos do Senhor e contra o seu próprio bem-
estar. O povo não quer saber dos conselhos do profeta
contra os seus planos políticos, mas a sua iniqüidade
será plenamente revelada no fracasso completo dos seus
projetos. Pois são filhos mentirosos que não querem
ouvir a instrução, o ensino, a revelação divina, a m iFl
(1:10; 2:3).
É provável que o profeta não esteja citando as pa­
lavras exatas do povo nos versos 10 e 11, mas que esteja
interpretando o sentido exato da sua rebelião contra o
seu Deus, e das suas atividades pecaminosas. É claro
que o povo denunciava os profetas, porque desejava ou­
vir mentiras agradáveis em vez da verdade dura e real.
As palavras HÍTi e nK' 1 , traduzidas aqui videntes
V
e profetas, são sinônimas, mas a palavra profeta é mais
rica no seu sentido do que vidente. A palavra éo
palavra que geralmente designa os profetas canônicos.
• T

Ver A Esperança Messiânica do autor, vs. 7-15, sôbre o


profeta. Mas êste povo rebelde, v. 9, desprezava tôdas
as classes de profetas (Am. 2:12; Os. 9:7, 8; Miq. 2:6,
11; Jer. 6:14; Ez. 13:10-16).
Desviai-vos do caminho, apartai-vos da vereda. O
povo não quer ouvir mais nada dos preceitos duros e
exigentes do profeta. Há multidões de pessoas de hoje
que falam com entusiasmo e eloqüência sôbre as alegrias
da vida, mas ficam indignadas com aquêles que pregam
o evangelho do pecado e julgamento, e a nova qualidade
de alegria na verdadeira religião de Cristo Jesus.
12. Pelo que assim diz o Santo de Israel:
Visto que desprezais esta palavra,
e confiais na opressão e na perversidade,
e sôbre isso vos estribais;
13. portanto, esta iniqüidade vos será
como brecha num alto muro, prestes a cair,
e formando uma barriga, a queda é de repente, num
instante.
14. A sua quebra é como a do vaso do oleiro,
despedaçando-o por completo;
de sorte que não se achará entre os fragmentos
um caco que sirva para tirar fogo da lareira,
ou tirar água da cisterna.
Nos versículos 12 a 14 o profeta responde aos rebel­
des, com uma ilustração que explica as conseqüências
desastrosas da rebelião contra o Santo de Israel. Os re­
beldes rejeitaram o conselho divino, e criaram a sua pró­
pria interpretação. O desastre que cairá sôbre o projeto
dêsses revoltosos é semelhante ao que acontece ao muro
estragado. Primeiro, aparece a pequena brecha no muro
que se abre cada vez mais sob a pressão do pêso, de acôr­
do com a lei da gravidade. Enfraquecido, o muro vai se
inclinando e formando uma barriga, finalmente cai num
instante, e fica completamente despedaçado. Quebra-se
como vaso do oleiro, em fragmentos tão pequenos que
não resta um caco de tamanho suficiente para levar nêle
uma brasa de lareira, ou para tirar água da cisterna.
15. Pois assim diz o Senhor Deus, o Santo de Israel:
Em vos converterdes e em repousardes sereis salvos;
na tranqüilidade e na confiança estará a vossa fôrga»
e vós não quisestes.
16. Antes vós díssestes :
Nãol sôbre cavalos apressaremos;
portanto, assim fugireis;
e: Sôbre cavalos ligeiros cavalgaremos;
sim, ligeiros serão os vossos perseguidores.
17. Mil fugirão pela ameaça de um,
pela ameaça de cinco vós fugireis,
até que sejais deixados
como mastro no cume do monte,
e como sinal no outeiro.

Em palavras memoráveis, o profeta apresenta nes­


tes versículos um contraste entre a salvação que resulta
da confiança no Senhor, e aquela que os homens plane­
jam nas suas atividades e estratagemas políticos. No
verso 15 Isaias repete o seu profundo ensino sôbre a re­
lação da fé no Senhor Javé, e o bem-estar político do seu
povo (7:4, 9; 28:16).
Em vos converterdes e em repousardes ... na tran­
qüilidade e na confiança. Notai as quatro ricas palavras
que descrevem o espírito e as bênçãos da verdadeira re­
ligião: converter, repousar, tranqüilidade, confiança. As
primeiras duas são verbos que descrevem a responsabili­
dade do povo perante o seu Deus; as outras duas expli­
cam as bênçãos e a felicidade dos homens de fé no seu
Criador e Dominador.
Não podendo entender o ensino do profeta sôbre o
significado da fé no Deus invisível, Judá, na tolice da
sua sabedoria humana, escolheu correr ao Egito, e con­
tar com o seu auxílio militar. 0 verso 16 fala das con­
seqüências para aqueles que procuram conseguir a sua
própria salvação. O hebraico do verso não está muito
claro, mas a segunda parte declara que aquêles que ten­
tam fugir sôbre cavalos ligeiros serão perseguidos pelos
inimigos montados em cavalos ainda mais ligeiros. A
primeira parte do verso 16 talvez represente as palavras
dos homens de Judá: Sôbre cavalos apressaremos (con­
tra o inimigo).
Mil fugirão pela ameaça de um. Êste verso 17 des­
creve o desastre terrível da política dos judeus que ten­
taram estabelecer aliança com o Egito. Pela ameaça
de cinco vós fugireis, até que reste de vós o que parece
apenas um mastro como sinal no cume do monte. As­
sim, há muitos séculos, êste mensageiro do Senhor ofe­
receu ao seu povo o caminho, a verdade e a vida. No
correr dos séculos, desde então, milhares e milhões de
pessoas fiéis ao Senhor vêm verificando a felicidade su­
prema de descansar na graça de Deus.
E. 0 Poder do Deus Invisível, 30:18-31:9
1. Promessa para o Povo Sofredor de Sião, 30:18-26
18. Por isso, o Senhor espera, para ter misericórdia de vós,
portanto, se exalta para mostrar compaixão de vós,
pois o Senhor é Deus de justiça;
bem-aventurados todos os que por êle esperam.
19. Sim, ó povo em Sião, que habitas em Jerusalém, tu não
chorarás mais.
Êle certamente se compadecerá de ti, à voz do teu clamor; e
quando a ouve, te responderá.
20. Embora o Senhor vos dê o pão de angústia, e a água de
affição, contudo, não se esconderá mais o teu Mestre, mas
os teus olhos verão o teu Mestre.
21. Quando te desviares para a direita e quando te desviares para
a esquerda, os teus ouvidos ouvirão atrás de ti uma palavra,
dizendo: Êste é o caminho, andai por êle.
22. Então contaminareis a cobertura de prata das tuas imagens
esculpidas e o ouro que reveste as tuas imagens fundidas.
Lançá-las-ás fora como cousa imunda, .s lhes dirás: Fora daqui.
23 Então, o Senhor te dará chuva sôbre a tua semente, com que
semeares a terra, e pão como produto da terra, o qual será
abundante e excelente. Naquele dia o teu gado pastará em
lugares espaçosos.
24. Os bois e os jumentos que lavram a terra comerão forragem
com sal, alimpada com pá e forquilha.
25. Em todo monte alto, e em todo outeiro elevado haverá ribeiros
e correntes de águas, no dia da grande matança, quando
saírem as tôrres.
26. E será a luz da lua como a luz do sol, e a luz do sol sete
vêzes maior, como a luz de sete dias, no dia em que o Senhor
atar a ferida do seu povo, e curar a chaga do golpe que êle
deu.
Alguns julgam que esta seção foi escrita no período
do cativeiro, mas parece a nós que é a continuação da
mensagem de Isaias, e que está falando dos fiéis, que
na sua fidelidade, estavam sofrendo conseqüências da
revolta do grupo infiel que buscava o auxílio do Egito.
Por isso o Senhor espera, para ter misericórdia de
vós. Parece que Isaias, nestes versículos, está dirigindo
o apêlo da misericórdia divina ao povo de Jerusalém
que tinha mantido a sua fé vacilante, no período de so­
frimento terrível, durante o sítio da sua cidade pelo exér­
cito poderoso da Assíria. A graça de Deus já fica dis­
ponível, aproveitável, em qualquer momento, para to­
dos aquêles que tenham o desejo, e a fé de recebê-la.
Mais uma vez o profeta declara a firme certeza de que o
propósito eterno do Senhor será realizado na fidelidade
do Restante do seu povo. O amor do Senhor para com o
seu povo, por mais instável e obstinado que êste seja,
nunca muda. O Senhor se exalta para mostrar com­
paixão de vós. O Senhor deseja mostrar compaixão de
vós é o sentido da declaração, em harmonia com o pen­
samento do profeta no versículo. O Senhor tinha espe­
rado com paciência o momento oportuno de libertar a
cidade de Jerusalém do poder do inimigo. Assim, espe­
ra a hora determinada, pela sua providência, para o li­
vramento de nações e de homens. Deus governa a his­
tória humana pelas leis eternas que êle mesmo estabele­
ceu. A onisciêneia, a justiça e a compaixão do Senhor
se manifestam em tôdas as suas relações e atividades com
o seu povo.
O verso 19 dá ênfase ao ensino do profeta Isaias
sôbre a inviolabilidade de Sião (2:1-5). Tu não chorarás
mais. Êle certamente se compadecerá de ti, à voz do
teu clamor. O povo do Senhor sofreu muito através da
História por causa da infidelidade nacional, e por causa
dos seus próprios pecados, mas Deus sempre ouviu e
respondeu ao seu clamor. Finalmente, pelo socorro di­
vino, e pelas bênçãos da graça de Deus, o seu povo fiel
cumpriu a sua gloriosa missão (Gên. 12:3; Êx. 19:4, 5,
6; II Sam. 7:11-16; Joel 2:28, 29; Os. 2:19, 20; Miq.
4:1-5; Jer. 33:16; Luc. 24:27; At. 26:6, 7; Gál. 3:9).
Nos versos 20 e 21, o profeta explica o modo e o
propósito do Senhor na disciplina do seu povo. Embora
o Senhor vos dê o pão de angústia, e a água de aflição,
não se esconderá mais o teu Mestre. Alguns manuscri­
tos contêm mestres em vez de mestre. Segundo a for­
ma plural, os mestres são os profetas e instrutores do
povo. Se o singular é o texto original, assim indicado
pela forma singular do verbo, então a palavra Mestre
se refere ao Senhor como o Mestre do seu povo. Alguns
intérpretes entendem que o profeta está falando do Mes­
sias da Idade Messiânica.
Quando te desviares ... os teus ouvidos ouvirão
atrás de ti uma palavra, dizendo: Êste é o caminho, an­
dai por êle. A verdade desta declaração verifica-se na
vida do crente que ouve a voz do Espirito Santo falando
à sua consciência cristã. Assim, o Senhor fala ao seu
povo, como o pai, no seu carinho e amor, fala aos seus
filhos.
Nesta nova Idade Messiânica, v. 22, o povo fiel do
Senhor lançará fora tôdas as suas imagens de prata e
de ouro, como cousas imundas, e assim renunciará tô­
das as formas de idolatria.
Nos versos 23 e 24, o profeta fala das bênçãos ma­
teriais que o Senhor dará ao seu povo na nova época.
O Senhor dará chuva sôbre a tua semente plantada na
terra, e assim fará o solo produzir uma ceifa farta de
qualidade excelente. Neste nôvo tempo de paz e pros­
peridade, o gado pastará em lugares espaçosos, em per­
feita segurança.
Os bois e os jumentos que lavram a terra comerão
forragem especialmente preparada para êles. As pala­
vras r » n e talvez signifiquem a forragem
cortada juntamente com ervas de que os animais gosta-
• T * t

yam. Á palavra hebraica significa fermentado ou sal­


gado. Êstes animais comerão os cereais alimpados e pre­
parados para êles, como se prepararam para os homens.
Nos montes altos e áridos, e nos outeiros secos, a
água correrá abundantemente, uma bênção preciosa para
o povo que sofreu freqüentemente por falta de água su­
ficiente .
Além de tôdas estas bênçãos de prosperidade ma­
terial, a luz da lua será como a luz do sol, e a luz do sol
será sete vêzes maior. Nas Escrituras a luz é emblema
de inteligência, pureza e felicidade, e as trevas simbo­
lizam a ignorância, o pecado e a calamidade. No cres­
cendo desta linguagem poética, o Senhor curará a ferida
do seu povo, e estabelecerá plena comunhão com êle.
2. Será Destruído o Inimigo do Povo de Deus, 30:27-33
No julgamento do Senhor, a nação arrogante e cruel,
a Assíria, o inimigo terrível do povo de Deus, será com­
pletamente destruído. Enquanto alguns dos intérpretes
reconhecem que esta profecia foi proferida ao povo de
Judá no tempo de Isaias, outros pensam que a lingua­
gem de exultação sôbre a destruição da Assíria não re­
presenta o espírito de sobriedade de Isaias; que a exulta­
ção do escritor sôbre os horrores do julgamento da As­
síria não concorda com o conceito ético do profeta.
Mas deve-se lembrar que a linguagem da passagem é
poética e altamente figurada no estilo de Isaias, e que
êste intérprete da história humana havia testemunha­
do a prática terrível do genocídio da parte da Assíria
na destruição de Israel, e tinha se esforçado para ani­
quilar o restante do povo do Senhor na destruição de
Jerusalém, a cidade inviolável do Senhor. Assim, o jul­
gamento divino da Assíria foi um evento histórico na­
quela hora, e para o futuro do reino de Deus.
27. Eis que o Nome do Senhor vem de longe,
ardendo na sua ira, no meio de espêssas nuvens;
os seus lábios estão cheios de indignação,
e a sua língua é como fogo devorador.
28. A sua respiração é como torrente que transborda
e chega até ao pescoço;
para peneirar as nações com a peneira de destruição;
com um freio nos queixos dos povos, fazendo-os errar.
29. Um cântico haverá entre vós, como na noite
quando se celebra festa santa;
e alegria de coração, como a daquele que sai ao som da flauta
para ir ao monte do Senhor, à Rocha de Israel.
Os versos 27 e 28 descrevem a vinda do Senhor
para destruir a Assiria, o inimigo do seu povo (Cp.
Juí. 5:4,5; Sal. 18:7-15; Hab. 3:3-13). O Nome do Se­
nhor é usado aqui no sentido da sua personalidade,
como em tôda parte da Biblia. A glória do Senhor é
usado também neste sentido em 59:19; Sal. 102:15. O
Senhor vem de longe, talvez do Sinai, associado com a
escolha de Israel (Cp. Juí. 5:4: Deut. 33:2). Há várias
frases nestes dois versos que descrevem a natureza do
pecado no seu poder de despertar o ódio da justiça santa
do Senhor. Êle vem ardendo na ira, com lábios cheios
de indignação, e língua como fogo devorador. Podemos
reconhecer que estas frases que descrevem a ira do Se­
nhor contra o pecado nos demonstram, ao mesmo tem­
po, o eterno amor do Senhor para com a justiça e a
santidade. A frase fazendo-os errar entende-se clara­
mente à luz da psicologia hebraica. O Senhor não obriga,
ou faz errar qualquer pessoa ou nação. O profeta refe­
re-se aqui ao freio nos queixos da Assíria. O Senhor Javé
é o Juiz eterno das nacões, e ai daquelas que se esque­
cem de Deus (Sal. 9:17).
No dia do grande livramento do poder da Assíria,
haverá entre vós um cântico de alegria, como na noite
da celebração da saída do Egito, com a festa santa da
Páscoa (Êx. 12:11). A vossa profunda alegria será como
a daquele que marcha com a flauta no caminho para
o monte do Senhor, à Rocha de Israel (II Sam. 23:3).
30. O Senhor fará ouvir a sua voz majestosa,
e fará ver o golpe do seu braço, com ira furiosa,
no meio de chamas devoradoras,
carga dágua, tempestade e pedra de saraiva.
31. Pois com a voz do Senhor será apavorada a Assíria,
quando êle a fere com a vara.
32. Cada pancada castigadora, com a vara,
que o Senhor lhe der,
será ao som de tamboris e harpas;
e combaterá vibrando golpes contra êles.
33. Porque há muito está preparada a fogueira;
sim, preparada para o rei;
a pira é profunda e larga, com fogo e lenha em abundância;
o assâpro do Senhor como torrente de enxofre a acenderá.
Os versos 30-33 continuam a descrição gráfica da
Assíria. A voz majestosa talvez signifique aqui o trovão
(Sal. 29). A palavra , carga de água, é o resulta­
do da explosão de uma nuvem carregada. Assim, por um
fenômeno natural, o Senhor mostra o poder do golpe
do seu braço. O Senhor tinha usado a Assíria como a
vara da sua ira (10:5), mas nos versos 31 e 32 a Assíria
será castigada com a vara do Senhor.
O sentido do verso 32 é obscuro, mas o escritor de­
clara que os assírios serão destruídos ao som de música
de tamboris e harpas e o regozijo dos israelitas. Duvido
que esta linguagem poética seja forte demais para o
sentido ético de Isaias, como dizem alguns, visto que o
profeta entendeu o significado do evento.
A palavra íin S fi, Topheth, traduzida fogueira, é
o nome de um lugar no vale de Hinom, ao sul de Jeru­
V « T

salém, onde sacrifícios humanos foram oferecidos ao


deus Moloque (Lev. 20:3, 4; II Reis 23:10; Jer. 7:31,
32). Sim, é preparada para o rei, o rei da Assíria. A
pira é profunda e larga, com abundância de lenha, e será
acesa pelo assôpro do Senhor, como torrente de en­
xofre .
3. A Fôrça de Cavalos ou o Poder do Espírito do Se­
nhor, 31:1-3
1. Aí dos que descem ao Egito em busca de socorro,
e se estribam em cavalos;
que confiam em carros, porque são muitos,
e em cavaleiros, porque são mui fortes,
mas não atentam para o Santo de Israel,
nem buscam ao Senhor.
2. Todavia, êle é sábio, e faz vir o mal,
e não retira as suas palavras;
mas êle se levantará contra a casa dos malfeitores,
e contra os auxiliadores que praticam a iniqüidade.
3. Pois os egipcios são homens, e não Deus;
os seus cavalos são carne, e não espírito.
Quando o Senhor estender a sua mão,
tanto tropeçará o auxiliador, como cairá o ajudado,
e todos juntamente serão consumidos.

Nos versos 1-3 o profeta apresenta o oráculo recebi­


do do Senhor a respeito da embaixada dos políticos que
desceu ao Egito em busca de socorro. O primeiro verso
fala do conflito muito antigo entre a dependência de ar­
mas militares e a fé no poder do Deus vivo (Cp. 36:
8-9). Os judeus confiavam no poder dos cavalos e car­
ros do Egito, em parte, por causa da mesma qualidade
do poder do seu inimigo, a Assíria. Hoje as nações po­
derosas confiam no terrível poder das bombas atômi­
cas. Aparentemente, os profetas consideravam os cava­
los e os carros da sua própria terra como inimigos da
religião (Cp. 2:7). Mas a condenação mais severa do
povo pelo profeta é que êles não atentavam para o San­
to de Israel, e nem buscavam ao Senhor.
Os versos 2 e 3 explicam a tolice de depender do
Egito em vez de confiar em Javé. 0 profeta dá ênfase
à sabedoria do Senhor, e ao valor eterno da verdade da
sua revelação. Em conseqüência da sua sabedoria, o
Senhor faz vir o mal sôbre aquêles que praticam a in­
justiça, levanta-se contra os malfeitores e contra todos
aquêles que ajudam na prática da iniqüidade. Me não
retira as suas palavras transmitidas por intermédio dos
seus mensageiros (28:16-18; 29:14; 30:13, 14, 16, 17).
Pois os egípcios são homens, e não Deus. O profeta
apresenta mais uma vez, neste versículo 3, o seu enten­
dimento da História. É o “Espírito”, não cousas mate­
riais, que é o elemento indestrutível do universo que o
Senhor Javé criou.
Os judeus se julgavam sábios no seu plano de fa­
zer aliança com o Egito na defesa da pátria. Não ti­
nham que defender a sua terra e a sua independência
do domínio cruel da Assíria? O plano dêles, segundo o
seu ponto de vista limitado pela falta de entendimento
das circunstâncias históricas, parecia-lhes o melhor pos­
sível. Assim, julgavam que o profeta era visionário e
sem o entendimento do perigo terrível do poder militar
da Assíria. Êles não se lembravam do conselho sábio
que Isaias dirigiu ao rei Acaz, pedindo-lhe que não fi­
zesse aliança com a Assíria contra Rezim e Peca (7 :l-9).
Na sua íntima comunhão com o Espírito do Senhor o
profeta entendeu o propósito divino na História. O po­
der eterno e invencível que é sempre ativo no espírito
dos homens e das nações é o Espírito do Senhor que
opera de acôrdo com o seu eterno propósito. Em con­
traste com os contemporâneos, que atentavam nas cou­
sas que se vêem, o profeta mantinha a visão do mundo
supremo, o mundo espiritual sob a direção do Espírito do
Senhor (II Cor. 4:18).
4. O Senhor dos Exércitos É o Defensor de Jerusalém,
31:4-9
4. Pois assim me disse o Senhor:
Como o leão ou o cachorro do leão rosna sôbre a sua prêsa,
contra o qual se convoca uma banda de pastôres,
êle não se espanta da vozearia dêles
nem se abate pelo seu barulho;
assim, descerá o Senhor dos Exércitos
para pelejar sôbre o Monte Sião, e sôbre o seu outeiro.
5. Como adejam as aves, assim o Senhor dos Exércitos
protegerá a Jerusalém;
protegê-la-á e a salvará,
poupá-la-á e a livrará.
6. Voltai-vos, ó filhos de Israel, para aquêle contra quem vos
tendes profundamente rebelado.
7. Pois naquele dia cada um lançará fora os seus ídolos de prata,
e os seus ídolos de ouro, que as vossas mãos fabricaram para
pecardes.

O verso 4, segundo o nosso ponto de vista, declara


o firme propósito do Senhor de defender a cidade de
Jerusalém do poder dos assírios. Os assírios, julgavam
que Jerusalém estava no seu poder, assim como o leão,
ou o cachorro do leão achava que a prêsa estava em
seu poder, e não tinham qualquer dúvida da fraqueza
dos defensores da cidade e da impossibilidade da parte
dêles de tirar a prêsa, Jerusalém, das suas garras. Visto
que os judeus não tinham o poder de defender a sua ci­
dade contra os arrogantes, barulhentos e poderosos as­
sírios, o próprio Senhor Javé dos Exércitos descerá para
pelejar contra o inimigo que ameaçava aniquilar a úl­
tima fortaleza de Judá como tinha destruído a cidade
de Samaria, e aniquilado a nação de Israel., Pois assim
me disse o Senhor. Embora não seja claro o sentido
exato do hebraico dos versos 4 e ~5, é perfeitamente evi­
dente que o profeta está declarando aos judeus a certeza
da proteção divina de Jerusalém contra o assalto dos as-
sirios. Portanto, os habitantes devem confiar no poder
do Senhor dos Exércitos, em vez de depender do socor­
ro do Egito . O Senhor segurará a cidade impotente no
seu poder como o leão segura a sua prêsa.
Assim, descerá o Senhor dos Exércitos para pelejar
sôbre o Monte Sião. A f r a s e s i g n i f i c a clara-
mente pelejar sôbre, e não pelejar contra, como afirma
— : •

dogmaticamente R.B.Y . Scott na The Interpreter’s Bi-


ble. O sentido primário de é acima ou sôbre que
concorda com o sentido correto da declaração do pro­
feta. O escritor assim declara que o propósito determi­
nado do Senhor é que Jerusalém não cairá no poder dos
assírios.
Como adejam as aves é outra figura que reforça
o sentido do versículo anterior de que o Senhor prote­
gerá e salvará a cidade de Jerusalém (Cp. Mat. 23:37).
Voltai-vos, filhos de Israel, para aquêle contra quem
vos tendes profundamente rebelado. Os versos 6 e 7
estão em prosa, talvez para expressar mais diretamente
o apêlo do profeta. A libertação de Jerusalém é um dos
grandes eventos da história do reino de Deus, uma re­
velação clara do Senhor Javé como o Deus Supremo,
um exemplo do amor eterno do Senhor para com o seu
povo.
Mas esta manifestação maravilhosa da graça de
Deus na salvação de Jerusalém liga-se não somente com
a condição do arrependimento dos filhos de Israel, mas
também com o futuro do reino de Deus. Pois naquele
dia cada um lançará fora os seus ídolos. Naquele dia
refere-se, em primeiro lugar, ao dia da libertação mira­
culosa de Jerusalém do poder da Assíria pelo Senhor.
Ao mesmo tempo, a frase indica que o profeta está
olhando para aquêle tempo do futuro glorioso do reino
de Deus, mencionado freqüentemente na sua profecia.
A fidelidade ao Senhor sempre resulta no abandono de
lôdas as formas de idolatria.
8 E a Assíria cairá pela espada, não de homem;
e a espada, não de homem, a devorará;
fugirá diante da espada,
e os seus jovens serão sujeitos a trabalhos forçados.

9. No terror passará a sua rocha,


e os seus príncipes, apavorados, desertarão a bandeira,
diz o Senhor, cujo fogo está em Sião,
e cuja fornalha está em Jerusalém.

Êstes versos 8 e 9 descrevem a queda da Assíria. A


derrota do poderoso exército da Assíria não foi conse­
guida pelo exército pequeno e fraco de Judá; nem foi
obra dos defensores de Jerusalém. Abandonando o sí­
tio de Jerusalém, depois de zombai' da fraqueza dos
seus defensores, e depois de gabar-se do seu exército in­
vencível (36:1-22), os assírios fugiram ignominiosamen-
te diante do terror que sofreram repentinamente às
mãos do Senhor. E a Assíria cairá pela espada, não de
homem; e a espada de Não-homem a devorará. A As­
síria, com o seu exército famoso quetinha conquistado
as nações vizinhas, mais poderosas do que Judá, fugiu
apavorada diante da espada invisível do Senhor. O sin­
gular do verbo fugir é característico do estilo hebraico,
dando ênfase à fuga de cada um dos soldados do exér­
cito. Portanto, não é incoerente do ponto de vista do
hebraico, com o verbo plural que segue, segundo o pon­
to de vista de alguns intérpretes. Isaias sabia perfeita­
mente que Judá não tinha o poder militar para defen­
der a cidade contra o exército de Senaqueribe, mas ti­
nha recebido a promessa divina de que os assírios não
poderiam desfazer o propósito do Senhor de salvar Je­
rusalém .
De mêdo passará a sua rocha. Esta declaração é
difícil de se interpretar, mas provàvelmente tenha o sig­
nificado usual de segurança. Por causa do grande mêdo
do poder misterioso que tinha destruído a fôrça militar
do seu exército, é provável que Senaqueribe julgasse que
não houvesse qualquer lugar seguro para os seus solda­
dos na terra de Judá. Ficou tão apavorado pelo fracas­
so dos seus planos militares, que não quis parar em qual­
quer lugar até que chegasse à sua própria terra; e nun­
ca mais voltou à Judá. Fugindo de terror, os soldados
abandonaram, ou deixaram de levar o seu estandarte.
O fogo do Senhor pode significar a presença divina
no meio do seu povo (Zac. 2:5), ou o fogo do Senhor
no seu Templo em Jerusalém (Is. 6:6, 7).
F. A Comunidade Ideal na Idade Messiânica, 32:1-8
Esta profecia trata principalmente do Reino Mes­
siânico do futuro. No capítulo 9:1-6 e 11:1-4, o profeta
fala da Pessoa do Messias vindouro, enquanto que esta
passagem trata dos característicos do Reino Messiânico,
em harmonia com a salvação de Jerusalém do poder
dos assírios, no capítulo anterior. Isaias entendeu
claramente a profunda significação histórica da der­
rota providencial do exército de Senaqueribe, e a
saJvação de Jerusalém, a última fortaleza de Judá, do
poder da Assíria. Essa maravilhosa vitória do povo do
Senhor representava para o profeta o eterno propósito
do Senhor dos Exércitos na direção da História, um
tema que havia ocupado o seu pensamento por algum
tempo. Não percebendo o significado da vitória de
Judá nesta crise histórica que ameaçava a sua destrui­
ção nacional, alguns comentaristas não entendem esta
passagem como profecia messiânica.
1. O Estabelecimento do Governo Messiânico,
32:1-2
1 Eis que em justiça reinará um rei,
e em retidão governarão príncipes.

2. Cada um servirá de esconderijo contra o vento,


de refúgio contra a tempestade,
como correntes de água em lugares secos,
como sombra de grande rocha em terra s«denta.

À luz da derrota do grande inimigo do seu povo, o


profeta contemplava, no seu espírito calmo, o tema do
Restante fiel que havia de constituir o núcleo da futura
nação do Senhor. Reconhecendo que a infidelidade e a
apostasia dos seus contemporâneos tinham trazido os
males e os sofrimentos sôbre o povo, o profeta espera­
va que esta profunda experiência da misericórdia do Se­
nhor pudesse acordar no coração dos salvos o espírito
de gratidão e serviço ao seu Deus. É nestas circunstân­
cias que o profeta tem a visão da sociedade transfor­
mada no reino da justiça.
Eis que em justiça reinará um rei, e em retidão
governarão príncipes. Assim, a fundação básica da
nova época será um govêrno justo e honesto. O profeta
tinha falado, nos capítulos 30-31, sôbre a infelicidade da
política dos governadores e príncipes que desviavam o
povo e o persuadiam a confiar nos cavalos do Egito em
vez de manter a sua fé no cuidado e na proteção do Se­
nhor Javé, o seu Deus.
Nas suas mensagens messiânicas os profetas visa­
vam não' somente ao Ungido do Senhor, o Rei ideal, mas
tratavam também do govêrno messiânico, a orientação
da sociedade livre de opressão e injustiça geral. Nesta
passagem, o profeta trata das bênçãos sociais da nova
idade messiânica. O govêrno do rei justo será para o
povo do futuro como esconderijo contra o vento, como
refúgio contra a tempestade, e como a sombra de uma
grande rocha no deserto. O govêrno de grandes homens
da História, como o de Lincoln e muitos outros, tem rea­
lizado, em parte, êsse nobre ideal do profeta, mas Jesus
Cristo é o único que vem cumprindo perfeitamente êste
govêrno como refúgio de homens contra as tempesta­
des da vida, com a água dà vida para os sedentos de es­
pírito, e como a Rocha de salvação dos desviados no de­
serto do pecado.
2. A Transformação Espiritual do Povo na Nova Era,
32:3-5
3. Então, os olhos dos que vêem não se ofuscarão,
e os ouvidos dos que ouvem estarão atentos.

4. O coração dos temerários entenderá o conhecimento,


e a língua dos gagos falará pronta e distintamente.

5. Ao louco nunca mais se chamará nobre,


nem o fraudulento será mais intitulado honroso.

Esta passagem concorda perfeitamente com a filo­


sofia da história dêste grande mensageiro do Senhor (Cp.
5:25-30; 10:5-19; 10:20-21; 10:24-27; 17:12-14; 30:25-
26; 30:29). Estas várias passagens mostram a largura
e a profundeza dos ensinos do profeta sôbre o propósito
do Senhor, que se manifesta na experiência e na história
do seu povo. Aqui êle dá ênfase, mais uma vez, ao ser­
viço voluntário e alegre dos salvos pela graça de Deus.
Na nova era do reino messiânico o serviço espiritual ao
Senhor não se limitará aos que são reconhecidos como
nobres e poderosos. Pessoas humildes, puras e dedica­
das ajudarão os homens a confiar na graça poderosa do
Senhor e a entregar-se ao serviço do reino messiânico.
Os olhos dos que vêem não se ofuscarão. O efeito
do reino do Ungido do Senhor na sociedade em geral
será imediato e positivo. Haverá uma nova fôrça es­
piritual, e um nôvo entendimento entre os homens, que
saberão distinguir as contradições que existem entre a
nobreza de caráter e a falsa nobreza da sociedade. Os
olhos e os ouvidos dos homens serão abertos para en­
tenderem e para ministrarem às necessidades espirituais
dos seus vizinhos. Até os temerosos chegarão a ter co­
nhecimento. Os gagos não são aquêles que tenham de­
feitos na pronúncia de palavras, mas os que se quei­
xam, murmuram e zumbem, sem expressar claramente
os seus pensamentos. Também nesta nova idade, o povo
terá um nôvo entendimento dos valores importantes. O
louco não passará mais por homem de profundo conhe­
cimento, ou de caráter nobre. Nem o fraudulento será
apontado como homem honroso (Cp. 5:20). O poder
de discernir, ra. entender, compreender, será evidente
entre os servos fiéis do Senhor. Assim, o profeta reco­
nhece que, até no Reino Messiânico, ainda haverá lou­
cos e nobres, fraudulentos e honestos, mas cada um será
reconhecido de acôrdo com o seu verdadeiro caráter.
3. O Contraste entre os Característicos do Fraudulento
e os do Nobre, 32:6-8
6. Pois o louco fala loucamente,
e o seu coração obra a iniqüidade;
para praticar a impiedade,
e para proferir êrro contra o Senhor,
para deixar o faminto morrer de fome,
e o sedento perecer de sêde.

7. Os instrumentos do fraudulento são maus;


êle maquina intrigas malignas,
para destruir os mansos com palavras falsas,
mesmo quando a causa do necessitado é justa.

Mas o nobre projeta planos nobres,


e nas cousas nobres êle permanece firme.
Nestes versículos, o profeta discute o contraste en­
tre a vida dos fraudulentos e a dos nobres na nova so­
ciedade estabelecida nos princípios da justiça divina (Cp.
Prov. 13-15; Ecl. 7:4-9; 9:17-18). Segundo o ponto de
vista do profeta Isaias, a renovação da sociedade come­
ça com a operação da gíaça de Deus na vida dos reis e
dos nobres (Cp. 1:26; 3:1-7). Assim, o profeta apre­
senta em 9:6, 7; 11:1-7, bem como nos versos 1-5 dêste
capítulo, o Rei ideal, dotado de virtudes sobrenaturais
como o fundador e diretor da nova sociedade.
Pois o louco fala loucamente, e o seu coração pra­
tica a iniqüidade. No hebraico o coração é o eqüivalen-
te de mente, intelecto, alma, espírito e a vontade. 0 ho­
mem pusilânime, o patife, não somente fala loucamente,
mas pratica a impiedade tão naturalmente como a árvo­
re má produz frutos maus. Sendo pernicioso e corruto,
sem qualquer sentimento de justiça, êle faz tudo para
realizar os seus próprios interêsses, sem considerar o
bem-estar de outros. Não teme a Deus nem respeita ao
seu semelhante. Não se incomoda se uma pessoa sofrer
de fome ou perecer de sêde por causa da opressão da
parte dêle.
Os instrumentos, as armas e os métodos do frau­
dulento são maus, pois êle maquina intrigas malignas
para destruir os mansos, mesmo quando a sua causa é
justa (Cp. 29:21). Os opressores dirigiam as suas men­
tiras e os seus esforços para roubar contra os mansos
porque era mais fácil privar êstes indefesos dos seus di­
reitos e dos seus bens.
Mas o nobre projeta planos nobres. O homem nobre
é generoso e benevolente. Êle odeia a injustiça, a avare­
za e a opressão dos indefesos. Tem prazer no serviço
à sua pátria e aos seus vizinhos. Os homens assim in-
corrutíveis serão os governadores do povo na idade áu­
rea que o profeta visava.
4. Advertência contra as Mulheres de Jerusalém, 32:9-14
9. Levantai-vos, mulheres que estais em repouso,
ouvi a minha voz;
vós, filhas, que estais confiantes,
inclinai os ouvidos às minhas palavras.
10. Pois daqui a um ano e dias
vireis a tremer, vós mulheres que estais confiantes;
porque a vindima se acabará,
e não haverá colheita.
11. Tremei, mulheres que estais em repouso,
turbai-vos, vós que estais confiantes;
despi-vos e ponde-vos desnudas,
e cingi com panos de saco os vossos lombos.
12. Batei em vossos peitos por causa dos campos aprazíveis,
por causa das vinhas frutíferas.
13. Sôbre o solo do meu povo
fizestes crescer espinheiros e abrolhos,
sôbre tôdas as casas de alegria
na cidade jubilosa.
14. Pois o palácio será abandonado,
a cidade populosa ficará deserta;
Ofei e a tórre da guarda
servirão de cavernas para sempre,
folga para os jumentos selvagens,
e pastos para os rebanhos.

Em 3:16-4:1 Isaias denunciou as mulheres ricas, ar­


rogantes, fastidiosas e frívolas (Cp. Am. 4:1-3). As
mulheres se mostravam indiferentes à pregação do pro­
feta, e êle procura despertá-las para reconhecer e aban­
donar a insensatez dos seus caminhos de confiança e in-
diferentismo, porque dentro em breve a sua alegria se
tornaria em tremor por causa das calamidades terríveis
que cairiam sôbre elas.
Levantai-vos, mulheres que estais em repouso. Es­
tas mulheres, tão satisfeitas na sua vida de luxo, repre­
sentam, sem dúvida, o espírito dos habitantes em geral,
de Jerusalém. É provável que estivessem celebrando a
festa da vindima, e assim demonstrando a alegria da
ocasião quando o profeta proclamou êste oráculo. Apa­
rentemente, essa mensagem foi proferida no reino de
Ezequias, pouco tempo antes da invasão de Senaqueribe.
Pois daqui a um ano e dias vireis a tremer. A de­
claração significa pouco^nais do que um ano. O profe­
ta dá ênfase ao julgamento pela falta da vindima e do
fruto da colheita. A vindima era o produto principal da
terra, mas o povo poderia ficar privado da colheita de
todos os produtos do solo pela invasão do inimigo.
Tremei, mulheres que estais em repouso. O profe­
ta anuncia com fôrça e certeza a vinda da calamidade.
Em vez de ficar tão sossegadas em repouso, as mulheres
devem despir-se dos vestidos de luxo e cingir-se de pa­
nos de saco, porque já está terminando o período da sua
grande prosperidade, e vêm os dias de lamentação.
0 hebraico do verso 12 é difícil de ser interpretado.
O verbo é um particípio masculino' no plural, e significa
lamentar. Parece que a palavra lamentar significava
originalmente bater no peito, e assim é usado aqui neste
sentido. 0 uso masculino do verbo em vez do feminino
é uma irregularidade que se encontra de quando em vez,
como acontece com o verbo tremer no verso 11 (Cp.
Am. 4:1; Miq. 1:3). No Rôlo do Mar Morto, 1 Q Isaa,
a forma verbal é imperativo feminino.
Sôbre o solo do meu povo. Será terrível a destrui­
ção da terra pelo inimigo (Cp. 7:20-25). O povo lamen­
tará por causa dos espinheiros e abrolhos, os campos in­
frutíferos, as casas abandonadas e a cidade em ruínas.
Até o palácio será abandonado, e a cidade populosa
ficará deserta. Ofel, o sul do outeiro, onde ficava o Tem­
plo de Jerusalém, e a tôrre da guarda, qualquer lugar
dentro da cidade, servirão como cavernas ou refúgios do
povo no período da invasão. Ver a passagem paralela
em 5:14, 17. Não convém insistir na interpretação li­
teral de tais passagens.
5. O Poder Transformador do Espírito na Idade Vin­
doura, 32:15-20
15. Até que se derrame sôbre nós o Espírito lá do alto,
e o deserto se torne em campo fértil,
e o campo fértil seja reputado por um bosque.
16. Então, o julgamento habitará no deserto,
e a justiça morará no campo fértil.
17. E a obra da justiça será paz,
e o efeito da justiça repouso e segurança, para sempre.
13. O meu povo habitará em moradas de paz,
em moradas bem seguras, e em lugares quietos de descanso.
19. Mas haverá saraiva quando cair o bosque,
e a cidade será inteiramente abatida.
20. Bem-aventurados vós os que semeais junto a tôdas as águas,
e dais liberdade ao pé do boi e do jumento.

0 pensamento dêstes versículos corre paralelo, em


parte, com 29:18-24. Alguns pensam que esta profecia
sôbre o derramamento do Espírito de Javé fôsse escrita
na última parte do ministério de Isaias. A palavra Es­
pírito está na forma de “construto”, e definitivo sem o
artigo, um fato que alguns comentaristas não reconhe­
cem. É o Espírito lá do alto, o Espírito de Javé, que
na nova época transformará tôdas as cousas. É o der­
ramamento do Espírito do Senhor que produz as novas
condições na Idade Messiânica (Cp. 44:3; 61:1; Ez.
39:29; Joel 2:28; Zac. 12:10; At. 2:1-4). OEspírito pro­
duz fôrça e vida, não somente no espírito dos homens,
como também na natureza física que contribuirá para a
felicidade e a segurança da sociedade humana. Tôda a
terra será gloriosa como a habitação do homem. Os pas­
tos bem como os campos cultivados se tornarão a habi­
tação de juízo e justiça, e Plp*lX • Em tôda
parte da profecia de Isaias, são êstes os característicos
T » * T T :

da Idade de perfeição.
No hebraico rVH , e no grego irvevfia significam ven­
to ou espírito. Reconhecemos a realidade do vento, não
porque podemos vê-lo, mas porque observamos os seus
efeitos. É assim também com o Espírito do Senhor, que
é invisível, mas real. Podemos observar o seu poder em
o nôvo nascimento do homem (João 3:8), como tam­
bém no desenvolvimento do caráter do crente que é o
fruto do Espírito (Gál. 5:22). É misteriosa a operação
do Espírito do Senhor na vida do cristão, mas é uma
prova infalível da sua atividade. A retidão e a justiça
constituem o fundamento da ordem social (1:21; 28:17).
A obra da justiça será paz. O profeta, bem como o
Nôvo Testamento, ensinam claramente que a paz no co­
ração do homem e a paz na sociedade humana são o fru­
to do Espírito do Senhor. A justiça divina é oferecida
livremente, mas não imposta no espírito de pessoa al­
guma. É recebida voluntàriamente, mas sempre com
alegria.
O meu povo habitará em moradas de paz. Na era
futura de paz, o povo do Senhor habitará em moradas
quietas e seguras, em lugares que não serão mais ata­
cados ou perturbados pelos invasores. As referências ao
período futuro pelos profetas têm que ser interpretadas
com cuidado. Isaias, sem dúvida, esperava que um pe­
ríodo de paz e prosperidade pudesse seguir à salvação
de Jerusalém do poder da Assíria, mas a Idade Messiâni­
ca é o cumprimento final desta profecia dos versículos
18 e 20.
Alguns pensam que o verso 19 seja uma interpo-
lação que interrompe a conexão entre os versos 18 e
20, mas a destruição da Assíria, o bosque, iniciou o pe­
ríodo de paz para o povo do Senhor. Levantam dúvi­
das também sôbre o texto do verso, dizendo que a pa­
lavra saraiva não cabe no contexto. Mas Delitzsch e
outros, explicando as cousas que deviam acontecer an­
tes do princípio da nova era, reconhecem o bosque como
o emblema da Assíria, 10:18, 19, 33, 34, e a saraiva como
um dos podêres da natureza que destruirá a Assíria, 30:
30-33. O sentido da declaração é que o julgamento di­
vino cairá sôbre a Assíria tão severamente como a sa­
raiva cai sôbre o bosque, cortando as fôlhas das árvores
e destruindo a beleza do bosque. Para alguns intérpretes
esta figura é fraca, e êles preferem seguir o texto, “cai­
rá completamente a floresta” .
A cidade será inteiramente abatida. Que cidade?
Aquêles que datam a profecia como sendo do período
do cativeiro, muito tempo depois de Isaias, dizem que a
cidade é Babilônia. Para aquêles que reconhecem Isaias
como o autor dêste oráculo, a cidade pode ser Nínive
ou Jerusalém. 0 versículo é muito obscuro.
Felizes sois vós os que semeais junto a tôdas as
águas. Neste verso 20 o profeta está pensando na Ida­
de Messiânica, quando os inimigos de Israel serão des­
truídos ou impotentes, e o povo do Senhor pode cultivar
a sua terra em paz e perfeita segurança. Haverá águas
abundantes, e até os animais serão felizes com os pro­
dutos tão abundantes da agricultura.
VIII. “A Recompensa de Deus”, 33:1-35:10
Há várias opiniões a respeito do autor e da data
desta seção do livro de Isaias. Alguns dizem que foi
proferida no tempo dos Macabeus em 162 a. C. (Cp.
I. Mac. 6:51-63; 7:5-20; 9:1-18). De vários pontos de
vista os argumentos em favor dessa data são forçados,
sendo principalmente negativos em relação ao fundo his­
tórico da mensagem. O argumento baseado no estilo é
fraco, porque se baseia nas passagens que limitam o es­
tilo do profeta de acôrdo com os critérios e o escopo que
êles, os críticos, escolhem. Mesmo assim, alguns dêstes
reconhecem que a passagem reflete as circunstâncias his­
tóricas da invasão de Judá por Senaqueribe no reino de
Ezequias.
É claramente um nôvo oráculo, com a sua mensa­
gem distinta e especial, mas ao mesmo tempo relaciona-
se com o assunto geral que o precede, especialmente com
o último versículo do capítulo anterior. O desígnio da
profecia é assegurar aos judeus que a sua cidade fraca,
a última fortaleza da pequena nação, está segura, não
obstante a terrível ameaça do poderoso exército da As­
síria. É uma mensagem de confôrto, pedindo que o povo
confie na proteção do seu Deus nesse período mais crí­
tico de tôda a sua história. Assim, nestas circunstâncias
a, profecia tem um profundo significado.
;

A. A Aflição e o Livramento de Jerusalém, 33:1-24


Êste assunto, juntamente com o ensino sôbre a in­
violabilidade de Sião, preocupou o profeta Isaias através
de todo o seu ministério profético.
1. O Apêlo do Profeta ao Senhor Contra os Opressores
dos Judeus, 33:1-13
1. A i de ti, destruidor,
que não fôste destruído,
que procedes pèrfidamente,
e não fôste tratado com perfídia!
Acabando tu de destruir,
serás destruído;
e quando acabares de tratar pèrfidamente,
serás tratado com perfídia.

2. Senhor, "tem misericórdia de nós;


pois em ti temos esperado.
Sê tu o nosso braço cada manhã,
a nossa salvação no tempo da angústia.
3. Ao ruído do tumulto,
fogem os povos;
quando tu te ergues,
as nações são dispersas.

4. Então se ajunta o despojo,


como se ajunta a lagarta;
como saltam os gafanhotos,
saltarão homens sôbre êle.

Ai de ti, destruidor, que não fôste destruído. Assim,


o profeta fala do inimigo pérfido e traidor que, depois de
terminar o seu período de opressão cruel de nações fra­
cas, êle mesmo será destruído. A primeira parte dêste
versículo descreve perfeitamente o poder, a crueldade e
o propósito do exército de Senaqueribe que tinha des­
truído as cidades e a terra de Judá, que invadira. Ao êle
sitiar Jerusalém e exigir arrogantemente a entrega da
cidade, o pregador Isaias animou o seu rei Ezequias e
o seu povo a confiar no poder do Senhor e na sua pro­
messa de salvar a cidade de Sião. O rei Ezequias havia
entregado ao general Senaqueribe um tributo de trinta
talentos de ouro e trezentos talentos de prata, no enten­
dimento de que êle pouparia a cidade e deixaria o povo
em paz. Mas Senaqueribe violou pèrfidamente a con­
fiança de Ezequias (II Reis 18:14, 15). Quando a Assí­
ria terminar as campanhas de conquista e destruição,
ela mesma será destruída; quando não puder mais tra­
tar pèrfidamente outras nações, ela, por sua vez, será
tratada com perfídia.
A oração dos judeus no verso 2 representa o receio
da invasão dos assírios. Com o pedido de socorro êles
confessam a esperança no Senhor (Cp. 26:8). Sê tu o
nosso braço. O braço é o símbolo de poder. É usado
freqüentemente nas Escrituras como o emblema da pro­
teção divina no tempo de calamidade, ou na hora de pe­
rigo, Êx. 15:16; Jó 40:9; Sal. 44:3; 77:15; 98:1. Cada
manhã ... no tempo de angústia, na hora decisiva da
história de Judá (Cp. 28:14-19).
Os versos 3 e 4 descrevem a certeza da vitória do
Senhor Javé. O ruído do tumulto vem de Javé que se
exalta no julgamento da Assíria. Ver I Reis 18:41; Is.
13:4. Quando tu te ergues, as na,ções são dispersas. A
declaração refere-se à fuga do exército de Senaqueribe
— soldados da Assíria e seus vassalos. Como saltam
os gafanhotos, ou as locustas. Joel 2:9 descreve a inva­
são terrível dêsses insetos.
5 O Senhor ê sublime,
pois habita nas alturas;
êle encherá a Sião
de retidão e justiça.

6. Haverá estabilidade nos teus tempos,


abundância de salvação, sabedoria e conhecimento; .
o temor do Senhor será o seu tesouro.

Nos versos 5 e 6, o profeta, depois da oração, con­


templa o resultado da exaltação do Senhor Javé, e des­
creve o seu amor por Sião. Os tronos dos tiranos pere­
cem, e os conquistadores cruéis ficam humilhados, mas
Javé é eternamente exaltado. Êle encherá a Sião de re­
tidão e justiça. Tão significativa é a libertação de Jeru­
salém, e tão grande a manifestação da misericórdia do
Senhor, que o povo, na sua profunda gratidão, voltará
ao seu Deus (Ver 30:22-26, 2,9; 31:16; 32:15-18). Há
uma falta de clareza no verso 6, mas é mais ou menos
claro o seu sentido. Aparentemente, é dirigido ao rei
Ezequias, com a promessa de que o seu reino será ca­
racterizado por estabilidade e firmeza. O seu tesouro
será o temor do Senhor.
7. Eis que os valentes clamam de fora,
e os mensageiros de paz choram amargamente.
S. As estradas estão desoladas,
osssa o viandante;
rompeu-se a aliança,
testemunhas são desprezadas,
não se faz caso do homem.
9. A terra geme e desfalece;
O Líbano se envergonha e murcha;
Sarom se torna como um deserto,
Basã e Carmelo são despidos de suas fôlhas.

Os versos 7-9 descrevem a desolação da terra de Judá


causada pelas atividades dos desumanos invasores, apre­
sentando, não obstante, algumas obscuridades. Levan­
tam-se dúvidas sôbre o significado da palavra tradu­
zida por valentes, mas parece que significa os mensa­
geiros enviados a Senaqueribe para obter dêle as con­
dições de paz. O têrmo é paralelo com mensageiros de
paz que choraram amargamente, talvez por causa da
violação por Senaqueribe da promessa que lhes fizera de
abandonar o sítio de Sião (Ver II Reis 18:14-17).
As estradas estão desoladas. A invasão da terra pe­
los assírios deixou Judá em ruínas. O inimigo despre­
zava promessas e alianças, zombava do homem, e os ju­
deus não podiam viajar. Testemunhas, em vez de ci­
dades, são desprezadas, segundo o texto correto.
A terra geme e desfalece em simpatia com o povo
(Cp. 24:4, 7). Os distritos mais ricos e produtivos da
terra, o Líbano, Sarom, Basã e Carmelo, tipos da bele­
za natural, foram devastados e deixados em ruínas pe­
los invasores desumanos.
10. Agora me levantarei, diz o Senhor;
agora me levantarei a mim mesmo,
agora serei exaltado.

11. Conoebes palha, dás à luz restolho:


o vosso fôlego é fogo que vos devorará.
12. Os povos serão queimados como se queima a cal,
como espinhos arderão no fogo.

13. Ouvi, vós que estais longe, o que tenho feito;


e vós, que estais perto, reconhecei o meu poder.

O verso 10 introduz uma nova transição. Os ver­


sículos anteriores descrevem a desolação da terra, e a
impossibilidade de ser aliviada de qualquer modo do
opressor. Nestas circunstâncias, quando Judá está no
terrível poder do inimigo, o próprio Javé se levanta para
libertar o seu povo, e para salvar a sua cidade inviolá­
vel, Sião, do poder do inimigo do reino de Deus na terra.
Os versos 10-13 apresentam a resposta do Senhor à ora­
ção do seu povo. Esta palavra agora, Hfiy, usada três
vêzes no verso 10, é de muita significação entre os pro­
T “

fetas, especialmente para Isaias e Oséias. O Senhor mes­


mo se levantará do seu trono, e se apresentará aos ini­
migos de Israel no seu pleno poder.
Os versos 11-13 são dirigidos aos assírios. É curio­
sa a expressão do verso 11. Conceber palha e dar à luz
restolho significa que qualquer cousa, ou tudo, que o
inimigo pode produzir é apenas combustível para o fogo
de Javé, o Deus de Israel (Cp. 49:4; Jó 15:35; Sal. 7:14).
O propósito arrogante e furioso de destruir a Jerusalém
resultará, no propósito do Senhor, na destruição de Se­
naqueribe e seu poderoso exército. O vosso fôlego é o
fogo que vos devorará (Cp. 9:18; 25:4). De um ponto
de vista, a Assíria operou a sua própria destruição.
Os povos serão queimados, como se fôsse queima­
da a cal, como espinhos arderão no fogo. Esta lingua­
gem poética e figurada indica que a destruição do exér­
cito dos assírios será súbita e completa.
A derrota dos assírios no seu esforço de destruir a
última fortaleza do povo do Senhor, juntamente com a
cidade de Jerusalém, representa uma das maiores crises
em tôda a história do reino de Deus no mundo. A sal­
vação maravilhosa do povo escolhido, e da cidade de
Sião, será conhecida de perto e de longe, no mundo in­
teiro que se interessa nas atividades poderosas de Deus
11a vida humana.
2. Efeitos da Manifestação da Presença do Senhor,
33:14-24
14. Os pecadores em Sião se assombram,
o tremor se apodera dos ímpios:
Quem dentre nós habitará com o fogo devorador?
Quem dentre nós habitará com labaredas eternas?

15. Aquêle que anda em justiça, e fala com retidão;


aquêle que despreza 0 ganho de opressões,
que sacode as mãos para não receber peitas;
que tapa os ouvidos para não ouvir falar de sangue,
e fecha os olhos para não ver o mal.
16. Êste habitará nas alturas;
as fortalezas das rochas serão o seu refúgio;
o seu pão lhe será dado,
as suas águas serão certas.

Nos versos 14-16, o profeta descreve, em linguagem


de fôrça e beleza, o efeito moral nos judeus desta inter­
venção miraculosa do Senhor na sua história. Foi uma
experiência comovente e eletrizante para aquêles que ti­
nham vacilado na fé e na fidelidade ao Senhor Javé, o
seu Deus.
Os pecadores e os infiéis que ainda existiam fica­
ram amedrontados com esta revelação tão impressionan­
te do poder de Javé. Se êste poder da ira de Deus era
tão enérgico na sua operação, na destruição do grande
inimigo, Quem dentre nós habitará com o fogo devora­
dor, e com as labaredas eternas? Estas últimas palavras
não se referem ao castigo eterno de pecadores na vida
futura. O fogo é a santidade do Senhor, que na sua
manifestação devora como o fogo do ourives e como a
potassa dos lavandeiros, os elementos desprezíveis da
sociedade (Ver Mal. 3:2).
No verso 15 o profeta menciona os característicos
do homem justo, e nos versos que seguem êle explica a
confiança dêste no Senhor, e as bênçãos de segurança e
felicidade desta confiança. 0 homem justo anda em
justiça. A justiça é o característico do cidadão do reino
de Deus. Êle ama e fala a verdade. Odeia o ganho ob­
tido pela opressão do fraco e indefeso. Sacode as mãos
no gesto de desprêzo daqueles que lhe oferecem peitas.
Tapa os ouvidos para não ouvir sugestões de violência,
de roubo ou de derramar sangue. Fecha os olhos para
não testemunhar os pecados dos malvados. Não' se de­
têm no caminho dos pecadores.
Êle habitará nas alturas (Cp. 26:5, 7). Êle perma­
nece em harmonia com a vontade divina, e vive em co­
munhão com Deus. Fica seguro da ira do Senhor e dos
sofrimentos dos pecadores e hipócritas, segundo o verso
14. No tempo de sítio ou de perigo, o justo está perfeita­
mente seguro, e recebe do Senhor o sustento da vida.
17. Os teus olhos verão o rei na sua formosura;
verão a terra que se estende amplamente.

18. O teu coração meditará no terror:


Onde está aquêle que registou,
onde está o que pesou o tributo,
onde está o que numerou as tôrres?

19. Não verás mais o povo insolente,


povo de fala obscura, que não se podo entender,
de língua gaguejadora que não se pode compreender.
20. Olha para Sião, a cidade das nossas solenidades!
Os teus olhos verão a Jerusalém,
habitação tranqüila, tenda que não será removida,
cujas estacas nunca serão arrancadas,
nem será quebrada nenhuma das suas cordas.
21. M as o Senhor ali nos será glorioso,
lugar de rios e correntes largos;
barco nenhum de remo passará por êles,
nem navio grande navegará por êles.
22. Porque o Senhor é o nosso Juiz;
O Senhor é o nosso Soberano;
O Senhor é o nosso Rei;
êle nos salvará.
23 A s tuas enxárcias estão frouxas;
não podem ter firme o seu mastro,
nem desfraldar a vela.
Então, se repartirá a prêsa de abundantes despojos;
até os coxos participarão dela.
24. Nenhum morador dirá: Estou doente;
pois será perdoada a iniqüidade do povo que nela habita

Nos versos 17-24, o profeta fala das bênçãos divinas


do povo do Senhor na idade messiânica. Os teus olhos
verão o rei na sua formosura. Não obstante as espe­
culações infrutíferas sôbre a identificação do rei na sua
formosura, é perfeitamente claro para muitos intérpre­
tes que o profeta está falando do Messias, o rei que rei­
nará em justiça (32:1). A esperança messiânica foi um
conceito profundo e precioso da religião dos judeus, um
fato importante que um grupo de intérpretes nem sem­
pre quer reconhecer. Sôbre a beleza do rei, ver Sal.
45:2. Sôbre a terra que se estende até longe, o domínio
do rei messiânico, ver Miq. 5:4; Zac. 9:10; Sal. 72:8.
Naqueles dias quando o rei messiânico ficar estabe­
lecido no seu trono, e governar a seu povo com amor e
justiça, será difícil imaginar o terror que o povo sofreu
neste período de opressão cruel. O profeta medita sôbre
a tirania brutal dos oficiais inimigos que calculavam os
impostos e pesavam o dinheiro que cada homem tinha que
pagar. No reino messiânico do futuro, perguntará o es­
pírito livre do homem: Onde está aquêle que registou,
contou e determinou a soma do imposto e do tri-
buto que cada homem tinha que pagar naquele período
tirânico, e de opressão cruel. A frase o que numerou as
tôrres, , é difícil. Refere-se provàvelmente ao
comandante que contou as tôrres da cidade, os pontos
• Ti * ’

mais fortes na resistência de assaltos militares.


Não verás mais o povo insolente, o inimigo feroz, o
estrangeiro de língua gaguejadora que ninguém pode
entender. Não obstante o poder, a soberba e a confian­
ça do inimigo, êle não entrará na cidade de Sião. O
povo atrevido ou insolente, , acentua a impu-
dência do invasor à luz da vergonha que sofreu.
T -

Os versos 20 e 21 falam do tempo quando o domí­


nio poderoso e desumano do inimigo já tinha passado.
O nôvo Rei, o Ungido do Senhor, reinava em Sião. A
cidade inviolável de Jerusalém é o centro da verdadeira
religião, e com a plena autoridade do Senhor, o Messias
estabelece a paz permanente entre o seu povo (Cp.
v. 16).
Olha para Sião! cidade próspera, calma, feliz, o cen­
tro do reino de Deus no mundo, o centro do reino do
Espírito do Senhor no espírito humano. Agora é a ci­
dade onde o povo celebra as suas solenidades com lou­
vor e gratidão ao Senhor. É a cidade tranqüila, e livre
dos horrores da guerra. O tabernáculo — a habitação
do povo — está firmemente estabelecido, e nunca será
removido. Desde então as portas do inferno nunca pre­
valecerão contra o reino do Senhor.
A primeira parte do verso 21 não está muito clara.
Parece que o profeta está declarando que a presença de
Javé será a defesa de Sião em vez de rios e correntes
largos. O próprio Senhor é a gloriosa habitação do seu
povo. Em contraste com as cidades cercadas pelo Nilo
e o Eufrates (Cp. Naum 3:8) que as protegem da apro­
ximação de inimigos, o Senhor Javé é o Protetor de Je­
rusalém. O Senhor é lugar de rios e correntes largos
na proteção do seu povo. Embora a figura nos pareça
estranha, é característica da língua hebraica. Há várias
referências bíblicas ao Rio místico do Senhor, 8:6; Ez.
47:5; Zac. 14:8; Sal. 46:4.
No verso 22 o Senhor se apresenta ao seu povo como
Juiz, Soberano e Rei. Como Juiz, o Senhor opera provi-
dencialmente na vida de Israel para o desenvolvimento
da sua fidelidade e honra. Como Soberano, o Senhor
Javé é o único Legislador e Comandante do seu povo.
Como Rei, Êle governa o seu povo com autoridade e jus­
tiça. Em todos os perigos e em tôdas as lutas, o povo
recebe o socorro do amor imutável do seu Deus. O Se­
nhor é o nosso Salvador.
O verso 23 é de difícil tradução neste contexto. É
reconhecido por alguns como interpolação fora do seu
lugar aqui. Há também opiniões diferentes sôbre a in­
terpretação do versículo. Alguns dizem que a primeira
parte do verso descreve o desastre da Assíria, e a segun­
da fala da distribuição do despojo entre os judeus. De-
litzsch atribui a primeira parte do verso à cidade de Je­
rusalém, pouco antes da vitória sôbre os assírios. Mas
com a queda do exército dos assírios, Jerusalém se enri­
quece dos despojos do acampamento de Senaqueribe.
É provável que o verso 23b se ligue ao verso 24 na
descrição da felicidade de Jerusalém nos dias vindouros.
A doença será eliminada entre o povo de Jerusalém, e os
moradores da cidade receberão o perdão da sua iniqüi­
dade (Cp. Sal. 103:3; Mat. 9:2-8). Prevalecia entre os
piedosos do Velho Testamento a opinião de que doenças
e desastres constituíam provas de que o castigo divino
representava o desprazer do Senhor para com os ho­
mens sob o domínio do pecado. Na nova idade messiâ­
nica a doença será desconhecida, e o povo receberá livre
perdão da sua iniqüidade.
B. A Indignação do Senhor Contra Tôdas as Nações,
34:1-17
1. Chegai-vos, nações, para ouvir,
e vós, povos, escutai;
ouça a terra, e a sua plenitude;
o m undo e tudo quanto produz.

2. Pois o Senhor tem indignação contra tôdas as nações,


e furor contra todo o exército delas;
êle as destinou para a destruição,
e as entregou à matança.

3. Os seus mortos serão lançados fora,


e subirá o mau cheiro dos seus cadáveres;

e do sangue dêles os montes se fluirão.

4. Todo o exército dos céus se dissolverá,


e os céus se enrolarão como pergaminho;
todo o seu exército cairá,
como cai a fôlha da vide,
e como fôlhas caindo da figueira.

O oráculo dos capítulos 34 e 35 apresenta um con­


traste entre o retrato escatológico do julgamento e o da
redenção. Nos primeiros quatro versículos do capítulo
sôbre o julgamento, o profeta chama todos os povos do
mundo para ouvir o anúncio sôbre a indignação e o fu­
ror do Senhor contra tôdas as nações, e contra o exérci­
to delas. Segue-se nos versos 5-17 a descrição do tre­
mendo castigo de Edom por causa dos seus pecados con­
tra Sião, v. 8. Alguns pensam que o autor menciona
Edom como exemplo das nações (1-4) que hão de so­
frer o castigo divino por causa dos pecados, cada uma
de acôrdo com a gravidade dos seus pecados particula­
res.
No poderoso estilo literário, de bela linguagem poé­
tica, o profeta descreve as conseqüências terriveis da in­
tervenção divina contra os inimigos do reino de Deus.
Mais uma vez o profeta dá ênfase especial ao fato de que
a vontade e o propósito de Javé no estabelecimento do
seu reino prevalecerão com o castigo e a destruição dos
inimigos da justiça eterna.
Nos versos 5-6 Edom se apresenta como o objeto
imediato da ira do Senhor. Por causa da sua implacá­
vel hostilidade contra Israel, desde os tempos antigos,
e através da História, Edom sofrerá terrível castigo. A
sua terra será perpètuamente desolada, e habitada por
feras do deserto e criaturas demoníacas (9-17) .
Alguns pensam que os capítulos 34 e 35 apresentam
um resumo dos ensinos do profeta Isaias; que o tema
geral do livro é que o povo de Israel será liberto de to­
dos os seus inimigos, e dos seus sofrimentos, e que fi­
nalmente o povo do Senhor será supremamente feliz
sob o triunfo e o govêrno do seu Messias.
Chegai-vos, nações, para ouvir. Para ouvir o anún­
cio do julgamento que Deus vai executar, e o eterno
propósito que Êle vai conseguir. 0 Senhor Javé convoca
a assembléia das nações para ouvirem a proclamação
do seu destino. Enquanto a declaração aparentemente
inclui tôdas as nações, o contexto indica que o profeta
está falando das nações que são inimigas do seu povo.
São as nações e os povos que fazem todo o possível para
impedir as atividades e o progresso do reino de Deus
no mundo. Deus, por intermédio do seu mensageiro,
chama a terra, o mundo e tudo quanto produz, para tes­
temunhar o resultado da operação do furor do Senhor
contra os inimigos do seu reino de justiça no mundo.
Arde a ira de Javé, o Deus do seu povo, contra os
inimigos, e vem o dia quando êles serão completamente
destruídos (Cp. Miq. 1:2). O profeta está falando, em
harmonia com os ensinos da Bíblia em geral, sôbre a vi­
tória final do reino de Deus contra todos os inimigos da
justiça divina.
Os seus mortos serão lançados fora, e subirá o mau
cheiro dos seus cadáveres. Esta linguagem é muito dura,
mas é poética, e descreve em tèrmos poéticos as conse­
qüências terríveis do pecado. Esta profecia foi cumpri­
da em grande parte na destruição de Jerusalém por Na­
bucodonosor. Os críticos que ficam horrorizados com
esta linguagem devem-se lembrar do fato de que os ho­
mens e as nações, em geral, sofrem as conseqüências
naturais dos seus pecados, em perfeito acôrdo com a
doutrina da justiça divina. Na sua vergonha, os mortos
jazem na terra, apodrecendo sem a honra do sepulta-
mento. Nesta linguagem figurada a hoste dos céus cai­
rá no mesmo ato de destruição. A hoste dos céus cai
110 sentido de que os idólatras finalmente chegam a re­
conhecer a tolice de adorá-la, em vez de adorar o seu
Criador. Os céus, estendidos como cortina (40:22), se­
rão enrolados como pergaminho (Cp. 51:6; Mat. 2í:29;
Apoc. 6:13, 14). Todo o exército dos céus cairá como
cai a fôlha da vide, e como fôlhas caindo da figueira.
Esta linguagem descreve figuradamente o fim do mun­
do. Mas, de acôrdo com a opinião de alguns cientistas
modernos, a descrição pode ser mais ou menos exata.
5. Pois a minha espada se embriagou nos céus;
eis que desce para exercer julgamento sôbre Edom,
e sôbre o povo que destinei para a destruição.

6. O Senhor tem uma espada cheia de sangue,


é engrossada de gordura,
do sangue de cordeiros e de bodes,
da gordura dos rins de carneiros.
Porque o Senhor tem Sacrifício em Bozra,
e grande matança na terra de Edom.
7. Os bois selvagens cairão com êles,
e novilhos com touros;
a sua terra será ensopada de sangue,
e o seu solo se tornará fértil com a gordura.

8. Pois vem o dia da vingança do Senhor,


o ano da recompensa pela causa de Sião.

Os versos 5-8 descrevem, em linguagem poderosa


e pitoresca, a matança dos habitantes de Edom. É ge­
ralmente reconhecido que Edom se apresenta neste oráculo
como representante das nações inimigas do reino de Javé.
É pavorosa a descrição em alguns dos seus pormenores.
A linguagem figurada e poética reflete a história da ini­
mizade que existia através da História entre Israel e
Edom, desde o nascimento de Jacó e Esaú.
A espada do Senhor se embriagou, não de sangue,
mas de furor, no preparo para o seu trabalho na terra.
Mesmo assim, a linguagem figurada nos parece feroz.
Mas desce dos céus para exercer a justiça sôbre Edom.
A frase o povo que destinei para a destruição traduz bem
o povo de anátema (D T i).
A espada do Senhor é engrossada de gordura, e do
sangue de cordeiros, bodes e carneiros. Êstes são têr-
mos de sacrifício. Porque o Senhor tem sacrifício em
JBozra (Cp. 63:1; Gên. 36:33; Am. 1:12; Jer. 49:13,
22). Bozra era uma das cidades importantes de Edom.
Além dos seus rebanhos, a cidade foi conhecida pela in­
dústria de tinturaria (Is. 63:1-3) e pelos seus ricos ves­
tuários. Parece que ficava ao norte de Edom, e foi a ci­
dade do rei Jobabe (Gên. 36:33).
O verso 7 descreve o grande sacrifício de animais
juntamente com os habitantes de Edom (Ver Sof. 1:7;
Jer. 46:10; 51:40; Ez. 39:17-19).
Vem o dia de vingança do Senhor contra os seus
inimigos, juntamente com o dia de recompensa de to­
dos os seus fiéis no serviço do seu reino (Cp. 61:2).
9 Os ribeiros de Edom se transformarão em piche,
e o seu solo em enxofre;
a sua terra se tornará em piche ardente*
10. Nem de noite nem de dia se apagará;
subirá para sempre a sua fumaça;
de geração em geração será assolada,
e para todo o sempre ninguém passará por ela.

Nos versos 9-10 o poeta descreve, na figura de.hi-


pérbole, os rios de Edom correndo de piche, e o solo
transformado em enxofre. A tempestade já passou, dei­
xando a terra numa vasta desolação, A linguagem suge­
re a destruição semelhante à de Sodoma e Gomorra (Cp.
Gên. 19; Jer. 49:18). A terra se tornara em piche ar­
dente cuja fumaça subirá para sempre, uma assolação
sem habitante.
11. Mas o pelicano e o ouriço a possuirão,
o bufo e o corvo habitarão nela.
Êle estenderá sôbre ela o cordel de confusão,
e o prumo de caos.

12. Chamarão os seus nobres ao reino,


porém não haverá nenhum,
e todos os seus príncipes serão como nada.

13. Crescerão espinhos nos seus palácios,


urtigas e cardos nas suas fortalezas;
e será a habitação de chacais,
e a morada de avestruzes.

O pelicano e o ouriço possuirão a terra. Levantam-


se dúvidas, porém, sôbre o significado da palavra fifcíp
geralmente traduzida por pelicano aqui e em Sof. 2:14.
“ T

As palavras traduzidas por confusão e caos são as mes­


mas usadas em Gênesis 1:2 para designar a matéria da
criação antes que o Criador a ordenou. 0 cordel de con­
fusão e o prumo de caos estendidos sôbre a terra de
Edom, aparentemente significa que a terra nunca pode
ser renovada.
O texto hebraico do verso 12 é obscuro. Chamarão
os seus n o b res,m T I, ao reino. Alguns traduzem: “Os
lugares secos da desolação serão como montões caóticos
T

de pedras” (Cp. Jer. 17:6). Mas esta versão também


não traduz o sentido exato do hebraico. Alguns suge­
rem que as palavras os seus nobres sejam o sujeito de
uma declaração perdida. Não há em Edom um reino
que os nobres possam proclamar.
0 verso 13 declara que espinhos, urtigas e cardos
crescerão nos palácios, e êstes serão habitados por cha­
cais e avestruzes em vez de nobres e príncipes.
14. E as feras se encontrarão com as hienas,
o sátiro clamará para o seu companheiro;
sim, ali pousará a bruxa,
e achará para si lugar de descanso.
15. Ali se aninhará a coruja,
porá os seus ovos e os chocará,
e na sombra abrigará os seus filhotes;
sim, ali se ajuntarão os abutres um com o outro.
16. Buscai no livro do Senhor e lêde:
Nenhuma destas criaturas falhará,
nenhuma será privada do seu companheiro.
Pois a bôca do Senhor o ordenou,
e o seu Espírito as ajuntou.
17. Êle mesmo lançou as sortes por elas,
a sua mão lhes repartiu a terra com o cordel;
para sempre a possuirão;
de geração em geração habitarão nela.

Não se podem identificar com certeza tôdas as cria­


turas mencionadas nos versos 14 e 15, mas são aves e
animais que habitam lugares desabitados, ou desertos.
A bruxa, JT’íi?''v* , tem lugar especial na demonografia
das tradições judaicas. Assim, a terra de Edom ficou
especialmente adaptada para tais criaturas.
Buscai no livro do Senhor e lêde. Há muita dis­
cussão sôbre êste livro do Senhor. Alguns críticos di­
zem que a palavra buscai do v. 16 pertence ao v. 15,
“cada criatura buscará o seu companheiro” . Outros
pensam que o livro do Senhor é aquêle no qual se en­
contram os nomes e os números das estréias (40:26),
bem como tôdas as criaturas (Mal. 3:16; Sal. 147:4).
Ver também Sal. 139:16; Dan. 7:10; Apoc. 20:12.
Assim, a sorte inevitável da terra de Edom é decre­
tada pelo Senhor. Repartiu a terra entre as feras como
sua possessão eterna.
Êste capítulo oferece certas dificuldades para o es­
tudante cuidadoso da Bíblia. A severidade do autor na
condenação de Edom pão concorda em geral com os en­
sinos dos profetas. Mas certamente não têm razão aquê­
les como J. Yeoman Muckle que declara no Epworth
Preacher5s Commentary, p. 118, que o capítulo é uma
expressão de “ódio puro” parà os idumeus. Deve-se
lembrar que a profecia é escatológica e representa poéti­
ca e figuradamente o julgamento do pecado cruel não
somente dos idumeus, mas das outras nações também
(Cp. Deut. 23:7).
C. A Felicidade de Sião no Futuro, 35:1-10
1. O deserto e os lugares secos se alegrarão,
o êrmo exultará e florescerá;

2. como o narciso florescerá abundantemente,


exultará de júbilo e romperá em cânticos.
Dar-se-lhe-á a glória do Líbano,
o esplendor do Carmelo e de Sarom.
Êles verão a glória do Senhor,
a majestade do nosso Deus.

3. Fortalecei as mãos frouxas,


e firmai os joelhos vacilantes.

4. Dizei aos turbados de coração:


Sêde fortes, não tem ais!
Eis que o vosso Deus
virá com vingança,
com a recompensa de Deus.
Êle virá e vos salvará.

Êste capítulo, em contraste com o anterior, descre­


ve a alegria e a paz de Judá depois da sua grande trans­
formação. É claro, porém, que os dois capítulos são
partes do mesmo oráculo. A linguagem desta parte da
profecia é também muito linda, mas o sentido da men­
sagem é bem claro.
O deserto e os lugares secos se alegrarão. Assim,
na visão do profeta, o período de escuridão e tristeza já
passou. Amanheceu um nôvo dia. Chegou o tempo
da fertilidade da terra, e o êrmo está exultando e flo­
rescendo. O regozijo do êrmo é linguagem figurada que
descreve o júbilo do povo que, por causa da nova pro­
dutividade da terra, rompe em cânticos de alegria.
Da palavra traduzida rosa, narciso ou lírio, se diz
que florescerá abundantemente no deserto. O hebraico
diz, florescendo florescerá. É o modo de expressar ên­
fase, como morrendo morrerás, ou certamente morre-
rás. A glória do Líbano, o esplendor do Carmelo e de
Sarom, são emblemas das bênçãos da nova era. Carme­
lo era o emblema da beleza, Líbano da majestade e Sa­
rom da fertilidade. Êstes lugares, nas suas vestes fes­
tivas, testemunharão a majestade e o esplendor da gló­
ria do Senhor, na direção do seu povo neste nôvo dia.
Fortalecei as mãos frouxas, e firmai os joelhos va­
cilantes. 0 povo que tinha sofrido miséria e aflição ago­
ra será renovado na sua coragem e no seu vigor, pela
promessa das bênçãos do seu grande Salvador e Prote­
tor. Aparentemente, esta exortação foi dirigida aos pro­
fetas. Os mais fortes devem animar e fortalecer os fra­
cos na fé.
Dizei aos turbados de coração: Sêde fortes. A or­
dem que os mensageiros recebem do Senhor é clara e
definitiva. 0 povo desanimado deve acordar-se e des­
pertar o seu espírito para receber a experiência da pre­
sença e do poder do seu Deus, pois Êle vem para trazer
a vingança da justiça sôbre os seus opressores, e para
lhes trazer o grandioso livramento.
5. Então se abrirão os olhos dos cegos,
e se desimpedirão os ouvidos dos surdos;

6. então os coxos saltarão como oervos,


e a língua do mudo cantará.
Pois águas arrebentarão no deserto,
e ribeiros no êrmo,

7. A areia esbraseada se transformará em lagos,


e a terra sedenta em mananciais de águas;
onde se deitavam os chacais,
crescerá a erva com canas e juncos.

Nos versos 5-7 o profeta descreve a natureza e os


efeitos da compaixão do Senhor na salvação do seu povo.
Os cegos verão e os surdos ouvirão; o coxo saltará como
cervo, e a língua do mudo sôlta cantará louvores a Deus..
Pois águas arrebentarão no deserto, e ribeiros no êrmo.
Estas lindas e preciosas promessas se cumpriram figura-
damente com a volta dos judeus do cativeiro babilônico
(Is. 55:12-13), mas se cumpriram literalmente no mi­
nistério do Senhor Jesus, o Salvador (Mat. 9:27; 20:30;
Mar. 8:23; 10:46; Luc. 7:21).
A areia esbraseada é melhor tradução de do
que miragem. Mas a areia abrasadora do deserto fre­
T T
qüentemente tinha a aparência de um lago de água, ou
miragem, para o viajante. 0 profeta está declarando
que esta ilusão óptica não será mais possível porque o
deserto será transformado numa terra fértil bem rega­
da por mananciais de água. Não será mais um covil
de chacais, mas um grande pasto para o gado, onde cres­
cerão a erva e outras plantas que agradam à vista, e sa­
tisfazem às necessidades do viajante.
8. E ali Haverá um alto caminho,
e êle se chamará o Caminho Santo;
o imundo não passará por êle,
dos que andâm por êle, até os loucos não errarão.

9. A linão haverá leão,


nem animal feroz subirá por êle,
nem se achará nêle;
mas os remidos andarão por êle.

10. E os resgatados do Senhor voltarão,


e virão a Sião com clamor de júbilo;
com alegria eterna, sôbre as cabeças;
gôzo e alegria alcançarão,
e dêles fugirá a tristeza e o gemido.

No verso 8, Almeida tem alto caminho, caminho,


a tradução correta do texto massorético, mas a segunda
palavra caminho é supérflua, e evidentemente não fazia
parte do texto original. A Septuaginta contém caminho
puro. Há também dificuldades no texto hebraico que
traduzimos, dos que andam por êle, até os loucos não
errarão.
Mas é claro que êste Caminho Santo é para o povo
de Deus, os redimidos do Senhor (Cp. 42:16; 43:19).
Que significa a frase até os loucos não errarão neste
caminho? Alguns dizem que os loucos significa os mo­
ralmente perversos, como em Jó 5:3 e Prov. 1:7. Mas
o texto aparentemente indica que os loucos estão andan­
do no Caminho Santo, e assim fazem parte dos resga­
tados do Senhor. Neste caso o termo significa os humil­
des que não tenham o conhecimento e a sabedoria dos
eruditos do mundo.
0 verso 9 descreve do ponto de vista negativo êste
Santo Caminho do povo de Deus. É profundamente
significativa a declaração de que os viajantes neste ca­
minho do Senhor não encontrarão qualquer animal fe­
roz como o leão. Havia muitos animais ferozes e perigosos
para o viajante em tôdas as terras adjacentes à Pales­
tina. O verso indica que êste Caminho Santo refere-se
não somente à estrada dos que voltam para Sião do
cativeiro (43:19-21), mas é o Alto Caminho permanente
do povo de Deus (19:23).
Os resgatados do Senhor voltarão e virão a Siãó.
Esta linda promessa se estendia primeiramente às pes­
soas que Deus libertou do cativeiro babilônico, mas num
sentido mais profundo a profecia se cumpre na experiên­
cia dos que são redimidos da escravidão do pecado pelo
sangue de Cristo. A palavra resgatar, HIS , do versó
T T

10 é diferente do têrmo redimir, , do verso 9,


mas as palavras são sinônimas. A primeira tem o sen­
tido de uma responsabilidade pessoal de redimir, en­
quanto que resgatar dá ênfase ao eterno amor do Se­
nhor no livramento de rebeldes e pecadores que voltam
para Êle com arrependimento e fé.
IX. A Influência de Isaias em Três Situações no Reino
de Ezequias, 36:1-39:8
Apresenta-se nestes capítulos um apêndice aos ca­
pítulos 1-35 do Livro de Isaias. Encontra-se nesta seção
do livro o mesmo assunto discutido em II Reis 18:13-20:
19; II Crôn. 32:1-23 (Cp. Heródoto II, 141 e O Cilindro
de Taylor, Arqueologia do autor, p. 269). Tôdas estas
referências tratam da invasão de Jerusalém por Sena­
queribe em 701.
Êstes capítulos de Isaias descrevem a atividade do
profeta, e a influência dêle, em três situações históricas
no reino de Ezequias: 1) A invasão de Judá e Jerusa­
lém pelos assírios em 701 (36-37); 2) a doença e a cura
de Ezequias (38); 3) e a embaixada de Merodaque-Baladã
da Babilônia (39).
Há algumas diferenças entre estas duas narrativas.
Omite-se no Livro de Isaias a história da submissão de
Ezequias (II Reis 18:14-16), enquanto que a narrativa de
II Reis omite o Salmo de gratidão de Ezequias (Is.
38:9-20).
Na comparação cuidadosa das duas narrativas é
inevitável a conclusão de que um dos escritores usou a
história do outro. Alguns acreditam que o autor de II
Reis aproveitou-se da narrativa de Isaias, mas quase to­
dos os estudantes modernos apresentam argumentos for-
les para provar que a história em II Reis é a original,
e que nesta obra canônica contam-se fielmente os fatos
como aconteceram, citando corretamente a mensagem
do profeta, com a explicação da influência de Isaias
com o rei Ezequias. Segundo êste ponto de vista, era
importante que os leitores da Profecia de Isaias tivessem
a informação histórica do profeta, quanto à sua influ­
ência junto ao rei Ezequias nessa grande crise enfrenta­
da pelo povo do Senhor, e na salvação da última forta­
leza de Judá do poder de Senaqueribe que, nas suas pró­
prias palavras, ameaçava a exterminação de Jerusalém,
e a da religião do povo de Deus (36:16,17).
A. Senaqueribe Exige a Capitulação de
Jerusalém, 36:1-37:4
1. No ano décimo quarto do rei Ezequias subiu Senaqueribe, rei
da Assíria, contra tôdas as cidades fortificadas de Judá, e
as tomou.
2. E o rei da Assíria enviou Rabsaqué, de Laquis a Jerusalém,
ao nei Ezequias com grande exército. E êle parou na extre­
midade do aqueduto do açude superior, junto ao caminho do
campo do lavadeiro.

3. Então saíram a encontrar-se com êle Eliaquim, filho de


Hilquias, o mordomo, Sebna, o escrivão, e Joá, filho de Asafe,
o cronista.

O primeiro versículo declara que Senaqueribe


capturou tôdas as cidades fortificadas de Jerusalém. O Ci­
lindro de Taylor menciona quarenta e seis cidades fortifi­
cadas, e numerosos lugares menores, bem como uma gran­
de quantidade de materiais de valor. Considerando o fato
de que Senaqueribe invadiu a Judá em 701, e que o rei
Ezequias assumiu atí trono em 724, o sítio de Jerusalém
aconteceu no ano vigésimo quarto do reino de Ezequias,
em vez de no ano décimo quarto desta declaração. Esta
discrepância de datas pode ser explicada de várias manei­
ras. Portanto, é problema secundário na interpretação
da mensagem.
O rei da Assíria enviou Rabsaqué, de Laquis a Je­
rusalém. Rabsaqué não é nome próprio, mas um título
de um oficial do exército da Assíria, como Tartã, em
20:1, e Rabe-Saris, em 18:17. Laquis era uma das cida­
des mais importantes de Judá. Era uma cidade antiga
(Jos. 10:3) e bem fortificada no tempo de Ezequias.
Ficava 36 quilômetros ao sul de Jerusalém, e 20 quilô­
metros ao oeste do Mar Morto. Tel-Duweir foi identi­
ficado por Albright como as ruínas de Laquis. Yer a
discussão de Laquis na Arqueologia Bíblica do autor,
p. 170. É fato irônico que o Rabsaqué parou no mesmo
lugar onde o profeta e o seu filho Sear-Jasube pararam
quando Isaias aconselhou o rei Acaz a não fazer aliança
com a Assíria.
0 autor de II Reis declara, 18:14, que o rei Ezequias
pagou ao rei da Assíria o tributo de trezentos talentos
de prata e trinta talentos de ouro, sob condição evidente
de que êle retirasse o seu exército e deixasse Ezequias
continuar como o governador apenas de Jerusalém. Mas
depois de receber êste pesado tributo, Senaqueribe vio­
lou a sua promessa, e mandou o Rabsaqué para sitiar
e tomar a cidade de Jerusalém. Senaqueribe declara,
segundo o Cilindro Taylor, que recebeu 800 talentos de
prata, mas é provável que êle tenha incluído o valor do
enorme despojo que levou.
As palavras “e chamaram o rei” em II Reis 18:18,
omitem-se no princípio dêste verso 3. Eliaquim, filho de
Hilquias, o mordomo (Çp. 22:15,20). Assim, Eliaquim
ocupa neste tempo a posição ocupada por Sebna no
reino de Acaz. No reino de Ezequias, nesta ocasião,
Sebna é apenas o escrivão.
4. E o Rabsaqué lhes disse: Dizei a Ezequias: Assim diz o
o grande rei, o rei da Assíria: Que confiança é esta em que
te estribas?
5. Pensas tu que apenas palavras são estratégia e poder para
guerra? Em quem, pois, agora confias, visto que te tens
rebelado contra mim?

6. Eis que confias no Egito, êsse bordão de can a quebrada, o


o qual entrará e traspassará a mão de qualquer homem que
se apoiar nêle. Assim é Faraó, rei do Egito, para com todos
os que nêle confiam.

Assim o Rabsaqué pergunta sarcàsticamente, aos


representantes do rei Ezequias, a base da sua confiança
na rebelião contra o poder da Assíria. Assim diz o
grande rei. Assim o Rabsaqué começa o seu argumento,
de que o único recurso para o rei Ezequias é a submis­
são incondicional ao grande rei.
O texto da primeira parte do verso 5 não está mui­
to claro, e as versões em português variam na tradução.
A Brasileira segue mais de perto o hebraico, mas não
o reconhece como pergunta. Certamente, não pensas
que meras palavras constituem o poder na guerra. Qual
é a base, então, da tua confiança, em quem estás con­
fiando, visto que te tens rebelado contra mim? Certa­
mente, palavras não servem como estratégia na guerra,
e a gabolice não tem poder militar. O Rabsaqué se
refere não somente à rebelião de Judá contra a Assíria
(II Reis 18:7), mas também à recusa de entregar a cida­
de (II Reis 18:14 e seg.), depois de haver entregado a
Senaqueribe o pesado tributo. A Assíria evidentemente
tinha resolvido esmagar o espírito dos judeus.
Eis que confias no Egito, êsse bordão de cana que­
brada. Esta declaração derrogatória a respeito do Egi­
to como aliado dos judeus era bem fundada. Isaias ti­
nha declarado repetidamente que o auxílio do Egito não
tinha valor algum (30:3, 5, 7). O Egito é traidor, bor­
dão de cana quebrada, e traspassará a mão de qualquer
homem que se apoiar nêle. O Rabsaqué sabia tocar
efetivamente na fraqueza da posição dos judeus. Estas
palavras de escárnio feriram profundamente os morado­
res de Jerusalém. Os judeus não podiam deixar de re­
conhecer a verdade de tudo que o assírio disse sôbre a
infidelidade do Egito. Ao mesmo tempo podiam se lem­
brar de que a Assíria era tão infiel, e muito mais crucl
do que o Egito.
7. Mas se me disseres: Confiamos no Senhor, o nosso Deus, não
é êsse aquêle oujos altos e altares Ezequias removeu, dizendo
a Judá e Jerusalém: Perante êste altar adorareis?
8. Ora, pois, empenha-te com meu senhor, rei da Assíria, e dar-
te-ei dois mil cavalos, se da tua parte puderes achar cava­
leiros para os montar.
9. Como então poderás afugentar um só capitão entre os me­
nores dos servos do meu senhor, quando confias no Egito
para obterss carros e cavaleiros?

10. Acaso subi eu agora sem o Senhor contra esta terra, para a
destruir? Pois o Senhor mesmo me disse: Sobe contra a
terra, e destrói-a.
No verso 7 o Rabsaqué prossegue com o seu argu­
mento, declarando que o próprio Javé, o Deus de Israel,
era incapaz de ajudar o seu povo nesta crise.
Se me disseres: Confiamos no Senhor, o nosso Deus.
Ao mesmo tempo que o Rabsaqué se mostra incapaz de
entender a profunda significação desta fé dos judeus no
Senhor, êle demonstra astúcia e entendimento na expli­
cação da fraqueza dessa confiança religiosa, especial­
mente nas circunstâncias da ocasião. Na sua reforma
religiosa, o rei Ezequias mandou destruir os altos e os
santuários estabelecidos em vários lugares de Judá, por­
que eram dedicados mais aos deuses dos cananeus, do
que ao Senhor Deus de Israel. Muitos judeus ficaram
insatisfeitos pela destruição dos seus altares dedicados
aos deuses mais tolerantes dos seus pecados do que o
Senhor Javé. Os assírios, nada sabiam da religião es­
piritual dos judeus que proibia tais altares (II Crôn.
32:12); mas, informado da insatisfação do grupo que
lamentava a perda dos seus altares, o Rabsaqué apro­
veitou-se dêste fato para dizer, ou indicar, que os judeus
seriam mais felizes sob o govêrno da Assíria do que no
domínio de Ezequias.
Empenha-te, ou faze uma aposta com meu senhor.
Assim, o mensageiro dos assírios escarnece da fraqueza
militar de Judá perante o poderoso exército da Assíria.
Dar-te-ei dois mil cavalos, se puderes achar cavaleiros
para os montar. Esta proposta irrisória foi especial­
mente humilhante para a partida militar de Judá, tão
fraca em tôdas as fôrças de guerra (30:16; 31:1, 3).
O poder de Ezequias era tão fraco que não podia
afugentar um só capitão entre os mais fracos do exér­
cito da Assíria, nem mesmo se pudesse obter carros e
cavaleiros do Egito. Como então se explica que êle te­
nha a ousadia de desafiar o grande e poderoso rei Se­
naqueribe ?
Acaso subi eu agora sem o Senhor contra esta ter­
ra? Esta pretensão de ter recebido diretamente do Se­
nhor a comissão de subir contra Judá e destruí-la não
parecia inacreditável aos judeus nas circunstâncias his­
tóricas. É ptíssível que o assírio tivesse ouvido alguma
cousa a respeito das profecias de Isaias sôbre a sujei­
ção de Judá ao poder da Assíria (Cp. 7:17; 10:5-11).
Mas está falando sem conhecimento do propósito e do
poder do Criador de tôda sas nações (Ver 37:6, 7, 21-35).
11. Então, disseram Eliaquim, Sebna e Joá ao Rabsaqué: Roga­
mos que fales aos teus servos em aramaico, pois nós o en­
tendemos, e não nos fales em judaico, aos ouvidos do povo
que está sôbre os muros.
12. Mas o Rabsaqué lhes respondeu: Porventura, o meu senhor
mandou-me para dizer-te estas palavras a ti somente e ao
teu senhor, e não antes aos que estão assentados sôbre os
muros, que estão destinados a comer convosco o seu próprio
excremento e bsber a sua própria urina?

13. Então o Rabsaqué se pôs em pé, e clamou em alta voz em


judaico, e disse: Ouvi as palavras do grande rei, o rei da
Assíria!

14. Assim diz o rei: Não vos engane Ezequias; porque êle não
vos poderá livrar.

Apavorados pelas palavras horrendas do assírio, os


ministros do rei Ezequias rogaram-lhe que falasse na lín­
gua aramaica, e não em judaico para que os homens
nos muros não o entendessem. Mas o diplomata astuto
e sem escrúpulos, percebe logo o mêdo terrível do povo
da cidade, e declara que o seu senhor o mandou para ex­
plicar ao público a vantagem de entregar-se voluntária- g
mente ao grande rei, e assim evitar os horrores do sí­
tio de Jerusalém, comendo o seu próprio estêrco e beben­
do a sua própria urina.
A língua siríaca, ou aramaica, era o meio de co­
municação internacional 110 oeste da Ásia, especialmen­
te entre os comerciantes. Mas para os judeus a língua
da Assíria era abominável (Cp. 28:11; 33:19). Mas o
povo de Jerusalém em geral, como os homens assenta­
dos nos muros, evidentemente não conheciam o siríaco.
O Rabsaqué sabia falar fluentemente o judaico. Passa-
ram mais de 25 anos desde o tempo quando Acaz fêz a
fatal aliança com a Assíria, mencionada no cap. 7. Du­
rante êste período as autoi'idades da Assíria mantinham
relações constantes com Judá, interessando-se nos ne­
gócios comerciais e políticos do povo. Havia, sem dúvi­
da, numerosos assírios, como o Rabsaqué, que conhe­
ciam a língua judaica. Assim, o pedido de Eliaquim
mostrou ao assírio o espírito apavorado dos habitantes
de Jerusalém. Começa, então, a falar como se fôsse
enviado para dirigir a sua mensagem ao povo, e não a
Ezequias. Não vos engane Ezequias; porque êle não vos
poderá livrar.
15. Nem tampouco Ezequias vos faça confiar no Senhor, dizen­
do: O Senhor certamente nos livrará; esta cidade não será
entregue nas mãos do rei da Assíria.

16. Não deis ouvidos a Ezequias; pois assim diz o rei da Assí­
ria: Fazei as pazes comigo, e vinde a mim; então cada um
de vós comerá da sua própria vide, e da sua própria figueira»
e cada um de vós beberá da água da sua própria cisterna;

17. até que eu venha, e vos leve para uma terra como a vossa;
terra de cereal e de vinho, terra de pão e de vinhas.
Assim, o Rabsaqué procede no seu esfôrço de pez--
suadir os mensageiros de Ezequias que seria um gran­
de êrro a recusa de entregar voluntàriamente Jerusalém
ao grande e “benévolo” rei da Assíria. Nem tampou­
co Ezequias vos faça confiar no Senhor. Ainda em
linguagem diplomática, o mensageiro de Senaqueribe
assim despreza a fraqueza de Ezequias e a vaidade de
confiar no Deus dos judeus. À luz dos fatos, como é
que o povo pode manter confiança no poder de Eze­
quias, ou no auxílio do seu Deus? Que base têm êstes que
dizem: O Senhor certamente nos livrará; esta cidade não
será entregue nas mãos do rei da Assíria? Estas pala­
vras, proferidas com orgulho e arrogância, tornaram-se
mais tarde as mais irônicas na história da queda do po­
deroso império da Assíria. Nem sempre se verifica tão
claramente a recompensa daqueles que zombam do povo
de Deus. Mas o Senhor, na sua benévola providência,
sempre cuida do seu reino entre o seu povo, ainda nas
vicissitudes mais ameaçadoras da História.
Em vez de dar ouvidos a Ezequias, fazei as pazes
comigo. A palavra ("DH.S , traduzida por paz ou paZés,
significa bênção. Mas, segundo o ponto de vista do as­
T T :

sírio, a aliança, vinde a mim, seria uma fonte de bên­


ção (Cp. I Sam. 25:27).
Vinde a mim, e cada um de vós comerá da sua pró­
pria vide. Assim, êle indica claramente que o povo será
deportado, de acôrdo com a política da Assíria, mas co­
merá bem e será feliz na sua nova terra. Mas esta des­
crição das bênçãos que o povo experimentará no cati­
veiro não concorda com os fatos que o povo conhecia a
respeito dos outros povos deportados pela Assíria. 0
orador astuto afirma que a Assíria trata muito bem as
nações que se entregam voluntàriamente ao poder da
Assíria. Os judeus bem sabiam do tratamento das na­
ções como Israel, que resistiam ao domínio da Assíria.
Mas à luz da História, a Assíria já era bem conhecida
como a exterminadora das nações que conquistava.
18. Acautelai -vos para que não vos engane Ezequias, dizendo:
O Senhor nos livrará. Acaso os deuses das nações livraram
cada um a sua terra das mãos do rei da Assíria?

19. Onde estão os deuses de Hamate e de Arpade? Onde estão


os deuses de Sefarvaim? Acaso livraram êles a Samaria da
minha mão ?

20. Quais são, dentre todos os deuses dêstes países, os que livra­
ram a sua terra das minhas mãos, para qu.s o Senhor livrasse
a Jerusalém das minhas mãos?
21. Êles, porém, se calaram, e não lhe responderam palavra;
porque assim lhes havia ordenado o rei, dizendo: Não lhe
respondereis.
22. Então Eliaquim, filho de Hilquias, o mordomo, e Sebna, o
escrivão, e Joá, filho de Asafe, o cronista, rasgaram suas ves­
tes, vieram ter com Ezequias, e lhe referiram as palavras do
Rabsaqué.

Com o fingimento de generosidade da Assíria no


acolhimento dos povos subordinados, o tigre mostra os
dentes em versos 18 a 19. Não vos engane Ezequias, di­
zendo: O Senhor nos livrará. Se o deus de Judá não
apoiar a invasão da sua terra pelos assírios, que é que êle
pode fazer? Que fêz para salvar a nação de Israel do
meu poder?
Onde estão os deuses de Hamate e de Arpade? Ver
10:0, sôbre Hamate. Arpade é sempre mencionada com
Hamate, e provavelmente ficava entre Hamate e Damas­
co. Sefarvaim é geralmente identificada com Sibraim,
destruída por Salmanaser V, (Ver Ez. 47:16), entre Da­
masco e Hamate. A Septuaginta, II Reis 18:34, diz:
©ade estão os deuses da terra de Samaria? À luz das
experiências das terras conquistadas pelo poder inven­
cível da Assíria, o <Rabsaqué repete a admoestação con­
tra as esperanças vãs de Judá. Não nega a existência
dos deuses dêstes países, simplesmente explica a sua im­
potência perante o poder superior do deus da Assíria.
Isaias tinha profetizado a conquista das nações mencio­
nadas nos versos 18 e 19 (10:7-11).
Êles, porém, se calaram, . . . vieram ter com Eze­
quias, e lhe referiram as palavras do Rabsaqué. Eze­
quias mostrou-se sábio, proibindo que os seus mensagei­
ros respondessem ao Rabsaqué. Nestes momentos tão
sérios e tão significativos na história do povo de Deus,
somente aquêle que podia falar com autoridade deve
responder à mensagem arrogante do poderoso rei da As­
síria .
1. Tendo ouvido isto, o rei Ezequias rasgou os seus vestidos,
cobriu-se de saco e entrou na casa do Senhor.

2. Então, enviou Eliaquim, o mordomo; e Sebna, o escrivão, e


os anciãos dos sacerdotes, vestidos de saco, ao profeta Isaias,
filho de Amoz.
3. E êstes lhe disseram: Assim diz Ezequias: Êste dia é dia
de angústia, de reprovação e de opróbrio; porque chegados
são os filhos ao parto, e não há fôrça para os dar à luz.

4. Porventura, o Senhor teu Deus terá ouvido as palavras do


Rabsaqué, a quem enviou o rei da Assiria, seu senhor, para
afrontar o Deus vivo, e repreenderá as palavras que o Se­
nhor teu Deus tem ouvido; levanta, pois, a tua oração a
favor do re‘stante que ficou.

Depois da entrevista dos ministros judaicos com o


oficial do rei Senaqueribe, êles vieram ao rei Ezequias,
e lhe apresentaram o seu relatório. Ezequias, com seu
ponto de vista político, havia chegado a reconhecer o
perigo terrível da situação para êle e para a sua cidade
de Jerusalém. Rasgou os vestidos, cobriu-se de saco e
entrou na casa do Senhor. Assim pesaroso e abalado pelo
fracasso da sua política, como rei do seu povo, e achan­
do-se no templo, finalmente se lembrou da promessa que
o Senhor tinha feito a Salomão, de ouvir as orações do
seu povo, oferecidas naquele lugar (I Reis 8:29) .
Ezequias também enviou ao profeta Isaias, filho de
Amoz, mensageiros que tiveram a entrevista com o ofi­
cial de Senaqueribe, Eliaquim e Sebna, juntamente com
os anciãos dos sacerdotes. O fato de que Sebna faz par­
te desta comissão enviada a Isaias indica a vitória mo­
ral do profeta (Cp. 22:15-20). A referência aos sacer­
dotes como membros da comissão é interessante. A
frase os anciãos dos sacerdotes se encontra também em
Jer. 19:1. Aparentemente, significa os mais respeitados
dos sacerdotes por causa da idade e experiência. Com
o fracasso dos seus planos políticos, o rei Ezequias, bem
intencionado, mas sem profundo entendimento da polí­
tica, finalmente reconheceu o conselho do profeta Isaias
como a última esperança de salvar-se a si mesmo, bem
como o seu pequeno reino do poder do grande Império
da Assíria.
Assim diz Ezequias: Êste dia é dia de angústia, de
reprovação e do opróbrio. Dia de angústia, m X refere-se
apenas nos judeus. A reprovação,PirDin, vem do Senhor
por intermédio dos assírios. O opróbrio representa o sen­
T ♦'

timento dos assírios a respeito de Judá e do seu Deus.


Mas êste mesmo opróbrio, JTÜ&Í3 caiu sôbre o arrogante
rei Senaqueribe e o' seu povo. Chegados são os filhos do
t t :

parto, e não há fôrça para os dar à luz. Esta é uma de­


claração proverbial para descrever uma crise perigosa,
quando não há fôrça aparente para vencê-la (66 :í);
Os. 13:13).
No verso 4 os mensageiros do rei apresentam timida­
mente o seu pedido ao profeta. O pedido refere-se a duas
cousas importantes. Porventura. Êles queriam saber
com certeza se o Senhor ouviu as palavras de blasfêmia
do Rabsaqué. O Senhor está tomando em consideração
esta afronta à sua autoridade como o Deus vivo, o Cria­
dor supremo de tôdas as nações? O teu Deus não repre­
enderá estas palavras de blasfêmia que ouviu? E o nosso
rei, ó Isaias, mensageiro do Senhor, pede que tu levantes
a tua oração a favor do restante que ficou. A palavra
restante, ÍTHNttf, não , como em 7:3; 10:20-23, não
se refere aqui ao restante dos fiéis do povo do Senhor.
B. O Rei Ezequias Recebe o Conselho de Isaias, 37:5-7
5. E vieram os servos do rei Ezequias a ter com Isaias.
6. E Isaias lhes disse: Dizei isto ao vosso senhor:Assim diz o
Senhor: Não temas por causa das palavras que ouviste, com
as quais os servos do rei da Assíria de mim blasfemaram.
7. Eis quemeterei nêle um espírito, e êle ouvirá um rumor e
voltará para a sua terra; e eu fá-lo-ei cair morto à espada
na sua prápria terra.

Aparentemente, o verso 5 está subordinado ao v. 6:


“E quando vieram os servos do rei ... Isaias lhes disse.”
Nos versos 6 e 7 o profeta inspirado promete mais
do que o rei havia pedido. Na comunhão constante com
o Senhor, Isaias já conhecia o propósito de Deus a res­
peito de Jerusalém nessa crise terrível, não somente para
Jerusalém, mas também para o futuro do reino de Deus.
Vós, mensageiros do rei Ezequias, podeis transmitir esta
promessa do Senhor: Não temas por causa das palavras
dêstes servos (meninos, )do rei da Assíria. Sião
é inviolável! Êstes rapazes arrogantes vão ficar pasma­
• T t

dos pela fraqueza militar do rei da Assíria perante o po­


der do Senhor de quem êles blasfemaram.
Meterei nêle um espírito, um espírito de mêdo e de
humilhação em lugar do seu espírito de orgulho e arro­
gância . file ouvirá um rumor e voltará para a sua terra.
Ouvindo da perturbação política na Babilônia, Senaque­
ribe partiu apressadamente da Palestina, mas a maior
parte do seu poderoso exército pereceu na Palestina (Ver
o verso 36).
C. A Carta do Rei da Assíria, 37:8-13
8. Voitou, pcis, o Rabsaqué, e achou o rei da Assíria pelejando
contra Libna; porque ouvira que o rei já se havia retirado
ds Laquis.
9. Então ouviu o rei dizer a respeito de Tíraca, rei da Etiópia:
Saiu para pelejar contra ti. Quando ouviu isto, enviou men­
sageiros a Ezequias, dizendo:
10. Assim fa'arei a Ezequiel, rei de Judá: Não te enqane o teu
Deus, no qual tu estás confiando, dizendo: Jerusalém não
será entregue nas mãos do rei da Assíria»
11. Eis que tu tens ouvido o que fizeram os reis da Assíria a
tôdas as terras, destruindo-as totalmente. E tu te livrarás?

12. Porventura as livraram os deuses das nações que meus pais


destruíram, G o z á , Harã e Rezefe; e os filhos de Éden, que
estavam em Telassar?

13- Onde está o rei de Hamate, e o rei de Arpade, e o rei da


cidade de Sefarvaim, de Hena ou de Iva?

Èste versículo 8 varia muito pouco de II Reis 19:9.


Enquanto os mensageiros do rei Ezequias tinham a sua
entrevista com o profeta Isaias, o Rabsaqué voltou ao seu
rei Senaqueribe que estava pelejando contra Libna, mais
uma das cidades fortificadas de Judá. Libna ao norte
de Laquis, era uma cidade bem fortificada, capturada
por Josué (Jos. 10:29). Na divisão da terra foi entre­
gue à tribo de Judá, e mais tarde aos descendentes de
Arão, como uma das cidades de refúgio (Jos. 21:13; I
Crôn. 6:57) .
Quando Senaqueribe recebeu o relatório do seu men­
sageiro, que tinha procurado persuadir os mensageiros
de Ezequias a entregar-lhe voluntàriamente a cidade de
Jerusalém, êle não podia atacar imediatamente a cida­
de, porque tinha ouvido que Tiraca, rei da Etiópia, ha­
via saído para pelejar contra êle. Neste tempo Tiraca
era príncipe da Etiópia, mas ocupou o trono c. 670 como
o terceiro rei da vigésima-quinta dinastia egípcia. Se­
naqueribe pensava que já era rei da Etiópia.
Não podendo executar imediatamente a sua arro­
gante ameaça contra Jerusalém, o rei Senaqueribe es­
creveu uma carta ao rei Ezequias. Considerando as cir­
cunstâncias, não há razão de duvidar de que o rei da
Assíria apresentou êste segundo apêlo para que Ezequias
rendesse voluntàriamente a cidade. É evidente que o
exército de Senaqueribe tinha exercido grande esfôrço
na ocupação da terra de Judá, pois Libna ainda estava
lutando contra êle. Tinha resolvido não deixar a forta­
leza de Jerusalém, mas quis tomá-la com o mínimo es­
fôrço possível. Uma inscrição de Senaqueribe indica
que estava sitiando a Jerusalém quando escreveu esta
carta. Êle repete, na sua carta, substancialmente os ar­
gumentos e as ameaças do Rabsaqué. Mas impressio­
nado com a confiança de Ezequias no auxilio do seu
Deus, Senaqueribe acrescenta a admoestarão de que êle
não deve ficar enganado, confiando no seu Deus, e di­
zendo: Jerusalém não será entregue nas mãos do rei da
Assíria. O Rabsaqué tinha representado Ezequias como
enganador do seu povo. Pergunta Senaqueribe, no verso
11, se é possível que Ezequias, sabendo do poder e da
história da Assíria na destruição total de nações, ainda
pensa que pode livrar-se de tal poder.
Além das nações destruídas totalmente pelo poder
da Assíria, mencionadas pelo Rabsaqué, Senaqueribe
adiciona também Gozã, Harã, Rezefe, Éden. Hena ou
Iva. Gozã era cidade à margem do rio Habor, tributá­
rio do Eufrates. Ficava ao noroeste de Nínive (II Reis
17:6; 19:12; I Crôn. 5:26). Harã era a cidade de Tera
e Abrão. ao norte da Mesopotâmia, na região de Padã-
Arã. É lugar importante na história do povo hebraico
(Gên. 11:31; 12:5; cps. 28 e 29; II Reis 19:12). Rezefe
era uma cidade comercial de importância na Assíria,
ainda não identificada (II Reis 19:12). Éden foi uma
seção da Mesopotâmia. Ezequiel fala de mercadores de
Éden que negociavam com Tiro (27:23). Nada se sabe
de Hena ou Iva.
D. A Oração de Ezequias, 37:14-20
14. Ezequias recebeu a carta da mão dos mensageiros, e a teu.
Então, Ezequias subiu à casa do Senhor, e estendeu a carta
perante o Senhor.
15. E Ezequias orou ao Senhor, dizendo:

16. Ó Senhor dos Exércitos, Deus de Israel, que estás entronizado


acima dos querubins, tu és o Deus, tu somente, de todos os
reinos da terra; tu fizeste os céus e a terra.

17. Inclina, ó Senhor, o teu ouvido, e ouve; abre, Senhor, os teus


olhos, e vê; ouve tôdas as palavras de Senaqueribe, as quais
mandou para afrontar o Deus vivo.

18. Verdade é, Senhor, que os reis da Assíria têm assolado todos


os países e suas terras,
19. e lançaram no fogo os deuses dêles, pois deuses não eram,
senão obra de mãos de homens, madeira e pedra; por isso,
foram destruídos.

20. Agora, pois, ó Senhor, nosso Deus, livra-nos das mãos dêle,
para que todos os reinos da terra saibam que só tu és o
Senhor.

Os versos 14-20 descrevem as circunstâncias e o pe­


dido da oração do rei Ezéquias, que ofereceu ao Deus
vivo no Templo, logo depois de receber a carta blasfema
do rei Senaqueribe. Depois de ler o documento, o rei
entrou na casa do Senhor, e estendeu a carta perante o
Senhor. Desenrolou a carta, um ato simbólico, chaman­
do a atenção do Senhor à arrogância e a blasfêmia do
rei da Assíria. Na insurreição dos macabeus, os judeus,
nas suas orações, estenderam uma cópia da lei, desfigu­
rada pelos inimigos com desenhos idólatras, como tes­
temunho das blasfêmias contra a sua religião, I Mac.
3:48.
Alguns críticos modernos levantam dúvidas sôbre
se o rei Ezequias podia ter oferecido ao Senhor uma
oração tão maravilhosa como esta. É verdade que não
tinha a fé tão profundamente fundada como a de Isaias
quando fêz a aliança política com o Egito. Ao mesmo
tempo, era homem sinceramente religioso, e tinha esta­
belecido uma grande reforma religiosa na sua terra. Ti­
nha recebido muita influência religiosa dos ensinos do
seu profeta Isaias. Com a carta blasfema de Sena­
queribe nas mãos, surgiu no seu espírito o mais profun­
do sentimento de dependência e de fé no Senhor Javé,
o Deus vivo de Israel, em contraste com a impotência
dos ídolos feitos pelas mãos do homem.
O Deus de Israel, o Senhor dos Exércitos, é o Deus
de tôdas as cousas nos céus e na terra. Tu que estás
entronizado acima dos querubins, tu és Deus, tu somen­
te (Cp. I Sam. 4:4; II Sam. 6:2; Sal. 80:1). Refere-se
aos dois querubins nas duas extremidades do propiciató-
rio (Êx. 25:18:23). Ezequias estava pensando, sem dú­
vida, na promessa divina de Êx. 25:21-22: “Ali virei a
ti, e de cima do propiciatório, do meio dos dois queru­
bins que estão sôbre a arca do testemunho, falarei con­
tigo acêrca de tudo o que eu te ordenar para os filhos de
Israel.” Tu és o Deus, tu somente. Ezequias cita estas
palavras das ações de graças de Davi (II Sam. 7:28), nas
quais êste declarou a fé no cumprimento da gloriosa pro­
messa que acabara de receber do Senhor nos versos
12-17. 0 Rabsaqué e Senaqueribe tinham falado dos
deuses dos vários países que os assírios tinham assolado.
Ezequias afirma que o Senhor Javé não é meramente
Deus, mas o Deus de tôdas as nações. Tu fizeste os céus
e a terra. A doutrina da criação é básica e fundamental
na religião dos judeus; doutrina que logicamente exòlui
a existência de quaisquer outros deuses.
No verso 17 Ezequias pede fervorosamente que o
Senhor ouça tôda sas palavras de blasfêmia que Sena­
queribe lhe mandou para afrontar o Deus vivo. Tôdas
as atividades do Senhor na história do seu povo, e tôdas
as manifestações do seu cuidado e do seu amor imutá­
vel, na orientação do seu povo no cumprimento da sua
missão mundial, testificam que o Senhor Javé é o Deus
vivo. 0 Deus vivo,TI é o Deus eterno, o Deus
imutável, a fonte de tôdas as formas de vida.
T • VI

Os reis da Assíria têm assolado, todos os


países, ou nações (Cp. II Reis 19:17; Is. 42:15; 49:17;
Juí. 16:24). Êste poder destruidor da parte da Assíria
e de outros inimigos foi uma admoestação terrível para
o rei Ezequias, mas êle teve a galhardia e a coragem de
crer no poder supremo do Deus vivo, o Salvador de Sião,
e do seu povo escolhido para servir o seu eterno propó­
sito .
Senaqueribe falava arrogantemente dos deuses que
tinha lançado no fogo, indicando que faria a mesma
cousa com o deus de Israel. Ezequias reconheceu que
Senaqueribe podia pegar nas mãos êstes deuses de ma­
deira e pedra e lançá-los no fogo, porque não eram deu­
ses, mas simplesmente pedaços de madeira e pedra. Fei­
tos pelo homem, foram destruídos pelas mãos do ho­
mem. Mas a esperança de Israel se firmava no Senhor
Javé, o Deus vivo.
ó Senhor, nosso Deus, livra-nos das mãos dêle, por­
que tu és a nossa única esperança. Não queremos cair
no poder dêste destruidor de nações. Mas, além disto,
queremos que todos os reinos da terra saibam que só tu
és Deus. Assim, o rei termina esta oração transordiná-
ria.
21. Então, Isaias, filho de Amoz, mandou dizer a Ezequias: Assim
diz o Senhor, o Deus de Israel: Porquanto me pediste acêrca
de Senaqueribe, rei da Assíria,
22. esta é a palavra que o Senhor falou a respeito dêle :
A virgem, filha de Sião,
te despreza, e zomba de ti :
a filha de Jerusalém
meneia a cabeça por detrás de ti.
23. A quem afrontaste e de quem blasfemaste?
Contra quem alçaste a voz, , .
e arrogantemente ergueste os olhos?
Contra o Santo de Israel !
24. Por meio dos teus servos afrontaste o Senhor,
e disseste: Com a multidão dos meus carros
subi ao cume dos montes,
aos últimos recessos do Líbano;
deitei abaixo os seus altos cedros,
os seus ciprestes escolhidos;
cheguei ao seu cume mais elevado,
à sua mais densa floresta.

Nos versos 21-35, o Senhor responde à oração de


Ezequias pelo profeta Isaias. Êste oráculo é semelhante
à predição da ruína da Assíria em 10:5-16. A primeira
divisão da mensagem, 22-29, na linguagem poética, es­
carnece do orgulho e da humilhação pendente de Sena­
queribe. Segue-se nos versos 30-32 uma breve mensa­
gem dirigida a Ezequias, uma predição definida do li­
vramento de Jerusalém. O assírio não entrará na cida­
de de Jerusalém, mas voltará para a sua terra pelo ca­
minho por que veio.
O verso 21 varia pouco da mesma declaração em
II Reis li9:20, mas o sentido é o mesmo, e bem claro.
E- 0 Profeta Conforta a Ezequias, 37:21-29
A poesia sôbre Senaqueribe nos versos 21-29, escri­
ta na linguagem poética de elegia, é realmente um cân­
tico escarnecedor sôbre o assirio, o blasfemador do San­
to de Israel. Jerusalém vai testemunhar a retirada do
traidor que tinha recebido um grande tributo de Eze­
quias para abandonar o sítio de Jerusalém, e depois quis
exigir a entrega incondicional da cidade. 0 profeta está
antecipando o que vai acontecer dentro em breve. A
virgem filha de Sião te despreza, e meneia a cabeça por
detrás de ti em zombaria (Cp. Sal. 22:7; Jer. 18:16).
No verso 23 o profeta dirige três perguntas ao rei
Senaqueribe: Contra quem blasfemaste? Contra quem
alçaste a voz? Contra quem ergueste os olhos? Estas
perguntas indicam a ignorância e a tolice de Senaqueri­
be no seu modo arrogante e hipócrita de tratar com o
povo de Israel. O poderoso guerreiro tinha que sofrer
a frustração, o fracasso e a humilhação das mãos do
Deus de Israel, de quem blasfemara.
No verso 24 o profeta representa corretamente o es­
pírito vaidoso de Senaqueribe. Encontram-se nas inscri­
ções do próprio Senaqueribe estas declarações citadas
pelo profeta. Assim se ufanou do seu poder de conquis­
tar tão fàcilmente os lugares fortificados das várias na­
ções que tinha subjugado.
25. Eu tenho cavado
e bebido aguas,
e com as plantas de meus pés
sequei tôdas as correntes do Egito.
26. Acaso não tens ouvido
que há muito determinei isto,
e o planejei desde os dias antigos?
Agora, porém, o faço executar,
que tu reduziss-es cidades fortificadas
a montões de ruínas.
27. Por isso, os seus moradores, debilitados,
ficam pasmados e confundidos,
tornam-se como a erva do campo,
como a erva verde, ' ''
e como o capim dos telhados,
queimado antes de amadurecer.
28. Mas eu conheço o teu assentar,
o teu sair e o teu entrar,
e o teu furor contra mim.

29. Porque tens ficado furioso contra mim,


e a tua arrogância subiu até aos meus ouvidos,
eis que porei o meu anzol no teu nariz
e o meu freio na tua bôca,
e te farei voltar no caminho
pelo qual vieste.

Se as declarações do verso 25 representam o plano


de Senaqueribe de invadir e conquistar o Egito, êste so­
nho nunca foi realizado.
Nos versos 26-29 o profeta explica que Senaqueri­
be pensava que havia conquistado estas várias nações
pelo seu próprio poder, ao passo que tinha sido apenas
um instrumento nas mãos de Deus (Cp. 10:5-15). A tua
consciência nunca reconheceu que o Senhor Todo-pode-
roso dirige os movimentos da História? Desde os tem­
pos remotos o Senhor Javé determinou e planejou tôdas
estas cousas que agora vão sendo executadas. A organi­
zação dos planos de Senaqueribe, a sua invasão e devas­
tação de terras, e até o seu furor contra o povo de Deus,
com tôdas as conseqüências destas atividades, foram
previstas e incluídas no plano eterno do Criador e Go­
vernador de tôdas as nações.
Mas eu conheço o teu assentar, o teu sair e o teu
entrar. Assim, Deus conhecia todos os planos e tôdas ais
atividades de Senaqueribe, até nos seus pormenores. Mas
Senaqueribe, na sua ignorância da providência do Senhor
que lhe permitiu as suas conquistas, enfureceu-se contra
Deus. Portanto, o tempo já chegou para o Senhor pôr
fim às conquistas cruéis pelos assírios. Na linguagem
figurada, o profeta declara que Senaqueribe receberá o
castigo que merece. O Senhor porá um anzol no seu
iiariz e um freio na sua bôca, e o conduzirá para a sua
terra pelo mesmo caminho pelo qual êle veio na cam­
panha destrutiva de nações.
F. Sinal para os Sobreviventes, 37:30-32
30. E isto te será por sinal: êste ano comei o que nascer por si
mesmo, e no segundo ano o que daí proceder; então no te r­
ceiro ano semeai e colhei, plantai vinhas, e comei os seus
frutos.

31. E o restante sobrevivente da casa de Judá tornará a lançar


raizes para baixo, e dará fruto por cima;
32. porque de Jerusalém sairá um restante, e do monte Sião o
que escapou. O zêlo do Senhor dos Exércitos fará isto.

Nos versos 30-32 o profeta declara a Ezequias, num


oráculo de prosa, que o resultado da invasão dos assí­
rios será a desorganização da agricultura de Judá por
mais de um ano, mas depois dêste período o restante de
Judá se restabelecerá na terra, semeando e colhendo
como nos tempos normais. O cumprimento desta pro­
messa será mais uma prova de que o Senhor Javé pla­
nejou e executou o livramento do seu povo do poder do
inimigo, de acôrdo com o seu eterno propósito na esco­
lha de Israel (Ver Gên. 12:3 e Èx. 19:6). Não se sabe
com certeza quanto tempo durou o período da escassez
de alimentos na terra devastada, mas certamente foi du­
rante o ano da ocupação pelos assírios, e mais o perío­
do entre a estação de plantar e colher os frutos da plan­
tação .
A frase o que nascer por si mesmo significa a co­
lheita escassa produzida pelos grãos ou sementes que
caíram na última ceifa (Cp. Lev. 25:5, 11). Não está
claro o significado da frase, e no segundo o que daí pro­
ceder, mas alguns pensam que se refere às plantas sil­
vestres que o povo comia habitualmente.
O restante sobrevivente da casa de Judá era de pro­
funda e de eterna importância para o reino de Deus na
terra, porque era o único grupo, e a última esperança
para o reino futuro do Senhor entre tôdas as nações da
terra. Mas êste restante sobrevivente lançará raízes para
baixo e dará fruto por cim a.
Como não foi o poder humano que libertou os fi­
lhos de Israel do poder de Faraó, assim não foi qualquer
poder humano que libertou a cidade de Jerusalém do
poder de Senaqueribe. Foi o poder do Senhor dos Exér­
citos, o Deus de Israel, que visava ao cumprimento do
seu plano na escolha de Israel. No seu zêlo e no seu
amor imutável, o Senhor Javé dos Exércitos libertou o
último restante do povo da sua escolha.
G. Mensagem sôbre a Retirada de Senaqueribe, 37:33-35
33. Portanto, assim diz o Senhor acêrca do rei da Assiria:
Êle não entrará nesta cidade,
nem atirará ali uma flecha,
não virá perante ela com escudo,
nem levantará baluarte contra ela.
34. Pelo caminho por onde veio,
pelo mesmo voltará;
mas nesta cidade não entrará,
diz o Senhor.

35. Pois eu defenderei esta cidade, para a livrar,


por amor de mim e por amor do meu servo Davi.

Os versos 33-35, na linguagem poética, repetem a


promessa em têrmos mais definitivos, de que o Senhor
salvará a cidade de Jerusalém em resposta à oração do
rei Ezequias. O portanto do verso 33 relaciona-se com a
frase porquanto me pediste acêrca de Senaqueribe do
verso 21.
Alguns dizem que a declaração, não virá perante ela
com escudo, nem levantará trincheira contra ela, con­
tradiz o fato inegável, e já declarado, de que Jerusa­
lém não foi sitiada, mas esta é uma interpretação for­
çada da linguagem poética que simplesmente dá ênfase
à salvação maravilhosa da cidade.
Sôbre os versos 34 e 35, ver a discussão do versículo
32. A primeira parte do versículo 35 declara que o pro­
pósito do Senhor na expulsão do assírio foi a proteção
de Jerusalém, a sua cidade inviolável. Mas esta proteção
baseia-se também no amor eterno do Senhor, e no pro­
pósito revelado na sua promessa ao rei Davi (II Sam.
7:12-16 e I Reis 15:4).
H. O Desastre dos Assírios e a Morte de Senaqueribe,
37:36-38
36. Então, saiu o anjo do Senhor, e feriu no arraial dos assirios
a cento e oitenta « cinco mil; e quando se levantaram pela
manhã cedo, eis que todos êstes eram cadáveres.
37. Retirou-se, pois, Senaqueribe, rei da Assíria, e se foi; vol­
tou e ficou em Ninive.
38. Sucedeu que, «stando êle a adorar na casa de Nisroque, seu
dsus, Adrameleque e Sarezer, seus filhos, o feriram à espa­
da, e fugiram para a terra de Ararate; e Esar-Hadom, seu
filho, reinou em seu lugar.

O verso 36 descreve a destruição miraculosa do


grande exército de Senaqueribe. Heródoto também des­
creve o desastre que destruiu o exército de Senaqueribe.
Êle declara que o desastre, talvez a peste bubônica, foi
causado por ratinhos que roeram as cordas dos arcos dos
soldados (Heródoto 2:241).
Há muita discussão, de vários pontos de vista, sôbre
a destruição dp exército de Senaqueribe e a salvação mi­
raculosa da cidade de Jerusalém. Mas não obstante as
dúvidas que se levantam sôbre os pormenores das nar­
rativas, não podem ser negados êstes fatos tão importan­
tes da História. Senaqueribe exigiu e recebeu um grande
tributo do rei Ezequias, e êle indica que abandonou o sí­
tio de Jerusalém por causa dêsse tributo. Alguns críti­
cos interpretam II Reis 18:15-16 em favor da narrativa
de Senaqueribe, ignorando o verso 17 que indica, à luz
de tôdas as referências bíblicas, que Senaqueribe exigiu
a entrega da cidade depois de haver recebido o tributo
do rei Ezequias. Não há razão de duvidar da história
bíblica em favor da narrativa do arrogante e jactancioso
assírio.
Por que Senaqueribe abandonou a sua campanha
militar e voltou tão apressadamente para a sua terra?
E por que não diz nada sôbre a destruição da grande
parte do seu exército? 0 vanglorioso Senaqueribe não
podia contar quaisquer fatos que refletissem sôbre a sua
pessoa ou os seus fracassos. O anjo do Senhor de li
Sam. 24:15 identifica-se com a peste, *0^.
Retirou-se Senaqueribe, e se foi; voltou e ficou em
Nínive. É interessante êste acúmulo de verbos. Alguns
pensam que é devido à fusão das duas narrativas neste
ponto. É mais provável que os vários têrmos são usados
para dar ênfase ao fracasso de Senaqueribe.
Sucedeu que, estando êle a adorar ... seus filhos o
feriram à espada. Na Crônica Rabilônica, 111:34-38, con­
ta-se a história da morte de Senaqueribe nas seguintes
palavras: No 20 de Tebet, Senaqueribe, rei da Assíria,
foi morto pelo filho na revolta. Êle reinou 23 anos na
Assíria. No dia 18 de Sivã Esar-Hadom subiu ao trono
na Assíria. Adrameleque e Sarezer são nomes assírios.
Segundo a tradição, Adrameleque matou o pai porque
tinha estabelecido o filho Esar-Hadom no trono. Esav-
Hadom reinou de 681-668.
I. A Doença de Ezequias e a Sua Cura Maravilhosa,
38:1-22
1. Naqueles dias Ezequias adoeceu duma enfermidade mortal.
E veio ter com êle o profeta Isaias, filho de A m oz, e lhe
disse: Assim diz o Senhor: Põe em ordem a tua casa; por­
que morrerás, e não viverás.

2. Então, virou Ezequias o rosto para a parede, e orou ao


Senhor,
3. e disse: Lembra-te, Senhor, peço-te, de que andei diante de
ti com fidelidade, com inteireza de coração, e fiz o que era
reto aos teus olhos. E Ezequias chorou copiosamente.

Naqueles dias. Ê vago o sentido desta frase, quan­


to à data da doença de Ezequias, e pode significar ape­
nas no tempo do profeta Isaias. Cronologicamente, os
fatos contados nos capítulos 38 e 39 aconteceram anles
dtís eventos mencionados em 36 e 37. É certo que o rei
Ezequias caiu doente, e foi curado, algum tempo antes
da invasão de Judá pelo rei Senaqueribe, e antes da vin­
da dos mensageiros de Merodaque-Baladã da Babilônia
para felicitar o rei por sua cura miraculosa da doença
mortal. Merodaque-Baladã governou a província da
Babilônia doze anos (721-709), e depois por nove meses
(cêrca de 705), no período do reino de Senaqueribe. Al­
guns pensam que êstes mensageiros de Merodaque-Ba­
ladã vieram a Jerusalém em 714, e assim depois da cura
de Ezequias, enquanto outros dizem que o ano 705 é a
data mais provável da chegada dêstes enviados da Ba­
bilônia. Portanto, é certo que Ezequias caiu doente cin­
co, se não catorze anos, antes da invasão da Fenícia, .Tndá
e Egito, por Senaqueribe em 700.
Põe em ordem a tua casa, ou Dá ordem concernen­
te à toa casa (Cp. II Sam. 17:23). Assim não se justi­
fica a opinião de que a doença de Ezequias foi a praga
que matou os soldados de Senaqueribe. Êle sofreu de
carbúnculo ou de úlcera, (v. 21).
Virou Ezequias o rosto para a parede, e orou ao Se­
nhor. Esta grande experiência de Ezequias com o Se­
nhor preparou-o para fazer mais tarde aquela mara­
vilhosa oração de 37:14-20. Ficou só com Deus e fa­
lou diretamente com êle.
A oração de Ezequias é semelhante às petições que
se encontram nos Salmos. O motivo da oração expressa-
se claramente nos versos 11, 18 e 19 do Cântico de Gra­
ças, 9-20. Enquanto as frases com fidelidade, com in­
teireza de coração, e fiz o que era reto aos teus olhos,
se usam talvez no sentido relativo; elas descrevem o ho­
mem dedicado ao Senhor. Mas Ezequias não reconhe­
ceu, como o reconhece o santo do Nôvo Testamento,
que nenhum homem é digno do amor e da graça salva­
dora de Deus por intermédio de Cristo Jesus.
4. Então veio a palavra do Senhor a Isaias, dizendo:
5. Vai e dize a Ezequias: Assim diz o Senhor, o Deus de Davi,
teu pai: Ouvi a tua oração, e vi as tuas lágrimas; acrescen­
tarei, pois, aos teus dias quinze anos.

6. Livrar-te-ei das mãos do rei da Assíria, a ti e a esta cidade, e


defenderei esta cidade.

Os versos 4-5 aprestam um exemplo da predição


condicional da Bíblia. A primeira palavra que Isaias
transmitiu do Senhor a respeito da doença de Ezequias
diz positivamente: morrerás e não viverás, mas logo de­
pois da súplica de Ezequias, e antes que Isaias tivesse
saído da parte central da cidade (II [Reis 20:4), êle re­
cebeu uma nova mensagem do Senhor: Volta e dize a
Ezequias: Âssim diz o Senhor: Ouvi a tua oração, e vi
as tuas lágrimas; acrescentarei aos teus dias quinze anos.
Descreve-se em II Sam. 7:3-13 a revocação da mensa­
gem de Natã a respeito da edificação do Templo do Se­
nhor.
O verso 5 é claramente uma abreviação da mensa­
gem em II Reis 20:5. A declaração no livro histórico
evidentemente preserva o texto original. O Senhor ou­
viu a oração e viu as lágrimas de Ezequias, e, por amor
do Deus de Davi, concedeu ao rei esta misericórdia es­
pecial (Cp. 37:35; II Reis 20:6). Ezequias tinha 25
anos de idade quando começou a reinar (II Reis 18:2),
e no décimo quarto ano do seu reino (II Reis 18:13; Is.
36:1) subiu Senaqueribe contra Judá. Com o aumento
de mais quinze anos, êle reinou 29 anos em Jerusalém
(II Reis 18:2).
O versículo 6 é o único que sugere que a cura de
Ezequias aconteceu logo antes da invasão de Senaque­
ribe. É claro que interrompe a conexão entre os ver­
sos 5 e 7, e a última parte do verso é uma reprodução de
II Reis 20:6 e Is. 37:35. A interpolação do verso aqui é
mais uma prova de que os capítulos 38 e 39 precederam
originalmente os capítulos 36 e 37.
É interessante comparar a passagem paralela e mais
elaborada em II Reis 20:9-11: “Êste te será como sinal
da parte do Senhor de que êle cumprirá a palavra que
disse: Adiantar-se-á a sombra dez graus, ou os retroce­
derá? Então disse Ezequias: É fácil que a sombra adian­
te dez graus; tal, porém, não aconteça, antes retroceda
dez graus. Então o profeta Isaias clamou ao Senhor;
e fêz retroceder dez graus a sombra lançada pelo sol
declinante no relógio de Acaz.”
Na narrativa de II Reis, a declaração do verso 21
dêste capítulo segue logo depois da declaração do verso
6 onde evidentemente pertence. Foi concedido o sinal
que Ezequias pediu (v. 22). Permitido ao rei o privi­
légio de escolher entre o milagre de fazer adiantar, ou
fazer retroceder a sombra no relógio de Acaz, êle quis
ver a sombra retroceder como sinal mais significativo.
O relógio de Acaz foi evidentemente um relógio-
sol marcado na escada, ou nos passos de Acaz. Tenho
conhecimento de uma casa com uma marca no soalho na
entrada da porta que indicava 12 horas do dia quando
a sombra correspondia exatamente com esta linha mar­
cada. Evidentemente o relógio de Acaz marcou as horas
do dia quando o sol brilhava. Não se sabe quanto tempo
um grau no relógio representava. Mas o retrocesso da
sombra no relógio certamente representava um milagre.
Êste é o único milagre apresentado no livro de Isaias,
mas em 7:11 êle convidou o rei Acaz a pedir qualquer
sinal que quisesse. Apresenta-se em Josué 10:12-14 um
milagre semelhante.
Não obstante as dúvidas levantadas sôbre o senti­
do exato da palavra , é certo que o têrmo signi­
fica relógio do sol ou sun dial. Assim, o retrocesso da
sombra no relógio significava o movimento do sol para
trás, o que resultou no aumento da duração do dia.
Evidentemente, a sombra no relógio de Acaz podia ser
vista claramente do dormitório do rei Ezequias.
7. Êste te será o sinal da parte do Senhor, de que o Senhor
cumprirá esta palavra que falou.
8. Eis que farei retroceder dez graus a sombra lançada pelo
sol declinante no relógio de Acaz. Assim, retrocedeu o sol
no relógio os dez graus que já havia declinado.
9. O escrito de Ezequias, rei de Judá,depois de ter estado
doente e de se ter restabelecido.
10. Eu disse: No pleno vigor de meus dias
tenho que partir
e entrar nas portas de Sheol
para o resto dos meus anos.
11. Eu disse: Não verei o Senhor
na terra dos viventes;
jamais verei homem algum
entre os moradores do mundo.

12. A minha casa é arrancada e removida de mim,


como a tenda dum pastor;
enrolei como tecelão a minha vida;
êle me corta do tear;
do dia para a noite darás cabo de mim.
13. Eu clamo pelo socorro até à m a d ru g a d a ;
como leão, êle me quebra todos os ossos;
do dia para a noite darás cabo de mim.

14. Como a andorinha ou o grou, assim eu chilreio,


gemo como pomba;
meus olhos se cansam de olhar para cima.
Ó Senhor, ando oprimido, sê tu o meu fiador !

Êste poema, geralmente denominado o Cântico de


Ezequias, não consta na narrativa paralela de II Reis.
É da classe dos salmos conhecidos pelo têrmoDFOÍÍ, mas t : ■

aqui é denominado o Escrito de Ezequias. É ge-


ralmente reconhecido que Ezequias escreveu o salmo
T I '

para celebrar o seu livramento das garras da morte. O


sentimento do cântico certamente concorda com o espí­
rito e o caráter do rei Ezequias.
A poesia divide-se em duas partes: os versos 10-14
descrevem a angústia e o desespêro do autor na presen­
ça da morte; os versos 15-20 expressam a profunda gra­
tidão do escritor quando recebeu do profeta a promessa
divina de mais quinze anos de vida.
O hebraico de alguns versículos da poesia é obscuro,
como se pode notar pela diferença nas versões em por­
tuguês. No pleno vigor de meus dias traduz bem o
sentido do hebraico, mas a palavra significa na
metade, na tranqüilidade, no repouso, no meio-dia. Sheol
• : •
geralmente significa a sepultura ou o mundo subterrâ­
neo, o lugar dos mortos. A morte para Ezequias seria
uma grande tragédia, porque não lhe ofereceria qual­
quer privilégio de comunicação com os homens na ter­
ra, ou de comunhão com Deus. Sheol era o lugar de es­
quecimento, onde os seus moradores ficavam entorpe­
cidos e silenciosos.
A tragédia da morte, para os hebreus daquele tem­
po, v. 11, era a separação da comunidade humana, e a
impossibilidade de comunhão com Deus.
É difícil determinar o sentido exato do hebraico dos
versos 12 e 13, mas falam do sofrimento e do desespêro
do autor. O sentido da frase do dia para a noite é incer­
to no seu contexto, mas aparentemente significa que a
morte lhe veio muito inesperadamente. Esperando, nas
horas longas da noite, a vinda da madrugada, o sofredor
chilreia como pomba, e pede que o Senhor seja o seu
fiador. A última parte do verso, a petição, aparentemen­
te indica o despertamento de alguma esperança.
15. Que posso dizer? Pois êle me falou,
e êle mesmo o fêz.
Andarei mansamente por todos os meus anos,
por causa da amargura da minha alma,

16. Õ Senhor, por estas cousas vivem os homens,


e em tôdas estas está a vida do meu espírito.
Oh! cura-m e e faze-me viver!

17. Eis que foi para minha paz


que eu tive grande amargura;
tu, porém, amaste a minha alma
e a livraste da cova da destruição;
pois lançaste para trás das tuas costas
todos os meus pecados.

Os versos 15 e 16 são muito difíceis. Os comenta­


ristas em geral pensam que o verso 15 introduz a segun­
da parte da poesia, mas não concordam na tradução do
hebraico. A frase êle me falou e êíe mesmo o fêz refe­
re-se aparentemente à promessa que tinha recebido do Se­
nhor por intermédio do profeta. Andarei mansamente
por todos os meus anos expressa uma resolução de agra­
decimento. No Sal. 43:4 esta frase significa andar na
procissão festiva à casa do Senhor.
O hebraico do verso 16 é certamente quase uma mo­
dificação ou variação do texto original. Pelos atos divi­
nos a vida dos homens é preservada, e na base dêste
pensamento, o sofredor pede o socorro divino, a cura da
sua doença e o prolongamento, ou a continuação da sua
vida.
Eis que foi para a minha paz, para o meu próprio
bem-estar os meus sofrimentos. Assim, o sofredor che­
gou a entender uma verdade que é digna de consideração
da parte de tôdas as pessoas. Deus às vêzes permite
grandes aflições, para que no seu livramento os homens
possam compreender melhor o amor imutável do Se­
nhor, e assim prestar-lhe mais gratidão, amor e fideli­
dade. Restaurado, Ezequias declara que o Senhor tinha
perdoado a sua transgressão, pois lançaste para trás
das tuas costas todos os meus pecados.
18. Pois o Sheol não pode louvar-te,
nem a morte te glorificar;
aquêles que descem à cova
não podem esperar em tua fidelidade.

19. O vivo, o vivo, êsse te louvará


como hoje eu o faço;
o pai faz notório aos filhos
a tua fidelidade.

20. O Senhor me salvará,


e cantaremos aos meus instrumentos de cordas,
todos os dias da nossa vida,
na casa do Senhor.
O profeta declara, 18-20, que cânticos de louvor ao
Senhor nâo sobem do Sheol, e aquêles que se acham
fora da terra dos vivos não podem cantar os hinos de
gratidão e louvor ao Deus vivo (Cp. Sal. 6:5; 30:9; 88:
10-12; 115:17). É motivo de profunda gratidão que o
servo do Senhor possa experimentar o pleno gôzo de
comunhão com Deus aqui na terra. O vivo, o vivo, êsse
te louvará. O pai fiel proclama aos seus filhos a mara­
vilhosa fidelidade, o amor imutável do Senhor aos seus
filhos. Arrastado do poder da morte pelo Senhor, o rei
promete louvar a Deus com instrumentos de cordas to­
dos os dias da sua vida, na casa do Senhor.
21. Ora, Isaias havia dito: Tomem uma pasta de figos, e a
ponham como emplastro sôbre a úlcera; e êle recuperará a
saúde.
22. Também dissera Ezequias: Qual é o sinal de que hei de subir
à casa do Senhor ?

Os versos 21 e 22 aparecem na sua conexão natural


em II Reis 20:7,8. Aqui estão claramente fora do seu
lugar. É interessante observar que era bem conhecido o
valor curativo de um emplastro de figos no tempo de
Isaias.
Havendo acreditado na predição da sua morte, e ten­
do-a lamentado, era natural que Ezequias pedisse ao pro­
feta um sinal de que êle havia de ficar curado, com o
grande privilégio de entrar de nôvo na casa do Senhor.
J. A Embaixada de Merodaque-Baladã, 39:1-8
1. Naquele tempo Merodaque-Baladã, filho de Baladã, rei da
Babilônia, enviou carta e um presente a Ezequias, pois tinha
ouvido que estivera doente e já tinha convalescido.
2. E Ezequias se agradou dêles, e lhes mostrou a casa do seu
tesouro, a prata, o ouro, as especiarias, o azeite precioso,
todo o seu arsenal e tudo quanto se achava nos seus tesou­
ros. Nenhuma cousa houve, nem em sua casa, nem em todo
o seu dominio, que Ezequias não lhes mostrasse.
3. Então isaias, o profeta, veio ao rei Ezequias, e lhe disse:
Que disseram aquêles homens? E donde vieram a ti? Res­
pondeu Ezequias: Duma terra longínqua vieram a mim, de
Babilônia.

4. Perguntou êle: Que viram em tua casa? Respondeu E ze­


quias: Viram tudo quanto há em minha casa; cousa nenhu­
ma há nos meus tesouros que eu não lhes mostrasse.

A vinda da embaixada de Merodaque-Baladã à ci­


dade de Jerusalém liga-se à história da doença e da re­
cuperação do rei Ezequias. Como já observamos, Mero-
daque-Balâdã (Marduk-abal-iddin) era rei sôbre a Babi­
lônia, provincia da Assíria, de 721 a 709, no período do
reinado de Sargão, e outra vez, por pouco tempo, em
705, quando Senaqueribe era rei da Assíria, As datas nos
tempos antigos do Velho Testamento são complicadas e
difíceis. Sabemos que Ezequias viveu quinze anos de­
pois da sua convalescença, mas há opiniões diferentes a
respeito da sua morte. Alguns fixam a data da sua mor-
le como tendo ocorrido em 687, e outros no ano de 6.96.
Se Ezequias faleceu em 696, a data da recuperação da
doença seria 711. Ora, Merodaque-Baladã governou a
província da Babilônia no período de 721-709. Nesta
cronologia, alguns pensam que a embaixada babilônica
veio a Jerusalém no ano 711.
Mas seja qual fôr a data, o evento é muito significa­
tivo, como o profeta Isaias o reconheceu. Os mensagei­
ros de Merodaque-Baladã vieram para congratular-se
com o rei Ezequias pela maravilhosa cura da sua doen­
ça. Mas não resta dúvida de que Merodaque-Baladã, no
seu desejo de ficar livre do poder da Assíria e de forta­
lecer e estender o poder do seu govêrno, estava pro­
curando estabelecer aliança política com Judá. A cura
de Ezequias e as intrigas da Babilônia aparentemente
aconteceram enquanto Sargão estava reinando sôbre a
Assíria, e antes do seu castigo da Filístia. Sargão de­
clara que Judá, juntamente com os estados vizinhos,
trouxe presentes ao seu senhor Assur. Judá foi poupado
nesta ocasião evidentemente por causa da submissão da
parte do rei Ezequias (Cp. cap. 20). Ezequias aparen­
temente ficou interessado em fazer aliança política com
os mensageiros babilônicos, e lhes mostrou as riquezas
do Templo, mas não tomou compromisso com êles. É
claro, segundo êste ponto de vista, que os eventos men­
cionados no cap. 38 não se ligam com aquêles mencio­
nados no cap. 36. A mudança da ordem cronológica di­
ficulta, de certa maneira, a interpretação do significa­
do dos eventos.
Ouvindo que o rei Ezequias estivera doente e já ti­
nha convalescido, Merodaque-Baladã enviou-lhe uma car­
ta e um presente (Cp. II Reis 20:12). Sabemos das Car­
tas de Tel-el-Amarna que era costume entre os monar­
cas da época enviar cartas e presentes ao contemporâ­
neo que estivera doente e se restabelecera. Mas além do
motivo especificado neste caso, o ambicioso Merodaque-
Baladã quis formar uma aliança política com Judá con­
tra a Assíria. Ver II Crôn. 32:31, que declara que os
mensageiros foram enviados para se informarem do pro­
dígio que se dera naquela terra.
E Ezequias se agradou dêles. Até à sua experiên­
cia com o livramento maravilhoso de Jerusalém do po­
deroso Senaqueribe, Ezequias pensava que as alianças
políticas com as nações vizinhas eram necessárias para
a segurança de Judá. Bajulado pela visita e o apêlo dos
mensageiros babilônicos, Ezequias mostrou-lhes tôdas as
riquezas do templo (II Reis 20:13). É claro que o te­
souro de Ezequias estava cheio nesta ocasião, alguns
anos antes que Senaqueribe exigisse o seu pesado tribu­
to (II Reis 18:14-16). As especiarias e o azeite precioso
eram produtos naturais da terra, e guardados no templo
como artigos de comércio. O seu arsenal aparentemen­
te significa a mesma cousa como as armas da Casa do
Bosque, II Reis 20:13.
Então Isaias, o profeta, veio ao rei Ezequias. Evi­
dentemente, o profeta suspeitava do motivo político da
embaixada babilônica, e, conhecendo a confiança do seu
rei no valor de alianças políticas, êle apareceu logo para
conversar com Ezequias, e assim evitar que êle fizesse
qualquer compromisso com a Babilônia. O rei sabia que
o profeta estava sempre contra alianças políticas de Judá
com outras nações. A sua resposta mostra o tom de ti­
midez, e talvez o desejo de evitar a discussão do motivo
especial da vinda dos enviados da Babilônia. É notável
que Ezequias não respondeu à pergunta: Que disseram
aquêles homens? Nas palavras: Duma terra longínqua
vieram a mim, de Babilônia, o rei está acentuando a sua
responsabilidade de tratar com hospitalidade a embai­
xada que viera de tão longe para felicitá-lo pelo restabe­
lecimento da sua saúde.
Que viram em tua casa? Foi a resposta do rei a esta
pergunta que despertou o profundo desagrado do pro­
feta.
Ouve a palavra do Senhor dos Exércitos. A procla­
mação severa do profeta que segue não visa simples­
mente à rejeição do seu conselho. Está condenando o
que êle reconhece como pecado contra Deus. O profeta
está plenamente certo de que quaisquer intrigas ou alian­
ças políticas de Judá com outras nações são positiva­
mente contra a vontade do Senhor. O rei e o profeta
sabiam que a aceitação favorável dessa embaixada da
província babilônica podia ser reconhecida como ato de
hostilidade contra a Assíria. Com o seu entendimento de
estadista, Isaias reconheceu que a aceitação desta embai­
xada, que visava à aliança política contra a Assiria, podè-
ria resultar no conflito perigoso com o destruidor de pe­
quenas nações. A vaidade de Ezequias se manifestava
no orgulho dos seus recursos, e na tendência de con­
fiar nas alianças políticas em vez de crer nas promes­
sas de Deus. Qualquer nação pequena e fraca fica mais
segura na sua independência enquanto ficar livre de in­
trigas políticas.
5< Então, disse Isaias a Ezequias: Ouve a palavra do Senhor
dos Exércitos:
6. Eis que virão dias em que tudo quanto houver em tua casa,
com o que entesouraram teus pais até ao dia de hoje, será
levado para a Babilônia, não ficará cousa alguma, diz o Se­
nhor.
7. De teus filhos que tu gerares, e que de ti procederem, to ­
marão, para que sejam eunucos no palácio do rei da Babi­
lônia.
S. Então disse Ezequias a Isaias: Boa é a palavra do Senhor
que disseste. Pois êle pensava: Haverá paz e segurança
em meus dias.

Tudo quanto houver em tua casa, ... será levado


para a Babilônia. Muitos intérpretes pensam que os ver­
sos 5-8 se referem ao cativeiro babilônico, que aconte­
ceu mais de cem anos depois do tempo de Isaias e Eze­
quias, e dizem que êstes versículos não podiam ter sido
escritos pelo profeta Isaias. Mas fora da referência à
Babilônia a mensagem cabe perfeitamente no contexto,
além de ser muito característica do profeta Isaias. E
muitos estudantes criteriosos dizem que não podemos
concluir logo que tenha sido escrita depois do cativeiro
babilônico. Há duas explicações razoáveis da referência
à Babilônia da parte de Isaias nesta ocasião, e, segundo
estas explicações, a profecia não se refere ao cativeiro
babilônico de 597 e 586.
A predição inclui alguma cousa que não aconteceu
no tempo do exílio. A frase tudo quanto houver em tua
casa muito provàvelmente inclui os filhos de Ezequias.
E, certamente, os próprios filhos de Ezequias não foram
íevados para a Babilônia em 597 ou 586. Qualquer cousa
escrita depois do evento seria mais exata na descrição
dos fatos.
Também é provável que a Babilônia, sob o govêrno
de Merodaque-Baladã, parecia ao profeta, nesta ocasião,
um poder bastante forte para dominar, dentro de pou­
co tempo, o Império da Assiria.
Houve um período quando a Babilônia antiga ocupa­
va a posição do Império da Assíria desta época (Arqueo­
logia Bíblica do autor, ps. 113-116). E Merodaque-
Baladã estava se esforçando para ganhar de nôvo aquê­
le prestígio histórico. É provável que a cidade da Ba­
bilônia, até no período do domínio da Assíria, fôsse con­
siderada a metrópole espiritual da Assíria em vez de
Nínive. Manassés foi levado prêso à Babilônia por As-
surbanipal, monarca da Assíria (II Crôn. 33:11). Quan­
do, pouco mais tarde, Sargão conquistou Merodaque-
Baladã, êle cuidava de fazer-se coroado como rei da Ba­
bilônia .
Boa é a palavra do Senhor, v. 8. Parece que estas
palavras expressam humildemente o sentimento piedo­
so de arrependimento e resignação de Ezequias. Haverá
paz e segurança em meus dias. Alguns pensam que Eze­
quias não falou estas palavras. Mas são perfeitamente
características de Ezequias, e apropriadas nesta ocasião.
Os pensamentos são característicos do homem humilde e
profundamente religioso (Cp. II Reis 18:2; Is. 37:16-
20). Não obstante as suas faltas e os seus erros, Ezequias
se acha entre os bons homens que reinaram sôbre Israel
e Judá. Êle sabia reconhecer e honrar as mensagens do
profeta Isaias como as palavras de Deus, mesmo quan­
do lhe eram desagradáveis e quando condenavam os
seus próprios pensamentos e planos. Sob a orientação
do profeta Isaias, êle cresceu maravilhosamente no co­
nhecimento e na graça de Deus.
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
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