Quimica Farmaceutica 3
Quimica Farmaceutica 3
Quimica Farmaceutica 3
Unidade III
Nesta unidade serão abordados os fármacos que atuam direta ou indiretamente sobre o sistema
nervoso central (SNC). São os chamados psicofármacos, psicotrópicos ou psicoterápicos – eles podem
ser modiificadores do SNC –, que vão alterar, estimular ou deprimir a atividade cerebral.
• Estimulantes do sistema nervoso central: nessa classe temos os fármacos que possuem ação
através do estímulo não seletivo do SNC, podendo produzir desde um estímulo intenso a um
efeito fraco. São utilizados com diversos fins, desde manutenção da vigília até recuperação
da consciência, respiração ou pressão arterial e reflexos normais. Podem ser classificados
em analépticos, que são os estimulantes respiratórios, psicoestimulantes constituídos por
fármacos que aumentam os níveis de atividades motoras e cognitivas, reforçam a vigília, estado
de alerta, de atenção, além de ser potencial euforizante; e os nootrópicos, uma classe de
fármacos que afeta seletivamente funções cerebrais como o domínio do córtex sobre os sistemas
subcorticais, estimulando a atenção, a memória e o pensamento, sendo terapeuticamente
utilizados para distúrbios cognitivos.
Os barbitúricos e benzodiazepínicos são fármacos que atuam em diversas patologias, por exemplo,
indutores de sono, ansiedade, epilepsia e anestesia geral.
7.2 Barbitúricos
A descoberta dos barbitúricos foi feita em 1864 por Adolf Von Baeyer, e algumas hipóteses sobre a
origem do nome dado por ele dizem que o termo barbitúrico vem de origem sentimental a uma amiga
151
Unidade III
de nome Barbara; outra hipótese seria a de que, ao comemorar sua descoberta em um bar que era
frequentado por oficiais de artilharia, presenciou-os comemorando e reverenciando a sua padroeira
Santa Barbara, e há uma última versão de que o nome foi dado pelo aspecto dos cristais formados na
síntese que se assemelhavam a uma farpa; seja qual for a verdadeira razão, sabemos que “barb” e “ureia”
foram efetivamente a base do nome.
A síntese da descoberta foi feita entre ácido malônico e ureia, conforme demonstrado a seguir.
O
O
OH H
+ NH -2H2O NH
O OH H
N O O N O
Ureia H
Ácido malônico Barbitúrico
H
Figura 201
Em 1904 Emil Fischer e Alfred Dilthey iniciaram uma série de sínteses derivadas da descoberta
de Baeyer, testando essas novas substâncias com o objetivo de ação hipnótica; com o sucesso dos
testes in vivo passaram a sintetizar estruturas com substituintes diversos na base inicial (barbitúrico
de Baeyer). Com isto, cerca de 2.500 barbitúricos foram sintetizados, porém apenas cerca de 30 deles
efetivamente comercializados.
A síntese dos derivados barbitúricos (c), mostrada a seguir, é de suma importância na determinação
da relação entre estrutura e atividade biológica (REA). Ela é obtida entre a reação de condensação da ureia
substituída (a) com ésteres substituídos do ácido malônico (b) utilizando, para tanto, etóxido de sódio
e etóxido de magnésio.
O
NH2 O R’
R’ R”
R”
NaOEt HN
X NH YO
Mg(OEt)2
+ N
X O
R YO O
(a) (b) (c) R
Figura 202
152
QUÍMICA FARMACÊUTICA
2
R1N 1 3 NR
2
6 4
5
O O
R3 R4
Figura 203
Através dos estudos de REA, os barbitúricos podem ser classificados em fármacos de ação
prolongada (são os mais hidrofílicos da série, empregados especialmente como anticonvulsivantes), de
ação intermediária (quando existe equilíbrio entre a propriedade hidrofílica e lipofílica, antigamente
empregados como ansiolíticos, hipnóticos e sedativos) e os de ação curta e ultracurta (os mais lipofílicos
da série, utilizados como anestésicos gerais e raramente como hipnótico-sedativos).
A substituição em N1, geralmente com grupos alquílicos, aumenta a lipofilicidade. Para manter
a atividade depressora, o único substituinte permitido é o metila. A mesma observação vale para
o N3. Cadeias alquílicas mais longas revertem o efeito depressor. Entretanto, essa modificação
153
Unidade III
não pode ser feita simultaneamente, já que o derivado dimetílico, em N1 e N3, passa a apresentar
propriedades convulsivantes.
A posição 5 é a mais importante com relação à atividade. Assim, grupos substituintes alquílicos de
cadeia curta, não ramificada, saturada, não substituída e grupo fenila conferem propriedades hidrofílicas,
observadas nos fármacos de ação longa e, portanto, anticonvulsivantes. Por outro lado, substituintes
que apresentem cadeias insaturadas, ramificadas, longas, com substituintes halogênios são os mais
lipofílicos e, assim, empregados como anestésicos gerais e eventualmente como hipnóticos e sedativos.
Neste caso, a somatória do número de átomos de carbono que constituem as cadeias dos substituintes
em 5 não deve ser superior a 8 ou 9 átomos de carbono, pois, caso contrário ter-se-á a reversão da
atividade, de depressora para estimulante.
Consta a seguir quadro com os principais barbitúricos, vias de administração e uso terapêutico.
Quadro 9
154
QUÍMICA FARMACÊUTICA
H2C H3C
CH3 O
O O O O
HN NH
N N HN NH
H H
O O
O O
Amobarbital Aprobarbital H3C CH3 CH3
CH3 O Butabarbital
O H O
O N O N
H3C HN NH
NH
O O
CH3
O O
H3C CH3
Mefobarbital Pentobarbital Fenobarbital
S
HN NH
O O
O O
HN NH CH3
H3C CH3
O
Tiopental
Figura 204
O mecanismo de ação dos barbitúricos, como depressores do sistema nervoso central, é paralelo ao
sistema de receptor dos benzodiazepínicos, porém em sítios distintos.
Os barbitúricos intensificam a interação do mediador endógeno depressor GABA, por atuarem como
antagonistas de mediadores endógenos estimulantes, que mantêm o equilíbrio com o GABA, principal
mediador depressor. Tal receptor, localizado na membrana do neurônio, está contido na macromolécula
que contém o canal ionóforo de cloreto, que, com a interação com o barbitúrico, mantém-se aberto,
permitindo a entrada de cloreto dentro da membrana, interferindo na condução elétrica e, com isso,
desencadeia mecanismos favoráveis à interação do GABA com o seu receptor, causando a depressão.
Portanto, o barbitúrico apenas intensifica a atividade do GABA.
155
Unidade III
Figura 205
Os barbitúricos apresentam-se como sólidos cristalinos e incolores cuja faixa de fusão encontra‑se
entre 96-205 °C. Têm caráter ácido que é explicado por possuirem um sistema ciclíco conjugado e
na forma enólica, grupo metilênico ativo entre as duas carbonilas, além da presença de um grupo
di‑himinocarbonílico tautomérico. Sendo ácidos, são levemente solúveis em água e muito solúveis em
solventes orgânicos. Por isto, podem ser convertidos em sais sódicos e na presença de ácidos precipitam
na forma de barbitúrico livre. Para evitar que isso ocorra, no uso injetável, pode-se adicionar uma
solução tampão de carbonato de potássio.
7.2.5 Metabolismo
O metabolismo desta classe depende da sua lipofilicidade, em geral, levam a maiores etapas
metabólicas. Para que a excreção renal ocorra, os barbitúricos passarão por reaçãoes de fase I (oxidação
em sua maioria) que promoverão a converção em álcoois ou fenóis e posteriormente serão convertidos em
substâncias hifrossolúveis na fase II com a glicuronidação.
156
QUÍMICA FARMACÊUTICA
O-conj.
O-conj.
O O
O O
Tiopental HN NH + HN NH
Dessulfurização O
oxidativa O
Fase II O-conj.
OH OH
O O
OH
O O O O O O O O O O
Fase I Fase I Fase II
HN NH HN NH + HN NH HN NH HN NH
Oxidação Oxidação
O O O O O
Pentobarbital OH O-conj.
Apesar de ser o primeiro fármaco sintético para alívio da insônia e controlar os sintomas da
ansiedade, os barbitúricos possuem um grave efeito adverso, que é a dependência e podem levar à
morte por sobredosagem (overdose), como ocorreu com os cientistas Fischer (que introduziu a série
de sínteses de barbitúricos), Von Mering e a atriz Marilyn Monroe (consta em seu atestado de óbito
envenamento agudo por barbitúricos). Em 1945, a American Pharmaceutical Association promoveu
uma conferência para regulamentar o uso e a distribuição dos barbitúricos. Síndrome de abstinência
também ocorre em pacientes que fizeram uso prolongado de tais fármacos, e em 1952 e 1956 a
Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou que essas substâncias só fossem prescritas com
receita médica. Com o auge do uso de barbitúricos, houve um aumento acentuado no número de
mortes por seu uso. Somente entre 1905 e 1960 cerca de 650 casos ocorreram, contra cerca de 250 eventos
acidentais, como mostra o gráfico da sequência.
157
Unidade III
650
600
550 Suícidios
500
Acidental
450
Número de mortes
400
350
300
250
200
150
100
50
0
1905 1910 1915 1920 1925 1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960
Ano
Figura 207
7.3 Benzodiazepínicos
N N
Benzo-heptoxdiazina Heptoxdiazina
H3C R1
Figura 208
Esse projeto foi engavetado quando Sternbach teve que mudar de país e ir para um novo
laboratório com pesquisas de novos antimicrobianos. Vinte anos depois, impulsionado pela introdução
da clorpromazina, primeiro antipsicótico para os sintomas positivos da esquizofrenia, que tem como
efeito adverso sonolência. Ao rever seus estudos, sintetizou 40 compostos da série de heptoxdiazinas,
porém ao elucidar estruturalmente a heptoxdiazina notou a presença, não deste anel, mas de um anel
quinazolínico. Passou então a utilizar como reagente majoritário o 4,5-benzo-hepto (1,2,6-oxdiazina),
o qual gerou o intermediário 6-cloro-2-clorometil-4-fenilquinazolina-3-óxido e ao fazê-lo reagir
com N,N-dimetilamina, mais uma vez ocorreu uma surpresa: o produto obtido não era o 6-cloro-2-
(N-metilaminometil)-4-fenilquinazolina-3-óxido esperado, mas o derivado 7-cloro-2-(N-metilamina)-
5-fenil-3H-1,4-benzodiazepin-4-óxido, levando a uma expansão do anel. Só então que ele percebeu
158
QUÍMICA FARMACÊUTICA
que não havia utilizado o reagente amínico original, mas metilamina, uma amina primária, levando a
reação a assumir uma forma diferente das propostas com aminas secundárias. Diante de tal resultado,
resolveu iniciar seu trabalho, cujo rendimento de síntese foi de cerca de 80%. Apesar de não ser o
produto esperado decidiu fazer os ensaios biológicos e em 1957 ele obteve os efeitos tranquilizantes e
sedativos. Sternbach patenteou sua descoberta em 1958 e em dois anos e meio após essa descoberta
o FDA aprovou em tempo recorde o composto denominado clordiazepóxido, comercialmente chamado
de Librium®, medicamento que marcou a era dos ansiolíticos e hipnóticos-sedativos não barbitúricos.
N R1
N
N
R2
CI O
NHR1R2
N CH2CI
N 6-cloro-2-(N,N-dimetilaminoetil)-
CI O 4-fenilquinazolina-3-óxido
CH3NH2 NHCH3
N
6-cloro-2-clorometil-
4-fenilquinazolina-3-óxido N
CI
O
7-cloro-2-(N-etilamino)-5-fenil-
3H-1,4-benzodiazepine-4-óxido
(clordiazepóxido)
Figura 209
159
Unidade III
O N O
H H
N N N
-
N
-
O +
N O +
N N N
N
CI
O O CI
CI
Nitrazepam Clonazepam
Triazolam
N O O
N H H O
N N N
N N OH
CI N Br CI
N
H O O O
H
N N N
OH OH
CI N N CI N
CI
O
CI
H O N
N N
N N N
+
N CI N N
CI - CI
O
H3C
H3C O N N
O CH3
N N
N
N N
O2N N CI
F F
F CI
160
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Novazepam®
Somalium®
Frisium®
clobazam -CH3 =O -H -Cl -H
Urbanil®
clonazepam Rivotril® -H =O -H -NO2 -Cl
clorazepato Tranxilene® -H =O -COOH -Cl -H
clordiazepóxido Psicosedin® -H -NHCH3 -H -Cl -H
Ansilive ®
Calmociteno®
Compaz®
Diazepam®
Dienpax®
diazepam Kiatrium® -CH3 =O -H -Cl -H
Letansil ®
Noan®
Somaplus®
Valium®
Valix®
flunitrazepam Rohypnol® -CH3 =O -H -NO2 -F
flurazepam Dalmadorm ®
-CH2CH2N(C2H5)2 =O -H -Cl -F
Calmogenol ®
Lorax®
lorazepam -H =O -OH -Cl -Cl
Max-Pax®
Mesmerim®
midazolam Dormonid® anel imidazólico -H -Cl -F
Nitrapan ®
Nitrazepam®
nitrazepam -H =O -H -NO2 -H
Nitrazepol®
Sonebon®
161
Unidade III
O estudo da relação estrutura-atividade teve início por volta dos anos de 1970, pelo próprio
Sternbach. A partir daí, numerosas pesquisas foram efetuadas na área. A figura a seguir ilustra os
aspectos estruturais importantes para a atividade ansiolítica a partir do grupo farmacofórico.
R
O
9
N 2
8 1
3
7 A B
x N
6 5 4
6’
2’
C
4’
A presença do anel A (anel benzênico) conjugado ao anel heterocíclico B (que possui dois grupos N, daí
o diazo no nome) caracteriza o nome benzodiazepínico e a presença do anel C (um grupo arila) aumenta
a potência desses compostos.
A substituição no anel A deve ser feita na posição 7 por grupos elétron-aceptores, como, por exemplo,
os halogênios cloro e bromo, por metilas substituídas como o trifluormetil, ou ainda por grupos como o
nitro e o ciano; essas substituições elevam a atividade dos benzodiazepínicos, por outro lado, qualquer
alteração nas posições 6, 8 e 9 levam à redução ou perda de atividade.
A substituição nas posições N1 e 2 do anel B podem variar desde grupos alquílicos menores em 1,
carbonila na posição 2, até anéis como os imidazóis e triazóis fundidos a ele. É permitida a substituição na
posição 3 por hidroxila. Permite-se a troca no N1 por metila e no carbono 3 por hidroxila. A insaturação
entre 4 e 5 deve ser mantida pois faz parte do grupo farmacofórico, a redução dela pode acarretar
diminuição da atividade.
No anel C podem ser adicionados grupos elétron-aceptores nas posições 2’ e 6’ (orto e diorto), o
que contribui para o aumento da ação farmacológica, e qualquer substituição em outras posições do
anel levam à perda de atividade. Este anel não é essencial à atividade, porém tem papel essencial na
interação com o receptor benzodiazepínico, principalmente quando se analisa o fator estereoquímico
envolvido; além disso, ele aumenta a lipofilicidade da molécula.
Ao se fazer a substituição da fenila na posição 5 do anel B por carbonila, na posição 4 por grupo
metila e no anel imidazólico substituído com um éster etílico conjugado, obteve-se um composto com
atividade intrínseca zero, ou seja, sem ação farmacológica, porém de suma importância na terapêutica
por sua ação antagonista, trata-se do composto flumazenil, cujo uso é fundamental no tratamento de
sobredoses (overdose) por benzodiazepínicos, bem como no tratamento da abstinência de tais fármacos.
162
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Por serem altamente eficazes e com relativa segurança, os benzodiazepínicos continuam sendo
considerados fármacos de escolha no tratamento inicial da ansiedade, na indução do sono, como
miorrelaxante, anticonvulsivante e anestésico geral.
Assim como os barbitúricos, os benzodiazepínicos são moduladores de função dos receptores GABAA,
causando hiperpolarização neuronal e ação depressora do SNC. O local de ligação dos benzodiazepínicos
é bem-estabelecido e, ao se ligar alostericamente, pode produzir os efeitos agonista, agonista parcial,
agonista inverso e antagonista. Eles podem aumentar a condutância de íons de Cl por ação inibitória
no GABA e, diferentemente dos barbitúricos, que elevam o tempo de abertura dos canais de cloro, os
benzodiazepínicos sobem a frequência da abertura de tais canais.
Sinteticamente o produto obtido apresenta-se com pós cristalinos insolúveis em água (exceção para
o clorazepato e o clordiazepóxido), por conta da sua lipofilicidade, e a maioria é comercializada na forma
de sais para que a via oral seja alcançada.
163
Unidade III
NH2
O
CI NH2
O
O (2)
(1)
Piridina
O O
H
N (CH3)2SO4 N
N C3H5ONa
CI CI N
(3) Diazepam
7.3.4 Metabolismo
Desmetilclordiazepóxido*
Desmetildiazepam*
Demoxepam* Alprazolam
Triazolam
Oxazepam*
Hidroxietil- Alfa-hidroxi metabólitos*
flurazepam
Flurazepam Conjugação
Lorazepam
Desalquil-
flurazepam
164
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Antagonista benzodiazepínico
Quando se compara a estrutura química do flumazenil com os demais benzodiazepínicos vemos que
os anéis A e B estão presentes e possuem alta semelhança. Diferem pela presença de um grupo carbonila
em C5 no flumazenil, o que altera levemente a conformação do anel B em relação ao diazepam. Ambos se
superpõem quase que perfeitamente na porção 1,4-benzodiazepínica, havendo apenas diferença na porção
imidazólica em N1 e C2 do flumazenil e a fenila em C5 do diazepam. A falta desta última, presente em todos
os benzodiazepínicos ansiolíticos, pode explicar a atividade antagonista. Embora o anel esteja relacionado
ao reconhecimento e à atividade intrínseca do ligante pelo receptor, sua ausência não afeta a afinidade
pelo receptor. A estrutura etilimidazol-3-carboxilato presente no flumazenil é importante para a afinidade
com o receptor. Derivados que não a contêm são praticamente inativos, mesmo mantendo-se a função
carbonila na posição 2. Existe ampla faixa de tolerância quanto ao tamanho deste grupo alquílico, mas a
eficácia de antagonistas e agonistas inversos é sensível à hidrofobicidade. Outra observação importante
diz respeito à distância entre o anel A do diazepam e a carbonila em C2 e a correspondente entre o anel A
do flumazenil e o grupo carbonílico presente na substituição em C2. Essa distância parece definir o caráter
agonista ou antagonista: nos agonistas é de 4,91 A, enquanto nos antagonistas é de 7,30 A.
R
O O
N 9
N 2
8 1
O 3
7 A B Flumazenil
N
x N estrutura geral do
6 5 4
benzodiazepínicos
F N 6’
2’
C
O 4’
Saiba mais
Depressores do SNC
Sem causar:
Alteração na Efeito
Tolerância memória residual
Depressão Dependência
respiratória física
Figura 215
A primeira pergunta que fazemos é: por que estudamos estimulantes do SNC uma vez que seu
potencial efeito é a alucinação? Neste capítulo veremos que tal classe de fármacos pode produzir os efeitos
farmacológicos esperados em diversas patologias, servir de base para melhor compreensão das doenças
mentais, além de fornecer a compreensão geral dos mecanismos neuroquímicos e neurotransmissores
envolvidos em tais patologias.
Os estimulantes do sistema nervoso central têm sua atividade através da excitação não seletiva do
SNC: alguns podem produzir ação intensa enquanto outros exercem uma fraca ação. Dois mecanismos
gerais são responsáveis pelo estímulo do SNC: bloqueio da inibição pré-sináptica e bloqueio da inibição
pós-sináptica; outros, contudo, têm sua ação devido ao estímulo neuronal direto.
Com relação ao uso, temos diversas finalidades como, por exemplo: estados depressivos; recuperação
da consciência, respiração ou pressão arterial; e restauração de reflexos normais.
166
QUÍMICA FARMACÊUTICA
H H
N N N N
HN N N HN
N N N N
O N O N O N O N
H
H
N N
NH2
H2N
N N
O
2
Aminofilina
Figura 216
167
Unidade III
Entre os derivados xantínicos, a cafeína é aquela que apresenta maior potência estimulante, seguida
por teofilina, e a teobromina quase não possui tal ação. Contudo, quando se fala em ação diurética, a
teofilina possui maior ação, seguida pela teobromina e, por último, pela cafeína.
O
H
N
HN 1 7
8
3
N N
O
H
Xantina
Figura 217
As xantinas têm dois mecanismos de ação distintos. Inibem os receptores da adenosina e a enzima
fosfodiesterase, aumentando os mediadores intracelulares. No músculo liso brônquico, o aumento do
cAMP (adenosina monofosfato cíclica) leva ao relaxamento. Como efeitos imediatos, temos: efeito
central, estimulante suave e estímulo do córtex cerebral e dos centros medulares, além de outras porções
do SNC. Em resumo, há:
168
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Quadro 11
As anfetaminas foram sintetizadas pela primeira vez em 1887 por Edeleano, e em 1933 foi introduzido
o fármaco benzedrina, indicado como descongestionante nasal e de ação analéptica.
Elas atravessam facilmente a barreira hematoencefálica (BHE), causando efeito central; estimulam
o eixo cerebroespinhal, incluindo sistema reticular ascendente e estriato; seus efeitos anorexígenos
estimulam núcleos laterais ou o centro da alimentação; diminuem o grau de depressão central causado
por outros fármacos e estimulam os centros respiratórios medulares
HO
Mazindol
Anfepramona
Figura 218
169
Unidade III
β-CH3 ↓ potência
β-OH ↓ potência
β = O retém atividade D
e potência
A N-metil > NH >
R1 R3 2
NHR > NR2
3
N
R4 S(+) > (±) > R(-)
R B
R2
Figura 219
Substituição na amina
A substituição da amina tem relação direta com a potência de tais fármacos; as aminas primárias são
mais potentes que as secundárias, que por sua vez são mais potentes que as terciárias. Assim, podemos
resumir tudo da seguinte forma:
Centro quirálico
A presença de carbono assimétrico (quiral) faz com que ela se apresente como um par de enantiômeros
e tenha papel importante na potência de alguns derivados de anfetamina, como é demonstrado no
exemplo a seguir:
(a) (b)
Figura 220
Não é válido para outras ações, por exemplo, ação cardiovascular (periférica).
α-Substituição
α NH2
CH3
Figura 221
β-Substituição
β
NH2
Figura 222
Ainda não se tem uma investigação mais detalhada sobre a substituição em beta. Os compostos efedrina
e norefedrina são os mais estudados, elas são derivados de fenilpropanolaminas e vistos como análogos
estruturais da β-hidroxianfetamina e metanfetamina. Tal hidroxilação nas anfetaminas revela um novo
centro quiral, tendo, portanto, não mais dois isômeros possíveis, mas oito, como demonstrado a seguir:
CH3 CH3 CH3 CH3
S R S R
H NHCH3 H3CHN H H NHCH3 H3CHN H
H OH HO H HO H H OH
R S S R
Figura 223
171
Unidade III
Das substituições feitas temos a hidroxilação, que reduz a lipofilicidade, como responsável pela
diminuição da atividade estimulante e a ausência do átomo de oxigênio ou ele na posição β. Porém, a
substituição aumenta a atividade periférica.
Alguns exemplos de compostos com substituintes no anel e suas respectivas ações encontram-se
na sequência:
NH2 NH2
S(+) anfetamina
(potente estimulante) p-TAB (fraco estimulante)
H3C H3C CH3
NH2
PCA (p-cloroanfetamina) NH2
perda da ação estimulante; Fenfluramina perda da ação
antidepressivo potencial CH3 estimulante; supressor de apetite
CI CH3
CF3
Figura 224
Na busca de substâncias estimulantes muitos outros foram sintetizados, alguns com ação estimulante
e outros anorexígenas, como é o caso do aminorex e da anfepramona. Vejamos alguns exemplos:
O O
NH2 N(C2H5)2
CH3 CH3
Catinona Anfepramona
NH2
NH2
O O
O N
N
NH
O
Aminorex Pemolina
CH3
Fenmetrazina
Figura 225
172
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Quadro 12
Seu uso pr olongado leva à degeneração das terminações nervosas contendo aminas e morte celular.
Anfetamina
Metabólitos
Anfetamina
MAO
NA Vesícula de
armazenamento
Transportador
de intercâmbio
NA
Receptor pós-sináptico
173
Unidade III
CH3
N-hidroxianfetamina
HO
O
NH2 NH2
CH3 CH3
CH3 Fenilacetona
Anfetamina
Intermediário carbinolamina
O OH
NH2 O
OH
CH3 CH3
HO Ácido benzoico
Derivados hidroxicetona
p-hidroxianfetamina
Figura 227
Quando a anfetamina é tomada repetidamente durante alguns dias pode desenvolver um estado de
“psicose por anfetamina”, o que gera nos usuários a busca por manter a euforia que a dose única produz.
A dependência da anfetamina parece ser consequência do efeito posterior desagradável que produz
e da insistente lembrança da euforia, o que leva ao desejo de repetir a dose.
174
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Seu principal uso é o transtorno do déficit da atenção com hiperatividade (TDAH), particularmente
em crianças (metilfenidato).
Os efeitos que causam incluem: hipertensão, insônia, anorexia, tremores, risco de exacerbar
esquizofrenia e de dependência.
Metilfenidato
NH O O
H H HN
2’ 2’
2 OCH3 H3CO 2
H H
NH O O HN
H H
2’ 2’
2 OCH3 H3CO 2
H H
Figura 228
Seu mecanismo de ação não está completamente elucidado, porém uma hipótese de que ele
bloqueia fortemente a recaptura de norepinefrina e mais fracamente a recaptura de dopamina é a mais
provável e aceita.
175
Unidade III
Neurônio pré-sináptico
Dopamina ou
noradrenalina
Transportador
da dopamina ou
noradrenalina
Metilfenidato
Fenda sináptica
Neurônio
pós-sináptico
Estudos de relação estrutura-atividade do metilfenidato ainda são feitos para tentar explicar seu
mecanismo de ação de maneira mais precisa.
8.1 Antipsicóticos
A esquizofrenia aparece em muitas variedades. Um dos tipos mais comuns é visto na pessoa que
ouve vozes e tem mania de grandeza, medo intenso, ou outros tipos de sensações que são irreais.
Muitos esquizofrênicos são altamente paranoides, com sensação de perseguição de fontes externas;
podem desenvolver fala incoerente, dissociação de ideias e sequências anormais de pensamento; são
frequentemente retraídos, às vezes com posturas anormais e até mesmo rigidez.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2019) apontam que a esquizofrenia atinge 20 milhões
de pessoas ao redor do mundo. Em geral, a doença tem seu início no fim da adolescência e começo
da vida adulta, mas pode surgir mais tardiamente, em especial nas mulheres. Pode ser considerada um
grave problema de saúde pública, pois é doença altamente incapacitante e com um custo social muito
elevado, pois em geral os pacientes não conseguem entrar no mercado de trabalho e com frequência
seus familiares param de trabalhar para cuidar do parente afetado.
176
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Infelizmente, os antipsicóticos não fazem mais do que aliviar a intensidade dos sintomas
esquizofrênicos, sendo incapazes de curar o paciente.
Do ponto de vista etiológico, é difícil estabelecer uma causa única. Entretanto, há consenso de que
são necessários fatores predisponentes (genéticos, constitucionais e bioquímicos) em concomitância
com fatores ambientais para o desencadeamento da doença.
Córtex pré-frontal
Nucleus accumbens
Hipotálamo
Área tegmental ventral
Substância negra
Figura 230 – Representação esquemática das vias de dopamina no sistema nervoso central
1. A maioria dos fármacos antipsicóticos bloqueia fortemente os receptores D2 pós-sinápticos no sistema nervoso
central, especialmente no sistema mesolímbico central
2. Fármacos que aumentam a atividade dopaminérgica, como levodopa (precursor), anfetamina (liberadora de dopamina),
ou apomorfina (agonista direto do receptor), tanto agravam a esquizofrenia como a desencadeiam em alguns pacientes
177
Unidade III
3. A densidade dos receptores dopaminérgicos está aumentada ao exame post-mortem nos cérebros dos esquizofrênicos
não tratados com fármacos antipsicóticos
4. A tomografia por emissão de pósitrons (PET) mostrou que a densidade dos receptores dopaminérgicos está aumentada
tanto nos esquizofrênicos tratados quanto naqueles não tratados, em comparação com as tomografias de indivíduos não
esquizofrênicos
5. Há relatos de que o tratamento bem-sucedido dos pacientes esquizofrênicos altera a quantidade de ácido
homovanílico (HVA), metabólito da dopamina, no líquido cefalorraquidiano, no plasma e na urina
Saiba mais
Várias classes de fármacos são eficazes no tratamento sintomático dos distúrbios psiquiátricos,
que incluem, entre os mais empregados, os derivados fenotiazínicos (clorpromazina, tioridazina,
trifluoroperazina, flufenazina), os tioxantenos, análogos isostéricos das fenotiazinas (clorprotixeno e
tiotixeno), as butirofenonas (haloperidol, droperidol), as difenilbutilaminas (pimozida), os benzisoxazóis
(risperidona), os derivados benzamídicos (sulpirida), os derivados dibenzodiazepínicos (clozapina), além
de outros agentes antipsicóticos heterociclos diversos.
Os antipsicóticos que atuam pelo bloqueio pós-sináptico do sistema nigroestriatal causam sintomas
extrapiramidais, como: acatisia, discinesia tardia e disfunções neuroendócrinas. Agentes antipsicóticos
com alta atividade anticolinérgica, como a tioridazina, provocam poucos efeitos extrapiramidais.
Aqueles mais incisivos como haloperidol, trifluoperazina e flufenazinas produzem muito mais
efeitos extrapiramidais. Os antipsicóticos atípicos são um grupo heterogêneo de fármacos que causam
pouco ou nenhum efeito extrapiramidal, como clozapina e risperidona. Em compensação, flufenazina e
haloperidol sedam menos que os demais, em geral, por serem fracos bloqueadores adrenérgicos.
178
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Além do uso como antipsicóticos, tais fármacos são utilizados nos seguintes casos: controle
de náuseas e vômitos; controle de ansiedade e inquietação graves; controle de comportamento
hiperexcitável; controle de hipercinese em crianças; auxílio no tratamento de tétano; tratamento de
porfiria intermitente aguda; e controle de soluço incoercível.
Fenotiazínicos e tioxantenos
A introdução dos fenotiazínicos na terapêutica aconteceu por volta dos anos 1952, pesquisadores
buscavam novos anti-histamínicos e, a partir de um deles, a prometazina, verificaram que ela causa
sedação muito maior do que os outros anteriormente estudados. Desde então diversos compostos foram
sintetizados e chegou-se à clorpromazina, com efeitos antipsicóticos extraordinários. Tal descoberta
mudou a história da psiquiatria e do tratamento em pacientes com esquizofrenia.
S S
N N CI
N N
Prometazina Clorpromazina
(anti-histamínico) (antipsicótico)
Figura 231
S
2 Anel
fenotiazínico
N X
Cadeia R1
N
alquílica Amina
terciária
R2
Figura 232
179
Unidade III
A potência e a interação com o receptor podem ser explicadas através dos substituintes
apontados a seguir.
Isósteros
menos ativos
menos tóxicos
S
2 Grupos elétron-aceptores
SO2NR2 > CF3 > COCH3 > CI
N X aumentam eficácia
2 carbonos: anti-histamínica
R2
Amina terciária
alifática ou cíclica Fenotiazínicos
Figura 233
N N N N
R1
N N N N
N
R2
R
Derivados fenotiazínicos Derivados fenotiazínicos Derivados fenotiazínicos
alifáticos piperidínicos piperidínicos
Figura 234
Quadro 14
Clorpromazina Amplictil® N CI
180
QUÍMICA FARMACÊUTICA
N
N
OH
OH
N
Neuleptil ®
Periciazinha
N
N
S
N
S N
Pipotiazina Piportil®
O O
N
N
S N
Tioridazina Melleril®
S
F
N
F
Trifluoperazina Stelazine ®
F
N
N
181
Unidade III
CI
zuclopentixol
Clopixol ®
N
N OH
Quadro 15
A fim de uma melhor adesão ao tratamento dos pacientes portadores de esquizofrenia, que muitas
vezes abandonam o tratamento por conta dos efeitos adversos ou porque fazem uso de antipsicóticos
potentes e se sentem “curados”, ou, ainda, para manutenção de pacientes estabilizados, foram
produzidas formas latenciadas desses fármacos: decanoato de haloperidol (posologia 1x/21 dias por via
intramuscular) e enantato de flufenazina (posologia 1x/1-3 semanas, dependendo do paciente, por
via intramuscular ou subcutânea).
S S
N O
N CF3 CF3
OH
N N O
N N
OH O (CH2)8CH3
N CI
O
N CI
F
O F
O
Haloperidol Decanoato de haloperidol
Figura 235
182
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Observação
Exemplo de aplicação
Embora a formação de pró-fármacos por latenciação seja uma estratégia incentivada pela OMS,
existem poucos fármacos latenciados na terapêutica. A que devemos atribuir tal fato? Pesquise e reflita
a respeito.
Butirofenonas
Meperidina
Análogo propiofenona
COOO2H6
N
O
Análogo butirofenoma
Figura 236
Através da REA foi possível suprimir a atividade analgésica dos análogos obtidos e manter a ação
antipsicótica. Os grupos essenciais para tal atividade estão representados a seguir:
183
Unidade III
Fenona
O R1
N
R2
Amina 3ª
3C = propil
X
é-aceptor
Figura 237
A amina terciária ligada ao grupo butírico é essencial para a atividade, podendo ser uma piperidina
ou piperazina; a substituição do oxigênio carbonílico por enxofre leva à redução da atividade; o
encurtamento ou ramificação diminui a ação antipsicótica; a presença de flúor na posição para do anel
aromático torna o fármaco mais potente; e variações na posição por elétron-aceptores aumentam a
ação antipsicótica.
Exemplos de fármacos dessa classe e o uso deles na terapêutica, além da ação antipsicótica, são
mostrados na sequência:
Quadro 16
Nome
Fármaco Uso Estrutura química
comercial
O H
N
O N
Profilaxia e alívio
droperidol Droperidol® de náusea e
vômito N
F
OH
CI
Difenilbutilpiperidinas
Através da busca de análogos butirofenônicos foram sintetizados novos fármacos que deram origem
aos difenilbutilpiperidínicos, por meio da substituição da carbonila por um grupo arila e a introdução de
um anel piperidínico ligado diretamente à amina terciária.
184
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Piperidínico R
Fenona Amina 3ª Diaril
1
O R1
N
N R2
ρ-fluor
R2
3C
X 3C
Diarilbutilpiperidina
Figura 238
Sua ação é semelhante àquela dos fenotiazínicos piperazínicos e, embora existam três representantes
dessa classe, temos o penfluridol, fluspirileno (não comercializado no Brasil e a pimozida).
Quadro 17
F
penfluridol Semap ®
OH
F
O H
N
N
pimozida Orap®
N
Os antipsicóticos atípicos surgiram no final dos anos de 1960, eles atuam sobre os sintomas negativos,
possuem menores efeitos neurológicos e são úteis em pacientes refratários aos antipsicóticos típicos.
Benzamidas
185
Unidade III
OMe O OMe O
C C2H5
NH N
N C N
H2N
CI Metoclopramida SO2NH2
Sulpirida
Dogmatil
OMe O O
O
O
C2H5 S N
NH N
N H
H2N O Tiaprida
Tipridal®
Amissulprida SO2C2H5
Socian®
Figura 239
Benzisoxazóis (Pirimidonas)
Os fármacos desta classe são caracterizados pela presença de um anel homocíclico ou heterocíclico
de cinco ou seis membros sendo conjugado a um grupo pirimidona e à cadeia carbônica ligada a um
anel piperidínico, além de possuir um ou mais átomos de flúor.
Eles possuem eficácia melhorada contra os sintomas positivos (desilusões e alucinações) e negativos
(emoções diminuídas, baixa motivação) da esquizofrenia e reduzidos sintomas extrapiramidais (SEP).
N
N
F
O
O N Risperidona
Risperdal®
Figura 240
Dibenzazepínicos
Classe de neurolépticos que utiliza o anel tricíclico dibenzazepínico como característica básica de
sua estrutura. Eles são agrupados em classes químicas diferentes pela formação de bioisósteros (NH, O e
S), possuem a mesma ação antipsicótica dos feniltiazínicos, porém com menores efeitos extrapiramidais.
186
QUÍMICA FARMACÊUTICA
X = NH: dibenzodiazepina
X = O: dibenzoxazepina
X = S: dibenzotiazepina
Figura 241
Os agentes antipsicóticos são depressores seletivos do sistema nervoso central. Seus sítios de
ação central estão localizados no hipotálamo, tronco encefálico e provavelmente em outras regiões
subcorticais do cérebro envolvidas na coordenação do comportamento emocional.
Algumas evidências sugerem que a potência clínica e eficácia antipsicótica, de ambos os antipsicóticos
típicos e atípicos, geralmente estão relacionadas às suas afinidades e à capacidade de bloquear os
receptores dopaminérgicos D2. Embora todos os fármacos antipsicóticos eficazes bloqueiem receptores
D2, o seu grau varia consideravelmente em relação a outras ações sobre receptores de diversos fármacos.
O haloperidol age principalmente sobre os receptores D2, embora possua também algum efeito sobre
os receptores serotonérgicos 5-HT2 e a1 adrenérgicos, mas praticamente possui efeitos insignificantes
sobre os receptores D1.
Neurônio
pré-sináptico
Dopamina
em vesículas
Bloqueio da
Recaptação recaptação
normal de de dopamina
dopamina
Antipsicótico
D1 D2 Bloqueio da
captação de
dopamina
Receptores de dopamina
neurônio pós-sináptico
Figura 242 – Mecanismo de ação dos antipsicóticos (neurolépticos) ao nível dos receptores dopaminérgicos D1 e D2
187
Unidade III
trp 160
ser 194 asp 114
N
O
OH 8.52Å H
O
2.55Å
3.04Å
8.2 Antidepressivos
A depressão é uma patologia que acomete o sistema nervoso central e tem como sintomas mais
simples a falta de esperança e uma avassaladora sensação de desespero. É uma doença que não faz
distinção de gênero, classe social, nível de instrução escolar ou faixa etária. O indivíduo se sente
cansado em demasia, desacreditado, desesperançoso e com o sentimento de solidão. Afeta o humor, o
pensamento, o sono, causa dor e sofrimento não apenas para si, mas para todos que o rodeiam. Sem
tratamento adequado os sintomas podem durar semanas, meses ou anos, porém com o tratamento
correto o indivíduo fica livre dos sintomas em pouco tempo.
Embora seja uma doença das mais tratáveis, poucos procuram a ajuda apropriada. No Brasil a
depressão é a doença que mais causa afastamento do trabalho, e nos Estados Unidos o número de
jovens que cometem suicídio está associado a estágios depressivos.
• vida urbana;
• desemprego;
• doença física;
• estresse emocional;
• adolescência;
• histórico familiar;
188
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Figura 244
Embora os mecanismos que envolvem a depressão não estejam totalmente elucidados, temos a
hipótese de que as monoaminas: serotonina, norepinefrina (noradrenalina) e dopamina estejam
diretamente envolvidas com a patologia. Diversas pesquisas apontam que um desequilíbrio nelas ou em
seus receptores podem ser os desencadeantes da doença.
Normal Depressão Tratamento
Pré-sináptico Pré-sináptico Pré-sináptico
Na figura anterior, a imagem à esquerda representa o cérebro de pessoas sem sintomas, serotonina
e noradrenalina, representadas em amarelo, que são liberadas e se ligam aos seus respectivos receptores
nos neurônios pós-sinápticos. Tais monoaminas podem ser recapturadas por transportadores específicos
(visualizados na cor rosa) em neurônios pré-sinápticos ou degradados pela enzima MAO. Na imagem do centro
temos indivíduos que apresentam sintomas da doença, os quais têm diminuição dos níveis de monoaminas.
Ao se bloquear os receptores das monoaminas, interromper sua captura ou ainda inibir a enzima MAO,
teremos um aumento na concentração de serotonina, noradrenalina e dopamina e, como efeito direto,
reestabelecimento do humor e alívio dos sintomas gerais da depressão, como mostrado na imagem à direita.
189
Unidade III
• sais de lítio;
Sais de lítio
A depressão maníaca, ou transtorno afetivo bipolar, está relacionada a mudanças bruscas de humor.
O uso de sais de lítio atuam eficazmente nas oscilações de humor, independentemente da etiologia.
A forma mais comum é o carbonato de lítio (Carbolitium®), porém podem ser comercializados nas
formas de citrato e sulfato.
Mecanismo de ação
A terapia com estabilizadores de humor não tem mecanismo de ação definido, entretanto sabe-se
que esses sais suprimem a sinalização de trifosfato inositol (IP3) intracelular e inibem a proteína C
quinase (glicogênio sintase quinase-3); em pacientes bipolares, há aumento da atividade da proteína.
O uso desses fármacos tem que ser realizado com rigoroaa atenção médica e farmacêutica, pois
existe a possibilidade de intoxicação por lítio.
A monoaminoxidase (MAO) é uma enzima mitocondrial que catalisa os processos oxidativos das
monoaminas endógenas, ela promove a retirada do grupo amina através da oxidação, resultando na
formação de aldeído e amônia de acordo com a seguinte reação:
Os iMAOs podem ser classificados em derivados hidrazídicos e hidrazínicos. O primeiro iMAO foi
descoberto ao acaso quando foram observados os efeitos no humor causados pela iproniazida, um
tuberculostático de ação fraca. A busca por tuberculostáticos mais eficientes gerou a descoberta da
isoniazida, que também provocava melhora no humor dos pacientes, e isso chamou a atenção e levou
190
QUÍMICA FARMACÊUTICA
à busca do grupo químico responsável dos tuberculostáticos que teriam tal efeito. Então, descobriu-se
que a presença da hidrazida era a responsável pela mudança de humor. Assim novos compostos foram
sintetizados e introduzidos na terapêutica, entre eles: fenelzina, isocarboxazida e moclobemida.
CH3
H H
O N O N
N CH3 NH2 NH — NH2
H
N N
Fenelzina
Iproniazida Isoniazida
CH3
O CH3
N
NH
NH2 HN CH3
HN O NH
O
NH Fenelzina
O
O N
N Iproniazida
Isocarboxazida NH
Moclobemida
Inibidor reversível da MAO-A
CI 3ª geração
Figura 247
Mecanismo de ação
Os derivados hidrazínicos são inibidores irreversíveis da MAOA e MAOB, enquanto os hidrazídicos são
inibidores reversíveis seletivos para a enzima MAOA.
A administração de iMAOs deve ser feita com a atenção farmacêutica orientando os pacientes de que não
devem fazer uso de certos alimentos, como, por exemplo, alguns tipos de queijo, fígado de galinha, vinho,
cerveja sem álcool etc., pois eles são ricos em triptofano (precursor da síntese de serotonina) e tiramina, e
tal associação causa crises hipertensivas por conta da potencialização da liberação de catecolaminas.
Exemplo de aplicação
Caro aluno, procure em livros de farmacologia as diferenças entre as monoaminoxidases do tipo A e do tipo
B. O que distingue ambas? Como isso pode influenciar na escolha do fármaco? Pesquise e reflita a respeito.
191
Unidade III
A primeira classificação para esses fármacos foi de timolépticos, pois acreditava-se que tais compostos
atuavam como depressores do timo, regulando as funções do humor. Mais tarde essa a classificação foi
descartada com a descoberta do mecanismo de ação dos fármacos.
Os ADTs são análogos dos antipsicóticos fenotiazínicos. O primeiro a ser estudado foi a imipramina,
composto sintetizado em 1957 e testado para diversas patologias (anti-histamínico, antiparkinsoniano,
entre outros). Em 1958, sua ação antidepressiva o fez ser introduzido na terapêutica.
São fármacos utilizados tanto na depressão endógena, quanto exógena, mas contraindicados para
pacientes com angina pectoris, insuficiência cardíaca congênita e taquicardia paroxísmica. Sua associação
com inibidores da MAO também deve ser evitada, pois causa reação atropínica tóxica, muitas vezes fatal.
COOC2H5
NO2 C2H5ONa
NO2
O2N
Sn/HCI
-NH3
N 270-280 ºC
H
NH2
H2N
NaNH2 CI(CH2)3N(CH3)2
N
Imipramina
Os ADTs podem ser classificados quanto a sua seletividade aos neurotransmissores norepinefrina
(NE), dopamina (DO) e serotonina (5-HT ou SE).
192
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Para que tenha ação antidepressiva, esses fármacos precisam possuir estruturalmente:
• Anel tricíclico composto de dois anéis benzênico e um anel de sete membros central, podendo ter
um átomo de N no carbono ligado à cadeia alquílica.
• Cadeia com três carbonos entre o anel de sete membros e a amina terminal, podendo ser
saturada ou insaturada.
• Amina terminal terciária, não seletiva quanto aos neurotransmissores (DO, NE, SE) ou amina
secundária que tem maior afinidade aos receptores NE.
N N
CI
CH3
Amitriptilina N Imipramina N Clomipramina N
(Tryptanol) (Tofranil) (Anafranil)
CH3
N
CH3
Nortriptilina N Protriptilina
(Pamelor) H Desipramina (Vivactil)
HN NH
(Norpramim)
CH3
Figura 249
Mecanismo de ação
Receptor
α-adrenérgico Serotoninérgico
Noradrenérgico
Colinérgicos
(muscarínicos)
193
Unidade III
Metabolismo
Os ADTs são metabolizados pela família citocromo P oxidase através de reações de fase I: hidroxilação
e desmetilação e glicuronidação na fase II, como mostrado na figura a seguir:
Iminodibenzil Imipramina Imipramina N-óxido
N N N
H CH3
CH2 CH2 CH2 N(CH3)2 CH2 CH2 CH2 N → C
CH3
Desmetilimipramina
OH OH OH
N N N
H
CH2 CH2 CH2 N(CH3)2 CH2 CH2 CH2 NHCH3
Glicuronídeo Glicuronídeo
Figura 251
Durante muito tempo os iMAOs e os ADTs foram os fármacos mais prescritos para depressão, porém
com seus efeitos adversos e potencial toxicidade, bem como as hipóteses de serotonina e norepinefrina
desempenharem papel fundamental nessa patologia, estudos por compostos mais seletivos e com
menores efeitos adversos passaram a ser feitos. Nesta busca foram incluídos:
• compostos com baixa atividade pelos receptores conhecidos pelos efeitos adversos dos ADTs.
O primeiro caso de sucesso foi a síntese da zimelidina, em que o anel central do ADT amitriptilina
foi aberto, formando um análogo de difenilpropilidina. Estudos mostraram que tal composto inibia
194
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Novos derivados do protótipo zimelidina foram sintetizados e, entre eles, a paroxetina, que
apresentou melhores resultados. A partir dela foi lançado no final dos anos 1980 a fluoxetina, como o
nome comercial de Prozac®, e propagandas intensas fizeram com esse fármaco ficasse conhecido como
“a droga da felicidade”. Os ISRSs estão apresentados a seguir:
CF3 CF3
O
O O
O O 3
(s) (s) (s)
NH NH2 (R) NH
F 4
H CH3 H
(+)-talopram
CH3
O CH3 O
N H S
N H3C H
(s) (s) N
CH3 CH3 (s)
N≡C N≡C CH3
F S-desmetilcitalopram F S-talsupram
S-citalopram
O CF3
O
O
O
(s)
O
3 2
(s) O (s)
1 (s) NH
F (R)
4 NH O NH
H CH3
(-)3S,4R-paroxetina S, S-reboxetina
S-fluoxetina
O CH3
NHCH3
O
3 2
(R) 1
Sertralina 4 N CH3
(s)
CI 3R, 4S(+)-femoxetina
CI
Figura 252
195
Unidade III
Em 2017 foi aprovada pela Anvisa a introdução da vortioxetina, um ISRS, porém de ação multimodal,
ou seja, atua em diversos sub-receptores de serotonina (5-HT1, 5-HT3, 5-HT7). Seu mecanismo de ação
não está totalmente elucidado, mas estudos feitos mostram que além de inibir a recaptura de serotonina,
ele está envolvido como agonista dos sub-receptores. Sua estrutura química está a seguir.
S
N
N
H
Figura 253
Saiba mais
Mecanismo de ação
196
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Figura 254 – Ação dos ISRSs evidenciando aumento da concentração de serotonina na fenda sináptica
Observação
Mecanismo de ação
O mecanismo de ação da bupropiona é mais complexo porque, além de ser um inibidor seletivo
de recaptura de dopamina, ele induz à liberação de dopamina e norepinefrina. Contudo, o mecanismo
exato ainda é incerto e, por ser o único representante da classe, mais estudos devem ser feitos.
Metabolismo
Este fármaco é metabolizado no sistema hepático via citocromo P oxidase, através de reações de
redução e hidroxilação, produzindo três metabólitos ativos: o eritro, o treo e a hidroxibupropiona, que
197
Unidade III
chegam ao pico da concentração plasmática cerca de 6 horas após a administração, sofrem metabolização
e são convertidos em compostos inativos para enfim serem excretados.
OH
HN HN HN
HO O HN
HO
CH3 CH3 CH3 O
CH3
Redução Hidroxilação
+
CI CI CI
CI
Treo-hidrobupropiona Eritro-hidrobupropiona Bupropiona
O
CH3
Venlafaxina Duloxetina
Figura 257
Inibidores da recaptura de NE
A reboxetina foi lançada na terapêutica em 2000 e seu mecanismo de ação está associado à sua
ligação ao receptor de norepinefrina, aumentando a sua concentração na fenda sináptica. Sua baixa
potência faz com que ele não seja fármaco de escolha, apenas em casos de depressão refratária (a que
não responde à terapia convencional).
Outro representante é a atomoxetina, que embora seja classificada como antidepressivo, possui uso
exclusivo para pacientes com TDAH.
198
QUÍMICA FARMACÊUTICA
O O
HN O O
CH3
NH
Reboxetina Atomoxetina
Figura 258
Resumo
199
Unidade III
no café, chá, cacau etc., e três estimulantes derivados e de uso clínico são:
cafeína, teobromina e teofilina.
Por fim, verificamos que a depressão é uma das patologias com maior
agravo no mundo, além de afetar uma vasta parcela da população, ser a
maior causadora de afastamento do trabalho, possui uma taxa de 5% nos
casos de suicídios. A farmacoterapia dessa doença tem um variado número
de fármacos, com mecanismos de ação distintos. O sucesso do tratamento
depende, entre outros fatores, da escolha criteriosa dos agentes que
podem ser classificados quanto ao seu mecanismo de ação como: IMAOs,
ADTs, inibidores seletivos de recaptura de neurotransmissor; sendo eles:
dopamina, norepinefrina (noradrenalina) e serotonina.
Exercícios
Questão 1. (UFSC 2019, adaptada) Com relação à transmissão química e à ação de fármacos no
sistema nervoso central, analise as afirmativas a seguir.
I – Muitos dos fármacos neuroativos atualmente disponíveis são relativamente inespecíficos, afetando
vários alvos diferentes, sendo os principais os receptores, os canais iônicos e os transportadores.
I – Afirmativa correta.
II – Afirmativa correta.
IV – Afirmativa correta.
Questão 2. (FGV 2011) A respeito dos efeitos da anfetamina no sistema nervoso autônomo, analise
as afirmativas a seguir.
I – Substâncias que estimulam o sistema nervoso simpático, como uma anfetamina, dilatam uma
pupila (midríase).
II – A anfetamina não pode ser prescrita em função do risco de causar dependência química.
201
Unidade III
III – A anfetamina é uma amina simpaticomimética de ação dupla: estimula diretamente o receptor
adrenérgico e libera a noradrenalina para uma fenda sináptica do sistema nervoso simpático.
Assinale:
I – Afirmativa incorreta.
Justificativa: a anfetamina produz efeitos também fora do sistema nervoso. Nos olhos, ela provoca
dilatação da pupila. No coração, há taquicardia e ocorre aumento da pressão arterial.
II – Afirmativa correta.
202
QUÍMICA FARMACÊUTICA
IV – Afirmativa correta.
203
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Figura 4
SANTOS, L. C.; FURLAN, M.; AMORIM, M. R. Produtos naturais bioativos. São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2016. Adaptada.
Figura 8
LEMKE, T. L.; WILLIAMS, D. A.; FOYE, W. Principles of medicinal chemistry. 7. ed. Philadelphia: Lippincott
Williams & Wilkins, 2013. Adaptada.
Figura 10
VIEGAS JÚNIOR, C.; BOLZANI, V. S.; BARREIRO, E. J. Os produtos naturais e a química medicinal
moderna. Química Nova, São Paulo, v. 29, n. 2, p. 326-337, 2006. Adaptada. Disponível em: http://
static.sites.sbq.org.br/quimicanova.sbq.org.br/pdf/Vol29No2_326_24-DV04373.pdf. Acesso em:
10 ago. 2020.
Figura 14
PRADO, L. D.; ROCHA, H. V. A. Estado sólido na indústria farmacêutica: uma breve revisão. Revista
Virtual de Química, Rio de Janeiro, v. 7, n. 6, p. 2080-2112, 2015. Adaptada. Disponível em: http://
static.sites.sbq.org.br/rvq.sbq.org.br/pdf/v7n6a13.pdf. Acesso em: 10 ago. 2020.
Figura 15
Figura 16
BARREIRO, E. J.; FRAGA, C. A. M. Química medicinal. As bases moleculares da ação dos fármacos. 3. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2015. p. 30.
Figura 17
BARREIRO, E. J.; FRAGA, C. A. M. Química medicinal. As bases moleculares da ação dos fármacos. 3. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2015. p. 29.
Figura 18
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REFERÊNCIAS
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Textuais
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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000