Gênero em Angola - Willi Domingos
Gênero em Angola - Willi Domingos
Gênero em Angola - Willi Domingos
EM ANGOLA
Willi Cardoso Domingos1
RESUMO:
Este texto analisa as implicações sociais da discriminação de género no exercício da
cidadania e participação das mulheres em Angola. Embora as mulheres sejam maioria
demográfica (52% da população), são, paradoxalmente, minoria, pois o poder
económico, político e cultural está fundamentalmente concentrado nos homens.
Assim, a fraca participação das mulheres nos espaços de decisão demonstra que as
medidas elaboradas para a emancipação das mulheres e igualdade de género não têm
tido uma aplicação efectiva. Um diálogo entre a sociedade civil e as instituições do
Estado, é fundamental, para dinamizar e ampliar a capacidade de exercício da
cidadania e participação das mulheres, bem como para a desconstrução da
discriminação das mulheres.
PALAVRAS-CHAVE:
Mulheres, género, cidadania, participação.
ABSTRACT:
This text analyzes the social implications of gender discrimination in the citizenship
exercise and women's participation in Angola. Although the women are
demographically the majority (52% of population), they are, paradoxically, the
minority, because the economic, political and cultural power is concentrated
fundamentally on men. This way, the women's weak participation in the decision
spaces demonstrates that the measures elaborated for women's emancipation and
gender equality have not been taking an effective application. A dialogue between civil
***
1. INTRODUÇÃO
O percurso histórico de Angola é profundamente marcado por longos
períodos de violência, resultantes, sobretudo, do processo de colonização e da guerra
civil. Estes períodos influenciam a prática quotidiana da cidadania e participação, na
medida em que condiciona a génese das dinâmicas e processos sociais que
caracterizam a situação política, económica, social e cultural presente.
Joan Scott, uma das grandes e mais importantes teóricas sobre o uso do
género enquanto categoria de análise, no seu célebre texto “Género: uma categoria
útil para a análise histórica”, destaca a importância fundamental do estudo do género
como categoria para se analisar e compreender o lugar e o papel das mulheres nas
sociedades ao longo do tempo (Scott, 1996).
De acordo com Gayatri Spivak, não se deve tomar a palavra pelo sujeito
subalterno, pois isso significaria “mantê-lo silenciado, sem lhe oferecer uma posição,
um espaço de onde possa falar e, principalmente, no qual possa ser ouvido” (Spivak,
2010, p. 12). Assim, para a superação da subalternização das mulheres é
imprescindível a criação de espaços a partir dos quais as mulheres subalternas, possam
falar e ser ouvidas. É fundamental, também, alargar as bases de participação política
e as possibilidades de exercício da cidadania pelas mulheres.
A cidadania deve ser vista e entendida, mais do que uma condição ou status,
como um processo dinâmico, de participação activa e constante. Deste modo, a
cidadania passiva, aquela outorgada pelo Estado, diferencia-se da cidadania activa, em
que os cidadãos, enquanto portadores de direitos e de deveres, são criadores de novos
direitos, através de uma reconfiguração sistemática e contínua dos espaços de
participação pública e política, por meio de uma participação activa. Assim, cidadania
significará, não só, a condição de pertencer a um Estado, e também a garantia do
5Esta data foi marcada por uma onda de repressões, prepetradas pelo MPLA, com recurso a violência
directa, prisões e execuções sumárias à supostos ‘golpistas’. Foi resultado, sobretudo, das grandes
contradições internas no seio do próprio MPLA – tendo Nito Alves e José Van Dúnem como
principais fíguras na contestação contra o governo – e serviu de pretexto ao tipo de poder que veio
a ser edificado e exercido em Angola (Gomes, 2009).
6O sistema multipartidário é caracterizado pela presença, na arena pública e política, de uma variedade
de actores políticos que concorrem entre si para o alcance e exercício do poder político.
7A guerra civil angolana teve início na alvorada da independência, em que os movimentos de
libertação nacional guerreavam entre si pelo controlo do país (cf. Carvalho, 2002, pp. 27-30;
Comerford, 2005, p. 5).
Neste contexto, uma maior abertura do espaço público para o pleno exercício
da cidadania e da participação e, também, a politização dos diferentes problemas que
afectam a dinâmica da sociedade em geral, permitiria um alargamento da participação
dos indivíduos na resolução de tais problemas, na medida em que as várias vozes e
experiências seriam incluídas, tidas em conta na elaboração de medidas para a
resolução dos problemas.
9Segundo dados do Relatório Social de Angola de 2013, cerca de 61% dos agregados familiares faz
apenas uma ou duas refeições por dia. Dados do IBEP (Inquérito de Bem-estar as Populações)
referem que os níveis de pobreza são de 58,3% no meio rural e 18,7% nas zonas urbanas, o que
reflecte um desenvolvimento divergente e socialmente separado (CEIC, 2014, pp. 14-18).
Por exemplo, em 2008 – seis anos depois de alcançada a paz militar –, dos 29
Ministros de Estado, as mulheres eram titulares de três pastas; dos 45 vice-ministros,
apenas cinco mulheres. No parlamento, do total de 220 deputados, apenas 36 eram
mulheres. Na governação local, entre os 18 governadores provinciais e os 37 vice-
governadores, só uma mulher. Entre os 161 Administradores municipais, apenas três
mulheres e entre os 347 administradores comunais, apenas cinco mulheres. No poder
judiciário as mulheres ocupavam apenas 13,3% dos cargos. Na carreira diplomática a
desigualdade repete-se: dos 72 embaixadores apenas duas mulheres e dos 12 cônsules,
duas mulheres (cf. Pereira, 2008, pp. 7-8).
11Por
exemplo, dos 220 acentos no parlamento, 85 eram ocupados por mulheres (Relatório sobre os
ODM – Angola, 2015, p. 51).
Com os resultados saídos das eleições gerais de Agosto de 2017, que teve
como vencedor o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e seu cabeça
de lista, João Lourenço, a expectativa era alta, pois no período de campanha, este
defendeu um maior equilíbrio de género nas esferas de decisão e maior atenção às
questões que afectam as mulheres. Porém, a prática revelou-se diferente do discurso.
A presença de mulheres nos espaços de decisão continua baixa.
12Idem, p. 52.
14O princípio da igualdade entre homens e mulheres, tal como esta na Carta das Nações Unidas, na
maioria das constituições nacionais, na legislação governamental, nos programas de desenvolvimento
e em numerosos instrumentos internacionais como a Declaração Universal de Direitos Humanos, o
Convénio sobre Direitos Humanos, a Convenção sobre a Eliminação de todas as de Discriminação
contra as Mulheres, as Estratégias de Nairobi e outros mais, nem sempre tem tido concretização. Não
só em África, mas por todo o lado: é um fenómeno global (Amaral, 2003, p. 153).
6. VOZES DE MULHERES
15A taxa de alfabetização é de 66%, sendo que no espaço urbano a taxa é de 79% e no espaço rural é
de 41%. A taxa de alfabetização e escolarização das mulheres é de 53%, enquanto a dos homens é de
80% (INE, 2014).
16A taxa de mulheres matriculadas no ensino superior, em 2013, era de 120.564, enquanto que a dos
Destacamos a Rede Mulher, por esta ser uma associação que agrega um
conjunto de várias organizações que, desde finais da década de 1990, trabalham para
a igualdade e equidade de género em Angola; e o Ondjango Feminista, por este ser
um movimento social recente e constituir-se numa das primeiras experiências, do
ponto de vista formal, do feminismo em Angola e, também, pelo contributo que tem
dado na conscientização e mobilização de mulheres para o exercício de uma cidadania
activa.
17Para
mais informações sobre o Ondjango Feminista pode-se consultar o seu web site:
www.ondjangofeminista.com.
CONSIDERAÇÕES FINAIS