Cancro No Paricá
Cancro No Paricá
Cancro No Paricá
Embrapa Amazônia Oriental, Travessa Dr. Enéas Pinheiro, s/nº, Marco, Caixa Postal 48, CEP 66095-100, Belém-PA. E-mail:.tremacol@
(1)
cpatu.embrapa.br; [email protected]
Resumo – Plantios de paricá, avaliados no Município de Dom Eliseu, Estado do Pará, apresentaram sintomas
de cancro. Várias espécies de fungos foram associadas ao cancro observado no campo, mais notavelmente
Lasiodiplodia theobromae e Pestalotiopsis sp. Culturas isoladas destes fungos, frequentemente associados a
outros (incluindo Fusarium oxysporum, Alternaria e basidiomicetes), foram testadas quanto à patogenicidade em
plantas jovens de paricá, com aproximadamente um metro de altura. Apenas L. theobromae produziu cancro sob
as condições testadas, quando discos de cultura foram aplicados usando técnicas de inoculação por ferimento e
alta umidade, reproduzindo perfeitamente os sintomas do campo. Pestalotiopsis sp. causou danos muito menores
quando comparado a L. theobromae. A confirmação de L. theobromae como agente causal do cancro em paricá
ocorreu após o reisolamento do fungo a partir dos tecidos sintomáticos das plantas inoculadas em casa-de-
vegetação, concluindo a verificação dos Postulados de Koch. Este é o primeiro relato deste patógeno em paricá.
Termos para indexação: Cancro, paricá, Lasiodiplodia theobromae.
Abstract – Canker have been found in field plantings of parica examined in Dom Eliseu county, Para State,
Brazil. Several fungal species were associated with the field canker, most notably Lasiodiplodia theobromae
and Pestalotiopsis sp. Isolated cultures of these fungi together with other often associated fungi (including
Fusarium oxysporum, Alternaria, basidiomycetes) were tested for pathogenicity on young parica plants, with
approximately one meter height. Only L. theobromae produced canker under the conditions tested when discs
of culture were applied using wound inoculation techniques and high humidity, which closely mimicked the field
symptoms. Pestalotiopsis sp. proved much less damaging compared to L. theobromae. The acknowledgment of
L. theobromae as the causal agent of parica canker came after the reisolations of the fungus from symptomatic
tissue of inoculated plants, concluding the verification of Koch’s Postulates. This is the first report of this
pathogen in paricá.
Index terms: Canker, parica, Lasiodiplodia setor madeireiro de modo a abastecer os mercados
theobromae. interno e externo. Historicamente, a forma desordenada
O reflorestamento na Amazônia brasileira é visto de aproveitamento dos recursos florestais para suprir
por políticas públicas estaduais e federais, órgãos e de matéria-prima tais mercados tornou inviável a
agências de fomento à pesquisa e organizações não- continuidade desse processo, dada sua evidente
governamentais como a solução mais viável para o insustentabilidade. A despeito dos poucos resultados
passivo ambiental relevante decorrente da ausência de disponíveis sobre a silvicultura dessas espécies
ações reguladoras na extração de recursos madeireiros (ROSA, 2006), tem-se observado um aumento da área
nas últimas décadas, principalmente nos estados mais reflorestada no Pará, especialmente com árvores de
próximos das fronteiras agrícolas, como Mato Grosso rápido crescimento.
e Pará. Neste último, o plantio de essências florestais Das espécies nativas com essa característica
nativas e exóticas é impulsionado por empresas do atualmente disponíveis, destaca-se o paricá [Schizolobium
doi: 10.4336/2009.pfb.59.69
70 C. R. Tremacoldi et al.
parahyba var. amazonicum (Huber ex Ducke) Barneby, 2004) e de um complexo de lagartas desfolhadoras não
Leguminosae: Caesalpinioideae], cuja área plantada identificadas (GALEÃO et al., 2005), são os casos em que
dobrou em poucos anos, atingindo cerca de 80 mil se verificam os maiores danos em paricá na atualidade.
hectares, principalmente nos estados do Pará e Maranhão Contudo, problemas relacionados a associações ainda
(ABRAF, 2007; 2009). O paricá é espécie nativa das desconhecidas de fitopatógenos em paricá têm sido cada
matas primárias e secundárias de terra firme e de vez mais comuns nas principais regiões produtoras,
várzea alta do ecossistema amazônico e possui grande onde não há quaisquer trabalhos de monitoramento, no
porte, podendo chegar a 40 m de altura e 100 cm de sentido de se responder às constantes indagações sobre
diâmetro (DUCKE, 1949). Sua madeira é adequada para identificação e controle das doenças. Empresas que
a fabricação de forros, palitos, móveis, acabamentos atuam com reflorestamentos de paricá devem contemplar
em geral, molduras e, principalmente, laminados o monitoramento de agentes biológicos causadores
e compensados (RIZZINI, 1971; CARVALHO, de danos, especialmente nos três primeiros anos do
1994). Tais múltiplas possibilidades de uso aliadas às plantio, período em que, para a formação do fuste
características silviculturais amplamente favoráveis (ex.: retilíneo e comercialmente aproveitável, os problemas
rápido crescimento, fuste reto, desrama natural, fácil fitossanitários devem ser monitorados e controlados
obtenção de sementes, entre outros) tornaram o paricá (LUNZ et al., 2009).
uma das essências nativas mais comumente utilizadas Neste contexto, plantios de paricá instalados em
pelo setor produtivo paraense, principalmente nas fevereiro de 2006 no Município de Dom Eliseu, PA,
regiões sudeste e nordeste do estado, com destaque para foram monitorados desde sua implantação. A área
os municípios de Dom Eliseu, Paragominas, Ulianópolis avaliada situa-se no Km 50 da BR 222, entre os
e Rondon do Pará. A produtividade média do paricá municípios de Dom Eliseu e Rondon do Pará (4º 33’
varia entre 25 a 30 m³.ha-1.ano-1 e pode ser aumentada 10” S e 47º 49,5” W), onde a média de precipitação
com técnicas de melhoramento genético aliadas a outras anual é de 1.500 mm a 2.000 mm, de acordo com o
práticas silviculturais (MARQUES et al., 2006), o que subtipo climático Aw4 de Köppen. Plantas a partir de
confere a essa espécie grande potencial para plantios um ano de idade começaram a apresentar entumecimento
comerciais, sistemas agroflorestais e reflorestamento de da casca associado a fendilhamentos longitudinais
áreas degradadas em função das práticas e tecnologias e escurecimento dos tecidos afetados da mesma. Os
que ainda podem ser aplicadas aos seus sistemas de sintomas foram observados por toda a extensão do tronco
produção. e variaram de acordo com a idade e o desenvolvimento
Dentre as práticas silviculturais, ainda não das plantas, evoluindo para o cancro típico, que se
estabelecidas sistematicamente em plantios de paricá, caracteriza por uma área de lenho exposta, circundada
está o monitoramento fitossanitário. Diversas ocorrências por tecidos protuberantes formados pela casca,
de pragas e doenças são relatadas nos municípios normalmente no terço inferior do tronco (KRUGNER
supracitados somente quando os danos demandam et al., 1973), sintomatologia esta já observada em outros
ações imediatas de controle ou erradicação de plantios plantios de dez anos de idade no mesmo município
inteiros, tamanho os prejuízos observados. As primeiras (Figura 1). A disseminação da doença foi predominante
demandas de proteção florestal em plantios de paricá durante o período chuvoso na região de ocorrência
foram, em sua maior parte, associadas com incidência (novembro a maio), quadruplicando a incidência de um
de insetos. As ocorrências de cigarras, Quesada gigas ano para outro, chegando a aproximadamente 0,5 % do
Olivier (Hemiptera: Cicadidae), atacando o sistema total de plantas.
radicular das plantas maduras (ZANUNCIO et al.,
Agradecimentos
À Carbon Positive Gerenciamento de Projetos
Brasil Ltda. pelo financiamento das ações de pesquisa
pertinentes à prospecção de fitopatógenos na área
experimental de Dom Eliseu. Ao Grupo Arboris, pela
Figura 3. Sintomas de cancro em mudas de paricá de permissão de uso da Fazenda Gênesis como área
aproximadamente um metro de altura, após 30 dias da experimental para obtenção das amostras. Ao Grupo Rio
inoculação com isolado de Lasiodiplodia theobromae, em
casa-de-vegetação.
Concrem Ind. Ltda. pela cessão de amostras de plantas MAFIA, R. G.; ALFENAS, A. C.; ANDRADE, G. C. G.;
adultas para análise. ZAUZA, E. A. V.; PFENNING, L. H. ; ROSA, J. Tombamento de
mudas causado por Fusarium solani: uma nova doença do paricá
no Brasil. Fitopatologia Brasileira, Brasília, v. 28, p. 450, 2003.
Referências MARQUES, L. C. T.; YARED, J. A. G.; SIVIERO, M. A. A
evolução do conhecimento sobre paricá para reflorestamento
ABRAF. Anuário estatístico da Associação Brasileira de no Estado do Pará. Belém: Embrapa Amazônia Oriental, 5 p.
Produtores de Florestas Plantadas 2009: ano base 2008. 2006. (Embrapa Amazônia Oriental. Comunicado Técnico, 158).
Brasília: ABRAF, 2009. 120p.
MULLEN, J. M.; GILLIAM, C. H.; HAGAN, A. K.; MORGAN-
ABRAF. Statistical Yearbook: base year 2006. Brasília: ABRAF, JONES, G. Canker of dogwood caused by Lasiodiplodia
2007. 80p. theobromae, a disease influenced by drought stress or cultivar
CARVALHO, P. E. R. Espécies florestais brasileiras: selection. Plant Disease, St. Paul, v. 75, p. 886-889, 1991.
recomendações silviculturais, potencialidades e uso da PHIPPS, P. M.; PORTER, D. M. Collar rot of peanut caused by
madeira. Colombo: Embrapa Florestas, 1994. 640p. Lasiodiplodia theobromae. Plant Disease, St. Paul, v. 82, p. 1205-
DUCKE, A. 1949. Notas sobre a flora neotrópica II: As 1209, 1998.
leguminosas da Amazônia brasileira. 2. Ed. Belém: IAN, 1949. RIZZINI, C. T. Árvores e madeiras úteis do Brasil. São Paulo:
248p. (Boletim técnico, 18). EDUSP, 1971. 294p.
GALEÃO, R. R.; MARQUES, L. C. T.; YARED, J. A. G.; ROSA, L. S. Ecologia e silvicultura do paricá (Schizolobium
FERREIRA, C. A. P. Paricá (Schizolobium amazonicum Huber): amazonicum Huber ex Ducke) na Amazônia brasileira. Revista de
espécie florestal de uso múltiplo com alto potencial para Ciências Agrárias, Belém, n. 45, p. 135-174, 2006.
reflorestamento na Amazônia brasileira. Revista de Ciências
Agrárias, Belém, n. 44, p. 157-162, 2005. SUTTON, B. C. The Coelomycetes: fungi imperfecti with
pycnidia acervuli and stromata. Kew: Commonwealth
KRUGNER, T. L.; CANEVA, R. A.; CARDOSO, C. O. N. Nota Mycological Institute, 1980. 696 p.
sobre a ocorrência do cancro do tronco em eucalipto. IPEF, n. 6,
p. 61-67, 1973. TRINDADE, D. R.; POLTRONIERI, L. S.; ALBUQUERQUE, F.
C.; BENCHIMOL, R. L. Crosta negra causada por Phyllachora
LIMA, E. F.; BATISTA, F. A. S.; AZEVEDO, D. M. P. Podridão- schizolobiicola subsp. schizolobiicola em paricá, no estado do
do-caule e podridão-dos-ramos da mamoneira causada por Pará. Belém: Embrapa Amazônia Oriental, 1999. 2p. (Embrapa
Botryodiplodia theobromae Pat.. Pesquisa Agropecuária Amazônia Oriental. Comunicado Técnico, 98).
Brasileira, Brasília, n. 32, p. 229-233, 1997.
ZANUNCIO, J. C.; PEREIRA, F. F.; ZANUNCIO, T. V.;
LUNZ, A. M.; HARADA, A. Y.; AGUIAR, T. S.; CARDOSO, MARTINELLI, N. M.; PINON, T. B. M.; GUIMARÃES, E. M.
A. S. Danos de Solenopsis saevissima F. Smith (Hymenoptera: Occurrence of Quesada gigas on Schizolobium amazonicum trees
Formicidae) em paricá, Schizolobium amazonicum. Neotropical in Maranhão and Pará States, Brazil. Pesquisa Agropecuária
Entomology, Londrina, n. 38, p. 285-288, 2009. Brasileira, Brasília, n. 39, p. 943-945, 2004.