1867 - O Brasil e Os Brasileiros - Daniel Kidder
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O BRASIL
E OS
BRASILEIROS
1
" B R A S I L I A N A" V ol. 205
Serie 5 .ª "' BIBL IOTECA PED AGOGICA BRASILEIR A ~
D. P. KIDDER e J . C. FLETCHER
o BRASIL
E OS
BRASILEIROS
(E SBOÇO HIS T ORICO E DESCRl'.l.' I VO)
*
Tradu çá<J de ELIAS DOLIAN ITI
*
1.0 VOLUME
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í NDIC E
CAPITULO I
A Baía do Rio de Janeiro - Remin iscências históricas - Primeira v isão
dos tró picos - Entrada da b~ía - Visão noturn a: bclcza e grandio-
sidade - Descrições de Gardner e Stewart - A capit~l do B ra sil -
Posição d e dest aque do R io de Janeiro . .. . ... ....... . .. ...... .. • . . .
CAPITULO II
Desemba rque, Hotel "Pb aroux" - Aspetos e sons novos - O Largo do
Paço - R ua Direita - A Bolsa - Ca rregadores de café musicistas -
Al fândega - Opinião do Gove rnador K ent - O Co r reio - A versão
p<lias novi dades - Sr. José Maxwell - A R ua do Ouvidor - F lores
de penas - Os ônibus - Ruas Estreitas e r egulamento de Polícia -
Sugestão para aliviar Broadway - O Passeio Público - Pol idês dos
brasileiros - As "gôndolas" - Jtnpcrtu rba bili dade dos brasileiros -
F:\lta de hoteis - Primeira. noite no Rio . . ... . , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
C APIT U LO IV
Primeiros tempos do Rio de J aneiro - Ataq ues dos franceses - Melho-
ramentos durante o governo dos Vice-Re is - Chegada da famíl ia real
portuguesa - Rápidas transformaç ões políticas - Partida de D. J oão VI,
a real eza nas mãos de D. Pedro - Descontentamento dos brasileiros -
Proclamação da Independência - Aclamação de D. P edro como Imperador G4
CAPITULO VI
Pràia do Flamengo - Esplêndido panorama - Um homem que manda
cortar uma pJ.lmeira - Noite de luar no F lamengo - Os "tigres" -
Banhos de mar - O Morro da Gl ória - Cen a noturna - I greja da
Gl ória - Fusão do Cristianismo com o P agan ismo - S ermões cm honra
de N ossa Senhora - Festa da Glória - A scençâo ao Corcovado - O
Pão de Açucar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . 95
CAPiTIJLO VII
Irmandades - H ospital de São Francisco de Paula - Sant a Casa da
Misericórdia Hospital de Jurujuba - Casa dos Expostos - A nova
Misericórdia - J osé de Anchieta - Igrejas e conventos . . . • . . . . . . . . . 122
CAPITULO VIII
CAPITULO XI
Praia Grande e São Domingos - . P onta da Areia; lngá - O s tatús -
As !aluas - O comércio brasileiro - Linhas de navegação para os
Estados Unidos - A ssistência religiosa aos marinheiros - O cemit ério
inglês - A I grej a I nglesa - A Tij uca - O H otel Bennett -
Cascatas - A Gávia - J ardim Botânico . . • . . . . . . . • . . . . . . • . . . . . . . . . . 2 10
C APITULO XII
O Campo de Santana - Abertura da A ssembléi a Geral - R ecorrlando
a H istó ria - A R egência - J\l aíoridade de D. Pedro II - Coroação
de D. Pedro II - Casamentos imperiais - Progresso do país . . . . • . . . 243
CAPITULO XIII
O Imperador do Brasil - Visita a um navio mercante norte-americano
- Exposição de produtos nortc·amcricanos - Visita ao I mperador -
Visita ao Pal:ício de São Cristovão ... .. . . ... , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 268
- VII -
CArlnn.o XIV
L itera tu ra brasileira - Imprensa - Distribuição de Bíblias - Biblio-
teca Nacional - Museu Nacional - Acad emia Imperial de Belas Artes
- Conservatório de Música - Associações : Instituto Histó rico e Geo-
gráfico - Funcionalismo - Justiça . . . . . . • • . . • . . . . . . . . . . . . . • . . . 289
CAPITULO XV
Clima do Brasil - Excursões - Santo Aleixo - Improviso de mestiço
- Constância; Serra do• órgãos - Barreira - A anta o u tapir -
O j aval i - O "Vale Feliz " - O t ucano - Os vagalumes - O
iguana - Nova Friburgo - Ca fé - Cantai:alo - Pdrópolis . . . . . . . . 308
DADOS BIO-BIBLIOGRÃFICOS
* * *'
As numerosas ilustrações, com poucas exceções, são
ou desenhos ou vistas daguerreotípicas do natural. Foram
fiel e cuidadosamente executadas pelos Srs. Van I ngen &
Snyder, de Filadelfia. O mapa, que acompanha esta obra,
elaborado pelos Srs. J. H. Colton & Cia., é um dos mais
- XIV
NOTA:
( *) Sobre a presente obra, pudemos colher as seguintes refe-
rências, que éontêm tambem alusões á estada de seus autores no
Brasil e fatos antecedentes:
"O primeiro missionario que veio ao Rio (da parte dos Meto-
distas) foi o Rev. F . E . Pitts, que tambem visitou Buenos Aires.
De volta recomendou ambas as cidades para séde de missões. A
Igreja Metodista fez, assim, a primeira tentativa no Rio em 1836,
quando nos enviou dois de seus missionarios, os Revs. R. J. Spaulding
e D. P. Kidder, que aqui estiveram alguns anos, desenvolvendo
grande atividade. O segundo desses ministros, de volta aos Estados
Unidos, publicou uma obra interessante sobre o nosso país, de que
depois, aumentada pelo seu colega o Rev. James C. Fletcher, se
tiraram nove edições.
"Aproveitaram-se da liberdade relativa de cultos em nosso país,
garantida por D. João VI pelo Tratado de Comércio com a Ingla-
terra, em 1810 ...
" Parece que a propaganda dos Sr s. Spaulding e Kidder foi
bastante enérgica, não só pela pregação verbal como pelo derrama-
mento de Bíblias, Testamentos e tratados ou opúsculos religiosos,
mostrando o que para eles eram erros da Igreja Católica. Também
- xv-
3
CAPíTULO I
A Baía do Rio de Janeiro.
A Baía de Nápoles, a "Corno de O uro" de Constanti-
nopla e a Baía do Rio de J aneiro são sempre mencionadas
pelos turistas como merecendo ser classificadas juntamente
em primeiro lugar, pela sua extensão e beleza e pela sublimi-
dade dos ·cenários que as rodeiam. As duas primeiras, po-
rém, teem que ceder a palma á última, que, num perpétuo
verão, está encerrada num círculo de montanhas singular-
mente pitorescas, salpicada de ilhas cobertas de vegetação
tropical. Quem quer que, na Suiça, haja contemplado do
Cais de Vevay, ou das janelas do Castelo de Ohillon, o vas-
to panorama ela margem superior do 1ago de Genebra, pode
fazer uma idéa da vista de conjunto da Baía do Rio de Ja-
neiro; e há muita verdade e beleza na observação feita por
um Suiço que, vendo pela primeira ,vez o esplendor selvá-
tico da baía brasileira e seu circulo de montanhas, exclamou:
"C'est l'Helvétie Méridionale !" ("E' a Suíça Meridio-
nal!").
Reminiscências Históricas.
Que espetáculo glorioso não teria ela apresentado aos
primeiros navegantes - pe Solis, Magalhães, Martim
Afonso de Souza - que fo ram os primeiros europeus que
transpuzeram os portais estreitos que constituem a entrada
de Niteroi (Agua E scondida), como essas águas quasi que
inteiramente fechadas pelas terras foram com tanta proprie-
dade e poesia denominadas pelos índios Tamoios ! Si bem
que as vertentes das montanhas e as margens da baía ainda
se apresentem rica e lux uriantemente cobertas de vegetação,
naquela época, porém, existiam todas as florestas virgens,
2 D. P. K.IDDER E J. e. FLETCHER
Entrada da Baía.
A primeira vez que alguem entra na Baía do Rio de
Janeiro marca uma época na sua vida :
" uma hora
donde pode datar para o futuro, eternamente"
A Capital do Brasil.
A cidade do Rio de Janeiro, ou São Sebastião, é a um
tempo o empório comercial e a capital política do país. Si
o Brasil abrange maior domínio territorial que outra qual-
quer nação do Novo-Mundo, e os seus recursos naturais
não são rivalizados por nenhuma do mundo, a posição, o
aspeto natural, o aumento incessante da grandeza de sua
capital torna-a digna metrópole de tal império. O Rio de
Janeiro é a maior cidade da América do Sul, a terceira em
tamanho do Continente Ocidental, a orgulhar-se de uma an-
tiguidade maior do que a de qualquer cidade dos Estados
Unidos.
12 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
NOTAS DO TRADUTOR
e• 13)_ A denom inação de "Três Irmãos", da da a um conj unto de mon-
tanhas v1s1vei s do Atlântico nas proximidades do Rio de Janeiro, aparece cm
varias obr3s publicadas nos meados do século passado: assim , por exemplo,
C. F. H artt, cm sua " Geology and Physical Geography of Brazil" o locali za
ehtre o Corcovado e a Gávia ; caiu a deuominacão em desuso e possivelmente
duas dessas ntontanhas receberam o nome de "Dois Irmãos ".
( * 14) George Gardner "Travei s in the inte rior of Brazil , principally
through the northern provi nces and t he gold and diamond districts, during
the ycars 1836-184 1", L ondres 1846. Tradução nesta "Brasiliana" sob o título
0
Viagens no interior do Brasil", por Origenes Lessa.
CAPÍTULO II
4
16 D. P. KmDER E J. e. FLETCHER
Hotel Pharoux
O Lar~o do Paço.
Ainda não estamos dispostos a exper imentar os veículos
do Rio de Janeiro; por isso, dispensámos o nosso preten-
dente a cocheiro, e demos uma espiadela em volta de nós
pelo Largo do Paço. ( * 15)
Nessa praça, o forasteiro se vê cercado pela mais di-
versa multidão em modos de vestir e aspetos, e mais varia-
da em composição e costumes, que a sua imaginação poderia
representar. A maioria é de africanos, que se reunem em
volta do chafariz para conseguir água, que corre de uma
fila de canos e, recolhida em baldes e pipas, é transportada
na cabeça de homens e mulheres.
Os escravos andam descalços, mas alguns vestem rou-
pas alegres. Quando juntos assim, nesses pontos de reu-
nião, a sua sociabilidade é extrema, mas ás vezes terminam
tm discussões e pancadas. Para evitar desordens dessa na-
tureza, soldados geralmente estacionam perto dos chafari-
zes, que estão mais ou menos certos de poder manter a sua
autoridade sobre os pretos sem resistência. Antigamente
havia apenas uma ou outra fonte principal ; mas agora ha
grandes chafarizes em todas as praças, e nas esquinas de
quatro em quatro ruas, aproximadamente, formam-se peque-
nos riachos do precioso elemento quando se abrem as tor-
neiras.
18 D. P. K.rnDER E J. e. FLETCHER
Rua Direita.
As ruas da cidade são geralmente estreitas demais; mas
a Rua Direita, (* 16) que se vê na estampa juntamente com o
Largo do Paço, é larga e bem calçada com pequenos blocos de
pedra trazidos da ilha de Wigth. A Rua Direita e muitas das
principais ruas do Rio de Janeiro são agora tão bem calça-
das como os mais belos logradouros de Londres ou Viena,
apresentando grande contraste com o primitivo calçamento
irregular, que estava em uso até 1854. A Rua Direita e o
Largo do Rocio são os pontos de estacionamento dos ônibus,
que daí partem para todos os pontos da grande cidade e
seus subúrbios.
Os edifícios raramente possuem mais de três ou quatro
andares; porem uma construção de quatro andares no Rio
iguala em altura uma de cinco andares de Nova York. An-
o BRASI L E os BRAS I LEIROS 19
A Bolsa.
A Praça do Comércio ou Bolsa (* 17) ocupa uma pos1çao
proeminente na R ua Direita. Esse edifício, outrora fazendo
parte da Alfândega, foi cedido pelo Governo para as suas
funções atuais em 1834. Possue uma sala de leitura, supri-
da de periódicos nacionais e estrangeiros, e está sujeita aos
,egulamentos comuns a tais instituições de outras cidades.
Debaixo do seu espaçoso pórtico, os vendedores de oito ou
nove diferentes nacionalidades encontram-se todas as ma-
nhãs, trocam-se saudações e espectilam seus negócios em
geral. A Bolsa não dista muito da Alfândega, que primiti-
vamen!e tinha a sua principal entrada próximo dela.
Nada mais movimentado e caraterístico do que as
cenas que podem ser presenciadas nessa parte da Rua Di-
reita durante as horas de trabalho, isto é de nove ela manhã
ás três ela tarde. Sómente durante essas horas é que é per-
mitido aos navios descarregar e receber carga, e durante o
mesmo intervalo de tempo todas as mercadorias e bagagens
àevem ser despachadas na Alfândega e daí retiradas. Por
conseguinte, devido a tais dispositivos legais, a máxima ati-
vidade tem que ser exigida para retirar as mercadorias des-
pachadas e embarcar os produtos do país que diariamente
constituem as transações de um vasto empório comercial.
Aí estão os negociantes vestidos ele preto reunidos nas pro-
ximidades ela Bolsa. Eis que chegam as carroças com os
negros. A turma compõe-se de cinco rijos africanos que
o BRASIL E os BRASILEIROS 21
Alfândega.
Deixamos agora a multidão atarefada da Rua Direita,
e em poucos minutos subimos os degraus de um grande
edifício, sobre cujo pórtico se lê, em gigantescas letras
verdes: ALFANDEGA.
Não me demorarei em descrever a origem dessa e
muitas outras palavras que na língua portuguesa começam
por Al, devido á sua origem árabe, mas informarei logo ao
leitor que essa é a primeira palavra que ele aprende no
24 D. P. KmDER E J. e. FLETCHER
(1) Na " vista do Rio de Janeiro, tomada da Ilha das Cobras ",
sómente se vê a face do edifício da Alfândega que dá para o mar,
estendendo-se por cima de toda a fila das palmeiras que se vêem
ao fundo.
26 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
A Rua do Ouvidor.
Voltámos, pela Rua do Rosário, novamente á Rua
Direita, e continuámos o nosso passeio subindo a Rua do
Ouvidor, que é a Rue Vivienne, Regent Street e Broadway
combinadas do Rio. Não é, porém, nem comprida nem
larga, mas as suas lojas são ,vistosas e de bom gosto. Não
há parte da cidade mais atraente para um recem-desembar-
cado do que essa rua, co111 suas tipografias, lojas de flores
de penas, e joalherias. Os diamantes, topázios, esmeraldas
podem ser aqui adquiridos em qualquer quantidade, e estão
tentadoramente arrumados por traz de r icas vitrinas. As
flores de penas e insetos manufaturadas no Brasil são ori-
ginais e belíssimas. Os primeiros colonizadores portugue-
ses viram que os índios se adornavam com as ricas pluma-
gens dos pássaros inexcedivelmente brilhantes das florestas.
Na região amazônica, os aborígenes não perderam o gosto
e a habilidade de seus antepassados, e, como os cultivadores
de rosas, não se contentam com o vistoso colorido que a
natureza pintou, e por meios artificiai s produzem novas va-
riedades. Assim é que, no Rio Negro, os índios Uapés
5
32 D. P. KrnoER E J. e. FLETCHER
F lores d e penas.
Poucas curiosidades são tão estimadas na Europa e nos
Estados-Unidos como as flores de penas <lo Rio de Janei-
ro e da Baía. São feitas com penas naturais, embora, de
quando em vez, alguns novatos tenham sido impingidos com
um ramo delas em que as flores, ao emvez de serem feitas
com penas de papagáio, foram roubadas da parte trazeira
âa branca ibis, e depois tintas. Essa decepção pode ser
evitada observando si a haste das penas é colorida de ver-
de, o que não se dá no natural. Nenhum passageiro dos
navios ingleses deve apressar a aquisição dessas belas lem-
branças das brilhantes aves do Brasil logo que chegue a
São Vicente, pois os numerosos vendedores de miudezas
dessa ilha oferecem um artigo inferior feito de penas arti-
ficialmente coloridas. O Rio de Janeiro é o melhor mer-
0 BRASIL E OS BRASILEIROS 33
Os ônibus.
Dirigimos agora os nossos passos, através do Largo de
São Francisco de Paula, para o Largo do Rocio, (Largo
da Estátua, como o chamam os ingleses), onde tomámos um
ónibus para Botafogo. Os ônibus no Brasil são muito se-
melhantes ao tipo geral ele qualquer parte elo mundo, com
essa singular e importantís si ma exceção: - não são elásti-
cos . . Em Nova-York ou Filadélfia um ônibus proverbial-
mente nunca "está cheio", mas o mesmo gênero de veículo
no Rio pode ficar cheio, e, quando um d eles está completo, o
condutor fecha a porta, e grita "Vamos embora", sacudin-
do o cocheiro a sua longa tira de couro e metendo a galo-
pe a sua dupla parelha ele mulas. E vamos para frente,
barulhentamente pas sando por cima das valetas como si
estas não existissem, e rolando por estreitas ruas como si
os negros carregadores dágua não estivessem nelas. E'
curioso observar os escravos sobrecarregados de peso dar
34 D. P. KrnnER E J. c. FLETCHER
RUA DO ROSARIO.
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R U A D O OU VI DOR.
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Rua da Quitanda.
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'ª Rua Direita.
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sujeito a grandes transtornos devidos ao "bloqueio" regu-
lamentar instituido diariamente na parte baixa daquele
imenso logradouro, tudo isso podendo ter sido evitado pela
simples aplicação do plano brasileiro, fazendo com que os
incontaveis ônibus, caminhões, carroças e carros descessem
Broadway e que os veículos que se dirigissem para o centro
da cidade subisseni Greenwich Street.
O Passeio P ublico.
O nosso ônibus lá vai tocando para frente em marcha
rápida. Damos um giro E_ela Fonte da Carioca, e, antes que
pudessemas lançar uma segunda vista para as verdes encos-
tas do Morro de Sto. António, já vamos sendo rodados por
baixo dos muros ajardinados do alto edifício do Convento
da Ajuda. Tudo aí parece lúgubre, exceto as folhagens
Ü BRASI L E OS BRASI LEIROS 37
As "Gôndolas"
Mais de uma vez nos referimos a "gôndolas", - nome
associado aos romances amorosos e a Veneza, " luares, noi-
tada s, e vozes de sonhos". Quando ouví pela primeira vez
esse mclífluo nome 11 0 Brasil, supuz que as esbeltas e gra-
ciosas embarcações da Rai nha do Adriático tivessem sido
transportadas para as iluminadas águas do Rio ele Janeiro;
logo, porem, percebi o meu engano, e verifiquei que essa
doce palavra italiana era empregada para designar o menos
poético dos veículos, de quatro rodas, puxados por outras
tantas mulas escoceantcs e teimosas ! A gondola se asse-
melha a um ônibus em tudo, menos em não ser acompanha-
da por um condutor. Paga-se adiantadamente ao Senhor
Bernardo ou a um Senhor Fulano no Largo do Paço ; e,
quando há muitos passageiros, são recebidos pelo cocheiro.
Falta de hoteis.
O estrangeiro no Rio de Janeiro fica geralmente surpre-
zo ante a escassez de hospedarias e casas de pensão. Ha
varias hoteis franceses e italianos com apartamentos para
alugar; esses são sustentados principalmente pelos numero-
sos forasteiros que chegam constantemente e ficam só tempo-
rariamente no lugar. Mas entre a população nativa, e perten-
centes a brasileiros, ha apenas oito ou dez pensões numa
cidade de trescntos mil habitantes, e raramente essas ultra-
passam as dimensões de uma casa particular. E' quasi incon-
c.ebivel como os numerosos visitantes dessa grande metró-
pole encontram as neccssarias acomodações. Pode-se segu-
ramente supor que o consigam mediante uma pesada contri-
42 D. P. KmnER E J. e. FLETCHER
Cabral.
Quando P inzon avistou os palmeirais e as espessas flo-
restas e sentiu as perfumadas brizas que sopram dessas
Ü BRASIL E OS BRASILEIROS 45
O nome de "Brasil".
A mais valiosa parte do carregamento que Americo
Vespucio levou de volta para a Europa foi a muito conhe-
cida madeira de tinturaria, Cesalpinia brasi1iensis, denomi-
uada em português pai, brasil, em razão de sua semelhança
com a braza, carvão incandescente, tendo a terra donde ela
provem sido denominada " terra do pau brasil" e, finalmen-
te, resumindo a denominação, Brasil, que usurpou comple-
tamente os nomes de Vera-Cruz ou Santa-Cruz. Essa mu-
6
48 D. P. KmnER E J. e. FLETCHER
Traição de Villegagnon.
T endo conquistado para sua absoluta influência certo
número de adeptos não muito ~ados á piedade espiritual,
Villegagnon, sob o pretexto de modificar a sua religião e vol-
tar á verdadeira fé, iniciou uma série de perseguições.
Aqueles que haviam vindo à França Antártica para desfru-
tar liberd1tde de conciência, viram-se diante de condições
ainda peores do que dantes. F oram sujeitados a um tra-
tamento abusivo e grandes privações. Essa inesperada de-
fecção consumou a prematura ruína da colônia. Os colo-
nos recem-chegados pediram licença para regressar, o que
lhes foi assegurado, porem numa nau tão mal suprida de
recursos que alguns recusaram-se a embarcar, e a maioria,
que aceitou, sofreu posteriormente as agruras da fome.
V illegagnon, na ·forma do costume, fez-lhes entrega <le uma
caixa com cartas, envolta em pano impermeavel. Entre
essas cartas, havia uma dirigida ao principal magist rado do
porto em que tivessem a sorte de desembarcar, na qual o
digno amigo dos Guises denunciava aqueles que convidara
para desfrutarem no Brasil o exercício tranquilo da religião
Reformada, como heréticos merecedores do patíbulo. Acon-
teceu que os magistrados de Hennebonne, onde desembar-
caram, eram favoraveis á Reforma, tendo-se assim frustra-
do a malignidade de Villegagnon e posto a descobe1io a sua
t raição. Dentre os que recearam confi ar suas vidas a uma
embarcação tão mal provida e tão imprópria para a travessia,
três foram condenados á morte pelo seu perseguidor. Outros
fugiram dele para o lado dos portugueses, onde foram obri-
gados a apostatar e professar uma religião que detestavam.
Os colonos obrigados a regressar ao seu país viram-se
reduzidos ás mais extremas privações, e, por falta de ali-
Ü BRASIL E OS BRASILEIROS 57
foi adiado para 4-8 horas depois, para coincidir com o dia
de São Sebastião. O dia auspicioso chegou - 20 de ja-
neiro ele 1567. A fo rtaleza dos franc eses foi tomada. Ne-
nhum tamôio escapou.
Southey observa, com muita justeza, nunca se ter dado
outra guerra em que tão pouco esfo rço se tenha feito e
tão poucos homens empregado de ambas as partes e que
fosse seguida de tamanhas consequências. A côrte de Fran-
ça estava por demais empenhada em queimar e massacrar
huguenotes para poder pensar no Brasil, e Coligny, depois
de seus generosos planos terem sido arruinados pela traição
vil de Villegagnon, não mais olhou para a coloni a ; a épo-
ca da emigração termina ra, e aqueles qu e haviam cololnizado
o Rio de Janeiro sustentaram a sua luta, contra um ini mi-
go sanguinário e implacavel, em defesa de todas as coisas
que são caras ao homem. Portugal tinha para com o Bra-
sil quasi que a mesma atitude de desatenção; de forma que,
mesmo pouco numerosos e desarmados como eram os fran-
ceses antárticos, si Mem de Sá não tivesse sido tão enérgico no
cumprimento de seu dever, ou Nóbrega menos habil e in-
fatigavel em sua oposição, estes últimos teriam conserva-
do suas posições, e, em lugar de a Portugal, talvez á Fran-
ça tivesse pertencido todo o país.
Cruel intolerância.
Relacionado com os acontecimentos acima narrados,
conservou-se o registo de uma melancólica prova de cruelda-
60 D. P. KrnnER E J. C. FLETCHER
Reflexões.
Embora o R io de J aneiro haj a sido fundado com san-
gue, não há nação Católica Romana no mundo mais frberta-
da de fanatismo e intolerância que o Império do Brasil.
Assim fracassou o estabelecimento da colônia de Coli-
gny, sobre a qual, durante um curto tempo, se concentra-
ram as esperanças da Europa Protestante; mas o R io de
Janeiro será para sempre memoravel como o primeiro pon-
to do hemisfério Ocidental em que a bandeira da Reforma
foi desfraldada. E' :verdade que a tentativa .se fizera num
território de que P ortugal já se apropriara; mas uma dúvi-
da poderia ser levantada quant o ao direito de prioridade na
descoberta desse trecho do Brasil, pois que é certo que os
espanhois De Solis e tambem Magalhães, Rui Faleiro e
Diogo Garcia, navegantes portugueses a serviço de Espanha,
penetraram na Baía de Niteroi muito antes de Martim
Afonso de Souza. De qualquer modo, o fato do fracasso
desse esforço dos Huguenotes é rico de materia para refle-
xão; podemos plenamente simpatizar com as observações
seguintes do autor de "O Brasil e o Prata", em relação á
traição de Villegagnon, e consequente descalabro das inten-
ções dos primeiros colonizadõres franceses :
NOTfS DO TRADUTOR
guns dos quais haviam já instado com Dom Pedro para que
este assumisse o título de Imperador. Até então havia ·re-
cusado, reiterando sua fidelidade a P ortugal. Mas afinal,
quando em viagem pela província de São Paulo, recebeu da
mãe-pátria mensagens tais que tiveram por efeito cessar to-
das as delongas, levando-o a pronunciar-se pela independên-
cia de forma tão decisiva e explícita que daí em diante quais-
quer medidas retrógradas seriam impraticaveis.
Proclamação da Independência.
No dia 7 de setembro de 1822, n . Pedro, ao ler aquelas
mensagens, estava rodeado de seus cortezãos, nessas belas
campinas que ficam á vista da cidade de São Paulo, que sem-
pre f ôra, como até hoje, celebrada no Brasil pelo liberalismo
e inteligência ele seus habitantes. Foi aí que, ás margens de um
insignificante riacho, o I piranga, soltou a exclamação : "Jude-
pendênâa ou Morte", que se tornou a palavra de ordem da
R evolução Brasileira; a independência <lo país teve no 7 de
setembro a sua data oficial. Foi uma memoravel circuns-
tância aos olhos de todo o mundo civilizado, e deve constituir
uma época na história do Cont inente Ocidental.
Tratava-se, realmente, de um grande acontecimento,
que levaria ás mais vastas consequências. Uma grande re-
volução se dera, iniciada por quem, pelo seu nascimento e
posição, teria levado os filósofos e estadistas co ntemplativos
a afirmar ser impossível que ele se tornasse o guia de uma
causa popular. Descendia de uma longa série de monarcas
europeus aquele que iniciou o movimento que veio separar a
última - e mais fiel - das grandes divisões da América do
Sul dos seus senhores de além-mar.
O Príncipe Regente apressou-se a voltar ao Rio de J a-
neiro, empreendendo rápida viagem ; e nessa cidade, logo
que foi conhecida a sua decisão, o entusiasmo pela sua pes-
soa não conheceu limites.
o BRASIL E os BRASILEIROS 77
Os Andradas.
O novo estado de coisas não se processou, comtudo, com
facilidade e pressa. ódios políticos, invejas e lutas partidá-
rias entraram em ação. O ministério dos Andradas (9) era
acusado de arbitrariedade e tirania. O Brasil deveu sua in-
dependência e Dom Pedro I sua corôa á ação deles; mas a
sua administração não pode de modo algum ser considerada
como isenta de censura. Suas vistas eram realmente largas
e patrióticas as suas intenções; mas o espírito impaciente
e ambicioso tornava-os, quando no poder, intolerantes para
com os adversários políticos. Foram atacados com grande
energia, e finalmente constrangidos a resignar; mas tais fo-
ram os tumultos populares e ação violenta de seus partidá-
rios em seu favor, ·que foram reintegrados, tendo José Bo-
nifácio sido carregado em sua carruagem pelo povo através
da ruas do Rio de Janeiro. Oito meses mais tarde, uma co-
ligação de todos os partidos novamente produziu a exclusão
dos irmãos Andradas do ministério, porem não do poder.
Tornaram-se os opositores mais facciosos do Imperador e
do ministério que lhes sucedeu. Não os poupaNam em seus
ataques quer na Assembléa quer na imprensa.
Instruções Imperiais.
A Assem'bléa Constituinte pouco mais fez que discutir.
Seus membros eram na maioria homens de vistas estreitas e
pouca habilidade; razão pela qual os Andradas tiveram tanto
poder sobre as suas mentalidades, pela sua eloquência e co-
nhecimento da tática parlamentar. O Imperador, com gran-
8
80 D. P. KrnoER E J. e. FLETCHER
de dose de bom senso, dissera, na abertura da sessão legis-
lativa, que a recente " Constituição fundada nos moldes das
de 1791 e 1792 fôra reconhecida por de~ais abstrata e me-
tafísica para ser executada. Provavam-no os exemplos da
F rança e, mais recentemente, de Espanha e Portugal". Sua
Majestade Imperial parece ter tido uma alta compreensão
das excelências constitucionais, mas desejou um tipo que jul-
gamos dif ícil, e talvez impossível, de estar ao alcance do
povo brasileiro. "Necessitamos", disse ele na sua fala dr·
trôno, "uma Constituição na qual os poderes possam ser tão
bem divididos e definidos, que nenhum ramo do poder pos-
sa arrogar-se as prerrogativas de outro; uma Constituição
que possa ser uma barreira intransponivel contra qualquer
invasão da autorid~de real, quer pela aristocracia quer pelo
povo ; que evite a anarquia, e trate com zelo da árvore da
liberdade; debaixo de cuja sombra possamos ver a união e a:
independência do I mpério florescentes. Numa palavra, uma
Constituição capaz de despertar a admiração das demais
nações, até dos nossos inimigos, e que rvirá consagrar o
triunfo dos nossos princípios adotando-os" ( Da "Fala do
Trôno", 3 de máio de 1823) .
Não obstante tais instruções, a Assembléia Constituinte
uão contribuiu para o progresso do país elaborando um es-
tatuto que désse os resultados imaginados pelo Imperador.
Os Andradas continuaram sua oposição a várias medidas to-
madas pelo Governo. Sua Majestade se mostrava irritada
com as frequentes estocadas que davam nos portugueses in-
corporados no exército brasileiro. U ma violência praticada
por dois oficiais portugueses so'bre um suposto autor de um
ataques a eles, foi, no estado de excitação do sentimento pú-
blico, elevado á altura de um ultrage á nação. A vítima pe-
diu justiça á Câmara dos Deputados, tendo os Andradas em
alto som reclamado vingança contra os agressores portugue-
ses. O jornal sob a direção deles, o "Tamôio", (nome ti-
rado de uma t ribu de índios que foram os inimigos rancoro-
sos dps primeiros colonizadore~ portugueses), mostrava-se
o BRASIL E os BRASILEIROS 81
Governo de D . Pedro I.
O governo de Dom Pedro I se continuou por dez anos,
e, durante esse período, o país inquestionavelmente fez 1riaio-
res progressos inteletuais do que nos três séculos que vão da
descoberta á proclamação da Constituição Portuguesa em
1820. Todavia, não deixou de ter suas faltas e dificuldades.
Dom Pedro, embora não fosse tirânico, era imprudente.
Enérgico, porem inconstante; admirador da forma represen-
tativa de governo, porem hesitante na sua execução prática.
Elevado a heroi durante as lutas da independência, pa-
rece se ter deixado guiar mais pelo exemplo de outros poten-
tados do que por uma madura consideração do estado real
e das exigências do Brasil; daí, talvez, a sofreguidão com
que se aventurou a uma guerra contra Montevideo, que cer-
tamente teve suas origens numa agressão e, depois de parali-
zar o comércio, pôr em cheque a prosperidade e exaurir as
finanças do Império, terminou pela cessão completa e sem
restrições da província em li tígio.
Pode-se dar a entender que a derrota dos brasileiros na
Banda Oriental, através de uma aparente desgraça, foi uma
das maiores bençãos que poude ser conforida ao Império.
Parece-nos que essa guerra e seus desastrosos resultados ser-
viram de meio para preservar o Brasil de int roduzir em sua
Constituição medidas que, uma ivez postas em execução, te-
riam levado ao abandono de alguns de seus mais valiosos ins-
titutos. O insucesso das armas quasi aniquilou a sêde das
distinções militares que estava sendo despertada; e as ener-
gias das gerações nascentes foram portanto desviadas de pre-
ferência para as realizações civís, de que resultaram as me-
lhorias que serviram para consolidar a boa situação do E stado.
Motivos de insatisfação.
Somando-se á imprudência a inconstância do I mperador,
dizia-se, - e não sem alguma verdade - , que os seus hábi-
0 BRASIL E OS BRASI LEIROS 87
NOTAS DO TRADUTOR
Práia do Flamengo.
A minha residência no Rio era na Práia do Flamengo,
- assim denominada por ter sido em tempos primitivos fre-
quentada por essas li ndas aves. Imagine o leitor as práias
de Newport, Rhode I sland, ou a de Hastings, famosa pela
memoravel batalha, transferidas para os perímetros ur'banos
de Londres ou Nova York, de 1-podo que, tomando~se um
ônibus em Charing Cross ou Union Square, em quinze mi-
nutos se esteja sobre alvíssimas areias e em presença das
grandes ondas do mar, e fará uma idéa do que seja a Práia
do Flamengo. Entrando-se numa das "Gôndolas Flumi-
nen ses", no Largo do P aço, depois de barulhentamente per-
correr algumas ruas, encontra-se a gente junto ao M orro
da Glória, onde, si se deseja uma e, cursão morro acima,
desce-se da con dução e passeia-se por uma estrada que per-
corre pitorescas alturas, sentindo-se desde logo a briza
fresca que sopra do mar; ou, si se prefere um passeio mais
plano, salta-se na Rua do Príncipe. (* 25 ) As rodas e as vozes
igualmente barulhentas, impediram que até então quaisquer
outros sons ocupassem a nossa atenção ; porem agora o ma-
jestoso choque das ondas vem fer ir o nosso ouvido. As-
sombra-nos a vista o espetáculo dessas ondas quando, como
monstros crispados e espumantes, se erguem em sua vio-
lência e parecem di spostas a devorar toda a li nha de cons-
truções na sua furio sa arremetida. O próprio solo treme
a nossos pés, e o ai· vibra com suas poderosas pancadas.
Mas não 'h a perigo a temer. O litoral, a poucos pés de dis-
tância da areia, é guarnecido de rochedos, e, ao longo de
toda a práia o governo e os particulares mandaram cons-
truir fortes muralhas de pedra. Assim mesmo, ás vezes ,
o velho Neptuno afirma seus di reitos com tão tremenda
9
96 D. P. KmnER E J. e. FLETCHER
Esplêndido panorama.
Em frente á minha morada, vêem-se a baía até J urujuba
e Práia Grande ( * 26), e domina-se um panorama de t oda a
extensa Práia do F lamengo, do Posto Sinaleiro da Babilônia,
o escarpado Pão de Açucar e a entrada da baía. Ao longe,
vêm-se, nesta, ilhas verdejantes, e, no último plano, domi -
na a altaneira Serra dos Órgãos, ora iluminada pelo sol,
ora meio encoberta de neblina, porém constituindo sempre
o mais grandioso aspeto da paisagem. Da minha janela
dos fundos, á direita, posso observar a íngreme encosta sul
do Morro da Glória, e, á esquerda, por cima dos tetos de
telha vermelha, ergue-se o alto Corcovado, cuja vertente
voltada para a cidade é coberta de florestas.
Os "tigres ".
Estamos no auge da admiração; talvez mesmo repetindo
"Numa noite como esta ... "
O Morro da Glória.
Cena noturna,
"Uma névoa delicada e transparente se eleva sobre a terra ; a lua
brilha entre nuvens pesadas e extranhamente agrupadas. Os co11tor-
nos dos objetos iluminados por ela são nítidos e bem definidos, em-
quanto um mágico lusco-fusco parece apagar da vista os objetos
na sombra. Apenas ligeira aragem se faz sentir, e as mimosas vizi-
nhas, que enrolaram as suas folhas para dormir, ficam imoveis ao pé
da escura copa das mangueiras, das jaqueiras e das árvores que for -
11ecem os sublimes iambos. As vezes sopra um vento brusco, e as
folhas suculentas do cajueiro se ag itam; as grumixamas e as pitan-
gueiras deixam cair uma cheirosa chuva de flores côr-de-neve; as
corôas das majestosas palmeiras ondulam lentas sobre o teto parado
de verdura que elas dominam como um símbol o de paz e tranquilida-
de. Os gritos estrídulos das cigarras, dos gafanhotos e das rãs fazem
um incessante zunido, produzindo com a sua monotonia uma agra-
davel melancolia. Diferentes balsâmicos aromas enchem o ambiente,
e as flôres, abrindo alternadamente suas pétalas, á noite, deleitam o
olfato com seu perfume, - aqui os caramanchões de paulinias e
suas vizinhas, as laranjeira s, - ali tufos espessos de eupatorias, ou os
cachos das palmeiras em fl õr, que, subitamente se abrindo, desprendem
as suas flores, mantendo uma sucessão de fragrâncias; ('mquanto o
mundo vegetal enche a noite de del iciosos odores~ iluminado por uma
profusão de vagalumes que semelham milhares de estrelas errantes.
Brilhantes relâmpagos faiscam incessantemente no horisonte, elevando
o pensamento para a aleg re contemplação das estrelas que, cintilando
no silêncio solene do firmamento, enchem a alma do pressentimento
de maravilhas ainda maiores" .
106 D . P. KIDDER E J. e. FLETCHER
Igreja da Glória.
Festa da Glória
Numa outra ocas1ao, o discurso foi na festa anual de
Nossa Senhora da Glória e foi todo uma apologia do carater
da santa. Haviam procurado um dos mais populares pregado-
res da época, e ele parecia estar inteiramente convencido
de ter utn tema capaz de lhe proporcionar ilimitados recur-
sos. Não saiu dos superlàtivos: " As glórias da Sacratís-
sima Virgem não são para ser comparadas com as dos ho-
mens, mas tão sómente com as do Creador". " Ela fez tudo
o que Cristo fez, menos morrer como ele". "Jesus Cristo
era independente do Pai, mas não de sua Mãe". Tais sen-
timentos, entoados em conjunto, não deixaivam oportunida-
de para se penitenciar diante de Deus ou para a expressão
da fé para com o Senhor Jesus Cristo em toda a duração
do sermão.
Em 1852, por ocasião de uma festividade soleníssima
em honra de Nossa Senhora, um dos padres niais eloquen-
tes do Rio foi convidado para pronunciar o sermão na Igre-
ja de Nossa Senhora do Monte Carmelo, que fica ao lado
o BRASIL E os BRASILEIROS 111
10
112 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
NOTAS DO T RADUTOR
(* 25) Rua do Príncipe do Catetc, depois Rua Bela do Príncipe, é a
atual Rua Silveira Martins.
(* 26) Praia Grande, atual Niteroi.
(* 27) Karl Friedrich Philipp von Martius " Reise in Brasilien ", 1828-1831;
excertos dessa obra foram publicados nesta "Brasi1iana": n. 0 118 "Através da
Baía", trad. e notas de Pi rajá da Silva e Paulo \Vo1f.
(* 28) "Sketches of Life in Brazil" or a journal of a visit to the land
ot the cocoa and the palm (ou diário de uma visita á terra do cacau e da
palmeira), por Thomas Ewbank.
(* 28bis) José Lopes Pereira Baía, filho do Visconde de Merití; o seu
palacete estava situado no local, hoje ocupado pelo Palacio do Cardeal, à ma
do Catcte.
CAPiTULO VII
Irmandades.
Voltar da contemplação da natureza para os trabalhos
do homem, não é sempre uma agradavel troca; e as pala-
vras sempre citadas e muito conhecidas do Bispo Heber,
Misericórdia
H ospital dQ Jurujuba
Hospital de Jurujuba.
O hospital de Jurujuba foi para ·mim um lugar de fre-
quente visitação, durante o surto da mortifera febre amare-
la. Quantos pobres viajantes para o abismo vi eu, aí e a
bordo, longe de sua patria, de seu lar e de seus parentes,
11
128 D. P. K IDDER E J. C. FLETCHER
A nova Misericórdia.
O novo edificio da misericordia foi construido com
grandes proporções, e o seu aspeto, quando se entra no por-
to, é, no ponto de vista arquitetônico, verdadeiramente mag-
nifico. E ' construido de pedra, medindo 600 pés de com-
primento. E' somente a metade dele que se vê no desenho
junto, tirado de um daguerreotipo; o leitor ficará admirado
das dimensões desse benemerito edifício, quando lhe disser-
mos que é duplo, e que ha, por traz do representado na fi.
o BRASIL E os BRASILEIROS 131
Igrejas e Conventos.
Ha dentro da cidade do Rio de Janeiro e seus suburhios,
cerca de 50 igrejas e capelas, contam-se geralmente, entre
os mais custosos e imponentes edi ficios do país, embora
o BRASIL E os BRASILEIROS 133
Iluminação da cidade.
As ruas de poucas cidades são mais bem iluminadas do
que as do Rio de Janeiro. O gasômetro do Aterrado envia
as suas canalizações para os mais remotos suburbios da cida-
de, assim como atravez de muitos dos intrincados logradou-
ros da cidade velha e da cidade n_ova. Aqui não existe o
eufemismo que muitos governos municipais empregam nos
Estados Unidos - isto é - que a lua brilha durante a me-
tade do an o - ; pois no Rio, quer Cíntia esteja cheia ou
esconda seus raios por sob nuvens tempestuosas, -as lâmpa-
das continuam a brilhar, com toda a intensidade de sua luz.
O carvão para o gaz vem da Inglaterra.
Depois de 10 horas da noite·, pouca gente se ,vê nas
ruas. Os brasileiros são eminentemente um povo que vae
cedo para a cama e cedo se levanta. Quando o sino bate dez
horas, todos os escravos se somem; e ai , daquele que for
colhido na rua após o badalar, anunciando a hora em que a
lei prescreve que já devia estar em casa do seu s~nhor; si
se atraza, a policia prende-o e leva-o para a prisão comum
até que o seu proprietario venha resgatai-o por bom preço.
A mesma regra não se aplica aos homens livres; contu-
do, podia-se pensar que igualmente exerce a sua força sem
consideração de classe, uma vez que os fluminenses, em ge-
ral, recolhem-se às 10 horas. Nada é mais surpreendente,
para um estrangeiro do Norte, para quem as noites são tão
atraentes, com seu frescor, sua fragrância, e seu brilho, do
que ver as ruas e os belos suburbios da cidade quasi tão
abandonados e silenciosos como as ruínas de Teba ou P almira.
Ü BRASIL E OS BRASILEIROS 137
Polícia.
A policia do Rio de Janeiro é militarizada e bem disci-
plinada por oficiais do exercito. Seus componentes são do-
tados de plena autoridade, e fazem questão de usai-a. Grandes
dificuldades ocorrem às vezes entre os beleguins e os es-
trangeiros, quando, em certas ocasiões, estes merecem ser
censurados; mas, é bom para um "Young America", quan-
do cm viagem pelo Cabo
Horn em rumo à California,
sof rer a coacção total desse5
" brasileiros amarelos" que
eles afetam desprezar. A po-
licia é armada. Durante o
dia; podem ser vistos isola-
dos ou aos pares, guardàn-
do seus postos nos lugares
convenientes para fiscalizar
os escravos e todas as outras
pessoas suspeitas de promo-
ver desordens. Aqui é o po-
licial acompanhado de tres
ou quatro de seus compa-
nheiros, extrangeiros, acolá,
com um simples colega, per-
manece de pP junto à fonte
da, Carioca; ou então, com o Pol ícia e venda
Joe;o e loterias.
Ha, porem, uma ofensa ao bem publico, a que a policia
costumava fechar os olhos por ocasião da minha permanên-
cia no Rio, e que era o jogo. Parece ser um habito invete-
rado entre alguns brasileiros; quando estive retido em qua-
rentena com alguns brasileiros, tive oportunidade de verifi-
car quando todas as classes, representadas no "Lazareto",
entregavam à paixão do jogo, logo que o padre se retirava.
No Rio, as leis são muito severas contra as casas de jogo;
e ha vezes em que os seus proprietarios são prontamente
presos pela policia. Entretanto, na rua Princeza, durante
os anos de 1852 e 1853, um certo advogado, todas as noites
de sabado, transformava sua casa em ponto de reunião de
jogadores profissionais, (inclusive o advogado) e da nova
vítima que vinha ser depenada. Quando saia, todos os sa-
bados para o meu serviço religioso, às nove horas da ma-
nhã, as suas carruagens ainda estavam em frente á porta,
e os seus criados somnolentos, bocejavam e rogavam pra-
gas. Os policiais desciam regularmente a rua do Catete,
todas as horas da noite e do dia, e mesmo assim passavam-se
meses e meses sem que o antro fos se fechado, até que a suas
operações foram afinal suspensas pelo suicídio de um dos
parceiros.
Ha uma outra especie de jogo, mais deletéria em seus
efeitos, favorecida e sustentada pelo governo. Refiro-me
às loterias. Não se trata de "trapaça", pois os premios
existem, e, quando ganhos, são pagos. Se se pretende eri-
gir uma igreja, um teatro, ou qualquer outro edifício publi-
co o governo garante a extração de uma loteria. Ha sem-
pre 6 .000 bilhetes, a 20$000 cada um, sendo o mais alto
premio 20 contos, e o segundo premio metade dessa soma.;
140 o. P. KmnER E J. e. FLETCHER
Governo Municipal.
Mendigos.
Eis uma classe, que não pertence em especial a qualquer
região do mundo, e que está sob a especial vigilancia da po-
licia. Todos os sabados os mendigos fazem a sua coleta. O
Sr. Walsh (*29) notou, em 1828, que os mendigos são rara-
mente vistos nas ruas do Rio de Janeiro. I sto esteve longe de
se verificar em 1838, quando o Dr. Kidder aqui esteve. P ela
~
' ..
Mendigo
.
(26) O provérbio português é muito expres1,ivo: - "Quem
comeu a carne, que coma os ossos."
o BRASIL E os BRASILEIROS 143
Prisões.
A Casa de Correcção, a que nos referimos em pagina
anterior, está localizada junto de um alto morro, entre os
suburbios de Catumbí e Mata Porcos (*30). Os terrenos a ela
pertencente são cercados por altas muralhas de pedra, cons-
truidas pelos presidiários, que são utilizados em varios me-
lhoramentos do local. Na encosta do morro existe uma pe-
dreira, e numerosos presos são empregados em britar pedra,
para prolongar as muralhas e construir novos edifícios. Ou-
tros' são obrigados a carregar terra, em gamelas de madei-
ra na cabeça, de uma parte do terreno para outra, ou a en-
cher uns carros que, sobre trilhos de ferro, correm das mu-
ralhas interior_es até às Qordas de um alagadiço a quasi uma
milha de distancia, o qual, por esse processo, está sendo con-
quistado ao mar e convertido em valiosos terrenos. Os cri-
minosos mais refratarias são acorrentados juntos, geralmen-
te de dois em dois, e, às vezes, aos quatro e aos cinco, em
fila, levando uma corrente comum, presa na perna de cada
um deles.
A Casa de Correção é um belo edifício, que, no ponto
de ivista arquitetural não tem similar nos Estados Unidos. O
diretor, Sr. Falcão, encontra porem falhas no seu plano.
12
144 D. P. KrnnER E J. e. FLETCHER
Escravidão.
O assunto da escravidão no Brasil é um dos que per-
mitem maiores esperanças, e mais cheios de interesse. A
Constituição Brasileira não reconhece, nem direta nem indi-
retamente, a cor como base dos direitos civis; portanto, uma
vez livres, os homens brancos ou mulatos, si possuem ener-
gia e talento, podem erguer-se às mais altas posições sociais,
das quais a sua raça está excluída nos Estados Unidos. Até
1850, data em que o trafego dos escravos foi realmente abo-
146 D. P. KmnER E J. C. FLETCHER
Em favor da liberdade.
No Brasil, tudo é a favor da liberdade; (27) e tais são
as facilidades que encontra o escravo para se emancipar, que,
quando emancipado, si possue qualidades proprias, pode gal-
gar as mais altas eminencias
do que um preto simples-
mente livre, em nosso país,
por i,sso, um "fuit" poderá
ser escrito contra a escravi-
dão neste Imperio antes que
ocorra a segunda metade des-
te século. Alguns dos ho-
mens mais inteligentes que
encontrei no Brasil - ho-
mens educados em Paris e
Coimbra, - eram descenden-
tes de africanos cujos ante-
passados foram escravos. As-
sim si um homem tiver liber-
dade, dinheiro e merito, não
importa de que côr seja a
sua pele, não encontrará
posição nenhuma que lhe
seja recusada na socieda- Preto de ganho e quitandeira
de. E ' surpreendente tambem observar a ambição e
os progressos dos homens, que têm sangue preto correndo
em suas veias. A Biblioteca Nacional fornece não somente
Os negros minas.
Antigamente, os carregadores de café pertenciam à
melhor raça negra; eram quasi todos <la tribu dos Minas,
ela Costa ele Benin, atleticos e inteligentes. T rabalhavam
semi-nus, e suas formas ageis e sua péle preta ele azeviche
deixavam-se ver admiraveis quando se apressavam num
trote ligeiro, parecendo não darem conta de suas pesadas
cargas. Essa tarefa era bem paga, mas breve dava cabo
150 D. P. KrnnER E J. C. FLETCHER
Escravidão condenada.
Si se perguntar "quem trabalhará no Brasil, quando
não houver mais escravos?" a resposta será, que, mesmo
que os laços da escravidão sejam partidos, o homem e um
homem melhor, ainda existe ; virão imigrantes da Alemanha,
de Portugal, dos Açores e da Madeira.
1865, muitos estão emigrando do Sul dos Estados
Unidos.
Ü BRASIL E OS BRASILEIROS 153
NOTAS DO TRADUTOR
e• 29) Rev. R. W a!sh "Notices--0f Brnzil in 1828 and 1829", L ondres, ! 830.
(• 30) Rua Mata-P orcos, nome deri vado de Mata doa P orcos, atual E s-
tácio de Sá,
( " 31 ) Prisão do AljÚbe, na então Rua da Prainha.
( • 32) Loja de Paula llrito na antiga Praça da Constituição, depois
Largo <lo Rocio, hoje Praça Tiradentes, lado do T eat ro São P edro, at uai
Teatro João Caetano, a meio caminho das então ruas do Cano e dos Ciganos.
Poder-se-ia Supôr · que "o mulato que a dirigia", referido por Fletcher, seja
MachaJo de A ssis; este, porém, foi apenas empregado e colaborador da c:i!ia,
sendo a referência ao próprio P aula B rito, l ambem mestiço escuro.
CAPÍTULO IX
Religião.
A religião "Católico, Apostólica, Romana" é a reli-
gião do estado no Brasil; comtudo pela' liberal cons-
tituição do país e sentimentos igualmente liberais dos
'brasileiros, todos os demais credos religiosos têm o direito
de cultuar a Deus, como bem o entendam, quer em publico,
quer em particular, com a simples restrição, de que o edi-
fício da igrej'a não deve apresentar um "exterior de templo",
o qual foi definido pelos juízes superiores como sendo um
edifício "sem campana rios e sem sinos". O catolicismo ro-
mano no Brasil nunca foi sujeito às influencias com que teve
de lutar na Europa, desde a Reforma. Foi introduzido si-
multaneamente com os primeiros colonizadores do país, e,
por mais de trezentos anos, teve perfeita liberdade e gosou
de uma existência sem perturbações. Teve oportunidade
de exercer as suas melhores influencias sobre a mentalida-
de do povo, e de chegar ao mai s alto grau de sua perfeição.
E m pompa e ostentação não é ultrapassado nem na Italia.
Os maiores defensores da Igreja de Roma devem admittir
que a America do Sul foi um ótimo campo para a sua polí-
tica eclesiástica; e si a sua religião pudesse ter feito esse
grande povo esclarecido e bom, teria tido o poder de trans-
formar a America Portuguesa e Espanhola num paraíso mo-
ral, elas que são um paraíso natural. A Espanha e Por-
tugal, ao tempo da apropriação de suas possessões no Novo
Mundo, igualavam si é que não eram superiores à Ingla-
terra, em todos os grandes empreendimentos dos seculos
XV e XVI, mas, quão diferentes foram os resultados obti-
dos nas colonias que ambos fundaram! o Brasil é, a todos
os respeitos, o maior estado da America do Sul, justamente
o BRASIL E os BRASILEIROS 157
13
160 D. P .. KrnoER E J. e. FLETCHER
Festas de Igreja.
E ' particularmente notavel que todas as celebrações re-
ligiosas sejam julgadas interessantes e importantes na pro-
porção da pompa e do esplendor que ostentam. O desejo
de ter toda a exibição possível é geralmente o argumento
decisivo pelo qual se pede o patrocínio governamental e que
Ü BRASI L E OS BRASILEIROS 161
Procissões.
A procissão de Quarta-Feira de Cinzas é dirigida pela
Ordem Terceira dos Franciscanos, que partem da Igreja da
Misericordia, através das principaes ruas da cidade, até o
Convento de Sto. Antonio. Nada menos de vinte ou trinta
andores com imagens são carregados nos hombros. Algu-
mas dessas imagens vão sozinhas, outras em grupo, preten-
dendo ilustrar varios acontecimentos da historia 'bíblica ou
da mitologia catolica romana. As vestimentas e ornamen-
tos dessas imagens são do mais pomposo aspeto. Os es-
trados, sobre os quaes são colocadas, são muitíssimo pesa-
166 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
:Matando o judas
Santa Prisciliana.
Em 1846, um distinto brasileiro teve a honra de trans-
portar de Roma para o Rio, os restos sagrados da virgem
martir Sta. Prisciliana. Pareceu a todos a mais auspi cia-
m aquisição que a cidade poderia fazer, mas por alguns foi
altamente condenado como uma solene mistificação. Ape-
zar de tudo, inaug uraram o seu rel icar io. Para que os
ossos não parecessem tão repulsi·vos, como os <las celebres
Onze mil virgens da Igreja de Sta. Ursula cm Colonia, as
frageis rcl iquias de Sta. Prisciliana, foram modeladas em
cera, por algum habil artista de Roma, na ocas ião em que,
segundo dizem, a santa foi removida das catacumbas, onde
estava enterrada havia mais de mil anos! Os traços de Sta.
Prisciliana fo ram gravados, e a sua imagem pode ser "troca-
da". A Sa nta vem representada com uma espada desagrada-
Yelmente atravessada na sua deli cada garganta, o que significa,
como o bispo <lo Rio de Janeiro o afirma, (32) que o Impe-
rador Juliano, o Apostata, mandou matai-a desse modo! O
erndito bispo não nos dá as razões da sua afirmação; mas os
fieis não põem a menor duvida no que um alto prelado afim1a.
Não sei que mil agres ela tem feito no Rio, pois muito pouco
14
176 D. P . KIDDER E J. C. FLETCHER
NOTAS DO TRADUTOR
A casa brasileira.
Proponho-me neste capitulo estudar a residencia e a
familia, - traçar a educação das crianças desde a infancia
até quando vão ocupar as posições da idade adulta.
A casa da cidade não é um Iugar atraente: as co-
cheiras e as cavalariças fi cam no primeiro andar, emquan-
to que a sala de visitas, as alcovas e a cozinha ficam no
segundo. Não é raro existir uma pequena área ou pateo
ocupando o espaço entre a cocheira e a ca"Valariça, e esse
espaço separa, no segundo andar, a cozinha da sala de
jantar.
A gravura j unto representa
uma das mais velhas residên-
cias de cidade no Rio, o acesso
à escada se dá por uma grande
porta pela qual a carruagem en-
tra barulhentamente, nos dias de
festa e dias santos. À noite é
fechada com grades de ferro,
das dimensões das que são usa-
das nas prisões. T odos os seus
ferroihos, trancas, fechaduras,
ou outro qualquer gênero de
ferragem, parecem ter sido tra-
zidos da secção pompeana do
Velha moradia brasileira
museu Bourbônico de Napoles.
As paredes, compostas de blocos de pedra, cimentados po r
argamassa comum, são tão espessas como as de uma fortaleza.
Durante o dia, entra-se pela g rande porta e para-se
no começo da escada; nenhuma aldraba ou sineta anuncia
a presença do visitante. E' preciso que a gente bata com
180 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
A mulher brasileira.
As maneiras e costumes das damas brasileiras são gen-
tis, e seu porte gracioso. E' verdade que não teem uma
Lase de conhecimentos variados para tornar agradavel e ins-
trutiva a sua palestra; mas tagarelam insignificâncias de
modo sempre agra<lavel, exceto pelo alto tom de sua voz, que
eu suponho lhes venha das ordens frequentes que dá aos
congos e moçambiques. Suas reservas !iterarias consis-
tem principalmente em novelas de Balzac, Eugenia S ue, Du-
mas pai e filho, George Sand, em intrigas de pacotilhas e
folhetins dos jornaes. Assim elas se preparam para espo-
sas -e mães.
O Dr. P. da S. (*34) - cavalheiro que toma um profun-
do interesse por todos os assuntos de educação e cujas idéas
aplica com sucesso aos seus proprios filhos, e que possue
sólidos conhecimentos somados a belos dotes de espíri to,
disse-me uina vez "Desejo de todo meu coração ver o dia
em que as nossas escolas para meninas sejam de tal natu-
reza que uma jovem brasileira nelas se possa preparar, por
182 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
A caminho da mi isa
Os Mercados.
Os mercados do Rio são abundantemente supridos de
toda cspecie de peixe, entre os quais muitas especies deli-
cadas, desconhecidas no Norte. Pagam-se altos preços pelas
especies mais finas. As chamadas "garoupas" são muito
procuradas como prato de resistencia para as ceias e noites
de baile, 50$000 ( cerca de 25 dolares) chega a ser pago
por um peixe nessas ocasiões. Um peixe é sempre o em-
blema de uma casa de pasto, ou restaurante comum, no R io.
O mercado, junto do Largo do Paço, é um ponto 1gra-
davel de se visitar nas horas frescas da manhã. Ramos de
flores perfumam o ambiente, e as verdu ras e frutos ,visto-
sos contrastam com o rosto escuro das imponentes neg-ras
minas que os vendem. "Qual é o preço di sto?" - "Quan -
to o Sr. dá?" - é a resposta infalível; e ái daquele que ofe-
rece o primeiro preço de inocente comprador, na sua tenta-
tiva de negociar com essas damas ,de ar majestoso, cuj a
aparencia parece indicar que, para elas, vender ou não ven-
der é igualmente indiferente, está abaixo de suas p reo-
cupações.
Os frutos indígenas do país são excessivamente ricos e
variados. Alem das laran jas, li mas, côcos, e abacaxis, bem
conhecidos entre nós, ha mangas, bananas, fr utas de conde,
maracujás, jambos, mamões, romãs, goiabas, araçás, cam-
bucás, cajús, cajás, mangabas, e muitas outras espécies, cujos
nomes são hebraico para os ouvidos do Norte, mas que su-
gerem a um brasileiro a idéia de frutos ricos, refrescantes e
deli cados, cada qual com o seu sabor peculiar e delicioso.
Com tal variedade capaz de suprir a t odos os desejos,
quer digam com as necessidades quer com os luxos da vida,
ninguem se pode queixar. Esses artigos são encontrados
profusamente nos mercados, e são, tambem, levados pela
190 D. P. KrnDER E J. e. FLETCHER
Alimentação diária.
Em muitas fami-
lias uma chícara de café
forte é tomada ao ama-
nhecer, seguindo-se
uma refeição substan-
cial. O jantar é geral-
mente servido aproxi-
madamente a uma ou
duas horas - pelo me-
nos onde ainda não foi
adotada a hora dos es-
trangeiros. A sopa faz
parte comumente dessa
refeição, seguindo-se-
-lhe carne, peixe, j un-
tamente com massas.
Exéeto no jantar de ce-
rimônia, um excelente
prato, muito apreciado Uma barganha
pelo estrangeiro, encon-
tra sempre lugar na mesa brasileira. Compõe-se de f eijão,
(feijão p reto do país) m isturado com carne seca e toucinho.
Farinha é espalhada por cima, ou, preparada como uma pasta
15
192 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
O aguadeiro ilhéu
Diversões familiares .
A· senhora flumi nense tem, de vez em quando, alguma
folga na sua faina de andar f iscalizando escravos e tomando
conta da casa: é quando o marido as leva para Petropolís ru
T ijuca, ou lhes dá algumas semanas de ar livre, em Constan-
cia ( *35) e Nova Friburgo. Tais visitas não são, entretanto,
tão frequentes, como as desejariam elas. As senhoras devem
contentar-se com as fes tas, a opera e os bailes, como um fat.~
extraordinario no meio do seu ciclo usual de deveres. Uma
Ü BRASIL E OS BRASILEIROS 195
Instrução Superior.
Cursando um desses estabelecimentos, os jovens bra-
sileiros, chegam ao ponto mais alto de sua instrução. Um
estabelecimento a que já nos referimos, e que ultimamente
despertou maior interesse do que todos os demais, na capi-
tal do Brasil, foi fundado nos ultimos meses do ano de
1837, sob a denominação de Colegio de D. Pedro II. E'
destinado a dar uma completa educação escolastica, e cor-
responde, ao seu plano geral, aos liceus estabelecidos na
maioria das províncias, embora a sua dotação e patrocínio
sejam provavelmente superiores aos de qualquer outro esta-
belecimento congênere. Na sua fundação houve uma ativa
competição para constituir o seu professorado, composto de
8 ou 9 membros. Todos os· postos, segundo se diz, foram
preenchidos dignamente. A concurrencia de estudantes foi
muito consideravel, para a constituição das primeiras tur-
mas. Um ponto de grande interesse relacionado com essa
instituição é a circunstância de que os seus estatutos pre-
vêm expressamente a leitura e o estudo dos sagrados Evan-
gelhos em língua verna,...ula. Algum tempo antes da fun da-
ção do Colegio a Bíblia, era adotada em outras escolas e Se-
minarios da cidade, onde não ficaram menos consideradas
depois de um exemplo tão digno ele imitação da parte do
colegio do Imperador. O reverenclissimo Sr. Spaulding (*36)
(que foi companheiro do Dr. Kidder, no Rio de Janeiro),
aplicou-se em fornecer bíblias a um professor e a uma classe
inteira de estudantes, tendo isso feito com grande satisfa-
ção por meio de uma oferta das Sociedades Bíblicas e Mis-
sionarias.
200 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
O moço brasileiro.
O joven brasileiro (falo naturalmente do filho de fo,
mília de alta posição social) depois d e deixar o colegio
entra para a Academia M édica, ou, si tem inclinação guer-
reira, torna-se um aspirante ou um cadete, ou, possivelmen-
te entra para o Seminario de S. José. Si tem vocação p<1ra
o direito, é mandado para a E scola de Direito, d e S. Paulo
ou Pernambuco. O joven brasileiro não aprecia coisa
nenhuma que seja vulgar, prefere ter uma fita dourada em
volta de seu boné, um · alto salario garantido, aos cuidadns
e trabalhos ,do escritorio. Os ingleses e alemães são os im-
portadores, os portugueses os trabalhadores, os franrese8
cabeleireiros e vendedores de moelas, o italiano é o vende-
dor ambulante, o ilheo português é o dono da venda, e o
brasileiro é o cavalheiro. Todos os lugares que dependem
do governo estão repletos de jovens adidos, desde os cargos
cliplomaticos até algum rendoso cargo na Al fandega. O
brasileiro, sentindo-se superior a essas mesquinhari as da
vida, é um homem de lazeres, e, olha por baixo, com per-
feita satisfação ,d e si proprio, o estrangeiro que está sempre
sobrecarregado, preocupado, atarefado. O brasileiro de 25
anos é um requintado. Veste-se pela ultima moela de Paris,
usa uma bela bengala, seus cabelos são os mais macios e
alisados que a escova pode fazer, sc!us bigodes irrepreensi-
veis, seus sapatos do modelo mais vistoso e do menor tama-
nho, seus diamantes brilhando e seus aneis excepcionaes : em
sw11a, ele faz um alto conceito de si proprio e de sua indn-
mentaria. O seu tema de conversação pode ser a opera,
o proximo baile, ou alguma joven dama cujo pai tenha
muitos contos de réis.
Apezar de tantos requintes, muitos destes homens, na
vida pratica - no circulo diplomatico, na côrte, na Camara
dos Deputados ou no Senado - demonstram não ser defi-
cientes, tendo talento e capacidade. Todos eles, quasi, sa-
202 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
Estadistas brasileiros.
Entre os notaveis politicos e oradores do Brasií, pode-
se contar o Marquez de Olinda , ('Pedro de Araujo Lima)
que foi educado na Universidade portuguesa de Coimbra, e.
tem dedicado mais de 30 anos de sua vida ao serviço do
país. Foi regente durante a minoridade do Imperador, e,
por varias vezes , membro do gabinete.
O Marquez de Abrantes, ( Miguel Calmon du Pin)
habil diplomata consumado financista, e notavel orador, foi
em diferentes períodos membro do gabinete, tornando-se
ainda mais conhecido por uma obra em que relatou a sua
missão diplomatica na Europa. O i\farquez de Abrantes foi
presidente de uma das uteis e importantes sociedades do
Brasil, - a "Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional"
- sociedade particular de homens cujo objeto é fazer pro-
gredir os interesses agrícolas, mecanicos e minerais do país
pela importação <le maquinismos modelos, pela corresponden-
cia com agricultores e fabricantes de todo o mundo, pelo com-
bate à indiferença e indolencia e todas as desastradas roti-
nas da agricultura, e pelo desenvolvimento dos recursos do
país. (Morreu em 1865).
Entre os Estadistas veteranos pode-se mencionar o Se-
nador Vergueiro ( que foi regente durante a minoridade de
Pedro II) que materialmente fez progredir a prosperidade
de seu país, promovendo, à sua propria custa, a imigração
européia. Um retrato mais minucioso desse nobre octoge-
nario encontra-se em outro capitulo ( Morreu em 1860).
O Visconde do Uruguay (Paulino J osé Soares de Souza)
foi antigamente orientador da política brasileira, tendo sido
Ministro das Relações E:irteriores quando o cruel ditador
Rosas foi vencido pelos exercitos aliados do Brasil e da
Argentina e expulso de Buenos Aires. (Morreu em 1866).
O Visconde de Itaboray (Joaquim José Rodrigues
Torres), é um habil financista, que foi por varias vezes
o BRASIL E os BRASILEIROS 207
16
208 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
NOTAS DO TRADUTOR
( • 33bis) Barão do Andar aí.
(• 34) Dr. M an_uel P acheco da Silva , Di retor do Colégio de Pedro II.
(* 35) Constanc,a , n a Ser r a dos órgãos, sit uada provavelmente próximo
do atual "Quebra-Frascos" em Terezópolis, Estado do R io. A fazenda do Sr.
Marsh, depois ocupada pelo "Hotel Bessa", fica no atual Alto de Terezópolis
e é referida por todos os histor iadores da cidade fluminense ; mas, nem mesmo
no seu maior historiador, Armando Viei ra, ha referências ao hotel do Sr. H eath
na então localidade de Constância, '
(• 36) Sobre o Rev. Spaulding, lê-se, no "Expositor Christão " de jull,o
de 1936, em artigo sobre a h istória do Protestantismo no Brasil, o s eguinte :
"Justin Spaulding, juntamente com Daniel P. Kidder, J ohn Dempster e J . F .
Thompson e out ros pioneiros que, de 1836 em diante, levaram avante a obra
iniciada por Pitts ".
e• 37) Luiz Alves de Lima e Silva, depois D uque de Cax ias.
(* 38) F rancisco Gê Acaiaba de Montezuma.
(* 39) F rancisco lgnacio de Carvalho Mor eira.
(* 40) Damos por extenso os nomes citados nesta nota : João Luiz V ieira
Cansanção de Sinimbú, José P aranhos (Visconde do Rio Branco), Francisco
Octaviano de Almeida R osa , Benedito e Teófil o Ottoni, J osé Antonio S araiva,
José Bonifacio, o Moço (sobrinho do Pr.triarca ) , P ed ro Luiz Soares de Souza
• Luiz José J unqueira Freire.
CAPÍTULO XI
A mandioca.
Aí, tambem, podem ver-se campos de mandioca, plan-
ta que está tão associada à alimentação do Brasil, como
212 D. P. KIDDER E J. e. F LET CHER
Os tatús.
Quem os revolveu foram os tatús (" armadill os") ; com
o seu focinho pontudo, suas fortes garras, esse pequeno
animal, armado de um escudo, admiravelmente se adata à
operanção de cavar buracos, o que faz com tão maravilhosa
rapidez, que é quasi imposivel apanha-lo cavando a terra
em que se esconde. Os caçad~s, em tais circunstancias,
recorrem ao fogo, e obrigam pela fumaça o tatú a sair do
seu esconderijo. Não conseguindo suportar a fumaça da
madeira queimando, o pobre animal foge pela abertura re-
centemente feita, enrola-se em si mesmo, e é facilmente ca-
turado, sendo a sua delicada carne enviada logo para a co-
zinha. Esse poder de enrolar-se em si proprio tão, comple-
tamente dentro de sua carapaça, dá-lhe um aspeto semelhan-
o BRASIL E os BRASILEIROS 219
As faluas.
Regressando ao Rio de Janeiro, pode-se variar o modo
de condução tomando passagem numa falúa . E' uma espe-
cie de bote, com !Velas latinas, pesando vinte ou quar_enta
toneladas. E' manej ada por um patrão, que cança e torna
exaustos os pobres pretos remadores. Quando faz calma-
ria, os negros mais que semi-nús, lentamente movimentam
seus longos remos, e esses são tão pesados que, para obter
um impulso, são obrigados a trepar numa especie de banco
diante deles, e assim levantando e deixando cair os remos ao
som de uma monotona cantiga a fricana, formam um dos
aspetos mais peculiares do Rio. Muitos passageiros das
classes mais pobres viajam nessas falúas, porem elas são
principalmente usadas no t ransporte de carga leve, entre as
varias povoações da margem da bacia. Se tomarmos a falua
na Saude, atravessaremos grande quantidade de navios, an-
corados no porto.
220 D. P. KrnnER E J. e. FLETCHER
O comercio brasileiro.
O grande interesse do comercio brasileiro atrai um
imenso numero de navios, de todas as partes cfo mtu1<lo.
O proprio Brasil possue a segunda frota do mundo ociden-
tal, e suas fragatas a vapor e transportes de guerra presta-
ram capital serviço na vitoria sobre o tirano Rosas de Bue
nos Aires. Desde 1839, que o Brasil conta com linhas de
vapor, que percorrem todas as quatro mil milhas do seu li-
toral, mas foi somente em 1850, que se estabeleceu a· comu-
nicação por meio de vapores com a Europa. Foi então
que a " Royal British Mail Steamship Company", cnj os
navios partiam de Southampton, iniciou as suas viagens
mensais. Em 1857, o Brasil teve por algum tempo seis di-
ferentes linhas de navegação a vapor ligando a Inglaterra
França, Hamburgo, Portugal, Belgica e Sardenha.
17
224 D. P. KIDDER E J. e. FLETCH ER
per cur so, que é o menos natural possivel, mas eram tambem
compelidos a se submeterem ás mais hostis desvantagens,
ficando quasi a rüercê de seus rivais da Europa. E' pois
para lamentar que o Congresso de 1857-58 não tivesse tido
tempo para resolver a respeito da proposta que lhe foi feita.
Mas foi apenas uma questão de t~mpo. Em Junho de 1865,
o Senado do Brasil aprovou o projeto ( apresentado á Ca-
mara dos Deputados em 1864), baseado numa lei do Con-
gresso N arte Americano, assinada pelo presidente Lincoln,
a 28 de Maio de 1864, com as seguintes resoluções: que o
Brasil se una ao Governo dos E stados Unidos para garan-
tia de um subsidio comum a uma linha de vapores, que faça
doze viagens de ida e volta por ano, de Nova York ao Rio
de Janeiro, tocando em S. Tomaz, Pará, Pernambuco e
Baia. O bteve esse contrato a " United State and Brasil
Mail Steamship Company".
Atraz da Ilha das Enxadas ancoram os v~ores da
"Royal Mail," os da França e os de Liverpool, depois de
fazerem a mais agradavel das viagens (si excetuarmos uma
apenas) que ,conhecemos na navegação oceânica. Tenho via-
jado por muitos mares mas somente uma outra viagem co-
nheci que, igualadas as circunstancias, se compara a essa
,viagem do Rio de Janeiro á Inglaterra. Fica-se fora de
vista da terra apenas seis dias, no maior trecho, ( de Per-
nambuco às Ilhas de Cabo Verde) enquanto o numero
médio de dias no mar, sem parar, é de doi s e meio. Do
Rio á Baia, são apenas três dias de navegação a vapor sobre
as aguas equatoriais ; e as dez ou doze horas na segunda ci-
dade do Imperio dá muito tempo para passeios restaurado-
res ou cavalgadas pelos seus arredores. Em menos de dois
dias, desembarca-se em Pernambuco, onde se passa de doze
a vinte horas fazendo uma provisão de belas laranjas e aba-
caxís ( otimos contra o enjôo) e adquirindo alguns papa-
gaios gritadores ou micos tagarelas, para ·presentear os ami-
gos europeus. E m seguida, partimos para S. Vicente, Cabo
Verde, onde ficamos duas h~, e, rumando em seguida
Ü BRASIL E OS BRASILEIROS 225
O cemitério inglês.
Do ancoradouro até o Cemiterio Inglês da Gamboa, a
distancia por agua é de pouco mais de uma milha; e, mui-
tas vezes, tive que exercer a melancolica profissão desde o an-
coradouro até às verdes muralhas daquele quieto e retirado
repouso para os mortos. Nesse belo e segregado recanto,
dorme mais de um Ministro plenipotenciario ou Almirante.
Homens de posição eminente juntamente com cidadãos in-
gleses e norte-americanos desconhecidos, alemães, france-
ses, suecos, e representantes da marinha mercante de quasi
todas as nações, dormem aí o seu ultimo sono. Nenhuma
outra parte do Rio de Janeiro exerce sobre mim maior im-
pressão. Quer quando aí lia o solene serviço funebre, para
muitos ouvirem, ou quando, acoinpanhado apenas do sacris-
tão ficava de pé diante dos tumulos recem-abertos, ou, so-
zinho, percorria as suas alamedas sombrias. Esse cemite-
rio pertence aos ingleses; mas nenhum pedido de consul de
qualquer outro pais para um defunto ser enterrado, é re-
geitado. ·
Embora os ingleses, quer no seu país, quer no Rio,
tenham feito muito para preparar e embelezar um local con-
A Igreja inglesa.
A Igreja Ingleza está situada na rua dos Barbonos (*42)
próximo ao Largo da Mãe do Bispo. Esse pequenino edi-
fício foi erigido em 1823, quasi imediatamente depois da in-
dependência do Brasil. Os serviços aí são feitos todas as
manhãs de domingo, às 11 horas, e os residentes ingleses
experimentam um sentimento domestico quando se encon-
tram reunidos com os seus concidadãos para ouvirem o belo
e sagrado serviço, a que estão acostumados na terra de seu
nascimento. E' contudo penoso pensar que tão poucos des-
frutam a oportunidade que essa capela proporciona para se
Ü BRASIL E OS BRASILEIROS 231
Capela inglesa
A Tijuca.
Do cemiterio da Gamboa, avista-se a serra da Tijuca, e,
entre os muitos passeios perto da cidade, nenhum ultrapas-
sa em interesse uma excursão a cavalo nessas montanhas.
Passa-se pela longa rua do E ngenho Velho, ( *43) alinhada
de residencias das familias mais ricas, cada qual cercada de
sua chacara .com a sua vegetação constante de mangueiras, la-
ranjeiras, e palmeiras, misturadas a flores dos mais brilhan-
tes coloridos no fim da qual alcança-se a base da montanh11.
Aí se vêm muitas vilas pitorescas, com varandas na frente,
tendo muitas vezes na entrada um grande portão de ferro,
onde, às tarde, a familia se senta, e distrae as suas horas de
lazer vendo passar os transeuntes. Essas residencias de
campo são construidas em estilo que condiz com o clima
quente. O frontão e as cornijas das casas são ornamenta-
das de arabescos, num fundo azul vivo. Nenhuma chaminé
fumegante deforma os telhados; as paredes brancas relu-
zem entre a folhagem escura, ou formam forte relevo con-
tra os flancos abrutos da montanha. As familias do lugar
moram geralmente na planicie ou proximo da estrada, sem-
pre cheia de atrativos ; porem os ingleses, fiei s ao seu ca-
rater nacional, galgam a montanha, e constroem o seu ninho
entre as nuvens.
o BRASIL E os B RASI LEIROS 233
O Hotel Bennett.
Depois de uma longa contemplação, retirámo-nos ape-
nas satisfeitos pela metade e o panorama' desaparêceu de
nossas ,vistas na otttra vertente da montanha mas logo em
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Cascatas.
As excursões partindo do hotel do Sr. Bennett são as
mais variadas e interessantes. Para subir a Pedra Bonita,
e contemplar o panorama montanhoso e o longínquo en-
contro do céu com o oceano, basta o delicioso trabalho de
poucas horas. O encanto da Tijuca é que, ao passo que o
seu clima é invariavelmente um clima de Junho e a sua ve-
getação é tropical, ela possue as borbulhantes cascatas e
barulhentas quedas dagua da Suíça. Passeando daí em di-
reção ao Rio, voltando para a esquerda, poucos minutos
nos levarão a um límpido regato, que corre como uma fai xa,
descendo os flancos da montanha, e, enviam
-7~.... \J··r-,.rÍ ·1
\ ./ ·
A Gávia.
Da Tijuca pode-se fazer uma belissima excursão em volta
da Gavia, montanha cujos flancos possuem curiosos hiero-
glifos, que, por mu ito tempo, ocuparam a atenção dos sa-
bios. Esses caractércs se assemelham aos dos romanos; po-
rem a melhor explicação de sua existencia nessa muralha
íngreme é que a natureza os tenha esculpido, com as chuvas
e o sol, e talvez em tempos remotos, com pequenos arbus-
tos, cujas sementes, depositadas pelas aves de alto vôo, cres-
18
24-0 D. P. KrnnER E J. t . FLETCH ER
ceram n_as frestas até que as suas rai zes mergulhadas per-
mitiram a chuva penetrar nas partes friaveis da rocha.
Essa excursão pode-se prolongar até uma praia, ba-
nhada pelas ondas que circundam o Jardim Botanico, acima
do qual, de um dos morros mais baixos, descortina-se um
panorama não ultrapassado pelo dos lagos Como e Mag-
giore. O abruto Corcovado apresenta-nos um novo aspeto
quando visto dessa serena lagoa Rodrigo de Freitas (*) .
As altivas palmei ras do Jardim Botanico, vistas dessa
altura, parecem arvores de um jardim de brinquedo de
criança. A serra, que atravessa a baía do Rio, toma todos
os tons que vão do purpura até o azul , durante o dia, e,
quando o sol ao entardecer dardeja seus raios através do Pão
de Açucar e dos Irmãos, a distante fortaleza de Sta. Cruz
ergue-se rubra das aguas e das montanhas.
Uma senhora minha amiga, que desenhou para mim a
figura representada junto, acompanhou a dadiva com essa
observação relativa às tintas exóticas dessa região tropical:
"Anos de familiaridade nunca destruíram em mim o encan-
to e o maravilhoso desses tons, que um pintor hesitaria em
colocar sobre a sua tela para mostra-la aos habitantes de uma
região menos exu'berante ".
Menor; porem, é a dificul dade , de transferir para o
desenho a preto, os contornos desnudados dessas montanhas
de formas tão peculiares, que tão abundantemente se apre-
sentam nas cercanias da Província da capital do Imperio; e
as mu itas cenas, que representamos neste capitulo de "O
Brasil e os Brasileiros" e que servem para documentar as
minhas afirmações, mostrarão o absurdo e tambem o des-
cuido das descrições dadas, mesmo nas ultimas edições ame-
ricanas por Me. Culloch das visinhanças do Rio de J aneiro,
as quais segundo ele, "são consti tuidas por grande numero
de planicies " !
Jardim Botânico.
O Jardim Botanico, para onde pudemos agora facil-
mente descer, está situado num local romantico, que se al-
cança da cidade por uma bela garganta, que nos leva, atra-
vés de Botafogo, passando sob as sombras do Corcovado.
Não é um jardim de flores, porem antes um "J ardin des
Plantes", onde um raro exoticismo, que vai das mais deli-
cadas parasitas até às mais altivas palmeiras, se patenteia
à nossa observação. Aí, pudemos contemplar tufos de ci-
namon, a arvore-do cravo, acres de chá da China, "Nogaras
da India", fruta, pão, cacau, e arvores de canfora, alem de
muitas outras que são objeto de grande curiosidade. Havia
aí uma arvore, meio escondida pelas copadas mangueiras,
que visitei muitas vezes, com especial emoção. Era uma
pequenina "maple", norte americana. Quando olhava para
essa pequena arvore exotica nas terras distantes, onde as ra-
jadas do inverno não batem contra as suas folhagens, onde
nem m~smo o frio do outomno pode revestil-a destes varia-
dos tons que as flores do clima tropical dificilmente ultrapas-
sam, - senti simpatia pelo beduino do deserto que, contem-
plando a palmeira no "Jardim das Plantas" de Paris, se
transportava, por sobre montanhas e mares, até à terra do
seu nascimento.
O mais surpreendente aspeto do Jardim Botanico para
um estrangeiro do Norte é a longa aléa de palmeiras reais,
(Oreodoxa regia), por onde se entra, junto ao grande por-
tão, e que, pela sua regularidade, extensão e beleza, não tem
rival. E' uma colunada coríntia natural, cujos graciosos
capiteís, verde-brilhante, parecem suportar uma porção da
abobada azul, que se arqueia sobre eles.
Os ultimos raios do sol já colorem de purpura os picos
graníticos em volta de nós, e, depois de um galope pela rua
de S. Clemente, ladeada de vilas, atingimos Bota fogo; as
lampadas já estão tremeluzindo e derramam a sua luz so-
bre o contorno dessa graciosa enseada, onde anualmente se
242 D. P . KIDDER E J. e. FLETCHER
NOTAS DO TRADUTOR
(* 41) Dr. Thomas Rainey.
(* 42) Rua dos Barbonos , atual Evaristo da Veiga.
(* 43) Rua do Engenho Velho, atual H addqs;k Lobo.
(* 44) Nos antigos " Guias" do Rio de J aneiro, como por exemplo, o de
Valle Cabral (1884) figura, entre os passeios da Tijuca, o "Retiro do Ginty",
provavelmente a chácara que pertencera ao Diretor da Companhia de Gás do
Rio de Janeiro, na época em que foi escrita a presente obra. •
(* 44bis) No Almanaque Laemmert de 1868 figura o hotel do Sr. Bennett
com a denominação "Hotel da Tijúca". Essa casa, memoravel ria história
cultural do Brasil, pois está ligada a varios estranjeiros célebres vinculados
ao Brasil (Agassiz , Hartt, Gottschalk) ficava a meio caminho do Alto da Boa
Vista e da estrada da Cachoeira, tendo vistas sobre o Atlantico.
CAPÍTULO XII
Recordando a História.
Estamos lembrados que foi no Campo de Sant'Anna
que os cidadãos, reunidos em Abril de 1831, pediram a D.
Pedro I que restabelecesse o Ministerio, que merecia a pre-
ferencia do povo. Diante da recusa do Monarca a esse pe-
dido, repetida e respeitosamente instado pelos seus proprios
magistrados, varias divisões do exercito e da Guarda Na-
cional juntaram-se ao povo. Um ajudante foÍ enviado ao
Palacio de S. Cristovão para receber a resposta definitiva,
que foi dada sob a forma da abdicação do monarca, em cir-
cunstancias, que fazem jús à nossa mais alta admiração.
O ajudante, (Miguel de Frias Vasconcelos) voltou a
todo galope de S. Cristovão com o decreto de abdicação nas
mãos. Foi recebido com as mais animadas demonstrações
de ju'bilo, e o ar da manhã ressoou com os vivas a D.
Pedro Segundo.
o BRASIL E os BRASILEIROS 247
A Regência.
Logo de manhã cedo, todos os deputados e senadores
da metropole, juntamente com os ex-ministros de E stado.
reunham-se na casa do Senado, e nomearam uma Regência
provisoria, (*45) composta de Vergueiro, Francisco de Lima
e o Marquez ele Caravelas, que deviam admi ni strar o país até à
nomeação de uma Regencia permanente, (*46) regulada pela
Constituição. O filho do antigo Imperador, em favor do
qual foi feita a abdicação, ainda não contava seis anos ele
idade; - entretanto, foi levado em triunfo pela cidade, e
a cerimonia da sua aclamação como Imperador foi prepara-
da com todo entusiasmo que se possa imaginar. Durante a
succesão desses acontedmentos, o corpo diplomatico esteve
reunido em casa do Nuncio Apostolico, para resolver sob re
a atitude que ·devia tomar, diante da revolução vitoriosa.
O Sr. Braun er-::arregado de negocios norte-americanos
comunicou não poder estar presente a essa reunião, perce-
bendo que o seu especial objetivo era proteger os interesses
ela realeza. Aqueles que se reuniram, entretanto, concor-
daram em enviar tttna md1sagcm às autoridades existentes,
na qual, depois de afirmar que a segurança de seus conci-
dadãos perigava no meio dos movimentos populares que se
estavam desenrolando, pediam, para aqueles um mais explici-
to gozo dos direitos e imun idades concedidas pelas normas
e tratados das nações civilizadas. Mais tard~ resolveram
procurar o ex-Imperador, em comissão, para ouvirem de
seus labios si de fato ele havia mesmo abdicado!
Essas medidas eram altamente ofensivas ao novo gover-
no, sendo consideradas como uma interferencia não solici-
tada. O governo ficou altamente satisfeito com a atitude
mantida pelo sr. Braun assim como pelo sr. Gomez, encare-
gado de negocios da Colombia. que discordaram da politica
dos agentes diplomaticos. O Ministro de Estado observou
que a conduta de ambos havia sido a de "verdadeiros ame-
ricanos".
248 D. P. KIDDER E J. C. FLETCHER
Casamentos Imperiais.
Os mais notaveis acontecimentos publicos, que ocorre-
ram no Rio de Janeiro, no ano de 1843, foram os casamentos
imperiais, celebrados com grandes provas de regozijo e má-
ximo esplendor.
266 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
NOTAS D O T RA DUTOR
O Imperador do Brasil.
Deve naturalmente haver interesse e louvavcl cunost-
dade em conhecer o carater e as habilitações do monarca, que
foi chamado pela Providencia para dirigir uma florescente
nação. O I mperador do Brasil, em virtude das limitações
da Constituição, 11ão tem o proposito do dominio que é a
herança de Alexandre II, ou o ideal de Napoleão III. A
vida de algumas cabeças coroadas limita-se ao seu aspeto
oficial; muito ·poucos dos governantes "Dei gratia" possue
meritos intrínsecos; são educados, requintados e podem ou
não ser afaveis. Aos olhos do legitimista, a sua principal
distinção é o sangue, que lhe corre nas veias, em gerações
passadas de reis. Aquele, porem, que se coloca a meio do ca-
minho entre o legitimista e o republicano rubro, considera
com maior ou menor grau de veneração os representantes
do poder executivo que vê no governo, e possivelmente é
levado a ter certa admiração pelo carater amavel e benevo-
lente que pode possuir quem se assenta sobre um trono.
Porem é muito raro, na historia das nações, encontrar um
monarcha que combine tudo o que poderia exigir o mais
escrupuloso legitimista, e que seja limitado por todas as res-
tricções que um constitucionalista possa almejar, e ainda
possua os maiores dotes para o respeito de seus súditos e
admiração do mundo, pelo seu talento congenito e suas aqui-
sições em materia de ciências e literatura. Essa rara com-
binação se encontra em D. Pedro II. Em suas veias corre
o sangue unido dos Braganças, Bourbons e Habsburgos.
Pelo casamento, acha-se ligado às familias Reais e Imperiaes
da Inglaterra França, Russia, Espanha e N apoies. Seu
pae, D. Pedro II, era um energico Bragança, e sua mãe
D. Leopoldina, uma Habsburgo, cunhada de Napoleão I.
270 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
20
272 n. P. KmnER E J. e. FLETCHER
O monarca brasileiro herdou o seu talento em linha reta.
D. Pedro I era um homem de grande energia e capacidade,
e D. Leopoldina não deixara de herdar aquela energia que
caraterizava sua mãe Maria Tereza. Os primeiros estudos
de Pedro II foram dirigidos pelo Franklin do Brasil -
José Bonifacio de Andrada; e não sei si o seu gosto pela
ciencia foi influenciado por esse admirador talentoso dos
estudos naturais. Sua mente, desde cedo, ficou imbuida de
seus problemas e, quando chegou a maturidade, como Ja
vimos, não :perdeu oportunidade para fazer acrescimos às
suas reservas de conhecimentos.
A primeira vez que vi o Imperador, estava vestido em tra-
jes civis, acompanhado pela Imperatriz. Vinham numa car-
ruagem puxada por seis cavalos precedidos e acompanhados
pela guarda montada. Gosta de andar depressa, e quer a
cavalo, quer em carruagens, os seus camareiros e guardas
têm que conservar o passo distoando das manifestações
comuns de atividade entre os brasileiros. Dois dragões
precedem a todo galope a carruagem, e, ao som de seus chico-
tes, as ruas ficam livres de todos os obstaculos, transeuntes
e veículos. Aconteceu, porem, em relação a mim, que os
musculos do pescoço de Suas Majestades deviam estar
excessivamente fatigados pelos seus frequentes passeios na
cidade e nos suburbios, para que o mais humilde de seus
súditos, ao sauda-las não fosse retribuido. O seu passcio
usual às tardes é pelo Catete e Botafogo, até o Jardim
Botanico.
Visita a um navio mercante norte-americano.
Um conjunto de circunstancias levou-me depois a ter
mais estreitas relações com S. Majestade do que as de um
mero observador de sua bela figura, passando rapidamente
diante de mim. Em 1852, durante a ausencia temporaria
do Sr. Fernand Coxe, secretario da legação dos Estados
Unidos no Rio de Janeiro, fui es"colhido para ocupar o seu
lugar. E , finalmente, depois da sua resignação, fui nomeado
o BRASI L E os B RASILEIROS 273
eia dos Estados U nidos a respeito do Brasil. Neste país, nós somos
conhecidos como uma raça arroiada e resistente, que consome dois ter-
ços da produção brasileira de café; pela qual, em troca, nós exporta-
mos trigo e alguns artigos de menor uso. Nos Estados Unidos, o
Brasil é muitas vezes classificado entre os países espanhois da Ame-
rica. Poucas pessoas sabem que a lingua portuguesa é falada no Bra-
sil, e que este país é a unica monarquia na Amcrica e o unico go-
verno constitucional do continente ocidental que tem andado para fren-
te, com t ranquilidade e prosperidade mater ial, alem dos Estados Uni-
dos. Encontrei aqui artigos e publicações, inglesas, alemães e fran-
cesas, que estavam realmente de acordo com a moda, e isso se dava
embora alguns artigos pudessem ser comprados mais baratos nos
E stados Unidos; certifiquei-me, tambern de que os nossos navios vol-
tam car regados de lastro, para buscar café, pagando para isto as mais
exorbitantes taxas de cambio, quando os navios europeus trazem car-
gas que lhe permitem, cm pagamento, receber os principais produtos
do Brasil.
No Brasil, encontrei g rande falta de livros didáticos. No Chile,
cm Nova Granada, vi livros espanhois, publicados por Appleton, e
desejaria ver a mesma coisa fei ta para a juventude do Brasil, onde
grande atenção está sem.lo despertada para os assuntos de educação.
Observei, no país, algumas associações científicas, que, em dignidade
e dedicação às belas letras, podiam hombrear com a "Nev: York
Historical Society" e outras associações congêneres da nossa Pátria.
Era meu ardente deseio, primeiro - ver esses sete milhões de
homens tolerantes possuindo uma profunda moralidade e uma verda·
<leira religião. Outro desejo meu seria ver homens de ciência estu-
diosos do Brasil ligados aos espíritos irmãos da nossa vigorosa terra;
e contemplar bons compêndios nas mãos das crianças brasileiras, e
ver as nossas fabricas, tendo mostruarios neste país, seu tão grande
consumidor.
Em 1854, em virtude de enfermidade em pessoa de minha fami-
lia, fui obrigado a deixar subitamente o meu campo de atividade para
ir aos Estados Unidos. Aí, passados alguns meses, compreendi que
estava obrigado a abandonar a terra da minha adoção. Foi para
mim, entretanto, necessario voltar ao Brasil, afim de ultimar os meus
negocios. Foi então que, pelos j ornais, ofereci meus serviços para
levar para o Rio de Janeiro, livre de despesas para os doadores, todos
os artigos que enviassem para o meu endereço. Esses objetos, soli-
citei-os para o Imperador, para as associações científicas e !iterarias
e para exposição publica. Como sacerdote, sabia que ninguem me
acusaria de especulação. Durante dois meses, mais ou menos, fiz des-
pesas à minha custa, para solicitar, em pessoa, os donativos, tanto
pela imprensa como por meio de car tas. Lastimo dizer que muitas
pessoas, que deveriam estar interessadas nessa tentativa, não se digna-
o BRASIL E os BRASI LEIROS 279
expostos. Não era, porem, descuidoso em seu louvor, mas, pelo con-
trario, perfeitamente franco em suas críticas.
Sendo ele próprio um perfeito estudante em c1encias físicas, e
um bom engenheiro, examinou minuciosamente a esplendida publica-
ção do "United States Coast Survey ", da repartição da "United
States Coast Survey" de Washington. Apreciou lambem no seu jus-
to valor as varias obras científicas, que ocupavam uma vasta mesa.
Durante meia hora esteve debruçado sobre o "Atlas de Quími-
ca" de Youman, louvando a sua excelência e simplicidade. Quando
examinava um trabalho sobre fisiologia, ouvi-o observando a superiori-
dade de um tratado de craneologia, de autoria do Dr. Morgan; infor-
mou-me que possuía os escritos desse eminente estudioso do corpo
humano. Era tambem muito lido nos imensos volumes do operoso,
erudito e oonciencioso Schoolcraft, cujos trabalhos sobre os aboríge-
nes da America do Norte, haviam sido mandados pelos chefes dos
Serviços dos Negocios lndigenas de Washington.
S. Majestade mostrou-se profundamente interessado pelos varies
mapas, geografias e compêndios, enviados por Coltton, Applctons,
\Voodford & Brace, T . Cowperthwait, e Barnes. As publicações be-
lamente ilustradas de varias sociedades de beneficcncia de nossa terra,
foram oferecidas á familia Imperial e atraíram merecida atenção. O
Imperador muito satisfeito se mostrou com os exemplares de gravura
em madeira, que foram executados pelo Sr. Van Ingen, da firma Van
Ingen & Snyder, que foram os habeis i1ustradores da presente obra.
O rapido exame que fez dos maquinismos industriais e máquinas
agrícolas, justificavam a reputação que D. Pedro II gosa a este res-
peito. Os papeis de parede Howell, , feitos segundo os desenhos dos
estudantes da Academia de Desenho de Filadclfia, e os belos tecidos
de seda de Horstman, e de Evans, - que deviam ser classificados
como verdadeiras obras de arte, mereceram grandes elogios.
Em seguida aproximou-se da mesa em que estavam os livros ex-
postos por Appleton e Parry & Me. Millan. Tomando nas mãos o
"Republican-Court" ele disse - "Estou admirado de tanta perfei-
ção cm matéria de encardenação" respondi: " Pois nenhum desses
volumes foi encadernado expressamente para ser visto por V.
Majestade." As encadernações dos livros de Appleton, são soberbas.
Ele abriu o livro "Homes of the American Authors" e surpreendeu-
me com o conhecimento que tem da nossa literatura. Fez observa-
ções sobre Irving, Coopcr e P rescott, mostrando íntima familiari-
dade com cada um deles. Seus olhos pousaram no nome de L ong-
fellow, e perguntou-me com grande interesse: "A vez-vous les poê-
mes de Mr. Longfellow? Era a primeira vez que ouvia D. Pedro
II manifestar um entusiasmo que, em sua emoção e simplicidade,
lembrava o ardor do infante quando deseja possuir um objeto ha
muito desejado. Respondi; " Creio que não, Majestade." - "Oh l
282 o. P. KrnoER E J. e. FLETCHER
Visita ao Imperador.
Poucos dias após o encerramento da Exposição, levei os muitos
objetos de,tinados à familia Imperial ao gi;ande palacete de Marquez
de Abrantes, situado num dos mais belos recantos do Rio, na praia
de Botafogo, que tanto lembrava o golfo napolitano. S. Majestade
Ü BRASIL E OS BRASILEIROS 283
}. C. FLETCHER. "
21
288 D. P. KIDDER E J. C. FLETCHER
NOTAS DO TRADUTOR
Literatura brasileira.
Possuindo os brasileiros um governante dotado <le tais
gostos literarios e científicos, certamente que terão feito
maiores progressos nesse sentido do que antigamente.
Em virtude da politica restritiva <le Portugal, nenhuma
tipografia poude ser introduzida no país, até 1808. O gosto
g-eral pelas leituras teve que principalmente se limitar aos
periodicos e a traduções de novelas francesas. Os autores
não são numerosos no Imperio; mas tem havido, nos ulti-
mas anos, certo numero de historias provinciais de valor,
contribuições cientificas e uma ou duas tentativas sobre
historia geral do Brasil. As livrarias estão cheias de obras
francesas sobre ciencias, historia e demasiada "filosofia
infiel".
H a contudo um editor oficial muito fecundo em deta-
lhes interessantes. Refiro-me aos relatorios anuais dos Mi-
nisterios do Imperio, Finanças, Justiça, Negocios E strangei-
ros, Guerra e Marinha. São todos bem escritos e bem im-
pressos, contendo valiosíssima materia para os estadistas, os
estatísticos e os leitores em geral. O relatorio do Ministro
da Justiça, deve ter exigido uma soma de trabalho des-
conhecida pelos funcionarios dos Estados Unidos ou da
Inglaterra; pois todos os casos, que são levados à Justiça,
em cada uma das vinte Províncias, deve receber sua revi-
são e ser colocado na propria mesa do ·Ministro. Crimes,
idades, sexo e nacionalidade dos criminosos, são dados jun-
tamente com os castigos. Somados a isso, assuntos de dis-
ciplina penitenciaria, e os varios interesses dos negocios
eclesiasticos não são esquecidos.
290 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
Imprensa.
A literatura periodica do Rio, de poucos anos para cá,
melhorou de aspeto, com a publicação de uma revista medi-
ca e uma publicação trimestral estrangeira e brasileira.
E_sta ultima tem sido dirigida com grande espirita de inicia-
tiva !iteraria, prometendo ser de grande utilidade para o
país; mesmo assim, porem, destina demasiado espaço às
traduções. Si os brasileiros tivessem tempo para escrever
e fizessem um esforço de pensar por si proprios, os estran-
geiros, em breve, achariam que a sua produção é interessan-
te e valiosa, e ·atribuir-lhe-iam o valor que merece ter.
A imprensa, sendo livre, duvido que qualquer jornal
dos Estados Unidos, da Inglaterra, ou de outros paises da
Europa, contenha tantos comunicados dos assinantes como
os do Rio de Janeiro. Como esses comunicados devem ser
acompanhados de dinheiro à 'Vista, o jornalismo no Brasil
é uma instituição bastante rendosa. Alguns dos artigos edi-
toriais, do "Jornal do Comercio", do "Correio" (* 52) e do
"Diario", podem ser favoravelmente comparados com os de
Nova York ou Londres. O Correio tem um corpo edito-
rial competente, e é uma folha de ótima leitura.
O aspeto dos periodicos do Rio é semelhante ao dos
parisienses, apenas os diarios brasileiros são maiores, em
tipo mais claro e impressos em papel superior. O rodapé
de cada folha contem a leitura leve, o que se chama aqui o
folhetim; e, todos os domingos, o "Correio Mercantil" pu-
blica varias côlunas de "pacotilha", "O Jornal do Comer-
cio", o "Mercantil", o "Diario do Rio de Janeiro", e o
"Diario Oficial" são mais bem impressos do que os diarios
franceses.
A imprensa diaria do Rio é muita prolífera. São dia-
riamente publicados quatro jornaes, alem de varias tri-se-
manais, e, um numero variado de seis a dez folhas. sema-
nais e irregulares. Durante as sessões da Assembléa Na-
cional, os relatorios verbais dos trabalhos e debates dessa
Ü BRASIL E OS BRASILEIROS 291
corporação s~o publicados na integra, como os do Parlà-
mento inglês e do Congresso Americano, na manhã seguin-
te em que são feitos.
O "Jornal do Comercio", já referido, conta com a
maior circulação- e está sobre a direção do Sr. Castro,, o tra-
dutor em português da Historia do Brasil de Southey, se-
cretariado pelo _Sr. A. D. O "Correio Mercantil" é pro-
priedade de Muniz Barreto e Cia., tendo como redator-chefe,
o sr. Octaviano (* 53) um dos melhores escritores do Brasil.
O sr. Barreto merece muito de seu país pelos esforços que tem
feito para elevar o tom da imprensa. O "Diario do Rio de
Janeiro" é editado por Saldanha Marinho, eminente políti-
co do partido liberal, auxiliado por um eficiente corpo de
redação. O "Diário Oficial" foi criado pelo governo em
1862. O seu atual editor é o sr. Tito Franco de Almeida,
que outrora editava com grande capacidade o " J ornal do
Pará". T odos os principais diretores dos três ultimos jor-
nais, são membros da Camara dos Deputados. O "Anglo
Brazilian Times" é uma folha ingleza quinzenal, editada pelo
Sr. Soulley e possue mais vivacidade que as publicações bra-
sileiras, sendo um valioso complemento dos jornais do Rio.
Ha um interessante diario agrícola, publicado sob os auspícios
da "Sociedade Imperial de Agricultura", que merece ter am-
pla circulação. A primeira publicação desse genero, "O Agri-
cultor Brasileiro" foi iniciada pelo sr. N. Sands. em 1854;
só um volume foi publicado.
A tipografia mais adiantada é a dos irmãos L aemmert,
na rua dos Invalidos; a maquina impressora da Tipografia
Universal produz belos trabalhos em artes graficas. O
assunto das columnas de anuncios dos varios periodicos é
renovado quasi que diariamente e é muito lido por grande
numero de leitores em geral, pelo gosto picaresco e pela va-
riedade que apresenta. Aí vêm noticiados varios costumes
peculiares à sociedade 'brasileira, incluindo os avisos eclesias-
ticos e de irmandades, que já mencionámos no capitulo an-
terior e, o patrocínio das numerosas loterias autorizadas
pelo governo. Frequentemente fundam-se companhias para
292 D. P. KIDDER E J. e. F LETCHER
Distribuição de Bíblias.
Já fizemos varias alusões à completa liberdade de im-
prensa no Brasil e podemos agora mencionar, relacionada-
mente com isso, que ha um interessante exemplo do uso
dessa liberdade para os avisos em bem ela propagação da
bíblia no Brasil assim como para boa execução dos esforços
feitos para a dif!J são das Sagradas Escrituras. O meu co-
laborador, Dr. Kidder na primeira parte de sua tarefa religio-
sa no Brasil, empenhou-se pela niaior circulação da Bíblia.
Prefiro dar a sua opinião, com as suas proprias palavras.
Depois de falar da influencia geral de Portugal sobre o
Brasil, ele escreve :
"Portugal nunca publicou a Bíblia, ou permitiu a sua
circulação, a não ser acrescida das notas e comentarias,
aprovados pelos censores inquisi toriais. A Biblia não vem
numerada entre os livros que podem ser admitidos em suas
294 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
por certa publicação, que pelo seu estilo, bem dizia do cara-
ter dos seus autores. (Vide nota * 72)
Biblioteca Nacional.
A Biblioteca Nacional contem 100.000 volumes. Con-
sistem principalmente nos livros que pertenceram original-
mente à Real ·Biblioteca de Portugal e que foram trazidos
por D. João VI. A coleção é anualmente aumentada por
doações e auxílio governamental. Foi mandada abrir ao
público pelo monarca português, e, desde então, recebeu um
regulamento apropriado, livre de acesso a todos os que de-
sejem freq uentar o seu salão de leitura. Essa biblioteca
está aberta diariamente ele 9• horas da manhã até ás 2 da
298 D. P . Kmn ER E J. c. FLETCHER
tarde ; antigamente a sua entrada era pela rua que fica ao lado
do Convento do Carmo; o governo, porem, acaba de adquirir
a confortavel casa de residencia do Sr. Viana (* 54) ótima-
mente situada nas proximidades do P asseio P úblico, onde as
acomodações serão sem dúvida superiores ús que até então
tem tido. Quando fu ncionava no velho edifício, apresentava
um interessante aspeto ao visitante. Mesas cobertas de pano,
sobre as quais se dispunha material para escrever, e arma-
ções para suportar grandes volumes, estendendo-se no salão
de extremo a extrc'ino. As prateleiras, erguendo-se do chão
até o alto teto, estavam cheias ele livros de todas as línguas e
idades. Podia-se pedir qualquer ob ra que a biblioteca pos-
suísse, e tomar um assento para ler e tomar notas á vontade.
Os periódicos da capital e varias magazines europeus esta-
vam selllpre á disposição do leitor. Não sómente esse com-
partimento, como tambem várias alcovas e salas contíguas
do outro lado, estavam repletas de livros. A coleção tambem
tem sido aumentada com valiosas doações particulares, entre
as quais a dos livros pertencentes a J osé Bonifacio de Andra-
da merece especial menção.
A franqui a ao público de uma biblioteca como essa não
pode deixar de exercer uma benéfica influê ncia sobre os
gostos literários e os conhecimentos dos estudiosos da me-
trópole, o que, gradativamente, se vai estendendo a toda a
comunidade. Emquanto o estudioso do R io de Janeiro
encontra na Biblioteca Nacional quasi tudo o que pode de-
sejar no terreno da literatura antiga, pode tambem ter acesso
ás obras mais modernas por intermédio das bibliotecas por
subscrição.
Os residentes ingleses, alemães e portugueses fundaram
bibliotecas para seu uso exclusivo. A dos ingleses é bastante
extensa e r ica.
Museu Nacional
Conservatorio de Musica.
O "Conservatorio de Música" é uma academia oficial
onde se ministra instrução de música instrumental e vocal a
o BRASIL E os BRASILEIROS 301
Funcionalismo.
Quasi todos os homens de maior notabilidade do Brasil
pertencem ás profissões liberais. Qualquer coisa assim do
genero de um eminente mecânico ou comerciante ocupando
alta posição oficial, creio que nunca se viu. Ha certos fun-
cioná rios que teem seus venci mentos pagos pelo Governo de
acordo com um regulamento que merece ser aqui referido.
Os professores de alguns .estabelecimentos oficiais, e possi-
velmente os adidos de algumas repartições do governo, rece-
bem um determinado pagamento anual. Não devem ser mui-
to elevados esses vencimentos ; mas, depois de exercerem
suas funções durante um dado nú mero de anos, o funci oná-
rio, si a sua conduta foi correta, pode aposentar-se e recebe
do Tesouro Imperial uma quantia igual aos vencimentos so-
rnados em todo o seu tempo de serviço. E' um forte estí-
mulo ao fiel cumprimento das obrigações, que evita talvez
que os demagogos inescrupulosos andem em busca de em-
pregos para recompensar atividades partidarias. E' assim
o BRASIL E os BRASILEIROS 303
Justiça.
Num outro capítulo se encontra o programa de estudos
que se segue na principal escola de direito do Império. A
administração da justiça é muito mais simples do que na In-
glaterra e nos Estados Unidos. Ha quasi que os mesmos
magistrados e juízes, com denominações diferentes. O "de-
legado" ou "subdelegado" é nosso juiz de paz, o "juiz mu-
nicipal" corresponde ao juiz circulante ou o juiz presidente
da Corte das causas ordinarias; o "juiz dos órfãos" é o juiz
de herdeiros; o "juiz de direi to" é o juiz da Suprema Corte.
Ha juizes superiores distritais em todas as províncias, e um
"Supremo Tribunal de Justiça", que corresponde à Supre-
ma Corte dos Estados Unidos.
Da prática que teve o governador Kent em lidar com os
tribunais brasileiros e da interessante correspondência do
Rev. Charles N. Stewart, escolho os seguintes fatos sobre a
maneira de se conduzir um julgamento criminal no Rio de
Janeiro. A parte acusada é levada primeiro á presença do
sub-delegado, em cujo distrito foi cometido o crime. E' su-
jeito a um interrogatorio verbal, e suas respostas, juntamen-
te com as perguntas, são registradas. Indagam do acusado
a jdade, profissão, etc., tão minuciosamente como o entenda
o magistrado. Não é obrigado a responder, mas o seu si-
lencio pode ser interpretado desfavoravelmente. O interro-
gatorio do detido é seguido pelo das testemunhas, que juram
colocando a mão sobre uma Bíblia. O juramento é do mais
~olene e impressionante aspeto, e, nesse assunto, pelo menos,
304 D. P. KmnER E J. e. FLETCHER
NOTAS DO TRADUTOR
Clima do Brasil.
Aqueles que têm a sua expenencia tropical feita na
índia Oriental ou na costa oeste da África, não podem fazer
uma justa idéa do delicioso clima da maior parte do Brasil.
E' como si a Providencia tivesse designado esta terra para
servir de cenario a uma grande nação. A Natureza amon-
too u aqui as suas mais generosas dádivas : brisas frescas,
montanhas elevadas, vastos rios, e abundante irrigação plu-
vial, são tesouros que sobrepujam longe as cintilantes pe-
dras preciosas e os ricos minerais que abundam dentro dos
li mites deste extenso território. Nenhum "siroco" ardente
passa sobre esta formosa terra, para seca-la e desola-la, e
nenhum vasto deserto, como na África, separa suas férteis
províncias. Esse temivel flagelo, o terremoto - que faz
com que homens fortes se mostrem fracos como crianças, e
que vive constantemente assolando as cidades da América
E spanhola, - não perturba os haoitantes deste Império. Ao
passo que em grande parte do México, e tambem na costa
oeste da América do Sul, - de Copiapó até o 15° de lati-
t ude sul, - não se tem notícia de chuvas, o Brasil é refres-
cado por copiosos aguaceiros, e é dotado de largos e cauda·
losos rios , cataratas e cursos dagua. O Amazonas, - ou,
como os aborígenes o chamam, Pará, "o pai das aguas", -
com seus importantes afluentes, irriga uma superfície igual
a dois terços da Europa; o São Francisco, o Paraíba do Sul,
os vastos afluentes do P rata, sob a denominação de Para-
guai, Paraná, Cuibá, Paranaíba, e uma centena de outros
cursos de menor vulto, banham o fertil solo e levam suas
águas ao oceano, atravessando as regiões sul e leste do Im-
pério. Olhe qualquer um para o mapa do Brasil, e CQnven-
o BRASIL E os BRASI LEIROS 309
cer-se-á de que este país está eles ti nado pela Natureza a sus-
tentar milhões de homens.
Com efeito, deve haver alguma razão para esta gene-
rosa irrigação, esta · fertilidade do solo e salubridade do cli ma.
O Tenente Maury - que parece ter tomado quasi li te-
ralmente "as asas da manhã" para voar até as mais distantes
paragens maritimas - mostrou concludentemente porque o
Brasil é tão favorecido em relação ás mesmas· latitudes de
outros paises. A América do Sul é como um grande triân-
gulo irregular, cujo lado mais extenso está sobre o P acífico.
Dos dois lados que ficam sobre o Atlântico, o mais longo,
que se estende do Cabo Horn ao Cabo S. Roque - tem
três mil e quinhentas milhas, e está dirigido para sudeste;
emquanto o mais curto - olhando para nordeste - tem uma
extensão de duas mil e quinhentas milhas . Esta configu-
ração tem um poderoso efeito sobre a temperatura e irri-
gação do Brasil. O Prata e o Amazonas resultam dela, e
dos ,ventos, chamados monções, 'que sopram sobre os dois
lados atlânticos do grande triangulo. Esses ventos, que var-
rem do nordeste e do sudeste, vêm carregados, em sua tra-
vessia sobre o oceano, de umidade e de nuvens. Levam
seu vapor d'agua sobre as terras, distilando das alturas, uma
refrescante umidade sobre as vasta s fl orestas e as mon-
tanhas, até que finalmente esbarram nos elevados Andes, e
na sua rarefeita e fria atmosfera são totalmente condensa-
dos, e descem em copiosas chuvas que permanentemente ali-
mentam os cursos de dois dos mais importantes rios do mun-
do. O s ventos que prevalecem na costa do Pacífico são
norte e sul. Nenhuma umidade é levada do oceano para
a vasta barreira de montanhas à vi sta das ondas, e daí a
grande aridez da hipotenusa do triângulo. Observei trinta
dias seguidos as costas, oeste e leste da América do Sul, e
a primeira parecia um deserto comparada com a segunda.
Nenhum outro paí tropical é em média tão elevado como
o Brasil. Embora não haja montanhas muito altas, exceto
no limite extremo oeste, mesmo assim todo o Império tem
310 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
Excurs ões.
O Rio está feli zmente situado de modo a permitir faci-
lidade de acesso às regiões elevadas. Uma viagem de uma
·hora leva-nos às cascatas e á temperatura sempre fresca
da Tijuca; com seis horas a vapor, estrada de ferro e dili-
gência chega-se à cidade de Petropolis nas montanhas; em
vinte horas estamos no seio das sublimidades da Serra dos
Orgãos e das tranquilas e refrigerantes sombras de Constan-
cia, onde, na pensão Heath podemos es tar longe da poei ra,
do barulho e da etiqueta que são os constantes acessórios da
capital comercial e política do Brasil. P odemos novamente
mudar nossa rota e subir as montanhas até as elevadas terras
onde estão situadas as prosperas cidades de Nova Friburgo
e Canta Galo, com suas adjacentes e florescen tes plantações
de café. T odos esses são deleitaveis sítios de recreio, cada
ano mais frequentados.
Santo Aleixo.
Não longe da estrada comum para Constancia , está o
formoso vale de Santo Aleixo, onde um americano estabe-
leceu uma fábrica de tecidos de algodão, no meio do mais
'belo cenário tropical. Para algun s seria uma profanação
que essas solidões fossem perturbadas por outro som que
não o murmurio das aguas que vêm da Serra, ou os ca ntos
dos pássaros e o som estrí dulo da cigarra; mas talvez haja
poucos que não se mostrem satisfeitos em ver a indústria to-
mando o lugar da indolência, e os que assim não pensam
talvez nada sejam capaz de fazer em amor das coisas belas.
Vi sitei Santo Aleixo muitas vezes, experi mentando a
boa hospitalidade de seu diretor, que, através de muitos obs-
táculos, tinha afinal t riunfado em estabelecer a primeira fá-
brica de algodão bem sucedida na proví ncia do Rio de Janei ro.
Minha última visita a Santo Aleixo foi feita em tais
condições de tempo que sou levado a da-la como exemplo do
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I mproviso de mestiço.
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A anta ou tapir.
O javalí.
O javali é muitas vezes encontrado nas selvas do Brasil;
e este pequeno suíno nativo é o maior brigão que se possa
imaginar. Nem os homens nem os cães inspiram-lhe respeito;
pois atacará a ambos com impunidade. E' gregario nos
seus hábitos, e, com seus companheiros, ataca mais violen-
tamente, não se importando com a superioridade cio inimi-
go. E', acredito, um dos poucos animais que não têm medo
da detonação <le armas de fogo.
H a muito lindos e afastados passeios a pé e a cavalo
nas visinhanças de Constancia, e frequentemente o Sr.
H eath acompanha seus convidados aos lugares agrestes e
românticos que aqui são abundantes. Subi uma vez com
dois companheiros ao topo da montanha que se vê, à di-
reita do esboço de Constancia ( pag. 326) ; e, embora tenha
feito muitas ascenções entre os Alpes e Apeninos, nunca
experimentei tanta fadiga e dificu ldade como nesta ocasião.
Eramos os primeiros, com uma exceção, a escalar essas al-
turas e a contemplar a admiravel vista em redor. Fiz <le-
pois um esboço da Serra dos Orgãos de um ponto de vista
330 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHER
O "Vale Feliz".
Fiz muitas agradaveis visitas a esse lindo lugar, e o
amavel vale cada vez mais me encantou. Na casa de campo
dos dois suíços encontrei os melhores periódicos em Fran-
cês, Alemão, Inglês e Português, cujas linguas eles falavam
correntemente. O contraste, foi, porem, mais marcante,
quando conversamos sobre Grindenwalcl, Martigny, o R iga,
e as costas de Lago Leman, cujas fieis pinturas estavam sus-
pensas das paredes, e depois olhamos pela janela sus-
uma paisagem de perene florescencia e de inalteravel ver-
dura. Levaram-me para o seu jardim, onde estavam, por
prazer, cultivando rosas (que crescem com dificuldade no
Brasil) e vinhas trazidas das partes mais quentes da sua
Suíça.
Durante uma de minhas visitas, informaram-me que
tinham comprado esta plantação de um senhor residindo
agora no Estado de Indiana, e ficaram surpresos quando
lhes informei de que este E stado era a minha terra natal.
Tinham mantido ativa correspondência com o antigo pro-
prietário, que me representavam como um amigo da música
e _de Goethe, mas de quem, desde 1849, não tinham r ece-
bido noticia e temiam que tivesse caido vítima do cólera, que
tinha passado através o Vale do lVIississipi durante o men-
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Os vagalumes.
Uma tarde, passeava da casa de Heath em direção ao
"Vale Feliz", quando, sem prolongar o meu passeio longe
nessa direção, penetrei numa floresta e continuei meu ca-
minho para a borda de um precipício, ou antes uma espécie
de cratera concava, cujo centro estava a mil pés abaixo de
mim e cujos ·barrancos estavam cobertos de árvores. A
noite estava escura, e tinha caido tão repentinamente depois
de um breve crepusculo, que eu não dera por ela. Antes
de voltar, permaneci por alguns momentos olhando para
baixo na escuridão cimeriana do abismo em frente a mim ;
e, emquanto contemplava, uma massa luminosa pareceu par-
tir justamente do seu centro. Observei-a quando flutuava,
iluminando no seu lento vôo, as longas folhas da Eitterpe
edulis e a folhagem mais miuda de outras árvores. Veio
diretamente para mim, alumiando a escuridão em redor,
com seus três focos de luz, ·que podia agora ver distinta-
mente. Eram Pyrophorus noctilitrns, tão bem conhecidos de
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336 D. P. K IDDER E J. e. FLETCHER
O iguana.
E m um dos meus passeios a Canta Galo, vi em uma es-
trada o grande lagarto chamado igua11a. Nada ha nesse
reptil de aspeto asseiado que me possa causar aversão; a
sua pele, de pequena escamas br ilhantes, assemelha-se ao
mais belo trabalho de contas. Vi muitas vezes no R io es-
petados e caçados perto da cidade; pois a carne é estimada
como de muito bom sabor, - assemelhando-se em suà apa-
rência e gosto a esse bom bocado para os epicuristas, q ue é
uma perna trazeira da rã. As representações usuais do
iguana não são fieis ; representam-o tão horrendo em apa-
rência como o imaginário dragão de peito enfunado e lingua
dardejante do qual o bom S. J orge libertou tantas devota-
das virgens. O iguana tem de t rês a cinco pés de compri-
mento, e é ovíparo. Uma senhora, membro de minha fa-
mília, possuía um, que era seu animal de estimação e favô-
receu-me bondosamente com algumas notas a seu respeito.
Insiro-as aqui integralmente:
"Pedro (o iguana) proporcio nou-me muitos divertimentos. De
sua estreita semelhança com a família das cobras, foi dificil tirar
aos estranhos a impressão de que era venenoso. Tal não se dá
com os iguanas. Seu único meio de defesa é a poderosa cauda;
e um caçador disse-me que teve uma costela de cão posta a desco-
berto por um golpe de cauda que um iguana lhe deu. O meu pobre
animalzinho, todavia, não era belicoso, estando ha muito no cativeiro.
Ele me fo i doado como um presente de Natal por um amigo, e lqgo
tornou-se manso para poder andar em liberdade. T inha cerca de
tres pés de comprimento, e alimentava-se de carne crua, leite e ba-
nanas. T inha uma cesta em meu quarto, e quando êle sentia o
tempo fri o refugiava-se no colchão de minha cama, onde, pela ma-
nhã, seria encontrado no maior conforto. Uma tarde nós o procuramos
em todos os seus usuais esconderij os, e com tristeza convencemo-nos de
que êle estava perdido; mas, ao amanhecer, duas polegadas da sua
cauda pendurada para fóra da fronha do travesseiro, indicou-nos
onde tinha passado comodamente a noite! Meu cachorrinho espa-
nhol e êle estavam brigados. No momento que Chico apareceu, q__uis
lançar-se para morder Pedro; mas Chico pensou, como muitos ou-
tros, que a melhor parte do mérito é· a discreção. Assim êle fugiu
do iguana tão depressa quanto possível. Então Pedro foi lenta-
338 D. P. KmoER E J. e. FLETCHER
Nova Friburgo.
De Constancia até Nova Fribourgo, ou Morro Quei-
mado, ha, um caminho entre montanhas e florestas, que é
algumas vezes seguido por viajantes que desejam visitar a
vila acima citada. A rota mais frequentemente atravessada
é por vapor do Rio de Janeiro, da baía até o Rio Macacú,
e acima deste curso até o Engenho do Sampaio. Daí po-
demos ir por carro ou em mula para a florescente cidade de
o BRASIL E os BRASILEIROS 339
Café.
As plantações de café dos terrenos elevados de Nova
Friburgo e Canta Galo figuram entre as melhores na- pro-
víncia do Rio de Janeiro: muitas delas pertencem a Suíços
e Franceses que vieram para o Brasil á convite de Dom
João VI, em 1820; mas a colonia da qual formavam parte
acabou-se, e os mais energicos dentre eles tornaram-se
proprietários. O Barão de Nova Friburgo tem imensas
plantações na visinh ança de Nova Friburgo, onde não
342 D. P. KIDDER E J. e. FLETCHE.R
Canta Galo.
Entre Nova Friburgo e Canta Galo o cenário é notavel-
mente alpino, e tantas são as suas plantações que lembram
prontamente os doces vales da Suíça. Na visinhança de
Canta Galo encontrei um número de inteligentes alemães,
suíços e franceses, cujas plantações de café proporciona-
vam-lhes os mais lucrativos rendimentos. Não fiquei nada
surpreendido com uma bondosa oferta de um alemão que
manifestou o princípio <le sua hospitalidade por perguntar-me
si eu não tomaria "ei11 grog", e ficou tão espantado com a
minha recusa, como eu com o seu oferecimento.
Na casa das plantações do Sr. D., um suiço de Zurich,
fui cercado por muitas reminicências de sua pátria ; e em-
Ü BHASIL E OS BHASILE IROS 343
Petrópolis.
Uma das mais atrativas residências para os habitantes
do Rio, du rante a estação quente é a colônia de Petrópolis
ultimamente fu ndada, situada a cerca de tres mil pés acima
do nível do mar. Uma agradavcl travessia a vapor entre pi-
(41) Nota de 1866 - Depois que este capítulo foi escrito, al-
gumas das mais importantes medidas para o desenvolvimento dos
recursos do Brasil foram realisados, com enorme gasto, mas que dia
por dia estão mostrando seus resultados. Durante o gabinete do fa.
lecido Marquês do Paraná, o Sr. Pedreira do Couto F erraz, Ministro
do Império, contratou a construção <la Estrada de Ferro Pe·
dro II; a grande estrada milcadamisa<la chamada União e Industria;
e a Estrada de Ferro Canta Galo, presentemente com vinte e
cinco milhas de extensão. O primeiro trecho da Estrada de Ferro
Pedro II foi aberto em 1857. O contrato passou então <le mãos
inglesas para americanas, os Srs. Roberts, Harvey e Harrah. O
Major Ellison, de Massachusetts, foi o engenheiro chefe da estrada.
Os trens correm presentemente até Ponto Desengano, no Rio Paraíba.
O grande tunel que termina perto de Mendes foi aberto em Dezem-
bro de 1865. A Estrada de F erro Pedro II passou agora para as
mãos do governo brasileiro, e o sr. William Ellison é seu engenheiro
chefe. O Sr. Jacob Humbir<l e o Sr. Carneiro Leão são os princi-
pais contratantes.
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NOTAS DO TRADUTOR