Experiências Mediúnicas
Experiências Mediúnicas
Experiências Mediúnicas
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
experiência mediúnica
SÃO PAULO
2015
RICARDO NOGUEIRA RIBEIRO
Área de Concentração:
Psicologia Social.
Orientador:
Prof. Dr. Wellington Zangari.
SÃO PAULO
2015
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na publicação
Biblioteca Dante Moreira Leite
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
BF1281
FOLHA DE APROVAÇÃO
Orientador
Prof. Dr. Wellington Zangari
Banca examinadora
Prof(a). Dr(a). __________________________________________________________
Instituição: ____________________________ Assinatura: _______________________
Aos meus pais, Lucia Bezerra e Ricardo Ribeiro, pelo apoio e incentivo
não seria possível. O sentimento de amor e gratidão por vocês é uma realidade à qual
estas palavras jamais serão capazes de expressar minimamente. Devo muito do que me
constante e, enfim, pelo amor que partilhamos e vivemos de modo tão belo e leve. Peço
escrita, mas estou certo de que isso foi quase nada diante do que temos...
disponibilidade permanentes são de espantar. Obrigado pela amizade e pelo bom humor.
Prof. Everton Maraldi, por todas as críticas e comentários tão bem embasadas não
etc.
membros que colaboraram de algum modo com este trabalho e por ele se interessaram.
fazer jus a todas as suas eventuais expectativas, mas espero pelo menos não decepcioná-
los completamente. Minha visão é apenas mais uma, e penso ser fundamental que,
Bezerra e Nogueira Granja, que me aturaram quando estava descrente de que seria
capaz de terminar o trabalho a tempo, bem como aos meus inúmeros parentes. À Ercilia
Corredato por todo o auxílio nos mais diversos sentidos e pelas interessantes conversas
e contribuições.
Diego César e Leonardo Almeida por todas as conversas e troca de ideias que muito
O presente trabalho pretende unir-se aos estudos que tratam da experiência mediúnica a
partir de uma compreensão propriamente psicológica, tendo como propósito a
compreensão das vivências dos médiuns em três grupos religiosos – Espiritismo
Kardecista, Umbanda e Vale do Amanhecer. Por meio do método etnográfico e da
observação participante ativa, tendo por base entrevistas semi-estruturadas e diários de
campo, buscou-se compreender a relação do médium com os alegados espíritos e
entidades e analisar a repercussão da vivência mediúnica na identidade e na vida do
médium, identificando as características semelhantes e divergentes entre essas
diferentes práticas sem desconsiderar seu contexto de ocorrência. Um total de quatro
indivíduos – homens e mulheres com pelo menos dezoito anos de idade – por grupo
religioso com pelo menos três anos de vinculação foram entrevistados. Tendo como
apoio à interpretação mais livre do dado etnográfico, apresentou-se um modelo
interpretativo baseado na Identidade Psicossocial, visando aliar a perspectiva da
identidade social de H. Tajfel e J. C. Turner com aportes da Psicologia de C. G. Jung
acerca da personalidade dos médiuns.
This work aims to join the studies about the mediumistic experience from a strictly
psychological perspective, with the purpose of understanding the experiences of
mediums in three religious groups - Kardecist Spiritism, Umbanda and Vale do
Amanhecer (Dawn of the Valley). Through the ethnographic method and active
participant observation, based on semi-structured interviews and field diaries, it seeks to
comprehend the medium's relationship with the alleged spirits and entities and to
establish the role of possession on the identity of the medium by identifying the similar
and differing aspects between these different religious practices without disregarding
their occurrence context. Four individuals - men and women with at least eighteen years
of age - by religious group with at least three years engaged on the specific religion
were interviewed. In support of a freer interpretation of ethnographic data, it presents an
interpretative model based on psychosocial identity (Paiva, 2007), aiming to combine
the H. Tajfel’s and J. C. Turner’s social identity perspective with contributions of C. G.
Jung’s Analytical Psychology’s on the personality of mediums.
____________________________________________________________________62
Quadro 2. Síntese dos achados das entrevistas e aspectos mais recorrentes relativos ao
CEGM. _____________________________________________________________176
Quadro 3. Síntese dos achados das entrevistas e aspectos mais recorrentes relativos ao
CEUJMJ.___________________________________________________________190
Quadro 4. Síntese dos achados das entrevistas e aspectos mais recorrentes relativos ao
TGA._______________________________________________________________205
INTRODUÇÃO ______________________________________________________21
CAPÍTULO 4 METODOLOGIA____________________________________________86
4.1. Objetivos_________________________________________________________86
4.3. Hipóteses_________________________________________________________89
José________________________________________________________________178
DISSONÂNCIAS _______________________________________________________208
CONSIDERAÇÕES FINAIS___________________________________________251
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS___________________________________258
ANEXO I – Perguntas aproximadas relacionadas às categorias exploradas nas
entrevistas _________________________________________________________272
HISTÓRICO PESSOAL DO PROBLEMA E PREÂMBULO
tardiamente passou a ter para mim a importância e o peso que hoje têm em minha vida.
sentido, me sendo mais interessantes por conta de sua dimensão socializadora do que
dos sermões e dos outros tipos de punição de meus familiares por insistir em brincar
com as outras crianças enquanto o ritual ocorria. Eu não podia de forma alguma
compreender nenhuma daquelas coisas que todos pareciam fazer sem o grande esforço
que para mim era necessário – repetida e monotonamente erguer-se, sentar-se, ajoelhar-
se, ouvir orações e afirmações que não compreendia e, finalmente, a melhor parte: irmos
embora!
maior parte de seus pastores e ovelhas pelo esquerdista nato que é meu pai consistia
meu pano de fundo familiar no que diz respeito às religiões, resultando em alguém
e, ainda que ele jamais tivesse se declarado ateu, eu me considerava um na maior parte
dessa fase. Esse posicionamento parecia ser mais coerente com minhas preferências
com algumas delas contando com letras que atacavam diretamente o cristianismo.
15
Mesmo tendo estudado numa instituição católica – o Colégio Marista
Cearense – durante a maior parte da minha vida, até pouco tempo antes do ingresso na
cogitar a possibilidade de que algo (de alguma forma) real e intimamente legítimo e
algum sentido pessoal que explicasse o sentimento religioso vivido por alguém.
“espiritualidade”, termo este que me era mais tragável que qualquer coisa diretamente
relacionada à religião – estas duas palavras possuem conotações distintas, e não só para
mim. Um dos aspectos interessantes dessa transição é que a sabedoria proveniente das
“toca”, me foi transmitida e mediada por uma leitura espírita. Isto pelo fato de que, para
além dos livros e estudos pessoais, muitos dos professores, colegas e amigos mais
declarados. Antes disso, meu próprio pai também me influenciara nesse sentido, tendo
simpatizado com o Espiritismo assim como com o Budismo, embora sem ter se tornado
16
Dito isto, chegamos à questão da mediunidade. Logo nas disciplinas iniciais
de outros autores sobre o assunto. Desde então, o interesse pelo tema só cresceu,
considero que o concebo de modo cada vez menos ingênuo, sem, porém, perder a
Quanto à minha crença ou descrença nas alegações dos médiuns e nos ditos
fenômenos por eles vividos, hoje sou, sobretudo, cauteloso. Apesar de o Espiritismo ter
indiretamente influenciado minha jornada até as filosofias do Oriente, hoje posso dizer
que há poucas coisas que me mobilizem ou me agradem tão pouco quanto a mentalidade
nem para com as da Umbanda e nem para com as do Vale do Amanhecer, inclusive pelo
algum processo ainda não conhecido possa estar ocorrendo. Embora esse problema
extrapole o âmbito desta obra, para ele sou a favor de uma estratégia interdisciplinar
17
Até o momento, minha experiência tem mostrado que nada de tão
surpreendente advém dos casos provenientes da observação dos três campos. A maior
mesmo tempo, não parece exigir dos “nativos” qualquer tipo de avaliação ontológica
rigorosa de sua autenticidade. Mesmo nas situações em que este parece ser o caso, o
evidência não satisfaz aos critérios e aos objetivos de uma avaliação de tal ordem,
concluindo-se muito a partir de quase nada. Para a maioria desses casos, as explicações
alternativas bastam, de modo que processos normais parecem estar por trás deles, e
com que mantive e mantenho contato, é preciso dizer que a imagem (ou preconceito) do
médium como vigarista, como charlatão ou como uma espécie de detetive que pesquisa
informações pessoais dos indivíduos que o buscam parece encontrar muito pouco
respaldo na realidade dos grupos religiosos por mim investigados. Prováveis percepções
valores, crenças e experiências subjetivas dos adeptos se prestam como modelo mais
adequado do que aquele que enxerga por trás de tudo o interesse pessoal do “possuído”
por prestígio, dinheiro ou quaisquer vantagens que este possa vir a ter, pois a doutrina,
fator moralizador, entra muitas vezes em cena para prevenir tais coisas – e, assim,
18
adaptá-lo ou até distorcê-lo diante do ímpeto de confirmação das crenças endossadas
por tais grupos. Portanto, o que quero afirmar com isso é que, apesar de as alegações de
ordem ontológica centrais para estes e que são neles frequentemente encontradas não
serem alvo deste estudo, não a considero uma questão menor – pelo contrário, talvez, se
tivesse a experiência e os meios requeridos para viabilizar uma avaliação de tal ordem,
seguramente o faria, e ainda não perdi as esperanças de que um dia, quem sabe, possa
este, penso que o contrário é também verdade – mais importante é o estudo rigoroso de
algum momento, é essa a impressão geral que tive até o momento deste trabalho. Talvez
também pelo fato de que tive a chance de lidar com grupos que se mostraram bastante
sérios dentro de seus parâmetros, frustrando mesmo minha expectativa de que teria de
dar de cara com certo proselitismo, me sentindo respeitado e muito bem recebido pela
maioria.
sinto à vontade para expor. Ainda que no momento tenha várias reservas com relação à
transcendentes cuja função exercida sobre o ser humano não é nenhum pouco
existência ontológica de um Deus, embora para mim tal termo pareça muitas vezes
19
utilizado de forma que seu sentido essencial parece ter-lhe escapado, razão pela qual
questiono sua eficácia em minha vida, de modo que às vezes o substituo pela palavra
“universo”, que me mobiliza mais. Para mim este é, no mínimo, uma realidade subjetiva
aqui deixo propositalmente ser percebido novamente meu afinamento com as filosofias
e religiões orientais.
vinculadas me foi, permanece sendo e provavelmente será bastante caro de uma forma
que não consigo prever. Desenvolvi uma compreensão crítica não apenas de meu tema –
o que eu já de certa forma fazia – mas de toda uma série de fenômenos e experiências
meus maiores diferenciais como profissional e como pesquisador. Este processo não foi
necessariamente fácil, pelo contrário, foi em muitos sentidos doloroso ter sentido cair
por terra uma porção de coisas ilusórias nas quais me sustentava como se fossem
processo, de modo que sou grato por tal depuração e aprimoramento não apenas
20
INTRODUÇÃO
Prova disso são as escrituras sagradas, os mitos e imagens deixadas pelos diferentes
povos, seitas e grupos religiosos de que se tem notícia. Seria, no entanto, precipitado ou
no mínimo pouco atento pensar que essa questão se limitou a inquietar nossos
que por sua vez destoam profundamente da postura do espírito científico. É importante
ressaltar, porém, que houve e há tentativas de aproximação do tema pela própria ciência
21
que o termo possessão acaba por denotar em função da visão do cristianismo acerca
fenômeno1 e por isso sendo evitada embora não abolida neste trabalho, o maior
campo da psicologia. Nesse sentido, temos a adotada por Almeida & Lotufo Neto
(2004):
conhecida e que também não proviria da mente normal do médium” (Klimo, 1998). Tal
definição parece-nos adequada para a investigação científica, pois é neutra quanto às reais
origens de tais vivências, apenas requerendo que aqueles que as vivenciem sintam que a
Contudo, esta parece ter sido formulada tendo por base principalmente o
chanelling inglês, o que certamente é adequado para certos contextos, mas talvez possua
definitiva do que viria esta a ser, nos interessa mais de que forma ela é compreendida
pelos médiuns entrevistados dos três diferentes contextos aqui abordados. Assim, a
médiuns, de modo que nos dois últimos capítulos o leitor irá se deparar com as visões
dos diferentes entrevistados acerca disso e com uma espécie de síntese por nós
seus depoimentos.
primórdios da história dessa pueril ciência. Nesse sentido, Maraldi (2011), Alvarado et
1
Não queremos insinuar, de forma alguma, que tenha sido essa a intenção do autor ao optar pelo termo
em questão.
22
al. (2007) e Moreira-Almeida e Lotufo-Neto (2004) enfatizaram as contribuições para o
tema feitas por autores clássicos tais como Pierre Janet, Frederick H. Myers, William
James e Theodore Flournoy, que por sua vez lançaram de maneira abrangente através de
com médiuns – a base para muitas das caras formulações posteriores da psicologia
dissertação se deu por algumas razões. A primeira e mais importante delas diz respeito à
certa crítica realizada por outros autores (a ser vista no Capítulo 3) à limitação do outro
Jung para este intento. Ora, se se levar em conta o tempo de dedicação para nosso tema,
“Psicologia Complexa” para com este (p. ex. por JESUINO et al., 2014) em contraste
Esta, porém, não constitui a única motivação para se explorar tal visão. Além de Jung
ser um clássico – ainda que controverso e pouco compreendido (cf. CLARKE, 1993) –
no campo da Psicologia, é necessário sublinhar o quanto sua perspectiva ainda tem para
temática da religião, que por sua vez foi explorada em diferentes oportunidades pelo
psiquiatra suíço. Mais importante ainda para justificar essa escolha é, entretanto, o fato
especialmente de um desses casos, dedicando a este um trabalho inteiro, que por sua vez
veio a se tornar bastante conhecido embora pouco entendido (e cujo valor aparenta ser
23
subestimado). Podem-se elencar ainda outras razões, como a necessidade de se
assim em seu devido lugar, que evidentemente não deveria ser o de persona non grata.
Um último motivo é ainda o fato de poucos estudos com médiuns terem utilizado a
Psicologia Analítica como referencial (p. ex., Maraldi (2011) e, de certo modo, Molina
24
ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
Este trabalho está dividido em quatro partes e com nove capítulos ao total,
com três capítulos, o primeiro deles revisando a questão da mediunidade e dos alegados
espíritos na Psicologia de Jung (Capítulo 1), outro apresentando uma série de estudos
mais recentes com médiuns no Brasil e fora dele (Capítulo 2) e, por último, uma
A Parte II, intitulada “A Pesquisa” por sua vez, conta com apenas um
capítulo, que diz respeito à delimitação das minúcias do trabalho da pesquisa, como os
(Capítulo 4).
acercará da caracterização de cada um dos grupos aqui tratados, e por esta razão será
parte final do trabalho, abrangerá dois capítulos, um dedicado à exposição dos resumos
25
PARTE I
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA E
REFERENCIAIS TEÓRICOS
26
CAPÍTULO 1
DE C. G. JUNG
adolescente de 15 anos por ele denominada S.W., que mais tarde esclareceu-se tratar de
Hélène Preiswerk, sua prima materna (JUNG, 1925/2014). Primeiramente, Jung revisa a
literatura que até o momento tivera acesso de forma a situar o sentido em que
recorrendo a alguns casos e experimentos importantes para seu intento. Inicia, então, a
27
conhecimentos adquiridas de forma conhecida empregadas de forma inconsciente pela
No entanto, a principal ênfase dada por Jung ao fenômeno era de que este
psiquiátricas a ele associados, este não incorre ao equívoco do psicologismo4, dado que
2
Refere-se ao sistema de paragrafação das Obras de Jung pela Editora Vozes. Guiar-se pelos parágrafos
poupa ao leitor o esforço de checar as citações de acordo com a paginação, já que certas edições foram
publicadas com paginações diferentes.
3
Ao longo de seus trabalhos, Jung virá a dar contornos de conceito ao termo e empregá-lo de diversas
formas: complexos autônomos, complexos ideoafetivos, complexos de tonalidade afetiva, etc.
4
Não se pode deixar de atentar para o fato de que esta é ainda a primeira obra acadêmica de Jung, e que,
portanto, muitas considerações e ideias viriam ainda a ser aprimoradas e sofisticadas durante o resto de
sua vida e de sua pesquisa no campo da psicologia, cuja duração soma quase seis décadas de trabalho.
Ainda que se trate de obra de inestimável valor para a sondagem da gênese histórico-epistemológica de
noções e até de conceitos que mais tarde seriam ampliados de forma a ganhar mais destaque, nesse
sentido, não custa ressaltar que quem a escreveu não fora o Jung interessado em sua maturidade pelo tema
da alquimia ou o de conceitos tardios tais como imaginação ativa e sincronicidade, mas aquele anterior, p.
ex., ao experimento de associação de palavras, e cujo importante contato com Freud mal começara.
Importa chamar atenção para esta compreensão tendo em vista que a resposta à crítica de psicologismo
seria possível somente mais tarde, quando defenderia por via de uma crítica de caráter epistemológico o
28
não pretende reduzir o fenômeno ou fornecer um parecer último sobre o problema,
“Longe estou de acreditar que com este trabalho tenha conseguido um resultado definitivo
que dedicam aos fenômenos chamados ocultos nada mais que um sorriso de escárnio, e
também teve como objetivo mostrar as várias conexões que existem entre esses fenômenos e
questões de peso que este campo inexplorado ainda nos reserva.” (JUNG, 1902/2008, §150,
parapsicológicas. Criado num ambiente rural no decorrer de sua primeira infância, ele as
considerava familiares como o fazem todos os que vivem próximos da natureza, e elas
medicina, trata desses fenômenos. Jung descobriu que o mais importante dos "espíritos"
que se manifestavam durante as sessões descritas era uma parte ainda não integrada da
dela, parte essencial de si mesma, tendo por isso cessado de aparecer autonomamente como
um "fantasma". Logo, um importante passo na direção do seu trabalho ulterior foi dado no
decorrer desse período inicial: ele percebeu que há fenômenos psíquicos objetivos que,
seu trabalho de graduação em medicina. Apenas três anos depois da publicação deste,
ponto de vista psicológico que viria a marcar e servir de referencial fundamental para parte majoritária
dos escritos ulteriores do autor.
29
este viria a proferir uma conferência Sobre fenômenos espíritas (Jung, 1905/2008), onde
Europa, discute fenômenos de magnetismo animal, profecias e visões bem como alguns
processos a estes subjacentes e analisa o impacto dos estudos – atuais para a época – de
primeiro lugar com a questão psicológica” (JUNG, 1905/2008, §723, p. 301, grifos
nossos). Tendo limitado seu interesse ao âmbito estritamente psicológico do tema, Jung
afirma ter investigado os dotes mediúnicos de um total de oito pessoas (dois homens e
seis mulheres), restando-lhe a impressão geral de que “o médium deve ser abordado
302). Elenca, então, de acordo com seus achados, as seguintes características destes e a
eles associadas:
1) Uma leve anormalidade intrínseca, que deve ser lida, mormente, como a
como charlatanismo. “Os outros sete agiam de boa-fé” (idem, §725, p. 302), escreve.
30
experiências mais raras, com apenas dois médiuns conhecidos como clarividentes
segundo o autor. Alega ter presenciado ainda fenômenos considerados físicos, embora
espíritos, sejam estas sob a forma dos fenômenos já mencionados é em geral reduzida,
pelo menos do ponto de vista intelectual, chegando a indicar exemplos desse tipo no
“Livro dos Médiuns”, de Allan Kardec. Porém, recorre ao exemplo de uma médium
e empregar com muita aptidão pequenas percepções e suposições (...) num estado de
leve obnubilação da consciência” (idem, §732, p. 305), o que por sua vez eleva a
No que tange aos movimentos de mesa, convém ressaltar que Jung compara
fato de os médiuns não sentirem o esforço feito para mover objetos, acreditando, pelo
contrário, que estes se movem sozinhos – o que pressupõe para este certa propensão ao
fantasiar. Segue, portanto, uma linha argumentativa similar à utilizada em sua tese para
sobrenaturais ou ocultas, ainda que, também conforme outrora, não de modo definitivo
5
Pergunta-se aqui, dado a semelhança entre os casos, se não o autor não está se referindo à própria
Helène Preiswerk, sujeito de estudo de sua obra de conclusão do curso de medicina.
31
especial aos trabalhos que visam fazê-lo através uma metodologia de observação
“Todas as pessoas observam mal as coisas que lhes são incomuns. (...) Não existe um dom
universal de observação que possa reclamar alto grau de certeza sem um treino especial. A
observação humana só realiza algo quando está treinada num campo determinado. (...) Se
colocarmos um bom físico na escuridão enganadora e mágica de uma sessão espírita, onde
médiuns histéricos realizam suas cerimônias com todo requinte mirabolante e incrível de
que são capazes, sua observação não será muito melhor do que a de um leigo. Tudo irá
depender da força que seu preconceito tem contra ou a favor do caso. Depois disso seria
ainda aconselhável examinar, por exemplo, a disposição psíquica (...)” (JUNG, 1905/2008,
vivas no imaginário humano, apontando inclusive para uma renovação delas com um
1948/1984)
constituiriam como bases da crença nos espíritos, a saber, as visões destes, os sonhos e
as doenças mentais. O autor menciona como exemplo pessoas que acreditam que a
32
presença de pessoas já falecidas em sonhos corresponde realmente às almas destas e, no
caso das psicopatologias, as vozes ouvidas pelos enfermos, que são atribuídas aos
alucinações e nas aparições, conclui que todos estes apontam para “o fato de que a
psique em si não é uma unidade indivisível, mas um todo divisível e mais ou menos
dividido” (§582, p. 248) cujas partes são justamente os complexos autônomos em maior
ou menor grau independentes do (complexo do) eu, daí brotarem espontaneamente, para
a surpresa deste.
que, em geral, não apresentam nenhuma associação direta com o eu” (JUNG,
1948/1984, §585, p. 250). Somente com a teoria dos complexos mais amadurecida a
(CLARKE, 1993; JESUINO, 2009) é que sua visão acerca da relação entre espíritos e
os que neles crêem adquiririam contornos mais definidos, que por sua vez, são ligados
referido como o ponto de vista psicológico. Isto pelo fato de que, embora ocupado em
sua tese dos aspectos psicológicos envolvidos no caso Hélène, a abordagem pudesse
6
Jung se refere aos espíritos como complexos do inconsciente coletivo e as almas como complexos do
inconsciente pessoal. Interessa ponderar se, feitas certas ressalvas e tomadas algumas precauções, este
modelo não lançaria luz às manifestações dos pretensos espíritos nas religiões mediúnicas e também ao
que os espíritas, por exemplo, denominam animismo, que consiste na interferência do psiquismo do
médium nas ditas comunicações ou produções (pinturas, cartas) dos espíritos.
33
mesmo da ‘Psychical Research’ (pesquisa psíquica). Ainda que estas tenham servido ao
somente com o conceito de realidade psíquica formulado estaria Jung apto a fornecer
uma contribuição sui generis ao problema desde o seu ponto de vista psicológico, o que
Isto tudo só seria possível com a obra que marcou o rompimento de Jung
com a psicanálise, isto é, Transformações e símbolos da libido (1912), que 37 anos mais
tarde ganharia uma nova edição revisada e com um título diferente, onde, por sinal, se
refere brevemente ao caso dos fenômenos ocultos já com os moldes de seus avanços
teóricos:
Percebi com espanto, naquela ocasião, quais são os conteúdos das fantasias inconscientes e
o quanto eles se afastam daquilo que uma mocinha desta idade aparenta e daquilo que
alguém de fora poderia imaginar. Eram fantasias muito ricas, de caráter verdadeiramente
descontarmos sua fantasia realmente poética, restam elementos que provavelmente são
comuns a todas as moças desta idade, pois o inconsciente é comum a todos os indivíduos em
34
Desse modo, durante o resto de sua obra, Jung passará então a tratar de
diversos temas quase exclusivamente desde este ponto de vista – chamado ainda esse in
anima (do ser na alma) (JUNG, 1926/1984); não sendo diferente no que respeita à
crença nos espíritos. Na sua visão, portanto, à Psicologia não importaria o problema da
real (in)existência metafísica dos espíritos, desde que interessaria a ela não a forma
como são em si mesmas as coisas, mas somente com o que é psiquicamente falando
rodapé 5, §585, p. 250)7. A título de contraste com esta concepção, pode-se retomar um
“Tentei várias vezes dar-lhe uma explicação crítica, mas não a aceitava; quando estava em
seu estado normal não era capaz de compreender uma explicação racional, e quando em
estado semi-sonambúlico achava que minha explicação era besteira, diretamente contrária
aos fatos. Disse-me certa vez: “Não sei se aquilo que os espíritos me falam e me ensinam é
verdadeiro, também não sei se eles são aqueles que dizem ser, mas que meus espíritos
existem não há dúvida alguma. Vejo-os diante de mim, posso tocá-los, falo com eles sobre
tudo que quero e de maneira tão clara e natural como estou falando agora. Evidentemente,
eles existem”. Não queria nem ouvir falar que esses fenômenos teriam algo a ver com
doença. Duvidar de sua saúde ou da realidade de seu mundo de sonhos afligia-a ao extremo.
recusou por longo tempo a fazer experiências se eu tivesse por perto.” (JUNG, 1902/2008,
§43, p. 34)
outro ponto de especial interesse para este trabalho. Percebe-se que Jung compreende o
7
Para se apreender o sentido da crítica epistemológica que delimita deste modo as fronteiras do objeto
psicológico, é pertinente a colocação de Jung (1933/1984) de que “nossa imagem do mundo contém
alguma coisa que não está inteiramente certa, ou seja: na teoria nos recordamos muito pouco, e na prática,
por assim dizer, quase nunca, de que a consciência não tem uma relação direta com qualquer objeto
material. Percebemos apenas as imagens que nos são transmitidas indiretamente, através de um aparato
nervoso complicado. Entre os terminais dos nervos dos órgãos dos sentidos e a imagem que aparece na
consciência se intercala um processo inconsciente que transforma o fato psíquico da luz, por ex., em uma
“luz”-imagem. (...) A consequência disto é que aquilo que nos parece como uma realidade imediata
consiste em imagens cuidadosamente elaboradas e que, por conseguinte, nós só vivemos diretamente em
um mundo de imagens” (§745-746, p. 332, último grifo nosso)
35
envolvimento das comunicações espíritas com outra forma de pensamento diferente do
estando em jogo, do contrário, uma função transcendente (ou imaginação ativa), cujo
do fantasiar, que facilitaria sua expressão bem como a conscientização destes. Nesse
(JUNG, 1948/1984)
considerava que a “Ciência não pode dar-se ao luxo da ingenuidade em tais assuntos”
moda que considera como embuste tudo aquilo que não consegue explicar” (idem,
ibid.).
36
Porém, se nesse mesmo sentido em 1919 aparentava ter chegado à conclusão
inconscientes” (idem, §600, p. 259), numa nota de rodapé acrescentada em 1948 aos
fundamentos psicológicos da crença nos espíritos, Jung volta atrás com sua posição
Apesar de contar na época apenas 21 anos de idade, recorda seu interesse profundo pelo
mundo psíquico além da consciência que encontrava nos transes de Helène, que,
conforme confessa, havia se apaixonado por ele sem que este na época tivesse se dado
conta disso e da influência disso na garota. Jung (1925/2014) admite ainda que, antes da
garota começar a trapacear, “eu pensava, afinal de contas, que podia haver espíritos” (p.
afirmando que esta pertencia a uma das mais velhas de Basel que declinara financeira e
“A garota em questão vivia num meio limitado demais para seus dons e não podia
encontrar nele nenhum horizonte, pois era um ambiente notável por sua insuficiência de
37
da vida desta parecem indicar a constelação do que pode ser entendido como um
todos após o fim de seu “círculo mediúnico”, resultado justamente da tensão crescente
entre ela e Ivenes; sem perceber, ela teria preparado a cova de seu lado psíquico pueril,
precisando abandonar de vez seus “vôos espirituais”, através desse erro precisando
Consequência disso é o fato de que, passado certo período após o cessar das seánces,
tendo ido morar em Paris, Hélène se tornaria bem-sucedida e famosa – assim como os
espíritos que pretensamente através dela falavam – pelos vestidos que viria a fazer,
participantes do seminário que, caso submetida à análise, talvez “S. W.” tivesse
embora não necessariamente livre de erros tais como o das tentativas de fraude, que
8
Utilizando-se do conceito filosófico de Heráclito em sentido psicológico, Jung (1921/2009) explica, por
exemplo, a conversão cristã de Saulo (em Paulo), definindo-o como um acontecimento psíquico que
“ocorre quase sempre onde uma direção extremamente unilateral domina a vida consciente de modo que
se forma, com o tempo, uma contraposição inconsciente igualmente forte e que se manifesta, em primeiro
lugar, na inibição do rendimento consciente e, depois, na interrupção da direção consciente” (§795, p.
405). Pode-se traduzir tal termo, na compreensão de Pieri (2002), como “conversão no oposto” (p. 358).
38
Quanto à chamada hipótese da sobrevivência9, ou, colocando em termos
dessa ideia nos sistemas religiosos (inclusive nos mais disseminados); e, embora ateste a
algum visa “fazer justamente aquilo que ninguém pode fazer, isto é, [levar alguém] a
acreditar em alguma coisa” (§804, p. 359). Por outro lado, chega mesmo a aproximar a
“Saber de que modo se deve, afinal, interpretar estas experiências é um problema que
pois, para se chegar a uma conclusão, é preciso que se tenha necessariamente também a
situação que lhe torna impossível transmitir uma informação objetiva de sua experiência e
Ainda quanto a esse texto, intitulado A alma e a morte, importa que estas
9
“As histórias de espíritos nem sempre demonstram plenamente o que parecem provar. Assim, por
exemplo, não fornecem nenhuma prova da imortalidade da alma” (Jung, 1959/2008, §761, p. 319).
10
Para maior exploração a respeito do tema sob o enfoque da psicologia analítica, indica-se Jaffé, Frey-
Rohn e Von Franz (1995).
39
uma consideração positiva da crença na sobrevivência provinda de uma perspectiva da
função sentimento, que, em linhas gerais, busca expressar o valor11 de algo, isto é, se
algo é bom ou ruim, belo ou feio, etc; ainda que isso não deva ser interpretado como
uma afirmação ontológica. Segundo ele, “a Psicologia precisa ainda de digerir certos
as de psicóide e de sincronicidade12.
ainda que suas reflexões mais amplas sobre a civilização e o drama contemporâneos
tenham um impacto interessante na sua visão. Nesse sentido, Jung (1948/2008) nota por
século XIX” (§750, p. 314). Por outro lado, Jung não distingue o espiritismo enquanto
com os quais ambos alegam entrar em contato uma projeção de conteúdos psíquicos da
mesma ordem. A exceção, para ele, seriam as investigações científicas do tema por
romântica, pois que muito embora, segundo seu modo de ver, uma característica
11
Num prefácio à publicação francesa “Phénomènes occultes” que aglutina sua monografia, os
fundamentos e o texto em discussão, Jung (1939/2008) se refere ao “valor funcional da idéia” (§743, p.
310).
12
Em trabalho anterior, o presente autor ocupou-se do desenvolvimento da concepção de sincronicidade
no pensamento de Jung e pôs em foco o recurso deste à ideia chinesa do Tao enquanto paralelo cultural
daquela. (RIBEIRO, 2014)
40
sendo necessário tomar consciência desta para criticá-la e assim não extasiar a ciência,
que é o limitado mito no e pelo qual vive o ocidente; muitos se limitam a querer
““saber” se essas coisas são “verdadeiras”, sem levar em consideração como deveria ser
Mais uma vez, Jung (1958/2008) propõe deixar “de lado a questão da verdade, como já
psicológicos” (§786, p. 329, grifos nossos), e a encarar os espíritos (no caso deste
trabalho) como símbolos. Uma das razões disto para ele é que, muitas vezes, após uma
envolvendo o assunto o autor buscaria enfatizar alguns aspectos já aqui frisados, como o
da perspectiva pela qual enfoca o tema, isto é, do esse in anima, e a importância dos
forma a todas as manifestações religiosas, ainda que estabelecendo certos limites de tal
13
“O racionalismo e a superstição são complementares” (§759, p. 318), diz Jung (1959/2008) ao
relembrar um acontecimento (quando em visita a certa tribo) em que numa conversa a maioria silenciou e
se retirou quando ele pronunciou a palavra “espíritos” no dialeto local, utilizando-se deste exemplo para
ilustrar a resistência dos que ele chama de racionalistas aos temas “ocultos”.
14
Utilizada a data a que se refere o próprio Jung (2008) – “Abril de 1959” (§763, p. 320); pois a data
atribuída pela Editora Vozes ao escrito em nota de rodapé é anterior (1950).
41
associação; entre outros. Num desses prefácios relata inclusive um caso ocorrido
consigo próprio envolvendo uma casa dita mal-assombrada, onde se utiliza do modelo
analítico-interpretativo dessas experiências que traçamos até aqui, embora sem excluir a
15
Jung entende, por exemplo, uma de suas alucinações hipnagógicas como associada a uma paciente que
sofria de um carcinoma cujo cheiro desagradável lhe marcara, sendo que o que antes dessa visão lhe
incomodava na casa era justamente o que lhe indicava seu olfato, para ele associado à intuição –
psiquicamente, isto seria representado popularmente, por exemplo, em frases como “há algo de podre em
fulano” e, evolutivamente, na importância do sentido do olfato para a sobrevivência dos animais, que se
pode dizer com certa cautela estar reduzido no homem, se comparado por exemplo à visão. Seria mais
adequado, portanto, considerar que a atividade da fantasia (que por sua vez é determinada pelos
complexos) está conectada aos fenômenos de sincronicidade de forma complexa e indissociável.
42
CAPÍTULO 2
MEDIÚNICA
história da psicologia e da psiquiatria dinâmica, isto por conta dos caros avanços e
2011). Buscou-se, assim, perseguir e acompanhar a trilha desenvolvida por Carl Gustav
interesse pela mediunidade sofreu queda significativa, devido talvez aos achados da
XIX e do início do século XX boa parte dos processos envolvidos nas experiências
do médium que a hipotéticos seres etéreos, e aqui a lógica seria então a de passar a
investiga-la para melhor entender o que em jogo esteve para essa estruturação específica
de sua vida psíquica, que por sua vez exigiria um entendimento mais profundo acerca da
sujeitos vão então pouco a pouco cedendo lugar à questão da personalidade e do seu
desenvolvimento. Se se tinha Myers, Flournoy , Janet e James, todos grandes nomes dos
43
primórdios da psicologia, estudando casos de alguns médiuns reconhecidos, ver-se-á
então, por exemplo, Piaget e outros como Vigostky, Wallon e Erikson se debruçarem
sobre a psicologia infantil com diferentes interesses intelectuais. (SANTOS et al., 2008)
impactou nos estudos científicos do tema da possessão? Se certos aspectos dele foram
vivida, por outro deve-se ponderar se essa abordagem de tom quase que exclusivamente
personalista não acabara por contribuir muito mais com a constituição da psicologia da
decréscimo entre o início e o final do século XX, de modo que tal hiato talvez tenha
recorda do solo de onde as raízes da ainda jovem árvore encontrou alimento e através da
qual se ergueu. Entretanto, ainda hoje se regozija com o sabor dos frutos outrora
colhidos.
uma metáfora conveniente a este texto: se este morreu (ou “desencarnou”), o fez apenas
de forma temporária e com data para voltar, não custando tanto a ser “incorporado” por
pesquisadores hodiernos, cuja expressão tampouco parece ignorar sua “vida passada”. A
nível mundial, há crescente interesse e produção nesse campo de estudos que se debruça
anômalos, bem como às características das experiências anômalas, têm sido publicados
44
& Honorton, 1994), a American Psychologist (ex: Child, 1985), a Behavioral and Brain
Sciences (Hansel, 1987; Nadon & Kihlstrom, 1987), a Perceptual and Motor Skills
(Persinger, 1984; Vitulli, Cain & Broome, 1985), e a Journal of Nervous and Mental
Hoeksema, 2000). (...) Recentemente vários centros universitários foram criados com o
2007, p. 69-70)
consciência com vistas à possessão por espíritos encontrou, pelo contrário, significativa
ascensão e disseminação ainda mais amplas, conforme pode ser vista numa coletânea de
recentemente sobre o tema. Nela, está representada a maioria dos continentes através de
países como Cuba, Canadá, Hong Kong, Quênia, Taiwan, Estados Unidos e Singapura.
destaque se comparado aos demais, pois é alvo de três ensaios de diferentes autores: o
observação.
45
Fato curiosamente contraditório, entretanto, é o de que dos três ensaios,
(MARALDI et al, 2014). Apesar de constituir uma amostra arbitrária das publicações
sobre o tema, ilustra uma tendência que parece prevalecer, a saber, a de que ainda são
acadêmicos das ciências sociais e humanas e das ciências da saúde, que deveriam talvez
na apreciação da questão e deixaram para trás os acadêmicos aos quais talvez esta mais
quanto clínicos (e, no que tange à Psicologia como um todo, se une aos corajosos
ciências sociais. A maior parte das primeiras iniciativas teve por vezes caráter
46
sociedade brasileira ter nesta época convocado os médicos a extrapolarem sua prática
um projeto de modernização (ou “europeização”) do país – que, por sua vez, dada a
selvagem e primitiva e que por isso precisavam ser eliminados a fim de atingir o
STOLL, 2004) a cena começaria a se transformar, vindo das ciências sociais as mais
numerosas e mesmo significativas pesquisas para a área, que, no entanto, clama pela
(ZANGARI, 2000)
se mister aqui portanto cobrir os estudos mais atuais a fim de se situar historicamente e
importância e da influência dos trabalhos mais clássicos sobre estas. Perceber-se-á que
já se começa a tratar do período do início do século XXI sem se passar antes pela
segunda metade do século XX, pois a impressão restante é mesmo a de que durante esta
47
dissociação aplicando diferentes escalas e questionários em 110 médiuns de um centro
patológicos.
educação formal, histórico de trabalho, suporte social e felicidade” (NEGRO et al, 2002,
um dos aspectos característicos do estudo de Negro et al. (2002) foi o alto grau de
habilidade por pelo menos um ano; o que por sua vez limita a generalização de seus
resultados para médiuns com menos treinamento e menor adaptação social. Os autores
encontraram ainda uma relação entre prática mediúnica e sensibilidade social “não
como numa dependência crucial do reforçamento social, mas como habilidade de não
médium com um maior grau de controle percebido sobre sua prática tivesse também
48
comunicações, etc.). Um fator que torna o trabalho dos autores interessante é que eles
além de mais velha e feliz, foi mais modelada (dado seu tempo no espiritismo) e cuja
(2002) concluem que apesar de o treino formal exercer papel central na formatação da
templo paulista, tendo os observado em sua atividade ritual e entrevistado doze deles,
Zangari considera que apenas olhares de diversas disciplinas fariam jus ao nível de
49
Ainda que sem evitar de todo o flerte com o que está sob o escopo de outras
da dimensão social ampla, que integra os diversos grupos e cujos processos são
dimensão social dos grupos, onde se observa uma configuração mais específica da
da dimensão individual, associada à subjetividade, que seria por sua vez construída e
Decorrente do postulado anterior, o autor situa a ênfase de sua exploração entre as duas
últimas dimensões, que é o mesmo que dizer que se ocupa da vivência construída pelas
médiuns e pelo grupo pesquisado por ele e não de uma “forma pura” ou do fenômeno
atividades desenvolvidas (datas das giras e das entidades, estrutura hierárquica, divisão
16
Zangari (2003) considera que “tem sido dada pouca atenção à dimensão individual da mediunidade de
incorporação” (p. 168, grifo nosso) apesar dos esforços dos cientistas sociais pela “compreensão das
relações entre a umbanda e, mais especificamente, embora com menor atenção, à mediunidade de
incorporação, e a cultura brasileira, bem como a maneira como os diferentes grupos de Umbandistas
vivem e interpretam a mediunidade” (ibid)
50
4) Mediunidade de incorporação como processo de adoção e assumição de
médiuns e entidades. A distinção se daria quanto à forma como esses papéis são
entidades (entendidos como partners), por sua vez, seriam adotados de modo
“Nenhum termo parece-me mais apropriado para se referir a este processo de adoção do
papel das entidades por parte das médiuns como o já corrente dentre elas: incorporação.
Ora, incorporar significa “corporificar”, “dar corpo a”. A que se dá corpo senão às
adequado o uso do termo “médium” para se referir àquele que medeia, faz ponte, entre as
crenças e a ação. Aí encontra-se o caráter midiático de tais pessoas, não apenas entre o
Pergunto-me: que outra função ou papel mais fundamental existiria que não o de servir
que o trabalho daqueles não seria suficientemente compreendido se limitado à este, isto
51
parcelas de suas próprias personalidades que não encontram espaço de manifestação”
certamente facilitou a leitura da realidade com a qual nos deparamos (vide capítulo 9)
“a) Assimilação = processo pelo qual o indivíduo passa a conhecer melhor a doutrina
religiosa e o papel que cabe ao médium nesse contexto. Caracteriza-se pela “constituição de
uma imagem interna ou representação das crenças do grupo” (Zangari, 2003, p. 174), e que
do grupo. Esses passos devem ser seguidos caso se queira executar a função mediúnica
religioso em si. Esse processo envolve não só uma adaptação psicológica, como corporal
intermédio. Esse processo está limitado pelos conteúdos próprios da doutrina religiosa;
52
patológica, Almeida (2004) buscou traçar um perfil de 115 médiuns espíritas em
atividade em diversos centros kardecistas de São Paulo, tendo por base a investigação
para a possibilidade de doença mental para que respondessem na segunda fase a uma
deles pontuara abaixo do ponto de corte, sendo incluídos somente quando este fora
reduzido a fim ter maior número de indivíduos na segunda etapa. (ALMEIDA, 2004)
idade de 48 a 58 anos e com ensino superior completo (46%), sendo reduzida a taxa de
Almeida pontuaram apenas um pouco abaixo das pessoas sem transtornos psiquiátricos
à esquizofrenia foram frequentes (em especial os de controle externo) ainda que estes
não estivessem associados ao desajustamento social – o que desafia “uma longa tradição
53
Outro achado interessante é que a ocorrência da dissociação nos médiuns é
bem controlada, isto é, se encontra num ponto em que a volição exerce seu papel sem
e os médiuns em questão “sejam entidades distintas” (p. 156) já que pontuaram de modo
diverso na maior parte das demais características ligadas ao TID. Levou ainda em conta
o fato de que
Importante ressaltar que estes dois últimos sintomas se constituem no que os espíritas
seja ainda maior em outros grupos de médiuns espíritas” (ALMEIDA, 2004, p. 122, grifos
nossos)
contexto religioso e não religioso não se constituiu como critério eficaz nesse sentido e
mais uma vez onde se julgava ter um parecer firmado e bem estabelecido se dá de cara
com terreno movediço, tendo em vista o relato de experiências mesmo que menos
frequentes dos sujeitos em seu cotidiano, para além dos locais e horários das sessões
mediúnicas.
e remontou os indivíduos à sua infância, ainda que para o contexto familiar no qual a
54
maioria cresceu essas experiências fossem ignoradas, tidas como ligadas à possessão
demoníaca ou à loucura. Entretanto, nessa época ainda não eram reconhecidos nem se
com algum centro espírita, mormente através de três vias: uma em que seus valores
religiosos e sistema de crenças já não mais dava suporte a anseios íntimos, indagações
espírito em particular (sensações assinatura). Chama atenção ainda para o fato de que
ocorriam com razoável frequência no dia a dia dos médiuns” (ALMEIDA, 2004, p. 139)
e não apenas nas reuniões mediúnicas (como ocorre com a incorporação), ainda que isso
não signifique que os médiuns não tenham controle sobre a manifestação. Apesar de às
legitimariam.
17
Almeida (2004) contrasta a recomendação de distância do exercício mediúnico feitas às pessoas com
sintomas excêntricos por Allan Kardec à “prática que se disseminou posteriormente em grande parte dos
centros espíritas brasileiros: a recomendação de “desenvolver a mediunidade” para o alívio de diversos
transtornos físicos e mentais, pois estes seriam sintomas de uma mediunidade latente” (p. 134)
18
O autor contrasta as formas de ocorrência da psicofonia relatadas pelos médiuns da classificação feita
por Kardec, que reconheceria dentre estas uma mediunidade de audiência, em que o sujeito repetiria o
conteúdo do que ouve em voz alta.
55
A partir de uma lente cunhada de etnopsicológica, surgida por sua vez do
uma visão realista sobre os consagrados textos de Freud sobre a cultura e a psicologia
fosse de fato possível, ao estudar essas obras, se extrair tudo de fundamental da “teoria
para o pensamento social do mestre, pois ainda que tal aporte não incorra na
“a psicologia de cada sujeito (...) é constitutivamente social, embora por ser meramente
psicologia não precise nem tenha como dar conta de toda a verdade do social. Logo, insista-
se, a contribuição mais efetiva da psicanálise para a psicologia social está onde não se a
a dicotomia entre interior e exterior – que por sua vez transcenderia as limitações da
campo dos estudos e das intervenções em psicologia social” (p. 442); considera que
56
mera aplicação dos postulados teóricos ao acontecimento experimentado, fazendo-o
enunciativa, que ao invés de ter sido escutada, teve seus sentidos enrustidos e traduzidos
(falta) e no não dito dos discursos, imagens, gestos e ações de indivíduos e do grupo
(BAIRRÃO, 2005; DIAS e BAIRRÃO, 2013). O lugar privilegiado para o teste desse
Toda essa discussão se faz necessária para Bairrão (2005) desde que para ele
si. Nesse sentido, a escuta é denominada participante pelo fato de que o pesquisador
tornar-se-ia um “filho”, isto é, alguém que busca a assistência das chamadas entidades
da Umbanda, ainda que bem específica: são eles próprios os objetos-sujeitos pelos quais
se está interessado em saber como se percebem, quais as suas histórias, e quem são os
médiuns por eles possuídos; ainda que isto signifique apenas que esses espíritos vivem
“se não metafisica, pelo menos metaforicamente” (p. 446, grifo nosso).
caboclas, utilizando-se de entrevistas guiadas com estas e com suas médiuns bem como
57
da observação participante e de diários de campo. Atentos à dimensão
indicação de que as entidades precisavam ser compreendidas tanto através das perguntas
mas também dos sentimentos por elas evocadas. Isto, aliado à devolutiva das primeiras
relacionados às funções de mãe e, mais amplamente, de mulher, que por sua vez
caminhar rumo a um amadurecimento. A água, combinada com terra e luz, lhes permite
assumir a forma de árvores e outras plantas, vida que se enraíza na terra e cresce, se
(caminhos) das suas médiuns, luz da terra que muitas vezes literalmente se especifica por
meio do colorido das flores. Sentidos veiculados pela água, como sensibilidade e
da mata, que por sua vez remete a um sentido de desconhecido a ser explorado”
Bairrão parecem corroborar, portanto, com os do psicólogo suíço acerca da médium por
58
cara contribuição aos estudos do campo bem como a este trabalho, já que instiga a
reflexão sobre o caráter ético de levar-se em conta tanto o sujeito que não é escutado
quanto também o papel e o processo tais como experimentados por este em relação com
identidade de 11 médiuns de dois centros espíritas de São Paulo, de modo que a coleta
reconhece uma fluidez própria a estas, desde que observou que sugestões dadas durante
com cautela duas estruturas: (1) a dos médiuns que só passaram a tê-las com a iniciação
principais aspectos levados em conta nessa distinção são i) o tempo de relação com
(MARALDI, 2010)
Zangari encontra respaldo no estudo de Maraldi, que é também por ele utilizado a fim
59
de confrontá-lo com os dados observados acerca do desenvolvimento da mediunidade
o papel do controle do médium sobre o que deve ou não ser ocultado (como palavrões,
injúrias, etc.), o que ilustra o caráter moralizador e mesmo coercitivo dos valores
(MARALDI, 2010)
sessão espírita estão envolvidos processos que “não se reduzem a meros ritualismos
hipnotizado’” (p. 248) desde que com frequência lhe pareceu difícil discernir “quando
teriam sido sugestionadas [crença?]”, tendo mais relação com a identificação com as
Deste modo, o fim último de uma reunião mediúnica seria para Maraldi
(...) onde a doutrina obtém certa materialidade [e] (...) se acredita mesmo “materializar”
os espíritos” (p. 249). Para que isso possa ocorrer, certos fatores devem facilitar a
60
necessária toda uma ambientação ritualística – ainda que os espíritas em geral tendam a
negar que suas práticas envolvam rituais – baseada em efeitos de iluminação, delicados
fantasia é tecida juntamente aos demais membros do grupo, com, por exemplo,
para Maraldi (2010) continuidade entre elas, que não se limita ao sentido psicossocial,
mas também à vida como um todo do sujeito, já que este pesquisador constatou ainda os
da reunião.
foram as de visão e audição – que não se davam, tal como descrito por eles, através dos
hipnagógicas, isto é, ocorridas próximas ou durante o sono. Assim como o que já foi
dito a respeito de Jung, observando tais sutilezas descritas pelos médiuns, Maraldi
abrangente de etapas de elaboração dos espíritos (que podem ou não vir a se tornar
19
Estas experiências ocorrem em situações em que o estado mental sofre uma queda, com a atividade do
inconsciente portanto potencializada, ou envolvem conteúdos diferentes daqueles percebidos pelos
sujeitos como transmitidos através dos sentidos, restando, antes da hipotética interferência de algum ente
espiritual, o que é por eles vivenciado mentalmente. Também para Maraldi (2010), isto não significa
entretanto que se possa excluir de todo a referida possibilidade
20
Segundo o autor, “O processo não se dá de modo unilateral, como resultado apenas do comportamento
da médium; ele é dialético, construído em conjunto, na própria conversação e diálogo com os
doutrinadores que tentam, de um lado, convencer pacientemente o ‘espírito’ sobre uma determinada
61
Figura 1: Etapas gerais da psicogênese dos espíritos. (Retirado de Maraldi, 2010, p.280)
projeto de vida ao qual está a serviço o que denomina de função mítica, que atua de
ainda o que Maraldi (2010) chama de “elaboração religiosa e afetiva do ausente” (p.
conduta a ser tomada, e que, de outro lado, enfrentam dificuldades com esse espírito, que se recusa e
resiste. Nesse processo de conversão (ou doutrinação) e resistência à conversão, o médium parte de certas
premissas para construir e personificar uma dada manifestação, e os doutrinadores (e até outros médiuns)
contribuem adicionando elementos específicos ao discurso estabelecido. Parece-nos assim que essas
sessões de certo modo reatualizam, dramática e constantemente, um mesmo processo inicial de conversão
ao Espiritismo” (p. 279).
62
336), isto é, da morte21. No entanto, a referida criação possuiria também sua faceta
a de interpretar, explicar e fazer sugestões ao que foi ou deve ser vivido pelo outro,
“Nos casos analisados, a assunção de tal projeto [de vida] se apresenta, sob muitos
sociais a que estão condicionados esses indivíduos. Esse processo parece estar a serviço não
de crenças e práticas espíritas) pode – assim como outras formas de identidade religiosa –
ser emancipatória frente a etapas anteriores da trajetória biográfica, ela também pode se
tornar, mais tarde, simples reposição de papéis e personagens condizentes com certas
partiu da premissa de que a mediunidade poderia ser entendida como um jogo em que se
21
Levando a consideração deste aspecto às últimas consequências, Maraldi pensa ser a categoria de
“espírito” uma tentativa de supervalorização do potencial humano e, assim, um ideal narcísico cujas
tendências podem igualmente adquirir, de um lado, um caráter de justificação e legitimação identitária e,
do outro, de emancipação; sendo prova disso suas versáteis e quase ilimitadas faculdades supostamente
observáveis nos fenômenos ditos telepáticos, clarividentes, de desdobramento, etc. Entretanto, ainda
assim a ocupação com a “grande ausência” não estaria findada, sendo preciso comprovar sempre e ad
infinitum nas reuniões mediúnicas a sobrevivência dos espíritos (e assim a possibilidade de que o mesmo
se dê consigo) a esta ferida – mais um amputamento – narcísico.
63
somariam velamentos e ocultações tanto em termos de processos e dinâmicas
adversidades pessoais, sociais etc., como a pintura e a redação, por exemplo). Permite ainda
auxiliando tais indivíduos a lidarem com seu mundo subjetivo, sem que tenham de assumir
total responsabilidade pessoal (ou consciente) pelos conteúdos que emergem durante as
simbologia e o treinamento prático necessários para se lidar com os mesmos, sem que haja
sujeitos, Maraldi chama atenção para o fato de que por trás das contínuas conversões
poder mesmo estes talvez não estejam cientes. Na visão do pesquisador, a reunião
mediúnica seria então o reservado espaço onde o triunfo – socialmente aceito – dos
poderia ser ensaiado, bem como sobre aqueles papéis sociais com os quais estes travam
64
religiosa dos médiuns através da doutrinação de suas sombras22 com certos interesses
Por fim, no que respeita ao nível mais amplo de reflexão atingido por
tendo em vista as profundas marcas deixadas, por exemplo, pelos não tão antigos e
reproduzir ou até mesmo reformular a (...) história da ideologia espírita, a história das
vida são também lutas ideológicas, isto é, expressões da própria trajetória das práticas
buscas pessoais com questões coletivas ainda não totalmente superadas, o que incita os
médiuns, bem como na relação transferencial com a figura do pesquisador / psicólogo 23”
22
Trata-se do conceito junguiano de sombra. Junto à “doutrinação da sombra”, Maraldi (2010) distingue
ainda outros cinco “mecanismos de reposição institucional: 1) a disciplinarização; 2) a introjeção com
personificação; 3) o encorajamento; 4) a autoria oculta; 5) (...) a exclusão” (p. 372).
23
As relações estabelecidas entre o Espiritismo e outras religiões são sintetizadas por Maraldi (2010) em
três tipos: sincréticas (Umbanda e Catolicismo), de confronto (Catolicismo e Protestantismo) e de
discriminação (Umbanda). Quanto à temática da transferência entre pesquisador e sujeitos de pesquisa, o
autor mais uma vez traz instigantes reflexões acerca da categoria por ele cunhada de conflito entre
Ciência e Espiritismo, embora talvez o fator complementar à transferência – isto é, a contratransferência –
pudesse vir a receber maior atenção e, assim, este aspecto ficasse ainda mais esclarecido.
65
diferencial entre as chamadas experiências anômalas e os transtornos psiquiátricos,
Alminhana (2013) estudou 115 pessoas que buscaram ajuda em centros espíritas de Juiz
de Fora (MG) e foram por estes reconhecidos como médiuns. Tendo os observado um
ano após o primeiro contato com eles, que por sua vez ocorreu próximo à busca pelo
que apresenta EAs [experiências anômalas] pode servir como um critério importante para o
Além disso, a mera presença de EAs como medidas pela dimensão de Experiências
com EAs, que são Autodirecionadas provavelmente não possuem indicadores para a
estar, mesmo um ano depois.” (ALMINHANA, 2013, p. 161 e 162, grifos nossos).
66
Outras contribuições pertinentes para este trabalho podem advir da recém-
publicada antologia de ensaios organizada por Hunter e Luke (2014) intitulada Talking
with the Spirits: Etnographies from between the worlds, onde se encontram olhares de
diferentes autores sobre diversas expressões religiosas desse mesmo fenômeno cultural
e humano, que para além do que diz respeito ao entre mundos metafisicamente falando,
transita entre diferentes mundos sociais. Com seus múltiplos olhares, a publicação tende
a fortalecer um campo cada vez mais em voga que fora inspirado pela antropologia da
2014). Pelo fato de a maioria deles, ou melhor, aqueles aqui referidos utilizarem uma
pesquisador para com a cosmovisão dos “nativos”, com os quais serão estabelecidos
uma atitude definida quanto a estas. Nesse sentido, a autora defende a pertinência do
ceticismo no “inquérito” etnográfico, ainda que pense que este precise estar aberto aos
dados, já que, de um lado, nada se sabe sobre a linha provavelmente muito tênue que
67
com os sujeitos e mesmo em sua vida (BOWIE, 2014). Para ela, no que respeita a esse
“equilíbrio entre uma apreciação crítica do dado diante de nós, usando quaisquer
fenômeno e das pessoas que estamos estudando.” (BOWIE, 2014, p. 24, tradução nossa).
investigador, a de Gilbert (2014) pode ser vista como um pouco mais passiva (LUKE e
comparece, isto é, a de que tais experiências são pelo menos socialmente reais e
significativas – e que, dessa forma, em suas próprias palavras, significa dizer que se
trata de fenômeno “que ‘afeta aqueles que acreditam nele’” (GILBERT, 2014, p. 64,
discurso, focando em apenas alguns dos aspectos biográficos das assertivas dos
médiuns.
24
Atenta assim como Bowie às questões éticas, a autora distingue agnosticismo de indiferença com o que
é professado pelos médiuns, ressaltando assim a relevância da empatia do pesquisador para a reflexão
acerca da própria pesquisa e para o encorajamento da atividade reflexiva dos próprios sujeitos
(GILBERT, 2014).
68
maioria afirmando tê-las desde a infância (estando estes sozinhos) embora nenhuma
que talvez levou com que estes não se considerassem médiuns desde então mas com que
médiuns serem mais críticos que o esperado, reconhece a força da interação grupal para
“Meus achados sugerem que tornar-se médium trata-se tanto de ser reconhecido e
legitimado pelos outros como autêntico comunicador de espíritos, ser aceito como parte de
um grupo quanto de achar um papel para suas habilidades. Isto é enfatizado pela
significância que eles dão à experiência dos outros (...) [, que] é tão importante quanto a do
significado da mediunidade enquanto uma ação social, como algo que pode ser
69
entrevistados de Hunter (2014) foram as ideias “de que a consciência pode sobreviver à
raridade de tal sorte de combinação (ver também Meintel, 2014), que nem mesmo no
dentro da igreja ministradora de ayahuasca Santo Daime requer explicação. Com este fim,
uma série de fatores parecem viáveis, tais como: a natureza explicitamente eclética da
grifos nossos).
70
famílias tradicionalmente envolvidas com práticas de cura25; estes só teriam assumido
alegado dom revelado por espíritos, com os quais eles estabelecem uma relação de
desde que são percebidos como perigosos e difíceis de lidar. Empregam métodos de
flutuação emocional, como por exemplo lágrimas súbitas” (STÖCKIGT, 2014, p. 169,
“Na maioria dos casos os curandeiros referiram-se a estados próximos ao sono, alguns a
estado de extrema alerta. Durante a possessão pelo espírito muitos curandeiros espirituais
assistentes são muito importantes para os curandeiros, possibilitando que eles transmitam
estado de Quebec, no Canadá, mas no ensaio em questão focaliza sua pesquisa baseada
igreja espiritualista, chamando atenção para as diversas formas como os médiuns entram
questão) através do que a ele narraram. Tendo estudado igualmente mais de uma
espanta-se com tal conflito dadas as proximidades de credos pela autora percebidas,
25
A autora enfatiza como o que reconhece como certa hierarquia dos espíritos dos curandeiros expressa
simbolicamente as estruturas sociais e a dinâmica interação entre identidades sociais e históricas
(STÖCKIGT, 2014)
71
(IURD) participa do continuun mediúnico brasileiro, “mas com entidades sobrenaturais
que incorporam nas pessoas com designação teleológica oposta: demônios ao invés de
espíritos, chamado de desarollando muertos, e, por fim, da relação entre estes e aqueles,
que distante está de ser simples graças à ideia de que os aspectos humanos dos muertos
foi tanta que a autora chegou mesmo a ser iniciada. Outro autor que também se tornou
médium foi Emmons (2014), que em seu estudo confrontou como experimentam
médiuns estadunidenses com sua vivência investigando uma médium de Hong Kong,
fornecendo rico panorama da variação cultural dessa experiência, que apesar de ter
diversas semelhanças, diferem entre si. Para ele, os chineses “negociam com seus
buscam conselhos pessoais e diminuição das aflições” (p. 321, tradução nossa).
ser mais vantajoso entrevista-los que contar com o depoimento dos médiuns tang-ki
poderiam ser de fato criadas pelo homem. Em suas palavras, estes teriam sido criados
72
e de oferendas em circunstâncias em que não existem espíritos naturais inanimados e
Por fim, Ryan (2014) enfoca o engajamento dos chamados videntes nos
meios virtuais, concluindo que, mais que a possibilidade de desenvolver e exercitar seus
“dons” através do espaço social online, este possibilita identificação, ajuda mútua e
sensação de utilidade dos seus membros, que assim sentem tornar-se mais
tanto acrescentar algo que já não tenha sido discutido ou que seja de fato pertinente ao
presente estudo, ficando de bom grado estas menções ainda que rápidas a eles, que no
entanto merecem maior respeito por terem cumprido competentemente seus intentos26.
26
Não se fez menção ao ensaio de Maraldi et al. (2014) pelo fato de em tal ocasião ser feita a revisão de
estudos experimentais e que fogem portanto aos interesses deste trabalho.
73
CAPÍTULO 3
IDENTIDADE PSICOSSOCIAL
relações do indivíduo consigo próprio e entre ele e o grupo do qual faz parte – bem
como do papel exercido por este no que tange à experiência do médium e como ela
que é utilizado como referencial para submeter um objeto a uma análise; um recurso
identidade dos sujeitos dos diferentes contextos religiosos em questão e para elucidar os
relações intergrupais e com a ligação destas com os graves problemas que a causaram e
dela decorrentes com os quais os homens lidavam à época (HORNSEY, 2008), tais
74
como o Holocausto, a destruição em ampla escala de muitas nações e a onda crescente
MIRANDA, 1998).
origem de tais conflitos entre grupos a processos profundos da psique, leitura esta de
mínimo (TAJFEL, 1970; TAJFEL et al., 1971, dentre outros), cuja avaliação culminou
como pertencentes a um determinado grupo (de cujos membros não eram informados),
como, por exemplo, dos que preferem os quadros de um pintor aos de outro,
discriminavam o outro grupo – ainda que nem mesmo contato visual fizessem com este
– quando solicitados a dar recompensas e sanções em dinheiro, ainda que isto não
resultasse em maior benefício para si mesmos; de modo que, mesmo podendo optar por
distribuir o lucro da forma mais justa possível, os sujeitos favoreciam o grupo “nós”,
Dessa forma, além das demais visões, sofrera um duro golpe uma rival da
teoria de Tajfel, a perspectiva do conflito realista de Muzafer Sherif, que afirmava que a
75
(HORNSEY, 2008; MIRANDA, s/d). Mas quais seriam as motivações por detrás desses
identidade social por parte de Tajfel e de seus colegas, inclusive Turner, que depois
processo este que, para Miranda (1998), consiste na “divisão do meio (físico ou social)
em geral (objetos, pessoas, ideias, sentimentos, eventos, fatos etc.) cujos processos de
Bonomo et al., 2011). Influenciado pelas ideias de Leon Festinger sobre a comparação
76
social, Tajfel argumentava que a motivação e a necessidade por um autoconceito
positiva e, por sua vez, parece estar relacionado à elevação da auto-estima do sujeito
(HORNSEY, 2008; MIRANDA, 1998; HOGG et al., 1986; PAIVA, 2007). Um viés
contexto e mais especificamente do contra-grupo com o qual mesmo que se tenha uma
relação negativa, aquela está inevitavelmente referida, como se sempre após o termo
comparativo. Nas palavras de Hornsey (2008), “Grupos não são ilhas; eles se tornam
77
No que se refere ao emprego do conceito de grupo, diferente das demais
grupo, avaliativo – a noção de pertença ao grupo pode apresentar uma conotação positiva ou
acompanhados de emoções (por exemplo, amor, ódio, gostar ou não gostar)” (p. 600).
Social, este é definido como “aquela parte do autoconceito do indivíduo que deriva da
consciência de pertencimento dele a um grupo social (ou grupos) junto dos valores e da
1998), podendo-se observar o peso dado pelo autor ao sentimento subjetivo de conexão
pessoais em forma mais pura possível, enquanto o outro retrata a consciência completa
da representação do grupo27 se torna o mais saliente possível, que por sua vez é o alvo
que podem vir a ser particularmente interessantes para a elucidação dos conflitos talvez
identidade mediúnica:
27
Não se pode esquecer ainda de que, por ser altamente referenciada ao contexto, a rede de pertencimento
aos grupos faz com que as diversas identidades sociais estejam sempre se transformando (Bonomo et al.,
2011; Hornsey, 2008), justamente como o contrário da concepção que Turner viria a atacar, isto é, a de
que a identidade seria uma estrutura estanque ou uma instância a priori.
78
“O indivíduo pertence simultaneamente a diversas categorias sociais: nação, grupo étnico,
religião, profissão, organização religiosa, família, partido político, ... Em resultado da sua
pertença a uma dada categoria, adquire uma dada identidade social que lhe permite definir a
morte deste no início da década de 80, Turner deu uma guinada em direção aos
(HORNSEY, 2008), e justamente por essa razão sua teoria provavelmente será de maior
utilidade para este trabalho, tendo em vista que, ainda que este seja privilegiado para
sondar a reação dos participantes diretos e indiretos ao fato de o estudo estar se dando
com grupos religiosos diferentes, o foco deste jamais fora as relações entre estes, mas
sim a relação mediada pelo contexto entre suas experiências religiosas (e mediúnicas),
sua relação com os alegados espíritos e entidades e seu impacto sobre sua identidade.
será de modo algum desprovida de sentido tendo em vista que seu trabalho e o de
2008; PAIVA, 2007). Uma diferença talvez importante entre ambos, para começar com
conceber as identidades pessoais e sociais, que para Turner são diferentes em termos do
79
As autocategorizações são definidas por Turner et al. (1994) como
diferentes de outras classes” (p. 454, tradução nossa). Nesse ínterim, Hornsey (2008)
alega que
níveis de autocategorização que são importantes para o auto conceito: a categoria superior
do self como ser humano (ou identidade humana), nível intermediário do self como membro
de intragrupos sociais definido em contraste com outros grupos humanos (identidade social)
nível intermediário de abstração, uma possibilidade que desde então tem sido explorada nos
trabalhos sobre identidades subgrupais (Hornsey & Hogg, 2000). Também assumiu-se que
há um “antagonismo funcional” entre os níveis de auto definição, de tal modo que conforme
um nível se torne mais saliente os outros níveis se tornam menos” (p. 208, tradução nossa).
autocategorização” acima citado nos leva a enfocar uma das noções-chave para a
do pessoal, ainda que a forma pura destes seja concebida como raras na realidade dos
80
como um todo, como já se pode observar também no que diz respeito à teoria da
autocategorização, inspira-se num modelo baseado no conflito, de modo que este para
Permita-se o leitor, aqui, mais uma vez, uma pausa para analisar uma
da aproximação entre o que os sujeitos acreditam ser espíritos e os protótipos tal como
realizadas:
“A partir desta perspectiva, as pessoas são influentes dentro dos grupos na medida em que
211).
todo” (p. 459) já que reiteradas vezes o autor reconhece a transitoriedade das
81
Se, em outros termos, o self molda, condiciona e formata a cognição e em
consequência também o real por um lado, por outro, este não pode cumprir sua função
cognição necessariamente psicologia social. Toda cognição é cognição social” (p. 462).
“Turner não exclui a motivação afetiva, mas tampouco lhe dá muita atenção. Destaca, ao
protótipo e, eventualmente, próximo dele. Mais do que Tajfel, que explicitamente declarou
não pretender abranger a dimensão pessoal da identidade, Turner propõe uma correlação
negativa entre identidade grupal e identidade pessoal” (p. 79-80, grifos nossos).
em vista os objetivos específicos deste projeto, que podem ser atingidos de forma
Miranda (1998), por exemplo, aponta que “Tajfel faz depender de forma excessiva a
identidade do indivíduo da sua pertença ao grupo” (p. 610), caindo assim num
reducionismo oposto àquele que combatia nos primórdios. Outro ponto que é alvo de
82
críticas é o da visão negativa ou pessimista já mencionada no que concerne à
Nesse sentido, para uma devida consideração acerca dos possíveis aportes às
dimensões pessoais e afetivas que este modelo de análise exigirá, tomar-se-á como
receber certo reforço também pelo fato de que pesquisadores contemporâneos dedicados
feito uso dela na exploração de temas que antes seriam estranhados, como memória e
emoção, o que talvez constituam indícios de que apostar em propostas como a deste
trabalho possa fornecer novos ares e abrir outros horizontes para a teoria ou mesmo para
“Recentemente, teóricos têm tentado alcançar uma articulação com mais nuances da íntima
empoderamento e como a expressão desses desejos são formatados pela cultura. (...) Há
216).
religião, que por sua vez se faz necessária graças à importância da experiência
partilhamos com Hornsey da ideia de que, pelo fato de ter sido também uma contra-
83
identidade social tenha descambado para o extremo oposto, desprezando sumariamente
foco fundamentalmente sobre o indivíduo, embora não com tom individualista28. Desse
28
Basta recordar da distinção entre individualismo e individuação (JUNG, 1928/1984).
84
PARTE II
A PESQUISA
85
CAPÍTULO 4
METODOLOGIA
4.1. Objetivos
compreensão psicossocial das experiências dos médiuns no que diz respeito à sua
pelo médium com os pretensos seres espirituais, sejam eles na percepção dos sujeitos de
obsessores, etc.). Essa distinção entre os contextos em que os médiuns estão inseridos é
“as experiências anômalas narradas pelos médiuns são interpretadas por eles de acordo com
(aquelas que trazem alguma informação relevante) talvez possa ser o resultado desse sistema
médium;
em que se encontram.
86
4.2. Métodos
de nossa experiência e mesmo afinidade ser maior com essa estratégia de investigação.
vista” (p. 71). No entanto, os achados e conclusões desta pesquisa podem fornecer
sociais.
estabelecida entre esses níveis, o que por sua vez só pode ser satisfatoriamente
realidade em questão.
como mediunidade em cada uma dessas religiões, esse contato direto ocorrerá, sim,
junto aos médiuns, seu discurso e sua realidade social. Em suma, tratar-se-á de uma
não ser iniciado; e à observação participante completa, em que este seria um médium
(FINO, 2008).
87
As visitas iniciais a campo tiveram em vista eleger com quais grupos de cada
atividades autorizadas pelas lideranças dos três grupos religiosos por um período de
cinco meses em cada um destes, ao longo dos quais buscamos fazer pelo menos duas
médium, e tiveram seus aspectos mais significativos resumidos para os objetivos desta
investigação.
homens e mulheres com pelo menos dezoito anos de idade com no mínimo três anos de
aumentar o número delas até que a exploração através de mais entrevistas passe a ser
experiência etnográfica nos foi o dado soberano na determinação mais definida desses
aspectos que foram aqui planejados com a finalidade exclusiva de organizar uma
88
estratégia de aproximação do problema de pesquisa. No fim, contudo, não precisamos
abrir mão nem de nossos referenciais teóricos nem tampouco se fez necessária a
dados nos auxiliou a direcionar temas fundamentais para os objetivos deste trabalho. As
2) Definição de mediunidade;
4) Desenvolvimento da mediunidade;
5) Tipos de mediunidade;
8) Aproximação da entidade;
9) Afastamento da entidade;
4.3. Hipóteses
hipóteses:
89
Na percepção dos sujeitos, a experiência mediúnica opera em alguma medida
parte.
que concerne à alegada incorporação por espíritos e entidades, dado que uma forte
90
PARTE III
CONTEXTUALIZAÇÃO DOS
GRUPOS RELIGIOSOS
91
CAPÍTULO 5
ESPIRITISMO KARDECISTA
espírita no Brasil são os de Almeida (2003), Maraldi (2011) e Alminhana (2013), que já
religião é interessante para os eventuais leitores que desconheçam suas linhas gerais e
desejem construir uma impressão genérica sobre ela antes de seguir na leitura deste
“Deus, concebido segundo a tradição judaico-cristã (...). Uma vez criado, o universo
Mundo Invisível, ou, como os espíritas também o chamam, o Plano Terreno e o Plano
sentido ao Mundo Visível. (...) Essa relação de complementaridade entre os dois mundos se
92
Invisível, têm vida eterna. Em sua trajetória cósmica passam por várias encarnações até
atingirem o grau de Espíritos superiores. (...) O eixo sincrônico remete à relação entre
espiritual. (...) No eixo da diacronia, a relação entre os dois mundos é governada pelas leis
abrangente e suficiente para os objetivos a que nos propomos nesta seção, o quadro
presente em Sampaio (2014) apresenta de forma ainda mais sucinta e didática aspectos
Quadro 1: Síntese do ethos e visão de mundo da obra kardequiana. (Retirado de Sampaio, 2014).
e por seus adeptos no Brasil como a 3ª maior religião do país é o trabalho de Giumbelli
93
(1997). Neste, o autor persegue as tentativas de combate e as reações à religião recém-
medicina e das práticas higienistas datadas de certo período, que por sua vez foram
conjugava essas duas formas: uma loucura criminosa. Nomes como os de Francisco
Fajardo, Nina Rodrigues, Artur Ramos e Roger Bastide são os mais importantes na
transformação do significado dos espíritas para a sociedade brasileira, ainda que alguns
deles tenham se dedicado de fato ao estudo do candomblé. Isto pelo fato de que, no
início, esta religião, bem como a umbanda e outras acabavam por ser aglutinados sobre
apontar as diversas fraquezas desse construto tanto em seus aspectos éticos quanto
94
brasileiro: Chico Xavier, Waldo Vieira e Luiz Antonio Gasparetto, que são, por sua vez,
respectivamente.
Brasil, embora seja consenso que mudanças foram inevitáveis: uma, de Cândido
Procópio Camargo, de que no Brasil a tônica religiosa teria se sobressaído com relação
que este foi alvo de adaptações diferentes a depender do contexto (STOLL, 2002). No
entanto, o Espiritismo à brasileira constituiria para Stoll (2002) “uma versão original e
duas posturas do Espiritismo com relação aos “laços” e fronteiras estabelecidas por este
juntamente das religiões “afro”. A autora identifica a ideia de um continuum entre estas
e aquele, enquanto por outro lado se tem a visão de que elas se situam em oposição
2002)
com a vivência das práticas religiosas como um todo em que as pessoas dos diferentes
centros espíritas, terreiros e templos estão engajadas, faz-se mister tomar proveito da
95
ideia do continuum estabelecido entre o Espiritismo Kardecista e as religiões afro e
ampliá-la a fim de incluir não só o catolicismo como propôs Stoll mas talvez todo o
cenário da diversidade religiosa e das práticas espiritualistas, New Age, esotéricas e etc.
tradicional bairro de classe média de Fortaleza, onde desde 1986 realiza suas atividades.
A instituição funciona numa convidativa e ampla casa de dois andares cuja decoração é
padronizada e com plantas espalhadas por quase todos os espaços, contando com
funções, a depender das atividades e dos dias – estão sempre presentes no espaço, a
96
A história do centro com nome inspirado na sapiência bíblica – a fé cujo
tamanho ainda que ínfimo como o referido grão é movedora de grandiosos “montes” –
nos é narrada por alguns de seus membros mais antigos (somente três estão desde os
primórdios), que contam que funcionava no espaço onde hoje se encontra o “Grão”,
Espiritismo”, cujas práticas, segundo eles, eram diferentes das adotadas atualmente,
querendo expressar com isso que práticas umbandistas e espiritualistas no sentido lato lá
tinham espaço. O dono da casa e responsável pelo espaço – um militar espírita de idade
espírita, e assim é que entra em cena a figura de Mario Kaula Bandeira29, reconhecido
como fundador do Centro e hoje já falecido30, alguém que viria a realizar uma dupla
evocada pelo termo “Palácio” e o símbolo que acresce à imagem de um singelo grão de
elucidado por Stoll (2002), o possível ganho adaptativo, do ponto de vista cultural,
em que a religião católica era ainda mais forte e influente, e, de outro, uma maior
tendência a alinhar-se à sistematização dos centros espíritas como pensada por Allan
29
Não teve seu nome alterado. A partir daqui, poderá o leitor concluir que, caso não haja nota de rodapé
indicando que o nome da pessoa em questão não sofreu alteração, é por que o nome desta foi modificado,
assim visando manter preservado o sigilo.
30
Em uma das entrevistas, a médium Zíbia recordou de certa vez em que uma de suas psicografias fora
assinada por Mario Kaula Bandeira. Isso nos fornece um dado interessante no que concerne à relevância
da articulação entre a história pregressa do grupo e o significado de seu fundador para este na construção
da narrativa do que estes acreditam serem espíritos.
97
Kardec e orientada pela Federação Espírita Brasileira (FEB), cuja subordinada no estado
5.2.2 Atividades.
sábados e domingos, em que estas não são abertas ao público, isto é, envolvem
tarde. Em quase todos os dias há mais de uma atividade programada, e algumas delas
podem inclusive acontecer no mesmo horário, como se pode conferir nas atividades
abaixo:
“Lei de Justiça, Amor e Caridade”, etc., nas sextas-feiras eles buscam discutir temas
etc. No entanto, o que se percebe é que, mesmo nos títulos dessas palestras presentes na
centro, questões mais ligadas à obra de Kardec podem ser tratadas nas sextas e vice-
versa. Nas quintas-feiras, durante o GAME, tem espaço uma palestra mais curta, a
uma hora. Não custa ressaltar, ainda, que mesmo os temas livres acabam sendo tratados
98
como por exemplo: “A fé transporta montanhas”, “Parábola do Grão de Mostarda”, “O
poder da Fé”. Antes destas terem início, geralmente os trabalhadores apagam as luzes
música relaxante que já estava tocando e convidam algum trabalhador que não o próprio
palestrante a fazer uma prece visando acalmar e tranquilizar seus visitantes. Existe a
suas próprias vidas e deixando os visitantes livres para fazer comentários, tirar dúvidas e
até discordar de suas ideias. As palestras, juntamente dos grupos de estudos para
com muito amor o equilíbrio espiritual, psicológico e fisiológico daqueles que vêem em
busca de paz e luz” (Trecho retirado de flyer com a programação diária do CEGM)
iluminação especial dedicada a essa prática que se localiza logo atrás do auditório.
escritores como Jacob Melo e pelo pensamento oriental sobre os “chakras”, chamados
também de “centros de força”, os espíritas crêem que através da mãos dos passistas, que
99
acreditam ser auxiliados pelos seus guias espirituais, seria possível realizar a emissão de
“energias” e “bons fluidos”, cujos alegados efeitos seriam, quando conjugados com as
espiritualmente aquele que “tomou” o passe. Este, por sua vez, pode ser descrito como
uma série de movimentos com as mãos tais como fazer círculos com as palmas destas
ainda que sem tocá-las na cabeça do indivíduo e depois fechá-las, estalar os dedos ou
ao dos cata-ventos, que às vezes giram tão devagar que não cumprem sua função e
espíritos “sofredores”, os doutrinadores também dão passes, embora estes sejam mais
rápidos, pois não se aplica sobre os chakras do médium. A chamada água fluidificada
acreditam recebê-la) e é tomada em copos de chá após o passe ou levada para casa em
garrafas pelos frequentadores e trabalhadores para ser tomada em cinco pequenas doses
moléculas de água. Antes e após a aplicação dos passes nas pessoas, os passistas fazem
uma prece da forma menos automática possível, pois a maior parte dos trabalhadores do
CEGM acredita que os passes não fazem parte de nenhum ritual e encontram nas ideias
ritual, mas é”. Isso se deve ao fato de que, na visão mais difundida entre os espíritas, os
100
rituais são próprios dos povos e religiões “menos evoluídas”. O autor destas linhas pôde
desse momento, em que a pessoa escutada pode se comover e entrar em pranto, o que
reconhece como contribuição para que esta tenha uma leve sensação de melhora. Num
trabalhador lhe aplica um passe – segundo ele, esta atividade é bem próxima do que se
realiza no GAME. Após isso, as pessoas em geral se sentem mais preparadas para
interagir e ouvir o que o trabalhador tem a dizer sobre sua situação, sendo ao final do
atendimento convidadas para participar de outras atividades que lhes são acessíveis,
como palestras, cursos e reuniões. Para dar um exemplo, o Diretor Doutrinário se referiu
ao caso de um jovem cujo drama envolvia o fato de ser homossexual e seu temor frente
às possibilidades de reação de seus pais, que tinham uma atitude conservadora frente a
isto. Em outra oportunidade, um dos trabalhadores levou a própria mãe, segundo ele
conversa fraterna. Esta aparenta estar de alguma forma conectada com as reuniões
101
pessoa. Não seria exagerado supor que, quando a pessoa retorna com frequência para a
prática ocorre nas segundas-feiras, no mesmo horário das palestras, nas salas do
segundo uma das trabalhadoras, funcionar como uma espécie de terapia de grupo,
oferecendo aos participantes um espaço para partilhar suas dores e suas vivências – pois
modo que uns ficam responsáveis pelos iniciantes propriamente ditos e outros pelos que
Consolador” e “Que a mão esquerda não saiba o que faz a direita”. Numa oportunidade
em que se pôde participar, observou-se que, apesar do foco se dar sobre o capítulo do
regular o grupo para dar espaço a todos e para poder retornar à discussão. A tônica de
suas falas é claramente confessional, de modo que uma das participantes mencionara
31
Também chamados de grupos de estudos.
102
rapidamente sua falta de amor-próprio e sua dificuldade em lidar com rejeição,
cigarro e sobre como finalmente conseguiu superá-lo lendo obras psicografadas por um
determinado autor espírita. De um lado, se tem os iniciantes falando sobre suas questões
e buscando ressignificar seu olhar sobre estas e, da parte do coordenador, uma atitude
dez reuniões para que possa então voltar ou para os atendimentos do GAME ou para
por sua vez é subdividido em estágios com números específicos de aulas, o curso é
gerais, busca conduzi-lo como um círculo de conversa baseado n’”O Livro dos
Espíritos”. A cada aula, os participantes recebem uma folha referente à aula seguinte
que inclui um “Roteiro para Estudo Dirigido”, isto é, o (sub)capítulo do livro com a
indicação das questões que Kardec fez a diferentes espíritos e suas respectivas
que os participantes devem ser capazes de responder. Em geral, quando não se sentem à
vontade ou não conseguem expressar sua compreensão, estes buscam fazê-lo através da
resposta, o que também é feito a convite de Rogério quando eles não sabem responder
coordenador, que articula os conteúdos com atualidades. Este curso é voltado para
aqueles que de alguma forma simpatizam e têm afeição com a doutrina ou mesmo que
querem construir uma trajetória mais sólida dentro do espiritismo, cuja forma mais clara
103
seria a afiliação como trabalhador (voluntário) do CEGM, sendo, nesse sentido, também
já que das demais atividades participam mesmo católicos autodeclarados e que afirmam
que não deixarão de sê-lo. Isto por que, nestas, os trabalhadores recepcionam e atendem
uma carga doutrinária esteja envolvida, seus objetivos principais parecem ser o cuidado
filosofia, religião e ciência espíritas, como os de Deus, alma, espírito, corpo físico,
realizada por alguns trabalhadores do CEGM entre este (ou os centros espíritas) e uma
fronteira entre ambas, no entanto, é bastante tênue e muitas vezes está claramente
104
um “Hospital-Escola”. Outro interessante aspecto observado a partir do contraste entre
diferente: Rogério problematiza e delimita com relativa frequência, por exemplo, qual a
lado restringe orações como a “Ave Maria” para a crença espírita na medida em que um
de seus trechos diz ser Maria a “Mãe de Deus”, de outro autoriza o “Pai Nosso”, embora
com a ressalva de esta não ser feita de modo automático. Critica ainda o que chama
demarca uma diferença significativa com relação às palestras: aqui, a doutrina espírita é
encarada como a “boa nova”, como o “cristianismo revivido”, capaz de operar o “bem”
rigor, sempre que possível retornando à letra do “mestre” (Kardec), Rogério ressalta que
espiritismo não seria exceção. Esses indícios parecem sustentar o intento de transmitir a
solidez da visão espírita, seu “núcleo duro”, que se pode traduzir na ideia de que a
doutrina espírita é mais suficiente a si mesma do que quer seu contraponto “aberto” ou
outros sistemas religiosos e que foram acolhidas e até mesmo estimuladas recebem
agora uma nova visada, às vezes sendo duramente golpeadas ou ganhando novas
receberão tratamento no último capítulo. Apesar de tudo, Rogério não é o único que
105
partilha de ideias tais como essas, e não por coincidência os demais sujeitos que
que o buscam pela primeira vez que estejam presentes um pouco antes, para que possam
“O GAME se propõe a auxiliar as pessoas que buscam esta Casa Espírita, apresentando um
obsessões graves. Esta terapia deve ser realizada em conjunto com o tratamento médico
nosso).
trabalhador do centro que aguarda sentado na portaria, onde recebem flyers com a
programação mensal da casa que lhes é acessível. Caso seja sua primeira vez
participando do GAME, elas são direcionadas a uma sala onde dão seus nomes a um
trabalhador que prepara sua ficha e seu crachá e são conduzidos por outro trabalhador
também identificado com crachá até uma sala onde conversam de forma não tão
preenche alguns dados e “prescreve” o tratamento, cujo foco central residirá na ingestão
confusão com os dois primeiros bem clara. Do contrário, caso já conheçam a atividade,
simplesmente dão seus nomes, se sentam munidos de suas garrafas d’água e aguardam
em silêncio pela preleção no auditório, onde a combinação da penumbra, das sutis luzes
106
coloridas e das músicas calmas e relaxantes ajudam a quebrar o ritmo acelerado do dia-
a-dia. As preleções, por sua vez, só diferem das palestras em termos de duração: são
CEGM oferece muitas outras, ocorridas nos fins de semana, em cuja participação é
autorizada apenas aos membros do centro. Dentre elas podem-se citar propostas de
instituição espírita não oferecia a prática de Evangelização Infantil por não ter formado
interessado e espírito obsessor e, de outro, afirmam que participar destas somente por
107
possivelmente prejudicial para os médiuns, que se sentem mais sensíveis e ansiosos
diante da exposição.
necessário que elas sejam descritas e esmiuçadas em seus pormenores a fim de fornecer
das nuances do trabalho como um todo do grupo ali presente, que está intrinsecamente
enriquecimento do trabalho.
dias e horários das “mediúnicas” coincidiam com os de outro campo, além, claro, do
campos, fato que acabou forçando a imersão do autor nos outros dois campos
108
simultaneamente, dificultando, assim, sua disponibilidade para retornar ao CEGM,
razão pela qual acabou não se tentando contato com os demais dirigentes.
Mediúnica de Desobsessão, as duas reuniões às quais se teve acesso lhe parecem mais
adequadas desde que sua tônica seria mais suportável e menos incômoda do que à
caráter introdutório que delas se deveria esperar em razão de seus próprios nomes, não
constituíam um espaço apenas para médiuns iniciantes – embora alguns destes também
impressão obtida nas reuniões observadas. Há ao invés disso, segundo um deles, uma
decisão pelo caráter instrutivo destas por parte dos líderes do CEGM, que pode ser
e o culto à personalidade dos médiuns mais experientes caso se fizesse uma distinção
longa e significativa trajetória nesse tipo de trabalho e participaram de uma das duas
reuniões, com exceção de Zíbia, que apesar de ter facilitado nosso acesso, não pôde
A chegada do autor nas reuniões aparenta ter sido sentida com um misto de
algum resquício de memória coletiva da “caça” aos espíritas aludido por Maraldi
(2011), que por sua vez acabou tendo como porta-voz seu líder, o doutrinador.
109
A tensão foi tamanha, que um destes, Miranda, chegou inclusive a inquirir o
de que seu trabalho de mestrado fora deste tipo e não daquele. Mesmo após esse
resto do grupo.
modo que o parecer foi negativo para a maioria. Puderam ser gravadas as outras duas
mediúnicas, isto é, da RIME, sob a condição colocada por Miranda de que estas não
que se distinga cada uma das “personagens” nelas envolvidas. Além dos médiuns de
incorporação, que junto dos doutrinadores são os elementos indispensáveis para que
“positivo”, e ainda a categoria dos que acreditam psicografar, embora esta atividade seja
incentivada e pareça ocorrer apenas nos casos dos que estão nos primórdios do
dialogista. Este elemento, cujas fronteiras com aquele não são delimitadas igualmente
ou mesmo percebidas por todos, possui função muito próxima, talvez daí advindo a
110
origem desta confusão. Apesar de se poder optar por não distingui-los, esta hipótese
que este acredita ser um espírito sofredor incorporado no médium, fazendo-o de acordo
parece obedecer, e essa relação não abrange apenas este e os ditos espíritos, mas, como
dialoguista há uma relação próxima à de professor e aluno, quando este referiu que
aprendeu com outro colega doutrinador mais experiente. Assim, ser dialogista aparenta
com Miranda, que poderia ser encarado como alguma sorte de afronta à figura do
sessões espíritas serem vistas como “experimentos”, como referido por Rogério, parece
111
Em decorrência disso, no que concerne à doutrinação, este em geral tende a
apresentar um estilo mais preciso, mais incisivo e seguro graças à maior experiência,
mas, às vezes, no que tange à relação com os médiuns e dialogistas, também sisudo e
nesse âmbito não são tão incomuns como gostariam seus participantes. Três
“africano”, o que impediu que Miranda com ele interagisse. O doutrinador teria
orientado, ao final, que o médium buscasse “captar” o pensamento dele ao invés do que
presentes, esse médium mostrou-se nitidamente avesso e com reservas com relação
ser na maioria das vezes mais harmoniosa que a do doutrinador com ambos, pequenos
conflitos também podem comparecer entre eles na mediúnica, como foi o caso do
32
Isto também pode ser indicativo de algum conflito em potencial entre o doutrinador e o dialogista.
112
dialogista da RIME, que na reunião anterior à primeira ocasião em que esta pôde ser
contestado por uma das médiuns. Na RIME em que observamos, este corrigiu seu
após o pesquisador ter mencionado os grupos religiosos a serem por ele pesquisados a
Rogério e ao dialogista, este demonstrou seu interesse na pesquisa, tendo referido que
teria conhecido Tia Neiva do Vale do Amanhecer em certa ocasião há muito tempo
atrás. Rogério falou, então, de sua experiência ao visitar um grupo da religião referida
em entrevista com Rogério, este se mostraria muito mais satisfeito com o novo
dialoguista que passou a lhe acompanhar, pois, segundo ele, o antigo seria
excessivamente “místico”.
às quintas-feiras, das 19 horas e 30 minutos até por volta das 21 horas, assim como a
horário, a ponto de ser costume da maioria a chegada ao CEGM com certa antecedência.
pouco mais ampla que o necessário para a circulação dos trabalhadores ao redor da
113
“mesa branca”, de formato retangular localizada no centro desta. Conta com um
pequeno jardim de inverno, alguns poucos quadros com belas imagens e frases, ar-
Sobre a mesa, além de canetas, lápis e papel para aqueles que supostamente
psicografam, constam alguns livros e cadernos, que contém os nomes daqueles que
por um grupo ou indivíduo e discussão de temas por todos de algum tema da extensa
literatura de autores espíritas acerca do que os espíritas acreditam ser, por exemplo,
Após esse momento inicial, os livros são retirados e a luz branca é apagada,
em volume médio. O doutrinador, após solicitar que todos fechem os olhos e deixem
seus problemas “mundanos” de lado, profere algumas palavras de gratidão a Deus e aos
Apela-se ainda para a imaginação dos médiuns acerca dos espíritos e das energias que
“incorporações” ocorrem.
114
O dialogista ou o doutrinador circundam a mesa e se aproximam dos
médiuns para atender aqueles que estariam com “espíritos”. Antes de fazerem sua dita
comunicação, estes exibem alguns sinais que são interpretados como incorporação,
Comunicam aos ditos espíritos então que estes “desencarnaram”, que não
estão mais na “carne” ou que não têm mais um corpo físico, às vezes inclusive falando
chamados suicidas, cujos métodos para pôr fim à vida teriam sido os mais variados. A
regra geral é que estes e outros parecem não ter consciência de que só morreram
ligado à uma das pessoas conhecidas do Grão, que em sua suposta vida pregressa, na
115
qual teria sido uma cafetina, obrigara muitas mulheres de seu bordel a fazer abortos,
tempo para se dialogar sobre as pretensas mensagens, visões e incorporações bem como
interpretações juntos, cada qual com sua contribuição, de modo a constituir uma rede de
sentido para a construção de uma narrativa coerente e plausível com suas experiências
como um todo – desde uma matéria de um noticiário assistido ou lido por alguém, uma
sensação incômoda ao longo do dia, até temas relacionados aos dramas dos que buscam
destinados por sua vez à articulação entre eles e a uma acreditada comprovação do que
116
CAPÍTULO 6
UMBANDA
existência de uma mesma realidade espiritual, ou seja, há o plano onde habitam os Orixás e
ancestrais e o plano onde habitam os seres humanos. (...) Todos os rituais serviam e servem
até hoje para ajustar essa relação natural-sobrenatural e possibilitar uma conexão entre os
homens e os “deuses”. Trata-se, portanto, de uma religião mediúnica, já que seus adeptos
servem de veículo para a manifestação das entidades (...). Há a crença em um ser divino
Orixás não incorporam nos médiuns, apenas os Ancestrais, conhecidos por Caboclos,
refere às sete linhas: a linha de Santo ou de Oxalá (dirigida por N. S. Jesus Cristo), a linha
de Yemanjá (dirigida pela Virgem Maria, Nossa Senhora), a linha das crianças ou a linha
do Oriente (dirigida por S. João Batista), a linha de Oxossi (dirigida por S. Sebastião), a
linha de Xangô (dirigida por S. Jerônimo), a linha de Ogum (dirigida por S. Jorge) e a linha
de S. Cipriano (África, dirigida por S. Cipriano)” (JORGE, 2013, p. 156 e 157, grifo nosso)
explorações é o etnográfico. Além dos trabalhos já revisados, cujo maior foco é dado
117
2013; NASCIMENTO et al, 2001; LAGES e D’ÁVILA, 2007), bem como sobre outros
dos estímulos somáticos e sensoriais sobre o transe (MORINI, 2007), as mudanças dos
cantados (PEREIRA, 2012) e a música (BAKKE, 2007). Há, ainda, artigos que têm por
chamado Catimbó, que é justamente a adotada pelo terreiro investigado neste estudo. A
(GRÜNEWALD, 2008) – elemento este que, vale frisar, não mais se faz presente nas
o vértice cujo o “índio e o negro são os lados” (p. 41), e a adoração destes, que são bem-
delimitação claras consiste num grande desafio diante das mutações sofridas tanto por
este em contato com a Umbanda quanto as da última, que atualmente no estado aparenta
118
6.2. Centro Espírita de Umbanda Jesus, Maria e José
conhecido e referido como terreiro da Mãe Clara entre seus Filhos de Santo, médiuns e
permanecer aberto, funcionando desde o ano de 1956, contando, portanto, com sessenta
próprios fiéis, não deixa de revelar um aspecto importante para esta exposição. Para
sagrada família , do ponto de vista do problema de situar o CEUJMJ dentro das “linhas”
da Umbanda, é sinal da influência que tem o catolicismo sobre este e de modo especial
o catolicismo dito popular. Assim, além de devota de Jesus, Maria e José e de Nossa
sendo raro também que os Filhos de Santo e mesmo suas líderes frequentem missas.
“entidade” com quem se interage, estas e os “catimbozeiros” – modo como alguns dos
pisamos é abençoado”, disse certa vez Chiquita Preta, entidade de Bárbara, uma das
médiuns entrevistadas.
33
Apesar disso, a Casa parece ser ecumênica, constituindo ponto de encontro de Pais de Santo, médiuns e
umbandistas de outras tradições, bem como do Candomblé, principalmente em suas festas.
119
As atividades são realizadas na residência da própria Mãe de Santo, que se
localiza no bairro São João do Tauape, bairro cujo crescimento se deu principalmente
devido ao intenso fluxo social nas proximidades da Igreja São João Batista. No imóvel,
cujo espaço dedicado aos rituais toma praticamente metade do total, residem também
sua filha, a chamada Mãe Pequena do terreiro, Mãe Graça, além de familiares e Filhos
de Santo.
decorrentes de sua idade, hoje quem se acha à frente da maior parte das decisões de
caráter prático e mesmo das Giras e demais trabalhos é Mãe Graça de Iansã, que apesar
disso demonstra claro respeito e atende sempre às orientações de sua mãe quando a
marcante e influente.
local principal onde celebram seus rituais e suas festas já chegou a abrigar bem mais
assistência e o Centro como um todo – segundo crêem seus membros – cabendo àquele
ainda a função de energizar a Gira com o toque dos atabaques a esta a de servir os
eventualmente dispersos e para o horário, bem como de intervir nos casos em que
120
alguma entidade esteja “demandando”, isto é, trazendo algum “negativo” para alguém,
solicitando que o médium “suba” para realizar uma limpeza, por exemplo, e trazer outra
entidade.
podem executar funções auxiliares às da Cambone e do Ogã, como no caso deste, por
uma para a casa propriamente dita, espaço mais reservado aos seus moradores, no qual
por ele se transita ainda que com menor frequência, e outra para o terreiro. Apesar dessa
divisão, que conforme já se pôde perceber não é demasiado rígida, nota-se que imagens
de entidades, santos e orixás bem como diversos elementos ligados a estes e à fé afro-
brasileira de modo geral podem ser encontrados espalhados pela casa, embora não de
elementos ligados a Exu, que, como se esclarecerá mais adiante, é Orixá de proteção e
de limpeza segundo a crença dos adeptos, sendo um deles uma cadeira com um símbolo
típico desse Santo e um compartimento fechado por um portão de cor rubra, como lhe é
34
Instrumentos artesanais auxiliares ao tambor.
121
Logo em seguida, se sucede uma espécie de sala – lugar onde foram
realizadas as entrevistas com os médiuns, Combone e Ogã – com sofá, televisão, som,
como do que se presume serem presentes ou oferendas feitas pelos visitantes cujas
necessidades ou objetivos foram atingidas graças ao trabalho feito por uma entidade ou
pela Mãe de Santo. Um banner grande pendurado próximo do teto com uma foto de
Mãe Graça de vestido vermelho, cachimbo e olhos quase fechados e uma inscrição
saudando a pomba-gira Maria Padilha, que, em termos mais adequados, é uma das
Santo.
dito, pode-se observar à esquerda, logo depois do bebedouro, um pequeno altar com
de uma criança, próximo da qual se vê alguns doces e um cofre. Trata-se da Tapúia, Erê
indígena também ligada à coroa de Mãe Graça. À direita há um quarto utilizado pelos
Filhos de Santo, em especial pelos médiuns, para trocarem suas roupas e vestimentas –
direita da entrada, onde se tem a marca de uma ferradura no chão. É frequente ainda que
próxima da entrada e do Ogã até próximo do altar principal, o Congá, que se localiza na
35
As supostas entidades representadas pela estatueta em questão não foram observadas nas Giras, talvez
por seu papel presumidamente menor para o Centro, talvez em função do período do ano em que o
trabalho se deu.
122
parede oposta aos tambores, na frente dos quais se encontra um banco onde convidados
No ponto mais alto do Congá temos uma imagem de Jesus Cristo, e logo
abaixo deste uma da sagrada família seguida por de outros santos católicos, como São
Francisco de Assis e Santo Antônio, que por sua vez ficam acima das entidades da
Umbanda, algumas das quais são retiradas ou colocadas de acordo com a ocasião. O
Caboclo Rei dos Índios, que é chamado e louvado como “dono” do CEUJMJ, bem
na “coroa” de Mãe Clara, são algumas das imagens mais fixas; bem como Iemanjá, que
apesar de estar no ponto mais baixo do altar, possui um compartimento com água do
próxima do centro. O Congá fica entre uma pequena lavanderia – através da qual se têm
exus e pombas-gira; e um espaço mais reservado onde se tem outro altar com muitas
imagens, desta vez dos Mestres, também conhecidos como Juremeiros, apresentados por
sua vez de forma resumida como “Caboclos que bebem”, cujas entidades mais
significativas são Simbamba, associado à linha de mar e incorporado por Mãe Clara,
Nêgo Chico Feiticeiro, entidade de grande poder de influência na Casa ligado à Mãe
canjica. Dentre elas, a mais importante parece ser a que se encontra ao lado da
representação de Pai João, que simboliza Mãe Maria, entidade que pertencia
inicialmente à Mãe Clara e foi “passada” para a coroa de Mãe Graça quando esta
começou a trabalhar.
123
Há entre o Congá e o espaço desse altar secundário uma bancada próxima da
guias e acessórios como chapéus dos Mestres e isopor para armazenar a bebida que
estes consomem e dividem com a assistência, além de urnas com as velas das entidades,
impedem nem a presença quase constante dos médiuns, nem que no próprio local sejam
número de convidados e amigos das Mães de Santo; pelo contrário: parece ser
atmosfera receptiva e amistosa, que por sua vez enfatiza a grande intimidade que têm os
religiosos.
Isso se relaciona, por sua vez, com um dos principais aspectos no que diz
somente da presente Casa, mas da maior parte dos terreiros de umbanda, a saber, a de
seu acentuado caráter familiar. Tal impressão fica ainda mais evidente caso se tome
Umbanda, que após sofrer de alguns problemas repentinos de saúde como dores de
identificar sua doença, fora desenganada por inúmeros especialistas, de modo que
acabou buscando a ajuda de João Cobra36, Pai de Santo que por sua vez teria operado
36
Alcunha do indivíduo em questão. Não teve seu nome alterado.
124
através de seu preto-velho o que a atual Mãe de Santo considera ter sido uma cura,
ouvindo dele que era médium e que, por isso, deveria trabalhar. Apesar disso, nessa
época era ainda católica e ainda não acreditava ser capaz de fazê-lo, ao que Seu João
reagira dizendo que iniciaria a crer, pois ainda haveria de vir ela própria a realizar
inúmeras curas.
estado de Amazonas por uma mulher que certa vez acolhera, sendo revertido graças à
relembra Mãe Clara, os exames, que não apresentavam mais nenhum problema, viriam
Três anos depois do ocorrido, a jovem Clara viria a registrar seu Centro,
cujas atividades ocorriam na casa efetivamente, que não dispunha do mesmo espaço de
hoje. Precisou, porém, antes ter realizado testes em que suas entidades eram postas à
prova – relacionados ao fogo, à água, ao dendê e à cura, segundo sua recordação – para
conseguir o registro. Com a fundação de seu terreiro, contou com a ajuda de seu marido,
hoje já falecido.
fizeram com que iniciasse logo de início a trabalhar justamente com aquilo que operou
saúde daqueles que buscavam o terreiro – o que permanece até os tempos atuais.
No entanto, o auxílio a que se prestou e se presta até hoje Mãe Clara não se
limita ao âmbito das referidas curas, mas abrange também a acolhida de várias pessoas
necessitadas em seu lar, inclusive dos próprios desenvolventes, como Ismael, médium
entrevistado que reside atualmente com suas Mães de Santo, e Maria José, também
125
entrevistada, que ao passar por dificuldades juntamente de seus filhos e netos também já
recorreu ao Centro.
constituíam para a prática da Umbanda, embora jamais tenha sofrido de forma mais
séria com estas. Com a chegada progressiva de pessoas para desenvolver sua
Desse modo, além da ajuda do próprio marido e dos outros médiuns, muitos
dos quais já não trabalham mais no Centro, uma importante conquista foi a conexão
descoberta entre os tambores e um dos filhos do casal, hoje Ogã, que por sua vez
começou a tocar desde os sete anos de idade, tendo sido ensinado pelo Pai. Outras
figuras relevantes na história do CEUJMJ nesse sentido são uma atual Mãe de Santo e a
Graça, que alega ouvir e ter visões de “desencarnados” desde a infância, além de ter
intuições e de, como a mãe, ter pressentimentos. Mãe Clara associa, inclusive, a
da filha.
Aos doze anos, ela começou a apresentar dores de cabeça e outras questões
relativas à saúde bem próximas da descrita pela própria Mãe Clara, buscando ajuda
ajuda e o modo como contam sua história. Essa impressão ficará mais acentuada nos
126
Retornando à trajetória de Graça, a Mãe de Santo relembra que, de início,
resistira ao conselho do guia da mãe, Caboclo Tupinambá, de que precisava entrar para
a religião e desenvolver. Aos treze anos, porém, a ideia já lhe era tragável, iniciando seu
desenvolvimento e, pouco tempo depois, aos catorze anos, após um ano e dois meses
No entanto, Mãe Graça se recorda de ter vergonha das amigas e que, apesar
correndo de volta para casa, pedindo perdão à Deus e às entidades, retornando a praticar
sua religião.
Mãe de Santo e quem a desenvolveu desde o início, esta não poderia realizar as
Obrigações de cabeça da própria filha, acredita-se que por conta das “energias”
diferentes de ambas, sendo necessário então que Mãe Graça viesse a procurar outra
“mão para botar” em sua “cabeça”, isto é, que outro Pai de Santo o fizesse, embora ela
viesse também a ser consagrada Zeladora de Orixá pelo Caboclo Rei dos Índios
posteriormente.
Irmão de Santo, tendo lá trabalhado por vinte e dois anos, sem que isso impedisse que
Santo referido é relevante para a história do terreiro de Mãe Clara, pois, apesar de ser de
lá, muitos médiuns do Centro também já trabalharam lá, como Margarida e Mazé, e
muitos são os visitantes e convidados que possuem algum tipo de ligação com ele.
127
No entanto, o cônjuge de Mãe Graça abandonou sua prática religiosa e
impôs a esta que deveria escolher entre ele e a Umbanda, ao que resistiu, mas acabou
optando por deixar suas crenças devido ao sentimento e à família que se encontrava em
função do sentimento pelo marido, do qual não muito tempo depois viria a separar-se,
com uma filha, além de grávida, desempregada e, segundo ela, com depressão, evento
entidades, regressou também para sua religião, à qual se dedica inteiramente e com
bastante vigor e energia, sendo profundamente respeitada e admirada por seus Filhos de
Isso não implica, porém, de modo algum que esta tenha superado sua mãe.
Parece apenas estar mais à frente do CEUJMJ e de sua rotina, atividades estas que
requerem bastante energia, algo que Mãe Clara já não mais possui como antes. A
matriarca, entretanto, não deixou de ser referência e é profundamente querida por todos
os “Filhos”, que assim como Mãe Graça, até hoje aprendem sobre a Umbanda com ela.
A Mãe de Santo leva uma velhice com qualidade de vida, sendo respeitada e buscada
sempre em função de sua sapiência e de sua fama por ajudar pessoas com o que muitos
vêem como sua “mão de cura”, algo que constitui motivo de orgulho para ela.
128
Caboclo, Preto-velho, Exu, etc.37, e as chamadas Giras de Cura, cujas entidades
quatro horas de duração, iniciando às 19 horas e findando, assim, por volta das 23. As
Giras podem ser remanejadas ou adiadas com relativa flexibilidade diante dos eventuais
feriados ou das condições próprias do Centro, mas, regra geral, ocorrem com frequência
semanal.
estejam desincorporados às 22 horas ou próximo desse horário para que depois sejam
servidos – pelos próprios médiuns – os quitutes, cuja culinária possui íntima relação
com a entidade do dia; razão pela qual, somado ao fato de constituir oportunidade ímpar
Apesar de cada Gira possuir uma linha principal, cujas entidades de modo
incorporem juntos pelo menos uma vez mais entidades de uma mesma linha, geralmente
Mãe Graça. Às vezes, os médiuns podem incorporar outras entidades – um Erê, por
exemplo – ainda mais vezes, embora três tenha sido o limite máximo observado.
Ocorre, por vezes, que seja necessária a saída de alguns médiuns do salão
para trocarem suas roupas, que por sua vez são de cores sempre associadas às entidades
37
Há ainda Giras de outras linhas de entidades, como as de Ogum e as de Mar. No entanto, parece que as
Giras principais de outras linhas ocorrem sempre quando se aproxima alguma festa a elas relacionadas,
como, por exemplo, a de São Cosme e São Damião, no que se refere aos Erês, e a de Iemanjá, orixá à qual
está ligada a linha de mar.
129
da Gira do dia em questão. Isso, contudo, pode variar, pois nem todas as entidades
requerem que seus “cavalos” troquem suas vestimentas, e assim um simples adereço
suficiente, embora isso pareça mais comum aos médiuns sem tanto tempo de trabalho.
qualquer Gira, uma série bastante ampla e complexa de pequenos recursos ritualísticos
entram em cena, desde defumações, após as quais cada um dá, de cada vez, uma volta
completa com o corpo; distribuição de alfazema para todos, que espalham a essência em
suas cabeças, braços e costas; períodos em que todos permanecem em silêncio; até as
ou defumando tais locais bem como que esta se aproxime de imagens e pontos
caso dos Caboclos, por exemplo. Tais recursos, assim como tantos outros, se articulam
dias. Tudo isso parece funcionar como uma espécie de aquecimento para os médiuns.
130
plausível apostar na limitação inevitável de nosso tempo de observação do campo e, por
conseguinte, de nosso conhecimento, do que insistir que o que não pudemos entender é
necessariamente sem sentido. Isso vale não apenas para as Giras, mas também para
outras atividades.
incorporar é a Mãe de Santo responsável pela Gira do dia, que por sua vez é seguida de
aplausos e cumprimentos, e, somente após ela os outros médiuns podem fazê-lo, o que
hierarquia.
Nesse sentido, parece uma norma que, assim como a Mãe de Santo seja a
primeira a incorporar, também o seu alegado guia seja o primeiro a ser cumprimentado
não somente pelos guias dos demais médiuns antes de o fazerem entre si e com relação
aos convidados, aos outros Filhos de Santo à assistência, mas também pelas demais
entanto, além da já aludida “pisada” firme no chão ao final, é frequente que se beije o
dorso das mãos, toquem-se os ombros direitos com direitos e os esquerdos com
esquerdos.
que gozam de maior fama e prestígio, isso não é sentido como um peso. Não é raro
alguns para conversar e aconselhar, fazendo com tal prática que estes os conheçam e
131
um médium que costuma ser seu “cavalo” não pode fazê-lo, tendo então que deixar de
Isto por que se pôde observar que, diferentemente dos espíritas kardecistas,
por exemplo, que admitem que o espírito que acreditam ser o de Bezerra de Menezes
Santo do CEUJMJ de modo geral acreditam que, se dois médiuns dizem incorporados
por uma mesma entidade, um deles deve estar mentindo. Como se pode esperar, isso
preces como o Pai Nosso, a Ave Maria, o Credo e cantem a oração de São Francisco,
aplaudindo ao final. Além disso, algumas palavras de estímulo e gratidão são proferidas
pela Mãe de Santo, eventos de interesse para a comunidade das religiões afro-brasileiras
Também são repassados para os Filhos de Santo os itens para a próxima Obrigação.
estivessem mirando com arcos e flechas, o que denota o que os fiéis acreditam ser o
cachimbos e bebem café, aconselham com ternura os que os buscam, passando água e
ramos de ervas nestes, de forma que a ênfase na dimensão do cuidado fica patente.
fim, podem ser servidos com vatapá, canjica, mugunzá e outros quitutes. Estas em
132
muito se assemelham com as Giras de Cura, que delas diferem apenas no que se refere
à duração, que varia de duas a três horas, e ao fato de não se “bater tambor”. Acontecem
As Giras de Exu ocorrem uma vez ao mês, geralmente no início deste, com
exceção das viradas de ano, pois é tradição da Casa não “bater” para Exu assim que o
ano inicia como parece ser de praxe em outros terreiros, consoante as Mães de Santo.
diferente, bebem espumante, dançam freneticamente com seus trajes vermelhos e pretos
CEUJMJ ocorreria se quinze em quinze dias, revezando com as Giras de Cura nas
participar, Mãe Clara, após o aquecimento a que nos referimos, “chamava” as ditas
entidades para cada um dos iniciantes, que se encontravam todos ajoelhados. Os que
não incorporaram de fato pareciam estar tontos, ficando de olhos fechados e em silêncio
experientes desincorporados.
38
As chamadas Obrigações infelizmente não puderam ser observadas.
133
Outros, apesar de apresentarem boa parte dos sinais que o grupo compreende
daqueles, como ficar de olhos bem abertos e o cantar o ponto muito baixo mesmo sendo
para todos parecia ocasião para treino, prática e para serem incentivados pelos mais
pelo fato de estarem relacionadas a linhas específicas. Assim, por exemplo, no mês de
Erê. O número de pessoas é maior, sendo todos muito bem servidos ao final com
que por sua vez não se limitam ao espaço do Centro, já que Mãe Clara atende até
relacionamentos amorosos.
Mãe Clara, além das rezas em seus clientes e das bênçãos para estes e de
animais, se ocupa com mais frequência das chamadas curas, do mesmo modo que Mãe
Graça é mais procurada para as demais questões. Não há, contudo, uma divisão tão
estanque entre os trabalhos, já que no período de fim de ano Mãe Clara é buscada pelos
pré-vestibulandos ansiosos pelo resultado, recomendando a estes que orem para o Rei
Salomão, rei da ciência, e para o Divino Espírito Santo que é, segundo ela, dono da
134
mente. Além disso, as Giras de Cura são consideradas como espaço para as demandas
relativas à saúde.
cachaça e várias ervas parecem recursos comuns somados à defumação. Como para
todo e qualquer ritual umbandista, a mentalização parece central para a eficácia que
pode vir a ser percebida. A cobrança é feita principalmente para auxiliar o próprio
terreiro, cujas atividades são custeadas em sua maior parte graças ao esforço de todos os
Quanto aos trabalhos para prejudicar outras pessoas, de “Magia”, Mãe Clara
diz não trabalhar com isso, não ter vontade de aprender e nem aconselhar que se faça tal
sorte de coisa a nenhum dos desenvolventes, pois parte da intrigante e curiosa premissa
de que o mal feito a outrem é “repartido” não somente entre a pessoa que o fez e o alvo,
mas também entre aquela e seus entes queridos. Para ela, “o mal por si se destrói”, já
que “o feitiço cai em cima do feiticeiro”, e assim a paz da pessoa que o fez é perdida.
135
CAPÍTULO 7
VALE DO AMANHECER
Se se atento está aos contrastes entre essas religiões, não se pode furtar à
observação das suas semelhanças, que sem dúvida se devem em parte à influência da
importantes referências para o Vale do Amanhecer, ainda que estejam longe de ser as
“Pai Seta Branca”, que seria o líder espiritual do movimento, que teria chegado à Terra em
um disco voador. Teria vivido em diferentes épocas, rencarnado várias vezes. A primeira,
como Jaguar, (numa referência à cultura inca) como São Francisco de Assis (referência
cristã), e como um índio Tupinambá (referência à mitologia popular brasileira) que teria
vivido no século XVI na fronteira do Brasil com a Bolívia. Não podendo mais encarnar,
teria escolhido Neiva – conhecida entre os adeptos como Tia Neiva – a quem teria delegado
a missão de preparar a humanidade para o terceiro milênio, tempo, que de acordo com a
doutrina, não haverá nem dor nem sofrimento e culminará com o “regresso” da humanidade
para um planeta chamado “Capela” de onde teriam provindo os humanos, assim como o Pai
Seta Branca. (...) É importante ainda frisar que a dinâmica instaurada no VDA é
136
O cenário dos trabalhos voltados para o Vale do Amanhecer é um pouco
questão da cura, que por sua vez, apesar de ser psicóloga de formação, é resultante da
Chaves Zelaya e Mario Sassi. Tanto quanto este, se destaca o estudo de caso de Oliveira
Norte (COELHO, 2006). No que respeita a outras áreas, há trabalhos sobre os signos de
(REIS, 2008).
mediunidade não apenas dos médiuns de incorporação (aparás), mas também dos
interação com os espíritos, que, por sua vez, consequentemente também se modificam.
Uma de suas contribuições mais interessantes que, como se verá, encontra respaldo no
templo por nós estudado – cujos adeptos apontam justamente o fato a seguir como
137
intuição aos seres espirituais), aprendizado conceitual e aprendizado intersubjetivo” (p.
Fortaleza apesar de uma placa no próprio tempo indicar que não seja da capital e sim do
localizado no bairro Coaçu, próximo da Estrada do Fio, que é região limítrofe entre
ele, contando com um corpo mediúnico de mais seiscentos mestres e ninfas ao todo.
movimentação, como nos fins de semana, acaba se tornando incapaz de comportar todos
os carros – e, finalmente, com outros espaços voltados mais para os próprios adeptos.
alguns dos quais têm nos quintais de suas casas uma porta de acesso direto para
Templo Mãe, a “Meca” dos adeptos do Vale do Amanhecer (VDA), em torno do qual
138
foi fundada uma grande vizinhança com estabelecimentos comerciais ao seu dispor,
grande maioria é afeita ao cenário espírita e umbandista, é ainda uma instituição com
vistas à expansão, pois este ainda não conta, por exemplo, com a Estrela Candente,
Este trabalho requer que o templo conte com, além de amplo espaço e de
água no terreno – o que requer grande soma de recursos – dentre outras coisas,
alguns informantes. Porém, por enquanto o TGA só conta com estrutura e pessoal para
por ocasião do trabalho de Alabá, cuja frequência é sazonal. Nos dias em que há
trabalhos, a “manipulação de energias” abre por volta das 10 horas e permanece até 12
trabalhar para concretizar tal sonho. Para aproximar-se de tal objetivo, além do auxílio
dos próprios mestres e ninfas da doutrina e dos lucros provenientes das vendas na
lojinha, nas cantinas e nos bazares realizados, são promovidas festas em que ocorrem
comum. Para tanto, os adeptos alegadamente não se valem de doações de nenhum tipo
139
Todos os templos do VDA recebem o nome do ministro de seu presidente,
nomes dos ministros dos mestres são por estes recebidos numa ocasião especial de sua
longa lista de nomes dada por Tia Neiva, de modo que há a possibilidade de que dois ou
mais mestres tenham um ministro de mesmo nome, ainda que não sejam o mesmo.
gravadas numa parede que bifurca um caminho pela esquerda e outro pela direita. Todos
entram sempre pela esquerda, pois a via da direita é a da saída, e não se recomenda que
nem os médiuns nem os “pacientes”, isto é, as pessoas que vão até o “Vale” em busca
modo que bermudas e camisetas regatas para os homens bem como saias curtas e blusas
decotadas ou com maior exposição do corpo para as mulheres são trajes proibidos,
geralmente recebem batas para complementar suas peças e, assim, não precisarem ir
com as roupas brilhosas, coloridas e de certo modo até extravagantes que os médiuns
utilizam. Além do uniforme do jaguar, composto por camisa social preta com as mangas
médiuns (insígnias e broches) e a calça ou saia marrom que faz referência a Francisco
39
“Salve Deus! O homem que tentar fugir de sua meta cármica ou juras transcendentais, será devorado ou
se perderá como pássaro que tenta voar na escuridão da noite”.
140
de Assis, que teria sido uma das encarnações de Pai Seta Branca; há os trajes dos
médiuns iniciantes, que ficam de branco; os dos prisioneiros, que variam de acordo com
o gênero e, por fim, as indumentárias das Falanges, que no caso das mulheres são
incontáveis, com apenas duas para os homens, cada uma destas totalmente diferentes
entre si, sem contar as das guias missionárias, do trabalho de Angical, etc.
espécie de reverência típica sempre que se passar na entrada e defronte a outros locais,
como aos Orixás, à imagem de Jesus Cristo e a de Pai Seta Branca, e aos trabalhos de
tempo para o umbigo e abri-las ao lado da cabeça. Ademais, assim que chegam e antes
vezes podem fazer o que parece ser uma prece diante deles e da imagens do que
acreditam ser seus espíritos de luz com os quais tenham algum tipo de conexão.
aparentado com uma espécie de “parque de diversões” New Age. Caso seja a primeira
procedem para atingi-lo, isto é, através dos múltiplos trabalhos de que dispõem, tirando
médiuns – que podem ser tanto mestres e ninfas quanto aparás e doutrinadores – que a
colher seus nomes para trabalhos cujo número de participantes é limitado, organizar
filas e chamar pacientes, além das já mencionadas, não se observou nada de mais
141
complexo, nem mesmo do ponto de vista ritual. Aparentemente, o tempo de experiência
bem como certo entendimento dos trabalhos e da doutrina do VDA aliados à boa dose
de carisma, paciência, simpatia e bom senso para lidar com os visitantes são fatores que
pesam, já que estes têm os recepcionistas como principais senão únicos a quem recorrer.
Grandes fileiras de bancos podem ser vistas, onde os pacientes sentam para
aguardar serem chamados para os trabalhos, nesta parte voltados principalmente para o
esquerda, logo se vê vários quadros com imagens dos chamados espíritos de luz, mas os
maiores deles são o de Mãe Yara e outro com retrato da fundadora da religião, a
médium já falecida dita clarividente Tia Neiva – ambos com iluminação especial.
afixados quadros com representações desse tipo, que os religiosos consideram ser
velhos, caboclos, médicos de cura, princesas, cavaleiros dos mais variados tipos e outras
trabalho de Randy e logo ao lado aquele onde ocorrem a benção do ministro Gamurio e
ocorrem numa mesa de formato triangular, formato este muito similar ao símbolo dos
Aparás, os médiuns de incorporação, que, quando não está sendo utilizada com tais fins,
conta com os chamados “faróis” nas pontas ou vértices da mesa, isto é, doutrinadores
que ficam em silêncio e com as mãos sobre a mesa, que são substituídos de uma em
uma hora.
142
À esquerda, o paciente veria ainda uma porta pela qual saem e entram os
em que os pacientes não costumam transitar e que é mais voltado para o corpo
mediúnico, que, dentre outras coisas, o utiliza para checar suas escalas de trabalho. Ao
lado deste, pode ser visto o Radar, um grande balcão elevado onde, além da chamada
de Pai João de Enoque, local onde ficam os chamados Orixás, em número de três, todos
tomando as principais decisões com relação aos trabalhos, imprevistos, pacientes que
eventualmente causem problemas, etc. Eles são responsáveis, juntamente com outros
médiuns, pela dita abertura da Corrente Mestra, mas mudam sempre a depender do dia.
por diante.
corredor, além de uma estátua de Jesus Cristo com vestes verdes localizada exatamente
no meio, à esquerda, há duas entradas para o local supracitado, onde ocorrem a benção
143
A primeira delas possui o símbolo do doutrinador e a segunda o do apará. As
passam sempre por esse local quando estão prestes a iniciar ou a encerrar os trabalhos
de Cruz do Caminho e Oráculo de Simiromba, dão uma volta em seu interior e sobem
na Pira, uma espécie de palco onde, além de um grande símbolo da religião, nos
pretensamente incorporado com o ministro Gamurio para conceder suas bênçãos aos
utilizado por estes, pelo presidente do templo ou por outros mestres como uma espécie
de escritório, local onde alguns mestres mais experientes têm o costume de transitar,
aparentemente para pegar suas capas, etc. Algumas das entrevistas ali se deram. Há
Ao lado dessa sala há uma fileira de bancos em frente dos quais ocorre o
aparás se preparam para trabalhar. Dentro deste, além da recorrente cruz do doutrinador,
seguir para a segunda metade deste, há um local com alguns bancos para os pacientes
que aguardam sentados em fila pelo trabalho de Cura Iniciática, onde podem também as
144
ninfas e mestres ficarem sentadas cantando hinos. Ao lado da entrada do compartimento
voltado para esse trabalho, há uma mesa e uma cadeira onde costumam sentar-se os
Pai Seta Branca. À direita, mais bancos para os pacientes que aguardam pelo trabalho de
trabalho faz divisa com a saída da Cura Iniciática e com o Castelo do Doutrinador, sala
esta cujas paredes externas contam com as imagens das chamadas princesas, que sempre
têm rosas nelas dependuradas, diante das quais não é raro encontrar algum dos fiéis em
prece.
Dentro desse espaço, além de uma série de bancos, constam mais imagens
ainda, desta vez de diversas entidades, dentre eles os ministros e cavaleiros verdes de
vários mestres, sendo este talvez o local do templo em que conste o maior número de
representações das entidades cultuadas pelo “povo” do Gamurio. O principal artista por
trás de todos os símbolos é Vilela, que, segundo os informantes, apesar de não ser “da
doutrina”, sempre foi alguém da confiança de sua “mãe clarividente” ou “Koatay 108”,
grandes imagens – Mãe Tildes e Tiãozinho – e logo após este, o espaço do “Oráculo”
(de Simiromba). Pode-se avistar novamente o local do Sudálio, desta vez à esquerda,
encontra o templo e que é algumas vezes indicada pelos ditos Pretos-velhos aos
pacientes nos tronos – a “água fluídica”, que a bebem ou a levam para casa, acreditando
145
Restam ainda, antes da saída do templo, a área voltada ao trabalho de Cruz
do Caminho e, por último, uma pequena bancada onde podem os visitantes escrever
algum pedido, uma mensagem ou o nome de alguém que percebam como necessitando
de preces e de auxílio espiritual. Estes papéis são usualmente deixados numa pequena
caixa amarela defronte aos Orixás, e são utilizados principalmente no trabalho de Mesa
Evangélica.
Espiritualista Cristã (OSOEC), liderada por Raul Zelaya, ambos filhos de Tia Neiva40.
Segundo alguns dos mais importantes e mais conhecedores da doutrina dos mestres do
localizados fora de Brasília, Raul passou a ser a principal autoridade do Templo Mãe.
Apesar de tal cisma, não é incomum que os adeptos do Gamurio façam visitas a este,
inclusive para nele trabalhar em tais ocasiões. Essa contextualização, no entanto, se faz
mais importante por conta de o Gamurio ser vinculado e responder à CGTA e não à
OSOEC, fato que certamente possui uma série de implicações que não cabem ser
O Templo de Fortaleza nem sempre teve o nome atual, pois não foi o atual
40
Os nomes em questão não foram alterados.
41
O presidente é de fato assim tratado, principalmente nas emissões dos médiuns. Optar-se-á por trata-lo
assim para evitar criar mais um pseudônimo, mantendo oculto seu nome. Os nomes dos demais mestres
mencionados nesta seção não foram alterados desde que podem ter valor histórico.
146
O templo foi fundado em 15 de maio de 1985 por um grupo de três casais de mestres e
ninfas liderados pelo mestre Batista, que foram designados diretamente por Tia Neiva
para fazê-lo. Assim, o primeiro nome deste teria sido Humaitã do Amanhecer por conta
do ministro desse mestre, funcionando numa localidade chamada Tipuiu, que dista
Apesar de não ter sido seu fundador, o atual presidente entrou no templo
construídas de palhas da carnaúba, inclusive os tronos. O Adj. Gamurio relata que após
mais ou menos cinco anos da fundação do templo teriam conseguido um outro terreno,
então o terreno da localização atual, quando, apenas seis meses depois, já teriam um
construído um templo.
viria necessariamente a garantir sua existência, pois o templo viria a passar por algumas
“gestões” após a saída do Adjunto Humaitã até que pudesse gozar da estabilidade
administrativa de que dispõe hoje. O templo fora então entregue para um dos mestres
designados por Tia Neiva que logo precisaria se afastar, vindo em 1988 a ser por ele
responsável Inácio, mestre de um templo de Olinda, o que implicou que este passasse a
o cargo em 1993.
que por questões profissionais não poderia administrar todos os templos pelos quais seu
pai era responsável, de modo que então chegaria à presidência no ano de 2000 o
147
Adjunto Gamurio, passando então o templo a se chamar Gamurio do Amanhecer, em
nome do templo, nos primórdios de 2001, este viria a ser inaugurado em sua
que a história do Povo de Gamurio não se limita ao que foi acima descrito. Segundo
alega o Adj. Gamurio, o ministro Gamurio teria comunicado em uma de suas primeiras
incorporações, por ocasião de sua benção nos primeiros domingos do mês, que ele e seu
O Adj. Gamurio acredita que não estavam juntos somente ele e seu ministro,
que hoje pretensamente atuaria no plano espiritual enquanto ele trabalha no plano físico,
mas todos que hoje fazem parte do corpo mediúnico. Por conta dessas “heranças
Gamurio precisaria reparar suas vítimas, que podem ser os pacientes e os supostos
Contudo, para fazê-lo, o Adj. Gamurio alega que não se deve utilizar as
hierarquia, que são características percebidas pelo próprio líder bem como pelo seu
povo, nos quais se destacam sua esposa, que é Ninfa Lua, e seu filho, o Adjunto Naron,
vice-presidente do Templo.
148
7.2.2 Trabalhos do TGA.
Apesar de o trabalho de Tronos não ser o único pelo qual podem passar os
pacientes que nunca foram ao Gamurio do Amanhecer, pois, diferente dos demais, os de
Cruz do Caminho, Defumação, Sudálio e Alabá não requerem que estes tenham antes de
tudo conversado com as alegadas entidades do trabalho em questão, ele talvez seja de
fato o mais importante, desde que se constitui como a principal porta de entrada e o
ponto mais direto, privilegiado e profundo de contato que os pacientes podem ter com
fechado e conte ainda com um terceiro elemento: no caso, o doutrinador, que no Vale
médium de incorporação “de olhos abertos”, cuja intuição e sentidos estariam aguçados,
Enquanto a figura do doutrinador parece ter sido apropriada por Tia Neiva e
mesmo não parece ter ocorrido com o apará, figura que, apesar do nome diferente,
desta para possibilitar o diálogo com os pacientes, sob o comando delas os aparás
saúdam espíritos do panteão espiritualista cristão (como “Salve Pai Seta Branca! Salve
Mãe Iara!”, etc.), realizam o que se diz serem limpezas de caráter energético e captam
as energias e espíritos negativos – momento em que fecham as mãos com vigor, como
149
se os segurassem – percebidos como trazidos pelos pacientes, que são doutrinados e
enquanto o doutrinador, depois de apresentar a entidade que alega estar ali presente e de
solicitar ao paciente que diga seu nome completo e sua idade, que não cruze as pernas e
que mantenha as palmas das mãos voltadas para cima, atenta ao que é relatado pelos
pacientes e averigua que tipo de recomendações são dadas a estes. Caso o apará capte
algum espírito sofredor, este é doutrinado com determinadas palavras42 e depois se faz a
elevação43.
geralmente dados pelos jaguares, no sentido de que o paciente pague algo, tome uma
fazendo um movimento com as mãos cuja trajetória indique o formato de uma cruz.
Ainda que se possa argumentar que alguma forma de sigilo – deixando de lado o
que lhe é dito ou que supostamente é dito através dele – acabe sendo estabelecido por
de duplas e ao barulho resultante da interação entre estes, além das saudações das
entidades e das elevações dos doutrinadores, não é raro que os pacientes prestes a serem
atendidos, isto é, os das primeiras filas, consigam ouvir o que dizem os Pretos-velhos
aos pacientes, embora de fato seja tarefa mais difícil ouvir o que estes dizem àqueles.
42
Algo mais ou menos aproximado de “Salve Deus! Meu irmão, seja bem vindo a este Pronto-Socorro
Universal. Aproveite esta feliz oportunidade para compreender que já desencarnaste e que só através do
amor e do perdão encontrarás o equilíbrio da tua mente e a harmonia do teu coração. Vamos pedir a Jesus
Divino e Amado Mestre, que nesta bendita hora ilumine o teu caminho”.
43
“Ó, Obatalá! Ó, Obatalá! Entrego neste instante mais esta ovelha para o teu redil”.
150
Quando é chegada a vez de um determinado paciente, ele é chamado pelos
do apará e, como já se mencionou, este é orientado pelo doutrinador, que fica atrás de
modo traduzir o que esta dissera ao paciente nem que a própria se dirija ao doutrinador e
requisite sua confirmação, o que facilita maior interação também entre quem busca o
atendimento e o doutrinador.
Ao final, a suposta entidade indica por quais trabalhos – a lista destes será
pequeno papel e o entrega àquele. Além disso, ela pode achar conveniente comunicar ao
paciente, segundo seu alegado conhecimento, que este precisa trabalhar na Casa,
doutrinador anota ainda a palavra “Autorização” no papel, o que quer dizer que, caso se
deverão ser sempre duplas de homens ou de homem e mulher, não importando qual
deles ocupe esta ou aquela função, se tem ainda o chamado comandante do trabalho,
amarelos44, este pode ter o auxílio de outro doutrinador para supervisionar os tronos da
outra cor, e ainda de um ou mais jaguares para encaminhar os pacientes para as duplas
fechá-lo, o que por sua vez ocorre em geral somente após todos os trabalhos terem
44
A divisão dos tronos entre vermelhos e amarelos parece ter um sentido que, pelo menos no TGA, caiu
em desuso.
151
encerrado. Isto também acontece por conta de eventuais emergências que o templo
venha a receber, como um paciente que chegue muito tarde e precise muito ser atendido
ou que ao sair de um trabalho precise de novo atendimento, com uma nova dupla de
para todo o templo, destacando que para que tanto este quanto outros ocorram faz-se
necessária a chamada abertura da Corrente Mestra, de modo que se este ritual não
ocorra uma série de trabalhos não ocorrem ou o fazem com uma série de limitações. É
importante destacar sua vinculação especial com o trabalho de Sanday Tronos, que
por todos os trabalhos recomendados pelas entidades num mesmo dia – mesmo no caso
daqueles que são feitos várias vezes, como é a maioria; seja por conta da grande
função das limitações do próprio templo, desde que alguns trabalhos funcionam apenas
No retorno, porém, eles são orientados a passar novamente pelos tronos, desde que
durante o período variável em que passaram fora do templo podem ter sido alvos de
passem por outros trabalhos, o que cria uma espécie de ciclo de visitas ao Gamurio,
152
É indispensável dedicar alguma atenção aos demais trabalhos para que o
relato dos médiuns seja minimamente contextualizado e se torne inteligível. Antes que
se entre em um nível maior de detalhes acerca deste e dos trabalhos porvir, é importante
destacar que, consoante os jaguares do TGA, boa parte dos nomes de diversos
elementos da doutrina do Amanhecer teriam sido recebidos por Tia Neiva – através de
alegadas experiências fora do corpo nas quais ela teria sido treinada no Tibet pelo
monge Umahã e graças ao aprendizado adquirido pelo contato com Pai Seta Branca – ao
que está ligado, além da cura desobssessiva, também à cura física, segundo o “povo” de
Gamurio. É um trabalho ligado à legião de Mestre Lázaro, espírito de luz que teria
ele é o da Elipse, que por sua vez é um símbolo de grande importância para a doutrina.
Um dos aspectos mais chamativos desse trabalho é que há uma espécie de maca onde
deve deitar-se um dos pacientes, que geralmente está padecendo de algum mal “físico”.
Acredita-se que uma das funções deste trabalho seja a de capturar os elítrios, que seriam
de se sentarem diante do leito, põem um pouco de sal na boca e espalham perfume nas
laterais de sua testa, prática esta comum a muitos outros trabalhos. Outro aspecto
45
Diz-se que Tia Neiva teria visto que os elítrios aparentam-se com uma cabeça de macaco com braços e
pernas e que, ao serem doutrinados e elevados, se desabrochariam, voltando à sua forma humana.
153
Cavaleiros da Lança Lilás, Rósea e Vermelha, representados por outros doutrinadores
que portam uma lança. Os pacientes e jaguares são defumados em alguns momentos,
oposição, ou, talvez, melhor que qualquer outro termo poderia vir a expressar, numa
dialética entre a chamada Força Sol – cujos desdobramentos parecem ser o doutrinador,
o ouro, a cor amarela, as setas voltadas para cima e, além de uma infinidade de outras
que parece ligada aos aparás, à prata46, à cor lilás, às setas para baixo e, além de outros
manterem as mãos espalmadas para cima sobre os joelhos, a não fecharem os olhos, que
por sua vez, caso não se faça, acabe se facilitando uma eventual incorporação, caso
pelos mestres e ninfas Lua, homens e mulheres aparás, respectivamente, são as dos
chamados Médicos de Cura e Povo das Águas. Enquanto as ninfas Lua ficam próximas
dos Cavaleiros da Lança Rósea, Vermelha e Lilás, os dois mestres Lua ficam sentados,
46
O “fenômeno do ouro e da prata” é aludido no Turigano, e, além disso, se faz presente como importante
elemento capaz de prover o observador com a distinção entre mestres e ninfas Sol e Lua, que em suas
indumentárias de Falange é perceptível. Assim, além da imagem do sol ou da lua representados nas
roupas, se pode diferenciá-los através dos detalhes prateados e dourados, respectivamente para os aparás e
doutrinadores.
154
No final do Randy, após os representantes dos cavaleiros desempenharem
seus papéis conforme uma espécie de “roteiro”47 – alguns chegando até mesmo a ler
suas falas em cartões segurados por suas ninfas – e depois de fazerem suas emissões,
espalhe pelo local facilitando as alegadas curas e a servir como chaves dos planos
destaque são as dos Médicos de Cura que estariam supostamente incorporadas nos
alvenaria nas quais os pacientes ficam sentados. Essas entidades fazem gestos bastante
sutis com as mãos, apenas movendo os dedos devagar, e de forma bastante leve. Há um
limite de dez pacientes, que ficam sentados voltados para o Aledá, uma espécie de altar
sobre o qual, além da Cruz do Doutrinador, ficam alguns médiuns. Os pacientes, antes
de tudo, usam sal e perfume e então têm início as emissões, que não são muitas. Uma
ficam incorporadas por volta de três minutos e, em seguida, o trabalho tem fim. Dentro
do local reservado a este trabalho há ainda duas vias de acesso para o Castelo de
tem como função a desintegração dos chamados elítrios, importa ressaltar que,
aparentemente, as ninfas que auxiliam o comandante do trabalho não são tomadas por
nenhum espírito. Enquanto cantam o chamado Hino da Junção, mestres e ninfas vão
47
Esta também é uma prática bastante comum nos ritos do VDA, sendo pouco frequente que algum
jaguar saiba decorado o que é dito especificamente por cada cavaleiro ou outros personagens que venham
a ser representados num determinado trabalho.
155
dando passes nos pacientes. Os passes são procedimento padrão realizado pelos
jaguares, e consistem em que o adepto fique atrás do paciente, diga “Salve Deus!” e
então, após entrelaçar os dedos da mão esquerda com os da direita com o dorso das
mãos voltados para si, o jaguar posicione as mãos à frente dele sem tocá-lo, ficando
com a cabeça do paciente entre seus braços, depois dando três leves toques nas costas
doutrinadores nos bancos dos dois lados das paredes do espaço em que o trabalho
ocorre. Não podem participar gestantes com até três meses de gravidez e nem crianças
de até dez anos. Enquanto as entidades saúdam diversos espíritos importantes para o
VDA sem parar e inclusive mais de uma vez, os adeptos acreditam que estes manipulam
comandante do trabalho e das duas ninfas (Sol e Lua) que o acompanha, o trabalho é
declarado aberto, quando então descem do Aledá para dar passes em todos os pacientes
Amanhecer desde que se alega que nele é incorporado Simiromba, outra alcunha de Seta
Branca. Para esta atividade inscrevem-se no máximo treze pacientes, mas apenas dez
podem dela participar, ficando os três restantes em fila de espera caso por alguma razão
algum dos dez não possa participar. O tempo de trabalho em si como experimentado
pelo paciente é bem curto, demorando mais em função da espera na fila de pacientes,
conforme orientação das ninfas que servem “vinho” (representado por suco de uva) e
156
que chamam cada um dos pacientes por vez, que permanecem mentalizando aquilo que
pacientes não conversam com a dita entidade, e, no caso do trabalho em questão, nem
passos no sentido de entrar no espaço próprio ao trabalho, fica parado por alguns
segundos com as mãos levantadas na altura da cabeça voltadas para uma espécie de altar
onde, por conta da pouca iluminação, apenas se pode presumir que esteja sentado o
apará. Logo em seguida, o paciente se serve com um pequeno copo de suco e está
ambos, os pacientes se servem com sal e passam perfume como de praxe. Naquele, são
sobre os joelhos e, mais importante, a mentalizar o motivo que os trouxe até o templo.
passa uma série de vezes com um defumador em volta dos pacientes. Apesar de ser um
dos ritos mais simples, é um dos mais recomendados pelas entidades nos Tronos. Já no
Sudálio, há médiuns do Aledá cantando e aparás sentados por toda parte, bem como
possam ser incorporados Pretos-velhos, e os pacientes só podem passar por até três
deles. Os Caboclos parecem fortalecer os pacientes com seus gritos vigorosos que
saúdam várias entidades e com as intensas batidas que dão no próprio peito. No mesmo
espaço voltado para essas duas atividades ocorre também a chamada Linha de Passe,
157
Outro ritual de grande significado para o Vale é o de Cruz do Caminho, por
conta de sua relação com outra entidade muito importante: Mãe Yemanjá. Além dessa
entidade, também são incorporadas as suas Sereias, isto é, o chamado Povo das Águas.
É um rito de certo modo parecido com o Oráculo e que possui ligação com este desde
até a “Cruz”; contudo, aqui se adentra por pouco tempo o espaço no qual ele ocorre e,
caso seja o primeiro ou o segundo paciente na fila, pode-se ter uma melhor
abertura deste, que envolve uma série de detalhes, os quais não cabem ser aqui
pormenorizados. Dentro desse espaço, que é pouco iluminado, podem ser vistas uma
paciente entra na Elipse, rapidamente toma sal e perfume e então, sem tocar, se
aproxima da ninfa Ajanã – isto é, de incorporação – que têm um véu lilás sobre a cabeça
e as mãos como que em vibração, que ficam voltadas para o paciente. Após alguns
Resta agora apresentar os trabalhos que quase se poderia dizer que têm
Estrela de Sublimação e de Alabá, que são realizados fora do templo principal, onde
quantidade de tempo, que varia dentre uma hora e meia a duas horas e meia, e, com
exceção do Alabá, exigem um contingente de mais de cem adeptos para que possam
ocorrer.
O trabalho de Turigano é o que tem maior duração. Aqui se faz ainda mais
nítida a impressão que fora se apurando ao longo de muitas observações dos mais
diferentes trabalhos: o de que o paralelo com o teatro é uma perspectiva bastante rica no
158
sentido de lançar luz, compreender e analisar todos esses rituais. Fica mais evidente o
fato de que alguns espíritos de luz, guias e mentores bem como uma série de outros
personagens estão sendo representados não somente através das pretensas incorporações
que nele têm lugar, mas também pelos outros partícipes do ritual. Nele, revive-se o
drama de Pytia, suposta encarnação pregressa de Tia Neiva que teria de resgatar uma
rainha exilada que fora sequestrada e presa pelo espartano Leônidas. Um grande espaço
coberto abriga dezenas de médiuns e também de pacientes, que são divididos entre
homens e mulheres, que entram, respectivamente, por um portão com um grande sol e
uma grande lua, e como de praxe pegam sal e perfume, sendo todos servidos com água
vez por outra pelas Samaritanas – e, no caso dos jaguares, ainda com “vinho” (suco de
uva). Há uma quase que constante movimentação de adeptos, seja para serem
determinados pontos como a Chama Iniciática e emitir ou ainda para trocar de lugar
com outros jaguares. Neste trabalho, que segue a estrutura a que já se fez menção do
todas as Falanges fazem suas emissões, isso sem levar em conta a emissão e as falas de
principalmente entre aquele e um Ajanã, isto é, um Mestre Lua (apará), que no caso da
espaço do trabalhos, cada qual fazendo dupla com sua ninfa. Entre eles, uma mesa em
formato de estrela de seis pontas, nas quais ficam sentados aparás e, atrás deles,
159
doutrinadores, que também ficam nas regiões entre as pontas. É onde, após a negação da
sua posterior autorização de outra falange (que tem acesso a este através de uma Fila
Magnética que conecta o espaço do Turigano a este), bem como após estas deitarem de
bruços nas Esquifes – que estão bem quentes graças à exposição ao sol ao longo do dia
prendem as energias negativas, que por sua vez são doutrinadas e elevadas pelos
trabalho incorporam o Povo das Águas. Ao final, os pacientes recebem rosas e as ninfas
Alabá, que ocorre nos três dias que antecedem e que sucedem o dia da lua cheia além do
próprio dia em questão. São sete dias ao todo em que, independente da abertura do
templo, este ocorre. O espaço tem o formato da elipse e nas extremidades desta se tem
atrás dos quais ficariam posicionados os doutrinadores, que, como nos Tronos,
apresentam a entidade e solicitam que o visitante diga seu nome completo e idade e que
não feche os olhos. Basicamente, o que as pretensas entidades fariam seria uma limpeza
alento a estes, que, assim como no Sudálio, passam por no máximo três entidades.
Enquanto os doutrinadores que ficam atrás das poltronas emitem e proferem as palavras
que constam no seu script, suas entidades não atendem nenhum paciente, e o trabalho só
160
Longe de contentar-se com a exposição aqui pretendida, que pode ser dita
insuficiente no que concerne a todos os trabalhos aos quais se tentou lançar alguma luz
a fim de dar base ao que fora manifestado pelos aparás nas entrevistas realizadas, é
preciso que digamos que o TGA conta ainda com muitos outros trabalhos, que por sua
vez são voltados apenas para o corpo mediúnico, ainda que alguns deles sob certas
condições possam ser observados de fora. Dentre eles, podem ser mencionados os
que índios do Alto Xingu que saem do corpo ao dormir seriam incorporados; o de
Angical, nos quais são os chamados espíritos cobradores dos mestres pretensamente
implicam na condição de prisioneiro, que por sua vez requer trajes especiais para as
ninfas e mestres. Estes dois e o Angical foram inclusive mencionados nas entrevistas48.
48
Cabe acrescentar ainda o trabalho de Pajé, que é voltado para crianças. Infelizmente, não se teve
oportunidade para observar este trabalho, bem como os outros voltados para o corpo mediúnico cuja
premissa de que não são voltados para os pacientes, categoria na qual o autor inevitavelmente acabou se
enquadrando, impedia sua participação. Entretanto, o presidente do TGA chegou a consentir que o
pesquisador participasse do trabalho de Sessão Branca, o que acabou não ocorrendo por conta do tempo
de trabalho já se encontrar demasiadamente avançado. Este foi o caso também no que se refere às
Obrigações do CEUJMJ e às Reuniões Mediúnicas do CEGM, das quais também só se pôde começar a
participar muito tarde.
161
PARTE IV
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE
DOS RESULTADOS
162
CAPÍTULO 8
A EXPERIÊNCIA DOS MÉDIUNS.
“Da sua mente parte, com certeza, se não o espírito ele não ia se ligar a
você, ele vinha sozinho e se materializava. Ele precisa do que você tem,(...)
do seu conhecimento, (...) da sua mente, (...) do seu ectoplasma, (...) das suas
palavras. (...) Cada um que vem ele vem preparado, ele falaria na língua que
ele quisesse, só que ele vem dentro de uma cultura, e ele respeita isso da
cultura, né? Ele respeita essa cultura desse país, desse estado, desta casa, e
também do apará. (...) Da sua mente sempre vai ser, mas não vai ser por que
você quis e teve interferência, no máximo vai ser por que ele pegou até como
resposta pra você, por que tudo que nós temos os nossos mentores eles
Eugênia, que é professora aposentada e tem 59 anos, tivera como referência kardecista
apenas o pai, que apenas lia obras espíritas. Uma das razões para não ter se tornado
163
católica é o fato de ter sofrido humilhações e perseguições públicas em uma instituição
epilepsia49, acabava se tremendo muito ao ser chamada para fazer leituras, o que lhe
rendera ameaças, perseguições por colegas e inclusive o rótulo de “anormal” por parte
de uma Irmã. Isso tudo a marcou de maneira ímpar, de modo que constantemente se
referia a tais acontecimentos. Recorda-se de ter ido a outros centros espíritas antes, mas
convidada por um amigo de trabalho com o qual desabafara acerca da vida que levava,
começando então a fazer um curso com Rogério (doutrinador). Pouco tempo depois,
passou a trabalhar na casa, ficando na recepção, fazendo cursos, dando passes, etc., até
que, após mais ou menos vinte anos como trabalhadora, ao fazer um curso de
Eugênia se lembra de, na parte prática do curso, que estipula ter durado um
ano aproximadamente, ao tentar psicografar, não “vir nada, um branco total” mesmo
depois de alguns dias tentando. Após certo tempo, passou a ser surpreendida por
histórias que lhe ocorriam fora das mediúnicas. Depois, passou a escrevê-las nas
próprias reuniões, resultando que o doutrinador Miranda viria a lhe comunicar que era
(trecho inaudível) [conta] a história dele e a gente passa”. Para Eugênia, a mediunidade
pode ser definida como um dom, que, por ser dado, implica que aquele que é seu
49
Disse ter ouvido de um psiquiatra que sofria de Fobia Social.
164
ênfase ao fato de se considerar uma médium “totalmente” consciente – “só passa aquilo
que a gente deixar passar”, não os deixando dizer palavrões – e, só tendo trabalhado
pesadas50 e manter bons pensamentos, o que, para ela, assim como a reforma interior,
ajuda sempre e em tudo. Às vezes, antes da reunião, sente “uma angústia, a vida sem
sentido, um monte de coisa, chega e o espírito vem”. Diz que as sensações variam
conforme o tipo de espírito que se aproxima, mencionando o caso dos “vampiros”, que
provocam mal-estar ao chegar, o que atribui aos seus “fluidos pesados”. Quando estes
se afastam, sente alívio. No caso dos suicidas, ao se aproximarem, sente falta de ar,
dores, angústia e tristeza, e, ao partirem, sente pena. Segundo ela, “toda vida é
comunicação de espírito sofredor”, embora sinta seu pai próximo nas reuniões e acredite
ter um anjo da guarda, para ela um espírito mais evoluído, fazendo questão de
prosseguir aprofundando seu conhecimento religioso – que para ela tem mais caráter
doutrinário; mas também para “ler mais português” (era professora da língua). No
entanto, mais que o Centro, que a própria atividade mediúnica e até que os oito anos de
terapia que disse ter feito, para ela é a doutrina “a coisa mais importante... na minha
vida” e que mais lhe ajudou. Assim, a doutrina espírita é vista como a razão das
mudanças percebidas em si, como ter se tornado menos materialista e mais leve, saber
50
Sugestão dada nas mediúnicas. Alega-se que os espíritos que se suicidaram ingerindo muitos remédios
podem fazer os médiuns vomitarem.
165
relevar mais as desavenças e atrair mais as pessoas para si. O exercício da mediunidade,
portanto, seria apenas um cargo, mais um dos trabalhos possíveis dentro do Centro.
não seria fruto de imaginação, parte disso permanecendo ainda hoje no que diz respeito
à psicofonia ainda que em menor grau, razão pela qual esta acaba se sentindo mais
confortável com a psicografia (na qual simplesmente “a história vem”), mesmo sendo
aquela a única modalidade que pratica. Uma série de acontecimentos narrados por
Eugênia, entretanto, são vistos como constatações ou como evidências contrárias ao seu
temor, dentre eles eventos em casa e nas próprias reuniões. É o caso da ocasião narrada
em que após “dar” a comunicação de um espírito que falecera de câncer, que “morreu
chamativos diz respeito ao que interpretou como uma comunicação de sua mãe,
incorporada em outro médium, que lhe dissera que “os sonhos que você tem comigo não
são sonhos”. Apesar de ter se referido a vários acontecimentos, um dos casos que mais
comunicar para parar de sofrer, tendo retornado depois algumas vezes para agradecer
pela “luz” e para dizer que fundara um grupo no lado espiritual para os céticos que lá
“Eu acho que não tenho o que duvidar não da minha mediunidade”, diz após
narrar tais eventos. A médium acha que é sua missão realizar esse trabalho para ajudar
os “espíritos sofredores”, pois tem uma impressão (menos que certeza) de que deve
muito graças aos males praticados nesta e nas muitas outras vidas que acredita ter tido,
supondo que numa delas foi um “dono de escravos”, tendo justificado tal suposição
baseando-se em sensação que teve em casa certa vez de que estava rodeada por
166
às suas “outras vidas”. “Eu tenho muita comunicação com freira, muita, vem muita
freira através de mim, vem umas freiras que não são pessoas boas, mas vêm freiras boas
relatando visões de si própria como freira – tanto na mediúnica quanto em casa. Não
admite que essa visão e as comunicações possam ser justificadas por seu “trauma” na
escola, e mostrando-se convencida de que nada de sua experiência subjetiva possa ter
ambiente familiar católico do interior que, no entanto, era bastante afeito à prática de
reuniões espíritas no próprio lar, rememorando com bom humor de espiá-las. Nesse
sentido, relatou “experiências espíritas” desde a infância, como a de quando teria visto
uma tia falecida por quem muito nutria afeto, que fizera, segundo ela, a rede em que
estava deitada levitar. “Minha mãe sempre acreditava em mim, meus pais”, recorda.
Atualmente, além de espírita, Zíbia é também Rosacruz, considerando esta – que para
ela não é religião – mais ampla e também mais importante em sua vida que a doutrina
mediunidade”, que é por ela vivida como um imperativo, “o local mais certo seria o
espiritismo, pra mim eu me adapto dentro do espiritismo”, cuja cosmovisão é por ela
mundos, espiritual e material”. Zíbia estimou que seu primeiro contato com livros de
Kardec deva ter ocorrido por volta do ano de 1966, quando, por conta de um
Lembra-se com pesar do período em que vivera com este, mencionando que, com
apenas dezesseis anos, morando numa cidade nova, sem amigos e familiares e dois
167
filhos ainda pequenos, tinha visões de “letreiros luminosos” com salmos bíblicos,
experiências estas que muito lhe marcaram apesar do medo que na época lhe suscitaram.
segundo lembra, a primeira coisa que fez foi buscar um centro espírita e uma loja
Rosacruz. Antes de chegar ao CEGM, porém, disse ter trabalhado por cerca de dez anos
num outro centro, onde conheceu, em termos de espiritismo, seu “mestre” – termo que
utiliza com reservas por ser próprio da Rosacruz. Refere ter feito seu primeiro curso de
do medo, desta vez com prática, para que sua mediunidade fosse “educada” pois que
para ela já era desenvolvida, precisando apenas “desinibir”. Segundo Zíbia, apesar do
esta que, assim como a mediunidade de “ouvir”, não lhe agrada tanto quanto a de “ver”,
a ponto de que, quando passa muito sem ter, sente falta. Não gosta de “escrever o
pensamento dos outros” e diz ser a audiência perturbadora quando se trata de “barulhos”
e não de sons mais harmônicos. Pensa ter sido a psicofonia a principal aquisição – já
que as “visões” eram sua principal vivência – dos cursos de desenvolvimento, que a
instituições espíritas e só então chegando ao CEGM, onde diz estar há cerca de vinte
anos. Não considera o Centro em questão importante, alegando que poderia trabalhar
em outro, não tendo jamais se perguntado sobre a razão que lhe faz nele permanecer
trabalhando. Referiu que “tanto faz ser médium lá no Grão”, não considerando este
como local exclusivo de prática da mediunidade, prosseguindo afirmando que “não fico
fazendo mediúnica aqui em casa por que não é bom (...) mas eu não posso dizer ao
168
Apresenta como elemento quase constante da sua trajetória relacionada à
insanidade, que no início lhe causava medo, de modo que, nas suas próprias palavras,
de mediunidade, “é um canal que tá aberto para ver esse mundo espiritual, por que
muitas vezes é como se fosse assim um rádio que tá ligado”. Nos dias de mediúnica,
preza por descansar após o almoço, dando porém mais destaque à sua “preparação
mental” – que para ela é necessária que ocorra sempre – em detrimento das “etiquetas”
para isso a crença de que fora uma em uma de suas encarnações – alegando tê-las
significativos, como André Luiz numa psicofonia, Manuel Bandeira em uma poesia
depois, sentindo sua “consciência turbada” (sic.). Enfatiza que as sensações que
com o mundo espiritual”, tendo dado como exemplo a notícia que teve do “reencarne”
de seu pai, embora refira que eventos como esses não ocorram sempre, sendo um dos
fatores principais a crença de estar ajudando pessoas que “desencarnaram”, mas não
sabem. Refere já ter se perguntado se algo seu interferira nas comunicações, buscando
fazer uma “barreira”, separar assim como alega fazer com os termos espíritas e
Rosacruz, dizendo porém que “sempre tem algo do médium”. As mudanças pelas quais
169
passou são por ela atribuídas mais ao processo natural de amadurecimento e às
nenhum tipo de impacto no que diz respeito à sua família, trabalho ou lazer, com
exceção de ter mencionado que perdera alguns amigos pelo fato de ter se tornado
espírita. Zíbia narrou ainda repetidas vezes episódios de tensão e conflito com
que é o sabe-tudo (...)?”. Num deles, um dos espíritos manifestados teria dado uma
“lição” neste, que faz “separações” e intervenções das quais discorda profundamente,
ter sido “católico praticante” antes de sua conversão ao espiritismo, identifica em sua
trajetória religiosa anterior algumas “tendências” para a doutrina. Apesar de não ter se
declarado como vinculado a nenhuma outra fé além da católica, sua mãe era médium
umbandista, fato este que, como se poderá perceber, tem importante influência em sua
prática mediúnica. Por conta dessas tendências que antes lhe assustavam – sonhos,
visões, sensações de presença e vozes que ouvira a partir do fim da infância e do início
de sua adolescência; após certo tempo, por volta dos dezessete a dezoito anos, veio a
compreensão de que era médium, o que ocorreu, portanto, “bem antes” de “passar” para
o espiritismo. “Eu tinha muito tato pra lidar, né, com... com... com os espíritos (...), eu
conversava com eles... Numa boa, mas eu não sabia que eu poderia ser médium”,
recorda. Segundo se pode depreender de seu relato, a conclusão à qual chegou, em si,
não fora suficiente para que viesse a buscar uma religião mediúnica, já que só viria a
170
que por sua vez parece ter ocorrido há mais de quinze ou dezesseis anos atrás, que é o
tempo de prática mediúnica que Cândido diz possuir. Pode-se estipular que um dos
médium e a busca de fato por um centro espírita, bem como entre o primeiro contato
rumos da mãe: “por que eu pensava que ia ser um médium, mas um médium de
Umbanda, sabe?”.
compromisso dos participantes da atividade, coisas que parecem não faltar no CEGM,
que é o segundo e atual centro do médium. Diz que “não é o centro espírita que precisa
do médium, é o médium que precisa do centro espírita” e que sua “casa” é tão
importante quanto qualquer outra, destacando a doutrina ainda que se referindo a outros
aspectos, como a proximidade de casa, os bons amigos que nele fez, a estrutura e os
cursos, que para ele parecem fundamentais. Neste chegando, após conversar com o
doutrinador Miranda sobre sua “facilidade de perceber espírito”, teria iniciado seu
primeiro curso de mediúnica, contando com duração de dois anos e mais seis meses de
prática, tendo, ao longo desse tempo, perdido boa parte de seu medo – a ponto de ter
entrevistado foi o de que a educação mediúnica teria lhe provido com o que chama de
“filtração”, habilidade que envolve a distinção a ser feita pelo médium entre espíritos
comparecem para “pedir perdão” – devendo ainda avaliar se há tempo para todos estes –
e aqueles que chegam “próximo à consciência” deste para “atrapalhar a reunião”, para
171
falar mal das pessoas, ou simplesmente para perturbar sua concentração e “brincar com
você”. Assim, aprendera que nem toda comunicação pode ou merece ser dada.
mediunidade como um “dom de família”, fica claro que, no caso de Cândido, além do
guia que alega ter apesar de desconhecer, dos suicidas e de outros tipos de
Grão de Mostarda”, sendo marca destes pedir “licença ao presidente da mesa”, de modo
que ele próprio procede à uma distinção entre o guia da Umbanda e o Kardecista. O
médium disse não ter ido à Umbanda por acreditar ter uma “qualidade de mediunidade
objetivos apesar de também receber os “amigos da Umbanda”. Sentia que “tinha que ir
mais na frente um pouco” em relação à mãe, que teria sido a primeira a incorporar o
“psicofônico”, dizendo não ter dom para a psicografia – interpretando suas visões de
antes como um “chamado” para sua “missão espírita”. Embora Cândido não tenha
“impacto” decorrente do “acoplamento” em seu “cérebro” pelo espírito, que fica atrás
dele e não literalmente “incorporado”. Consoante ele, “cada caso é um caso”, razão pela
qual a partir daí o que sente varie segundo o espírito, que ao sair deixa geralmente o
médium relaxado ou cansado. Sua preparação para as reuniões envolve buscar bons
pensamentos, boa alimentação, não beber ou praticar sexo, não ver programas de
violência e ouvir músicas suaves. Ao sair das reuniões, busca “refletir tudo aquilo que
172
passou, vou procurar entender”. Uma significativa mudança percebida, que por sua vez
“desencarnado”, que viera avisá-lo da partida da avó – que ocorrera pouco tempo
depois. Nas palavras de Cândido, a partir daí “passei a acreditar mais em mim e no que
eu via”.
trabalhador deste há dezoito), refere ser o espiritismo sua “primeira e única religião”,
comparado por ele a uma “ave de grande asas” (sic). Remete a origem da sua “missão”
mediúnica à adolescência, por volta dos doze e catorze anos, fase de sua vida em que
“aquilo que ocorria dentro de mim”, chegando a sentir “aquela energia, aquela coisa
evidência por ele percebida de sua “tendência (...) do extrafísico” desde a infância,
destaca duas cenas: a de, ainda adolescente, “agir da forma de um índio guerreiro” na
casa de sua avó, “como se eu tivesse com arco e flecha na mão, tivesse ou caçando, ou
pescando” e a ocasião em que, após uma entidade ter dado nele um passe numa Festa de
173
Esta cena tem um lugar especial na memória do médium, que, após ter sido
amparado pela mesma entidade, ouviu desta que iria ser “um grande médium” e que
precisava “desenvolver”, embora segundo ele a juventude lhe tivesse impedido de fazê-
lo. Somente no ano de 1996, conversando com uma amiga sobre o tema, as dificuldades
da vida e “aquela história de que eu faço as coisas e não dá certo”, Franco seria
convidado ao “Grão de Mostarda”, onde viria a iniciar o CBE e, logo em seguida, “jogar
tudo pra cima”, para no ano seguinte responder ao “chamado”, retornando graças à
“moçada” mais experiente como Mario Kaula, Rogério e o Diretor Doutrinário; mas
principalmente, aproximando-o da doutrina de Kardec, que lhe deu sua “direção”, “um
“fantasia” ou que todas as pessoas as vivenciassem, que por sua vez foram fatores
percebendo”, de modo que, embora tenham chegado a cogitar que ele viria a ser
doutrinador, um deles reconhecera seus “reflexos” e “sentimentos”, que não eram por
ele interpretados como indícios de mediunidade por pensar ser “a coisa mais normal do
mundo”, mas principalmente por achar que “o mal de todo médium, a dúvida de todo
174
médium é dar a comunicação consciente”. Só viria a participar de uma mediúnica de
fato no ano de 2003, quando identificaria quais não podiam ser pensamentos seus.
considerando ficar “ainda mais... mais certo da minha mediunidade”. Ensaiando sua
menção a ela como “um sentido (...) tão forte, talvez, quanto a tua visão”, acreditando
tê-la para ajudar as pessoas que tenha “prejudicado numa outra vida”, o que faz com
prazer e satisfação. Quanto mais sente que consegue ajudá-los, mais vontade tem de
continuar, segundo ele. Apesar de se referir a percepções, declara que além destas seu
único tipo de mediunidade é a psicofonia, na qual sente o espírito “dizendo assim dentro
da minha cabeça”. Refere preparar-se nos dias da mediúnica buscando manter-se atento,
orando para seu guia logo pela manhã e tentando “andar o mais reto possível”,
médium vinte e quatro horas. Até quando você tá dormindo... Você pode tá trabalhando
no plano espiritual”, justifica. Os espíritos que mais narrou receber foram chefes de
pessoas que buscam o Centro, além de “vampiros” e outros espíritos sofredores como
drogados, alcoólatras, etc., afirmando ser raro receber espíritos mais elevados. Quanto à
chegada dos espíritos, diz que “depende muito da entidade”, sentindo tremores,
quando isso ocorre. Deu bastante ênfase às intensas “dores físicas” experimentadas, que
“sugam” deste.
175
O médium admitiu sem dificuldades que o fenômeno do animismo já
ocorrera com ele, embora tenha acabado falando mais acerca da possibilidade de que a
percebe mais compreensivo por conta da doutrina e enxerga um ponto negativo além
mediunidade retirada, diz que iria “continuar trabalhando” no CEGM. Resta ressaltar a
afinidade e a admiração do médium pelo doutrinador Rogério, que foi mencionado com
frequência pelo entrevistado. Um dos episódios interessantes diz respeito aos chamados
pesada por conta de não ter ajudado e, assim, levando “carão” das entidades, deixando
torturados pela ditadura militar, evento histórico que acabara de completar 50 anos.
Quadro 2. Síntese dos achados das entrevistas e aspectos mais recorrentes relativos ao CEGM.
Aspectos mais
Categorias/Médiuns Eugênia Zíbia Cândido Franco
recorrentes
Educação Ambiente Católico, filho Sem religião,
católica, hoje familiar católico de mãe visitante na Influências
espírita. simpático ao umbandista, Umbanda, hoje católica e
Percurso religioso
espiritismo, hoje hoje espírita. espírita. umbandista
Rosacruz e marcantes.
espírita.
Dom que Canal aberto Dom de família. Difícil de definir. Certa
implica que para o mundo Dificuldade para Sentido mais forte inefabilidade.
aquele que o espiritual, como expressar sua que a visão, Percebida como
Definição de
recebeu um rádio ligado. compreensão, função de ajudar dom, canal e
mediunidade
trabalhe em não conseguiu pessoas que possa sentido cujo
prol do conceituar. ter prejudicado propósito é a
próximo. (vidas passadas). caridade.
Idade adulta. Infância. Adolescência. Adolescência:
Curso de Experiências Sonhos, visões, clarão ao visitar a Mais
Início das mediunidade espíritas sensações de Umbanda. frequentemente
experiências para se (espírito da tia presença e ouvir remetido à
reciclar (após falecida levita vozes. adolescência.
20 anos). sua rede).
De início, não Já era Dois anos e Cogitado que Não há tempo
conseguia desenvolvida, meio de curso seria doutrinador. definido para os
Desenvolvimento psicografar. precisou educa- mais seis meses Coordenador cursos pelos
da mediunidade Histórias lhe la e desinibí-la. de prática, além percebera reflexos quais passam os
ocorriam fora Tinha muito de cursos e sentimentos. médiuns, que
da mediúnica medo, precisou anteriores. Cinco anos para iniciam pela
176
e ela escrevia, fazer mais Perdera o medo. participar da psicografia e
fazendo-o cursos. Aquisição da primeira têm como
depois nas Começou com filtração: mediúnica, momentos altos
reuniões. psicografias. distinção entre quando aprendera do processo a
Começou na Aquisição os espíritos a distinguir seus psicofonia, o
mediúnica e só fundamental: necessitados de pensamentos e os controle sobre
então dar perdão e dos espíritos. os espíritos e a
iniciaram as comunicações. tratamento e os perda do medo.
comunicações. zombeteiros.
Psicofonia e Psicofonia, Psicofonia. Psicofonia e Psicofonia,
Tipos de
psicografia. psicografia, Visões no percepções. psicografia e
mediunidade
visões e “ouvir”. início: chamado. percepções.
Totalmente Permanece Consciente. Consciente.
consciente, só consciente, mas Desejo de um dia Relatam
Percepção do nível
passa o que não recorda dar comunicação permanecer
de consciência
deixa passar. tudo. inconsciente: não conscientes.
ter mais dúvidas.
Bons Descanso após o Bons Dias de reunião:
pensamentos, almoço. Ênfase pensamentos. oração para os Busca por
reforma maior, porém, Não beber, fazer guias logo pela pensamentos
íntima. Não na preparação sexo ou ver manhã. Anda o positivos.
Preparação para a
faz refeições mental. programas mais reto possível Cuidados
incorporação
pesadas violentos. para que sua relacionados
Comer bem, conduta não principalmente
ouvir músicas prejudique seu à alimentação.
leves. desempenho.
Depende do De acordo com “Impacto” no Formigamentos e
espírito. Antes o que o espírito acoplamento no tremores, mas
da reunião: em questão cérebro. depende do
As sensações
Angústia, vida sente. Variações espírito. Às vezes
trazidas e
Aproximação da sem sentido. dependem dos não nota.
deixadas variam
entidade Vampiros: casos. Espíritos
segundo o
Mal-estar, elevados pedem
espírito.
Suicidas: licença.
dores, falta de
ar e tristeza.
Aliviada De acordo com Relaxamento ou Mal-estar.
Variam
Afastamento da (vampiros). o que o espírito cansaço. Aniquilado.
conforme o
entidade Sente pena dos em questão
espírito.
suicidas. sente.
Suicidas, Suicidas, Suicidas, Sofredores, chefes
espíritos espíritos sofredores, “perseguidores”
Suicidas,
sofredores, sofredores, Pretos-velhos, de grupos,
espíritos
freiras, homossexuais, Caboclos, vampiros,
sofredores e
Entidades mais vampiros e Mario Kaula Sargento de muçulmanos,
entidades da
importantes “escritor”. Bandeira, Cavaleria. torturados da
Umbanda,
Pretos-velhos, Ditadura,
principalmente
André Luiz, entidades
Pretos-velhos.
Manuel umbandistas.
Bandeira.
Pergunta-se se Dúvida como Questionamento Muitas dúvidas Relatam
não é fruto de aspecto quase sobre a sobre a interferências
sua constante em comunicação de autenticidade de como
Interferências de imaginação. sua trajetória uma amiga do suas vivências. possibilidade,
conteúdos psíquicos Insegurança é como médium, CEGM, falecida Admite o dificilmente
dos médiuns na maior na inclusive nos há pouco tempo, animismo, mas sem em seguida
performance. psicofonia, dias atuais. apresentando mais enquanto dar exemplos de
apresentando, Pergunta-se se em seguida a possível evidências
porém, não se trata de confirmação do artimanha de favoráveis à
confirmações loucura. Faz dirigente, que a espíritos legitimidade da
177
de sua barreira, mas teria enganadores. comunicação.
mediunidade. reconhece que reconhecido. Apresentam
sempre há algo dúvidas.
do médium.
Menos Via-se muito Paciência e Amadurecimento. Percepções
materialista, perdida antes. tolerância Doutrina é o positivas
mais leve. Atribuídas ao maiores. Causas motivo central. atribuídas mais
Transformação da
Razão: amadurecimento principais: à doutrina
autopercepção
doutrina. natural e às doutrina e espírita que ao
doutrinas (Rosa- espiritualidade. trabalho
cruz também) mediúnico.
Sabe relevar Hoje aceita que Intuição sobre Estuda e debate Impacto
desavenças, não é louca, problemas com muito com esposa positivo
Consequências do atrai mais perdeu o medo e o filho, (católica) e percebido no
trabalho como pessoas. não se vê superando-os. colegas de sentido de
médium diferente das trabalho. aproximação
pessoas. Questiona-os com as pessoas
bastante. (socialização).
Psicografias Visões de Influência do Idas à Umbanda:
do escritor letreiros universo perceber suas
cético luminosos com umbandista experiências.
posteriormente salmos bíblicos. marcante. Forte conexão
Experiências e
convertido e Episódios de com figuras de
aspectos mais -
comunicações tensão com autoridade:
significativos
e visões doutrinador. entidade
relacionadas a Notícia de que o umbandista
freiras. pai reencarnaria. (mandato) e
doutrinador (guru)
8.2. A experiência dos médiuns do Centro Espírita de Umbanda Jesus, Maria e José
anos, quando ainda pretendia ser freira mesmo sendo seu pai espírita e sua mãe
umbandista, que teriam ouvido de uma entidade em determinada ocasião que “eles iam
ter um filho que ia pertencer a eles, no caso os Orixá” (sic). Nessa idade, narrou ter sido
farmacológicos, em função dos quais afirma ter tido melhoras rápidas, mas jamais
medicamentos. Os profissionais a informaram que ela “não tinha nada”, até que ouvira
de um médico que “não era da matéria e sim do espírito” a origem de sua condição,
178
Ainda “muito católica”, a jovem Margarida relutara e não queria aceitar a
ideia apesar de ter visitado terreiros em sua infância com os pais, embora não entrasse
no salão e, portanto, não participasse. Declarou que, tendo ido ao Centro, ouviu do Pai
de Santo deste que era “média” (sic.), precisando “abrir mão da outra religião” e
“primeiro guia”, quando então cessariam seus sintomas. Nesse terreiro conheceu seu já
falecido marido, casou-se e conheceu Mãe Graça, que era sua Irmã de Santo. Mudou-se
para São Paulo, onde ficaria por três anos “trabalhando” apenas em casa, e depois
voltou para o Centro, nele ficando até 2006, quando dele sairiam graças a um “atrito”
entre seu marido e o Yalorixá. Após alguns anos afastada da Umbanda, a médium
meses em decorrência da doença deste. Depois de que “Deus levou ele”, Margarida
retomou sua prática religiosa no Centro, onde já conta três dos seus vinte e três anos de
Umbanda, religião que lhe deu paz e para ela significa “tudo”: saúde, harmonia e
felicidade. Em termos de fé, não se considera católica, pois não comunga e nem se
confessa embora vá a missas, reze e tenha seus santos católicos. No que diz respeito ao
Centro de Mãe Clara, líder que já “sentou”51 alguns de seus guias, Margarida recorda
que este provocou nela uma atração desde o princípio, tendo-a acolhido e ajudado
quando, em suas palavras, “já tava querendo... já num ter mais destino na minha vida”,
envolvidos são bem similares: o Pai de Santo lhe dera seu Orixá (Ogum e Oxum) e
“lava sua cabeça” (da médium) após o “banho de ervas”, só então chamando os guias
51
“Assentou”, provavelmente.
179
que pertencem à corrente daquele, que, depois de virem, cantam seu “ponto”, se
apresentando e “abrindo a sua coroa pra outros guias”. Dois importantes aspectos desse
Santo e o ganho do “controle”, embora este último fator entre em contradição com o
(...) o seu ouvido, a sua visão... e a sua consciência”. Dispõe ainda de outras
sua referência à natureza com o trabalho envolvendo os elementos, como fogo, água,
terra, etc. Sua preparação nas vésperas das Giras envolve não beber ou fazer sexo e não
ir a “lugares impuros”. Facilitam sua incorporação a concentração, a reza para seu “anjo
de guarda” se afastar, a chamada dos guias, o pedido para que a Gira seja de paz e para
“dar força” à assistência. Além do “toque que tá tendo” (do Ogã), reconhece
pés, da cabeça” quando Exus, o que sinaliza que “tem que se entregar” e “soltar o
corpo”. Aqueles, ao partirem, deixam dores na coluna, enquanto os Caboclos dores nos
braços e as “crianças”, cansaço. Seus guias são: Maria Légua (Mestre), a de sua
preferência por ser a menos vaidosa e que mais “vem” e conversa, que “foi cangaceira...
da época do Lampião”; O Erê Luizinho, que morrera aos sete anos assassinado pelo
próprio “pai”; Maria Conga, Preta-velha cozinheira de “Casa Grande” que teria vindo
do Congo; A Pomba-gira Sete Saias, que fora uma vaidosa cigana e, por fim, o “brabo”
Caboclo Sete Flechas, de quem Margarida pouco sabe – deve tais histórias ao marido,
que era muito curioso e os questionava. Referiu jamais ter sentido qualquer interferência
sua no que as entidades fazem: “não sei imitar nenhum deles”, diz, e percebe mudanças
180
na saúde e na “visão do mundo”, por sua vez decorrentes da habilidade de enfrentar e
aceitar, se vendo menos “chorona” e “besta”, que são sinais do que refere como uma
médium lamenta não poder deixar as “sementes” – deixadas pelos próprios pais – para
“Tranca-rua”, ambos ligados a Exu) e à morte do marido (quando sentiu “um abraço
bem apertado”), que entende como exemplos do “quanto a gente tem, como a gente é
médium”.
afazeres do CEUJMJ, onde reside, foi certamente um dos mais difíceis de obter pelo
fato deste ter falado e se aprofundado bem menos que os demais. Ismael referiu ter sido
sempre umbandista embora tenha feito menção a algumas idas à Igreja Universal
quando criança, mostrando-se pouco disposto a entrar em detalhes acerca de sua “longa
história”, que parece ter sido repleta de dificuldades. Segundo este, que nos momentos
Umbanda existe graças ao fato de toda a sua família, com exceção da irmã, ter deixado a
religião e, assim, restado apenas ele como “herdeiro” a quem caberia “continuar” o
legado da família – que, por sua vez, “se acabou”, como referiu o entrevistado em certo
momento – relacionado ao culto dos chamados guias. Apesar de hoje relatar ser
inicialmente, o médium disse “não gostar dessas coisas”, contudo, insatisfeito com a
Igreja Universal, ele viria a incorporar, pela primeira vez, com apenas oito anos de
idade, quando o índio “Pombo Roxo” viria comunicar sua herança “do sangue mesmo”,
fazendo com que começasse a desenvolver aos nove anos. Dissera ter buscado a ajuda
181
de um Pai de Santo, vindo a morar no Centro deste, onde começou sua iniciação. Pouco
tempo depois, o abandonaria por conta de problemas com o líder, chegando até o
CEUJMJ, cujas Mães de Santo lhe abririam “as portas” para ele, abrigando-o. Como
acolhimento pelos Centros parece vincular-se com vários aspectos de sua experiência
relacionada à religião.
próximo, dar ajuda àqueles que precisa mesmo” (sic), bem como o terreiro, além de ter-
lhe trazido paz, verdade, sabedorias e evoluções, é importante principalmente por conta
do “amor delas duas” (Mães de Santo), e da caridade. O vínculo maternal com estas
parece mesmo quase literal, notadamente nos “puxão de orelhas” que alega receber, o
que parece valer também para as entidades, conforme se pode observar na sua expressão
do que seria a mediunidade: “Ter eles [guias] como fossem meus pais. (...) Tenho eles
assim como... Fosse gente da minha família. (...) Pra mim, isso é o mundo espiritual”
(sic). Ainda nesse sentido, sente por seu Mestre (João Baraúna) e por sua Preta-velha
(Mãe Santana), respectivamente, “amor de pai” e “amor de mãe”, dizendo gostar mais
da última. Suas outras entidades são João Pescador (Povo da Maresia), Pai Miguel
(Preto-velho), Ogum Naruê, Caboclo Serra Negra, Exu do Rio e o Erê Chiquinho, nas
quais encontra ajuda, proteção, “passo” de cura e força. No que concerne ao seu
desenvolvimento, referiu ter demorado cerca de três ou quatro anos para receber sua
primeira entidade, considerando o processo “igual um... livro, cada página diferente”
(sic), razão pela qual se vê ainda como desenvolvente. Ismael percebe como principal
e na Mãe Pequena, relatando ainda ter levado de dois a três anos para ter sua primeira
182
sensação comparada à de pôr “o dedo na energia”, depois do qual vem um “abalo”.
Quando estas se vão, experimenta um “empurrão”, por ele interpretado como o “anjo de
guarda” “empurrando seu espírito de volta”, e, uma vez de volta a si, se sente leve.
Além de incorporar – o que faz de modo inconsciente, como se saísse de si, “passando
em algum canto (...) ou eu tô viajando. (...) Igual os sonhos”; o médium alegara que
ainda na infância via “sombras”, hoje interpretadas como seus guias, e escutar, mas
“baixo”, embora se remeta principalmente a eventos oníricos, dizendo que “as coisa...
que pra mim... assim... vai acontecer, aí eu vejo assim no sonho” (sic.), embora só se
recordando de um em que trabalhava com seu Mestre em sua “coroa” na beira do mar.
Mencionou “preceitos” para os dias de sessão, tais como manter a “mente limpa e corpo
sadio”, o que é feito consoante o médium de segunda a sexta-feira, quando seu corpo
“são pra eles mesmo” (sic). Além destes, “esquecer o povo lá de fora” e buscar pensar
nos guias e na ajuda que poderá dar ao próximo são fatores que contribuem com que
incorpore com sucesso. Ismael afirmou jamais perceber qualquer interferência sua e
nem mesmo se questionar sobre isso, sentindo apenas que certa vez a “corrente ficou
baldeada” e que “não corresponderam” pelo fato de ter ido a uma “balada” no dia
anterior. Isso parece conectado à mudança percebida pelo entrevistado em si, que “era
de festa” e passou a “buscar amigos de fora” por oposição aos “de farra”, estando um
pouco mais afastado, inclusive, dos familiares. Um dos principais pontos positivos de
ser médium sublinhado por ele envolve “ajudar o próximo”. Ismael pretende “crescer na
Umbanda”, sonhando em, no futuro, ser um “Zelador de Orixá”, embora não almeje ter
constantemente frisado por esta, do Catimbó – que considera ser suas “raízes”; embora
183
jamais tenha deixado de ir a missas. Apesar dos pais serem católicos, recorda com bom
humor de suas idas ainda na infância com colegas para um “terreiro pequenininho”, de
dormindo. Somente aos vinte e dois anos, quando já residia em Fortaleza, a médium se
lembra de ter retornado a frequentar ainda apenas na assistência outro Centro, o mesmo
por onde passaram Mãe Graça, Margarida e, provavelmente, Ismael. Casada, disse
mentir para o esposo para ir às escondidas aos terreiros, pois ele não gostava que os
frequentasse, situação impeditiva que duraria somente até a morte deste, quando então
Antes de “entrar pras corrente” (sic), porém, segundo Mazé, teria passado
por uma “fase ruim”, na qual perdera o emprego e, também sem companheiro, viria a
ser convidada por Mãe Graça a morar no Centro, onde algum tempo depois teria seu
filho, consolidando, então, sua adesão. Ouvia falar muito de Mãe Clara e, quando
retornou ao local, sentiu com este uma “ligação”, uma “energia” que jamais sentira nos
demais, “uma coisa assim mágica”, destacando sua simplicidade e o fato da Mãe de
Santo ser “catimbózeira” e não candomblecista, mas principalmente por esta não fazer o
“vitoriosa”, relatando que já adquiriu “muitas coisas boas”, que por sua vez dependeram
da forma como realiza seus pedidos a Deus e lida com suas entidades, com as quais
trabalha “sempre pro bem”. “Eu trato a Umbanda... como... até um refúgio. Você tá com
um problema, é tão bom o Caboclo chegar e lhe dar aquela palavra amiga ali, aumentar
sua estimação, levantar seu astral, é muito bom” (sic), prossegue a médium, que é grata
à Casa que a acolheu, a apoiou e onde iniciou sua “vida religiosa e espiritual”, embora
184
figura de Mãe Clara, conforme expressa: “enquanto ela existir, eu tô aqui”. A Mãe de
Santo é por ela vista com grande apreço e como fonte de “ensinamentos” e de
“mentalizar coisas boas na sua mente” para que não se levante “falso” ou se conte
mentiras. Acredita ser dotada de tal capacidade por conta de ficar “fora de si”, não sentir
receber”. No que concerne à sua evolução como médium, alega não ter precisado
desenvolver pelo fato de sua primeira incorporação, no caso, de Dona Cigana52, ter se
dado numa “Festa de Louvação das trunqueira [Exus e Pombo-giras] da Casa”, isto é,
antes mesmo de ter iniciado nas Giras de Desenvolvimento, quando teria ouvido da
Yalorixá que “tinha muita... muitas corrente”, que estavam dela tão próximas que “não
considerava médium muito antes, desde que “já sentia a energia” nas visitas a outros
centros, o que, quando percebido, deixava-a “com anseio, com medo” e a fazia se retirar
do local – fase esta, portanto, que, junto de toda a bagagem de contato com a Umbanda
desde a infância, a médium parece ignorar como etapa desse processo. Adota como
“preceito” para sua preparação o esforço para ficar por uma semana – embora tenha
falado também em dois dias – com a “aura purificada, limpa” e com a mente e o corpo
sem bebida, sem sexo e sem carne vermelha para ter “mais força, mais energia” nas
incorporações. Antes de entrar para a Gira, refere realizar um “ritual” que envolve
banhos de limpeza, velas acesas para o anjo da guarda e suas entidades, rezar e
conversar com seu “povo”, pedindo, sobretudo, para que não mintam (enfatizou várias
52
Segundo Mazé, a “sofrida” entidade teria ido morar num “cabaré” após ter os pais assassinados,
embora jamais tenha sido prostituta.
185
vezes), que abençoem quando não souberem responder as pessoas e que não as “bote
Mazé diz já saber antes as entidades do dia por conta das orientações do
Caboclos, por exemplo, chamando-as desde que entra para trabalhar, o que faz de modo
cabeça” quando ainda há alguma “radiação”, sinal de que algum guia ainda precisa vir,
segundo ela para “levar alguma coisa de ruim” – o que às vezes ocorre sem que desperte
para mediar o processo; sensações que persistem caso a médium não deixe as deixe
trabalho, consiste da Pombo-gira Dona Cigana, o Juremeiro Pereira, o Seu Rompe Mata
“tomou a frente” de outra Preta-velha, no caso, de Mãe Caciana, assim como fez o
Caboclo referido com o Lírio Verde – embora a médium ainda estivesse por definir com
a Mãe de Santo qual deles permaneceria ligado à sua coroa. Aludiu ainda à necessidade
de que todo médium “tem que ter a sua linha de espiritismo” para receber espíritos de
CEUJMJ, embora ela mesma tenha relatado bastante medo. No que se refere aos tipos
de mediunidade, tratou mais de distinguir entre médiuns com facilidade para trabalhar e
aqueles que “demoram”, bem como os que permanecem conscientes, “metade, metade”,
etc, referindo-se ainda a sonhos com entidades. Percebendo-se como muito “farrista” no
passado, Mazé refere hoje viver para sua religião, apontando como seu lazer as
depoimento foi sua menção ao imperativo de estar “sempre com estima pra cima”,
lamentando que como médium “não pode ter nenhuma negatividade”, dando o exemplo
186
da “peia” que levou por “não andar direitinho, do jeito que eles querem”, razão pela
qual acredita ter engravidado, e da incorporação ser afetada. Igualmente chamativa fora
a constante alusão da médium ao que chama de “acasalar” com a maior parte das
entidades, que diz respeito ao que se poderia chamar de habilidade performática. No que
tange à sua Preta-velha, diz que “ela realmente me cobre”, isto é, “você vê mesmo uma
Preta-velha”, o que é percebido, segundo ela, inclusive pelos outros Filhos de Santos,
Mãe Clara há mais de dez anos atrás, quando tinha por volta de dezoito. Filha de mãe
protestante, ela considera ter sido evangélica até os onze ou doze anos, quando por
igreja católica, prática que até hoje permanece. Apontou a curiosidade e o envolvimento
com a capoeira como fatores que a conduziram ao mundo da Umbanda cearense, indo
ao CEUJMJ pela primeira vez com a irmã tencionando “observar”, pois, como disse
várias vezes, “não sabia o que era Caboclo na minha vida”, achando a Gira do dia
“muito bonita”. Quando “já tava começando a trabalhar” como médium no Centro, o
que já faz há oito anos, porém, a jovem médium viria a passar por uma “época muito
levado para outro terreiro. Neste, a entrevistada relatou ter sido instigada pela outra Mãe
trabalhar com Mãe Clara, o que só teria feito após, mesmo com o “voto” de “garra” e de
“força de vontade” ser humilhada pela outra “consagrada” líder. Recorda que, em fase
187
(Raimundão), fora a pé ao centro da cidade para comprar sua imagem, retornando então
para mostrá-la à Yalorixá, que se rira desta por afirmar não se tratar da entidade,
expondo a médium para os demais adeptos. Depois de muitas lágrimas derramadas, “ele
me pegou no meio da rua (...) assim só pra mostrar quem era”, acreditando Bárbara que
ele a “deixou em casa”, já que não se lembrava de como voltara. Tal experiência foi de
grande importância para sua trajetória na Umbanda, que nas suas palavras “é uma parte
do que eu sou hoje em dia”, desde que a médium utiliza o que vivera em outro terreiro
para valorizar o CEUJMJ, que, na figura de Mãe Clara, “puxou muito a minha orelha
pra mim mostrar” (sic) a “mulher” que é hoje. Este é encarado por ela como uma
reserva de esta ser “uma coisa que a gente não explica”, que “não tem uma palavra”,
declarou se tratar de “uma coisa que fica total no fora do controle da gente” com
diversos tipos (escutar, ver e incorporar) e usos (de má fé e para o bem). Um aspecto
interessante de sua definição diz respeito à sensação de estar “fora do seu corpo”
você, mas sem ser você”) – mencionando um sonho que teve enquanto estava de licença
incorporação no qual se recebe apenas a “sombra” do guia, que apenas “se encosta, se
188
volta ao terreiro recebesse “uns Caboclinho”, de modo que apenas então teria indícios
“que vai acontecer alguma coisa”. Nesse sentido, destacou o “tempo” como importante
fator para que deixasse apenas de receber a “energia” da entidade, ainda somente “lhe
cobrindo”, até que passe a ficar “cem por cento incorporado”, bem como a preparação e
sentindo enjôo, tontura, mal estar e até dor de ouvido. Segundo Bárbara, isso ocorre
graças à sensação de que “Caboclo pesa” – expressão por ela utilizada repetidas vezes
ao longo da entrevista em diversos sentidos – bem como graças à energia dos guias.
Segundo a entrevistada, estes, por sua vez, muito cobram os médiuns, e a médium diz
ter muita responsabilidade com “eles”, de modo que, nos “tempinhos de férias”, sente
dor de cabeça, mal estar e tontura, referindo-se ainda à ajuda que crê ter recebido,
interpretada como o fato de estar sempre empregada e que “nunca faltou comida”.
Como principais produtos do seu aprendizado, apontou, além da visão acerca da religião
derramado” para “ajudar uma pessoa a se levantar”, a evolução como médium “com o
passar dos anos” e, como consequências desta, a maior “força” das entidades e o maior
“premonição”, bem como a sonhos, nos quais acredita trabalhar junto de seu
inconsciente, razão pela qual as vezes acorda “baqueada” (sic.), a escutar vozes lhe
chamando, a ver “sombras” – o que muito teme – e, por fim, o seu preferido, a
189
facilitar sua incorporação, imagina conteúdos relacionados às entidades do dia,
desempenho das entidades, embora reconhecera que isso seja comum nos
desenvolventes. Refere ter mudado “cem por cento”, especialmente em relação à bebida
da mediunidade, hoje se dedicando aos dois trabalhos e à família. Suas entidades são:
Jurema (Cabocla), Chiquita Preta e Raimundão (Mestres), Caboclinho das Matas (Erê),
Ogum Beira Mar, Nega Ana (Preta-velha), Pomba-gira das Almas e Seu Tiriri (Exu).
Quadro 3. Síntese dos achados das entrevistas e aspectos mais recorrentes relativos ao CEUJMJ.
Aspectos mais
Categorias/Médiuns Margarida Ismael Mazé Bárbara
recorrentes
Católica, hoje Umbandista Sempre Evangélica na Adesão à
umbandista, desde a infância, umbandista, infância, Umbanda sem
frequenta visitas rápidas a mas continua umbandista excluir certo
missas ainda igrejas indo a missas. atualmente, idas a nível de
Percurso religioso
hoje. evangélicas no missas “uma vez participação em
passado. na vida”. rituais e
festividades
católicas.
Contato direto Ter os guias Receber Não se explica, Contato direto
com a como pais, entidade. Ficar não há uma com energias e
natureza e como família. fora de si, sentir palavra, da ordem incorporação
Definição de
com Deus. força/energia do sentir: fora do dos guias,
mediunidade
boa para controle. Tipos e implicando
incorporar. usos diversos. ausência de
controle.
Início das Adolescência. Infância. Idade adulta. Adolescência.
Adolescência
experiências
Yalorixá Como as Amplo contato Sombreamento: Duração
comunicara diferentes com o universo guia só se variável do
seu Orixá, páginas num umbandista encosta. Leva processo, mas
guias foram livro. Dois/três desde criança: tempo até que este longo. Destaque
chamados, se anos para não precisou deixe de cobrir dado à primeira
apresentaram receber o desenvolver, para incorporar entidade
Desenvolvimento com o ponto e primeiro guia. recebeu o totalmente recebida, à
da mediunidade abriram a Três/quatro anos primeiro guia (disponibilidade). firmação dos
coroa para os para que fosse antes de se Final: Entidades guias, ao
demais. Foram firmado. filiar. Já sentia fortes e mais controle
sendo Inspiração nas correntes antes. controladas. Sofre adquirido e às
firmados e Yalorixás. muito: Caboclo Mães de Santo.
mais pesa. Processo
controlados. “sofrido”.
Incorporação, Incorporação e Incorporação e Incorporação, Principalmente
Tipos de
sonhos, visões sonhos hoje. Via sonhos. premonições, incorporação,
mediunidade
e sensações. e ouvia (baixo) sonhos, escutar sonhos e visões.
190
quando criança. vozes, visões de
sombras.
Totalmente Inconsciente, Totalmente Inconsciente.
Percepção do nível inconsciente. como se inconsciente. Inconscientes
de consciência Consciência estivesse durante o transe.
apagada. viajando.
Não bebe, não Preceitos: Preceito: de dois Se resguarda por
Preceitos: corpo
pratica sexo e Manter mente e dias a uma três dias: sem
e mente limpos,
não visita corpo limpos semana, corpo e refeições pesadas,
sem álcool, sexo
lugares durante a mente sem carne carne vermelha e
e carne
impuros. semana. vermelha, sexo namorar. Alivia o
vermelha por
Concentra-se, Esquecer e álcool (aura pensamento nos
período de dois
Preparação para a pede que o pessoas de fora. purificada) – dias de Gira.
a sete dias. O
incorporação anjo de guarda Pensa nos guias mais energia e
pensamento
se afaste e que e na caridade. força na
concentra-se no
possa ajudar incorporação.
afastamento do
as pessoas. Acende velas,
mundo externo
banhos, rezas e
e se volta ao
conversa com
espiritual.
seu povo.
Toque do ogã. Pôr o dedo na Orientações do Imagina
Sensações energia. Abalo. Centro. conteúdos ligados Depende do
diferentes a Mentaliza aos guias do dia guia a ser
Aproximação da depender da elementos em questão. incorporado de
entidade entidade. ligados aos Repentinamente acordo com as
guias desde que perde a noção do orientações do
começa o que faz. Centro.
trabalho.
Depende da Empurrão de Espertar. Sente- Muito cansada. Sensação de
entidade. seu espírito pelo se leve. Tontura e falta de leveza.
Afastamento da
Necessita de anjo de guarda. ar. Necessidade Precisam de
entidade
ajuda. Leveza. de Auxílio. ajuda para se
recompor.
Maria Légua, João Baraúna, Mestre Pereira, Raimundão e
Maria Conga, Pai Miguel, Preta Mandinga, Chiquita Preta,
Luizinho, Chiquinho, Joãozinho, Nega Ana,
Juremeiros,
Pomba-gira Ogum Naruê, Dona Cigana, Caboclinho das
Entidades mais Pretos-velhos,
Sete Saias, João Pescador, Seu Rompe Matas, Pomba-
importantes Caboclos, Erês,
Caboclo Sete Serra Negra, Matas e “linha gira das Almas e
e Exus.
Flechas. Exu do rio. de espiritismo”. Seu Tiriri,
Cabocla Jurema,
Ogum Beira-Mar.
Diz não saber Nenhuma, Pede para que Não reconhece
Interferências de
imitá-las. apenas quando os guias não nenhuma. Comum
conteúdos psíquicos Raramente
bebera e os mintam ao não nos
dos médiuns na reconhecidas.
guias não saberem desenvolventes.
performance
corresponderam. responder.
Enfrentamento Menos de farra Farrista antes, Bebia muito:
Atribuídas
, aceitação e que antes. hoje vive para a mudou cem por
principalmente
Transformação da autoafirmação religião. cento. Estilo
à Umbanda e
autopercepção resultante de Vitoriosa. depressivo:
não somente à
orientações mudou em parte.
mediunidade.
das entidades.
Saúde e Afastamento de Seu lazer são as Atualmente se Certa restrição
Consequências do mudança na familiares e louvações em dedica à da socialização:
trabalho como cosmovisão amigos de festa. outros Centros. Umbanda, ao negação do
médium pessoal. Passou a buscar trabalho e à mundo
outros amigos. família. “profano”.
Experiências e Visão de Situação de Imperativo: Mestre
-
aspectos mais morcego vulnerabilidade estima sempre Raimundão ter
191
significativos gigante/Tranca em razão da para cima e nela incorporado
-rua quando o qual enxerga o andar direito. no meio da rua
filho fugia de mundo Acasalada, para mostrar
uma assalto, espiritual como coberta pelos quem era diante
sensação de família. guias: das humilhações
ser abraçada Incorporação habilidade sofridas no outro
quando o por Pombo performática. Centro.
marido Roxo e sua Acolhida no
falecera. herança. Centro.
A apará Lucia, assessora aposentada de 63 anos que por quarenta e oito anos
de sua vida fora católica, antes de chegar ao Vale do Amanhecer, religião da qual já é
adepta há doze anos – oito dos quais como médium de incorporação – passou dois anos
implicada pelo catolicismo, que passou a lhe parecer limitada, desejando “avançar” sem,
no entanto, encontrar nele “espaço” ou “quem te diga: ‘existe um horizonte, existe uma
entrevistada viria a passar por mudanças, que hoje acredita ser fruto da “espiritualidade
sobrinha que incorporava uma “falange sofredora” em casa, até que, sem seus esforços
surtirem efeito, lhe indicaram uma “casa espírita”, no caso, o TGA, onde conseguira
“curas com ela”. Ainda espírita, retornaria ao “Gamurio” para ajudar uma amiga, sendo
desta vez ambas chamadas nos Tronos para trabalhar, começando o desenvolvimento
decorrer de quatro anos até que, num trabalho de Mesa Evangélica, teve “sensações
que lhe sugeriu que fizesse um “reteste”: “incorporei na hora”, recorda Lucia. Declara
não ter envolvimento com outras religiões graças à orientação dadas aos mestres de que
não se deve “cruzar corrente” no Vale do Amanhecer, doutrina cujo significado para
192
ela, que nela se sente “realizada”, está associado ao “salto de qualidade muito grande”
para “resgatar débitos” com “inimigos nossos” de “vidas passadas”: “só através do amor
e do perdão é que nós temos a consciência e podemos evoluir”, trecho por ela citado do
Gamurio do Amanhecer “como espírita mesmo”, lugar onde se nutre “respeito (...) pela
nossa missão”.
incorporação justamente por não receber espíritos, que, no VDA bem como na sua
própria experiência, só são incorporados “cinquenta por cento” para que a apará possa
tipo de mediunidade, a ninfa declara que é comum que se trabalhe dormindo e que
“quando a gente não entende, a gente diz sonho”. Lucia acredita que a “irradiação” e a
“presença” sentidas dos “irmãozinhos” e dos mentores, assim como a sensação de não
conseguir “abrir os olhos” na incorporação, são os principais aspectos que lhe fazem
Ajanã, que envolve sete “aulas” e “treinamentos” nos Tronos (Pretos-velhos), na Cura
Iniciática (Médicos de Cura) e no Sudálio (Caboclos) – ao final dos quais quem “libera”
o “aparelho” para trabalhar é o próprio mentor; declarou de início sentir “todo o corpo
193
impregnado”, sem que a “vovó” no entanto falasse, de modo que precisou continuar
resolver o quer que estivesse “travando”, Lucia teve um “toque” de que talvez ela
“sintonia muito grande”. Logo após pedir aos mentores para receber a entidade
sexuais, “farra”53, ressaltando porém que se pode sair da “linha, (...) da sua conduta” e
assim “receber energias negativas”. Antes dos trabalhos, “sioniza com sal e perfume”,
entidades, ao se aproximarem, fazem com que Lucia experimente “um choque elétrico”
de intensidade variável de acordo com o seu tipo, bem como um tremor e uma sensação
frequente”. Além da Preta-velha referida, que é o espírito de luz da qual a médium mais
se sente próxima, recebe ainda o Médico de Cura Dr. André Luiz e o Caboclo Pena
Branca, destacando-se ainda sua guia missionária Alesca Verde, que pela sua descrição
“sofredores”, por quem sente “grande compaixão”; e o Povo Cigano, simbolizado pela
Cigana Valquíria, pois acredita ter “sangue cigano” pelo fato de o pai acolher ciganos
no próprio sítio no interior, sendo tal afinidade para ela mais uma evidência de que foi
“líder de grupos ciganos em vidas passadas”. Lucia admite que a personalidade do apará
possa vir a interferir, embora afirme jamais ter ocorrido com ela, que hoje é mais
53
Os adeptos do VDA não bebem. Este, bem como não se usar “entorpecentes”, é um dos requisitos para
que se inicie na doutrina.
194
“suave”, tolerante e “tranquila” que antes, quando era doutrinadora (e, segundo ela,
entrevistada vê como ponto negativo de ser apará não poder conversar com os
sua “base familiar”, até por volta do ano de 2000, quando passaria a buscar “templos”
pouco, muito leve”, sua trajetória como católica fora intensa, participando ativamente
dos “movimentos” da igreja onde, junto de seu irmão – hoje padre, era catequista, a
ponto de ter declarado que “por pouco” não se tornara freira. Refere ter buscado o
Gamurio do Amanhecer graças à indicação de uma tia pelo fato de ter “certas visões”
se fosse uma fumaça criando uma imagem, (...) aparecendo figura de um rosto”, que por
sua vez a amedrontavam, a assustavam, lhe provocavam “sensações ruim” (sic), fazendo
com que a atual ninfa não as deixasse “concluir” – simplesmente “neutralizava” e saía
“de onde estivesse”, principalmente de “casas antigas” com muitos retratos. A médium,
catolicismo com as “mil perguntas” que se fazia diante do que experimentava: “Por que
reuniões e “palestras soltas” fora capaz de responder aos seus anseios, com a reduzida
“praticidade” por ela percebida quando comparado ao VDA, que “traz Jesus vivo para
195
cada um, ou pra prática ou pra mente” bem como o “cuidado” e o “acalento” de que
necessita o “corpo físico”. Apesar do cessar de tais visões, Vera afirma ainda hoje ter
si mesma, de outras pessoas e de “algo externo” através do que “sabe que existe o além
de você”, embora alegue não ter “uma clareza... chegando ao teor físico”. Assim,
mencionou a experiência ocorrida “até bem pouco tempo” de sentir “presença de...
como se fosse pessoas e até minha cama chega baixar (...) como se alguém sentasse”
(sic.), em função da qual fez um “trabalho especial” no TGA – que, além de tê-la
acolhido, é sua “base de doutrina”, uma das “terras mais corretas possíveis” cuja energia
templo pelos Pretos-velhos, mas “não entendia”, pois pensava ser “normal convidar”.
sua Iniciação, Elevação de Espadas e Centúria, depois fazendo o “reteste” após parar de
trabalhos, etc., encarado por ela como um provável “merecimento de desenvolver uma
mudança, passou a se “sentir muito ruim”, tendo ido “seis vezes pra emergência” de um
hospital antes de recorrer ao Adj. Gamurio, que, ao fazer a “puxada”, fez com que Vera
incorporasse. No primeiro teste, Vera recorda ter ouvido do comandante que ela teria
“as duas mediunidades”, embora pelo fato de ser “muito sensível” este a teria
preferência por “ser doutrinadora”. A ninfa, que pertence à falange das Samaritanas,
menciona que a partir da terceira aula iniciou a parte “prática” do treinamento na Mesa
196
Evangélica sem que tenha conseguido estar apta a trabalhar ao final das sete aulas por
conta dos “bloqueios naturais” e do medo, assim como da “entrega diferente” requerida,
processo por ela vivido ao longo de quase um ano, ao final do qual aprendera a
“trabalhar à imagem de Jesus viva”. Segundo ela, o jaguar pouco a pouco adquire o
que quando chega a um nível de “certa intimidade” percebida pelo instrutor, este
das sensações” típicas dos Cavaleiros de Oxóssi e do Povo das Águas e o aguçamento
sente “oitenta por cento” consciente e cujo senso de realidade é maior se comparado ao
da incorporação.
“Uma interligação que nós temos entre o céu e a terra, muito simbólica,
ficar “trinta, quarenta por cento” consciente, não lembra de “muita coisa não”: “fica pra
você o que é pra ficar pra você”, diz. Declara não haver “nenhuma restrição” além das
envolve “leve peso” e “sonolência”, como num “dia meio assim que vai gripar”, e ainda
197
das entidades envolve “a sensação quando você vai se entregando” e também
“acordando”. Vera refere sentir-se mais próxima não das entidades que incorpora, mas
“mentora” de sua Falange; e da Condessa de Natanhy. A ninfa tem uma peculiar visão
crescimento” desde que tornou-se apará, mudando principalmente sua “forma de ver a
vida”, percebendo-se como mais “pacífica” e “branda” além de acreditar ter um outro
“entendimento”, que por sua vez implica em ter “sensação de caráter” e de “pré-
O mestre Mario, funcionário público de 46 anos, narra que por conta do que
crê ter sido um “problema com mediunidade” aos catorze anos de idade, “saía de si”,
ficava “descontrolado” e “quebrava tudo”, a ponto de precisar de três irmãos não apenas
para contê-lo e amarrá-lo, sem conseguir lembrar-se do que fizera após o “apagão”.
Buscara, assim, a ajuda de um Pai de Santo umbandista, por quem foi orientado por
cerca de um ano visando desenvolver-se como médium, quando então tudo voltara ao
“normal”, ajudando-o bastante. No entanto, a “curiosidade”, que lhe levara muitas vezes
até Igrejas Evangélicas, e o incentivo da mãe – interessada que o filho não mais bebesse
Amanhecer, onde depois levara também o próprio Pai de Santo, que depois da visita lhe
dissera para esquecer tudo que ouvira sobre a Umbanda e que ali era “sua casa”. No ano
54
A citação literal de sua perspectiva sobre tal tópico se encontra no início do presente capítulo.
198
de 1985, “encantado” com o “chamado” da doutrina, Mario entraria para o ainda rústico
templo e faria seu primeiro teste, que o faria começar como doutrinador a despeito de
ter trabalhado na Umbanda. Um ano depois, o então mestre Sol sofria de “dores de
cabeça”, sendo chamado repentinamente por uma das entidades nos Tronos que lhe
orientara a fechar os olhos, fazendo com que incorporasse. Dessa forma, o entrevistado
afirma já ser apará há vinte e nove anos no VDA, doutrina que lhe chamou bastante
atenção por se “ajudar sem receber nada”, reconhecendo-a ao menos para ele como a
considera sua “casa”, que ajudou a construir com as próprias mãos, referindo-se
notadamente pelo fato de ter atingido um dos pontos mais altos hierarquicamente, sendo
“regente” da Falange dos Magos, e de ser um dos aparás mais experientes, o que pode
ser constatado por ser ele o “aparelho” através do qual o ministro Gamurio dá suas
bênçãos mensais; entende a mediunidade como uma “dádiva de Deus” dada com o
propósito de “fazer caridade na lei do auxílio”55 – e de, assim, pagar a “dívida cármica”
Terra”: “Nós somos o anel e o dedo”, “a luva e a mão”, conforme expressa em seu
mesmo modo que Lucia, ao responder a maioria das perguntas, o mestre Lua tendeu a
55
Expressão exaustivamente repetida ao longo da entrevista.
199
remeter-se mais à doutrina e ao modo como esta entende os temas em questão do que à
sua própria experiência – sendo esta uma das razões pelas qual a entrevista teve maior
apenas uma semana para “dar o nome” do Preto-velho Pai Jacó de Aruanda, com quem
Caboclo Tupinambá e o Médico de Cura Dr. João Magalhães Ferreira, que foram lhe
“lapidando”, embora tenha precisado fazer mais que as sete aulas obrigatórias. Nesse
jamais se tornaria um “soldado de Pai Seta Branca”, pois para sê-lo, para ele, é
necessário que se desprenda e deixe “lá fora” o livre-arbítrio, que “às vezes atrapalha
nossa jornada” desde que de tal modo não se pode ser um “cumpridor de leis e de
ordem”, pois que este “faz você achar que é melhor”. Nesse ínterim, comparou Jesus a
presidente”. Ele “recebe a intuição” – o mentor “põe na mente dele” – e sente “vontade
de dar aquela mensagem, aquele conselho”, sentindo “no decorrer do tabalho” como se
tirasse um “cochilo”. Relatou que o VDA “não prega” que nenhum hábito seja abolido
no que tange à preparação do apará, que no seu caso se limita à sionização, a sentar no
56
Também pelo fato de ser procurado por estes para tirar suas dúvidas. Relatou ainda ter visões e ouvir
vozes quando iniciante, além de sentir arrepios, tudo isso sendo encarado como “distúrbio”.
200
apontando “o acreditar” e a concentração como fatores facilitadores, afirmando apenas
que evita comer muito por conta de ter sua digestão prejudicada graças ao tempo que
permanece sentado. Segundo ele, a aproximação do espírito varia “de apará pra apará” e
geral seja “leve”. Relata sentir-se “pisando nas nuvens” e “maravilhado” em decorrência
consciência (...) é menos” (sic.), o que se daria por causa de sua hierarquia mais elevada
e da necessidade de protegê-lo, já que em tais ocasiões alega ficar por até seis horas
incorporado, sem sentir fome ou sede ao terminar. O apará jamais se perguntou acerca
disse simplesmente que se tornaria doutrinador. Hoje, encontra no VDA sua realização e
sua “paz de espírito”, que contrasta com sua “personalidade de não aceitar muitas
coisas”, com a “loucura” e com o “trabalho” que dera aos pais no passado.
tempo, embora em seu percurso religioso conte com passagens por igrejas evangélicas e
“pensamentos”, sonhos, déjà-vu e ainda a ouvir vozes, que a despeito de terem-na feito
menos a de que hoje são dotadas. Conheceu o VDA no ano de 2002, visitando um
201
templo por um ano em Manaus, cidade onde morou no mesmo período. Ao voltar para
São Paulo, passou a frequentar a religião em Limeira, onde, em 2005, passou a ser
“o caso” de seu marido chegar com ele em casa e este lhe comunicava de sua intenção
de separar-se, o que fez com que as “coisas” começassem a “clarear” para ela; e de ter
ouvido, quando estava próxima à janela de seu apartamento, uma “voz” que lhe dizia
repetidamente “se joga daí!”. Em função de tais episódios e do seu “momento de dor” –
hoje pela médium vistos como fase pela qual “tinha que passar”57; o Vale do
Amanhecer para ela significa uma “vitória” em sua vida por conta de ter com a
“salvação” de seu casamento, atribuindo esta ao encontro consigo, com seus trabalhos –
por ela percebidos como próximos à sua atividade profissional, “voltado com pessoas”
(sic.) (Recursos Humanos) – e com seus mentores da doutrina, sendo grata a estes e
concerne ao TGA, apesar de declarar que “aonde você for, a doutrina é a mesma”,
57
Neste ponto, por vezes referiu-se como “nós”, aludindo provavelmente à perspectiva do casal ou dos
demais jaguares do TGA, ligados à ideia do pagamento de reajustes e cobranças.
202
experiência adquirida com as muitas viagens que mencionou fazer a outros templos,
Carmen aponta como atrativos a proximidade de casa, o fato de seu esposo já frequentá-
lo antes e de o templo ser “iniciático” e “quase completo”, tendo assim “mais tempo” e
“mais trabalhos desenvolvido” (sic.), precisando, dessa forma, de mais médiuns, o que
faz com que se sinta necessária, sendo o templo no qual é recepcionista “parte
a “energias”, este “presente muito grande” no caso do apará se distingue por uma
diferença de grau e de qualidade, já que este “sente mais forte a presença” do espírito,
que por sua vez pode ser incorporado, embora com este constitua uma “parceria” na
qual nenhum dos dois “toma a frente”. Essa consciência parcialmente preservada e os
“cinquenta por cento de incorporação” que alega ser própria de seu estado subjetivo,
bem como de outros médiuns, envolve, além disso, o controle e o filtro por ela
realizados principalmente no caso dos “sofredores”. “Nós somos um grupo: (...) mentor
No que respeita ao seu desenvolvimento como apará, Carmen recorda que nas sete aulas
para ela descrito como “difícil” “pelo fato de ser cinquenta por cento” e devido ao fato
de se ver como “um pouco teimosa” e “rebelde”, sentindo a “energia”, mas ainda
insegura e sem acreditar; somente tarde baixando “um pouquinho a guarda” e deixando
aprenderá sempre, o que diz ser válido ainda atualmente, vendo o VDA como uma
“faculdade”.
203
A médium, que é Cigana Aganara e diz já ter recebido sua guia missionária
(Analude Lilás)58, tem a companhia de Caboclo Pena Branca e Dr. Orlando do Oriente,
dos quais teve visões apenas na primeira incorporação deles, e, por fim, de Vovó
Catarina de Aruanda, a quem mais se sente conectada por trabalhar bastante com ela
(Tronos, Alabá e Pajézinho) e por esta ter comunicado em sua primeira incorporação
que a acompanha “desde pequena”. Segundo a ninja Ajanã, a doutrina “não proíbe
profundas de “altas hierarquias” manter-se calma, buscar fazer refeições mais leves, não
comer carne vermelha e “entrar em sintonia” com a entidade59, procedendo quando está
“projeção”, como muitas vezes se expressou; declara que o apará que não as tem, “não é
(...) um apará cem por cento”, em função das quais às vezes “corta” a mensagem ou nela
“dá uma contornada”, ao contrário do que lhe orientam. As transformações por ela
humildade e menores arrogância e vaidade. Apesar de ver seu trabalho no TGA como
responsabilidade mas não como obrigação, refere que o filho adolescente que não é da
doutrina “cobra um pouco” sua presença graças à sua dedicação demasiada à religião,
58
No trabalho de “Troca de Rosas”, segundo ela ocorrido sempre no dia 30 de outubro em comemoração
ao aniversário de Tia Neiva.
59
Citou Vovó Marilu, Rainha de Sabá, Grande Samara e Mãe Tildes.
204
Quadro 4. Síntese dos achados das entrevistas e aspectos mais recorrentes relativos ao TGA.
Aspectos mais
Categorias/Médiuns Lucia Vera Mario Carmen
recorrentes
Bastante Quase se tornou Ex-umbandista, Pouco católica, Ex-católicos,
católica, freira, passou ia muito à passagem por nítida influência
kardecista por rapidamente por igrejas igrejas do Espiritismo
dois anos, hoje “templos” evangélicas. evangélicas, Kardecista. Não
Percurso religioso
apenas no kardecistas, hoje Hoje é somente messiânica, “cruzam
Vale do da Doutrina do “do centros espíritas e corrente” depois
Amanhecer. Amanhecer. Amanhecer”. afro-brasileiros. de aderirem ao
VDA atualmente. VDA.
Sensibilidade Interligação Dádiva de Deus Presente muito
às energias simbólica, para fazer grande.
circundantes profunda e clara caridade na lei Sensibilidade Sensibilidade.
com maior entre o céu e a do auxílio, forte às energias e Presente, dádiva
Definição de
frequência e terra: pagar a dívida à presença do ou dom
mediunidade
intensidade; sensibilidade. cármica e colher espírito. recebido de
incorporação. bônus. Depende Capacidade de Deus.
Dom de Deus. do acreditar. incorporá-lo:
parceria (grupo).
Idade adulta, Idade adulta. Adolescência. Idade adulta.
Sensação de Visões de vultos Problema com Infância: ouvir
Início das
flutuar na e retratos se mediunidade: vozes, sonhos Idade adulta.
experiências
Mesa modificando. descontrole, saía intuições, déjà-vu,
Evangélica. Sensações ruins. de si, etc. e pensamentos.
Precisou de Mais de sete Aperfeiçoament Sete aulas: Difícil Curso com sete
mais que sete aulas: bloqueios o: mediunidade processo. aulas de
aulas e naturais e medo. deixa de ser tão Teimosia e duração. No fim
treinamentos Entrega. forte como no insegurança: com delas, os aparás
básicos Acompanhada início. Uma dúvidas, não dava não estão
(Tronos, Cura primeiro por semana para dar o nome do prontos: seus
e Sudálio). O uma Vovó. o nome do mentor. “Baixar a medos, dúvidas
próprio Reconheciment mentor, na guarda” para dar e expectativas
mentor é quem o da semana seguinte vazão. Visões: intervêm
Desenvolvimento
libera o apará. manipulação do do Caboclo e Caboclo e Méd. fortemente.
da mediunidade
Recebera a mentor. Nível Médico de Cura. de Cura (somente Aliada a entrega
entidade de intimidade: Lapidado por ao darem seus à doutrina, o
“determinada” demais são estes. Precisou nomes). Técnicas treino de
e não a que chamados. mais que de sete e comportamentos técnicas de
queria ou que Aguçamento das aulas. Deixou a aprendidos. reconhecimento
se técnicas: doutrina entrar Controle do de um mentor
identificava. sensações de nele. aparelho. possibilita a
outras Aprendizado manifestação
entidades. constante. dos demais.
Incorporação e Incorporação, Incorporação e Incorporação e
Doutrinação Doutrinação Doutrinação Doutrinação
(quatro (pequeno (apenas no (cinco anos
Incorporação e
primeiros período), início). iniciais).
Tipos de tempo mais ou
anos). Sonhos. Projeção, Irradiação e “Projeção”.
mediunidade menos longo de
Sensações “ensombreamen
doutrinação.
“extra- to”.
sensoriais” e de
presença.
Cinquenta por Trinta ou Semiconsciente. Cinquenta por
cento quarenta por Mentor “bota” cento
Percepção do nível incorporada. cento intuições em sua incorporada. Semiconscientes
de consciência. Apará com consciente, não mente. .
algum lembra de muita
domínio. coisa, apenas do
205
que deve ficar
para ela.
Sem Nenhuma Nenhum hábito Sem proibições. Ausência de
restrições. Não restrição. abolido. Evita Altas hierarquias: restrições
sair da linha Sionização. comer muito. Mantêm-se calma, relacionadas a
ou da conduta. Esquecer suas Acreditar, faz refeições mais hábitos, exceto
Sionização coisas, concentrar-se, leves e sintoniza uso de drogas.
Preparação para a (sal e esvaziando-se. livrar-se dos com a entidade. Sionização,
incorporação perfume), Sentar-se no pensamentos/ Práticas típicas de concentração,
concentração e Castelo do estresse do preparação. “esquecimento”
sintonização Silêncio. mundo lá fora. Sioniza, esvazia a do mundo
com mentores. Senta-se no mente e puxa a exterior e
Reverências. Castelo. energia da esvaziamento
Sionização. entidade. mental.
Choque Leve peso e Leve. Depende Energias dos
elétrico, sonolência. ainda do apará e diferentes Variações
tremores e Depende da do tipo de espíritos influem. dependem
Aproximação da
sensação de energia dela. incorporação P.-v. e Méd. de principalmente
entidade
presença. Como num dia (irradiação, Cura: suavidade. do espírito em
Intensidade em que vai “ensombreamen Caboclo: maiores questão.
variável. gripar. to”, etc.). agitação e tremor.
Energia Sensação de Despertar, Tremores, tontura
Sensações de
limitada, se entrega, alívio, pisando nas e abalo. Própria
Afastamento da despertar e de
recuperando. conforto, nuvens: troca de entidade pede ou
entidade limitação
renovação e de energias. o doutrinador.
temporária.
acordar. Maravilhado.
Vovó Catarina Pai Joaquim das Pai Jacó de Vovó Catarina de
Pretos-velhos,
do Oriente, Almas, Caboclo Aruanda, Aruanda, Caboclo
Caboclos,
Caboclo Pena Pena Amarela, Caboclo Pena Branca, Dr.
Médicos de
Branca, Dr. Dr. Bezerra de Tupinambá, Dr. Orlando do
Cura, Guias
Entidades mais André Luiz, Menezes, João Magalhães Oriente, Analude
Missionárias,
importantes Alesca Verde, Avaluza Lilás, Ferreira, Lilás, Cigana
Ministros,
Cigana Grande Samara, Anatama, Valquíria, Rainha
Mentoras de
Valquíria, Condessa de Efajano Verde, de Sabá, Vovó
Falange e
Povo Cigano e Natanry e Gamurio e Marilu, M. Tildes
sofredores.
sofredores. sofredores. sofredores. e sofredores.
Possíveis, mas Espírito utiliza a Jamais se Muitas dúvidas e A despeito das
Interferências de jamais ocorreu cultura e o perguntou questionamentos dúvidas e
conteúdos psíquicos com ela. ectoplasma do sobre. ocorrem até hoje. inseguranças
dos médiuns na apará sem Corta e contorna frequentes, as
performance. depender da mensagens em reconhecem
vontade deste. função disso. raramente.
Suave, Certo Paz de espírito e Crescimento
tolerante e crescimento: aceitação, como jaguar.
tranquila. mais pacífica e atribuídos Mais
Transformação da Como branda. Novos principalmente à conhecimento, Atribuídas à
autopercepção doutrinadora: entendimento e doutrina. Vê as maior humildade, doutrina.
faísca de fogo, visão da vida. coisas de modo vaidade e
explosiva. diferente. arrogância
menores.
Nem evolução Pré-julgamento Nada o separa Filho se queixa de Identificação e
ou desgaste do caráter das da doutrina, pouca atenção. dedicação
Consequências do (família) pessoas. exceto ele. elevadas ao
trabalho como VDA afetam
médium relações com
pessoas de fora
da doutrina.
Experiências e Identificação Recorrência: Visão sobre a Dimensão grupal
aspectos mais com povo “denotar”. Vê a doutrina e o do trabalho -
significativos cigano (pai os questão da livre-arbítrio. mediúnico.
206
recebia): Líder interferência do Paralelo com o Confissão de
deles em vidas médium de Militarismo. dúvidas sobre as
passadas. modo peculiar. Min. Gamurio. interferências.
207
CAPÍTULO 9
CONVERGÊNCIAS E DISSONÂNCIAS
mundo? Como ele irá acabar? Quem foi o primeiro homem? Para onde vão
buscando pôr à prova o modelo de análise dos dados proposto, isto é, o da identidade
psicossocial.
católica sofrida pela maior parte destes principalmente na infância devido à educação e
ao ambiente familiar. Com exceção de Franco, que via o frequentar a igreja como uma
obrigação que a mãe lhe impunha, todos os outros médiuns espíritas se declararam
anteriormente como católicos, mesmo Eugênia que a despeito de seu complexo com o
tema das freiras é apreciadora de arte sacra. Nesse ínterim, a médium umbandista
Margarida, assim como Vera, do VDA, por pouco não fora freira, e mesmo atualmente
costuma ir a missas e a eventos festivos da igreja, como por sinal é costume de outros
208
dois médiuns entrevistados e das Mães e Filhos de Santo do CEUJMJ. Lucia e Carmen,
do TGA, também eram católicas, embora aquela um tanto mais que a última. A
influência da Umbanda nos médiuns de forma geral fora a segunda mais forte,
Cavaleria, Franco, que visitava terreiros para observar o que com ele se passava, e
Kardecista foi o mais referido, em especial por três médiuns do Vale do Amanhecer,
que tiveram um contato mais ou menos breve com este antes de serem da religião, e por
Mazé, que fez menção à chamada “linha de espiritismo”, que, segundo ela, apesar de
seu medo e de jamais tê-la recebido, todo médium deve ser capaz de incorporar, razão
pela qual Mãe Clara já tentou algumas vezes fazer “mesa branca” no Centro, embora
sem sucesso. Cabe ressaltar, ainda, uma observação no que concerne ao peso da
espírita da cidade mais do que a terreiros, o que pôde ser notado mesmo nas entrevistas
com as menções à Kardec e sua doutrina pelos aparás, alguns deles chegando até a tratar
frequente no discurso destes fora a evangélica, à qual apenas uma das médiuns de fato
60
A orientação de não “cruzar corrente” é dada ao paciente interessado em ingressar no VDA no Castelo
de Autorização juntamente com a premissa de que este, uma vez jaguar, passe a deixar de usar drogas. Os
jaguares não podem ser adeptos de outras religiões, segundo estes, por conta da natureza diferente da
energia “manipulada” no Vale – o que fora muitas vezes aludida pelos entrevistados. Ressalvas são feitas
a casamentos, batizados e outros eventos e acontecimentos religiosos aos quais sejam convidados.
61
Cabe, porém, observar que o discurso predominante do corpo mediúnico quando o objeto de discussão
é o seguidor do Espiritismo Kardecista é de considerá-los demasiado estudiosos e, no entanto, pouco
dotados de energia, enquanto que a Umbanda é retratada de modo geral como utilizando-se da energia em
questão para propósitos julgados baixos e negativos.
209
fora seguidora – e apenas na infância – Bárbara, e que Carmen e principalmente Mario
dos entrevistados apresentou dificuldades para expressar o que entendem pelo termo.
Nesse sentido, o médium espírita Cândido não conseguiu chegar de todo modo a uma
resposta que considerasse satisfatória por conta de esta lhe parecer algo da esfera do
relatar não existir “uma palavra” capaz de exprimir, explicar e fazer justiça aos
verdadeiros significados e sentimentos dos quais este é dotado. Apesar de ambos serem
feições e em seu tom de voz ao esforçar-se pela conceituação de algo “tão sutil”
(conforme Franco), razão pela qual poderia ser de fato chamada, segundo a
numinoso, a ponto de para Mario esta ser “tudo” e para Ismael, uma missão que deseja
levar não somente para o resto de sua vida, mas também pela qual deseja “voltar”
uma dádiva ou um presente que creem ter recebido de Deus envolvendo a dita
capacidade de sentir energias de forma mais intensa que a maioria das pessoas –
desencarnados que buscam auxiliar os vivos ou que necessitam ser esclarecidos para
210
cumprindo-se o objetivo da caridade. Para os médiuns umbandistas, além disso, tal
do Templo Gamurio do Amanhecer fora o fato das respostas destes terem nessa
categoria apresentado significativo alinhamento, mais até do que seria de esperar dos
médiuns espíritas, que são bem mais afeitos a uma prática rotineira de estudo
doutrinário.
adolescência e à idade adulta e, depois, à infância. Vale ressaltar, entretanto, que alguns
dos médiuns apontaram certos acontecimentos de sua infância como a gênese de sua
pareciam antecipar tal conclusão, embora no período em questão ainda não tivessem
exemplo). Assim, se faz necessário afirmar que o início das experiências não coincide
ouviram de alguém que seriam médiuns e que precisavam, portanto, trabalhá-la. Fora
inclusive muito mais frequente que os entrevistados referissem que, por conta de uma
série de fatores, dentre eles o medo e o choque entre sistemas de crença e visões de
mundo, somente algum tempo depois de receberem tal mandato estes viessem de fato a
levá-los a sério. De todo modo, quando não fora a própria família em grande parte e de
certo modo a responsável por deixar a mediunidade como herança ou por pelo menos
211
prévio com algum credo com certo destaque à possessão e um determinado histórico
Umbanda a maior parte dos médiuns mencionou a adolescência como momento inicial,
que estes dispendem realizando inúmeros cursos não apenas para a iniciação na
mediunidade – mas que esta parece exigir quase que como um pré-requisito – é
variável, embora a duração aludida pelos médiuns seja geralmente contada em termos
de anos, sendo de tal modo o que parece exigir mais tempo. No caso da Umbanda,
embora Ismael tenha declarado ter precisado de dois ou três anos para receber seu
primeiro guia, as outras médiuns estimam ter sido necessário um período de cerca um
ano para que a primeira incorporação ocorra, de forma que ter meses como parâmetro
parece mais adequado. No Vale do Amanhecer, por sua vez, a única das religiões que
fazer mais aulas, conforme o relato de todos os médiuns e em especial o de Mario, que
contagem em semanas é mais apropriada neste caso. Cabe destacar, nesse ínterim, que a
62
É conveniente aqui recobrar a noção de feedback entre crença e experiência de Maraldi (2011).
212
inseguranças e expectativas a respeito da religião e da incorporação. Nesse sentido, é
comparara o percurso de dois Filhos de Santo que contavam com tempo aproximado de
De modo geral, os medos dos médiuns com relação aos espíritos tendem,
cada vez mais, a deixar de existir enquanto que suas inseguranças e dúvidas quanto à
tendo espaço mesmo após certo tempo de experiência, diferente do que relatam ocorrer
os médiuns do CEUJMJ, onde estas aparentam ter o mesmo destino que o medo. Em
momentos até físico, já que estes rodopiam, cambaleiam e às vezes até caem –
corpo, para assim assumi-lo efetivamente. Este parece ser o caso principalmente pelo
fato de que, enquanto que, no início, é mais ou menos tolerável que o apará
na Umbanda por certo tempo algum nível de consciência durante o transe. Pôde-se,
assim, identificar nas três religiões alguns momentos que parecem servir como
213
incorporá-lo; e, no Espiritismo Kardecista, o instante a partir do qual o médium é
dois momentos parece se estabelecer certa tensão entre duas atitudes pertinentes ao
médium, a saber, a entrega para o espírito e o controle sobre este, que vão pouco a
TGA destacam mais a entrega, inclusive à própria doutrina, como o faz Mario. O
controle em questão diz respeito no caso destes e dos médiuns espíritas ao que deve e
pode ou não ser dito ou feito e ainda, consoante Cândido, sobre quais supostas entidades
Eugênia apresenta como exemplo o fato de não falar palavras de baixo calão mesmo
quando o “irmãozinho” deseja fazê-lo e Carmen afirma tentar “contornar” o que sua
Preta-velha lhe inspira a dizer quando se trata de algo possivelmente incômodo para o
ouvinte, ainda que, segundo ela e também Lucia, o propósito central no VDA de tal
plano, ou expressem sua dor sem limites, embora bater nos Tronos e chorar ainda esteja
no qual esta é um tanto mais intensa, e aquele em que esta já se encontra desenvolvida,
quando é consideravelmente mais contida, que por sua vez não é estranha à vivência de
outros médiuns, inclusive dos outros dois grupos. De resto, vale ressaltar a notável
semelhança entre a chamada do guia, que depois “abre a coroa” do médium para as
214
demais entidades, no desenvolvimento na Umbanda, e a apresentação do Preto-velho no
curso do VDA, que permite a apresentação do Médico de Cura e do Caboclo. Por outro
lado, há na Umbanda a chamada firmação ou afirmação das entidades, que parece ser
Carmen, Mario e Vera, que recebem ainda espíritos de luz com certo destaque na
mais alto no CEGM, por sua vez, é simplesmente a possibilidade de após um longo
evolução da mediunidade nas três religiões são ainda o que os médiuns acreditam ser
63
Isto pode estar associado à própria cultura, orientação e interpretação da doutrina espírita do grupo em
questão. Segundo uma informante de outro centro espírita investigado como contra-campo, na cena
espírita cearense certas “casas” se especializam e destacam mediunidades ou dimensões diversas da
doutrina de Kardec, citando exemplos de casas mais conhecidas pelo estudo, outras pela cura, pelas
cirurgias espirituais, etc.
215
momentos iniciais da fase prática dos cursos de iniciação e priorizado, portanto, para
pelo primeiro termo ao invés do segundo revele, de um lado, a busca por um vocábulo
simultâneo das dimensões daquilo que se concebe como de ordem mais cognitiva e,
quiçá, neural ou cerebral, e da fala – por oposição ao segundo, que enfatiza que o
comunicacionais) e não apenas de parte dele. Isso não significa, contudo, que os
médiuns espíritas não possam ter seus corpos inteiros em movimento – em especial da
cintura para cima, já que ficam sentados – durante as chamadas comunicações ou que
performances aparentam mais sutis, especialmente dos últimos, que não só conversam
sentados, mas dançam, pulam, deitam, gritam, cantam, etc. As vivências oníricas são
médiuns se consideram na verdade estar trabalhando, nem que seja no chamado mundo
espiritual, constando como exemplo disso o sonho de Ismael trabalhando na praia com
uma de suas entidades e o de Bárbara, que se vira assinando um papel na noite anterior à
fenomenologia das experiências mediúnicas foi a de certa médium que – apesar de não
64
A médium fez questão de sublinhar, porém, que já esperava que isso ocorresse, pois estava de licença.
216
considerá-las como sonhos a despeito de declarar pelas razões a seguir não lhe
agradarem seu sono pela tarde, quando geralmente estas ocorrem –, com certa cautela65,
narrara que um espírito por vezes se deita em sua cama e se faz passar por seu cônjuge,
acariciando-a e até mesmo a levando a ter orgasmos, que diz refere ter aproveitado nas
ocasiões em que ocorreram embora tenha dado a entender que nem sempre elas lhe
apesar de que Cândido, por exemplo, tenha as experimentado apenas antes de, de fato,
passar a participar das mediúnicas. O mesmo ocorrera com Vera, embora, a despeito de
algumas visões narradas por Carmen quando já fazia o curso, seja necessário recordar
exclusiva de Tia Neiva66. Interessa observar que todos os aparás referiram já ter
– e, mais curioso ainda, três deles, antes de serem aparás, precisaram passar certo tempo
como doutrinadores, desde um até cinco anos, até que passassem a ser Ajanãs, inclusive
Mario, que já incorporava antes na Umbanda (embora somente por um ano). Isso pode
proporcionam, mais que as sete aulas do curso, uma base necessária e indispensável
65
Não se mencionou o nome ou o grupo do qual a médium em questão faz parte por duas razões:
primeiro, por conta de esta ter, num primeiro momento, solicitado que o entrevistador não realizasse o
registro desse tipo de mediunidade e, em segundo lugar, pelo fato de esta antever que seus pares
religiosos avaliariam negativamente tais experiências. No entanto, ao final, esta voltou atrás quando foi
mais uma vez informada do fato de que não seria identificada. Portanto, visando preservá-la, mais do que
simplesmente não associar tal relato a nenhuma das médiuns, se considerou ser mais prudente não
associá-la igualmente a nenhuma das religiões, tendo em vista minar a possibilidade de que membros
destas possam identificá-la ao terem acesso ao trabalho.
66
É importante mencionar, contudo, que a esta são atribuídas principalmente as grandes visões
(revelações) e não quaisquer destas, razão pela qual Carmen possivelmente não hesitou em narrar as suas.
217
para os aparás em questão. O último tipo mais recorrente fora o ouvir vozes,
destacando-se a que Carmen recorda ter escutado, dizendo-lhe para dar fim à sua vida.
A categoria cujos resultados dos três grupos religiosos mais divergiram foi,
conscientes, alguns deles fazendo questão de frisar que “totalmente”, como Eugênia, e
outros, como Franco, que consideram ser justamente este o grande fardo dos médiuns
espíritas, fantasiando este poder um dia ao menos ter a capacidade de dar uma
portanto, completamente inconscientes, tendo, assim, a tão almejada prova cabal de seu
“sentido”. Algumas exceções, porém, são dignas de nota: o fato de Zíbia ter declarado
não lembrar-se de tudo que fora dito e o relato de uma médium iniciante que, muito
embora tenha confessado ser inconsciente – o que parecia afligi-la –, a ponto de narrar
que certa vez até mesmo teria se levantado da “mesa” e se direcionado à porta, como se
quisesse deixar a sala da reunião, numa segunda observação de uma “mediúnica” disse
mais consciente, percepção com a qual este concordou. Na Umbanda, os médiuns dizem
estar inteiramente inconscientes durante o transe, sem ter consciência de nada do que
ocorre com seu corpo ou ao seu redor, razão pela qual não se recordam de nada, embora
Bárbara refira no desenvolvimento não ser incomum que o médium sinta sua
Ismael, que enquanto está “apagado” diz ter a sensação de estar passando por certos
218
ficar fora de si parece apontar, como em semelhante caso, para uma crença paranormal
experiência fora do corpo (EFC). Isso parece ser reforçado pelas seguintes evidências: a
alusão de Bárbara ao fato de que outras pessoas já lhe comunicaram se sentir de tal
modo bem como à sua própria vivência em especial quando, no início, se encontrava
de Margarida para que o anjo de guarda se afaste para que possa incorporar somado ao
narrado “empurrão” deste contra o espírito de Ismael; e, por fim, mas igualmente
se a total (in)consciência ao longo do transe não seria mais uma hipérbole cujo sentido
real seria o de apontar uma tendência do médium a se aproximar mais de um dos polos
três religiões é a que do ponto de vista histórico foi a última a surgir e que sincretiza
talvez em igual medida justamente as outras duas, o depoimento dos aparás em relação
a tal categoria – também de todos eles, como nas outras duas religiões, o que é
justamente a semelhança disfarçada entre diferenças tão chamativas entre todas elas,
219
isto é, o fato de nenhum médium ter destoado radical ou significativamente dos demais
trinta ou quarenta por cento de consciência aludida por Vera, que contrasta um pouco
dos cinquenta por cento de incorporação mencionado por todos; os oitenta por cento de
Gamurio.
portanto, uma quantidade tempo, por sinal, variável67 – cujas características mais
marcantes são o tomar como objeto da atenção do médium os conteúdos de sua própria
sentimentos, atos, preocupações, etc. – e, além disso, o conferir a eles dois destinos
(“família espiritual”) e para suas características, bem como para o que na crença dos
médiuns se trata do mundo espiritual (sintonização). Aliado a esta prática, que uma das
mais voltada à dimensão corporal – mas que não parece completamente dissociada
67
No Espiritismo Kardecista e no VDA, geralmente ao decorrer do próprio dia em que o médium virá a
incorporar e, no caso da Umbanda, por vezes de um dia a uma semana.
220
daquela ainda que bem menos enfatizada, em especial no VDA –, que por sua vez
aproximação das entidades foi o de esta ser em grande parte relativa às características
modo que se deixou entrever também a ideia de que cada um deles parece trazer
grau crescente entre os Médicos de Cura, que evocam leveza e sutileza de movimentos,
médiuns sentem a coluna dobrar pouco a pouco em função de um peso nela sentido,
Erês e o “Povo da Maresia”. Nos três grupos investigados pôde se observar, às vezes, a
alusão a uma espécie de impacto, abalo ou choque elétrico, bem como a tremores, não
sendo raro também que os médiuns simplesmente se deem conta tardiamente do que se
espíritas podem sentir o que a posteriori vem a ser interpretado como a proximidade dos
221
espíritos sofredores não apenas no momento exato da reunião mediúnica, mas durante o
dia ou mesmo ao longo da semana, tal como Eugênia, que relata algumas vezes sentir
angústias e a “vida sem sentido”, e é por sinal muito frequente que estes sintam mais as
etc., do que as de uma polaridade mais agradável, associada por sua vez aos
no CEUJMJ e dos espíritos de luz no TGA parece ser dotada de uma maior
das Mães de Santo, bem como de seu calendário de Giras e de festividades – e, assim,
repentinas de certas entidades que não temos como garantir se foram ou não planejadas
temperamento destas.
entidades variam, assim como no caso da categoria anterior, a depender mais ou menos
como cansaço quando as chamados Crianças desincorporam e dores nos braços no que
222
diz respeito aos Caboclos (em função de seu alegado peso “de homem”), enquanto que
deixar cansaço e mal-estar, ou pior, aniquilamento, como atesta Franco. Essas sensações
por sua vez, à questão do sentimento de limitação do controle de seu corpo e de suas
funções psíquicas pelo próprio médium, que vão pouco a pouco retornando ao estado
do Amanhecer, onde possuem grande destaque notadamente pelo fato de serem aquelas
com as quais os aparás mais costumam trabalhar (nos Tronos, trabalho mais importante)
Cândido, que, por sua vez, descreve o Sargento de Cavaleria como da Umbanda,
comparecer nos Tronos do VDA, mas cuja interação com o público é bem menos
223
significativa que a ocorrida na Umbanda, e menos importante ainda no CEGM, embora
da Umbanda por uma razão clara: além delas em conjunto acumularem grande
influência sobre o VDA, este último médium relatara ainda que entidades da Umbanda
teriam por algum tempo feito uma espécie de treinamento no centro espírita investigado
e não se pode esquecer que Zíbia tratou de uma situação de tensão envolvendo a
Umbanda adquiram funções e sentidos diferentes em cada um dos grupos das demais
desconsiderar que, a despeito destas perderem no TGA e no CEGM uma parte das
beber café, a pipoca, etc., outra parte parece ser preservada e permanece comum embora
consolação, etc. – do contrário nem mesmo seriam denominados de tal forma. Por
práticas religiosas parecem ter como objetivo comum a desobsessão, pela quais são eles
Missionárias das ninfas e os Ministros dos mestres – por vezes comparados ao que se
costuma chamar de anjo da guarda em função de, assim como também o Cavaleiro
224
Verde no caso do mestre, regerem especificamente um indivíduo – bem como as
Mentoras de Falange e, por último, o Povo das Águas e os Cavaleiros de Oxóssi, dentre
porém, que a quase totalidade dos médiuns não possui conhecimento algum acerca de
narrado pelos médiuns espíritas e pelos aparás. Quando não reagem tal como os
exemplo de quando o fato de ter bebido na véspera de uma Gira “baldeara” sua
qual suas entidades procedem, por exemplo, com as pessoas da assistência; eles
não se tratarem de “coisas” de sua “cabeça” ou frutos de sua imaginação quase que
entre o plano terreno e o espiritual, embora sejam dignas de nota uma observações
225
las, referindo-se a estas, ao invés disso, quase sempre quando em seguida tiveram a
confirmação de outras pessoas, razão pela qual, no fundo, acabam não se distinguindo
tanto dos umbandistas quanto a primeira impressão provocada poderia deixar parecer.
Ilustram bem tal recurso retórico a dúvida de Cândido sobre a comunicação da amiga
dada através dele e a confirmação do dirigente e a interferência sentida por Franco que,
de certo modo descartando a influência de seu amigo. Isso não é estranho ao TGA,
cujos doutrinadores podem “cortar” os mentores nas ocasiões em que identificam algum
tipo de trato diferente do que a doutrina prevê como adequado, que são por seu turno
contexto no qual está inserido como fonte da qual se utiliza o que esta acredita ser o
espírito, embora faça a ressalva de que este processo não está submetido à volição do
apará.
interessante diante do que ficará exposto a seguir. Sublinha-se que, de um ponto de vista
ponto, o que esteve em jogo com relação a tais transformações indica mais propriamente
uma dispersão do sentido das novas características com as quais os médiuns passaram a
medida mais calmos, pacíficos, tranquilos, leves, pacientes, etc., o que revela
226
justamente o denominador comum de uma avaliação de todo positiva das mudanças
efetuadas – às vezes chamadas de vitórias – não apenas sobre si mesmos, mas sobre seu
no caso do Espiritismo Kardecista sendo comum que estes sintam uma tendência a
aproximar-se das pessoas: Eugênia enxerga que as atrai em função das desavenças
deixadas de lado, Zíbia se sente menos diferente delas, Cândido é mais compreensivo
com o filho e ímpeto de Franco pelo estudo da doutrina lhe faz interagir mais com as
pessoas a fim de lhes fazer mais questionamentos. O fato de, no CEUJMJ, os médiuns
relatarem consumir menos álcool e serem menos “de farra” se associa em grande parte à
presença quase que constante não apenas no seu próprio terreiro mas também em Giras
e Festas de outros terreiros, de modo que parece que entre em jogo uma espécie de
negação aos locais e relações próprias de um mundo considerado profano, o que parece
se repetir no caso dos médiuns do TGA, cujo tempo e frequência no templo é tão grande
que não é estranho que os casais se identifiquem tanto com a doutrina e se dediquem de
tal forma a esta que não apenas a formação de laços mais sólidos com pessoas de fora
desta parece significativamente diminuída, mas também que os médiuns às vezes têm de
ouvir inclusive de seus parentes que precisam de mais tempo para eles (caso do filho de
Carmen) não querem abandoná-la ou reduzir sua participação nem mesmo por
médiuns identificarem como causa comum entre elas não todo o tempo a que se
exigido por ele, mas algo anterior ou simultâneo e inseparável deste: a conversão, a
227
9.1. A experiência mediúnica e as (id)entidades à luz da Identidade Social e da
Psicologia Analítica.
da experiência mediúnica nascida, antes de tudo e mais do que somente dos achados das
entrevistas, das observações nos campos e dos insights provenientes destas, embora ela
trabalho, de modo especial àqueles que parecem mais afeitos a uma compreensão
Analítica ao decorrer do texto uma vez e sempre que algum dos pontos necessite de
maior esclarecimento, requerendo maior atenção de nossa parte, mas também quando
em grande parte relacional. Não é estranho se pensar em tal experiência como algo
pretenso médium é condicionada não apenas pela crença na realidade de que espíritos
outros possam temporariamente assumir o lugar do que o médium pensa ser o do seu
próprio espírito, mas, também, pela necessidade de outro sujeito que demande de uma
ser dada e encaminhada, razão pela qual a mediunidade perde importante parte de seu
significado caso seja subtraído o interlocutor de tal dinâmica, pois, como pudemos ver,
228
Contudo, entre o médium e o paciente, a assistência ou as pessoas que
grande importância. O caso onde isso se torna mais evidente é justamente o Vale do
Amanhecer, desde que nos “confessionários”, isto é, nos Tronos, temos a presença de
espíritos sofredores porventura captados pela entidade incorporada, pode cortar o que
esta venha a dizer caso haja algo de inadequado em termos doutrinários sendo
vezes precisar informar às entidades incorporadas do avançado da hora para que estas
desincorporem ou, mais grave, quando estas (ou o médium) são impelidas a partirem
por serem identificadas como entidades “baixas” em função de suas ações; e ainda mais
destas o episódio em que um dos médiuns sentiu-se desestimulado a voltar a fazer suas
que teria feito para um dos visitantes do Centro. O fato de termos nas três religiões em
229
espiritualistas, esta é completamente necessária para que se estabeleça uma espécie de
algumas das tarefas da Cambone, além de o de segurar a Gira, são, tanto quanto as do
Ogã, também o de “proteger” os médiuns, estando atento para que a disputa no nível
esses nos três contextos investigados, não se trataria de equívoco supor que eles talvez
mesmo tempo possivelmente bem menos do que se pode imaginar. Isto pelo simples
fato de que, ao invés de meros conflitos interpessoais – embora seja displicente não
fazer jus ao fato de que, especialmente no caso espírita, estes sinalizem também
processo de “incorporação” passa a abranger não apenas aqueles recursos dos quais
230
também uma maior quantidade de conhecimento espírita, umbandista ou do Vale do
Amanhecer.
tal conhecimento, é inevitável que a perspectiva da identidade social nos acene. Isto
pelo simples fato de que, além de estar em jogo uma operação de ordem cognitiva, esta
nível de consciência a ser percebido pelo médium durante o transe, quais tipos de
mediunidade são reconhecidos e quais não são autorizados, quais entidades, guias,
pertinente desde então a comparação social68, isto é, principalmente como são valoradas
essas diversas categorias e como elas parecem denotar necessariamente que o médium
avaliada e concernente a seu grupo em detrimento de sua antípoda, de modo que, quase
68
É interessante atentar para o fato de que, apesar de não ser este um dos objetivos deste trabalho, o autor
acabou tendo a oportunidade de vislumbrar ainda que de modo superficial esse intrigante processo
ocorrendo com a vivacidade própria da observação da realidade dos grupos religiosos investigados,
principalmente quando apresentava os objetivos desta pesquisa para os seus membros. Embora os
posicionamentos espíritas sejam um tanto mais “maleáveis” de acordo com a orientação dos que se
manifestaram, a Umbanda, vista com olhar cada vez menos preconceituoso, acaba por ter alguns de seus
rituais – de sacrifício de animais, como exemplificado por Zíbia – enxergados de modo negativo, o que se
estende também para o Vale do Amanhecer, igualmente encarado como mediunismo. Na Umbanda,
alguns dos médiuns enxergam que o VDA e os espíritas possuem uma abordagem negativa da
incorporação desde que a principal ênfase é dada sobre a desobsessão. No TGA, por sua vez, os espíritas
são vistos como estudiosos, mas pouco dotados de “energia”, algo que parece sobrar na Umbanda, mas
que é utilizado de maneira considerada negativa. Porém, há também posicionamentos favoráveis de todos
eles quanto aos demais, mas aqui o critério de categorização social salientado passa a ser outro: os que
crêem em espíritos e na reencarnação (espiritualistas e reencarnacionistas) versus os que não crêem
(católicos, evangélicos, ateus, etc.).
231
sempre os médiuns se veem guiados e protegidos pelos seus próprios mentores,
evoluída e “de luz” do que acreditam ser o mundo espiritual, que também tem sua
que nossa visão parece reforçada não apenas pelo potencial compreensivo e pelo ganho
que este poderá nos proporcionar para elucidar tema tão obscuro conforme se poderá
perceber ao fim desta análise, mas pelo fato de que, nas entrevistas, alguns dos médiuns
frequência lapsus linguae aos quais nossa atenção não pôde deixar de se voltar dado que
aos seres supostamente etéreos, como, por exemplo, ao usarem o pronome possessivo
outros adeptos desta69 chegaram até mesmo ao ponto de, quando pretendiam se referir
69
Mãe Clara e o Ogã.
232
significância emocional desse pertencimento” (TAJFEL, 1982c: 24 apud MIRANDA,
1998). Se fizermos desta passagem uma leitura apressada e demasiado literal, nossa
interpretação das entidades como identidades ficaria bastante limitada pelo simples fato
de que a despeito dos lapsos comentados acima nem todos os médiuns os cometeram e
implicadas por uma das que são assumidas? A nosso ver – isto é, de um ponto de vista
global e que tem por consideração mais a função e o efeito que as entidades parecem
constituída de uma parcela afirmativa, como a de ser voltada para a caridade, possui
uma outra parte que indica justamente aquilo que lhe falta para ser completa, isto é, as
entidades, já que apesar do discurso corrente no TGA e no CEGM de que “todos somos
médiuns”, os próprios sujeitos entrevistados, mesmo com todos os sinais nos quais já
iminente, espírito este que se acredita possuir uma história específica e um nome
classes, grupos, etnias, etc. – possuem uma identidade, enfim, e que, a despeito da
referiu e como adiante haverá de ficar mais claro. Desse modo, a identidade de um
70
Para este trabalho, pelo menos, essas duas categorizações fundamentais, que podem sofrer uma série de
subdivisões entre Pretos-velhos, Caboclos, Exus, Médicos de Cura, anjos da guarda, etc., parecem
suficientes, já que tratar de cada uma delas extrapola nossos objetivos. No caso do Vale do Amanhecer,
outras identidades subgrupais – ligadas confessadamente ao autoconceito dos jaguares – podem ser
reconhecidas, já que estas ocorrem a depender do sexo, do tipo de mediunidade, das Falanges às quais
pertencem, dentre outros, como parece ser o caso das Falanges.
233
médium é como a de uma mãe, que só se forma de fato quando tem notícia de seu
primeiro filho e quando este é gestado, ou, melhor, como a de um ator, que não se
identifica como tal até que seja convidado pela primeira vez para desempenhar um
papel próprio numa peça – ou faça aulas de teatro –, de tal modo que, assim como estes,
um sujeito só se torna médium graças àquilo que é considerado ser uma entidade.
pouco mais acerca de como os espíritos que alegadamente incorporam nos médiuns dos
viabiliza tal momento e o legitima. Como já aludimos, não é difícil reparar que os
teoria da autocategorização.
como protótipos: temos no Espiritismo Kardecista o relato de Zíbia, que acredita ter
enquanto que Eugênia teria psicografado um escritor cético que após “desencarnar”
teria aderido às crenças espíritas e até mesmo criado um grupo para outros ex-céticos;
Na Umbanda, temos a história da alegada entidade de Mãe Graça, Negro Chico, que
teria sido um feiticeiro das “sombras” no passado e que atualmente se dedica a desfazer
magias negras e a fazer limpezas espirituais, bem como Ogum Beira-Mar, suposta
234
entidade referida como guerreira e lutadora por Bárbara, e as entidades qualificadas por
Margarida como “simples”, como seu Erê e sua Juremeira (que, por sua vez, segundo
ela, não tem vaidade), e ainda a Preta Mandinga, preta-velha de Mazé cuja agitação e
rabugência não são vistas como negativas, mas como aspecto cômico e próprio da
vezes por Mario, parece ser um ótimo exemplo disso, já que este dissera certa vez ao
seu adjunto que teria sido seu “general” numa vida passada, tendo ambos realizado
muitos males juntos, razão pela qual a pretensa entidade lhe convidara a fazer o dobro
do que um dia já foram capazes de fazer, apenas que para o bem; parecendo ser este o
caso de todos os ministros e guias missionárias dos mestres e ninfas, que segundo
alguns dos entrevistados estes teriam evoluído, enquanto que eles não, motivo pelo qual
são por eles guiados e protegidos; e ainda o da Preta-velha de Carmen, percebida como
Bem, basta levar em conta a simples ideia de que estes são os representantes de todos os
consideradas positivas pelos grupos em questão, de modo que entre os espíritas, com
acreditam não ter “desencarnado” por não crerem na vida após a morte ou por
ignorarem, segundo os espíritas, acabam por “obsediar” os vivos, que é uma prática
235
doutrinador Rogério também comparecem bastante, como padres, bispos, etc. – são
ainda mais esclarecedores nesse sentido, embora nenhum deles supere os supostos
suicidas, que teriam cometido o equívoco segundo a doutrina espírita de tirar a própria
espíritos com os quais se identificam (“nós”), que podem ser traduzidos como
pensamento do ingroup, o qual afirma sua superioridade pelo fato de assim ser
reconhecida por seus membros diante das demais71, que são “doutrinadas” e “elevadas”,
relevante atentar ainda para um fenômeno que se repetiu na realidade social das três
“casas” aqui investigadas, que foi de certa forma a recorrência da ideia da organização
Centro citadas por Franco e os grupos de torturados pela ditadura72 referidos por eles e,
71
Quando é central a aludida questão das dívidas de vidas passadas dos médiuns e dos doutrinadores,
bem como a incorporação de seus cobradores no Espiritismo Kardecista e no VDA, este argumento
facilmente se sustenta da seguinte forma: já não são mais os pretensos outros quem não compartilham das
crenças, hábitos e valores de seu endogrupo, mas eles próprios quem, em encarnações supostamente
pregressas, não se identificavam com estas.
72
É conveniente recordar que a orientação político-ideológica esquerdista de alguns dos membros do
CEGM, notadamente o doutrinador Rogério, parece explicar a razão das ditas incorporações de tais
grupos em virtude de eventos históricos importantes, tais como os cinquenta anos da deflagração do
Golpe Militar.
236
de nos referir; o grupo de entidades ligadas à “coroa” de Ismael e Mazé, referidos por
ambos como “família” ou como “família espiritual”, e o próprio fato de que tais
entidades são divididas em “linhas” (de Mar, das Matas, de Ogum, etc.) na Umbanda; e
no VDA, onde este último ponto também se repete, e no qual, além das chamadas
“de Aruanda”, outros “do Oriente”, “das Almas”, e assim por diante.
diz respeito à ênfase sobre as inseguranças, os medos e as dúvidas, devido talvez ao fato
de que até mesmo elas passam a ser categorizadas, o que depende do grupo, ou ao fato
modo suas visões pessoais de lado para que partes do protótipo possam tomar seu lugar,
237
Rogério e Zíbia, cujos protótipos parecem em grande parte contagiados,
pelos doutrinadores nos comportamentos inadequados dos mentores nos Tronos, ou,
melhor ainda, a alusão de Mario ao “livre-arbítrio” do médium como obstáculo para que
a doutrina “entre” neste. Nesse ínterim, convém destacar que este fora o médium no
qual protótipo pareceu mais acentuado, diante de, dentre outras coisas, sua menção ao
eventual rompimento com a atual mulher nos primórdios de seu relacionamento caso
esta não concordasse com sua grande dedicação à doutrina do Amanhecer; do fato de
categorias sondadas. Isto pode ser explicado como uma possível tentativa de
religioso brasileiro. Nesse quesito, esta é seguida pela Umbanda, talvez devido à razão
dos quais seus membros são vítimas. Nela, a autoprototipicalidade parece ser intensa em
Mazé, que, a despeito do orgulho de ser elogiada pelos pares graças ao fato de sua
“acasalar” com muitas entidades e à percepção de que estas “cobrem” ela –, confessa
ser um dos pontos negativos do trabalho como médium a “obrigação” da perfeição que
238
as entidades impõem e cobram desta75. Em último lugar, temos o Espiritismo
Kardecista, que talvez devido a seu alcance e importância no meio religioso brasileiro,
identificada neste estudo, dado que nas diversas categorias respondeu do modo mais
diverso possível dos demais, provavelmente por ser também Rosacruz. Em alguma
medida, talvez não seja equivocado pensar que isso ocorra justamente pelo fato de no
maior destaque ser dado sobre o que poderíamos chamar de protótipos negativos, isto é,
sobre os espíritos sofredores, de modo que parece ser dada maior importância sobre
aquilo que não deve ocorrer ou se fazer do que ao seu contrário, e talvez por isso Zíbia
mencione os “mestres” da Rosacruz como inspiração. Por fim, apesar dos prováveis
indivíduo desde que são estimuladas e socialmente categorizadas como legítimas e até
papel dos médiuns acaba não sendo tão diferente do que fazem os doutrinadores,
75
Isso se fez presente de jeitos diferentes no discurso de vários médiuns, embora nunca confessados com
tamanha sinceridade. Os entrevistados aludiram a isso principalmente quando se perguntava justamente
acerca dos pontos negativos de seu ofício, embora sempre se ressaltando ao entrevistador que não eram
negativos.
239
É chegado um ponto, porém, em que a apreciação exclusiva da dimensão
espíritos esbarra num problema em que a própria perspectiva da identidade social parece
problema deste trabalho ficaria relegado ao que na visão em questão poderia se chamar
visão de Turner e Tajfel, que precisamos adaptar tendo em vista o fato de praticamente
sua consciência, não é estranho à teoria junguiana que estes não o façam desde que,
distinto daquele sobre os quais o eu tem controle. Esse problema remete à ideia de Jung
palavras, dos atos falhos, dos lapsos de linguagem, dos sonhos, dos delírios e
alucinações na psicose, das visões e revelações religiosas, etc., todos eles interferências
240
de conteúdos estranhos na atividade da consciência que conduziram à postulação de que
sentido de que seu conteúdo atualiza temas da história do pensamento humano que se
repetem com variações nas produções culturais dos diferentes povos, razão pela qual
são universais e, por isso mesmo, objetivos, já que tais motivos mitológicos são
1948/1984).
mais claro deles, se refere a “traumas” provenientes de cenas de sua época de infância
que envolviam coerção, humilhação e perseguição por freiras que davam aula em sua
escola e que lhe obrigavam a ler e a falar em público a despeito da grande ansiedade por
ela vivida quando diante de tais situações e do fato desta “tremer” bastante na frente de
todos. A despeito da médium não enxergar nenhuma relação com suas vivências
infantis, são justamente os supostos espíritos de freiras que ela relata incorporar com
que isto se dê graças às suas vidas passadas, numa das quais imagina ter sido uma
“irmã”, graças a uma visão que tivera de si mesma como freira. É interessante observar
241
aqui como a crença nas vidas passadas pode ser psicologicamente compreendida de
modo muito similar àquele pelo qual os espíritos são interpretados, isto é, elas tratam de
significativas de sua história. Esta seria, no entanto, o que Jung chamaria de uma
médium aos seus antecedentes históricos, e que por sua vez, pelo fato de ignorar o
nível do sujeito, isto é, uma interpretação construtiva, que têm em vista a realização de
no papel de vítima mesmo após tanto tempo (refere que mesmo hoje seus traumas não
foram totalmente superados), foram as responsáveis pelo que sofrera, sendo ela própria
sua algoz – fora assimilada pelo seu próprio complexo. Ao mesmo tempo, precisara
passar por tudo aquilo para se tornar quem que é hoje: como as freiras, justamente
vidas pregressas, teria sido líder de um povo cigano. A própria médium relata como
uma dessas evidências sua recordação de que, durante sua infância no interior, seu pai
recebia ciganos em seu sítio para ajudá-los. A fantasia relacionada às suas supostas
encarnações anteriores não pode ser simplesmente reduzida à sua reminiscência infantil
76
Esta interpretação, bem como as seguintes, não visa alcançar um status de adequação completa ou de
verdade definitiva, que em termos hermenêuticos é das coisas mais difíceis, pois são muitas as conclusões
possíveis. Elas são, muito mais, ensaios de como o método interpretativo de Jung pode ser capaz de
lançar luz sobre o significado psicológico dos espíritos, das fantasias e demais vivências dos médiuns,
constituindo-se como um referencial capaz de proporcionar ganhos em nossa compreensão. É importante
que isto seja dito diante principalmente do fato de que estamos cientes das limitações dos nossos dados, já
que não se procedeu a uma exploração em profundidade da biografia destes, que muito provavelmente
devem delas discordar, embora isso também não constitua o critério absoluto para julgá-la, desde que
provêm de pontos de vista baseado em premissas diferentes: o do leigo, mas religioso, autêntico
experimentador de suas vivências e a quem estas mais dizem respeito, versus o do especialista.
242
desde que a construção do sentido principal a que esta visa é justificar sua identificação
com as Ciganas Aganara e fortalecer a escolha por tal falange. Ainda a respeito de
ceticismo, e, de outro, os interesses desta por estética, arte, especialmente “sacra”, pela
literatura e pelo português, que é representado pelo escritor. Mais que isto, é
dúvidas, pois ele próprio se converte ao kardecismo e auxilia outros céticos. Talvez não
criança acredita ter recebido do chamado Caboclo Pombo Roxo a missão de seguir
sua apreensão logo de início em abordar a razão do acontecido, embora, segundo o que
mais adiante nos diria, algo bastante doloroso para o médium parece ter ocorrido desde
que sua família – tema e termo que se repetiram bastante, o que é indício claro de
complexo – inteira se separou desde então. A ideia das entidades como complexos
também aqui ganha força já que estes parecem ser a única coisa que Ismael herdara de
seus pais – e é interessante recordar a este respeito o quanto, para Jung, enquanto a
precisamente sob o joguete dos complexos das figuras parentais, vivendo com estas em
78
É digno de nota recordar que ainda criança, ela era bastante insegura em decorrência de sua ansiedade e
da “tremedeira” ao falar em público na escola, razão pela qual talvez só tenha conseguido desenvolver sua
atividade criativa relegando-a ao inconsciente.
243
participação mística – os quais perdeu muito cedo (JUNG, 1932-34/1986). É tão
importante quanto isso, porém, recordar que a manifestação de seus complexos aparenta
expresso no fato de que o médium, ao ser solicitado a dizer como seria sua relação com
as entidades, respondeu que as tem como seus pais, bem como referido também com
relação às Mães de Santo, que lhe acolheram em sua casa, dando a ele significativo
suporte social.
Um dos exemplos mais peculiares nesse sentido parece ser a cena narrada
por Bárbara, na qual o Juremeiro Seu Raimundão a teria “pego” após ela ter sofrido
humilhações da Mãe de Santo de seu terreiro anterior. Segundo ela, a Yalorixá teria
feito isso por crer que a imagem do Mestre da médium não fosse aquela, tendo em
seguida exposto a imagem para os demais Filhos de Santo do Centro, que se riam, junto
da líder, de Bárbara. A médium recorda ter chorado bastante e, por conta de sua atitude
“de guardar coisas” e “depressiva”, não conseguir reagir à indignante situação. Seu
todos os presentes e “mostrar que era ele”, no “meio da rua” mesmo – o que pode ser
interpretado como a expressão da fúria da médium que não encontrava espaço em sua
respeito a este caso em específico: a questão da médium ter supostamente sido possuída
244
pessoal e a atitude de uma consciência demasiadamente unilateral. Este não é um
separação de fato entre elas. Isto equivale a dizer que não existem, na prática,
chamados talvez de complexos do inconsciente coletivo – desde que estas sempre têm
um espírito da época com determinadas atitudes. Assim, para citar outros exemplos, a
médium Vera reconhece que os guias se utilizam de tudo de que dispõe a mente do
médium, não pondo nada a perder nas comunicações, embora isso não esteja ao alcance
do arbítrio do médium, que quando lembra do que foi por ele dito é pelo fato de isto ser
alguns espíritos são próximas daquelas diante do numinoso; e, ao contrário, Mazé, que
preciso cuidado com os excessos do racionalismo de nossa época que pode enxergar
nisso uma possibilidade de fazer remeter tudo ao inconsciente pessoal dos médiuns
como forma mais fácil de explicar tais “fenômenos”, enquanto que nem em todos os
casos aqui estudados, pelo menos, uma ligação de tal natureza possa ser estabelecida
sem certos riscos de se acabar despontando num reducionismo. Isto pelo fato de que os
chamados “vampiros”, bem como alguns dos pretensos espíritos, como Bezerra de
Menezes, André Luiz, etc., apesar das reações próprias do espiritismo de buscar
245
“desmistificá-las” – quiçá, de desmitifica-las –, são figuras envoltas em representações
psique. O mesmo pode ser dito, por exemplo, dos Pretos-velhos e Caboclos,
brasileira, mas a outras imagens de caráter arquetípico79, bem como outras entidades
do Vale do Amanhecer. Uma ideia “nativa” que parece reconhecer a necessidade dessa
cautela por parte dos médiuns e inclusive dos pacientes, da assistência e daqueles que
buscam o centro espírita e que está presente de formas diferentes nos grupos religiosos,
é a da obsessão, que, a nosso ver, pode ser aproximada com o conceito de inflação da
seja, do eu com a ação dos espíritos (PIERI, 2002) –, já que pressupor que os espíritos
proporcionando aos seus adeptos – como todas as religiões quando vivenciadas com
79
Quem sabe, ao velho sábio e ao herói, respectivamente, bem como os Exus podem ser associados ao
motivo do trickster e os Erês ao do puer aeternus. Embora tenhamos mencionado tal conexão superficial,
gostaríamos de sublinhar que esta se trata muito mais de uma impressão geral ou de uma suspeita do que
de uma interpretação de fato, não merecendo ser levada profundamente a sério, já que tal “colagem” entre
imagens da alma e arquétipos específicos não diz nada em termos empíricos. Uma exploração maior, mais
séria e mais competente desta ligação talvez mereça ser realizada. Tal empreendimento excede os nossos
objetivos.
246
exemplo anterior, que é, por sua vez, assemelhado à atitude frequente de negação das
ocorrer a “perda da alma”, isto é, a neurose, destino não tão diferente do caso
anterior.
o produto final resultante dessa complexa interação ainda outras figuras. É o caso do
Ogã, ao qual já nos referimos de passagem, que além de sua própria “magia” inerente
aos ritmos que executa, que por sinal também possuem grande impacto sobre a
veicular e de encher de vida as mensagens dos pontos cantados, bem como os seus
auxiliares, que com as maracas reverberam seu toque, e os auxiliares da Cambone, que
servem os médiuns incorporados com ervas, fumo, café, bebida, roupas, acessórios e
247
“padrão vibratório” considerado requisito indispensável e pelos quais todos os
partícipes acreditam ser afetados, podem contribuir também de outros modos, como, por
dos episódios por estes narrados ou, ainda, confirmando ou contrastando o que
Por fim, para tornar ainda mais complexa a rede de interações na qual tem
parte o médium de incorporação, é importante notar que incidem sobre este e seu
trabalho ainda a experiência e as orientações de outros médiuns como ele, que por sua
de como seria a natureza do processo, conforme nos relata Mario, que age junto aos
Espiritismo Kardecista conste certa lógica de evitar o “estrelismo” dos médiuns mais
experientes, de modo que parte do destaque que se busca contornar acaba se voltando ao
doutrinador, não seria errado inferir que as performances dos pares cuja mediunidade é
mais desenvolvida servem de inspiração aos iniciantes – e isto especialmente por uma
razão bastante simples: o fato de atualmente não haver uma reunião dedicada apenas a
eles, de tal forma que não constitui grande risco apostar na influência exercida entre uns
entidades dos desenvolventes é justamente a “Guna Forte”, Mãe Clara, que por ser a
incorporar.
248
Além de todos esses vínculos já expostos e do evidenciado papel que
todo o cenário no e do qual os médiuns se utilizam para intervir sobre aqueles que
buscam sua ajuda, uma categoria popular nos três grupos é a de energia. A crença em
fluidos, vibrações, ectoplasma, axé, etc. possibilita que não apenas os médiuns sintam-
se conectados entre si e com o que pensam ser o mundo dos espíritos, mas também com
propósito bastante concreto de, além de promover uma atmosfera de afetos positivos
estimulante para a estadia e o trabalho de todos, ser capaz de tornar coesa e uníssona
destacar que a tradução metafórica de energias por afetos parece dar conta da leitura
80
O recurso ao teatro como metáfora pode, de um lado, facilitar a compreensão de alguns leitores e, de
outro, ser interpretado como uma apreciação que enxerga artificialidade, embuste ou simulação na
mediunidade. Não é objetivo nosso, entretanto, comunicar a “verdade absoluta” acerca da mediunidade e
resolver de modo definitivo o problema ontológico que esta nos coloca, mas sim propor uma
compreensão de caráter mais simbólico sobre esta. Além do mais, como já há muito se sabe acerca não
somente da segunda arte, mas de todas as artes e quiçá de toda forma produção criativa, a performance
dramática de um ator, ou melhor, de um grupo de atores, possui a capacidade não apenas de mobilizar as
profundezas de seu psiquismo, mas, também, de promover catarse em seus expectadores numa infinidade
de sentidos possíveis. Seguindo tal linha de raciocínio, a ideia de que podemos ser afetados inclusive por
coisas criadas tem para nós a vantagem de sensibilizar-nos ao que os médiuns e adeptos de tais religiões
vivem, embora sem que nos esqueçamos jamais de enxerga-lo também com a atitude possível de quem a
considera nada mais que uma peça.
249
Resta, por fim, comentar a respeito de que modo os resultados obtidos se
da maior parte dos sujeitos, não é a experiência mediúnica a principal responsável por
conversão e a adesão à religião ou a vivência religiosa em sentido lato, razão pela qual
atentar para o fato de que, a despeito disso, o ofício mediúnico não é percebido como
possibilidades de prosseguir com sua prática religiosa caso sua mediunidade cessasse,
esta é vista de modo quase que unânime como um dom e um privilégio sagrado.
com a religião da qual são adeptos, o que, juntamente do que acabamos de mencionar
250
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mais que apresentar ao leitor uma síntese de nossos achados, que podem ser
facilmente consultados pelo leitor na Tabela 4 (a seguir) e, com uma riqueza maior de
expor um pouco mais da minha própria vivência ao realizar a pesquisa. Após o período
total de trabalho de campo – estive presente por cerca de cinco meses em cada uma dos
mergulhei o suficiente na realidade vivida pelos adeptos de tais religiões para fornecer
da Umbanda, pois me parece que, além do investimento pessoal dos adeptos desta, o
tempo de contato com ela é um fator indispensável para a compreensão da sua “ciência”
e do seu mistério, que são transmitidos oralmente – o que naturalmente exige de fato
Amanhecer, cujos livros sobre a doutrina (os de Mario Sassi, por exemplo) não são tão
citados pela maioria dos fiéis, o máximo que se teve de acesso a material bibliográfico
fora uma espécie de apostila recebida de uma das Mães de Santo com passagens de
textos publicados na internet que, contudo, não pareciam muito conectados com a
251
Estou convicto, porém, da impossibilidade de, por mais longo que se
experiência, e mais ainda, tudo que observei da complexidade inerente ao universo das
crenças, ao imaginário religioso e ao contexto social no qual estes ganham vida e são
transformados continuamente. Não penso que, a despeito da alerta necessária para suas
limitações talvez intrínsecas aos objetivos por mim escolhidos, isso inviabilize ou
isoladamente, sobretudo pela razão de que ainda não são muitas as explorações acerca
deste último – talvez esta seja inclusive a primeira no campo da Psicologia, o que me
faz crer que a chamada doutrina do Amanhecer requer maior atenção por parte dos
embora o foco sobre as entrevistas exceda as intenções desta dissertação, me parece que
seria relevante segundo a perspectiva psicossocial aqui adotada delas tratar em outras
252
Acrescento ainda que a despeito de toda a tentativa de construir essa sorte
nossos resultados são inúmeras principalmente por não termos uma quantidade
confiável de médiuns entrevistados de cada uma das religiões em questão para tal
medida eles respaldam os resultados deste estudo e mesmo para aprimorar o nosso
entendimento da experiência mediúnica, que requer, a meu ver e como já deixei claro no
exigidos por ela e das quais hoje me considero ainda distante, eu possa vir a explorar;
embora me seja mais palatável, preferível e viável sob diversos pontos de vista os
político-ideológicas quase sempre conflitantes (ainda que possam até mesmo conviver
num mesmo centro ou templo) e que, por sua vez, multiplicam ainda mais as diferenças
253
vinculados intimamente com estes (caso do CEGM), o que pode servir como indicador
experiência mediúnica, faz-se necessário recordar que há no Brasil outras religiões que
lidam com a dita possessão, como no caso dos neopentecostais e carismáticos católicos,
Esse, por sinal é certamente um dos meus principais interesses a partir deste
na revisão desse texto e pelo fato mencionado por meu informante, mas principalmente
por ter descoberto, no processo final de redação desta dissertação, que a Jurema, tão
uma bebida qualquer, mas uma de propriedades psicodélicas assim como a ayahuasca.
Outras dificuldades, porém, emergem: em que momento e por quais razões sua
utilização pelos umbandistas cessou, qual era o sentido deste, como ele era e,
serviu adequadamente aos nossos propósitos e foi capaz de elucidar de modo bastante
mentores na vida dos médiuns e dos grupos dos quais fazem parte. Uma observação a
mais cabe ser feita com relação à psicologia junguiana, porém: graças ao fato de só
254
momento já consideravelmente avançado da pesquisa81, acabamos não incluindo nas
entrevistas, que poderiam ocorrer mais de uma vez, uma sondagem mais cuidadosa de
aspectos da biografia dos médiuns muito além daquilo que concernia à sua trajetória
com as religiões, o que certamente nos forneceria um quadro mais propício à análise por
ela requerida. Se assim tivéssemos procedido, teríamos muito mais indícios para julgar
entretanto, foi que, como pudemos ver, mesmo não visando tais coisas de modo direto,
81
Isso se deu em grande parte graças ao tempo despendido em duas tentativas de concessão de auxílio
financeiro por uma fundação de fomento à pesquisa.
255
passam os dado à primeira aparás não estão insegurança
médiuns, que entidade recebida, prontos: seus comparecem
iniciam pela à firmação dos medos, dúvidas e como empecilhos
psicografia e têm guias, ao controle expectativas para a adaptação
como momentos adquirido e às intervêm do médium às
altos do processo Mães de Santo. fortemente. Aliada entidades e para a
a psicofonia, o Processo a entrega à distinção entre os
controle sobre os “sofrido”. doutrina, o treino conteúdos desta e
espíritos e a perda de técnicas de os daquele. A
do medo. reconhecimento entrega e o
de um mentor controle
possibilita a relacionados às
manifestação dos entidades
demais. constituem
atitudes
fundamentais.
Maior destaque à
incorporação
Incorporação e (psicofonia
Psicofonia, Principalmente
Tipos de tempo mais ou inclusa), depois
psicografia e incorporação,
mediunidade menos longo de aos sonhos e
percepções. sonhos e visões.
doutrinação. visões e, por
último, ouvir
vozes.
Percepção do Relatam
Inconscientes Importante
nível de permanecer Semiconscientes.
durante o transe. divergência.
consciência conscientes.
Preceitos: corpo e Ênfase sobretudo
Ausência de
mente limpos, sem na “preparação
restrições
álcool, sexo e mental”: preces,
Busca por relacionadas a
carne vermelha práticas voltadas
pensamentos hábitos, exceto
por período de para as entidades-
positivos. uso de drogas.
Preparação para a dois a sete dias. O guias e a caridade,
Cuidados Sionização,
incorporação pensamento concentração e
relacionados concentração,
concentra-se no esvaziamento. Em
principalmente à “esquecimento”
afastamento do seguida, cuidados
alimentação. do mundo exterior
mundo externo e voltados ao corpo,
e esvaziamento
se volta ao alimentação
mental.
espiritual. principalmente.
Variam segundo o
Depende do guia a Variações espírito ou a
As sensações
ser incorporado de dependem entidade.
Aproximação da trazidas e deixadas
acordo com as principalmente do Sensações: leveza,
entidade variam segundo o
orientações do espírito em certo impacto
espírito.
Centro. questão. (choque) e
tremores.
Dependem
igualmente do
espírito.
Sensações
positivas foram as
Sensação de Sensações de
mais frequentes,
Afastamento da Variam conforme leveza. Precisam despertar e de
seguidas das de
entidade o espírito. de ajuda para se limitação
limitação
recompor. temporária.
decorrente da
volta do médium a
si. Sensações
negativas foram as
menos frequentes.
Entidades mais Suicidas, espíritos Juremeiros, Pretos-velhos, Entidades da
256
importantes sofredores e Pretos-velhos, Caboclos, Umbanda,
entidades da Caboclos, Erês, e Médicos de Cura, principalmente os
Umbanda, Exus. Guias Pretos-velhos.
principalmente Missionárias, Espíritos
Pretos-velhos. Ministros, sofredores
Mentoras de igualmente.
Falange e
sofredores.
Mais
Relatam
frequentemente
interferências
reconhecidas a
como
nível hipotético.
possibilidade,
A despeito das Apresentam, ao
Interferências de dificilmente sem
dúvidas e contrário,
conteúdos em seguida dar
Raramente inseguranças exemplos de
psíquicos dos exemplos de
reconhecidas. frequentes, as confirmação da
médiuns na evidências
reconhecem autenticidade das
performance. favoráveis à
raramente. experiências, o
legitimidade da
que se assemelha
comunicação.
à também
Apresentam
recorrente
dúvidas.
negação destas.
Reconhece-se
Percepções
Atribuídas como causa
positivas Mais
principalmente à principal a
Transformação da atribuídas mais à significativamente
Umbanda e não conversão à
autopercepção doutrina espírita atribuídas à
somente à religião e não a
que ao trabalho doutrina.
mediunidade. atividade
mediúnico.
mediúnica.
Impacto positivo Identificação e
percebido no Certa restrição da dedicação
Consequências do Principalmente no
sentido de socialização: elevadas ao VDA
trabalho como que se refere à
aproximação com negação do mundo afetam relações
médium socialização.
as pessoas “profano”. com pessoas de
(socialização). fora da doutrina.
257
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271
ANEXO I – Perguntas aproximadas relacionadas às categorias exploradas nas
entrevistas
272
Tipos de mediunidade
Quais tipos de mediunidade você pratica?
Como é cada um deles pra você?
Tem algum desses que goste mais?
O que você sente em cada um deles?
Percepção do nível de consciência
Você fica totalmente inconsciente?
Como você se descreveria ou se percebe quando está incorporado?
O quê e como você se sente quando o espírito/a entidade/o guia/o mentor fazem algo?
Preparação para a incorporação
Como costumam ser os dias em que você trabalha como médium?
O que você precisa fazer para conseguir incorporar/psicografar/ver/ouvir, etc.)?
Você precisa deixar de fazer alguma coisa, como beber, comer certas coisas, não fazer
sexo, não fumar ou outras coisas?
Tem algo que facilite a sua conexão com eles? O quê?
Aproximação da entidade
Como é que acontece quando o espírito/a entidade/o guia/o mentor está chegando?
Como você reconhece cada uma das entidades/espíritos/guias/mentores?
Afastamento da entidade
Como você se sente depois que o espírito/a entidade/o guia/o mentor se afasta, sai, vai
embora?
Como se sente depois que volta a si?
Entidades mais significativas
Quais são os espíritos/as entidades/os guias/os mentores que costumam vir?
Você tem alguma entidade/espírito/guia/mentor mais próxima de você do que outras?
Tem algum tipo de entidade/espírito/guia/mentor que venha com mais frequência?
Quais deles você mais gosta? Tem algum que lhe desagrade?
Tem algum que lhe chame mais atenção, ou seja mais importante?
Como é a sua relação com essas entidades/espíritos/guias/mentores?
Interferências de conteúdos psíquicos dos méduns na performance
273
Você já sentiu interferências na sua relação com eles?
Você já se perguntou se não teria algo de você interferindo?
Transformações da percepção de si
Você mudou muito desde que se tornou médium?
Como foi essa mudança?
Como você era quando não era médium?
Quais os pontos positivos de ser médium?
E os negativos?
Consequências do trabalho como médium
Você acha que ter se tornado médium lhe ajuda em outras esferas da sua vida, como
trabalho, faculdade, lazeres? Atrapalhou em alguma delas?
Como é sua relação com sua família e amigos desde que você se tornou médium?
274