Férmions de Majorana e A Cadeia de Kitaev

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Universidade Federal Fluminense

Centro de Estudos Gerais


Instituto de Fı́sica
Graduação em Fı́sica

Douglas Montes de Souza

Férmions de Majorana e a cadeia de Kitaev

Niterói-RJ
2018
ii

DOUGLAS MONTES DE SOUZA

FÉRMIONS DE MAJORANA E A CADEIA DE KITAEV

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Programa de Graduação em Fı́sica do Instituto
de Fı́sica da Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para obtenção do grau
de Bacharel em Fı́sica.

Orientador: Prof. Dr. MARCOS SERGIO FIGUEIRA DA SILVA

Niterói-RJ
2018
iii
iv
v

Agradecimentos

Se a quatro anos atrás, ainda que por um instante eu pudesse me ver neste momento, as coisas que
aprendi, as pessoas incrı́veis que conheci e o quanto amadureci durante este tempo, estou absolutamente
convencido de que não acreditaria. Muitas pessoas participaram de minha trajetória, algumas das quais
de maneira tão importante que chega a ser difı́cil fazer justiça a minha gratidão em algumas palavras,
mas aqui vai minha tentativa:
À meus pais, Patrı́cia Montes de Souza e Everaldo Ferreira de Souza, cujo esforço para me fornecer
o estudo que não puderam ter e a dedicação que sempre demonstraram a mim, por vezes abrindo mão
de seus sonhos em detrimento dos meus são os principais motivos para que eu pudesse conhecer e me
dedicar à Ciência. Quanto mais velho fico, mais percebo de quantas formas eles se sacrificaram por mim,
são por esses e muitos outros motivos que têm a minha eterna gratidão.
À Hadassa Moraes de Faria, uma das pessoas mais importantes em toda esta trajetória, e que
ao longo dos quatro anos em que nos conhecemos assumiu tantos papeis diferentes em minha vida que já
não sei mais como me referir a ela. Não foi fácil dar conta das viagens diárias de duas ou três horas, da
jornada de trabalho exaustiva “milagrosamente” conciliada com os estudos e as aulas e todos os momentos
estressantes que passamos. Tive muita sorte em ter ao meu lado alguém tão mais forte e determinada do
que eu jamais serei, cuja coragem frente a momentos de dificuldade me serviram de exemplo e motivação
para que eu sempre desse o meu melhor em tudo, independentemente da situação.
Ao professor Dr. Marcos Sergio Figueira da Silva pela orientação neste trabalho e em diversos
aspectos da vida acadêmica, por ter me apresentado uma área viva e competitiva da Fı́sica e estar sempre
presente e disposto a me ajudar em todos os momentos de minha graduação.
Ao professor Dr. Marco Moriconi pelos incontáveis ensinamentos, conselhos, momentos engraça-
dos e por todo apoio ao longo da graduação.
Ao professor Dr. Lucas Mauricio Sigaud por todos os ensinamentos e momentos hilários nas
aulas de Fı́sica Experimental III e Laboratório de Fı́sica Moderna II, bem como nos diversos encontros
de corredor.
Aos meus amigos Maron Anka, Gabriel Soares e Lucas Lima, por tornarem a jornada sempre
divertida e engraçada.
Finalmente, á todos os professores do IF-UFF, por formarem um ambiente de excelência em
ensino, no qual aprendi quase tudo o que sei. Espero corresponder à esta excelência futuramente, pois o
exemplo que deixaram não será fácil de alcançar.
vi

Resumo

O objetivo deste trabalho é o estudo da realização de férmions de Majorana na Cadeia de Kitaev,


bem como dos desenvolvimentos que culminaram na proposição de tais partı́culas por Ettore Majorana
em 1937. Para isto, incluı́mos dois capı́tulos que tratam de duas teorias de campo importantes para o
desenvolvimento da Mecânica Quântica Relativı́stica, onde tratamos do conceito de antimatéria, funda-
mental para o entendimento do trabalho de Majorana. Temos ainda uma análise da Cadeia de Kitaev,
um toy model para um supercondutor topológico unidimensional, sistema conhecido por conter férmions
de Majorana como estados de borda em sua fase topológica. Por fim, discutimos aspectos importantes
sobre a realização experimental dos férmions de Majorana.
vii

Abstract

The goal of this work is the study of the realization of Majorana fermions in the Kitaev Chain,
as well as the developments that lead to their proposal by Ettore Majorana in 1937. For that reason, we
included two chapters that treat two important field theories that were relevant in the development of
Relativistic Quantum Mechanics, where we review the concept of antimatter, key to the understanding
of Majorana’s work. We also included an analysis of the Kitaev Chain model, a toy model of a 1D
topological superconductor, a very well known system for containing Majorana fermions as edges states
in it’s topological phase. Lastly, we discuss some important aspects on the experimental realization of
theses fermions on the lab.
viii

Lista de Figuras

4.1 representação da cadeia unidimensional de N=4 sı́tios, cada ponto representa um modo de
Majorana, e um par de tais modos forma um estado fermiônico comum [23]. . . . . . . . . 19
4.2 Ilustração da interação onsite para uma cadeia com N=4 sı́tios. Note que todos os majo-
ranas estão acoplados a seus vizinhos [23]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
4.3 Ilustração da interação entre sı́tios, note a presença de modos de majorana desemparelhados
nas bordas da cadeia [23]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
4.4 Espectro de energia para uma cadeia com N=25 sı́tios, nota-se a simetria em torno de
E=0, e que a degenerescência deste nı́vel se quebra apenas quando µ ≈ 2t [23]. . . . . . . 21
4.5 Esquema da estrutura de bandas 4.8 começando na fase topológica e variando µ por valores
positivos. Observe o fechamento do gap ocorrendo nas extremidades da zona de Brillouin
quando µ = 2t [23]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
4.6 Esquema da estrutura de bandas 4.8 começando na fase topológica e variando µ por valores
negativos. Observe o fechamento do gap ocorrendo no meio da zona de Brillouin quando
µ = −2t [23]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
4.7 Ilustração da função de onda do modo de Majorana localizado na interface entre dois
domı́nios [23]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
4.8 Ilustração do Majorana formado na interface entre os domı́nios topológico e trivial [23]. . 25

5.1 Em 5.1a temos o sistema no regime topológico em ausência de campo magnético. Conforme
B aumenta, vemos a separação dos nı́veis de energia devida ao efeito Zeeman (5.1b e 5.1c)
[23]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
5.2 Comportmento da estrutura de bandas com B. Note a degenerescência quando B = 0
(figura 5.2a). À medida que B aumenta 5.2b e 5.2c o gap do bulk se fecha, mostrando que
não é possı́vel o aparecimento dos modos de Majorana [23]. . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
5.3 Comportmento da estrutura de bandas com α. À medida que α aumenta, o gap do bulk
se abre [23]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
Sumário

Agradecimentos v

Resumo vi

Abstract vii

Lista de Figuras viii

1 Introdução 1

2 A equação de Klein-Gordon 2
2.1 Mecânica quântica relativı́stica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
2.2 Problemas com a equação de Klein-Gordon . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
2.3 Quantização do campo de Klein-Gordon . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

3 A equação de Dirac 8
3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
3.2 Densidade de Probabilidade e Corrente de Probabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
3.3 Férmions de Majorana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
3.4 Soluções de onda plana para a equação de Dirac . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
3.5 Quantização do campo de Dirac . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
3.6 Predição de anti matéria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

4 A Cadeia de Kitaev 18
4.1 Modos de Majorana desacoplados em supercondutores topológicos . . . . . . . . . . . . . 18
4.2 Cadeia de Kitaev . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
4.3 O hamiltoniano de Kitaev . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
4.4 Proteção topológica dos estados de borda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
4.5 Fases topológicas a partir do espectro do bulk . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
4.6 Invariante topológico do bulk e a correspondência bulk-edge . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

5 A cadeia de Kitaev no mundo real 27


5.1 Desenvolvendo o modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
6 Conclusões 31
Capı́tulo 1

Introdução

No campo da Fı́sica, o século XX foi marcado pelo surgimento da Mecânica Quântica e da


Teoria da Relatividade, duas teorias que revelam aspectos absolutamente fundamentais de nosso Universo.
Contudo, descobertas como a estrutura fina e hiperfina do átomo de hidrogênio evidenciaram a necessidade
de incorporar o conteúdo de ambas as teorias em nossa descrição da matéria, a busca por tais teorias, onde
tanto a natureza quântica quanto relativı́stica da matéria são respeitadas, trouxeram um entendimento
da natureza do spin [1] e de outras propriedades fundamentais da matéria, incluindo a existência da
antimatéria.
Neste trabalho discutimos duas instâncias de teorias quânticas relativı́sticas da matéria, a equação
de Klein-Gordon (capı́tulo 2) e a equação de Dirac (capı́tulo 3), responsável pela predição da existência de
antimatéria. Uma descoberta interessante, devida a Ettore Majorana(1937), revela que a equação de Dirac
pode der manipulada de forma que forneça a descrição de férmions que seriam seus próprios antiférmions,
ditos férmions de Majorana. Oitenta anos se passaram até então e nenhum férmion de Majorana foi
observado na natureza, embora haja a possibilidade de que o neutrino e ainda outras partı́culas previstas
em teorias supersimétricas sejam férmions de Majorana [2].
Em um cenário bastante distinto do mencionado acima, férmions de Majorana existem ainda
como excitações coletivas em sistemas de Matéria Condensada, associados a operadores de criação e
aniquilação γi , em termos dos quais escrevemos os operadores fermiônicos de Dirac

1 1
c† = (γ1 + iγ2 ), c= (γ1 − iγ2 ). (1.1)
2 2
Existem, porém, diversos fatores complicantes em sua detecção. Os capı́tulos 4 e 5 tratam dos
férmions de Majorana no contexto da Matéria Condensada, mais especificamente em supercondutores
com pareamento não convencional [3].
Capı́tulo 2

A equação de Klein-Gordon

2.1 Mecânica quântica relativı́stica


Em Mecânica Quântica a descrição do estado de uma partı́cula é dada por uma função complexa
Ψ(r, t), cujo valor absoluto ao quadrado fornece a densidade de probabilidade de encontrarmos a partı́cula
na posição r no instante t. A informação sobre o momento da partı́cula é obtida através da transformada
de Fourier de Ψ. Desta forma, se conhecemos Ψ (a função de onda da partı́cula) num instante t0 qualquer,
temos acesso ao estado daquela partı́cula neste instante [4, 5]. Portanto, para que esteja determinado o
estado da partı́cula num instante posterior t precisamos saber como se dá a evolução temporal da função
de onda, que, no regime não relativı́stico, se escreve

 
~ 2 ∂Ψ
− ∇ + V Ψ = i~ . (2.1)
2m ∂t
Esta é a conhecida equação de Schrödinger e um dos motivos pelo qual ela é interessante se torna
claro quando lembramos que as energias cinética e potencial são dadas através dos operadores p2 /2m e V,
respectivamente, onde p = −i~∇ é o momento linear da partı́cula descrita pela equação 2.1, e a energia
total E = i~∂/∂t. Isto significa que a equação 2.1 representa o enunciado da conservação da energia.

O fato de que a dinâmica de partı́culas não relativı́sticas é dada através de um enunciado tão
fundamental quanto a conservação da energia nos leva a questionar se existe conexão similar no caso re-
lativı́stico. De fato, tal conexão é postulada por Gordon [6] e um procedimento para encontrar a equação
de onda relativı́stica para a partı́cula única é feito a seguir.

A partir de agora, adotaremos até o fim do capı́tulo seguinte unidades tais que ~ = c = 1,
de forma que E = i∂/∂t e p = −i∇. Começamos o raciocı́nio lembrando que a energia de partı́culas
relativı́sticas obedece a relação de dispersão

E 2 − p2 = m2 . (2.2)

Promovendo os observáveis em 2.2 a operadores, obtemos


3

−∂t2 + ∇2 φ = m2 φ,

(2.3)

que é conhecida como equação de Klein-Gordon. Podemos escrever esta equação numa forma covariante
se notarmos que o termo entre parênteses é o produto escalar entre operadores diferenciais −∂µ ∂ µ . A
equação de Klein-Gordon toma a forma

(∂µ ∂ µ + m2 )φ = 0, (2.4)

onde φ deve ser encarado como um campo escalar.

A equação de Klein-Gordon também pode ser obtida a partir do princı́pio variacional de Hamilton
aplicado à densidade lagrangiana

1 2 1 1 1
L= φ̇ − (∇φ)2 − m2 φ2 = ∂µ φ∂ µ φ − m2 φ2 , (2.5)
2 2 2 2

 
∂L ∂L
= −m2 φ ∂µ = φ̈ − ∇2 φ = −∂ µ ∂µ φ. (2.6)
∂φ ∂(∂µ φ)
Fica evidente que a aplicação da equação de Lagrange 2.7 recupera a equação 2.4.

 
∂L ∂L
− ∂µ = 0. (2.7)
∂φ ∂(∂µ φ)

2.2 Problemas com a equação de Klein-Gordon


Embora a equação de Klein-Gordon forneça uma descrição relativı́stica para partı́culas quânticas,
o que era o objetivo desde o princı́pio, ela apresenta problemas que discutiremos a seguir.

Suponha que φ seja solução da equação de Klein-Gordon 2.4, temos então

∂µ ∂ µ φ + m2 φ = 0, (2.8)

multiplicando esta equação por −iφ∗ obtemos

∂2φ
iφ∗ − iφ∗ ∇2 φ + iφm2 = 0, (2.9)
∂t2
multiplicando a equação conjugada de Klein-Gordon (∂µ ∂ µ φ∗ + m2 φ∗ = 0) por −iφ obtemos

∂ 2 φ∗
iφ − iφ∇2 φ∗ + iφ∗ m2 = 0, (2.10)
∂t2
subtraindo 2.10 de 2.9 obtemos

∂φ∗
  
∂ ∂φ
i φ∗ −φ + ∇ · [−i(φ∗ ∇φ − φ∇φ∗ )] = 0, (2.11)
∂t ∂t ∂t
4

que tem a forma de uma equação de continuidade ∂ρ/∂t + ∇j = 0, com a densidade de probabilidade
definida por

∂φ∗
 
∗ ∂φ
ρ=i φ −φ , (2.12)
∂t ∂t
e a densidade de corrente definida por

j = i(φ∗ ∇φ − φ∇φ∗ ). (2.13)

Considere agora uma solução de onda plana para a equação de Klein-Gordon

µ
φ = N e−ipµ x , (2.14)

substituindo na equação 2.12 obtemos

ρ = i(|N |2 (−iE) − |N |2 (iE)) = 2E|N |2 , (2.15)

lembrando que pµ xµ = Et − x · p.
O problema com a equação 2.15 aparece quando calculamos a energia da partı́cula através da
equação de Klein-Gordon

∂t2 φ − ∇2 φ + m2 φ = 0 (2.16)

µ µ µ
−N E 2 e−ipµ x − (−ip)2 e−ipµ x + m2 N e−pµ x = 0 (2.17)

p
E = ± p2 + m2 . (2.18)

A equação 2.18 mostra que existem soluções com energia negativa para a equação de Klein-
Gordon, mas como a densidade de probabilidade é proporcional à energia, obtemos soluções com proba-
bilidade negativa, o que é um absurdo, portanto, a interpretação desta teoria como a equação de partı́cula
única com função de onda φ não faz sentido e deve ser abandonada. A interpretação correta é que a equa-
ção 2.5 representa uma teoria de campo, que, quando quantizada, descreve corretamente uma partı́cula
relativı́stica de massa m.

2.3 Quantização do campo de Klein-Gordon


Começaremos notando que a equação 2.4 toma uma forma conhecida se a escrevemos na repre-
sentação de momento

∂2
 
2 2
+ (p + m ) φ(p, t) = 0. (2.19)
∂t2
Na equação acima substituı́mos φ(x, t) por sua transformada de Fourier
5

d3 p ip·x
Z
φ(x, t) = e φ(p, t), (2.20)
(2π)3
o resultado é que para cada valor de p, ψ(p, t) satisfaz a equação de um oscilador harmônico cuja
frequência de oscilação é dada por ωp ≡ (p2 + m2 )1/2 . Portanto, a quantização do campo escalar φ
consiste na quantização de infinitos osciladores harmônicos (um para cada momento p).
Sabemos, que a quantização do oscilador harmônico unidimensional de massa unitária, cuja
Hamiltoniana é da forma

1 2 1 2 2
H= p + ω x (2.21)
2 2
é obtida através dos operadores de criação e aniquilação, respectivamente

r r
† ω i ω i
a = x− √ p a= x + √ p, (2.22)
2 2ω 2 2ω
cuja relação de comutação escreve-se [a, a† ] = 1. Através das equações 2.22, obtemos as variáveis canônicas
em função dos operadores,

r
1 ω
x = √ (a + a† ) p = −i (a − a† ). (2.23)
2ω 2
A substituição de 2.23 em 2.21 fornece

 
1 †
H =ω a a+ . (2.24)
2
Aplicando a quantização do oscilador harmônico ao campo escalar ψ obtemos

d3 p
Z
1
φ(x) = 3
p [ap eip·x + ap e−ip·x ] (2.25)
(2π) 2ωp

d3 p
Z r
ωp
π(x) = (−i) [ap eip·x − ap e−ip·x ] (2.26)
(2π)3 2
Para obter a densidade hamiltoniana associada à lagrangiana 2.5 primeiro calculamos o momento
canônico conjugado a ψ (π = ∂L/∂ φ̇) e depois realizamos a transformada de Legendre


H = (π φ̇ − L) φ̇≡φ̇(π) , (2.27)

da qual resulta

1 2 1 1
H= π + (∇φ)2 + m2 φ2 . (2.28)
2 2 2
O hamiltoniano total é dado pela integral de 2.28 no espaço:
6

 √
d3 p d3 q d3 x ωp ωq
Z
1
H= 6
− (ap eip·x − a†p e−ip·x )(aq eiq·x − a†q e−iq·x )
2 (2π) 2
1
+ √ (ipap eip·x − ipa†p e−ip·x ) · (aq eiq·x − a†q e−iq·x )
2 ωp ωq
m2

ip·x −ip·x iq·x −iq·x
+ √ (ap e + ap e )(aq e + aq e ) , (2.29)
2 ωp ωBq

a integração em x fornece termos que envolvem as frequências e operadores multiplicados por

(2π)3 δ (3) (p ± q),

de tal modo que a integração em q “seleciona” q = ±p, resultando na integral em p

d3 p ωp p2
Z 
1
H= 3
(−ap a−p + ap a†p + a†p ap − ap a†−p ) + (ap a−p + ap a†p + a†p ap + ap a†−p )
2 (2π) 2 2ωp
m2
+ (ap a−p + ap a†p + a†p ap + ap a†−p ), (2.30)
2ωp

mas, como p2 + m2 = ωp2 , obtêm-se

d3 p ωp d3 p
Z Z
1 1
H= (2ap a†p + 2a†p ap ) = ωp (ap a†p + a†p ap ).
2 (2π)3 2 2 (2π)3
Agora, utilizando a relação de comutação [ap , a†q ] = (2π)3 δ (3) (p − q) conclui-se que

d3 p
Z  
† 1 3 (3)
H= ωp a a
p p + (2π) δ (0) . (2.31)
(2π)3 2
Nota-se que há uma divergência devida à distribuição delta de Dirac avaliada na origem, se
analisamos o estado fundamental do campo, onde a única contribuição para a energia vem do segundo
termo, visto que ap |0i = 0, percebemos que esta divergência vem do fato de que a integral em x foi
realizada em todo espaço. Para corrigir este problema devemos confinar a integração à um certo volume
V e impor condições de contorno periódicas no campo, em outras palavras, a quantidade que realmente
faz sentido é a densidade de energia uE0 .

Z L/2
3 (3)
d3 xeip·x p=0 = V

(2π) δ (0) = lim
L→∞ −L/2

d3 p 1
Z
E0
uE0 = = ωp . (2.32)
V (2π)3 2
A integral em 2.32 ainda diverge, pois ωp é crescente com p, e quanto maior a frequência, menor o
comprimento de onda associado à φ, de forma que, ao realizar a integração em 2.32 estamos considerando
que a teoria desenvolvida é válida para escalas arbitrariamente pequenas de comprimentos de onda. Para
corrigir este problema deverı́amos truncar a integração a partir de um certo valor de p. Felizmente, existe
uma maneira mais prática de lidar com esta divergência, que vem do fato de que tudo a que temos acesso
experimentalmente são excitações do campo em relação ao vácuo, portanto, estamos mais interessados
7

na diferença de energias entre os estados excitados e o estado fundamental. Desta forma, subtraı́mos de
2.31 o segundo termo da soma, obtendo

d3 p
Z
H= ωp a†p ap , (2.33)
(2π)3
que não apresenta os problemas discutidos acima. De fato H |0i = 0, como era esperado. Além disso,
[H, a†p ] = ωp a†p e [H, ap ] = −ωp ap , de forma que estados excitados são produzidos pela atuação de a†p
e ap múltiplas vezes. Por exemplo, o estado com momento p é obtido pela atuação de a†p no estado
fundamental

|pi = a†p |0i . (2.34)

Este estado tem energia

H |pi = ωp , (2.35)

lembramos que ωp = p2 + m2 , que reconhecemos como a relação de dispersão de energia para uma
partı́cula de massa m. O momento total clássico é dado por.

Z
Pi = d3 x φ̇∂ i φ, (2.36)

A quantização é obtida promovendo-se a expressão acima ao observável

d3 p
Z Z
P =− d3 x π∇φ = pa†p ap . (2.37)
(2π)3
Nota-se que, de fato P |pi = p |pi . A atuação do operador de momento angular revela que os
estados descritos por esta teoria não possuem spin [7]. Além disso, o fato de que [a†p , a†q ] = 0 significa que
os estados |p, qi e |q, pi são simétricos. Concluı́mos, portanto, que esta teoria descreve bósons de spin 0.
Capı́tulo 3

A equação de Dirac

3.1 Introdução
Dirac desejava encontrar uma equação que comportasse as informações sobre qualquer variável
dinâmica da partı́cula (posição, momento linear, momento angular, etc), e que possuı́sse a mesma inter-
pretação da equação de Schrödinger 2.1, para isso seria necessário uma equação que também fosse linear
em derivadas temporais [8], assim como 2.1 e que fosse covariante sobre transformações de Lorentz, duas
caracterı́sticas muito difı́ceis de se conciliar.
Partiremos da relação de dispersão relativı́stica 2.2 e procuraremos uma forma de fatorá-la alge-
bricamente. Mas para isso será interessante trabalhar em notação covariante pµ = (E, p):

E 2 − p2 − m2 = 0 → pµ pµ − m2 = 0. (3.1)

Fatorar a equação 3.1 significa escrever

pµ pµ − m2 = (β κ pκ + m)(γ λ pλ − m) (3.2)

para certos β κ e γ λ .
Da equação 3.2 temos

pµ pµ − m2 = β κ γ λ pκ pλ − mβ κ pκ + mγ λ pλ − m2 , (3.3)

como o lado esquerdo não possui termos lineares em p e m temos que β κ = γ κ , de forma que

pµ pµ − m2 = γ κ γ λ pκ pλ − m2 . (3.4)

Abrindo a equação acima, temos


9

p20 − p21 − p22 − p33 − m2 = (γ 0 )2 p20 + (γ 1 )2 p21 + (γ 2 )2 p22 + (γ 3 )2 p23 +

(γ 0 γ 1 + γ 1 γ 0 )p0 p1 + (γ 0 γ 2 + γ 2 γ 0 )p0 p2 +

(γ 0 γ 3 + γ 3 γ 0 )p0 p3 + (γ 1 γ 2 + γ 2 γ 1 )p1 p2 +

(γ 1 γ 3 + γ 3 γ 1 )p1 p3 + (γ 2 γ 3 + γ 3 γ 2 )p2 p3 − m2 , (3.5)

precisamos, portanto de objetos γ µ tais que, para µ 6= ν {γ µ , γ ν } = 0 e cujo quadrado é igual à unidade.
Ou, de forma geral, a partir da equação 3.4 concluı́mos que

{γ µ , γ ν } = 2η µν . (3.6)

com
 
1 0 0 0
 
−1
 
0 0 0
η µν = 
−1
 
0 0 0
 
0 0 0 −1
Os objetos mais simples que satisfazem a esta álgebra (conhecida como álgebra de Clifford) são
matrizes 4 × 4. Portanto, escolhidos 4 representantes desta álgebra, a equação de Dirac é um dos fatores
de 3.2, normalmente se escolhe o segundo:

(γ µ pµ − m)ψ = 0, (3.7)

substituindo pµ por i∂µ , como sugerido por Gordon, a equação de Dirac toma a forma:

(iγ µ ∂µ − m)ψ = 0. (3.8)

É comum escolher a seguinte representação para a álgebra de Clifford (que chamaremos apenas
de matrizes γ no restante do capı́tulo):
 
0 1
γ0 =   (3.9)
1 0
 
0 σi
γi =   (3.10)
−σ i 0
Onde 1 e 0 representam a matriz identidade e a matriz nula 2 × 2 respectivamente. Além disso,
i
σ , para i = 1, 2, 3 representam as matrizes de Pauli
 
0 1
σ1 =   (3.11)
1 0
 
0 −i
σ2 =   (3.12)
i 0
10

 
1 0
σ3 =   (3.13)
0 −1
Desta forma temos:

γ 0† = γ 0 , (3.14)

γ i† = −γ i = γ 0 γ i γ 0 . (3.15)

Uma consequência muito importante decorre do fato de que os representantes da álgebra de


Clifford são matrizes (neste caso 4 × 4), não podemos mais tomar ψ como um campo escalar, mas sim
como um objeto com 4 componentes. Curiosamente ψ também não se comporta como um quadrivetor,
mas sim como um espinor [1].

3.2 Densidade de Probabilidade e Corrente de Probabilidade


Vamos escrever a equação de Dirac na forma de uma equação de continuidade e calcular a
densidade de probabilidade e corrente de probabilidade associadas à equação de Dirac.
Primeiramente precisamos da equação adjunta de Dirac:

[(iγ µ ∂µ − m)ψ]† = [iγ 0 ∂t ψ + iγ 1 ∂x ψ + iγ 2 ∂y ψ + iγ 3 ∂z ψ − mψ]† = 0 (3.16)

[(iγ µ ∂µ − m)ψ]† = −i∂t ψ † γ 0† + −i∂x ψ † γ 1† + −i∂y ψ † γ 2† + −i∂z ψ † γ 3† − mψ † = 0, (3.17)

utilizando as relações 3.14 e 3.15,

[(iγ µ ∂µ − m)ψ]† = −i∂t ψ † γ 0 + −i∂x ψ † (−γ 1 ) + −i∂y ψ † (−γ 2 ) + −i∂z ψ † (−γ 3 ) − mψ † = 0, (3.18)

há um problema com a equação 3.18, ela deixou de ser covariante de Lorentz quando tomamos o adjunto
das matrizes γ, pois apareceu um sinal negativo em todas elas exceto na primeira. Para resolver esse
problema podemos multiplicar toda a equação por γ 0 pelo lado direito, posto que −γ i γ 0 = γ 0 γ i ,

−i∂t ψ † γ 0 γ 0 + −i∂x ψ † (−γ 1 γ 0 ) + −i∂y ψ † (−γ 2 γ 0 ) + −i∂z ψ † (−γ 3 γ 0 ) − mψ † γ 0 = 0, (3.19)

−i∂t ψ † γ 0 γ 0 + −i∂x ψ † (γ 0 γ 1 ) + −i∂y ψ † (γ 0 γ 2 ) + −i∂z ψ † (γ 0 γ 3 ) − mψ † γ 0 = 0, (3.20)

agora que recuperamos a covariância, definimos o espinor adjunto de Dirac ψ̄ = ψ † γ 0 , o que nos possibilita
escrever

ψ̄(i∂µ γ µ + m) = 0, (3.21)
11

onde o operador diferencial atua pela esquerda.


Agora se multiplicamos a equação de Dirac por ψ̄ pela esquerda, obtemos

ψ̄(iγ µ ∂µ − m)ψ = 0, (3.22)

e, de forma semelhante, se multiplicamos a equação adjunta de Dirac por ψ pela direita, obtemos

ψ̄(i∂µ γ µ + m)ψ = 0. (3.23)

Somando as equações 3.22 e 3.23 obtemos

ψ̄(γ µ ∂µ ψ) + (ψ̄∂µ γ µ )ψ = 0 (3.24)

que pode ser escrita como uma derivada total

∂µ (ψ̄γ µ ψ) = 0. (3.25)

3.25 tem a forma de uma equação de continuidade, onde identificamos

j µ = ψ̄γ µ ψ. (3.26)

A densidade de carga associada é, portanto

j 0 = ψ̄γ 0 ψ = ψ † ψ, (3.27)

que, em termos das componentes ψi de ψ fica

j 0 = |ψ1 |2 + |ψ2 |2 + |ψ3 |2 + |ψ4 |2 . (3.28)

A equação 3.28 mostra que j 0 é positivo definido, e portanto pode ser interpretado como densidade
de probabilidade.

3.3 Férmions de Majorana


Em geral, o espinor ψ e a base da álgebra de Clifford são objetos complexos. Por isso, ainda que
encontrássemos algum ψ real que satisfizesse a equação de Dirac, após uma transformação de Lorentz
esta solução deixaria de ser real. Existe uma maneira de contornar este problema: se trabalhamos com
uma base puramente imaginária para a álgebra de Clifford

       
0 σ2 iσ 3 0 0 −σ 2 −iσ 1 0
γ0 =   , γ1 =   , γ2 =   , γ3 =  . (3.29)
2 3 2 1
σ 0 0 iσ σ 0 0 −iσ

Devido ao fato da base 3.29 ser puramente imaginária, a representação do grupo de Lorentz é real
[7], portanto, a imposição ψ = ψ ∗ não é destruı́da pela atuação deste grupo. Espinores que satisfazem
12

esta propriedade são chamados de espinores de Majorana.

Podemos ainda trabalhar em uma base qualquer, desde que satisfaça (γ 0 )† = γ 0 e (γ i )† = −γ i .


Definimos

ψ (c) = Cψ ∗ , (3.30)

onde C é uma matriz unitária 4×4 que satizfaz C † γ µ C = −(γ µ )∗ . De fato, se ψ é uma solução da equação
de Dirac, 3.30 também é:

(iγ µ ∂µ − m)ψ = 0 ⇒

(−i(γ µ )∗ ∂µ − m)ψ ∗ = 0 ⇒

C(−i(γ µ )∗ ∂µ − m)ψ ∗ = 0 ⇒

(iγ µ ∂µ − m)ψ (c) = 0.

3.4 Soluções de onda plana para a equação de Dirac


Consideremos o seguinte ansatz para a equação 3.8:

ψ = u(p)e−ip·x , (3.31)

onde u(p) é um espinor de quatro componentes a determinar, que não depende das coordenadas do
espaço-tempo e p · x ≡ pµ xµ . O termo iγ µ ∂µ = γ µ pµ em 3.8 é equivalente a
     
0 1 X 0 σi 0 p0 − pi σ i
p0  − pi  = .
1 0 i −σ i 0 p0 + pi σ i 0

Definindo σ ≡ (1, σ ) e σ̄ ≡ (1, −σ i ), escrevemos p0 − pi σ i = pµ σ µ ≡ p · σ e p0 + pi σ i = pµ σ̄ µ ≡


µ i µ

p · σ̄. Desta forma, a equação de Dirac se escreve


 
−m pµ σ µ
(γ µ pµ − m)u(p) =   u(p) = 0. (3.32)
pµ σ̄ µ −m
Escrevendo
 
u1
u(p) =  ,
u2
onde u1 e u2 são espinores de duas componentes, obtemos as equações

pµ σ µ u2 = mu1 ,
(3.33)
pµ σ̄ µ u1 = mu2 .
13

Escolhendo o ansatz u1 = (p · σ)ξ 0 e substituindo na segunda equação em 3.33 obtemos mu2 =


(p · σ̄)(p · σ)ξ 0 , mas

(p · σ̄)(p · σ) = (p0 + pi σ i )(p0 − pi σ i ) = p20 − pi pj σ i σ j = p20 − pi pj δ ij = p20 − pi 2 = pµ pµ = m2 .

Portanto u2 = mξ 0 e
 
(p · σ)ξ 0
u(p) = A  .
mξ 0

Podemos escolher A = 1/m e ξ 0 = p · σ̄ξ de forma a obter uma forma mais simétrica para u(p) :


 
p · σξ
u(p) =  √ . (3.34)
p · σ̄ξ
Procedendo de maneira análoga, encontramos mais soluções da equação de Dirac considerando o
ansatz

ψ = v(p)eip·x . (3.35)

O análogo da equação 3.32 se torna


 
µ
m pµ σ
(γ µ pµ + m)v(p) =   v(p) = 0, (3.36)
µ
pµ σ̄ m
cuja solução é


 
p · ση
v(p) =  √  (3.37)
− p · σ̄η

para algum espinor constante η de duas componentes, normalizado por η † η = 1.

Será util introduzir uma base ξ s e η s , s = 1, 2 para os espinores de duas componentes, de tal
forma que

ξ r† ξ s = η r† η s = δ rs , (3.38)

por exemplo
   
1 0
ξ1 =   e  .
0 1


 
p · σξ s
us (p) =  √  (3.39)
p · σ̄ξ s
14

Relações úteis

As seguintes relações serão utilizadas no processo de quantização da teoria:


 
p · σξ s
r† √ r† √
 
ur† (p) · us (p) = ξ p·σ ξ p · σ̄ 

 = ξ r† p · σξ s + ξ r† p · σ̄ξ s = 2ξ r† p0 ξ s
p · σ̄ξ s

⇒ ur† (p) · us (p) = 2p0 δ rs (3.40)


  

√ √
 0 1 p · σξ s
ūr (p) · us (p) = ur† γ 0 · us (p) = ξ r† p · σ ξ r† p · σ̄  


1 0 p · σ̄ξ s

⇒ ūr (p) · us (p) = 2mδ rs . (3.41)

Semelhantemente, para v(p) encontramos:

v r† (p) · v s (p) = 2p0 δ rs (3.42)

v̄ r (p) · v s (p) = −2mδ rs (3.43)

Produtos entre u e v :


  

√ √
 0 1 p · ση s
ūr (p) · v s (p) = ξ r† p · σ ξ r† p · σ̄  

=
s
1 0 − p · σ̄η

p p
ξ r† (p · σ̄)(p · σ)η s − ξ r† (p · σ̄)(p · σ)η s

⇒ ūr (p) · v s (p) = 0 (3.44)

 √ 

√ √
 p0 · ση s
ur† (p) · v s (−p) = ξ r† p · σ ξ r† p · σ̄  √ =
− p0 · σ̄η s

p p
ξ r† (p · σ)(p0 · σ)η s − ξ r† (p · σ̄)(p0 · σ̄)η s

⇒ ur† (p) · v s (−p) = 0, (3.45)

onde definimos (p0 )µ ≡ (p0 , −p) e utilizamos (p · σ)(p0 · σ) = (p0 + pi σ i )(p0 − pi σ i ) = m2 = (p · σ̄)(p0 · σ̄).
15

3.5 Quantização do campo de Dirac


Primeiramente, apresentamos a notação introduzida por Feynman para um objeto contraı́do com
as matrizes gama:

γ µ Aµ ≡ A.
/

A Lagrangiana que dá origem à equação de Dirac se escreve [7]

L = ψ̄(x)(i∂/ − m)ψ(x) = iψ̄γ µ ∂µ ψ − mψ̄ψ. (3.46)

Desta forma, obtemos para o momento

∂L
π= = iψ̄γ 0 = iψ † (γ 0 )2 ⇒
∂ ψ̇

π = iψ † . (3.47)

Para quantizar 3.46 promovemos ψ e π a operadores:

2 Z
X d3 p s s −ip·x
ψ(x) = [b u (p)eip·x + cs† s
p v (p)e ] (3.48)
s=1
(2π)3 p

2 Z
X d3 p s† s†
ψ † (x) = [b u (p)e−ip·x + csp v s† (p)eip·x ], (3.49)
s=1
(2π)3 p

onde os operadores bs† s† s s


p e cp criam partı́culas associadas aos espinores u (p) e vp , respectivamente.

Impomos, agora, as relações de anti-comutação

{ψα (x), ψβ (y)} = {ψα† (x), ψβ† (y)} = 0, (3.50)

{ψα (x), ψβ† (y)} = δαβ δ (3) (x − y). (3.51)

Ou, em termos dos operadores de criação e aniquilação

{brp , bs† 3 rs (3)


q } = (2π) δ δ (p − q) (3.52)

{crp , cs† 3 rs (3)


q } = (2π) δ δ (p − q) (3.53)

O hamiltoniano da teoria

Utilizando 3.47 temos

H = π ψ̇ − L = iψ̄γ 0 ∂0 ψ − (iψ̄γ µ ∂µ ψ − mψ̄ψ) ⇒

H = iψ̄γ 0 ∂0 ψ − (iψ̄γ 0 ∂0 ψ + iψ̄γ i ∂i ψ) + mψ̄ψ ⇒

H = −iψ̄γ i ∂i ψ + mψ̄ψ ⇒
16

H = ψ̄(−iγ i ∂i + m)ψ. (3.54)

Queremos promover H a um operador, analisemos primeiro (−iγ i ∂i + m)ψ :

2 Z
X d3 p 1 −ip·x
(−iγ i ∂i + m)ψ = [bs (−γ i pi + m)us (p)eip·x + cs† i s
p (γ pi + m)v (p)e ].
(2π)3 2Ep p
p
s=1

Utilizando as equações 3.32 e 3.36 podemos escrever

(−γ i pi + m)us (p) = γ 0 p0 us (p) e (γ i pi + m)v s (p) = −γ 0 p0 v s (p).

Portanto

r
d3 p
Z
i Ep 0 s s −ip·x
(−iγ ∂i + m)ψ = γ [bp u (p)eip·x − cs† s
p v (p)e ]. (3.55)
(2π)3 2
Finalmente, utilizamos 3.55 para calcular o hamiltoniano

s
d3 x d3 p d3 q
Z Z
† 0 Ep r† r†
H= 3 i
d x ψ γ (−iγ ∂i + m)ψ = [b u (q)e−iq·x + crq v r† (q)eiq·x ]·
(2π)6 4Eq q
−ip·x
[bsp us (p)eip·x − cs† s
p v (p)e ]
(3.56)
d3 p 1 r† s r†
Z
r† s†
= [b b [u (p) · us (p)] − crp cs† r† s r† s
p [v (p) · v (p)] − bp c−p [u (p) · v (−p)]
(2π)3 2 p p
+crp bs−p [v r† (p) · us (−p)]].

Utilizando as relações 3.40, 3.42 (continuar) obtemos

d3 p
Z
H= Ep (bs† s s s†
p bp − cp cp )
(2π)3

d3 p
Z
⇒H= Ep (bs† s s† s 3 (3)
p bp + cp cp − (2π) δ (0)).
(2π)3
Já vimos como lidar com o termo δ (3) (0), podemos abandoná-lo, resultando no hamiltoniano

d3 p
Z
H= Ep (bs† s s† s
p bp + cp cp ). (3.57)
(2π)3

3.6 Predição de anti matéria


Dirac considerava sua equação como a versão relativı́stica da equação de Schrödinger, escrevendo-
a da seguinte forma:

i∂t ψ = −α · ∇ψ + mβψ, (3.58)

onde α = −γ 0 γ e β = γ 0 . A expressão Ĥ = −α · ∇ + mβ era interpretada como o hamiltoniano de


partı́cula única. Nesta linguagem, as soluções 3.31 e 3.35 representam autoestados de Ĥ com energias
17

Ep e − Ep , respectivamente. Isto significa que para cada estado com energia positiva existe outro com
energia negativa em mesmo valor absoluto e como, a princı́pio, Ep é ilimitada, o espectro de Ĥ não possui
limite inferior. A solução de Dirac para este problema baseava-se na constatação de que os elétrons são
férmions, obedecendo, portanto, o princı́pio de exclusão de Pauli. Com isto, Dirac postulou que todos
os estados de energia negativa estariam ocupados no vácuo absoluto, de forma que apenas aqueles com
energia negativa estariam acessı́veis. Em princı́pio, isto daria origem a uma quantidade infinita de carga
elétrica no vácuo, porém, Dirac argumenta que apenas diferenças entre cargas são observáveis.

Outra importante constatação de Dirac era de que estados de energia negativa poderiam ser ex-
citados para estados de energia positiva, deixando para trás um “buraco”, que teria todas as propriedades
do elétron, mas carga elétrica oposta. Inicialmente, Dirac imaginou que os buracos fossem prótons, porém
mais tarte concluiu que correspondiam a outro tipo de partı́cula, o pósitron, que foi observado em 1932.

Embora a interpretação de que 3.58 represente a equação de partı́cula única esteja equivocada,
Dirac previu corretamente a existência de anti matéria, um dos maiores feitos de toda a Fı́sica teórica.
Além disso, a ideia de que estados de energia negativa estão ocupados e podem ser excitados para cima
do mar de Dirac assemelha-se muito ao que ocorre na estrutura de bandas de um material com gap finito.
Em matéria condensada, as bandas ocupadas por elétrons são determinadas pelo energia (ou nı́vel) de
Fermi, quando o nı́vel de Fermi se encontra no gap entre a banda de valência e a banda de condução,
elétrons da banda de valência podem ser excitados à estados de condução, com um custo energético finito,
deixando na banda de valência um buraco.
Capı́tulo 4

A Cadeia de Kitaev

4.1 Modos de Majorana desacoplados em supercondutores to-


pológicos
Em Fı́sica da matéria condensada, modos de Majorana são quasipartı́culas que representam suas
próprias anti-quasipartı́culas [9], o que significa que devem ser descritos por uma superposição equivalente
de estados de elétrons e buracos. Este fato torna natural a procura destes modos em sistemas supercon-
dutores, onde as funções de onda das quasipartı́culas de Bogoliubov possuem componentes de partı́cula
e buraco como graus de liberdade igualmente relevantes. A forma mais comum de acoplamento em su-
percondutores é do tipo onda-s, onde os pares de Cooper são formados de pares de elétrons num estado
singleto (projeções de spin opostas). Desta forma, o operador de aniquilação para uma quasipartı́cula de
Bogoliubov é da forma b = uc†↑ + vc↓ , onde σ =↑, ↓ representa as possı́veis projeções de spin do elétron.
Um modo de Majorana deve estar associado a um operador de aniquilação da forma

γ = uc†σ + u∗ cσ ,

note que γ = γ † , o que é necessário para um férmion de Majorana, como consequência, os operadores
fermiônicos compondo os férmions de Majorana devem estar associados à mesma projeção de spin, em
contraste com o que ocorre em supercondutores de onda-s, isto faz com que modos de Majorana não
sejam observados na maioria dos supercondutores conhecidos [9]. Contudo, modos de Majorana isolados
podem ser produzidos em superfı́cies de supercondutores de onda-p, nos quais a função de onda possui
s = 1, o que significa que os pares de Cooper são formados por elétrons num estado tripleto. Esta
forma de acoplamento foi prevista para o estado fundamental do supercondutor Sr2 RuO4 , [10] porém
é altamente sensı́vel à desordem e, portanto, nunca foi observada experimentalmente [9]. Felizmente,
um trabalho devido a Fu e Kane [11] mostrou que o pareamento tipo px ± ipy pode ocorrer em estados
de borda em isolantes topológicos quando postos em contato com um supercondutor comum de onda-s,
dando origem ao fenômeno de supercondutividade induzida por efeito de proximidade. Algum tempo
depois, dois trabalhos [12, 13] sugeriram uma simplificação do problema, utilizando fios semicondutores
unidimensionais. Cabe notar que existem também propostas de criação de modos de Majorana em vórtices
19

de isolantes topológicos dopados [14] , na interface entre um ferromagneto e um supercondutor depositado


em um isolante topológico bidimensional [15, 16, 17] , em gases de átomos frios [18, 19], em nanotubos
de carbono [20, 21, 22] e ainda outros sistemas. Neste trabalho, contudo, trataremos do sistema proposto
por Kitaev.

4.2 Cadeia de Kitaev


Consideremos um modelo composto por uma cadeia unidimensional de N sı́tios, cada um capaz
de comportar um estado fermiônico c†n , ou, equivalentemente, dois modos de Majorana γ2n−1 e γ2n ,
conforme ilustrado na figura 4.1.

Figura 4.1: representação da cadeia unidimensional de N=4 sı́tios, cada ponto representa um modo de
Majorana, e um par de tais modos forma um estado fermiônico comum [23].

Podemos pensar em duas formas de acoplar os modos de Majorana: uma é através da interação
entre majoranas que ocupam o mesmo sı́tio (interação onsite), a outra se dá atraves da interação de
majoranas pertencentes a sı́tios vizinhos. Analisaremos os dois casos a seguir, começando com o primeiro.

Interação onsite

Atribuindo um custo de ocupação µ para os estados fermiônicos, o hamiltoneno da cadeia fica

N
X
H=µ c†n cn , (4.1)
n=1

ou, em termos dos operadores de Majorana (ver equação 1.1):

N
i X
H= µ γ2n−1 γ2n . (4.2)
2 n=1

Note que todas as excitações tem energia ± |µ|


2 e todos os majoranas participam do hamiltoniano.

A interação é ilustrada na figura 4.2.

Interação entre sı́tios

Se quisermos obter majoranas desacoplados nas bordas, precisamos de uma interação que acople
modos de sı́tios vizinhos. Como ilustra a figura 4.3.
Atribuindo uma diferença de energia igual a 2t entre estados ocupados e desocupados para cada
par formado desta maneira, obtemos o hamiltoniano
20

Figura 4.2: Ilustração da interação onsite para uma cadeia com N=4 sı́tios. Note que todos os majoranas
estão acoplados a seus vizinhos [23].

N
X
H = it γ2n γ2n+1 . (4.3)
n=1

Nota-se que o primeiro e o último modo não participam do hamiltoniano, esta cadeia possui dois
estados com energia zero localizados em suas bordas. Além disso, estados do bulk possuem energia ±|t|.
Temos, então, um sistema unidimensional com gap no bulk e estados de energia zero nas bordas.

Figura 4.3: Ilustração da interação entre sı́tios, note a presença de modos de majorana desemparelhados
nas bordas da cadeia [23].

4.3 O hamiltoniano de Kitaev


Os dois hamiltonianos expostos acima são casos especiais do hamiltoniano de Kitaev

(c†n+1 cn + h.c.) + ∆
X X X
H = −µ c†n cn − t (cn cn+1 + h.c.), (4.4)
n n n

que possui três parâmetros reais: o potencial quı́mico µ, o hopping entre sı́tios e o pareamento supercon-
dutor ∆. A partir do hamiltoniano 4.4, o regime com estados de borda é obtido quando ∆ = t e µ = 0,
enquanto o regime totalmente trivial composto apenas de fermions comuns é obtido quando ∆ = t = 0 e
µ 6= 0.
Conforme o discutido no inı́cio deste capı́tulo, toda a motivação para a procura de modos de
Majorana em sistemas supercondutores se deve ao fato da existência da simetria partı́cula-buraco que estes
exibem. Portanto, com a intenção de explorar esta simetria, passaremos ao formalismo de Bogoliubov
1 †
de Gennes escrevendo 4.4 na forma H = 2 C HBdG C, onde C é um vetor coluna definido por C =
(c1 , . . . , cN , c†1 , . . . , c†N )T . Portanto, HBdG é uma matriz 2N × 2N, elegantemente escrita utilizando-se as
matrizes de Pauli (τi , i = x, y, z) e definindo o vetor |ni = (0, . . . , 1, . . . , 0) correspondendo ao n-ésimo
sı́tio da cadeia. Com isto, podemos escrever C † τz |ni hn| C = 2c†n cn , De forma que
21

X X
HBdG = − µτz |ni hn| − [(tτz + i∆τy ) |ni hn + 1| + h.c.]. (4.5)
n n

HBdG atua em estados do tipo |ni ⊗ |τ i , onde τ = ±1 correspondendo a estados de elétron e


buraco, respectivamente. A simetria partı́cula-buraco é evidenciada por PHBdG P −1 = −HBdG , com
P = τx K.

4.4 Proteção topológica dos estados de borda


Nesta seção avaliaremos a persistência dos modos de majorana frente à desvios das condições
iniciais. Lembre-se que a condição para a existência de estados de borda a partir do hamiltoniano de
Kitaev 4.4 era ∆ = t e µ = 0. Portanto seria natural questionar se os estados de borda persistem no
sistema quando começamos no regime acima e mudamos gradualmente o potencial quı́mico, por exemplo.

A figura 4.4 contém o espectro de energia de 4.5 para uma cadeia com 25 sı́tios, a primeira
caracterı́stica notável é a simetria do espectro, que nada mais é do que uma consequência da simetria
partı́cula-buraco exibida pelo sistema. Outra caracterı́stica notável é que a degenerescência dos estados
de energia zero só é quebrada quando µ ≈ 2t, mostrando que os modos de majorana persistem até este
ponto, que ocorre justamente quando o gap está próximo de se fechar.

Figura 4.4: Espectro de energia para uma cadeia com N=25 sı́tios, nota-se a simetria em torno de E=0,
e que a degenerescência deste nı́vel se quebra apenas quando µ ≈ 2t [23].

Para entender porque isto ocorre, recorremos à simetria partı́cula-buraco, que proı́be que um
estado no nı́vel zero se mova individualmente (já que isso produziria um espectro assimétrico). A única
22

forma de quebrar a degenerescência é acoplando os dois majoranas, o que é impossı́vel devido à separação
entre eles, de forma que apenas quando gap se fecha a quebra torna possı́vel

Conclui-se que os estados de borda no sistema persistem enquanto o gap no bulk for finito, o que
é garantido pela simetria partı́cula-buraco.

4.5 Fases topológicas a partir do espectro do bulk


Vamos agora nos preocupar em encontrar uma maneira de deduzir a existência de modos de
majorana a partir do espectro de bulk da cadeia. Primeiramente, vamos eliminar as bordas do sistema e
impor condições de contorno periódicas, com isto, o sistema possui simetria translacional |ni → |n + 1i ,
uma vez que os parâmetros t, µ e ∆ não dependem dos sı́tios. Agora é interessante escrever o hamiltoniano
no espaço de momentos

N
X
|ki = N −1/2 e−ikn |ni , (4.6)
n=1

onde |ki representa um estado com momento cristalino k.


Podemos escrever o hamiltoniano no espaço de momentos

H(k) ≡ hk|HBdG |ki = (−2t cos k − µ)τz + 2∆ sin k τy (4.7)

Diagonalizando este hamiltoniano, obtemos as relações de dispersão

q
E(k) = ± (2t cos k + µ)2 + 4∆2 sin2 k. (4.8)

Nota-se a presença de um gap no espectro para todos os valores de k quando µ = 0 (ver figura
4.5a), isto ocorre pois retiramos as bordas da cadeia, de forma que não existem mais os estados com
energia zero que tı́nhamos antes para este valor do potencial quı́mico. Contudo, é possı́vel observar o
fechamento do gap ocorrendo para os valores de µ = +2t (figura 4.5c) e µ = −2t (figura 4.6c).
À primeira vista, a estrutura de bandas antes e depois do fechamento do gap parecem idênticas.
De fato, olhando apenas para os gráficos acima, não fica claro que o fechamento do gap corresponde a
uma mudança de fase do modelo. Não obstante, seremos capazes de chegar a este resultado através do
estudo das propriedades de H(k) em mais detalhes.

Estudo da transição de fase no bulk a partir de um hamiltoniano de Dirac efetivo

Vamos analisar em mais detalhes o que acontece com o pontos vizinhos de k = 0 quando o gap
se fecha para µ = −2t. Próximo deste ponto uma linearização do hamiltoniano fornece

H(k) ≈ mτz + 2∆kτy , (4.9)

com m = −µ − 2t. Diagonalizando 4.9 obtemos os espectros,


23

(a) (b)

(c)

Figura 4.5: Esquema da estrutura de bandas 4.8 começando na fase topológica e variando µ por valores
positivos. Observe o fechamento do gap ocorrendo nas extremidades da zona de Brillouin quando µ = 2t
[23].

(a) (b)

(c)

Figura 4.6: Esquema da estrutura de bandas 4.8 começando na fase topológica e variando µ por valores
negativos. Observe o fechamento do gap ocorrendo no meio da zona de Brillouin quando µ = −2t [23].

p
E(k) = ± m2 + 4∆2 k 2 (4.10)

O parâmetro m é importante para caracterizar o sistema, note seu sinal informa se µ é maior
24

ou menor que −2t, o que essencialmente informa em que regime o sistema se encontra: se m < 0, então
o sistema se encontra na fase topológica, isto é, naquele regime em que existem estados de borda, se
m > 0, dizemos que o sistema está na fase trivial, o que corresponde ao regime sem estados de borda.
Quando m = 0, o hamiltoniano possui dois autoestados com energias E = ±2∆k, estes são autoestados
também de τy , e portanto são superposições de equivalentes de elétrons e buracos. De fato, estes estados
representam modos de majorana se movendo para a esquerda (E = −2∆k) e para a direita (E = 2∆k).
Estes estados estão livres para se propagarem, já que o bulk não possui gap agora. Em nosso modelo, a
velocidade desses modos é dada por v = 2∆.

Modos de majorana em fronteiras de domı́nios

Agora consideraremos o que ocorre quando o parâmetro m varia espacialmente, mudando de sinal
em algum ponto da cadeia, em outras palavras

m(x) → ±m se x → ∞ e m(x = 0) = 0.

Dizemos que o ponto x = 0 é uma fronteira de domı́nio, que demarca duas regiões do espaço com
sinais de m opostos. Escrevendo 4.9 no espaço real, obtemos

H = −vτy i∂x + m(x)τz . (4.11)

Já sabemos que quando m = 0, 4.11 admite um modo de majorana com energia zero como
solução. Para estudar este estado em mais detalhes precisamos resolver a equação HΨ = 0, que pode ser
escrita como

1
∂x Ψ(x) = m(x)τx Ψ(x), (4.12)
v
As soluções são da forma
 
Zx 0
m(x ) 0 
Ψ(x) = exp τx dx Ψ(0). (4.13)
v
0

Duas soluções linearmente independentes são dadas pelos autoestados de τx ,


  
Zx
m(x0 ) 0   1 
Ψ(x) = exp ± dx . (4.14)
v ±1
0

Apenas uma destas soluções é normalizável, já que m(x) muda de sinal quando x = 0. Desta
forma, obtemos uma função de onda localizada em x = 0 (ver figura 4.7)

4.6 Invariante topológico do bulk e a correspondência bulk-edge


Agora vamos generalizar o critério discutido anteriormente para a existência de modos de majo-
rana, encontrando um invariante topológico para o bulk a ser calculado diretamente de H(k).
25

Figura 4.7: Ilustração da função de onda do modo de Majorana localizado na interface entre dois domı́nios
[23].

Figura 4.8: Ilustração do Majorana formado na interface entre os domı́nios topológico e trivial [23].

No que se segue, determinamos o invariante topológico associado à transição de fase da Cadeia


de Kitaev, utilizaremos o fato de que podemos levar o hamiltoniano da cadeia nos extremos da primeira
zona de Brillouin a uma forma antissimétrica. Para matrizes antissimétricas, existe uma quantidade, o
Paffiano, que definimos a seguir:
Seja A uma matriz antissimétrica 2n × 2n, o Pfaffiano de A é definido por [24]:

n
1 X Y
pf(A) = sign(σ) aσ(2i−1),σ(2i) , (4.15)
2n n! i=1
σ∈S2n

onde S2n é o grupo simétrico de dimensão 2n e aij representa as entradas da matriz A.


O sinal do Pfaffiano 4.15, muda de sinal sempre que o gap no espectro do hamiltoniano se fecha
[23], o que nos indica que o sinal de 4.15 seja um invariante topológico para o nosso sistema. Por outro
lado, este é exatamente o comportamento do parâmetro de massa m do problema, o que sugere relacionar
m com um Pfaffiano.
O Pfaffiano pode mudar apenas quando algum autovalor de H(k) passa por zero. Mas por causa
da simetria partı́cula-buraco, para cada autovalor E(k) existe outro em −E(−k). Portanto, se E(k) passa
por zero, seu parceiro também o faz. Além disso, o espectro deve ser periódico na zona de Brillouin, o que
significa que fechamentos de gap ocorrem em pares, e portanto, não podem mudar o Pfaffiano. As únicas
exceções são os pontos k = 0 e k = π, que são mapeados em si mesmos pela simetria partı́cula-buraco.
Para esses pontos temos

τx H ∗ (0)τx = −H(0)

τx H ∗ (π)τx = −H(π).
26

Portanto, H(0) e H(π) podem sempre ser postos em forma antissimétrica individualmente e
podemos sempre calcular o Pfaffiano para estas matrizes facilmente. Nota-se, também, que estes são
exatamente os pontos em que o gap de fecha, em k = 0 para µ = −2t e em k = 0π para µ = −2t. Por
estes motivos focaremos apenas em H(0) e H(π),

     
1 1 1 −2t − µ 0 1 1 0 −2t − µ
H̃(0) =    = −i  , (4.16)
2 i −i 0 2t + µ i −i 2t + µ 0

     
1 1 1 2t − µ 0 1 1 0 2t − µ
H̃(π) =    = −i  . (4.17)
2 i −i 0 2t + µ i −i −2t + µ 0
Obtemos facilmente

Pf[iH(0)] = −2t − µ

Pf[iH(π)] = 2t − µ.

Observe que o Pfaffiano de H(0) muda de sinal quando µ = −2t e o de H(π) quando µ = 2t, em
concordância com a estrutura de bandas.

Cada Pfaffiano calculado acima está associado ao fechamento de um gap, de forma que o invariante
topológico do bulk como um todo (Q)é dado pelo produto

Q = sign(Pf[iH(0)]Pf[iH(π)]). (4.18)

Se Q = −1 significa que o bulk se encontra na fase topológica, de forma que se cortássemos o fio
em qualquer ponto, terı́amos dois modos de Majorana desemparelhados nas bordas. Se Q = +1 significa
que o sistema está na fase trivial.

Resta agora encontrar o significado fı́sico do invariante Q. Sabemos que o Pfaffiano de um hamil-
toniano de Bogoliubov de Gennes está associado à paridade fermiônica do estado fundamental do sistema
[23]. Ao tomarmos o produto 4.18 estamos de alguma forma comparando as paridades fermiônicas dos
estados com k = 0 e k = π, e temos que que Q = −1 se e somente se as duas paridades são diferentes.
Isto significa que se deformamos continuamente H(0) em H(π) sem quebrar a simetria elétron buraco,
devemos encontrar um cruzamento do nı́vel de Fermi no espectro de energia, que corresponde à mudança
de paridade fermiônica (fermion parity switch), ou no nosso caso, à uma transição de fase topológica.

Em resumo, descobrimos que a cadeia de Kitev é capaz de comportar modos de Majorana de-
sacoplados tanto como estados de borda, quanto em pontos de transições de domı́nio entre fases triviais
e topológicas. A existência destes modos é protegida pela simetria elétron buraco e está associada ao
invariante topológico 4.18, cuja interpretação fı́sica é diferença entre as paridades fermiônicas dos estados
dos extremos da zona de Brillouin (k = 0 e k = π).
Capı́tulo 5

A cadeia de Kitaev no mundo real

Neste capı́tulo, discutimos como construir a cadeia de Kitaev utilizando materiais e métodos
disponı́veis em laboratório.

5.1 Desenvolvendo o modelo


Conforme visto no capı́tulo 4, a cadeia de Kitaev é um modelo bastante simples, porém, a neces-
sidade que os férmions de Majorana impõe sobre o acoplamento de spins é experimentalmente bastante
desafiadora. Tentaremos contornar cada um dos problemas discutidos na seção anterior, equipando o
modelo com elementos externos até torná-lo fisicamente realizável. Começamos com a cadeia de Kitaev
pura e simples, cujo hamiltoneno no espaço de momentos se escreve

HKitaev = (−2t cos k − µ)τz + 2∆τy sin k. (5.1)

Primeiramente, queremos um sistema com parâmetros controláveis, o que nos leva a utilizar um
semicondutor. Nestes sistemas o valor do potencial quı́mico pode ser variado por meio de dopagem ou
variando voltagens adequadamente. Mas ainda precisamos da supercondutividade, podemos contornar
este problema aproximando um supercondutor do sistema, formando uma estrutura hı́brida. Desta forma,
por efeito de proximidade, é possı́vel fazer com que a supercondutividade seja induzida no semicondutor.
Chamamos de efeito de proximidade, o fenômeno que ocorre quando colocamos um supercondutor
em contato com um material comum (que não é um supercondutor). Em sistemas como este é possı́vel
observar uma supercondutividade fraca no material comum ao longo de uma certa espessura [25].
A próxima coisa que podemos considerar é que µ permanecerá pequeno comparado à largura de
banda (µ  2t). O mesmo vale para o pareamento supercondutor (∆  t), pois a supercondutividade
é um efeito fraco comparado com a energia cinética dos elétrons. Podemos, então, expandir o termo em
cos k e trabalhar no limite contı́nuo da modelo de Kitaev

k2
 
H= − µ τz + 2∆τy k. (5.2)
2m
Onde m é a massa efetiva do elétron, e contém os coeficientes da expansão.
28

Spin eletrônico

Algo de que precisamos tratar em nosso modelo 5.2 é o spin eletrônico. O modelo precisa de uma
cadeia de férmions onde apenas uma projeção é permitida. Uma maneira de incorporar o spin eletrônico
é expandir o espaço de Hilbert tomando o produto tensorial entre o espaço de momentos e o espaço de
spins. O problema com este procedimento é ele daria origem a uma degenerescência dupla, que faria
com que dois modos de Majorana pudessem ocupar as bordas da cadeia, em outras palavras, um férmion
comum ocuparia os estados de borda.
A solução consiste em tornar a cadeia de Kitaev para uma projeção de spin topologicamente
trivial e para a outra, não trivial. Como µ é o parâmetro que controla o regime do sistema, digamos que
a projeção de spin ↑ corresponda a µ > 0 e spin ↓ corresponda a µ < 0. Isto pode ser feito adicionando
um acoplamento Zeeman entre o spin e um campo magnético externo

k2
 
H= − µ − Bσz τz + 2∆τy k. (5.3)
2m
Um campo magnético B forte o suficiente é capaz de separar os spins, tornando possı́vel fazer
com que uma projeção corresponda a µ > 0 e a outra a µ < 0 (ver figura 5.1)

(a) (b) (c)

Figura 5.1: Em 5.1a temos o sistema no regime topológico em ausência de campo magnético. Conforme
B aumenta, vemos a separação dos nı́veis de energia devida ao efeito Zeeman (5.1b e 5.1c) [23].

Pareamento supercondutor

Precisamos encontrar uma maneira de produzir um pareamento tipo p efetivo utilizando super-
condutores tipo s, dos quais dispomos. Supercondutores tipo s acoplam singletos

Hpar = ∆(c↑ c↓ − c↓ c↑ ) + h.c. (5.4)

O que significa que precisamos mudar o pareamento. Começaremos com um mudança de base em
HBdG : seja T = U K um operador de simetria de reversão temporal, podemos aplicar a transformação
unitária U aos buracos, de forma que na nova base, o hamiltoneno de Bogoliubov de Gennes fica
 
H ∆0
HBdG =  , (5.5)
∗ ∗
−∆ −H
onde ∆0 = ∆U † . Com esta base é fácil calcular o hailtoneano dos buracos, basta trocar os sinais de todos
os termos que respeitam a simetria de reversão temporal, deixando os termos que quebram a simetria
29

intactos, por exemplo, termos contendo B. Resumidamente, se o elétrons possuem hamiltoniano H(B),
então o dos buracos será −H(−B). Finalmente, a simetria elétron-buraco se escreve P = σy τy K.

Como os termos em B trocam de sinal frente à simetria de reversão temporal, temos que o campo
Zeeman tem a mesma forma para elétrons e buracos na nova base, assim, o hamiltoniano fica

k2
 
HBdG = − µ τz + Bσz + ∆τx . (5.6)
2m
Diagonalizando 5.6 para k = 0 obtemos quatro nı́veis de energia

p
E = ±B ± µ2 + ∆2 . (5.7)

Sabemos que B=0 corresponde à fase trivial, devido à degenerescência de spin. Assim, esperamos
que o sistema estará na fase topológica quando B 2 > ∆2 + µ2 .

Interação spin-órbita

Vejamos o espectro de 5.6 para diferentes valores de k (figura 5.2a, 5.2b e 5.2c).

(a) (b) (c)

Figura 5.2: Comportmento da estrutura de bandas com B. Note a degenerescência quando B = 0 (figura
5.2a). À medida que B aumenta 5.2b e 5.2c o gap do bulk se fecha, mostrando que não é possı́vel o
aparecimento dos modos de Majorana [23].

Note que o gap do sistema se fecha, o que proı́be a existência dos modos de Majorana. Se
quisermos obtê-los precisamos encontra uma maneira de abrir o gap. Para este fim, podemos adicionar
um acoplamento spin-órbita da forma

HSO = ασy k, (5.8)

que atua como um campo de Zeeman apontando na direção y com intensidade proporcional ao momento
da partı́cula. Este termo é invariante por reversão temporal, pois tanto σy quanto k trocam de sinal. O
hamiltoniano final fica

k2
 
Hf io = + ασy k − µ τz + Bσz + ∆τx . (5.9)
2m
Quando k = 0 o termo de acoplamento spin-órbita é nulo, portanto não influencia a fase do
sistema (trivial ou topológica). Veja agora a estrutura de bandas (figura 5.3)
30

(a) (b) (c)

Figura 5.3: Comportmento da estrutura de bandas com α. À medida que α aumenta, o gap do bulk se
abre [23].

Temos e presença de um gap, o que significa que os modos de majorana podem ser obtidos
no sistema. Concluı́mos que é possı́vel realizar a Cadeia de Kitaev utilizando elementos existentes no
laboratório, incluindo um supercondutor de onda s no lugar de um supercondutor exótico que o modelo
exigia, se adicionarmos elementos externos ao modelo, como campo magnético externo e acoplamento
spin-órbita.
Contudo, umas das principais dificuldades experimentais vem do fato de que o sistema exige pelo
menos quatro parâmetros controláveis [23]: o potencial quı́mico µ, que determina a densidade eletrônica
no fio; o gap supercondutor ∆, que é responsável pela forma particular assumida pelo emparelhamento
supercondutor; a constante de acoplamento spin-órbita α, responsável por quebrar a conservação de spin
e o campo magnético externo B, responsável por quebrar a degenerescência de Kramers.
Capı́tulo 6

Conclusões

Neste trabalho estudamos duas teorias de campo importantes no desenvolvimento da Mecânica


Quântica Relativı́stica, exploramos os problemas com a equação de Klein-Gordon e de que maneira Dirac
os resolveu. Discutimos a ideia da existência de antimatéria e mostramos como os férmions de Majorana
surgem neste contexto.
Nos capı́tulos 4 e 5 tratamos da realização dos modos de Majorana em sistemas de matéria
condensada, foi feita uma apresentação da Cadeia de Kitaev, onde mostramos que os férmions de Majorana
surgem tanto como estados de borda da cadeia quanto como pontos de transição entre domı́nios.
Por fim, analisamos como realizar a Cadeia de Kitaev utilizando elementos dos quais dispõe-se
em laboratório, vimos que é possı́vel, sobretudo, eliminar a necessidade de um supercondutor de onda p
em favor de um supercondutor de onda s, que é o mais comum.
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