Milton Santos - Estudos Sobre A Zona Do Cacau
Milton Santos - Estudos Sobre A Zona Do Cacau
Milton Santos - Estudos Sobre A Zona Do Cacau
Milton Santos1
02/03/1950
A região que, na Bahia, mais se presta a produção de cacau, quase que confunde, os seus
limites, com os da região sul do mesmo Estado. Estende-se desde as proximidades do Recôncavo
até o extremo sul da Bahia. É representada, no dizer de Josué de Castro “por uma estreita faixa de
terras de solo de decomposição, recoberta de floresta tropical, compreendida entre os terrenos baixos
de sedimentação do litoral e a montanha que nesta região se aproxima muito da costa”.
S. Fróes de Abreu dá como limites a monocultura cacaueira “a chamada zona de baixada da
floresta sul sendo a floresta alta, montanhosa, utilizada para outros fins” (Revista Brasileira de
Geografia, Ano I, nº1).
É bom notar que, nos terrenos sedimentares próximos ao litoral, o cacau de modo algum pode
medrar, sendo este o domínio do coqueiro e da piaçava, do mesmo modo que as regiões mais altas
do sudoeste são pouco próprias à produção do cacau, bastando notar a observação de Bondar, que
nos mostra como em Santa Inês e Areia, “o cacaueiro produz poucas e pequenas frutas, com as
amêndoas imperfeitamente desenvolvidas e chatas”. É que o cacau, ao contrário do café, não gosta
do planalto. O sudoeste é, na Bahia, a Cabrália e Porto Seguro estão nesse caso, região que mais
produz o café.
O estudo dos fenômenos naturais nela ocorrentes, é de grande importância na caracterização
da região cacaueira.
É que o cacau somente reproduz economicamente dentro de certas condições geográficas,
não só de posição como atmosféricas.
Daí os limites da zona economicamente produtora do cacau serem dados em taxa
consonância com a incidência daqueles fatores naturais, exigidos pelo cacau para que possa viver e
florescer com vantagem.
Não há, mesmo, outra explicação, para a formidável adaptação do cacau nas terras do sul da
Bahia que não seja a que nós devemos às condições de solo e clima.
1. Extrato do primeiro capítulo do livro “Milton Santos: correspondente do Jornal A Tarde (1949-1963)” Maria Auxiliadora da
Silva e Willian Antunes (Organizadores). Florianópolis: UFSC, 2019. 527 p. E-mail para compra de exemplares:
[email protected].
GEOgraphia, vol: 23, n. 50, 2020
Para um estudo, porém, da região a que, na Bahia, denominamos cacaueira, não podemos nos
ater somente a estreita faixa de terra que, nesse Estado, possui ou apresenta condições naturais
propícias à produção, em termos ótimos, de preciosa amêndoa, senão a um território muito mais
extenso, ou seja, até onde se faça sentir a influência do cacau, sua lavoura e seu comércio, nas
relações humanas.
Observemos que, dos 29 municípios que, no Estado da Bahia, produzem o cacau, 8 tem uma
produção anual inferior a 15 mil arrobas, quantidade que um bom fazendeiro pode colher na sua
fazenda.
Além destes oito, os municípios de Mutuípe, Boa Nova, e Poções (sudoeste) não têm, também,
produção considerável. Nesses municípios, o cacau não domina a sua vida econômica, nem comanda
as suas relações comerciais. Não há, pois, como enquadrá-los na zona cacaueira, sem o perigo de
desfigurar o todo.
Por outro lado, outros municípios de produção, também, insignificantes estarão, por nós,
considerados dentro da zona cacaueira, simplesmente pelo critério geográfico da sua localização
mais do clima e da vegetação. Não se poderia retirá-los do âmbito do nosso estudo, sob pena de
forçarmos uma ruptura na continuidade territorial da zona a estudar.
De outra sorte, não poderíamos apresentar a zona cacaueira da Bahia como um todo, ou uma
região geograficamente considerada. Não poderíamos realçar os aspectos fisiográficos comuns a
toda ela e muito menos os aspectos culturais e econômicos.
Além disso, estes últimos municípios, pelas suas condições de clima e vegetação, acima
consideradas, é muito possível que venham a ser, no futuro, grandes produtores de cacau, se a tanto
contribuírem a vontade do homem e a necessidade de expansão da cultura. Os municípios de
Alcobaça, Santa Cruz Cabrália, nenhum deles produz mais de vinte e cinco mil arrobas.
O município de Caravelas, a bem dizer, não produz cacau, mas, em sua sede, está um
importante porto, que serve ao escoamento do produto.
Para os fins deste estudo e pelas razões acima expostas, consideremos como da zona
cacaueira os municípios de Alcobaça, Belmonte, Camamú, Canavieiras, Caravelas, Ilhéus, Ipiaú,
Itabuna, Itacaré, Ituberá, Jequié, Maraú, Mucurí, Nilo Peçanha, Porto Seguro, Prado, Santa Cruz
Cabrália, Ubaitaba e Una, dezenove, portanto.
É interessante observar que se retirássemos da lista de municípios acima enumerados, o de
Jequié e Nilo Peçanha, que pertencem respectivamente à região do sudoeste e a do Centro Litoral os
demais municípios, são, exatamente os que formam a região sul, daí se poder, sem erro grave,
confundir nos seus limites, a região fisiográfica do sul, como a região econômica de produção do
cacau. É também, digno de nota que dos outros municípios produtores de cacau, que não lograram
entrar na nossa classificação, oito pertencem à região sudoeste, que somente não apresenta uma
produção maior porque ali vão se tornando mais sensíveis as elevações do terreno, alcançando uma
altitude incompatível mesmo com a produção do cacau.
Não é difícil de observar-se que qualquer tentativa de delimitação topará, de logo, com grandes
dificuldades, como é esta principalmente de determinar-se com segurança os limites reais da
produção cacaueira.
Por outro lado, os municípios por nós enquadrados, na zona cacaueira, também, se entregam
a outro gênero de exploração agrícola, principalmente, a criação do gado. É que nestes, as faixas de
agricultura, sucedem outras de terreno propício a pecuária e, para tal, aproveitadas, podendo-se
mesmo, dizer que não há um só município da zona cacaueira, onde não haja, também, criação de
gado.
2
ESTUDOS SOBRE A ZONA DO CACAU
Daí a dificuldade, quase irremovível, se não nos apegarmos a um critério misto como este, de
apresentar com o necessário característico de continuidade territorial, um mapa da zona que
desejamos estudar. Somos, por isso mesmo, obrigados a adotar um critério prático e conjugar os
fatores de ordem meramente geográfica ou econômica que elegeram a região da Bahia como o
principal domínio da produção do cacau, com os limites dos dezenove municípios que, ao nosso ver,
podem, nela ser considerados.
De outra sorte, teríamos que apresentar uma região cacaueira constituída de pedaços de
diversos municípios, talvez até sem formar um todo, uma unidade, dentro do Estado e
impossibilitando que, assim, alcançássemos os objetivos do nosso estudo.
Todos os dados relativos à superfície, população, transportes, produção e mais, num estudo
econômico da região sul da Bahia devem referir-se aos dezenove municípios da nossa classificação.
3
GEOgraphia, vol: 23, n. 50, 2020
02/05/1953
Quem passar, hoje, por Banco da Vitória, a quinze minutos de automóvel da cidade de Ilhéus,
cerca de onze quilômetros de percurso, talvez nem repare no seu modesto arruado, formando apenas
4 ou 5 artérias, uma das quais acompanha o traçado da rodovia. Mas a repousante localidade que os
mapas não registram já foi, e, em tempo não remoto, a “metrópole do cacau”. Era ali o centro, a sede
do incipiente comércio da preciosa amêndoa, onde todos quantos a produziam tinham que apeiar um
pouco de sua montaria, antes de retomar viagem.
Isto foi no tempo das tropas de burros, quando o homem começava a não ter medo da Natureza
hostil e enfrentando todas as intempéries, plantava os fundamentos de uma novo bandeirismo, com
a epopéia do cacau.
Depois, quando áreas maiores se foram conquistando e do seio da terra fecundada foram
surgindo cada vez mais grãos de ouro, veio o trem roubando de sua influência a produção de vasta
zona e veio o caminhão, cuja estrada primitiva passava a alguma distância do povoado.
Banhada pelo rio Cachoeira, rio de planalto, em cuja margem esquerda se situa, é nela que se
encontra o ponto mais alto da navegação e até o advento dos veículos motorizados, todos os
lavradores vinham trazer ali o resultado de sua lavoura, que em canoas demandava o porto de Ilhéus,
de onde, então, poderiam ganhar o seu destino, no estrangeiro.
Exemplo de como a mudança nos meios de transportes é capaz de contribuir para o
estacionamento ou regresso dos núcleos humanos. Banco da Vitória foi, pouco a pouco, mas sem
decair de sua antiga nobreza, perdendo da antiga importância. Mais tarde, quando se juntaram os
melancólicos apelos dos moradores que desejavam sentir mais de perto o ruído dos motores de
explosão às necessidades técnicas de encurtar o traçado das estradas de rodagem, esta fez seu
caminho pelo fundo das casas, limitando com o rio a área do vilarejo. Não demorou, entretanto, que
habitações se fossem levantando de um lado e do outro da rodovia e partindo dela novas artérias
cresceram. Era da estrada a importância. O rio cuja serventia era agora mínima, ficou para os
despejos da população. As casas já não olhavam mais para ele. Viravam-lhe as costas, namorando
agora e somente a estrada de rodagem.
Triste destino o desta outrora florescente capital do cacau, o de amar tão fortemente o móvel
de sua própria ruína. Vila do Banco da Vitória, assim, é conhecida oficialmente, por ser cabeça de um
distrito. Mas, geográfica e sociologicamente vila não é, pois não atende às condições precisas para
tanto: os agricultores que moram em torno, do seu pequeno comércio não se utilizam para aquisição
das utilidades essenciais a sua sobrevivência. Fazem-no o mesmo em Ilhéus, diretamente. É, de fato
um subúrbio, arrabalde bairro, ou que outro nome queiram dar, em relação à nova capital do cacau,
pois até os moradores, exceto alguns saudosistas e outros que comerciam ou têm funções públicas,
como os funcionários de Matadouro, exercem sua atividade em Ilhéus. Ela que já foi cidade, pela
natureza das funções que desempenhava, pela sua importância regional, é, hoje subúrbio e mais
ainda será quando concluída a pavimentação Ilhéus Itabuna, o que não deve demorar muito. Ficando,
assim, a menos de dez minutos da sede municipal, será certamente, lembrada para “weekends” e
alegre “pic-nics” nos seus bosques umbrosos.
Banco da Vitória é um magnífico exemplo de cidade sacrificada, a bem dizer, pelo progresso.
4
ESTUDOS SOBRE A ZONA DO CACAU
O aniversário de Ilhéus
28/06/1954
Não errou quem disse serem as cidades muito parecidas com os indivíduos. De fato elas têm
feições próprias. O seu arruado, o seu casario, a sua fisionomia urbana constituem o seu corpo. Os
seus costumes, as suas idiossincrasias, o seu clima humano, formam o que poderemos chamar de
sua alma.
Como os homens elas nascem, crescem, realizam-se e morrem. Como os homens elas têm as
suas paixões e as suas dores, os seus sofrimentos, tendo, também, como nós outros, vês por outra
as suas alegrias, os seus dias de gala.
Não é por outra coisa que ouvimos, a cada passo, dizer-se de cidades, que são belas, que são
feias, que são tristes, que são alegres, que são terríficas, que são convidativas. Não são esse todos,
por igual, característicos próprios da alma humana?
Elas se parecem com os homens, não há dúvida e como eles fazem aniversário. O de Ilhéus é
hoje celebrado, festejado entre as efusões de justo orgulho do seu povo, no dia exato em que se
comemora a sua emancipação política, porque as cidades, quando atingem a sua maioridade, como
os homens, se autonomizam, libertando-se de tutelas.
Ilhéus, a cidade matriz do sul baiano, teve uma longa e atribulada infância. Longa porque ela, a
antiga vila de São Jorge, como, de resto, toda a região hoje cacaueira, muito tempo levou sem
progresso sensível. Atribulada porque a sua vida, nesse período era marcada pelas freqüentes
incursões dos indígenas, que não perdiam vaza no destruir tudo quanto encontravam pela frente.
Trezentos anos durou essa infância, capaz de fazer inveja ao próprio Matusalém. Logo, porém
ao fenecer do passado século e no alborejar do presente, foram-lhe chegando os primeiros sintomas
da juventude que ia, então, começar a viver. Da adolescência tem essa fase as características
dominantes: a inquietude, a insatisfação, uma enorme plenitude de confiança em si mesma, uma
irresistível fé no seu futuro. Foram essas forças anteriores que a levaram a vencer em plena
mocidade.
Vede as suas ruas, nascidas nesse período. Não obedecem a qualquer alinhamento. Na ânsia
de crescer, a cidade esqueceu de disciplinar-se. O ímpeto de progresso anulou a possível vontade de
arrumação.
É a juventude o período de desordem interior em que tudo cumpre alinhar, ajudando-se na
herdada experiência.
Mais tarde, porém, passada aquela sua etapa heróica cujo dinamismo foi a força propulsora do
seu atual progresso, vemo-la continuar crescendo, já agora de forma ordenada e simétrica, como a
demonstrar que nela já vem surgindo os primeiros sinais de maturidade.
Se por conveniência externa para melhor viver entre as outras cidades importantes no país,
veste-se hoje em roupagens vetustas, fazendo de madura, alinhando-se para parecer bem aos olhos
dos outros que a vem ver de perto, não perdeu, no íntimo, a sua juventude, que é também a sua força,
razão primeira e eficiente de sua vitalidade.
Não se assombrem, pois os ilheenses, deste retrato que, de sua cidade tão generosa e boa
busquei fazer no seu dia maior. Se está ficando adulta é só por conveniência, da maturidade
guardando apenas as virtudes, nunca as desvantagens. O que em Ilhéus é presente e eterno é a sua
eterna mocidade, fogo interior que há de conduzi-la ao seu grande e irrecusável destino.
5
GEOgraphia, vol: 23, n. 50, 2020
Problemas de Ilhéus
(Especial para o “Diário da Tarde”)
1957
Há alguns meses atrás a Associação Comercial de Ilhéus lançou o questionário Álvaro Vieira,
objeto, este ano, no Dia da Cidade, de interessantes debates. Por aquela ocasião, o prefeito Herval
Soledade incumbiu o Profº. Milton Santos de estudar, objetivamente, os problemas de Ilhéus, propondo
depois, um anteprojeto de lei chamada “Operação Município Ilhéus”, com o objetivo de dar disciplina a
todos os investimentos públicos dirigidos ao desenvolvimento local.
O trabalho que se segue é uma posição geral do problema, elaborado pelo Profº Milton Santos,
festejado geógrafo baiano, reconhecidamente interessado nas questões que dizem com o interesse de
Ilhéus.
Seria de nossa parte extremamente descuidado que deixássemos de assinalar o instante que
vive o nosso município e a nossa cidade.
Não temos direito de fazer vista grossa sobre o futuro. Sem entrar na discussão do mérito do
problema, temos de reconhecer que a atual situação do nosso porto, que continua assoreado e mal
freqüentado, é séria ameaça ao progresso ilheense. Se não nos cabe impedir que outras áreas da
região cacaueira se desenvolvam e, pelo contrário, muito já temos contribuído para o seu progresso,
é de nosso dever, com todas as armas e forças de que dispusermos, encontrar meios para que a
cidade e o município não venham a decair do prestígio a que fizeram jus, mediante o esforço tenaz e
persistente de várias gerações.
Esse panorama, assim traçado, está a nos ditar uma série de providencias que poderemos
resumir em dois principais itens: planejamento regional da zona de que Ilhéus participa e
planejamento municipal na área que nos pertence.
A experiência dos primeiros anos após a emancipação dos municípios que, outrora, foram os
distritos mais importantes, veio confirmar um fato que há muito se encontrava no consenso geral,
isto é, o fato de que, dentro do Estado, a zona cacaueira constitui um, verdadeira unidade, pela
igualdade de aspirações, interesses e problemas. Certas dificuldades de ajustamento, que a boa
vontade dos Prefeitos das comunas irmãs tem contribuído para aplainar, são fortes argumentos a
nos darem certeza da comunidade dos nossos destinos, indicando, outrossim que não podemos
caminhar senão juntos, sob pena de uma desnecessária e estéril dispersão de esforços, concretizada,
na prática, por menor número de realizações e menor parcela de bem estar para todos os munícipes.
Problemas comuns são todos, ou quase todos, os que afligem não só aos municípios de Ilhéus,
Itajuipe, Uruçuca e Coaraci, nas também a Itabuna e a todas as comunas da zona do cacau. Devemos,
assim, pôr de lado particularismos inúteis, vaidades administrativas e bairismos, e entregar-nos à
tarefa de nos compor, como um conjunto coerente que somos, a fim de dar uma disciplina comum
às realizações que digam com o interesse de todos.
Já existe, felizmente, o clima para objetivação desse propósito: a identidade de interesses e
sofrimentos o assegura. Temos, agora, que partir para a estruturação dos planos de ação, a começar
pelo estudo analítico das nossas realidades sociais e econômicas, a fixação das normas de
convivência, através das quais confirmaremos o nosso desiderato, seja mediante o estabelecimento
6
ESTUDOS SOBRE A ZONA DO CACAU
de consórcios, seja por outra forma considerada adequada. Seria utilíssimo um entendimento formal
com todos os prefeitos desta região, pedindo-lhes o apoio para tal programa e para que, em seguida,
providenciem a realização de estudos e a indicação das soluções mais práticas.
Tal atitude, ainda que não fosse pelo nosso passado e pelo nosso presente, estaria plenamente
justificada pelo futuro que parece avizinhar-se de nós. Admite-se que, dentro, ainda, deste lustro, a
Usina Hidro Elétrica de Funil já esteja distribuindo força para todas as cidades, vilas e fazendas dos
municípios de nossa zona.
Dos 7.000 KVA atualmente disponíveis, uma média de 1 KVA para cada grupo de 20 habitantes,
com a conclusão das obras de Funil, somente esta usina fornecerá 30.000 KVA, número que será
ampliado para 81.000 ao ser terminado o aproveitamento do potencial conhecido do baixo rio das
Contas.
Bem inestimável, sem o qual o progresso é, hoje, impossível, não se perdoa há que a sua
utilização deixe de fazer-se mediante um planejamento prévio ou que os futuros usuários não se
preparem, adequadamente, para obterem dela o rendimento possível.
A verdadeira fonte de energia elétrica facilmente verificável em nossas cidades e vilas é um
bom indício do que poderá representar para a nossa vida, a chegada do miraculoso fluido. Não
devemos, assim, incorrer no erro que, ao nosso Estado e a sua capital, pode, facilmente, ser apontado:
o de não haver planejado convenientemente a recepção da energia produzida em Paulo Afonso, erro
de que ainda paga as consequências pelo ritmo mais do que lento e vergonhoso do seu
desenvolvimento industrial, a despeito da abundância e relativo bom preço do fator principal.
Por outro lado, problemas há que dizem mais de perto e quase exclusivamente com nossa
cidade e o nosso município, cumprindo-nos assumir todo o ônus de resolvê-los. Crescendo como
está a cidade de Ilhéus um ritmo satisfatório, reconhecemos, porém, que ele poderia ser muito mais
acelerado se dispuséssemos de certos recursos, indispensáveis ao progresso moderno e se
orientássemos a ação dos órgãos governamentais mediante um plano coerente de obras e serviços,
com aquele objetivo.
O momento atual da existência de nossa cidade está a nos ditar a prática de esforço inaudito,
interessando a todos os municípios, pelo fortalecimento das funções, urbanas aqui existentes.
Vivendo praticamente do porto, os demais serviços girando quase que derredor da função portuária,
temos, entretanto, de encaminhar a vida econômica da cidade em rumos mais diversificados,
animando, por todos os meios ao nosso alcance, as iniciativas que a isso se destinarem.
Assim procedendo, fortalecendo a vida urbana, atribuiremos maior soma de bem estar para
todos e nos asseguraremos do papel regional a que chegamos, mediante trabalho e esforço
continuados.
Os pontos principais de tal programa devem ligar-se às funções industrial, turística, educacional,
hospitalar, recreativa, e outras, cujo fortalecimento nos trará um surto ainda maior de animação e
progresso.
Ilhéus parece estar vivendo, atualmente, uma fase aguda de problemas, problemas que se
acumularam com o tempo, problemas que são contemporâneos, problemas que se divisam para um
futuro próximo.
Costumamos esquematizar os problemas de uma cidade em dois grandes grupos, os
problemas seus específicos e os problemas regionais.
7
GEOgraphia, vol: 23, n. 50, 2020
A verdade, porém, é que uns e outros, problemas locais e problemas regionais formam um todo
orgânico, entrosam-se numa síntese perfeita. É impossível dizer quando um começa quando acabam
os demais. Uns constituem a projeção dos outros.
3) – Indústria
No caso particular da cidade de Ilhéus, parece difícil isolar, mesmo para fins esquemáticos, os
problemas da vida íntima, com os da vida regional do núcleo urbano. Poderíamos começar pela
indústria, que sendo a mais importante de toda a zona, é ainda muito fraca. Aliás, subtraído o
montante devido aos derivados de cacau, a indústria de transformação produz menos que a similar
de Itabuna. Isso se deve à situação geográfica atual desta ultima cidade. Com o porto praticamente
fechado e a navegação bastante irregular e sofrendo igualmente de carência de recursos energéticos,
Ilhéus cedeu o passo a Itabuna, no que refere às indústrias urbanas. Aquela cidade está em melhor
posição para receber matéria prima e distribuir produtos manufaturados, em virtude de o único meio
de transporte regular ser o rodoviário. Isso, todavia, não esconde as magníficas possibilidades de
Ilhéus para um grande surto industrial, quando o seu porto poder ser freqüentado por navios e barcos
com horários regulares. Então será eliminado o contra-senso de um grande porto não ser também
um grande centro industrial.
Essa solução se prende, pois, a pelo mínimo duas outras de interesse regional. A primeira é a
redragagem do porto, a outra é a exigência de melhor tratamento pelas companhias de navegação
do país. A cidade de Belmonte, por exemplo, importou o ano passado 80 milhões de cruzeiros de
produtos manufaturados. Se Ilhéus dispusesse de um bom parque industrial e de elementos para
transportar sua produção poderia contar não só com esse mercado como com o de outras cidades
e vilas litorâneas, levando em conta que o transporte por água é o mais barato, vindo depois o
ferroviário e só por último o rodoviário não precisaríamos temer qualquer concorrência nesse
particular.
No que toca às indústrias, a cidade de Ilhéus deve, outrossim, colocar o problema do ponto de
vista da competição com outros centros igualmente capacitados ao exercício desse papel.
Além da isenção de impostos, o poder público poderia estudar os meios de atribuir outros
auxílios aos industriais.
Na Holanda, o governo, visando ao incentivo industrial, resolveu pagar metade da construção
aos edifícios destinados às fábricas. Aqui, o primeiro a fazer, é verificar, quais as indústrias que, dentro
da realidade geográfica local, tem maior “chance” de êxito. Para essas, a Prefeitura deveria
estabelecer prêmios em dinheiro, para os que primeiramente instalassem fábricas de cada
especialidade, dentro, porém, de certos requisitos de produção média, (quantidade, etc.), fixados para
cada caso.
Tal prêmio poderia ser pago de uma só vez ou em mais de um ano. Pode isso parecer um
contra-senso, mas é a maneira mais eficaz de atrair para Ilhéus a atividade industrial que lhe faz tanta
falta e que, por outro lado, é capaz de contribuir para a multiplicação de outras funções, com que se
fortalece.
4) – O turismo
Outra atividade em que Ilhéus devia esmerar-se, aproveitando as virtualidades que a natureza
lhe concedeu, é a indústria do turismo. Referimo-nos ao turismo democrático, ao alcance de pessoas
8
ESTUDOS SOBRE A ZONA DO CACAU
até mesmo de modesta condição econômica ou de elite, que independe de condições regionais: os
ricos podem deslocar-se para longínquas estações de recreio.
Para a prática do turismo, não bastam às vantagens da natureza local. Mas, elas são
importantíssimas, especialmente quando se refere a lugares com vocação indiscutível, como é o caso
de Ilhéus, com suas belíssimas praias.
Mas, é necessário, sobretudo, que ao lado daqueles requisitos, haja um adequado equipamento,
capaz de atender às exigências mínimas de limpeza e conforto, limpeza sobretudo, que os turistas
fazem.
Ilhéus conta com apenas 17 casas de hospedagem, das quais somente 5 em condições de
receber pessoas de certa categoria. São, de modo geral, casas velhas, pouco adaptadas as suas
finalidades e onde conforto e limpeza são quase sempre precárias. Isso quanto ao aspecto
qualitativo. Do lado da quantidade, a deficiência é a mesma. Oferecem um total de 151 quartos, com
a capacidade de receber 162 hospedes, o que é insignificante até mesmo para as pessoas que
procuram a cidade, atrás dos seus negócios.
No que se refere a restaurantes e bares, a carência é semelhante. Serão 20 em globo, sendo
que a maioria fica a desejar.
O aconselhável seria que a cidade fosse provida de um bom grande hotel e de um número
regular de pequenas pensões, contando estas, com poucos quartos, com banho, e onde o asseio
fosse irrepreensível.
A Prefeitura poderia estabelecer a maneira de auxiliar financeiramente tais iniciativas de que a
cidade se ressente.
Por outro lado, o turista deseja divertir-se. Seria, pois conveniente que voltasse a funcionar a
“boîte” do Ilhéus Hotel, ou se criasse outra, mas isso junto a outras providencias, inclusive o auxílio
oficial, sem as quais ressurgiriam as causas determinantes do seu fechamento.
Um dos primeiros deveres do ilheense é cuidar da vocação turística da sua “urbs”, dando-lhe
condições para receber semanalmente e no verão um grande número de pessoas.
É indispensável pensar seriamente no problema. Nesse particular, o programa de
embelezamento da cidade mantido pelo Prefeito atual é correto. Não se pode abrir ao turismo uma
cidade sem jardins e sem outros atrativos. Faltam, a Ilhéus, bons cinemas pois exceção do Cine
Social, que vai melhorando, o resto é uma lástima. O total de lugares a disposição do público é de
apenas 1.830, incluindo 350 no Pontal.
Seria, também, o caso de a Companhia Viação Sul Baiano pensar no estabelecimento de ônibus
– turismo nos fins de semana, fazendo essa empresa, junto à Prefeitura e outros órgãos interessados,
como hotéis e restaurantes, a devida propaganda. O dia em que Ilhéus, junto com a sua formosa praia,
as suas belezas naturais e a civilização do seu povo, oferecer outras condições materiais de
receptividade, os sábados e domingos verão centenas de caras novas em viagem de vilegiatura. E
todos lucrarão.
A ser verdadeira a observação de Chabot, segundo a qual o bom sucesso das estações
turísticas depende do nível econômico da região a que serve, o êxito de Ilhéus como lugar de turismo
já se encontra garantido.
5) – Educação
Ilhéus, por outro lado, deve procurar fortalecer a sua função educacional. Seu Colégio Municipal
Eusínio Lavigne, tido como paradigma em todo o interior de Estado, está fadado a desempenhar um
grande papel, junto à Escola Técnica de Comercio e a Escola Normal N. S. da Piedade. Aquele
9
GEOgraphia, vol: 23, n. 50, 2020
estabelecimento oficial de ensino abriga estudantes de vários pontos da zona, o que atesta o seu
papel e importância regional, a despeito dos vários educandários de grau médio espalhados pelas
cidades e vilas das proximidades. Seria interessante aparelhar cada vez melhor a acreditada casa de
ensino, dotando-a das condições exigidas pelo ensino moderno. Isso atrairia uma grande população
de estudantes. Estes, por sua vez, arrastariam um bom número de famílias, animando a vida urbana
e ajudando o fortalecimento das demais atividades locais.
6) – A função hospitalar
O papel hospitalar da cidade de Ilhéus, a mais importante em toda a região do cacau, deve,
também, merecer especial atenção. Os hospitais, maternidade e casas de saúde ilheenses, com
apenas 149 leitos, inclusive 30 berços, atendem a população de toda a zona. Isso prova o seu raio de
ação. Se a sua capacidade e aparelhamento fossem ainda multiplicados, ou se novos
estabelecimentos surgissem, isso viria em favor do que Ilhéus pretende, isto é, fortalecer a sua
posição regional de autêntica capital.
7) – A organização do transporte
Outro ponto que não pode passar despercebido dos que desejam garantir a Ilhéus um brilhante
futuro liga-se ao que os franceses costumam chamar de “aménagement du territoire” e ousamos
traduzir por “organização do espaço”. Esta se consegue mediante o disciplinamento ou
sistematização dos transportes e comunicações. Quando nos reportávamos à indústria, referimo-nos
a várias das questões ligadas à “organização do espaço” ilheense. A mais premente é sem dúvida o
porto, mediante o qual a cidade exerce o seu mais importante papel regional. Aliás, para sermos mais
explícitos, todas as demais funções de certo modo giram em torno dessa. Corrigir as condições atuais
da barra e do ancoradouro são exigências inadiáveis. Eliminar o sistema de alvarengagem, que tanto
agrava a economia regional, é outro imperativo. São Cr$ 22,000.000,00 anualmente ... 2 de extensão,
não pode dar ainda a colaboração que seria desejável à expansão econômica da região. Devemos
nos bater pelo prolongamento dos trilhos de Ubaitaba até Jequié e também por um aprofundamento
das linhas dos demais ramais, em busca da zona de criatório e policultura que se forma a oeste da
Zona do Cacau. Tudo isso junto ao respectivo reaparelhamento.
No que se refere ao transporte rodoviário, devemos insistir na organização de companhias
transportadoras regionais e pugnar por um aumento da rede. Aumento e melhoria das condições
atuais.
Por outro lado, é de toda conveniência para Ilhéus e deve ser uma de suas primeiras
preocupações, a conclusão da rodovia IL-1, estrada de penetração, que irá reforçar o papel regional
da cidade, encurtando caminho para outros centros que podem escapar à nossa influência, se
procedermos por forma diferente.
A estrada Pedra Azul-Buerarema-Pontal deve constituir outra reivindicação inadiável dos
ilheenses.
A construção do Terminal Oceânico de Ilhéus, representando um grande benefício para a zona,
será igualmente vantajoso para a cidade.
2 Palavra ilegível.
10
ESTUDOS SOBRE A ZONA DO CACAU
8) – A vida regional
Um último capítulo deve ser dedicado ao problema das relações da cidade de Ilhéus com o
resto da região. Ilhéus e Itabuna, por exemplo, não podem andar isoladamente. Enquanto uma olha
para fora da zona, outra olha para o seu interior. Mas todas as cidades dessa área vivem em uma
perfeita anastomose, influindo e recebendo influência. Será tolice ou estupidez querer resolver o
problema de um, sem cuidar do problema de outro. Todos os municípios constituem um todo
orgânico. O que acontece num tem repercussões em outro. É pois, indispensável, um sadio
entendimento entre todos, para o bom êxito de qualquer medida de interesse administrativo ou
econômico.
11
GEOgraphia, vol: 23, n. 50, 2020
22/12/1958
A que preço, pergunta o Prof. Milton Santos, vamos desorganizar uma região? – Ilhéus é o resultado
de uma evolução natural da economia cacaueira e é lá que o porto deve ficar.
Dando prosseguimento à série de entrevistas que estamos realizando, sob o tema: um porto
baiano para Brasília, ouvimos o professor Milton Santos, Doutor em Geografia pela Universidade de
Strasbourg (França). Catedrático de Geografia da Faculdade Católica de Filosofia e do Ginásio
Municipal de Ilhéus. Nosso entrevistado de hoje é sem dúvida alguma uma das maiores autoridades do
assunto que estamos debatendo.
Alguns portos foram planejados tendo em vista a colonização, surgem ao mesmo tempo em
que os grandes capitais neles investidos, públicos ou particulares, aplicam-se à obra de valorização
do seu “arrière pays”, prosseguiu o prof. Milton Santos. São de um modo geral, portos recentes.
Citaremos, como exemplos, os de Dakar e Abidjan, na África Ocidental Francesa. Como a colonização
é uma obra deliberada e planejada, procura-se escolher, dentro da região de interesse, os melhores
locais, o que não isenta os engenheiros dos trabalhos complementares. Em Abidjan foi preciso abrir
um canal, ligando a profunda laguna, em uma de cujas margens estão os cais, e o mar aberto; em
Dakar, o plano d’água tem 216 hectares, dos quais cerca de 153 estão sujeitos a uma dragagem
periódica.
12
ESTUDOS SOBRE A ZONA DO CACAU
No caso dos portos planejados, o plano se estende a uma total organização do espaço
respectivo, a partir exatamente dos portos, de modo que é essa prévia organização do espaço que
vai contribuir para incentivar as culturas comerciais no interior do país e fazer crescer,
paulatinamente, o volume e a importância do porto. Coincidindo com as instalações de porto de Dakar
e a construção de rodovias e ferrovias, a produção de amendoim e a extração de fosfatos cresceu de
maneira sensível; na Guiné, o aparelhamento do porto de Konakry esteve em relação estreita com a
exploração de suas minas de bauxita; a espetacular ascensão da produção de cacau e café da Costa
do Marfim tem muito a ver com o porto e as estradas que canalizam para ele toda a produção.
Já no caso dos portos que surgem em decorrência da valorização e do povoamento das
terras, dá-se um fenômeno oposto, conforme já se entrevê. É a paulatina organização do espaço pela
eliminação “natural” dos elementos menos indicados que faz surgir afinal o porto regional. É a
organização do espaço, mais ou menos espontânea mais orientada pelas próprias necessidades
inerentes à atividade principal, que leva ao prestígio de um porto. Em conclusão, no primeiro caso, o
porto cria a região, por intermédio de um sistema viário, isto é, de uma organização do espaço. No
segundo caso é a organização do espaço, através a valorização das terras e a organização viária, que
cria o porto. Ilhéus é um magnífico exemplo desse processo.
Em 1900, o porto de Itacaré exportava 8.000 toneladas de cacau, enquanto o de Ilhéus escoava
apenas 5.991. Mesmo em 1901, Itacaré havendo baixado sua quota de exportação para 7.500
toneladas, Ilhéus ainda estava em posição subalterna, com 6.734. Não dispomos de dados tão
recuados para Canavieiras e Belmonte, mas como foram os municípios onde o transporte fluvial
resistiu por mais tempo à concorrência primeiro da ferrovia e da rodovia depois, é de supor-se que a
atividade dos seus portos tenha sido proporcionalmente bem importantes nos começos do século.
Só em 1905 é que o porto de Ilhéus ultrapassa o de Itacaré, exportando 11.083 toneladas
contra 7.200 da antiga Barra do Rio de Contas.
À proporção que a cultura do cacau se expandia e dava-se o avanço dos meios de transporte
mecânicos, Ilhéus foi vendo crescer a sua tonelagem de exportação. A estrada de ferro lhe possibilitou
a conquista da produção das áreas do seu município (então abrangendo os atuais municípios de
Itabuna, Itajuípe, Uruçuca, Coaraci, Buerarema e Ibicaraí) mais boa parte da de Ubaitaba e Itacaré.
A era rodoviária, iniciada nos anos 20, viria acabar de fortalecer a posição portuária de Ilhéus,
de modo que em fins da década de 30 conseguiu arrebatar a Salvador o papel de primeiro porto
cacaueiro do Estado. Hoje exporta mais de 75% do total do cacau baiano.
O transporte no lombo dos burros e pelos rios; a presença das ferrovias; a chegada das rodovias
– são outras tantas etapas da organização do que podemos hoje chamar de “região do cacau” e, a
um tempo, etapas sucessivas e graduais da valorização do porto de Ilhéus. Ora, as outras
embocaduras de rio mais caudalosos (Contas, Jequitinhonha, Pardo) deveriam ter abrigado, portos
13
GEOgraphia, vol: 23, n. 50, 2020
mais importantes segundo a tese dos “portos naturais”; se Ilhéus triunfou da concurrência foi por
motivos de ordem econômica, ou pelo aproveitamento econômico das condições naturais favoráveis.
A chegada até bem perto da costa dos terrenos arqueanos favoráveis à produção de cacau, foi o fato
inicial, a favorecer Ilhéus; depois a organização de um sistema viário para atender a essa produção
principal – que continua ainda – fez o resto.
Em suma, há uma região organizada em torno de Ilhéus e Itabuna dupla cabeça do poderoso
organismo. Ora, as regiões são obras dos homens. Do mesmo modo como elas se organizam e se
criam, podem se desfazer. Organismos caracterizados pela profunda solidariedade entre todos os
seus elementos constitutivos, basta tocar em uma de suas partes para que todo o conjunto venha a
se ressentir, ameaçado na sua integridade – na medida em que sejam mais ou menos fortes as
ofensas.
Um argumento pitoresco
O argumento que dá Maraú como porto de Brasília é uma argumento pitoresco e que não
merece ser levado a sério. Nem o ancoradouro que se planeja construir em Campinho, nem mesmo
Ilhéus tem condições geográficas para serem esse porto da nova Capital Federal.
O porto de Brasília só pode ser mesmo no sul do país, não tenhamos ilusões, pois, é lá onde
há densidade econômica e demográfica para sustentar o tráfego de ida e retorno de que necessita a
navegação para ser rentável. Aliás, estamos discutindo como se Brasília pudesse ter alguma coisa a
exportar...
Outro argumento popular é o da presença de um vale, o do rio das Contas, que as rodovias e
ferrovias iriam subir, partindo do novo ponto. Alegam os que repetem esse refrão, que o relevo é
acidentado, a partir de Ilhéus. Essa argumentação esta ligada à do “porto de Brasília”, mas ligada ou
desligada, não tem cabimento, a meu ver. Estava eu trabalhando na Universidade de Strasbourg, no
ano de 1957-58, quando, a convite do governo da República do Togo, partiu para a África uma missão
do Instituto de Geografia daquela Universidade, tendo o objetivo de estudar qual o traçado econômico
de uma estrada de ferro que planejavam construir naquele país. Depois, os engenheiros de estradas
opinaram sobre o melhor traçado técnico. Aqui quer-se fazer o contrário, não sendo para admirar o
fracasso de certas iniciativas desse tipo − conclui o Prof. Milton Santos.
14