Faria - Filho - Diana - Vidal - Tempos e Espacos Escolares
Faria - Filho - Diana - Vidal - Tempos e Espacos Escolares
Faria - Filho - Diana - Vidal - Tempos e Espacos Escolares
2000
Luciano Mendes de Faria Filho / Diana Gonçalves Vidal
OS TEMPOS E OS ESPAÇOS ESCOLARES NO PROCESSO DE
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ESCOLA PRIMÁRIA NO BRASIL
Revista Brasileira de Educação, mai-ago, número 014
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
São Paulo, Brasil
pp. 19-34
Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil
(Escolano, 1998, p. 26). Como pedagogias, tanto o es- extensão e profundidade, eram muito diferentes daque-
paço quanto o tempo escolar ensinam, permitindo a in- les elaborados nas últimas décadas do século XIX2 e
teriorização de comportamentos e de representações so- primeiras do XX.3 As mudanças nos programas acom-
ciais. Nessa perspectiva, atuam como elementos desta- panharam, pari passu, as mudanças ocorridas nas for-
cados na construção social (e histórica) da realidade mas de organização e uso do tempo escolar, as quais,
(Viñao, 1995, p. 72).
Históricos eles também, o espaço e o tempo esco-
lares foram sendo produzidos diferenciadamente ao longo
gerais dos deveres morais e religiosos”. As escolas de 2o grau são
da nossa história da educação e se constituíram em dois
aquelas que se localizam em cidades e vilas (maiores) e as de 1o em
grandes desafios enfrentados para se criar, no Brasil,
locais de menor população. Nas localidades onde houvesse as de 2o
um sistema de ensino primário ou elementar que viesse
grau, as de 1o não seriam abertas. Quanto aos conteúdos, nas escolas
atender, minimamente que fosse, às necessidades impos- para meninas, além dos conteúdos daquelas do 1o grau haveria “orto-
tas pelo desenvolvimento social e/ou às reivindicações grafia, prosódia, noções gerais de deveres morais, religiosos e do-
da população. mésticos” (Art. 3o).
Reclamada desde o século XVIII (Cardoso, 1998), 2
“No elenco das matérias que passaram a compor o programa
a construção de espaços adequados para o ensino, bem das escolas preliminares do estado de São Paulo a partir de 1892,
como a definição de tempos de aprendizagem, estava encontram-se todas aquelas matérias de natureza científica e moral
relacionada não apenas à possibilidade de a escola vir a que foram introduzidas nos programas das escolas primárias em vá-
cumprir as funções sociais que lhe foram crescentemen- rios países europeus e nos Estados Unidos a partir da segunda meta-
te delegadas mas, também, à produção da singularidade de do século XIX. Compreendiam, pois: leitura e princípios de gra-
mática, escrita e caligrafia, contar e calcular sobre números inteiros e
da instituição escolar e da cultura que lhe é própria.
frações, geometria prática (taquimetria) com as noções necessárias
Pretendemos chamar a atenção, aqui, para a rela-
para as suas aplicações à medida de superfície e volumes, sistema
ção entre escolarização de conhecimentos e tempos e
métrico decimal, desenho à mão livre, moral prática, educação cívi-
espaços sociais. Ao acompanhar os debates que se tra-
ca, noções de geografia geral, cosmografia, geografia do Brasil espe-
varam na área da educação ao longo do século XIX e
cialmente do Estado de São Paulo, noções de ciências físicas e natu-
XX, mais especificamente aqueles que se referiam às rais, nas suas mais simples aplicações, especialmente à higiene, his-
determinações sobre os conteúdos escolares, o que atual- tória do Brasil e leitura sobre a vida dos grandes homens da história,
mente denominamos programas e currículos, percebe- leitura de música e canto, exercícios ginásticos e militares apropria-
se que sua extensão estava intimamente relacionada à dos à idade e ao sexo. Um programa enciclopédico para uma escola
distribuição e à utilização dos tempos escolares, à cons- laica e republicana. Dele encontrava-se excluída a doutrina cristã,
tituição dos métodos pedagógicos e à organização das denotando o caráter laico da República” (Souza, 1998, p. 171-172).
3
turmas, classes e espaços escolares. A complexidade dos programas das décadas de 1920 e 1930
Nesse sentido, não é de se estranhar que a essa dis- levou à elaboração de livros e guias de ensino. Os conteúdos progra-
tribuição e utilização diária do tempo nas escolas, da máticos deixaram de ser incluídos no corpo das leis e dos regulamen-
tos de ensino, como era usual para assumirem publicações próprias.
primeira metade do século XIX, correspondesse um di-
Foram os casos das edições efetuadas pelas reformas Fernando de
minuto “programa” de ensino.1 Tais programas, em sua
Azevedo (1927-1930) e Anísio Teixeira (1931-1935) no Rio de Ja-
neiro. Para citar alguns exemplos: Programma para os Jardins de
Infância e para as Escolas Primárias (1929), Rio de Janeiro: Officinas
1
Conforme determinado pelo Artigo 1o da Lei número 13, Gráphicas do Jornal do Brasil; Programa de linguagem (1934), De-
publicada em Minas Gerais em 1835, que se parece muito com aque- partamento de Educação do Distrito Federal. Série C. Programas e
las publicadas mais ou menos na mesma época em várias outras Pro- guias de ensino, no 1. Rio de Janeiro: Cia. Editora Nacional; Progra-
víncias, “a instrução primária consta de dois graus. No primeiro se ma de ciências sociais (1934), Departamento de Educação do Dis-
ensinará a ler, escrever e a prática das quatro operações aritméticas, e trito Federal. Série C. Programas e guias de ensino, v. 1, no 1, 2, 3 e 4.
no segundo a ler, escrever, aritmética até as proporções, e noções Rio de Janeiro: Cia. Editora Nacional.
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Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil
por sua vez, guardaram estreitas relações com o desen- Nesse último caso, recebiam os professores, algumas
volvimento dos métodos e dos materiais pedagógicos e vezes, uma pequena ajuda para o pagamento do aluguel.
com a construção de espaços escolares. Os alunos ou alunas dirigiam-se para esses locais, e lá
Ao analisar o processo de escolarização primária permaneciam por algumas horas. Não raramente o pe-
no Brasil, atentando para questões referentes aos espa- ríodo escolar de 4 horas era dividido em duas sessões:
ços e tempos escolares e sociais (e aos métodos pedagó- uma das 10 às 12 horas e outra das 14 às 16 horas.
gicos), temos a possibilidade de interrogar o processo No entanto, não podemos considerar que apenas
histórico de sua produção, mudanças e permanências, aqueles, ou aquelas, que freqüentavam uma escola ti-
contribuindo para descobrirmos infinitas possibilidades nham acesso às primeiras letras. Pelo contrário, tem-se
de viver e, dentro da vida, formas infinitas de fazer a e indícios de que a rede de escolarização doméstica, ou
do fazer-se da escola e de seus sujeitos. seja, do ensino e da aprendizagem da leitura, da escrita
Pois, como plurais, espaços e tempos fazem parte e do cálculo, mas sobretudo daquela primeira, atendia
da ordem social e escolar. Sendo assim, são sempre um número de pessoas bem superior à rede pública esta-
pessoais e institucionais, individuais e coletivos, e a tal. Essas escolas, às vezes chamadas de particulares,
busca de delimitá-los, controlá-los, materializando-os outras vezes de domésticas, ao que tudo indica, supera-
em quadros de anos/séries, horários, relógios, campai- vam em número, até bem avançado o século XIX, àque-
nhas, ou em salas específicas, pátios, carteiras indivi- las escolas cujos professores mantinham um vínculo di-
duais ou duplas, deve ser compreendida como um mo- reto com o Estado.4
vimento que teve ou propôs múltiplas trajetórias de Em que espaço elas funcionavam? Grosso modo
institucionalização da escola. Daí, dentre outros aspectos, pode-se dizer que tais escolas utilizavam-se de espaços
a sua força educativa e sua centralidade no aparato cedidos e organizados pelos pais das crianças e jovens
escolar. aos quais os professores deveriam ensinar. Não rara-
Este artigo trata da relação entre esses elementos e mente, ao lado dos filhos e/ou filhas dos contratantes
sua relevância na estruturação do sistema público de vamos encontrar seus vizinhos e parentes. O pagamento
ensino primário no Brasil. A organização em três tópi- do professor era de responsabilidade do chefe de família
cos – escolas de improviso, escolas-monumentos e es- que o contratava, em geral um fazendeiro.
colas funcionais – busca demarcar quatro grandes mo- Outro modelo de educação escolar que, no decor-
mentos da história da escola primária no Brasil, defini- rer do século XIX, foi-se configurando caracterizava-se
dos a partir do lugar físico-arquitetônico ocupado pela pela iniciativa dos pais, em conjunto, em criar uma es-
escola, bem como das temporalidades múltiplas nela cola e, para ela, contratar coletivamente um professor
vivenciadas. ou uma professora. Esse modelo, bastante parecido com
o anterior, apresentava como diferença fundamental que
Escolas de improviso (séc. XVIII e XIX) essa escola e seu professor não mantinham nenhum vín-
culo com o Estado, apesar dos crescentes esforços deste
O período colonial legou-nos um número muito re- último, em vários momentos, para sujeitar tais experiên-
duzido de escolas régias ou de cadeiras públicas de pri- cias a seus desígnios.
meiras letras, constituídas sobretudo a partir da segun- Era essa multiplicidade de modelos de escolariza-
da metade do século XVIII. Com professores reconheci- ção, aos quais se poderiam somar, ainda, o dos colégios
dos ou nomeados como tais pelos órgãos de governos masculinos e femininos e o da preceptoria, que vamos
responsáveis pela instrução, essas escolas funcionavam
em espaços improvisados, como igrejas, sacristias, de-
pendências das Câmaras Municipais, salas de entrada 4
A experiência mineira, que não parece ser única, bem o de-
de lojas maçônicas, prédios comerciais, ou na própria monstra. Em 1827, Bernardo Pereira de Vasconcelos sustentava que,
residência dos mestres (Barbanti, 1977; Hilsdorf, 1986). em Minas Gerais, havia 23 escolas públicas e 170 escolas privadas.
encontrar como forma de realização da escola no século se defendia. Esse espaço deveria levar em conta não
XIX. Todos eles, com exceção dos colégios, utilizavam apenas a quantidade de alunos mas também a mobilida-
espaços improvisados das casas das famílias ou dos pro- de dos monitores por entre as turmas, a mobilidade das
fessores e de prédios públicos ou comerciais. Todos eles, turmas dentro da classe, a necessidade de pendurar “car-
exceto o primeiro, eram freqüentados quase exclusiva- tazes” e outras peças na parede, dentre outras inovações
mente por crianças e jovens abastados. Em todas as es- propostas.
colas, era, geralmente, proibida a freqüência de crian- A propaganda em torno da superioridade do méto-
ças negras, mesmo livres, até pelo menos o final da se- do mútuo foi intensa nas primeiras décadas do século
gunda metade do século, o que não impedia, todavia, XIX, levando, inclusive, o Imperador D. Pedro I, ini-
que elas tomassem contato com as letras e, às vezes, cialmente, a incentivar a sua utilização e, em 1827, a
fossem instruídas, sobretudo no interior de um modelo determinar a obrigatoriedade de sua adoção em todas as
mais familiar ou comunitário de escolarização. escolas públicas de primeiras letras do Império.
A questão do espaço para abrigar a escola pública A solução aos problemas espaciais, entretanto, foi
primária começou a aparecer especialmente a partir da muitas vezes associada ao uso de prédios já existentes.
segunda década do século XIX, em algumas cidades da A lei de 15 de outubro de 1827 determinava que
então Colônia, e, posteriormente à independência, em
em cada capital de província haverá uma Escola de Ensino
várias províncias do Império, quando intelectuais e po-
Mútuo; e naquelas cidades, vilas e lugares mais populosos, em
líticos puseram em circulação o debate em torno da ne-
que haja edifício público que se possa aplicar a este método, a
cessidade de se adotar um novo método de ensino nas
escola será de ensino mútuo, ficando o seu professor obrigado
escolas brasileiras: o método mútuo (Bastos e Faria Fi-
a instruir-se na capital respectiva, dentro de certo prazo, e à
lho, 1999). Afirmavam que a maneira como estava or-
custa do seu ordenado, quando não tenha necessária instrução
ganizada a escola, com o professor ensinando cada alu-
desse método. (Villela, 1999, p. 150)
no individualmente, mesmo quando sua classe era for-
mada por vários alunos (método individual), impedia que Foi como parte da propaganda do método mútuo
a instrução pudesse ser generalizada para um grande que, em 1825, o jornal mineiro O Universal pôs em circu-
número de indivíduos, tornando a escola dispendiosa e lação a seguinte preocupação: “O problema, pois, que há
pouco eficiente. de resolver é: como se poderá generalizar uma boa educa-
Uma escola mais rápida, mais barata e com um pro- ção elementar, sem grandes despesas do Governo, e sem
fessor mais bem formado5 era o que clamavam nossos que tire as classes trabalhadoras o tempo, que é necessá-
políticos e intelectuais. O método preconizado, utiliza- rio que empreguem nos diferentes ramos de suas respecti-
do largamente na Europa, possibilitava, segundo seus vas ocupações?” (O Universal, 18 de julho de 1825).
defensores, que um único professor desse aula para até Essa preocupação, que se refere ao tempo e à sua
1.000 alunos. Bastava, para isso, que ele contasse com utilização, escolar ou não, não era apanágio das elites
espaço e materiais adequados e, sobretudo, com a ajuda mineiras nas primeiras décadas dos oitocentos. Estava
dos alunos-monitores. Todos reconheciam que para abri- no cerne mesmo da modernidade, e não poderia deixar
gar dezenas ou, mesmo, centenas de aprendizes fazia-se de ser um aspecto central no interior dos processos de
necessária a construção de novos espaços escolares. Mais escolarização. A discussão voltava-se, por um lado, para
que isso: tais espaços eram considerados uma condição a relação entre a escola e outras instituições ou ocupa-
imprescindível para o bom êxito da empresa escolar que ções sociais (família, trabalho...), pretendendo fazer com
que os pais, sobretudo, tomassem consciência da impor-
tância da escola e fizessem com que seus (suas) filhos(as)
5
A primeira Escola Normal criada no Brasil, em Niterói, no a freqüentassem regularmente.
ano de 1835, preocupava-se em disseminar os princípios do método No entanto, essa não era, parece-nos, a questão prin-
mútuo, instrumentalizando os alunos para seu uso. Ver Villela, 1999. cipal. O aspecto central, aqui, referia-se ao fato de que
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Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil
mais e mais ia-se afirmando o tempo escolar que preci- ção. Agrupam-se aí dentro 20, 30 ou 40 crianças, tendo por
sava estar em constante diálogo com os outros tempos único horizonte as frestas sombrias de uma rótula e durante
sociais. Esse tempo escolar pouco a pouco assumia, nos quatro ou cinco horas diárias martirizam os ouvidos e as cor-
discursos da época, uma especificidade, traduzida na das vocais da laringe em insólito berreiro, respirando ar vicia-
percepção mais produtiva do ensino, possível a partir da do e poeira, arruinando a saúde, cansando a inteligência, ma-
repartição e da organização seqüencial dos conteúdos tando a vontade de aprender, a natural curiosidade infantil e a
escolares, necessárias às atividades dos alunos-monitores paciência [...]. O resultado é tornar-se a escola o mau sonho
na sua relação com o grupo de aprendizes (divisões): das crianças. (Editorial de A província de São Paulo, 13/01/
uma das principais características do método mútuo. 1876, apud Hilsdorf, 1986, p. 104)
O afastamento do governo central, no Império, da
Nesse editorial, vários dos argumentos utilizados
iniciativa de difusão da escola elementar pública, pas-
pelos críticos à escola oitocentista eram resumidos: os
sada à alçada das províncias, em 1834; a diversidade da
parcos salários dos professores, a falta de prédios apro-
conjuntura econômica e política das várias regiões do
priados ao ensino, a pobreza material e metodológica da
Brasil; os custos relativamente altos da manutenção do
aula e a ausência de observância às prescrições higiêni-
ensino mútuo – gastos com quadros murais, sólidos para
cas. Essa situação iria perdurar ainda por muitos anos,
geometria, bancos e mesas para todos os alunos, pontei-
em que pese o fato de que já na década de 1870 ter-se
ros e estrados para os monitores, campainhas e matra-
iniciado, em São Paulo, uma proposta de construções
cas para os sinais sonoros, caixas de areia para a escri-
escolares, inaugurando em 1876 a primeira escola no
ta, ardósias e quadros-negros, além de cartões de per-
bairro do Arouche, com “bancos-mesas feitos na fábri-
dões e penas – talvez tenham sido algumas das razões
ca Ipanema pelo sistema americano”, seguidas de ou-
de seu declínio já nos anos 1840 e de sua progressiva
tras mais nos bairros da Luz e de Santo Amaro. (Hilsdorf,
associação com o ensino simultâneo (método misto) ou
1986, p. 104-105).
substituição pelo ensino individual.
A escola do bairro de Santo Amaro, por exemplo,
A realidade material e espacial da escola brasileira
foi inaugurada semi-acabada e, em 1882, era descrita
continuava como tema em debate passados 30 anos. Na
da seguinte maneira por seu professor:
década de 1870, os diagnósticos dos mais diferentes pro-
fissionais que atuavam na escola ou na administração A escola funciona em um próprio do governo o qual acha-
dos serviços da instrução, ou ainda políticos e demais se em péssimo estado conquanto disponha de duas enormes
interessados na educação do povo (médicos, engenhei- salas que acomodam grande número de alunos. Nota-se a má
ros...), eram unânimes em afirmar o estado de precarie- divisão das mesmas pelos fundos e na frente as janelas não
dade dos espaços ocupados pelas escolas, sobretudo as têm um só vidro, além de outras coisas que faltam, necessida-
públicas, mas não somente essas, e advogavam a urgên- des estas que passam a ser satisfeitas sem grandes ônus à Pro-
cia de se construírem espaços específicos para a reali- víncia e sobre este assunto chamo a atenção de V.S. (Wolff,
zação da educação primária. 1992, p. 101, 103-104)
Na forma de denúncia, circulavam nos jornais ma-
Sobretudo no último quartel do século XIX, foi-se,
térias que caracterizavam o ensino primário por sua pre-
paulatinamente, reforçando a representação de que a
cariedade:
construção de prédios específicos para a escola era im-
Como o professor é pobre e escasso o ordenado, instala prescindível a uma ação eficaz junto às crianças, indi-
a escola numa saleta qualquer, contando que seja barata e lhe cando, assim, o êxito daqueles que defendiam a supe-
não absorva o ordenado. A título de mobília procura dois ou rioridade e a especificidade da educação escolar diante
três bancos de pau, uma cadeira para si, uma mesa onde ao das outras estruturas sociais de formação e socialização
menos possa encostar os cotovelos e tomar notas, um pote e como a família, a igreja e, mesmo, os grupos de conví-
uma caneca, e aí temos armado o alcatifado palacete da instru- vio. Tal representação era articulada na confluência de
diversos fatores, dentre os quais queremos destacar os acentuavam sobremaneira o mal causado, às crianças,
de ordem político-cultural, pedagógica, científica e ad- pelas péssimas instalações escolares. Além disso, ex-
ministrativa. punham o quanto a falta de espaços e materiais higieni-
No que se refere aos primeiros, há que se conside- camente concebidos era prejudicial à saúde e à apren-
rar que a instituição e o fortalecimento do Estado Impe- dizagem dos alunos.
rial eram fenômenos, também, político-culturais. Rela- Finalmente, a falta de espaços próprios para as es-
cionado a isso estava o fato de que a escolarização, no colas era vista, também, como um problema administra-
mundo moderno como um todo, fazia parte dos agencia- tivo na medida em que as instituições escolares, isola-
mentos de dar a ver e de fortalecer as estruturas de po- das e distantes umas das outras, acabavam não sendo
der estatais, podendo, mesmo, ser considerada como um fiscalizadas, não oferecendo indicadores confiáveis do
dos momentos de realização dos estados modernos. No desenvolvimento do ensino e, além do mais, consumin-
Brasil, como o demonstra Ilmar H. Matttos (1994), a do parte significativa das verbas com pagamento do alu-
educação escolar, ao longo do século XIX, foi, progres- guel da casa de escola e do professor. Dessa forma, os
sivamente, assumindo as características de uma luta do professores não eram controlados, os dados estatísticos
governo do estado contra o governo da casa. Nesses eram falseados, os professores misturavam suas ativi-
termos, simbolicamente, afastar a escola do recinto do- dades de ensino a outras atividades profissionais e, em
méstico significava afastá-la também das tradições cul- boa parte das vezes, as escolas não funcionavam literal-
turais e políticas a partir das quais o espaço doméstico mente.
organizava-se e dava-se a ver.
Em segundo lugar, as discussões pedagógicas, so- Escolas-monumento
bretudo aquelas referentes às propostas metodológicas,
foram demonstrando a necessidade de que se construís- Apesar de posto desde a segunda metade do século
sem espaços próprios para a escola, como condição mes- XVIII, o debate em torno da constituição de espaços
ma de realização de sua função social específica. As- dedicados ao ensino e da fixação de tempos de perma-
sim, os defensores do método intuitivo, da mesma nência na escola teria que esperar até meados da última
maneira que os do método mútuo no início do século década do século XIX, primeiro em São Paulo e, de-
XIX, argumentavam a necessidade de o espaço da sala pois, em vários estados brasileiros, para assumir a for-
de aula permitir que as diversas classes pudessem reali- ma mais acabada da proposta dos grupos escolares.
zar as lições de coisas. Somava-se a isso, que a escola Neles, e por meio deles, os republicanos buscaram dar a
foi, sobretudo ao final do século XIX, sendo invadida ver a própria República e seu projeto educativo exem-
por todo um arsenal inovador de materiais didático-pe- plar e, por vezes, espetacular.
dagógicos (globos, cartazes, coleções, carteiras, cader- Não era casual que as edificações escolares, ini-
nos, livros...) para os quais não era possível mais ficar ciadas em São Paulo, nos anos 1890, extrapolando a
perspectiva restrita do funcionamento de seus progra-
adaptando os espaços, sob pena de não colher, desses
mas, fossem construídas visando à monumentalidade. Se-
materiais, os reais benefícios que podiam trazer para a
gundo Silvia Wolff (1992, p. 48),
instrução.
Também o desenvolvimento dos saberes científicos, A arquitetura escolar pública nasceu imbuída do papel
notadamente da medicina e, dentro dessa, da higiene, e de propagar a ação de governos pela educação democrática.
a aproximação desses do fazer pedagógico influíram Como prédio público, devia divulgar a imagem de estabilidade
decisivamente na elaboração da necessidade de um es- e nobreza das administrações [...] Um dos atributos que resul-
paço específico para a escola (Gondra, 2000). Ao mes- tam desta busca é a monumentalidade, conseqüência de uma
mo tempo em que elaboravam uma contundente crítica excessiva preocupação em serem as escolas públicas, edifícios
às péssimas condições das moradias e dos demais pré- muito “evidentes”, facilmente percebidos e identificados como
dios para a saúde da população em geral, os higienistas espaços da esfera governamental.
24 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14
Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil
Os grupos escolares, concebidos e construídos como dimensões grandiosas de janelas e portas, a racionaliza-
verdadeiros templos do saber (Souza, 1998) encarna- ção e a higienização dos espaços e o destaque do prédio
vam, simultaneamente, todo um conjunto de saberes, de escolar com relação à cidade que o cercava visavam in-
projetos político-educativos, e punham em circulação o cutir nos alunos o apreço à educação racional e científi-
modelo definitivo da educação do século XIX: o das es- ca, valorizando uma simbologia estética, cultural e ideo-
colas seriadas. Apresentados como prática e representa- lógica constituída pelas luzes da República.
ção que permitiam aos republicanos romper com o pas- Se novos espaços escolares foram necessários para
sado imperial, os grupos escolares projetavam para o acolher o ensino seriado, permitir o respeito aos ditames
futuro, projetavam um futuro, em que na República, o higiênicos do fim do século XIX, facilitar a inspeção
povo, reconciliado com a nação, plasmaria uma pátria escolar, favorecer a introdução do método intuitivo e
ordeira e progressista. disseminar a ideologia republicana, novos tempos esco-
Monumentais, os grupos escolares, na sua maioria, lares também se impunham. Num meio onde a escola
eram construídos a partir de plantas-tipo em função do até então era uma instituição que se adaptava à vida das
número de alunos, em geral 4, 8 ou 10 classes, em um pessoas – daí as escolas isoladas insistirem em ter seus
ou dois pavimentos, com nichos previstos para bibliote- espaços e horários próprios organizados de acordo com
ca escolar, museu escolar, sala de professores e admi- a conveniência da professora, dos(as) alunos(as) e le-
nistração. Edificados simetricamente em torno de um vando em conta os costumes locais –, era preciso mais
pátio central ofereciam espaços distintos para o ensino que produzir e legitimar um novo espaço para a educa-
de meninos e de meninas. À divisão formal da planta, às ção. Era preciso também que novas referências de tem-
vezes, era acrescido um muro, afastando rigidamente e pos e novos ritmos fossem construídos e legitimados.
evitando a comunicação entre os dois lados da escola. Uma primeira dimensão do tempo escolar alterada
Esses prédios tinham entradas laterais diferentes para foi imposição definitiva do ensino simultâneo. Divididas
os sexos. Apesar de padronizados em planta, os edifí- as classes segundo um mesmo nível de conhecimentos e
cios assumiam características diversas, sendo-lhes alte- de idade dos alunos, eram entregues a uma professora, às
radas as fachadas. vezes acompanhada de uma assistente, que deveria pro-
Muitos projetos propunham uma variação do tama- por tarefas coletivas. Cada um e todos os alunos teriam
nho das salas em função da seriação do ensino. As salas que executar uma mesma atividade a um só tempo.
das séries iniciais tinham dimensões maiores que as das Adequando-se aos preceitos higiênicos da época que
séries finais do curso primário. Normalmente, os banhei- se utilizavam do conceito de fadiga mental, os conteú-
ros não faziam parte do corpo do prédio, mas eram a ele dos escolares eram distribuídos ao longo do dia de aula,
ligados por corredores cobertos. aproximadamente 4 horas, em uma rígida grade de ho-
Os materiais do ensino intuitivo, as carteiras fixas rário. Cada período de 10 ou até 25 minutos, de acordo
no chão, e a posição central da professora pareciam in- com o estado brasileiro, correspondia a uma aula e, por-
dicar lugares definidos para alunos e mestra em sala de tanto, a um exercício. Aproximadamente a cada três
aula. Fora da sala, o pátio era o local de distribuição das aulas, efetuava-se uma pausa de 10 minutos, quando os
crianças. Atividades como ginástica ou canto ali reali- alunos marchavam e cantavam no interior da sala. No
zadas pretendiam conferir usos apropriados ao espaço. meio do dia, fazia-se um recreio com duração de 30 mi-
A rígida divisão dos sexos, a indicação precisa de espa- nutos. O detalhamento dos quadros de horários propos-
ços individuais na sala de aula e o controle dos movi- tos pelos Programas de Instrução, prevendo-se uma dis-
mentos do corpo na hora de recreio conformavam uma tribuição diária, semanal, mensal e anual do processo
economia gestual e motora que distinguia o aluno de ensino, aprendizagem e avaliação, indicava o intuito
escolarizado da criança sem escola. de delimitar o tempo escolar.
Por outro lado, o convívio com a arquitetura monu- Para fazer cumprir um horário assim determinado,
mental, os amplos corredores, a altura do pé-direito, as no qual se contavam os minutos e se distribuíam as dis-
ciplinas pelos respectivos horários em todos os dias da uma das múltiplas funções dos inspetores, mesmo nos
semana, em todos os anos do curso, pretendeu-se dotar grupos escolares, pois até as diretoras tendiam a orga-
os grupos escolares de normas e instrumentos de contro- nizar o tempo dos grupos de acordo com outros
le do tempo e dos horários escolares. Instrumentos como parâmetros que não os da linearidade e da fixidez dos
os relógios, as campainhas, as sinetas passaram a fazer regulamentos.
parte do material básico dos grupos escolares e, muitas Mas não era apenas sobre o tempo de desenvolvi-
vezes, das escolas isoladas. Conforme determinava o mento das atividades no interior da “classe” ou da esco-
Regimento Interno dos Grupos e Escolas Isoladas de la que as professoras e diretoras não queriam perder o
Minas Gerais, em 1906, “cada hora precisa de aula ou controle. A construção e a legitimação desses novos tem-
de recreio será avisada em toque prolongado por uma pos e ritmos passavam, também, pela discussão do pró-
campainha elétrica ou sineta, a cargo do diretor” e, ain- prio horário das aulas. O horário considerado ideal pelo
da mais, “as matérias determinadas para cada dia esco- próprio regulamento, tanto para as escolas isoladas quan-
lar não serão substituídas, ainda que haja falta de aulas to para os grupos escolares, era o de 10 às 14 ou 15h no
na semana” (Art. 13, par. 5o e 6o). inverno e de 9 às 14h no verão. Conforme costume da
O Regimento centralizava o controle do tempo na época, as crianças almoçavam antes de ir para a escola.
direção do estabelecimento, submetia o trabalho docen- A polêmica em torno do horário das aulas tomou
te, num de seus aspectos mais centrais, qual seja, o da grande vulto, especialmente na primeira década do sé-
distribuição diária das disciplinas pelo período de algu- culo XX, em São Paulo e Minas Gerais, quando a de-
mas horas em que os(as) alunos(as) passavam na esco- manda por vagas obrigou as diretoras ou a Secretaria a
la, a uma ordem e a uma lógica predeterminadas, não propor ou determinar o funcionamento dos grupos esco-
podendo as disciplinas serem substituídas e muito me- lares em dois turnos: de 7 às 11 e de 12 às 16 horas.
nos deslocadas de seus horários. Apesar de imperiosa a necessidade, pois muitas
A associação tempo-disciplina no relato do inspe- vezes o número de alunos(as) matriculados(as) era o
tor paulista Mário Bulcão assumia a exemplaridade: dobro da capacidade do atendimento, não foi fácil para
as diretoras, para as professoras, para as famílias e para
Todo o programa para as nossas escolas deveria ser or-
as crianças a adoção do novo horário. As razões alegadas
ganizado distribuindo as matérias pelos dias e pelas horas de
eram as mais diversas. Algumas, como a diretora do 1º
trabalhos escolares. Em resumo: um horário-programa. Assim
Grupo, utilizam o argumento de que os dois turnos tra-
o professor teria diante dos olhos a matéria que deveria ocu-
zem desvantagens para a higiene e a disciplina:
par-se em quaisquer das horas do dia e o inspetor ao entrar em
uma escola saberia, pela simples consulta ao relógio, qual o Continuando elevada a matrícula este ano, como espero,
serviço que estaria sendo realizado. (Relatório, 1900, apud é mister que ainda se construam cerca de três (salas) para evi-
Souza, 1998, p. 220) tar-se a divisão do grupo em dois turnos, divisão essa de reco-
nhecida desvantagem para a higiene dos alunos e disciplina do
Foi pois esse tempo artificial, apropriado e ordena-
estabelecimento. (Minas Gerais, 1910)
do pela razão humana, que os regulamentos do ensino
buscaram impor às professoras, às diretoras, aos(às) Outras vezes, numa demonstração de que o tempo
alunos(as) e, mesmo, às famílias. Não por acaso, esse escolar encontrava barreiras socioeconômicas para se
processo ocorreu no interior de um movimento social de impor e, ao mesmo tempo, realizando um movimento no
racionalização do tempo, próprio às relações capitalis- sentido de buscar uma certa adequação da escola às ne-
tas que se estabeleciam. cessidades das crianças e suas famílias, o não-cumpri-
Foi no interior desse movimento, construindo-o e mento do horário era justificado pelo inconveniente de
dando-lhe visibilidade, que devemos entender o pro- os(as) meninos(as) não chegarem e/ou saírem no horá-
cesso de delimitação e tentativas de controle dos múlti- rio estabelecido. É isso o que demonstra uma série de
plos tempos escolares. Realizar tal tarefa era, à época, relatos, como este da diretora do 3o Grupo:
26 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14
Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil
Uns meninos alegam que vão primeiro ao açougue ou que materializaram, tanto quanto outros dispositivos, a
fazer outras compras, outros a distância e agora no inverno gradual passagem ou transição da escola para uma di-
alunos há que chegam até as 8 horas e meia. Quando compa- nâmica muito mais racionalizada característica das so-
recem mais cedo, pedem permissão para sair antes da hora ciedades capitalistas.
regimental a fim de levarem almoço aos pais que trabalham. Apesar de a ação de professoras, alunos(as), dire-
Se eu me opuser, teremos de perder muita gente. Em todo o toras e, mesmo, inspetores nunca ter sido somente de
caso é o mesmo, porque a freqüência de alguns não passa de submissão à ordem escolar que se impunha, não pode-
fantasia. (Minas Gerais, 1910) mos deixar de reconhecer que mais e mais a escola foi
se constituindo como instituição específica, com seu tem-
Outras vezes, ao que tudo indica, era a própria po-
po e espaços próprios, apesar dos costumes, da saúde,
pulação, os pais das crianças, que fazia chegar até as
da higiene e da cultura daqueles(as) que a freqüenta-
diretoras a necessidade de que os horários escolares fos-
vam. A freqüência, por sinal, se ao longo do ano era
sem mais flexíveis, sob pena de precisarem retirar os
pura “fantasia” para alguns, como afirmavam diretoras
filhos da escola. Esta é a situação relatada, por exem-
em seus relatórios, em meses como dezembro, mês de
plo, pela diretora do 4o Grupo, quando solicita da Secre-
festas, era mais fantasiosa ainda. Mas contra isso muito
taria providências que evitem que o grupo tenha que fun-
pouco pôde fazer a escola, que, paulatinamente, foi dei-
cionar em dois turnos:
xando de funcionar no último mês do ano.
Devido à grande ocupação dos alunos em serviços do- A cultura escolar elaborada tendo como eixo
mésticos, muitos deles, pertencentes ao turno da manhã, são articulador os grupos escolares atravessou o século XX,
obrigados a se retirarem das aulas antes da hora regimental. A constituindo-se em referência básica para a organiza-
fim de sanar esta irregularidade, tenho tomado todas as provi- ção seriada das classes, para a utilização racionalizada
dências possíveis, sem ainda ter colhido o resultado desejável, do tempo e dos espaços e para o controle sistemático do
visto os pais dos alunos terem-me cientificado que, sendo im- trabalho das professoras, dentre outros aspectos. É, gros-
possível essa pequena interrupção, retira-los-ão do estabeleci- so modo, nesse e com referência a esse caldo de cultura
mento. Geralmente as aulas do turno da manhã não são bem que ainda hoje se elaboram as reflexões pedagógicas,
aceitas pela população do lugar, pela sua falta de recursos, mesmo aquelas que se representam, mais uma vez, como
sendo pois de urgente necessidade o aumento do prédio, a fim de costas para o passado e antecipadoras de um futuro
de preencher semelhante lacuna. (Minas Gerais, 1913) grandioso.
encouradas ou tecidas a junco. Comum mesmo era os alunos quérito sobre arquitetura colonial. Consultados arquite-
escreverem no chão, estirados de bruços sobre papéis de jor- tos, educadores e médicos que emitiram pareceres sobre
nal, ou então fazerem seus exercícios de joelhos ao redor de a arquitetura brasileira, o inquérito serviu a Azevedo
bancos ou à volta das cadeiras. (Nunes, 2000, p. 377) para propor um padrão de arquitetura escolar: o
neocolonial. Na sua concepção os edifícios escolares
Tidos como modelos de uma nova forma de reali-
deveriam trazer impressa na pedra a marca distintiva da
zar a educação escolar, sobretudo naquilo que possibili-
brasilidade, de forma a desenvolver nas crianças o ape-
tavam um melhor aproveitamento e um maior rendimen-
go aos valores pátrios e aos signos da nacionalidade.
to do tempo escolar, os grupos escolares tiveram uma
Nesse sentido, recorrendo a uma pretensa tradição ar-
história muito diferenciada nos diversos estados brasi-
quitetônica colonial, Azevedo indicava o estilo arquite-
leiros. Diferenciação essa que, de forma geral, seguiu a
tônico neocolonial como a arquitetura escolar por exce-
evolução da organização dos sistemas públicos estaduais
lência.
de ensino primário até o Estado Novo, quando diretri-
No ano seguinte, ao assumir a Diretoria Geral da
zes gerais sobre a educação no Brasil, emanadas de um
Instrução Pública do Distrito Federal (RJ), portanto, da
órgão central, o Ministério da Educação e Saúde, ten-
capital brasileira, iniciou um programa de edificação
diam a homogeneizar conteúdos, métodos, tempos e es-
escolar que, ao longo de 3 anos, construiu 9 prédios va-
paços escolares. Até então, a educação nos vários esta-
zados no estilo neocolonial. Segundo Azevedo, das 236
dos brasileiros (e nas diversas províncias do Império)
escolas do Distrito Federal, apenas 89, em 1927, fun-
seguia diretrizes próprias constituídas pelos Departamen-
cionavam em prédios próprios. Desses, somente 20 ha-
tos de Instrução Pública para os níveis de ensino primá-
viam sido construídos para abrigar escolas e, na avalia-
rio, profissional e normal: herança da divisão entre os
ção do diretor-geral, eram mal planejados: sem
poderes provinciais e imperial ocorrida em 1834.
iluminação adequada, circulação inconveniente, ambi-
Apesar de não instalados em todo o território na-
entes de recreio e instalações higiênicas incompatíveis
cional, os grupos escolares, nos anos 1920 e 1930, so-
com os ideais da educação sadia. Assim, em suas pala-
freram alterações na forma e na cultura escolares que
vras, cabia-lhe a enorme tarefa de criar e desenvolver
constituíam. As reformas de ensino, inspiradas em ideais
um plano coordenado de edificações escolares, visto que,
escolanovistas, em que pese a diversidade de propostas
até então, os prédios vinham sendo construídos aleatori-
que defendiam e de suas diferentes realizações,6 tende-
amente (Azevedo, 1931, p. 94).
ram a ressignificar tempos e espaços escolares.
Os princípios que deveriam reger as edificações
Em busca de uma maior homogeneização da men-
pautavam-se em necessidades pedagógicas (iluminação
sagem estética, cultural e ideológica que os prédios es-
e ventilação adequadas, salas de jogos, pátios de recrea-
colares veiculavam, em 1926 foi realizado por Fernando
ção, instalações sanitárias etc.), estéticas (promoção do
de Azevedo para o jornal O Estado de S.Paulo um in-
gosto pelo belo e pelo artístico), e nacionalizantes (cons-
tituição do sentido de brasilidade, pela retomada de va-
lores arquitetônicos coloniais e pelo culto às nossas tra-
6
O caráter descentralizado da administração do ensino primá-
dições). O ambiente, segundo o reformador, deveria ser
rio fez com que coubesse às Províncias e, depois, aos Estados desen-
educativo, ou seja, alegre, aprazível, pitoresco e com
volver a educação em seus territórios. Daí a dificuldade em se anali-
paisagem envolvente.
sar globalmente as mudanças efetuadas na educação primária no
Brasil. As alterações foram locais e diferenciadas. Apesar das varia-
ções tópicas, entretanto, nos anos 1920 e 1930 implementaram-se 1930), Rio de Janeiro (Carneiro Leão, 1923-1926; Fernando de Aze-
diversas reformas referenciadas em ideais da Escola Nova em alguns vedo, 1927-1930, e Anísio Teixeira, 1931-1935), Ceará (M.B. Lou-
estados, especialmente em São Paulo (Sampaio Dória, 1920-1925; renço Filho, 1922-1923), Bahia (Anísio Texeira, 1925-1927) e Per-
M.B. Lourenço Filho, 1930-1931; Fernando de Azevedo, 1933, e A. nambuco (Carneiro Leão, 1928-1930). Para um estudo sobre as re-
F. Almeida Jr., 1935-1936), Minas Gerais (Francisco Campos, 1927- formas ver, dentre muitos outros: Nagle, 1976, e Carvalho, 2000.
28 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14
Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil
As plantas davam visibilidade a vários aspectos dos vedo previa uma maior racionalização dos usos, com
ideais escolanovistas. Incorporavam ambientes como diferenciação de espaços para cada atividade realizada
gabinetes dentários e médicos e laboratórios, requisitos no interior da escola, prendia-se ainda a um conceito
das construções escolares desde os anos 1910. A entra- estético de prédio que remontava à monumentalidade dos
da única para alunos e alunas consolidava os princípios primeiros grupos escolares.
da co-educação defendidos pelos escolanovistas nos anos Caros, os suntuosos edifícios escolares construídos
1920. As bibliotecas e os museus escolares eram reva- nas primeiras décadas republicanas consumiam boa parte
lorizados. À mera observação indicada pelo ensino in- das já minguadas verbas da instrução pública. O esfor-
tuitivo, a escola ativa preceituava a atividade constante ço e o gasto desprendidos para dar a ver as realizações
do aluno. Assim, em vez de lugares de freqüentação, republicanas na área da educação popular passaram a
museus e bibliotecas passavam também a espaços de ser alvo de críticas à medida que se desenvolviam movi-
experimentação. mentos em defesa da democratização da escola pública.
Abolidas as carteiras fixas, cadeiras e mesas cons- Os prédios monumentais passaram, nesse momento, a
truíam novas maneiras de uso do espaço da sala de aula. significar a elitização da educação e o desprezo para
Distribuídos os alunos e alunas em grupos, a posição com a educação dos mais pobres. Ao criticar-se a
dos móveis era alterada, negando a frontalidade com o edificação da reforma Fernando de Azevedo, iniciava-
quadro-negro e deslocando da posição central a profes- se um movimento que iria permitir uma mudança na con-
sora. Na reorganização do espaço e na reordenação do cepção arquitetônica da escola no Brasil.
tempo, uma nova relação entre professor e aluno se es- Nos anos 1930, no Rio de Janeiro e em São Paulo,
tabelecia. uma nova política de edificações escolares se desenha-
A rígida repartição de horários da escola primária va. Anísio Teixeira, no Rio, em 1933, e Almeida Júnior,
era questionada pelos novos métodos, especialmente pelo em São Paulo, em 1936, apresentaram propostas para
de projetos. Anteriormente relacionada à higiene e a ca- construção de prédios escolares mais econômicos e sim-
racterísticas biológicas do aluno, a divisão consecutiva ples. Nesse mesmo período, em 1934, a Associação Bra-
do tempo escolar em atividades era substituída pelo tem- sileira de Educação organizava a primeira exposição
po psicológico do interesse. sobre arquitetura escolar. A padronização das plantas
passava também a atingir as fachadas. A arquitetura
“Não é a hora que fixa irremediavelmente o limite da
funcionalista oferecia modelos ampliáveis de escolas-
lição, é a necessidade psicológica”, do interesse despertado
padrão. O diálogo com os preceitos escolanovistas era
que o mestre deve aproveitar, tratando, sem limite de tempo, a
revitalizado.
matéria ou desenvolvendo o trabalho, por que a classe se inte-
Um novo inquérito, promovido por Almeida Jr., em
ressou e que ela mesma, por isto, não desejaria abandonar.
São Paulo, e publicado em 1936, trazia à luz várias crí-
(Azevedo, 1930, p. 15)
ticas às construções escolares efetuadas entre 1890 e
Os altos custos da construção escolar proposta por 1930. Educadores, arquitetos, engenheiros, médicos,
Azevedo renderam-lhe sérias críticas por parte de edu- higienistas e psicólogos eram chamados a opinar sobre
cadores cariocas e da imprensa. Afinal, dada a carência prédios escolares.
de escolas públicas no Rio de Janeiro e as vultosas so- Para o arquiteto e professor paulista José Maria das
mas empreendidas na construção de apenas 9 prédios – Neves, os novos edifícios deveriam ser simples e bara-
somente a Escola Normal, com todas as escolas anexas, tos, recusando o estilo colonial. De grandes proporções,
havia custado à Municipalidade, mais de 15 mil contos a arquitetura escolar não poderia admitir simetrias, nem
de réis – o plano de edificação escolar de Azevedo mos- deveria submeter a colocação de portas e janelas a pa-
trava-se insatisfatório num momento em que se pregava drões estéticos. Era à arquitetura funcional, racional, com
a ampliação da população brasileira no interior do ensi- uso de materiais da região e atendendo às condições de
no público primário. Se, por um lado, o projeto de Aze- clima, usos e costumes, e não a uma arquitetura de fa-
chadas, que caberia projetar as instalações escolares 1.300 alunos, e 12 classes, para 1.000 alunos. A vanta-
(Novos prédios, 1936, p. 63). gem do sistema de “platoon” residia na otimização do
Noemy da Silveira Rudolfer, professora de psico- aproveitamento do espaço escolar. As turmas não possu-
logia educacional da Escola Normal de São Paulo, esta- íam salas próprias. Divididos em pelotões, os alunos des-
belecia a relação necessária entre espaço e tempo esco- locavam-se por classes, distribuídas segundo disciplinas
lar. Ao defender uma aproximação mais íntima entre os e horários prefixados. Ao final de 1935, 25 novas escolas
espaços físicos e as atividades de alunos e professores, tinham sido edificadas no Distrito Federal, duas do “tipo
afirmava que só dessa maneira o espaço significaria tem- mínimo”; onze, “nuclear 12 classes”; uma, “nuclear 8 clas-
po: possibilidade de dilatação do período escolar para ses”; cinco, “platoon 12 classes”; uma, “platoon 16 clas-
uma vida mais real, mais integrada (Novos prédios, ses”; três, “platoon 25 classes” e uma, “escola-parque”;
1936, p. 95). além de reconstruída a Escola Machado de Assis, como
A proposta de Almeida Jr. projetava edifícios com tipo especial de 6 classes (Oliveira, 1991, p. 167).
4 a 25 salas, abrigando 40 alunos cada, em dois ou três Esse intrincado projeto associava necessidades di-
pavimentos, de acordo com a densidade populacional dos ferentes de espaço conforme a localização da escola,
bairros em que fossem instalados. Deveriam conter es- os recursos financeiros da Secretaria de Educação, as
paços para educação física, instalações médicas e condições topográficas de cada região e os princípios
dentárias, chuveiros e hortas para os estudos de botâni- pedagógicos. A integração das escolas-classe com as
ca e higiene escolar. Seriam ocupados em dois turnos. escolas-parque em horários alternados apresentava no-
No Rio de Janeiro, questões similares eram discu- vamente a relação espaço-tempo ressaltada por Noemy
tidas. Combinando um modelo de escolas nucleares ou Rudolfer.
escolas-classes com o das escolas-parque ou parques As novas construções escolares pretendiam um en-
escolares, a administração Anísio Teixeira trazia res- sino em tempo integral, oferecendo oportunidade para
postas ainda mais originais aos desafios de construir que a escola realizasse um dos ideais caros aos educa-
escolas baratas e em diferentes regiões. Buscando apoio dores renovados: a escola-laboratório. Abrindo-se para
no plano de remodelação urbanista proposto por Alfred teste das propostas elaboradas no exterior, permitia a
Agache, o Serviço de Prédios e Aparelhamentos Esco- observação e a sistematização do comportamento infan-
lares do Departamento de Educação elaborou um proje- til, a experimentação de novos métodos e práticas peda-
to de edificação escolar que visava atingir de maneira gógicas enraizados na realidade brasileira, a constru-
eqüitativa os diferentes bairros do Rio de Janeiro. ção de escalas e medidas, possibilitando a elaboração
Regiões menos densas populacionalmente teriam de parâmetros científicos do desenvolvimento dos no-
edificadas escolas “tipo mínimo”, com capacidade de 3 vos hábitos sociais e sua avaliação em padrões brasilei-
classes, 240 alunos. Para atender 1.000 alunos, até 12 ros, bem como a visibilidade das mudanças implemen-
classes, eram propostas “escolas nucleares”. Aproxima- tadas pela ação dos educadores novos no Brasil. A
damente a cada quatro “escolas nucleares”, correspon- proposta de uma ciência da criança brasileira encontra-
deria uma “escola-parque”, responsável pela educação va no alargamento do tempo escolar dedicado diaria-
física, musical, sanitária; pela assistência alimentar e mente ao ensino e à aprendizagem algumas das condi-
pelo uso da leitura em bibliotecas infantis e juvenis. O ções de possibilidade para ampliação de seus resultados.
uso desses espaços seria alternado, de tal sorte que, no Novamente, em 1947, o projeto de ensino em tem-
primeiro turno, a criança teria o ensino “propriamente po integral a partir da articulação entre escolas-classe e
dito”, e, no segundo, um parque escolar aparelhado escola-parque foi implantado por Anísio Teixeira, dessa
(Teixeira, 1935, p. 199). vez na Bahia, quando assumiu a Secretaria Estadual de
Complementando o plano, ainda seriam construídas Educação e Saúde.
escolas do tipo “platoon” (pelotão), em três diferentes Baseava-se em princípios similares à experiência
modelos: 25 classes, para 2.000 alunos; 16 classes, para carioca. A cada quatro escolas-classe, com capacidade de
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Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil
1.000 alunos, deveria corresponder uma escola-parque, Os prédios que se contam na rede, em número muito
para 4.000 alunos, funcionando em turnos alternados. inferior ao necessário, carecem de acomodações apropriadas e
Os tempos e os espaços escolares eram distribuí- não apresentam, em sua maioria, os requisitos essenciais para
dos, segundo Teixeira, da seguinte maneira: o funcionamento de uma escola pública. [...] A grande maioria
podemos dizer dessas escolas são instaladas em porões ou sa-
O corpo de alunos se matriculava nas quatro escolas-
las, em casas muitas vezes destinadas a precárias residências
classe, onde se organizariam pelas classes e graus convencio-
familiares, ou então construídas para fins outros, muito diver-
nais de cada escola e passariam metade do tempo do período
sos e sempre inadaptáveis. (p. 5-6)
escolar completo de 9 horas, dividido em 4 – 1 – 4 horas. A
outra metade do tempo decorreria na escola-parque, de orga- Os números apresentados pelos órgãos federais
nização diversa da escola convencional, agrupados os alunos, eram alarmantes. Das 6.700.000 crianças em idade es-
dominantemente pela idade e tipo de aptidões, em grupos já colar, apenas 3.200.000 estavam matriculadas. Das
não mais de 40, mas de vinte, que deviam, durante a semana, 44.000 unidades escolares em funcionamento, somente
participar de atividades de trabalho, atividades de educação 6.000 foram construídas para a função de escola e per-
física, atividades sociais, atividades artísticas e atividades de tenciam ao governo. Toda a argumentação, entretanto,
organização e biblioteca. Cada manhã, metade dos alunos es- sinalizava para um divisor de águas: ensino urbano e
taria na escola-parque e a outra metade distribuída pelas qua- rural. Os melhores edifícios e a maioria das matrículas
tro escolas-classe. Ao meio-dia, os alunos da manhã das esco- encontravam-se nas cidades. O campo era apresentado
las-classe se dirigiriam para a escola-parque, onde almoça- como lócus da carência. De fato, afirmavam que prati-
riam, descansariam em atividades de recreio e, depois, se dis- camente toda a população em idade escolar (7 a 12 anos)
tribuiriam, de acordo com o programa, pelas diferentes ativi- não acolhida pela escola localizava-se nas zonas rurais.
dades da escola-parque. E os alunos que haviam passado a A proposta para a construção de escolas rurais ba-
manhã na escola-parque iriam, por sua vez, almoçar nas esco- seava-se no ideal de construções simples, sem padrão
las-classe e se distribuiriam, a seguir, pelas suas atividades definido, reguladas por um conjunto de requisitos es-
escolares. (Teixeira, 1967, p. 249-250) senciais, tais como salas de aula, pátio coberto para re-
creio, banheiros e casa para o professor, contendo sala,
Em 1950, era inaugurado o Centro Educacional
cozinha e dois quartos. Dos 6.160 prédios previstos, entre
Primário Carneiro Ribeiro, primeiro e único conjunto a
1948 e 1949, 1.216 escolas haviam sido construídas.
associar escolas-classe e parque, na Bahia. Experiência
As edificações eram fruto de acordos estabelecidos en-
divulgada pelas Nações Unidas, permaneceu em funcio-
tre o INEP e os territórios e estados brasileiros, utili-
namento até 1998. O Centro tinha como proposta, ain-
zando recursos provenientes do Fundo Nacional do En-
da, oferecer residências para crianças abandonadas.
sino Primário (decreto-lei 4.958, de 14.1.1942).
A educação primária em tempo integral, entretan-
As crescentes simplicidade e economia nas cons-
to, não era o maior desafio que se apresentava para edu-
truções escolares propostas, seja para a cidade, seja para
cadores no fim da década de 1940. A extensão da rede
o campo, disseminadas mais amplamente sobretudo nos
escolar para o interior, zonas de fronteira e de coloniza-
anos 50 e 60, indicavam que se alteravam as concep-
ção imigrante no sul do país, parecia requerer medidas
ções acerca dos espaços escolares e, portanto, do lugar
mais imediatas. Pelo menos era dessa maneira que se
da escola no meio social brasileiro. Em lugar da suntuo-
pronunciava o governo sobre a questão. O tom da fala
sidade exibida no início da República, a luta pela demo-
oficial em muito assemelhava-se aos diagnósticos ela-
cratização da escola fazia-se sentir em prédios funcio-
borados no fim do século XIX sobre o ensino brasileiro.
nalistas, tecnicamente projetados para uma educação
A publicação Novos prédios escolares para o Bra-
rápida e eficiente, com lugares específicos para acolher
sil, editada pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagó-
maquinário, como mimeógrafo, e propiciar um controle
gicos (INEP) junto com o Ministério da Educação e
do corpo docente através de mecanismos administrati-
Saúde (MES), em 1949, assim formulava a questão:
vos cada vez mais capilares, e nas soluções mais rústi-
cas, que associavam ensino formal à casa do professor, pecífico e um tempo determinado conseguiu ser hege-
nas zonas rurais. mônica na sociedade, de tal sorte que não se questiona a
Os tempos escolares também progressivamente se necessidade de construção de prédios, nem da permanên-
dilatavam, seja verticalmente (duração do curso), seja cia da criança no interior da escola, os significados desse
horizontalmente (na grade de horário e na permanência espaço e desse tempo escolares ainda são objeto de luta.
do aluno (a) na escola). Entretanto, apesar de experiên- A repartição das salas e dos corredores, a localiza-
cias isoladas, as crianças ficavam na escola primária ção e o formato de janelas e portas, a distribuição de
por aproximadamente 5 horas diárias, durante 5 anos. A alunos e alunas na sala de aula e nos demais espaços da
extensão do ensino fundamental para 8 anos só se daria, escola dos nossos atuais prédios apontam para a cons-
de fato, a partir da década de 1970, com a promulgação trução de lugares concebidos como cientificamente
da Lei de Diretrizes e Bases 5.692/1971 e com a extinção equacionados, em função do número de pessoas, tipo de
dos grupos escolares. iluminação e cubagem de ar. Frias, as paredes e as salas
conformam a imagem de ensino como racional, neutro e
Considerações finais asséptico. Implicitamente se afastam do ambiente esco-
lar características afetivas. Mentes, mais do que corpos,
Em que pesem as alterações materiais da escola ao estão em trabalho. E, nesse esforço, a escola abandona
longo desses dois últimos séculos e a cristalização de a criança para constituir o aluno.
uma representação social de escola como um espaço A distribuição do tempo escolar em aulas, períodos,
dedicado especificamente à aprendizagem, ainda hoje, anos e cursos indica também uma concepção sucessiva
no Brasil, não há prédios escolares para a população e parcelada do ensino. Segmentados, os conhecimentos
infantil, nem distribuição de material escolar, como car- se acumulam, sem necessariamente se relacionar. O tem-
teiras, a todo território nacional. Os jornais denunciam po escolar se associa às horas em que se permanece na
salas de aula sem carteiras, trazendo imagens de crian- escola, contabilizadas em sinetas, recreios, cadernos, da
ças sentadas em bancos de tijolos ou madeira (Folha de mesma maneira que nos ponteiros do relógio. O que se
S. Paulo, 30 de março de 2000), ou cidades sem esco- faz durante esse tempo é o objeto em disputa. Como se
las, em que meninos e meninas são obrigados a longas gasta ou usa o tempo de estada no espaço escolar é o
caminhadas ou a cruzar fronteiras nacionais para estu- que cada vez mais se põe em xeque à medida que se
dar (Folha de S. Paulo, 10 de abril de 2000). alteram as demandas sociais.
Pode-se afirmar que hoje todos queremos escolas.
As escolas existentes nas grandes cidades, princi-
Mas, neste momento em que discutimos nos mais diver-
palmente, são pichadas, demonstrando claramente a pou-
sos fóruns educacionais – das reuniões em sala de aula
ca identidade de alunos (as) com o espaço físico que
aos debates do Conselho Nacional de Educação – a res-
habitam. Feios, cercados por muros altos e muitas vezes
peito dos novos espaços “virtuais” da educação escolar,
com grades e cadeados, os prédios escolares asseme-
quais são as múltiplas representações de escola, de es-
lham-se a espaços de reclusão.
paço e tempo escolar que estão em jogo nesses desejos?
O tempo escolar, por outro lado, também não con-
Nossa história tem sido sempre muito pródiga em discus-
seguiu se impor totalmente. Apesar de associado inti-
sões, mas a construção de uma escola de qualidade é,
mamente à escola, o tempo de estudo não é uma realidade
ainda hoje, sem dúvida um dos nossos maiores desafios.
para todas as crianças brasileiras. A miséria, provocan-
do a necessidade do trabalho infantil para a família, im-
pede, muitas vezes, a permanência no ensino fundamen- LUCIANO MENDES DE FARIA FILHO é professor de Histó-
tal, a freqüência mínima ao ano letivo, e até a estada de ria da Educação na Faculdade de Educação (UFMG), onde coordena
um dia completo na escola (chegando o (a) aluno (a) o Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação/GEPHE e
atrasado (a) ou saindo mais cedo). o Projeto Integrado de Pesquisa “Escolarização, culturas e práticas
Se a representação da escola como um espaço es- escolares” que conta com o apoio da FAPEMIG e do CNPq. É pes-
32 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14
Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil
quisador-bolsista do CNPq e coordenador do GT História da Educa- Rio de Janeiro: DP&A Editora. Tradução Alfredo Veiga-Neto.
ção da ANPEd. E-mail: [email protected]
GONDRA, José G., (2000). Medicina, higiene e educação escolar.
In: LOPES, E.M.T. et al. (org). 500 anos de Educação no Brasil.
DIANA GONÇALVES VIDAL é professora de História da
Belo Horizonte: Autêntica/ Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.
Educação da Faculdade de Educação (USP), onde coordena o Centro
de Memória da Educação e o Projeto Integrado de Pesquisa “Maté- HILSDORF, M.L., (1986). Francisco Rangel Pestana : jornalista,
rias e métodos na escola pública primária republicana”, que conta político, educador. Tese de Doutorado em Educação. Faculdade
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34 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14