Livro Introdução À Fisica

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Física

Introdução a Física

Célio Rodrigues Muniz


Lázara Silveira Castrillo

Geografia

12

História

Educação
Física

Ciências Artes
Química Biológicas Plásticas Computação Física Matemática Pedagogia
Física

Introdução a Física

Célio Rodrigues Muniz


Lázara Silveira Castrillo

3a Edição Geografia

12

História
Fortaleza
2013

Educação
Física

Ciências Artes
Química Biológicas Plásticas Computação Física Matemática Pedagogia
Pedagogia
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Sumário
Apresentação .................................................................................................................5
Parte 1 - Do Empirismo Primitivo à Cinemática Galileana......................................7
Capítulo 1 – As primeiras visões de mundo: Pré-História e Pré-Socráticos........9
Introdução.................................................................................................................9
1.1 Empirismo Primitivo.........................................................................................10
1.2 Tales de Mileto..................................................................................................13
1.3 Pitágoras...........................................................................................................14
1.4 Zenão................................................................................................................15
1.5 Os Atomistas....................................................................................................16
Capítulo 2 – O Mundo Aristotélico/Ptolomaico.......................................................19
2.1 Aristóteles..........................................................................................................19
2.2 Ptolomeu...........................................................................................................22
Capítulo 3 – O início do fim do reinado Aristotélico/Ptolomaico ........................25
3.1 Okcham............................................................................................................25
3.2 Copérnico.........................................................................................................26
3.3 Bruno.................................................................................................................27
3.4 Kepler................................................................................................................28
Capítulo 4 – Galileu e o nascimento da Mecânica..................................................33
4.1 Galileu...............................................................................................................33
4.2 A Cinemática....................................................................................................34
Parte 2 – Das Leis da Mecânica à Estática dos Fluidos 41
Capítulo 1 – A Mecânica Newtoniana........................................................................43
Introdução...............................................................................................................43
1.1 Isaac Newton....................................................................................................43
1.2 As Três Leis do Movimento.............................................................................47
1.3 A Lei da Gravitação Universal.........................................................................53
1.4 Trabalho e Energia...........................................................................................57
1.5 A Física dos Corpos Rígidos...........................................................................63
1.6 A Física dos Corpos Fluidos............................................................................66
Parte 3 - Da Termodinâmica às Ondas Eletromagnéticas 69
Capítulo 1 – Termodinâmica.......................................................................................71
Introdução ..............................................................................................................71
1.1 Conceitos básicos............................................................................................71
1.2 Temperatura. Lei Zero da Termodinâmica......................................................74
Escala de Temperatura..........................................................................................74
1.3 Calor. Trabalho. Primeira Lei da Termodinâmica...........................................78
1.4 Entropia. Segunda Lei da Termodinâmica.....................................................83
1.5 Equações de Estado de um Gás Ideal...........................................................84
Capítulo 2 – Eletricidade e Magnetismo...................................................................89
2.1 Carga Elétrica...................................................................................................89
2.2 Quantização da Carga Elétrica.......................................................................91
2.3 Princípio da Conservação da Carga Elétrica.................................................91
2.4 O Campo Elétrico.............................................................................................92
2.5 Processos de Eletrização................................................................................93
2.6 Condutores e isolantes....................................................................................95
2.7 Lei de Coulomb ...............................................................................................96
2.8 Corrente Elétrica e Diferença de potencial....................................................97
2.9 Magnetismo......................................................................................................98
2.10 Ondas Eletromagnéticas, Espectro............................................................101
Capítulo 3 – Eletromagnético e a Óptica................................................................101
Parte 4 - Da Relatividade Einsteiniana à Mecânica Quântica..............................103
Capítulo 1 – As Teorias da Relatividade de Einstein............................................105
Introdução.............................................................................................................105
1.1 O Princípio da Relatividade de Galileu.........................................................105
1.2 O Princípio da Relatividade de Einstein.......................................................107
1.3 A Cinemática Relativística.............................................................................110
1.4 A Dinâmica Relativística................................................................................113
1.5 A Teoria da Relatividade Geral......................................................................115
Capítulo 2 – A Teoria Quântica da Matéria..............................................................119
2.1 A Luz e o Espectro do Corpo Negro.............................................................119
2.2 O Efeito Fotoelétrico......................................................................................123
2.3 O Efeito Compton...........................................................................................124
2.4 Modelos e Espectros Atômicos.....................................................................125
2.5 Propriedades Ondulatórias dos Elétrons e o Surgimento da
Mecânica Quântica..............................................................................................130
2.6 Heisenberg e o Princípio da Incerteza.........................................................132
Sobre os autores..................................................................................................135
Apresentação

Existem muitos livros de Física Básica à disposição de instrutores e es-


tudantes de graduação. Como justificar, então, a edição de um novo texto
abordando esse tema? A justificativa se dá pelo fato de que esse texto chega
para completar um processo de educação em implantação no Estado do Ce-
ará. Com o objetivo de ser o livro texto do curso à distância da disciplina de
Introdução à Física da Universidade Estadual do Ceará, esse material didáti-
co, que trata da Física Básica em seu mais amplo espectro, excede em muito
os seus objetivos e é um excelente livro didático para qualquer curso de nível
superior que aborde os fundamentos históricos e conceituais da Física.
O presente livro texto é, portanto, uma tentativa de expor os conceitos
básicos de uma forma moderna e pragmática. Isso se evidencia logo na pri-
meira unidade, onde é feita uma revisão dos conceitos filosóficos que levaram
ao desenvolvimento dos princípios da Mecânica. Nesse sentido, a Mecânica
Newtoniana é tratada de uma forma objetiva, mas com referências históricas
importantes para complementar a formação do estudante em um nível mais
universal. As definições das grandezas físicas fundamentais são bem desta-
cadas para que não fique dúvida sobre quais são os aspectos importantes a
serem observados pelo estudante. A discussão sobre a Mecânica Newtoniana
se encerra com as seções sobre corpos rígidos e fluidos, onde é feita uma
generalização do que foi descrito para poucas partículas a um sistema de
muitas partículas.
A terceira unidade trata da Termodinâmica e do Eletromagnetismo,
onde os aspectos fundamentais são vistos numa sequencia bem compreen-
sível. Em particular, a discussão sobre quantização e conservação de carga
é feita de uma forma bastante acessível. E, para completar, o livro texto tem
em sua quarta unidade uma discussão bem moderna sobre e as Teorias da
Relatividade e a Estrutura Quântica da Matéria. O material apresentado tem
uma linguagem fácil de ser absorvida sem deixar o nível científico vulgarizado.

Raimundo N. Costa Filho


London, Ontario, Canada
Outubro de 2009.
Introdução a Física 7

PARTE 1
Do Empirismo Primitivo à
Cinemática Galileana

Objetivos:
l Compreender as origens do pensamento racional no ocidente a respeito do
conhecimento da Natureza e sua evolução até o surgimento da Cinemática.
Capítulo 1
As primeiras visões de mundo:
Pré-História e Pré-Socráticos
Introdução
Veremos nesta unidade, inicialmente, como era o conhecimento do
mundo natural antes do surgimento da ciência moderna, baseado, na auro-
ra dos tempos, puramente no empirismo, como na descoberta do fogo, por
exemplo. Muito tempo depois veio a especulação, primeiro de caráter místico/
religioso, depois filosófico.
Na história do ocidente, o pensamento racional iniciou-se com os gre-
gos antigos, notadamente com os chamados filósofos Pré-Socráticos. Estes
foram os primeiros a pensar o mundo físico em termos não-místicos. Tales de
Metabolismo (do grego
Mileto, por exemplo, sem apelar a deuses ou outros seres fantásticos, afirma- metabolismos,
ra que “Tudo é Água”, frase que incorpora a primeira tentativa de unificação μεταβολισμός, que
da natureza, ainda objeto de intensas pesquisas por parte dos físicos contem- significa “mudança”,
troca) é o conjunto de
porâneos.
transformações que as
Depois trataremos de Aristóteles e Ptolomeu, o primeiro afirmando que substâncias químicas
o movimento de um corpo só poderia existir enquanto a sua causa estiver ain- sofrem no interior dos
organismos vivos. O
da em ação e que a física dos céus era diferente da física da Terra. O segundo
termo “metabolismo
construiu um intrincado modelo astronômico em que a Terra ocupava o centro celular” é usado em
do Universo. referência ao conjunto
de todas as reações
Trataremos, em seguida, da Física Medieval, que é quase inteiramente
químicas que ocorrem nas
dominada pela Escolástica, na qual a “ciência” de Aristóteles e Ptolomeu foi células. Estas reações
consagrada como dogma pela Igreja Católica. Quem ousasse ir contra esse são responsáveis pelos
sistema sofreria duras penas. Mas nem tudo são trevas: há também nesse processos de síntese e
degradação dos nutrientes
período filósofos que contribuíram para a evolução do pensamento acerca do
na célula e constituem a
mundo natural, como Guilherme de Ockham. base da vida, permitindo o
Sobre o início da era moderna, não poderíamos deixar de falar a res- crescimento e reprodução
das células, mantendo
peito de Nicolau Copérnico e seu Sistema Heliocêntrico, que causou uma
as suas estruturas e
verdadeira reviravolta em nossa visão de mundo. Posteriormente, testemu- adequando respostas aos
nharemos o lento e difícil nascimento da ciência como hoje a conhecemos, seus ambientes http://
baseada, primeiramente, na observação e matematização do mundo, ana- pt.wikipedia.org/wiki/
Metabolismo.
lisando a fundamental contribuição de Johannes Kepler para o estabeleci-
10 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

mento das leis do movimento dos corpos celestes (planetas) e, em segundo


lugar, na experimentação, com o que surge o método científico, a partir do
qual Galileu estipulou as leis do movimento dos corpos terrestres, fundando a
Cinemática, ou o estudo do movimento sem considerar suas causas físicas,
abrindo caminho para a elaboração do genial sistema de mundo formulado
por Isaac Newton.

1.1 Empirismo Primitivo


Uma lebre magra e pequena foi tudo quanto se caçou em mais um
desses dias perdidos na longa e nebulosa noite da pré-história. Famintos e
exaustos, quatro bípedes nus arrastam a lebre e a si próprios pelo vale. O
calor é torturante e nuvens ameaçadoras cobrem o impiedoso céu, que há
muitas noites esconde suas belas e cintilantes pepitas, deixando triste o cora-
ção daqueles seres.
Algo vago e inquietante os aflige, e a sensação de uma perda iminente
os paralisa e angustia. Súbito, um arrepio percorre seus corpos e o rugido te-
nebroso como o de um urso colossal atravessa os céus. Um grito estridente,
porém humano, ecoa pelo vale. O grupo detém-se e percebe, horrorizado,
que um deles está deitado, morto, coberto de uma fuligem negra. Espirais de
fumaça levantam-se de seu corpo inerte. A lebre que o homem trazia também
está escura e queima as mãos de quem ousa tocá-la.
De repente, torrentes de água são despejadas dos céus, enquanto os
sobreviventes veem, estarrecidos, luzes que cegam serpenteando sobre suas
cabeças, deixando árvores próximas no mesmo estado que aquele irmão e
aquela lebre: escuras e fumarentas. Movidos pelo instinto, correm sem rumo
até se esconderem na cavidade de uma grande rocha.
Ali esperam em sobressalto que a tempestade passe. Enquanto isso,
lembram-se de que estão com uma fome verdadeiramente atroz. Felizmente,
não haviam esquecido de trazer a lebre e, como agora estavam reduzidos a
três, poderiam satisfazer seus estômagos por mais tempo. Dão-se conta de
que a carne úmida está mais macia e mais saborosa que de costume e rapi-
damente devoram-na, deixando apenas os ossos e a pele tostada daquilo que
foi uma lebre.
Alguns dias depois, o mais sagaz daquele grupo espreita outra lebre,
segurando uma grande pedra. Com destreza, arremessa-a na direção do ani-
mal, mas este é mais ágil e esquiva-se prontamente. O homem, no seu bal-
bucio gutural ininteligível, resmunga algo que, se pudéssemos compreender,
o pudor não nos permitiria traduzi-lo. Nesse ínterim, a pedra atirada choca-se
com uma maior, quando, dentre elas, o homem vê emergirem uns riscos de
luz que roçam o capim seco logo abaixo. Ele acerca-se do local e observa
uma pequena fumarola erguendo-se da vegetação.
Introdução a Física 11

Instantaneamente, a cena de dias atrás se reproduz em seu cérebro,


e ele revê aqueles rasgos ziguezagueantes de luz fulgurante precipitando-se
dos céus, derrubando homens e árvores, deixando-os quentes e expelindo fu-
maça. Subitamente, o homem percebe, à sua maneira pré-histórica de pensar,
que o que acaba de presenciar é um fenômeno em menor escala semelhante
àquele que matara seu irmão. Ele novamente toma em suas mãos a pedra
arremessada e bate-a com força na outra. Mais uma vez escapam dentre
elas os mesmos riscos de luz, numerosos e fugazes, de modo que instintiva-
mente procura bater em pontos próximos ao capim seco, obtendo o resultado
inconscientemente desejado, isto é, fumaça, calor e novamente... luz. Sim,
uma luz que dança, intensa, corpórea e avermelhada... Ou seria alaranjada,
azulada? Ele não sabe precisar e muito menos nomear as cores. Apenas per-
cebe que são cambiantes e as compara com a penugem das aves canoras
e agitadas que já tivera oportunidade de observar. Ou com o tênue arco-íris
que se seguiu àquela trágica tempestade. Aproxima suas mãos espalmadas
e sente o forte, porém agradável calor. Então, sua boca semidesdentada se
abre em um largo sorriso e seus olhos brilham mais que a luz neles refletida...
O resto da história, bem, já é mais ou menos conhecido ou imaginado.
A descoberta e o domínio do fogo podem ter constituído a primeira das
grandes revoluções tecnológicas experimentadas pelo Homo sapiens, que
permitiu ao homem cozer seus alimentos (facilitando sua digestão e eliminan-
do micro-organismos patogênicos), afugentar feras e, talvez, proporcionar as
primeiras formas de socialização (homens, mulheres e crianças reunidos em
volta da fogueira). Curiosamente, o calor gerado em processos ordinários de
combustão desempenhará outro importante papel, centenas de milhares de
anos mais tarde, durante a primeira grande revolução tecnológica, também
chamada de industrial, iniciada na Inglaterra do século XVIII. A ciência da Ter-
modinâmica foi consequência direta dessa revolução.
Muito antes que os homens se organizassem em sociedades e estas se
tornassem complexas o bastante a ponto de serem chamadas de civilizações,
há cerca de 50.000 anos, vivia-se isolada e precariamente de acordo com o
instinto de sobrevivência, como qualquer outro animal. Segundo Eduardo Ga-
leano (Espelhos – Uma História Quase Universal):

“Na intempérie inimiga, ninguém nos respeitava e ninguém nos temia.


Enumere outras
A noite e a selva nos causavam terror. Éramos os bichos mais vulnerá- revoluções tecnológicas
veis da zoologia terrestre, filhotes inúteis, adultos de nada, sem garras, da História.
nem grandes presas, nem patas velozes, nem olfato longo.”

Mas a seleção natural havia dotado aquela espécie – a nossa espécie


– de um equipamento biológico privilegiado em relação às suas presas e pre-
dadores: um cérebro de robustas dimensões. A cena descrita no início desta
12 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

seção, apesar de imaginada, dá-nos uma idéia do quanto esse órgão, que pesa
pouco mais de 1 kg, juntamente com os seus delicados acessórios, como olhos,
ouvidos, nariz e mãos livres, sensíveis e hábeis, permitiu que fôssemos obser-
vando e manipulando objetos da natureza, comparando entre si fatos e fenô-
menos naturais, inicialmente de forma tosca e fragmentada, com o propósito de
garantir a mera sobrevivência de nossos estômagos e de nossa prole.
Com a passagem dos milênios, sob a reflexão e a ação de milhões de
seres humanos, a partir de um vasto conjunto de observações colhidas na
sofrida labuta de seus cotidianos e transmitida às gerações seguintes a partir
do desenvolvimento da linguagem, lentamente foram se estruturando nossas
atuais idéias e práticas humanas, como também nossa sólida compreensão
e manipulação do mundo natural em que nos inserimos e com o qual interagi-
mos incessantemente. Assim, com o tempo, as visões do mundo vão se amal-
gamando e se transformando em visões de mundo. Ou seja, fatos observados
no mundo geram interpretações a respeito do mesmo.
O processo inverso também se verifica, isto é, visões de mundo contri-
buem para que se tenham inéditas visões do mundo. Esta via de mão dupla
é particularmente movimentada no domínio da ciência. No âmbito da Física,
protótipo de todas as ciências, fica bem evidenciada na dicotomia teoria/ex-
perimento, a qual lhe é inerente. As observações, controladas ou não, bem
como os dados coletados dos experimentos científicos, alimentam ou ajudam
a construir uma teoria da mesma forma que o discurso bem fundamentado
e articulado dessa teoria antecipa novos aspectos dos fenômenos naturais,
verificáveis (ou não) em laboratório.
Muitos estudiosos da história das ciências afirmam que as primeiras ra-
cionalizações a respeito do mundo começaram quando o homem, em algum
momento de sua trajetória histórica, desembaraçou-se, embora não comple-
tamente, da visão mágica e mítica que dele possuía, isto é, daquela que se
deixava impregnar de deuses, heróis e outros seres fantásticos, produtos de
mentes férteis, ignorantes ou meramente oportunistas. Vejamos um exemplo
desses mitos, que trata da criação do mundo, extraído de um texto chinês de
cerca de 600 a.C:

“Phan Ku, o Criador Gigante, saiu de um ovo e começou a criar o mun-


do usando um cinzel para esculpir os vales e montanhas. Em seguida
ele colocou o Sol, a Lua e as estrelas no céu, e morreu assim que es-
sas tarefas tinham terminado. Os fragmentos de seu próprio corpo aju-
daram a completar o mundo. O crânio de Phan Ku formou a abóbada
celeste, sua carne deu origem ao solo, seus ossos se transformaram
nas rochas e seu sangue gerou os rios e mares. Seu último suspiro
produziu o vento e as nuvens, enquanto seu suor transformava-se na
Introdução a Física 13

chuva. Seu cabelo caiu na Terra, criando a vida vegetal, e os PIOLHOS Aprofunde e dê mais
escondidos em seus cabelos forneceram a base para a ESPÉCIE HU- exemplos do conceito de
MANA! E como o nosso nascimento exigiu a morte de nosso criador, empirismo.
fomos amaldiçoados com a tristeza eterna”.

Bem antes do surgimento dessas visões míticas ou religiosas, a frágil


e deambulante criatura humana desejava unicamente sobreviver, o que era
muito penoso naqueles tempos, como já afirmado e ilustrado anteriormente.
Os esboços de racionalizações que tal criatura empreendia, nessa distante
época, eram meras e simples associações de idéias, frágeis nexos causais
ou correlações entre eventos não muito dessemelhantes e parcamente de-
senvolvidos a partir dos escassos e imediatos fatos que podia apreender do
mundo. Com o desenvolvimento da linguagem, pôde, enfim comunicar suas
descobertas a outros indivíduos e legá-las às gerações seguintes, possibilitan-
do sua continuidade enquanto espécie.
A esse modo prático e pouco eficiente de raciocinar do homem pré-
-histórico denominamos empirismo primitivo.

1.2 Tales de Mileto


Nada das racionalizações e/ou representações do mundo formuladas
pelo homem pré-histórico ficou registrado para a posteridade, afora alguns
interessantes rabiscos em grutas espalhadas pelo mundo. Contudo, o que
se consolidou enquanto história foi que um grupo de homens, já possuidores
do dom da escrita e que se vestiam e moravam decentemente, mas que ain-
da não faziam a barba, não tendo porque colocar a serviço da subsistência
imediata o resultado de suas análises e reflexões, passou a meditar longa e
exaustivamente a respeito de tudo quanto o ócio criativo trazia às suas men- Tales de Mileto
tes, inebriadas de vinho e do sol da Anatólia, atual Turquia, na Ásia Menor. 640-545 a.C.
Isso, lá pelos idos do séc. IV ou V antes de Cristo, ou séc. I ou II antes de
Sócrates, daí esse grupo de, bem, por que não chamá-los pensadores, serem
comumente apelidados de pré-socráticos.
Não apenas relações triviais e corriqueiras entre conceitos e fatos vizi-
nhos ou assemelhados eram por eles estabelecidas, como normalmente se
fizera até ali, mas amplas abstrações e generalizações, foram empreendidas
por aqueles homens. Como na afirmação de Tales de Mileto, formulada a partir
de suas longas observações e meditações sobre a physis (natureza), de que
“Tudo é Água” – expressando a intuição de que todos os corpos são feitos de
uma única essência ou substância. Tal forma de pensar o mundo nos remete ao
sonho dos físicos teóricos de nossa época de encontrar um único conjunto de
princípios do qual seriam derivadas todas as leis que governam os fenômenos
naturais, a chamada “Teoria de Tudo” (em inglês TOE - Theory of Everything).
14 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Uma Candidata a Teoria É importante que se diga que a capacidade de generalização desenvol
de Tudo vida por esses homens da antiguidade, como Tales, decorre basicamente de
Supercordas: Considerada
a teoria mais promissora,
suas mentes matemáticas. O raciocínio matemático parte de determinadas
embora muito distante proposições ou enunciados para, de acordo com certas regras e procedimen-
de uma confirmação tos, chegar a novas proposições ou enunciados, alguns de caráter bastante
experimental, postula geral. Como sabemos, àquele pensador é atribuída à formulação do chamado
basicamente que os
objetos fundamentais
Teorema de Tales, que estudamos em nossos cursos colegiais de Geometria
da natureza não são Plana, segundo o qual um feixe de retas paralelas, ao interceptar duas retas
partículas puntiformes, e concorrentes, determina segmentos de reta cujas medidas guardam relações
sim minúsculos filamentos de proporção entre si.
de energia que vibram
incessantemente. Os Embora as teorias cosmológicas e cosmogônicas desse período da
estados de vibração história não sejam explicitamente colocadas nos moldes de hipóteses e teses
desses filamentos dariam matemáticas, afirmamos que a mente matemática bem treinada de alguns
conta de todos os demais
objetos do mundo e, em
desses pensadores, como Tales, contribuiu sobremaneira para a preparação
última instância, de todos e formulação de princípios gerais contidos nessas teorias. Veremos que, se no
os fenômenos naturais. passado, a relação entre inferências acerca da natureza e a matemática era
bem indireta ou fortuita, hoje há uma dependência quase que visceral entre elas.

1.3 Pitágoras
Pitágoras de Samos (c.570-496 a.C.) também fez afirmações de ca-
ráter universal, recorrendo diretamente a idéias e conceitos matemáticos, e
propôs que “Tudo é Número”. Foi uma generalização do que esse filósofo e
matemático observou a partir dos sons oriundos de um instrumento musical
chamado monocórdio, que era constituído de uma única corda esticada e
presa em suas extremidades sobre uma caixa de ressonância. Pitágoras per-
cebeu que os sons produzidos pelo instrumento eram mais “harmônicos”, ou
soavam de forma mais agradável aos ouvidos, quando se tangia a corda ao
mesmo tempo em que era fixada em certos pontos intermediários, desde que
esses pontos dividissem a corda em segmentos que representassem frações
simples do seu comprimento total. Pitágoras ampliou esta idéia ao conceber
Pela primeira vez,
com Pitágoras e o seu que o mundo como um todo era composto de harmonias expressas a partir de
monocórdio, um fato relações numéricas ou proporções simples entre números inteiros.
natural (a vibração O conceito grego de cosmos representa bem essa idéia de harmonia
de uma corda fixa
nas extremidades)
e proporção estendida para o Universo. Ele também se faz presente na arte
foi compreendido em produzida a partir desse período – denominada clássica, que se manifesta
termos de conceitos não só na pintura, escultura e arquitetura, mas também no teatro, literatura e
matemáticos, antecipando música. Esse ideal grego de ordem e beleza fundamenta-se na relação bem
em dois mil anos o que
Galileu estabeleceria
proporcionada entre as partes que formam as obras artísticas, estabelecendo
como princípio e diretriz determinados padrões e regras no seu dimensionamento e na sua composi-
da moderna Física. ção, os quais foram retomados sucessivamente em diferentes períodos da
história ocidental da arte, como no Renascimento.
Introdução a Física 15

1.4 Zenão Diferentemente do que


afirmava Zenão, a Física
Zenão de Eléia, nascido em 489 a.C., foi outro pré-socrático que exer-
Clássica de Galileu e
ceu enorme influência sobre gerações inteiras de pensadores. Seu objeto Newton estabeleceu
maior de reflexão e de crítica foi a realidade do movimento. Ele identificava a que, tanto a velocidade
noção de estar com a de ser - um objeto situado em um lugar jamais poderia instantânea quanto
a posição entram na
sair dele, uma vez que a posição ocupada pelo mencionado objeto era parte
definição do estado de
integrante de sua essência, ou do seu ser, de modo que o movimento, na uma partícula. Ou, numa
perspectiva de Zenão, seria ilusório. linguagem mais filosófica,
o movimento, juntamente
Esse filósofo ilustrou tal idéia com a estória da corrida entre Aquiles e
com o lugar ocupado pela
a tartaruga: se fosse dada uma vantagem adicional ao réptil, Aquiles jamais o partícula, caracteriza a
alcançaria, uma vez que, quando o veloz herói atingisse a marca de onde par- sua essência ou ser.
tira a tartaruga, esta teria avançado um pouco, e assim por diante até o infinito.
Este é um dos famosos paradoxos de Zenão.
Hoje sabemos que não há nada de errado com a idéia do infinito, pre-
sente em nossos conceitos ordinários de espaço e tempo. A moderna análise
matemática deu-nos rigorosas definições a respeito do contínuum, o qual sus-
tenta a definição dos números reais. Com base nesse contínuo, pressupõe-
-se a existência de infinitos números reais entre dois reais quaisquer, os quais
não podem ser postos em correspondência biunívoca com os inteiros. Por
essa razão, os matemáticos dizem que eles são não-enumeráveis, ou seja,
incontáveis.
Segundo outro argumento usado por Zenão para refutar a idéia de mo-
vimento, uma flecha disparada nunca atingiria o alvo, pois ela teria de percor-
rer metade da distância inicial entre o arqueiro e o alvo, depois a metade da
distância restante e assim ad infinitum. Hoje, sabemos que é perfeitamente
possível somar quantidades infinitas de números e obter-se um valor finito,
como no caso das progressões geométricas de razão menor que um. Assim,
1 1 1
por exemplo, temos que + + + ... = 1.
2 4 8
É um fato conhecido que, no início, os gregos tiveram dificuldades mo-
numentais em lidar com números incomensuráveis - como o irracional 2 .
Há a lenda do homem que demonstrou a irracionalidade deste número (isto é,
que não pode ser expresso pela razão entre dois inteiros) e foi assassinado,
pois tal demonstração constituía uma afronta, um sacrilégio ao conceito pita-
górico de harmonia e perfeição, da matemática e do mundo. Os paradoxos Dê outros exemplos de
de Zenão talvez sejam, em última instância, sintomas dessa incompreensão somas finitas com infinitos
ou não aceitação dos números irracionais. termos.
16 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

1.5 Os Atomistas
Prosseguindo em nosso estudo sobre os pré-socráticos, vamos conhe-
cer outros pensadores que deram um passo extraordinário na compreensão
de aspectos fundamentais do mundo natural, mas cujas idéias foram pratica-
mente silenciadas por mais de dois milênios. São os chamados filósofos ato-
mistas e seus dois expoentes são Leucipo de Eléia e Demócrito de Abdera. O
primeiro, de acordo com o filósofo Aristóteles, escreveu uma obra intitulada A
Grande Ordem do Mundo, a respeito da qual só existem referências de outros
autores, como a do já citado filósofo. Nessa obra, Leucipo teria lançado as
bases do atomismo, que consiste na afirmação de que o mundo é constituído
de entidades fundamentais indivisíveis chamadas átomos (em grego, tomos
significa partes, e a é o prefixo que exprime negação).
O discípulo de Leucipo, Demócrito, retomou e desenvolveu esta idéia
em sua vasta obra escrita (o historiador e biógrafo antigo Diógenes Laércio
menciona mais de noventa livros), da qual restam pouquíssimos fragmentos.
Ele também se baseou no lampejo que teve quando cheirou um pão recém-
-saído do forno, imaginando que partículas extremamente pequenas e, por-
tanto, invisíveis, se desprendiam do alimento e voavam até seu nariz, sensibi-
lizando-o agradavelmente.
Assim, Demócrito sustenta que os átomos movimentam-se no vazio e
tudo quanto há no mundo, desde corpúsculos insignificantes até as mais altas
montanhas, passando por rios, oceanos, ventos e seres vivos, são ajuntamen-
tos dessas unidades fundamentais, reunidas em maior ou menor grau de coe-
são. Uma idéia que, apesar de bastante antiga, aproximou-se razoavelmente
bem daquilo que temos hoje como um paradigma inquestionável da Física,
embora saibamos que os átomos já não são indivisíveis. Nas palavras do físi-
co norte-americano R. Feynman, em suas Lições de Física, vol. I:

“Se em alguma catástrofe, todo o conhecimento científico fosse destru-


ído e só uma frase pudesse ser passada para a próxima geração, qual
seria a afirmação que conteria a maior quantidade de informação na
menor quantidade de palavras? Eu acredito que seria a hipótese atô-
mica (ou fato atômico, como queira chamá-lo), de que todas as coisas
são feitas de átomos - pequenas partículas que se agitam em cons-
tante movimento, atraindo-se umas às outras quando separadas por
pequenas distâncias, mas repelindo-se ao serem comprimidas umas
contra as outras.

Leucipo e Demócrito não só anteciparam em 24 séculos um conceito


Defina, com suas que hoje em dia nos é muito caro, como o de átomo, mas há nele também o
palavras, o conceito de embrião daquilo que veio a ser denominado determinismo mecanicista que,
paradigma. com Isaac Newton, tornou-se a pedra angular de nosso modo de compreender
Introdução a Física 17

a natureza. Essa visão de mundo prescreve que as partículas que constituem Pesquise e escreva
o Universo interagem entre si em sequências de eventos de causa e efeito, a respeito de outros
filósofos pré-socráticos;
como bolas se chocando em uma mesa de bilhar, por exemplo. Tais eventos
Faça um relatório da
estão na base de todo e qualquer fenômeno natural, de forma que conhecer o importância da filosofia
comportamento individual dessas partículas – o modo como interagem entre platônica para a história
si e o movimento que executam – é conhecer todo o resto. da ciência;
Fale a respeito dos
Alguns também se referem a esse tipo de concepção como reducionis- filósofos Lucrécio e
mo, isto é, todo fenômeno pode e deve ser decomposto e analisado em ter- Epicuro, que resgataram e
mos dos entes fundamentais que participam do referido fenômeno. Em uma divulgaram o pensamento
atomista na Roma antiga;
linguagem contemporânea, dizemos que as propriedades macroscópicas de
um sistema físico devem ser derivadas do comportamento dos entes micros-
cópicos subjacentes. Ou, ainda mais sucintamente, o mundo macroscópico
emerge do microscópico.
Aqui nos despedimos do pensamento pré-socrático, dando um grande
salto no tempo, ignorando alguns importantes filósofos, como Sócrates e Pla-
tão, até chegarmos a Aristóteles.
18 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo
Capítulo 2
O Mundo Aristotélico/
Ptolomaico
2.1 Aristóteles
Já citamos na seção anterior o filósofo Aristóteles. Nasceu em Estagira,
na Macedônia, no ano de 384 a.C., viveu até 322 a.C. Foi discípulo de Pla-
tão e um profundo conhecedor de tudo quanto se produziu intelectualmente
na Grécia até a sua geração. Forneceu grandes contribuições para o pensa-
mento ocidental, as quais exerceram uma influência avassaladora durante os
séculos seguintes, a ponto de se tornarem a base para a Escolástica, que é
o conjunto das doutrinas mantidas e ensinadas pela Igreja Católica durante a
Idade Média.
A caracterização e sistematização do pensamento lógico, abstraído de
sua roupagem matemática, foi uma das primeiras e importantes contribuições
de Aristóteles para a Filosofia e para as ciências. Hoje em dia, rigor de pensa-
mento é um dos requisitos básicos exigidos de todos aqueles que se dedicam
a qualquer área das ciências. Nas exatas, como a Física, esse rigor é funda-
mental. Dê exemplos de um
O estudo de tal maneira rigorosa de pensar é a Lógica. Consiste em silogismo indutivo.
estabelecer a formalização e estruturação de sentenças ou proposições de
modo a se chegar a conclusões necessárias e inequívocas. Tal método de
encadeamento de sentenças é conhecido por silogismo e é denominado in-
dutivo (quando se parte de premissas particulares e se chega a conclusões
gerais) e dedutivo (quando, do contrário, se parte do geral para o particular).
Exemplo deste último: “Todos os homens são mortais; Sócrates é homem,
logo Sócrates é mortal”. A lógica também deve nos prevenir em relação aos
falsos silogismos, do tipo “A Terra é um planeta e tem vida. Marte é um pla-
neta, logo ele deve ter vida”. A filosofia natural (ou
física) aristotélica era
A principal contribuição de Aristóteles para a Física foi ao estudo do mo- de caráter teleológico,
vimento. Conforme vimos, Zenão não acreditava na realidade do movimento isto é, as causas dos
e seus argumentos eram bastante intuitivos. Aquele filósofo, de certo modo, movimentos eram finais.
Não havia um “porquê”
atualizou e incorporou em seu pensamento as idéias de Zenão, sem descartar
dos corpos se moverem,
a idéia de movimento de suas reflexões. e sim um “para quê”.
20 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Aristóteles afirmou que o movimento acontecia na medida em que:


1) Os corpos tendessem a procurar o lugar que lhes cabia no mundo –
os chamados movimentos naturais;
2) Houvesse algum agente ou causa externa atuando no sentido de tirá-
-los de seu estado natural – os movimentos violentos.
Assim, por exemplo, os corpos pesados (ou graves, daí o nome gravi-
dade), possuindo o elemento terra em sua constituição, tendem a cair para o
solo, seu lugar natural. Os corpos leves, como a fumaça ou o vapor, tendem
a mover-se para o alto, pois são formados com o elemento fogo. E o mesmo
ocorreria com os demais corpos, dotados dos elementos água e ar.
Para Aristóteles, quanto mais pesado um corpo, mais prontamente ele
procura o seu lugar natural junto à Terra, ou seja, mais rapidamente ele cai.
Isto era bastante intuitivo, pois a experiência ordinária mostrava que os corpos
leves demoravam mais tempo a chegar ao solo do que os pesados. Somente
Galileu, no século XVII, desconstruirá essa idéia com sua famosa experiência
da torre de Pisa.
Por outro lado, a flecha atirada pelo arqueiro só mantém o seu movi-
mento “não-natural” ou violento enquanto a ação que a impulsionou ainda está
presente. Segundo essa visão, a flecha vai se deslocando mais lentamente
até cair, isto é, até prevalecer o movimento natural, devido à diminuição da
ação do agente motor sobre ela. A idéia de inércia ainda estava longe de ser
concebida, uma vez que, no sistema aristotélico, não poderia haver movimen-
to se não houvesse o agente motor. Essa noção teria de esperar quase dois
mil anos para ser formulada de forma consistente.
Aristóteles tomou emprestada uma antiga idéia do pré-socrático Empé-
docles de Agrigento, a de que o mundo material (sublunar) é formado pelos
quatro elementos já citados (terra, ar, fogo e água). O filósofo macedônico
acrescentou a esses elementos propriedades (ou qualidades, como ele de-
nominou) de calor, frio, secura e umidade. De acordo ainda com o seu pen-
samento, esses elementos poderiam ser convertidos um no outro por meio da
qualidade que possuíssem em comum. O princípio material que deu forma a
esses elementos é que seria imutável.
Tal pensamento veio a influenciar a alquimia, um conjunto de precei-
tos e conhecimentos a respeito das substâncias naturais perseguido durante
muitos séculos por sábios (e charlatães), tanto do ocidente como do oriente,
no sentido de dominar a matéria. Os alquimistas tinham dois objetivos básicos:
encontrar a pedra filosofal, que permitiria a transmutação de um metal ordi-
nário, como chumbo, em ouro, e o elixir da vida, que tornaria o homem imor-
tal. O esforço empreendido pelos alquimistas no sentido de alcançar esses
Introdução a Física 21

objetivos resultou no aprimoramento de técnicas de manipulação das subs-


tâncias químicas, como, por exemplo, a destilação. A esses ancestrais dos
químicos modernos também é atribuída a descoberta de alguns elementos
químicos, como o fósforo, bismuto, arsênico, zinco e antimônio.

Horror ao infinito

A Eletrodinâmica Quântica
foi desenvolvida durante
Fig.1.1 - Esquema indicando os quatro elementos e suas propriedades a primeira metade do
século XX de nossa era e
Baseando-se em uma idéia de Platão, Aristóteles postulou a existência é a teoria que unificou o
de um quinto elemento, a quintessência, que seria o lugar ou meio de perma- eletromagnetismo clássico
nência dos corpos supralunares, isto é, daqueles que estavam situados para de Faraday/Maxwell
além da Lua, os quais executariam seus movimentos naturais de acordo com com os postulados da
mecânica quântica,
trajetórias circulares. Para Aristóteles, o mundo celeste era incorruptível e os explicando com enorme
astros feitos de uma matéria eterna e imutável. Assim, o movimento natural precisão os fenômenos
desses astros deveria ser circular, pois o círculo era tido como a forma geo- decorrentes da interação
métrica mais perfeita que existe. Mesmo o movimento aparentemente errático da luz com a matéria em
nível microscópico.
dos planetas poderia ser visto como uma combinação ou superposição de No início de sua
diversos movimentos circulares. Essa idéia, como veremos, foi aprimorada formulação, o cálculo
por Ptolomeu no século II de nossa era. de algumas grandezas
físicas resultava em
Aristóteles asseverou também que a natureza tem horror ao vácuo (hor- valores infinitos e uma
ror vacui), uma vez que esse hipotético meio não ofereceria qualquer resis- nova técnica matemática,
tência ao movimento dos corpos. De acordo com ele, se houvesse vácuo os chamada renormalização,
corpos mover-se-iam com velocidade infinita, o que seria um absurdo. Não teve de ser inventada
para banir esses infinitos
era a primeira vez, e nem seria a última, que a idéia do infinito assombrava as da teoria, o que valeu o
cabeças dos que procuravam entender o funcionamento do mundo natural prêmio Nobel de Física
(vide hipertexto). Com esta crítica à idéia de vácuo, e ao considerar que obje- para I. Tomonaga, R.
tos extensos indivisíveis são impensáveis do ponto de vista matemático, Aris- Feynman e J. Shwinger
em 1965.
22 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Discorra e discuta com tóteles contribuiu para que o pensamento atomístico caísse no ostracismo.
seus colegas o significado Vimos que tal pensamento requeria a existência do vácuo como meio onde os
da frase “para Aristóteles, átomos devessem se mover.
a física dos céus era
diferente da física
terrestre”.
2.2 Ptolomeu
Cláudio Ptolomeu (110 – 170 d.C.) viveu a maior parte de sua vida em
Alexandria, província do Egito que foi dominada pelos romanos, e onde existiu
a maior biblioteca jamais construída até então, à qual havia anexos um mu-
seu e um zoológico. Para este centro de pesquisas do mundo antigo afluíam
sábios de todos os lugares, em busca das centenas de milhares de papiros
(fala-se em quase um milhão!) que reuniam todo o conhecimento humano da-
quela época. A biblioteca foi criminosamente incendiada no séc. IV de nossa
era, perdendo-se para sempre os tesouros de saber e cultura que abrigava.
O atual Modelo
Padrão das Partículas
Elementares (MPPE),
que descreve todas as
partículas elementares
conhecidas e as
interações entre elas, com
exceção da gravitacional,
passará, a partir de 2010,
por um grande teste
de validade no interior
do maior acelerador de
partículas do mundo
(LHC), construído a 100
metros de profundidade
na fronteira da Suíça
com a França. Apesar
do enorme sucesso do
MPPE na explicação Fig. 1.2 - A moderna Biblioteca de Alexandria
de inúmeros processos
físicos inerentes ao
mundo subatômico, há O sistema mecânico/astronômico ptolomaico, classificado como geo-
importantes previsões cêntrico, ou ainda geoestático, baseava-se na suposição aristotélica de que
aguardando confirmação
experimental. Uma delas
a Terra era fixa e os demais astros é que se moviam em círculos. Esta su-
é sobre a partícula de posição era bastante natural para o homem daquele tempo, pois, segundo
Higgs, a partir da qual sua visão, se a Terra girasse em torno de um eixo passando pelo seu centro,
são geradas as massas por exemplo, um objeto lançado verticalmente para o alto não cairia sobre o
das demais partículas,
e que até agora não foi
mesmo ponto de onde fora lançado. Veremos que essa percepção é comple-
detectada. A busca por tamente errônea.
essa partícula será um Para que o sistema de Ptolomeu descrevesse corretamente os movi-
teste decisivo para o
mentos do Sol, da Lua e dos cinco planetas conhecidos na época, como eram
MPPE.
vistos da Terra, ele teve de considerar que nem todos aqueles círculos tinham
Introdução a Física 23

o seu centro em nosso planeta. Alguns deles, que Ptolomeu chamou de epi-
ciclos, giravam em torno de pontos situados sobre outros círculos, os defe-
rentes, estes, sim, com centro localizado na Terra ou próximo a ela. Depois o
astrônomo acrescentou mais círculos e pontos extras, como os excêntricos
e os equantes, para dar conta de outros movimentos observados naqueles
astros. O sistema ptolomaico, descrito na sua obra magna Almagesto, pos-
suía grande complexidade, pois exigia a construção de dezenas de círculos
(mais precisamente, quarenta, contando com o das estrelas fixas) para que
se representasse o movimento de uns poucos corpos celestes. Não obstante,
era capaz de fazer previsões corretas sobre futuros eclipses solares e lunares,
tendo sido o sistema modelar utilizado por astrônomos do ocidente e do orien-
te próximo até o início do século XVII.
Cumpre ressaltar que essa capacidade de fazer previsões é a virtu-
de maior de toda e qualquer teoria científica. Um bom modelo teórico, além
de explicar fenômenos já conhecidos, tem de apontar a existência de novos
aspectos e/ou fatos da natureza, ainda não registrados. Este é o seu grande
teste de validade (vide hipertexto).

Fig. 1.3 - Esquema ilustrativo do sistema ptolomaico.


24 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo
Capítulo 3
O início do fim do reinado
Aristotélico/Ptolomaico
3.1 Okcham
Daremos outro salto gigantesco na história, o que não nos trará preju-
ízos, pois, como já assinalado, para as ciências físicas a Idade Média repre-
sentou apenas a consolidação do sistema aristotélico/ptolomaico. Isto se deu
graças à forte influência dos doutores da Igreja Católica, sendo o principal
deles São Tomás de Aquino, um dos elaboradores da doutrina escolástica.
Homens que se dispunham a questionar tal sistema de idéias eram invariavel-
mente condenados, quase sempre à morte, pelo poderoso tribunal do Santo
Ofício (conhecido também por Inquisição), que não poupava nem os próprios
integrantes da igreja.
Alguns, entretanto, tiveram a sorte de escapar com vida. Guilherme
de Okcham (1285-1347) foi um frade franciscano nascido na Inglaterra que,
cansado de se deparar com discussões estéreis motivadas pela escolásti- O conceito de ação à
distância foi uma recusa
ca, do tipo “quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete?”, começou a
à idéia aristotélica de
considerar seriamente a possibilidade de Aristóteles ter cometido equívocos que a ação entre os
em seu pensamento. corpos só poderia existir
por contato. Apesar de
Foi pioneiro ao propor a idéia de que o movimento poderia estar des-
Newton ter formulado a
vinculado da presença de um agente motor, diferentemente do que pensa- sua Gravitação Universal
va Aristóteles, idéia que contribuiu fortemente para a posterior formulação do em termos de ação à
princípio de inércia. Também foi um dos primeiros a considerar a possibilidade distância, achava-a
contra-intuitiva.
de haver ação à distância entre os corpos, conceito basilar na formulação
A atual descrição que
newtoniana da Lei da Gravitação Universal. os físicos fazem da ação
O filósofo inglês também se destacou por formular um princípio que entre os corpos é uma
espécie de síntese entre a
ficou conhecido como “navalha de Okcham”, o qual, ainda hoje, serve de guia
idéia da ação por contato
para muitos homens da ciência. Consiste na afirmação de que as necessida- e à distância: ela se dá por
des não devem ser multiplicadas arbitrariamente (princípio da economia), isto meio dos campos.
26 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

é, devemos ter predileção por hipóteses ou teorias mais simples, que exijam
uma quantidade mínima de leis ou proposições fundamentais, mas que consi-
gam explicar o máximo de fatos ou fenômenos da natureza.
O princípio da navalha de Okcham atingiu indiretamente o sistema de
Ptolomeu que, como vimos, era de uma complexidade enorme, a ponto do rei
Afonso X, o Sábio (1221-1284), grande mecenas da Astronomia, haver afir-
mado, ao ser apresentado ao sistema ptolomaico:
“Se o Todo Poderoso me tivesse consultado antes de iniciar a criação,
eu lhe haveria recomendado coisa mais simples”
Quando outro padre da igreja, Nicolau Copérnico, dois séculos depois,
propuser o sistema heliocêntrico, a navalha de Okcham será invocada para
que se decida entre os dois sistemas, uma vez que o de Copérnico era de
uma simplicidade consideravelmente maior e explicava igualmente bem todos
os movimentos dos astros.
A influência de Okcham no cenário intelectual da época foi profunda e
duradoura. A Igreja Católica não ficou indiferente a ela, punindo-o com a ex-
pulsão da Universidade e recusando conceder-lhe o grau de mestre em Teo-
logia. Um castigo que consideramos leve para os padrões daquela instituição.

3.2 Copérnico
Desde a época de Okcham, a Igreja Católica vinha se tornando muito
mais intolerante e repressiva com os promotores de idéias consideradas he-
réticas. O padre, matemático e astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-
1543) era sabedor disso, de modo que resolveu adiar a publicação do seu
tratado Sobre as Revoluções das Esferas Celestes, de 1540, embora tivesse
elaborado um manuscrito que fez circular entre amigos de confiança, no qual
expunha o seu sistema já em 1514 – os Pequenos Comentários de Hipóteses
Sobre os Movimentos Celestes. O primeiro exemplar impresso do tratado de
1540 chegou às mãos do autor em seu leito de morte.
Nessas obras, Copérnico demonstra que é completamente desneces-
sário o emprego e a superposição de tantos círculos, como ocorre no sistema
ptolomaico, para explicar o movimento dos planetas. Já comentamos que,
vistos da Terra, esses astros apresentam trajetórias bastante complicadas,
com diversas paradas e retrocessos em sua incursão pelo céu durante a noite.
Para Copérnico, entretanto, é suficiente que todos os planetas, inclu-
sive o nosso, executem órbitas circulares em torno do Sol com velocidades
angulares constantes, mas distintas entre si (rigorosamente, o centro desse
novo sistema não estava no Sol, e sim em um ponto bem próximo a esse
astro chamado equante, que é um elemento do sistema ptolomaico mantido
por Copérnico. Assim, as órbitas planetárias eram circulares, mas excêntri-
Introdução a Física 27

cas). Os planetas mais afastados do Sol girariam mais lentamente que os O primeiro sistema helio-
mais próximos. Por exemplo, o planeta menos distante, Mercúrio, perfaz uma cêntrico foi proposto
revolução em torno de nossa estrela em 80 dias terrestres, e Saturno, o mais por um grego da ilha
de Samos, chamado
distante que se sabia na época, em 30 anos.
Aristarco, 1800 anos
O sistema copernicano, consideravelmente mais simples que o de Pto- antes de Copérnico. Esse
lomeu, foi denominado heliocêntrico, pois o Sol ocupa o centro dos círculos notável astrônomo fez
observações e cálculos
concêntricos descritos pelos planetas. Nas palavras do próprio Copérnico:
no sentido de estimar os
“Imóvel, no entanto, no meio de tudo, está o Sol. Pois nesse mais lindo diâmetros do Sol, da Lua
e a distância da Terra a
templo, quem poria tal candeeiro em outro lugar melhor do que este, do
esses dois astros.
qual ele pode iluminar tudo ao mesmo tempo?”

Mais tarde, Kepler mostrará que Copérnico estava certo, com exceção
de que as trajetórias dos planetas são elípticas, e não circulares.

3.3 Bruno
Giordano Bruno (1548-1600) foi um entusiasta das idéias de Copérnico. Faça um estudo
comparativo entre
Defendia o heliocentrismo, mas por razões diferentes daquelas apresentadas sistemas heliocêntrico e
pelo astrônomo polonês. Ordenado frade dominicano, foi expulso da ordem geocêntrico.
por ter sido acusado de propalar idéias e práticas de magia, tendo de fugir da
Itália a fim de escapar das malhas da Inquisição. Percorreu vários países da
Europa, como França, Inglaterra e Alemanha, contribuindo para a dissemina-
Pesquise e defina o
ção do sistema copernicano por onde andou. conceito de Ano-Luz.
O ex-frade acreditava que o Sol ocupava o centro do nosso sistema
planetário. Sua crença era devida à influência que recebera dos textos de filo-
sofia hermética que havia lido, elaborada por um místico do Egito antigo cha-
mado Hermes Trimegisto. De acordo com essa filosofia, o Sol desempenhava
um papel primordial como fonte de vida e de emanações divinas.
Bruno se destacou também por imaginar que o Universo era de exten-
A idéia dos infinitos
são infinita, preenchido por infinitos sistemas planetários, muitos deles iguais mundos de Giordano
ou semelhantes ao da Terra e povoados com vida inteligente. Com essas Bruno ganha ainda
idéias, ele mais uma vez se contrapôs à Igreja, pois, de acordo com elas, mais sentido neste
início de século,
nosso lar planetário perdia sua prerrogativa de lugar escolhido por Deus para
quando a astronomia
a realização de Seus desígnios através da criação do homem, feito à Sua observacional vem
imagem e semelhança. descobrindo os chamados
planetas extrassolares,
Na concepção de Bruno, se o Cosmos é infinito, não há mais porque
que orbitam outras
considerarmos a Terra ou qualquer outro astro como o seu centro. Nesse as- estrelas. Atualmente,
pecto, ele foi além de Copérnico, pois nem o Sol era mais visto como o centro são conhecidos mais
de tudo. Isto significa que não existe um lugar ou posição privilegiada no Uni- de trezentos desses
objetos, e a meta é
verso, e esta foi uma brilhante antecipação do que os cosmólogos do século
tentar identificar mundos
XX vieram a formular com a finalidade de fornecer uma explicação científica planetários parecidos com
para a sua estrutura e evolução, o chamado Princípio Cosmológico. a nossa Terra.
28 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Esse princípio afirma que o Universo, quando observado a distâncias


maiores que 300 milhões de anos-luz, apresenta o mesmo aspecto ou apa-
rência, qualquer que seja a direção para a qual apontemos nossos instrumen-
tos. Dito de outra maneira, a matéria universal, formada pelas galáxias e seus
aglomerados, parece distribuir-se uniformemente em todas as direções. Ou
ainda, o Universo é homogêneo e isotrópico.
Bruno cometeu o erro fatal de retornar para a Itália, onde continuou a
divulgar suas idéias. Foi denunciado por um desafeto, preso, julgado e, após
um longo e penoso processo, condenado pelo tribunal da Inquisição a morrer
na fogueira. A execução ocorreu a 17 de fevereiro de 1600, em uma praça da
cidade de Roma.

3.4 Kepler
A revolução promovida por Copérnico começou a ganhar força a partir
das investigações de Johannes Kepler, nascido em 27 de dezembro de 1571,
em um pequeno vilarejo alemão de domínio luterano. Dedicou-se ao estudo
da Astronomia e da Matemática, passando a conhecer a fundo o modelo co-
pernicano. No início de sua carreira, ganhava a vida fazendo mapas astrológi-
cos para os nobres da época.
Logo após conseguir um posto de professor em uma escola luterana
da cidade austríaca de Graz, no ano de 1594, durante uma aula, Kepler teve
a extravagante idéia de inscrever os cinco sólidos perfeitos de Platão em seis
Johannes Kepler
esferas concêntricas que ele associou com a órbita dos planetas conhecidos,
incluindo a Terra, com o Sol ocupando o centro do arranjo. Esse modelo é
conhecido como a Taça de Kepler (vide fig.1.4), descrito com detalhes na sua
obra de referência Mysterium Cosmographicum, publicada em 1625.
Os sólidos de Platão são figuras geométricas tridimensionais fechadas,
cujas faces são formadas por polígonos regulares congruentes. Estas figuras
são o cubo, formado por 6 quadrados; o tetraedro, cujas 4 faces são triângulos
eqüiláteros; o dodecaedro, com 12 faces que são pentágonos; o icosaedro e
o octaedro, formados, respectivamente, de 20 e 8 faces que são novamente
triângulos equiláteros. No modelo proposto, a última esfera era a de Saturno
e, entre cada uma das demais esferas (correspondentes às órbitas de Júpiter,
Estabeleça e discuta com
Marte, Terra, Vênus e Mercúrio), Kepler inscreveu os sólidos regulares na or-
seus colegas a distinção
entre Astronomia e dem acima descrita.
Astrologia.
Introdução a Física 29

Fig. 1.4 - Modelo de Kepler


para o Sistema Solar

Dessa forma, Kepler pôde determinar, por meio de argumentos puramen-


te geométricos, o tamanho da órbita dos planetas conhecidos com um erro de
apenas 5%, uma vez que a razão entre as distâncias das esferas ao centro do
arranjo era praticamente a mesma obedecida pelas órbitas planetárias! Coinci-
dência? Talvez... Contudo, a descoberta dos outros três planetas (Urano, Netu-
no e Plutão) do Sistema solar, muitos anos depois, fez cair por terra o arranjo ke-
pleriano, que era verdadeiramente impressionante. Esse modelo é considerado
uma tentativa de conciliar as velhas concepções gregas de harmonia e ordem
com as modernas e revolucionárias idéias de Copérnico.
Essa idéia de harmonia ou música das esferas, que vem desde a
época de Pitágoras, perseguiu a mente de muitos homens, mesmo depois
de Newton haver formulado sua Lei da Gravitação Universal. Assim, Johann
Daniel Titius (1729-1796) encontrou uma lei empírica que relacionava os nú-
meros naturais às órbitas dos planetas, de forma semelhante à que Pitágoras
associou com a vibração de uma corda. Vale a pena conhecê-la nas palavras
do próprio Titius:

“Tome-se a distância do Sol a Saturno como 100 unidades, Mercúrio


distará do Sol 4 dessas unidades; Vênus 4 + 3 = 7 unidades; a Terra
4 + 6 = 10; Marte 4 + 12 = 16. No entanto, note-se que entre Marte e
Júpiter há um desvio a esta progressão, uma vez que a seguir a Marte
vem 4 + 24 = 28 unidades, onde até ao presente nenhum planeta foi
descoberto. Será que o Construtor deixou este espaço livre? Nunca!
Sem dúvida este lugar é ocupado por um satélite de Marte, que ainda
não foi descoberto [...]. Depois temos a posição de Júpiter 4 + 48 = 52
e Saturno 4 + 96 = 100. Mas que relação tão curiosa.”
30 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

De certa forma, a Lei de Multiplicando-se os números obtidos a partir dessa lei matemática, cuja
Titius será resgatada pelo expressão é Dn= 4 + 3 x 2n, com n = 0,1,2,3..., por 15.000.000, obtém-se a
modelo de Niels Bohr para
o átomo de hidrogênio,
distância média, em quilômetros, dos planetas ao Sol. Como lemos acima,
quase 150 anos depois. Titius afirmou que, para n = 3, não existe um planeta correspondente, e sim
Neste modelo, as órbitas um satélite de Marte. Na verdade descobriu-se, em 1801, o asteróide Ceres, o
permitidas aos elétrons maior de todos os que se situam no chamado Cinturão de Asteróides, entre
em torno do núcleo
atômico também são
as órbitas da Terra e Marte, a uma distância média descrita pela Lei de Titius
expressas em termos de com uma boa aproximação. A partir de 2006, Ceres foi classificado pela União
números inteiros, isto é, Astronômica Internacional como Planeta-Anão, juntamente com o ex-planeta
são quantizadas. Plutão e mais três outros astros que orbitam o Sol.
Não obstante o enorme sucesso granjeado pela Lei de Titius, a exemplo
do que ocorreu ao modelo de Kepler, ela veio a perder sua credibilidade quan-
do deixa de se aplicar ao planeta Netuno, descoberto no ano de 1846.
Mas voltemos a Kepler. Este, juntamente com outros professores da
escola onde ensinava, apesar do grande prestígio que havia conquistado, foi
expulso da cidade de Graz pelas autoridades vinculadas à Igreja Católica, que
se tornara ainda mais intolerante com o estabelecimento da Contra-Reforma.
Recebe, então, um convite para trabalhar em Benatek, nos arredores de Pra-
ga, e lá foi acolhido pelo eminente astrônomo dinamarquês Tycho Brahe. Este
Use a Lei de Titius para homem, durante trinta anos, realizou minuciosas observações dos astros com
Neturno e compare o instrumentos que ele mesmo havia projetado, as mais acuradas feitas antes
resultado encontrado
com a distãncia média
da invenção do telescópio, e guardava consigo as anotações de tudo o que
real deste planeta ao Sol havia observado.
(pesquise). A discrepância Uma dessas observações, por exemplo, tratava de uma estrela nova
é grande ou pequena?
(vide hipertexto) que surgira na constelação de Cassiopéia, descoberta quan-
do Brahe tinha vinte e seis anos. Esse registro tornou-se importante porque
derrubava a tese aristotélica, muito cara à Igreja Católica, de que os céus,
A estrela observada para além da esfera lunar, eram imutáveis e, portanto, incorruptíveis. Com
por Brahe, em 1572, foi efeito, Brahe demonstrou que essa nova stella estava situada na esfera das
uma Supernova, que estrelas fixas, bem mais distante, portanto, da Terra do que a Lua.
representa o estágio final
da evolução de estrelas Kepler só teve acesso aos preciosos registros de Brahe após a morte
de grande massa. deste, ocorrida em 1601. De posse dos mesmos, passou a estudar a órbita
Nessa ocasião, a estrela, do planeta Marte, a mais complicada de todas quando observada da Terra.
não mais suportando seu
enorme peso, desaba Verificou que essa trajetória não se adequava ao modelo de Copérnico, e,
sobre si mesma, para após muitos cálculos e reflexões, percebeu que a única curva a ser seguida
em seguida explodir num pelo planeta em seu trânsito ao redor do Sol, compatível com as observações
evento de gigantesca precisas de Brahe, era a elipse. E assim, ele pôde formular sua Primeira Lei
magnitude, emitindo
bilhões de vezes mais do Movimento Planetário:
luminosidade que o nosso
“Os planetas seguem curvas que são elipses, com o Sol ocupando
Sol.
um dos seus focos.”
Introdução a Física 31

É importante que se diga que, apesar da Terra percorrer uma órbita A Hipótese Nebular –
elíptica em torno do Sol, a excentricidade, isto é, o achatamento dessa órbita Desde muito tempo,
sabe-se que as órbitas
é tão pequeno que a sua forma é praticamente a de um círculo. Se assim não planetárias situam-se
fosse, veríamos o diâmetro do disco solar maior em certa época do ano e me- em um plano comum,
nor em outra, o que nunca é observado, de modo que não devemos explicar ocorrendo pequenos
a sucessão das estações como decorrente da forma da órbita terrestre. As desvios para fora do
mesmo, o que levou o
estações são devidas, na verdade, à inclinação do eixo de rotação da Terra filósofo alemão Immanuel
em relação ao plano de sua órbita em torno do Sol. Kant (1724-1804) a
Kepler verificou também que Marte viajava mais rápido quando estava formular a hipótese de
que o Sol e os planetas
mais próximo do Sol e, mais devagar, quando estava mais distante, de forma foram gerados a partir
que enunciou sua Segunda Lei do Movimento Planetário, ou Lei das Áreas: de uma nebulosa muito
quente que girava com
“O raio vetor que liga o Sol ao planeta varre áreas iguais em tem- grande velocidade
pos iguais” angular. Devido, então,
aos efeitos centrífugos
As duas áreas hachuradas da fig. 1.5 têm a mesma medida e são percor- oriundos dessa rotação,
ridas, devido à Segunda Lei de Kepler, no mesmo intervalo de tempo. Podemos a nebulosa tornou-se
perceber que o arco sobre a elipse, correspondente à área de maior abertura bastante achatada, dando
origem ao plano no qual
angular, tem comprimento maior que o traçado sobre a outra área, de modo que atualmente orbitam os
o planeta é mais veloz nesse trecho, localizado mais proximamente ao Sol. planetas, formados a
partir de condensações da
referida nebulosa.

Fig. 1.5 - Primeira e Segunda


Leis de Kepler

Historicamente, a Primeira Lei foi descoberta depois da Segunda, mas,


por motivos didáticos, prefere-se enunciá-las na ordem aqui exposta. A razão
para a Segunda Lei ter sido descoberta primeiramente é que ela é a mais ge-
ral das três, válida para qualquer sistema cuja dinâmica é governada por uma
força central, isto é, por uma força que está sempre dirigida para um ponto fixo
do espaço. No caso dos planetas, esse ponto fixo – um dos focos da elipse –
está no Sol. O fato de termos uma força central regendo o comportamento dos
planetas determina também que eles sigam curvas situadas em um plano (vide
hipertexto). Kepler percebeu isto e abandonou seu modelo baseado nos sólidos
de Platão, que acomodava as órbitas planetárias em esferas concêntricas.
32 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Traçando uma elipse: Já a Primeira Lei aplica-se também para forças centrais, mas especi-
fixe, em um pedaço de ficamente para o tipo que varia com o inverso do quadrado da distância até
fórmica, dois pregos a dez
centímetros um do outro.
o centro, como é o caso da força gravitacional. Kepler não precisava conhe-
Ajuste um barbante em cer essa informação, nem a utilizou, pois seu objetivo era apenas adequar o
volta dos pregos e prenda traçado da curva do planeta às observações de Brahe. De qualquer forma
suas pontas. A seguir, ele intuiu, bem antes de Newton, que a gravidade deveria ser uma força que
deslize um marcador
(pincel para lousa branca,
obedece à lei do inverso do quadrado, em analogia ao que havia descoberto
por exemplo), posicionado antes em suas investigações sobre ótica, a saber, que a luminosidade de
entre os pregos e as uma fonte de luz também obedece a essa lei. Assim, o Sol, fonte de luz e de
pontas do barbante, vida também é a fonte de onde emanaria a força que guia os planetas em seu
forçando-o “para fora”.
A curva traçada sobre a
cortejo celeste.
fórmica é uma elipse, e os Kepler, dez anos após a publicação de sua obra Astronomia Nova ou
pregos ocupam os seus Física Celeste, de 1609, onde expôs as duas leis do movimento planetário que
dois focos.
descobriu, publica a Harmonia do Mundo, na qual descreve a Terceira Lei do
Movimento Planetário, ou Lei dos Períodos:

“A razão entre os quadrados dos períodos das órbitas de dois pla-


netas é igual à razão entre os cubos dos semi-eixos maiores de
suas órbitas elípticas”.
2 3
 T1  D 
Expresso em linguagem matemática, temos que   =  1  , onde
 T2   D2 
• Lei da Luminosidade de
Kepler: Vamos supor que os sub-índices 1 e 2 referem-se aos dois planetas em questão.
nos encontramos a certa
distância de uma vela
acessa. Se nos afastar-
mos para uma distân- Antes de morrer, em 1630, Kepler dedicou-se ao estudo da Ótica, e,
cia três vezes maior,
além da Lei da Luminosidade, descobriu outras leis associadas à trajetória e
quantas vezes sua luz
aparecerá mais fraca? curvatura da luz em lentes côncavas e convexas. O uso do telescópio estava
começando a se consolidar na prática da Astronomia e era conveniente co-
• Use a Lei dos Períodos nhecer como se processava a ampliação da imagem de objetos distantes, a
para encontrar a maior fim de se otimizar o desempenho de tais instrumentos a partir de seu projeto
distância de Marte ao e fabricação.
Sol. Dados: 1) Maior
distância da Terra ao Sol: Galileu Galilei, de quem falaremos na próxima seção, embora não tenha
152,1 milhões de km; sido o inventor do telescópio, teve um papel de grande importância como hábil
2) Período da órbita de construtor desses instrumentos e, mais ainda, ao empregá-los na observação
Marte em torno do Sol:
dos corpos celestes, realizando descobertas astronômicas extraordinárias.
780 dias.
Contudo, seu papel de maior relevância foi mesmo o de construtor da mo-
derna ciência, tal como hoje a conhecemos e praticamos.
• Comente as principais
descobertas astronô-
micas feitas por Galileu
com o uso do telescópio.
Capítulo 4
Galileu e o nascimento da
Mecânica
4.1 Galileu
Como vimos na seção anterior, os amplos e regulares movimentos dos
principais corpos celestes (“supralunares”, na terminologia aristotélica) foram
codificados por Kepler nas suas famosas três leis do movimento planetário.
Faltava agora codificar os breves e caóticos movimentos dos corpos terres-
tres (“infralunares”). Tal tarefa coube a Galileu Galilei (1564-1642).
Este matemático e astrônomo italiano, desde cedo, reconheceu a im-
portância de se fazer experimentos controlados com o propósito de minimizar
as perturbações, de eliminar ou reduzir ao máximo a interferência de fatores
que são alheios à natureza dos entes ou fenômenos que estão sendo inves-
tigados. Com isso, pretendia perceber regularidades também no movimento
dos corpos terrestres.
Galileu mostrou a necessidade de se instituir padrões de medidas para
as grandezas físicas, que fossem numericamente expressas, podendo ser
comparadas entre si nos diversos experimentos e relacionadas por meio de Para justificar o uso da
equações matemáticas. As grandezas e suas medidas são formuladas em Matemática no estudo dos
termos de conceitos físicos e as leis matemáticas que as relacionam carac- fenômenos físicos, Galileu
afirmou que a “linguagem
terizam um modelo teórico, que deve ser testado por meio de experimentos do mundo natural estava
reprodutíveis e capaz de prever resultados ainda não conhecidos. Esta é a escrita em caracteres
essência do chamado método científico, e Galileu parece ter sido o primeiro matemáticos”. O físico
a formulá-lo e utilizá-lo amplamente. húngaro Eugene Wigner,
no século XX, acreditava
Instituído o método, Galileu passou a investigar os movimentos que que a incomparável
ocorrem com os corpos na superfície da Terra como, por exemplo, com esfe- capacidade preditiva de
ras de metal em queda livre. Era de grande utilidade o estudo do movimento determinadas teorias
físicas estava no extenso
de esferas metálicas sob a ação da gravidade, isto é, de projéteis lançados uso que faziam da “nada
dos canhões que proliferavam naqueles tempos de intermináveis e numerosas razoável razoabilidade da
guerras, não muito diferentes do nosso. Esse estudo é denominado Balística. Matemática”.
34 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Como era complicado extrair me-


didas diretamente de esferas em queda
livre, Galileu concebeu a idéia de fazê-las
rolar sobre planos inclinados com superfí-
cies perfeitamente polidas, ou seja, com o
mínimo de irregularidades, a fim de reduzir
o atrito e diminuir sua taxa de variação da
velocidade, isto é, sua aceleração, durante
a queda. Este último conceito será definido
detalhadamente mais adiante.
Fig. 1.6 - Representação de uma esfera sobre um plano inclinado
Em seus experimentos, Galileu traba-
lhou com dois planos inclinados unidos em sua base por um terceiro plano,
horizontal. Ele observou que a esfera abandonada a partir de certa altura do
solo rolava pelo primeiro plano inclinado, percorria a superfície horizontal para,
em seguida, subir o segundo plano inclinado até alcançar a mesma altura de
onde havia partido. Repetiu diversas vezes esse experimento, estabelecen-
do inclinações e distâncias diferentes para os planos inclinados, mas obtinha
sempre o mesmo resultado: a esfera subia o segundo plano e atingia a mesma
altura de onda havia rolado inicialmente.
Foi aí que Galileu extrapolou os experimentos realizados, fazendo a se-
guinte pergunta: e se o segundo plano inclinado estivesse a uma distância infi-
nita do primeiro? Não haveria razão para a esfera interromper o seu movimento
no plano horizontal. Assim, concluiu que ela deveria prosseguir indefinidamente
no seu trajeto em busca do segundo plano inclinado, desde que não se consi-
derasse a resistência oferecida pelo ar. Que tipo de movimento seria este, en-
tão? Galileu verificara que quanto maior (ou menor) a inclinação do plano mais
rapidamente (ou lentamente) variava a velocidade da esfera. Como no plano
horizontal a inclinação era nula, não haveria variação da velocidade, ou seja, ela
deveria ser constante, ou seja, em movimento retilíneo e uniforme.
Com a ajuda desses experimentos, Galileu foi pioneiro ao estabelecer a
Lei da Inércia, que será enunciada por Isaac Newton alguns anos mais tarde,
demolindo de vez a suposição aristotélica de que é necessário um agente mo-
tor atuando sobre os corpos para que ocorra o movimento. Assim, ao abstrair
as causas do movimento dos corpos, Galileu foi o criador da Cinemática.

4.2 A Cinemática
Essa área de estudos da Física leva em conta apenas as relações exis-
tentes entre o espaço – cenário dos acontecimentos (lugar) - e o tempo – rit-
mo dos acontecimentos (duração). As propriedades intrínsecas das partículas
que se movimentam, bem como a forma com que interagem umas com as
Introdução a Física 35

outras, não são consideradas nessa análise. A relação dessas propriedades Hoje em dia, além de
e interações com o movimento das partículas constitui o objeto de estudo da relacionarmos diretamente
os conceitos de espaço
Dinâmica, que juntamente com a Cinemática, forma a Mecânica. e tempo por meio do
Iniciar o estudo da Física pela investigação do movimento é um bom conceito de velocidade,
começo, pois ele está presente em todos os fenômenos da natureza, desde a sabemos também que
há uma velocidade limite
frenética agitação das moléculas de um gás até o incessante recuo das dis- (máxima) na natureza
tantes galáxias de nosso Universo em expansão. Para o estudo da Cinemá- igual à velocidade da
tica, ou dos movimentos considerados per se, definir alguns conceitos como luz, o que implica que
velocidade e aceleração é imprescindível. espaço e tempo são
grandezas que não só
Examinemos o primeiro desses conceitos no tipo de movimento mais estão relacionadas entre
simples que existe – o movimento retilíneo uniforme. Os gregos antigos si, mas que também
tinham idéia do movimento uniforme, mas não puderam definir adequadamen- são essencialmente
indistintas.
te o conceito de velocidade, pois achavam que espaço e tempo eram concei-
tos radicalmente distintos um do outro, de modo que não achavam correto
dividir medida de espaço pela de tempo. Assim, definiam que um corpo está
em movimento retilíneo uniforme quando ele percorre distâncias que são pro-
porcionais aos tempos gastos em percorrê-las, ou seja, se em determinado
trecho do seu movimento em linha reta o corpo percorre uma distância d1 num
tempo t1 e, em outro trecho, percorre d2 num tempo t2, então:
d1/d2 = t1/t2 (1.1)

Sabiam também que é matematicamente correto fazer


d1/ t1= d2/ t2, (1.2)

mas não viam sentido em dividir grandezas de naturezas tão distintas,


de modo que preferiam a forma (1.1), perdendo a chance de formular adequa-
damente o conceito de velocidade (vide hipertexto).
Modernamente, definimos que se a razão (1.2), que chamamos de ve-
locidade média, for igual para qualquer trecho do movimento executado
pelo corpo, esse movimento é dito retilíneo e uniforme.
As unidades de medida mais frequentemente empregadas para a ve-
locidade são o m/s (metro por segundo), o km/h (quilômetro por hora) e o
cm/s (centímetro por segundo). A conversão entre essas unidades é fácil. Se Questão rápida: Se,
quisermos, por exemplo, converter m/s em cm/s (e vice-versa), basta lem- em movimento retílineo
brarmos que 1cm=1m/100 ou 100cm = 1m. Se quisermos também converter e uniforme, um corpo
percorre 20 metros em 5
para km/h, temos 1m=1km/1000 ou 1000m=1km, e ainda que 1h=3600s ou
segundos, quanto tempo
1s=1h/36. Então, por exemplo, levará para percorrer 60
1m metros? Qual é a sua
velocidade?
100 300 m
300
=cm / s 300
= = 3m / s
s 100.s
36 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Nesse outro exemplo, temos que


1km
200m / s 200
= = 1000 200. 3600
= km / h 720km / h
1h 1000
3600
Vamos assinalar com um marco referencial (ou marco zero) um ponto
da reta por onde trafega o móvel, como a placa “km 0” em uma BR. A partir
desse marco todas as distâncias serão medidas, de modo que a distância
inicial, isto é, aquela medida em relação ao marco zero quando acionamos
nossos relógios ou cronômetros para monitorar o movimento, será escrita do-
ravante como s0. Ao fim de certo tempo t medimos novamente a distância do
móvel até o marco zero, que chamaremos simplesmente s, e que obviamente
será uma função do tempo cronometrado t. Assim, de (1.2) a velocidade mé-
dia será definida por
s − s0 , (1.3)
=v
t
onde s - s0 é a distância percorrida. Se o movimento é uniforme, então
a velocidade média v será a mesma qualquer que seja s e s0, e a relação (1.3)
é simplesmente denominada velocidade. Se quisermos encontrar a distância
final s em relação ao marco zero depois de um tempo t, temos, então,
s (t=
) s0 + vt (1.4)
Assim, no movimento retilíneo e uniforme, a relação entre a distância
final e o tempo de percurso é linear (dependente apenas da potência primeira
do tempo).
Além do exposto, pode-se considerar a possibilidade de termos um
móvel se deslocando em linha reta cuja velocidade sofre variação, como no
caso examinado por Galileu, quando fez esferas de metal rolarem por pla-
nos inclinados. Aqui entra o conceito de aceleração. Da mesma forma como
definimos velocidade média, definiremos aceleração média, a, como sendo
a variação da velocidade (v-v0) dividida pelo tempo t em que se deu (ou se
observou) essa variação:
v − v0 (1.5)
=a
t
O tipo de movimento acelerado mais simples que existe é o uniforme-
mente variado e acontece quando, para qualquer medida de v0 e v ao longo
do deslocamento do corpo, obtivermos sempre o mesmo valor para a quan-
do dividirmos a variação da velocidade pelo tempo gasto t. Neste caso, essa
Introdução a Física 37

grandeza é simplesmente denominada aceleração e, de (1.5), temos que a


velocidade final v pode ser calculada, desde que saibamos qual a velocidade
inicial v0, o tempo t e a aceleração a:
v= v0 + at (1.6)
As unidades de medida mais usadas para aceleração são o m/s2 e o
cm/s , pois aceleração indica, no primeiro caso, variação de velocidade (m/s)
2

por unidade de tempo (s), de modo que temos (m/s) /s=m/s.s=m/s2. Assim, um
corpo que tinha uma velocidade inicial de 5m/s e a aumentou uniformemente
para 10m/s em um tempo de 10s, sofreu uma aceleração de a = (10 m/s - 5
m/s) /10 s = 0,5 m/s2.
Galileu descobriu que o movimento uniformemente variado ocorre com
corpos próximos à superfície da Terra, em queda livre ou rolando por planos
inclinados, desde que efeitos de atrito sejam desprezíveis. Esse cientista ita-
liano também descobriu que os corpos, independentes de seu peso ou
constituição interna, caem com a mesma aceleração, escrita nos textos
científicos como g e é igual a aproximadamente 9,8 m/s2. Essa descoberta re-
presentou outro golpe para a Física de Aristóteles, que afirmava que os corpos
mais pesados caem mais rapidamente. Torre de Pisa - Itália
Como calculamos as distâncias percorridas nesse tipo de movimento?
Se este for uniformemente variado, podemos simplesmente considerar a mé-
1
dia aritmética da velocidade v = 2 (v + v0 ) , achando-a a partir da expressão (1.6)
e substituindo-a em (1.4), a seguir. Nesse tipo de movimento a velocidade
média, como expressa em (1.3), é exatamente igual à média da velocidade.
Para isso, vamos acrescentar v0 aos dois membros de (1.6) e depois dividi-los
pelo fator 2, de modo a ficarmos com
v + v0 at (1.7)
v= = v0 +
2 2
Substituindo em (1.4) o valor encontrado para a média da velocidade,
ficamos com
1
s =s0 + v0t + at 2 (1.8)
2

Verificamos, portanto, tal como Galileu encontrou experimentalmente,


que no movimento uniformemente variado a distância percorrida pelo móvel
varia quadraticamente com o tempo, isto é, depende da potência segunda
desta grandeza.
Situação – problema: Uma pequena pedra foi abandonada por Galileu
do topo da Torre de Pisa, que tem 58 m de altura. Desprezando-se a resistên-
cia do ar, com que velocidade ela atingiu o solo?
38 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Dos dados fornecidos pelo problema, sabemos que a altura da torre é


s = 58m, a velocidade inicial v0 = 0m/s (se a pedra é solta então ela parte do
repouso), a distância inicial s0 = 0m (escolhemos o marco zero como sendo o
topo da torre) e a = g = 9,8m/s2. Substituindo em (1.8) temos

1 58
58m = (0 + 0.t + 9,8.t 2 )m ⇒ 58 = 4,9t 2 ⇒ t = ≈ 3, 4 s
2 4,9
onde o símbolo ≈ indica aproximação ou arredondamento. Uma vez
que aceleração e velocidade são vetores (objetos matemáticos a serem estu-
dados oportunamente) e têm a mesma direção (a reta vertical), se o sentido
da velocidade inicial fosse contrário ao da aceleração da gravidade, estas
grandezas entrariam com sinais opostos em (1.8).
Situação – problema: com base no último exercício proposto, calcule
o tempo que a pedra levou desde que foi solta do topo da Torre de Pisa até
chegar ao solo.
É possível encontrarmos outra expressão que relaciona desta vez a ve-
locidade final com a velocidade inicial, a aceleração e a distância percorrida
pelo corpo em movimento uniformemente variado, conhecida como equação
de Torricelli, que foi um dos alunos de Galileu. Ela é obtida a partir das expres-
sões (1.6) e (1.8), a saber
2
v 2 = v0 + 2a∆s , (1.9)
onde ∆s é a distância percorrida pelo móvel, s – s0.
Como aplicação da equação de Torricelli, imaginamos a seguinte situ-
ação-problema:
Situação - problema: Um automóvel segue em uma pista reta a uma
velocidade constante de 72 km/h, quando o motorista percebe, 26 m à sua
frente, um cachorro distraído tomando banho de sol no meio da pista. Apavo-
Obtenha a expressão (1.9)
a partir de (1.6) e (1.8). rado, o condutor imediatamente aplica os freios, o que comunica ao veículo
Sugestão: procure eliminar uma (des)aceleração constante de -8m/s2. Pergunta-se: o animal será atrope-
o tempo t, que não figura lado ou não?
em (1.9).
Primeira coisa a ser feita: converter a velocidade inicial para m/s, já que
a aceleração está em m/s2; então v0 = 72km/h = 20m/s. Também temos que
v = 0m/s (velocidade final) e a = -8m/s2 .
Logo, usando a (1.9) para encontrarmos o espaço que será percorrido
pelo veículo até parar, vem:

02 = 202 + 2.(−8).∆s = 400 − 10∆s ⇒ −400 = −16.∆s ⇒ ∆s = 25m


,
de modo que, dessa vez, o cachorro escapa.
Introdução a Física 39

Galileu também investigou o lançamento oblíquo de corpos, concluin- Princípio da


do que, em um mesmo corpo, tipos distintos de movimento podem aconte- Relatividade Galileu
cer simultaneamente em direções diferentes. Isto resolveu a questão colo- A forma do movimento
cada por Aristóteles para justificar a hipótese geoestática, a saber, se fosse dos corpos é totalmente
a Terra que estivesse em movimento de rotação diária, um objeto solto do dependente do ponto de
alto de uma torre não cairia ao seu pé, e sim mais para ocidente, já que a vista dos observadores.
Quando estes se
Terra giraria de oeste para leste, o que não é observado. Galileu contra- deslocam retilíneamente e
-argumentou que a pedra abandonada do alto da torre participa, juntamente com velocidade constante
com esta, do movimento de rotação de nosso planeta, de modo que a pedra uns em relação aos
cai diretamente ao pé da torre. outros, entretanto, as leis
físicas que governam
Assim, por exemplo, mesmo que estejamos em movimento retilíneo uni- tais movimentos são
forme horizontal, podemos arremessar um objeto pesado verticalmente para independentes desses
o alto e observá-lo cair diretamente em nossas mãos, embora alguém em observadores, isto é,
estes devem concordar
repouso relativamente ao solo veja o objeto traçar uma curva chamada pará- que as leis da mecânica
bola, resultante da combinação do movimento uniforme horizontal do objeto são exatamente as
com o movimento uniformemente variado na direção vertical (vide hipertexto). mesmas.
Situação-problema: Mostrar que a trajetória de queda seguida por uma
pequena esfera que rola para fora do tampo de uma mesa horizontal é para-
bólica. Desprezar a resistência da atmosfera.
Para resolvermos este problema, vamos considerar a possibilidade de
ter o movimento retilíneo uniforme horizontal, seguido pela esfera imediata-
mente após deixar a mesa, combinado com o retilíneo uniformemente variado
vertical durante a queda.
Assim, o movimento horizontal será descrito por (1.4), em que s será
substituído por x (abscissa), definida como a distância até a borda da mesa,
que é o marco zero. Então x = vx t, onde vx é a componente horizontal da
velocidade da bola, que não varia no tempo (é constante).
Já a altura y (ordenada) da bola em relação ao solo é dada a partir de
(1.8), na forma y = h - gt2/2, onde h é a altura da mesa (a distância vertical
inicial até o solo). O sinal menos indica que a altura está diminuindo à medida
que a esfera cai. Como os movimentos tiveram o mesmo início e são simultâ-
neos, então t é o mesmo, de modo que podemos fazer t=x/vx e substituí-lo na
última equação, ficando com
y = - gx2/2vx2 + h
que é a equação de uma parábola com coeficientes constantes - gx2/2vx2
e h (lembremos que a equação geral dessa curva, com eixo de simetria per-
2
pendicular ao eixo y, é y = ax + bx + c ). O sinal negativo do coeficiente de x2
indica que a concavidade da parábola é para baixo. O termo linear em x não
existe na nossa equação acima, dado o lançamento ser horizontal.
40 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

A parábola é dita ser uma curva cônica, pois é gerada a partir da in-
tersecção de um plano com a superfície de um cone. A elipse, o círculo e a
hipérbole também são curvas cônicas. Constatamos, assim, o primeiro indício
da semelhança entre os movimentos terrestres (balas de artilharia) e celes-
tes (planetas), isto é, ambos seguem trajetórias cônicas (parábolas e elipses,
respectivamente). Galileu já havia apontado, em suas observações astronô-
micas, contra Aristóteles mais uma vez, para o fato de que o que ocorre nos
céus não é diferente do que se passa na Terra.
Coube a Isaac Newton levar essa constatação às últimas consequên-
cias, ao formular as Leis da Mecânica, objetos de estudo da próxima unidade.

Leituras, filmes e sites


Cosmos, de Carl Sagan, série de treze episódios produzidos para a TV
norte-americana no fim da década de setenta do século passado. Aborda toda
a evolução da visão ocidental e científica do mundo, desde a Grécia Clássica
até nossos dias.
PARTE 2
Das Leis da Mecânica à
Estática dos Fluidos
42 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo
Capítulo 1
A Mecânica Newtoniana
Introdução
Começaremos por estudar o maravilhoso sistema de mundo desen-
volvido por Isaac Newton, basicamente estudando alguns conceitos funda-
mentais como massa, quantidade de movimento e força para, em seguida,
anunciar suas famosas três leis do movimento. Avançaremos então no estudo
da Gravitação Universal, a primeira interação fundamental da natureza a ser
descrita adequada e consistentemente, por meio da qual qualquer corpo atrai
outro corpo (e é por este atraído) através de uma força diretamente propor-
cional ao produto das suas massas e inversamente ao quadrado da distância
entre esses corpos. Explica perfeitamente bem as leis de Kepler do movimen-
to planetário.
Depois estudaremos dois conceitos fundamentais da Física, desenvol-
vidos a partir da mecânica newtoniana: Trabalho e Energia, e discutiremos o
Princípio da Conservação da Energia Mecânica a eles associados.
Dirigiremos, a seguir, nossa atenção para a Física dos Corpos Rígidos,
que é o estudo de sistemas físicos formados por inúmeras partículas ligadas
fortemente entre si, relativamente simples de estudar porque a distância entre
quaisquer pares de partículas que o formam é constante. Seu movimento é
igualmente simples, essencialmente composto de translação e rotação.
Finalmente, vamos nos deter na Física dos Fluidos, que é o estudo de lí-
quidos e gases. São sistemas de partículas que se ligam fracamente. Por ser de
enorme complexidade, demandam grandes simplificações na sua descrição.

1.1 Isaac Newton


Kepler e Galileu pavimentaram o caminho para a chegada de Newton.
Enquanto o primeiro postulou que deveria haver uma causa física para o movi-
mento dos planetas, identificando-a com uma “virtude” ou força que emanava
do Sol, o segundo mostrou que é possível os corpos estarem ou permanecerem
em movimento sem que haja necessariamente uma força atuando sobre eles.
44 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

O gênio de Isaac Newton, nascido no ano da morte de Galileu (1642),


unificou e generalizou essas descobertas, propondo um poderoso conjunto
de leis matemáticas que reinou incólume por mais de duzentos anos. Embora
venham a ser substituídas mais tarde por outras leis ainda mais gerais e preci-
sas, como as descritas pelas Teorias da Relatividade e a Mecânica Quântica,
as formulações de Newton tornaram-se o paradigma de todas as teorias des-
tinadas a descrever e explicar os fenômenos naturais, incluindo estas últimas.
O vasto sistema de mundo newtoniano consiste em partículas movi-
mentando-se no espaço vazio, que Newton chamava de “o sensório de Deus”.
Esse sistema é muito parecido com aquele que os filósofos pré-socráticos
Leucipo e Demócrito haviam imaginado na Grécia antiga. A propósito de o
Isaac Newton mundo material ser formado por essas partículas, leiamos as palavras do pró-
(1642-1727) prio Isaac Newton, extraídas de seu livro Óptica, escrito em 1704, Questão 31:

“Parece-me provável que Deus, no princípio, tenha formado a matéria


em partículas sólidas, pesadas, duras, impenetráveis e móveis.”

Tais partículas estariam sujeitas à atração ou repulsão mútua, isto é,


seriam impelidas umas para as outras ou então se repeliriam, afastando-se
umas das outras. Essas ações que as partículas exercem entre si desviam-
-nas de sua tendência natural de moverem-se em linha reta e com velocidade
constante. Assim, uma partícula, quando suficientemente afastada das outras,
de tal modo que podemos considerá-la isolada, não deve sentir nenhum efeito
provocado pela ação das demais partículas, e tende a seguir o movimento
retilíneo uniforme, devido à homogeneidade do espaço, isto é, ao fato de o
espaço ser o “mesmo” em toda a parte, de ter as mesmas propriedades físicas
e geométricas em todos os pontos.
Antes de formular suas famosas três Leis da Mecânica, Newton procurou
definir adequadamente alguns conceitos que entram no estudo do movimento
e suas causas. O primeiro deles foi o de massa de um corpo, o qual, devido
ao fato da matéria ser formada de partículas e, portanto, haver espaços vazios
entre elas quando se agregam para formar corpos maiores, foi definida como

“massa é a quantidade de matéria (m) que surge da densidade (ρ) e


volume (V) de um corpo, tomadas em conjunto”.

A densidade de um corpo é a medida da “concentração” de matéria que


existe nesse corpo. Expressando matematicamente,
m= rV (2.1)
Introdução a Física 45

Se expandirmos uma caixa vedada que contém gás triplicando suas Após o surgimento da
medidas lineares, sem alterar a massa, a sua densidade aumentará ou dimi- Teoria da Relatividade
Especial, formulada
nuirá? Por qual fator?
por Albert Einstein em
Newton concebeu a massa como sendo uma das propriedades fun- 1905, ficamos sabendo
damentais da matéria. Está associada com as partículas que formam esta que a massa não é uma
grandeza rigorosamente
última, e, devido à suposta indestrutibilidade desses corpúsculos, a massa é
conservada e isso fica
uma grandeza que se conserva. Portanto, para um sistema isolado do resto evidente a partir de
do Universo, sua massa não deve se alterar com a passagem do tempo. processos ou reações
nucleares, isto é, aquelas
As unidades de medida normalmente empregadas na definição de mas-
que envolvem os núcleos
sa é o grama (g) e o quilograma (kg), onde 1kg = 1000g. Também usa-se a to- dos átomos, em que uma
nelada (t), que equivale a 1.000kg. Há inúmeras outras unidades usadas mundo grande quantidade de
afora, como a onça, a libra etc. de pouca relevância prática para a Física. energia é liberada, para
o bem ou para o mal.
Com o desenvolvimento progressivo das balanças de precisão, essa lei Veremos, mais adiante,
de conservação da massa foi testada e explicitada pela primeira vez em 1760 que o que se conserva,
no âmbito da Química, e ficou conhecida como Lei de Lavoisier, segundo a efetivamente, é a energia
de um sistema isolado. E
qual, em uma reação química, a massa dos reagentes é igual à dos produtos,
a massa é, tão somente,
ou seja, as partículas (átomos) formadoras das substâncias não são criadas uma de suas diversas
nem destruídas, apenas se rearranjam. formas.
Outro conceito importante desenvolvido por Newton foi o de quantida-
de de movimento (ou momento linear ou ainda momentum). Uma vez que o
movimento de uma partícula deve caracterizar seu estado, tanto quanto sua
posição, diferentemente do que pensou o filósofo Zenão dezenas de séculos
antes, então a velocidade da partícula, característica mais simples de seu
movimento, deve ser conjugada a uma propriedade geral e intrínseca às par-
tículas – a massa. Então, segundo Newton

“A quantidade de movimento (p) de um corpo é dada pelas suas veloci-


dade (v) e quantidade de matéria (m), tomadas em conjunto”.

Em termos matemáticos, temos que


p = mv (2.2)

p e v estão em negrito para assinalar que estamos lidando com gran-


dezas vetoriais, ou seja, grandezas em que a direção (a linha reta seguida
pela partícula) e o sentido (se está indo ou vindo) do movimento estão sendo
levados em conta na sua definição. A grandeza m (massa) é dita escalar, ou
seja, não depende de direção e sentido.
Situação-problema: A que velocidade deve se deslocar um automóvel
de duas toneladas para que tenha a mesma quantidade de movimento de um
caminhão de 10 toneladas trafegando a 40 km/h?
46 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Para operarmos com esse problema, podemos considerar apenas o


módulo do vetor quantidade de movimento, isto é, a intensidade ou o tama-
nho da grandeza, expresso por um número. Então, se a massa do caminhão
(10 t) é cinco vezes maior que a do automóvel (2 t), este deve deslocar-se a
uma velocidade cinco vezes maior que a do caminhão para que a quantidade
de movimento dos dois veículos, formada pelo produto dessas duas grande-
zas, sejam equivalentes:
vA =
5 × 40km / h =
200km / h

O fato de termos dois corpos deslocando-se com a mesma quantidade


de movimento significa que os efeitos físicos que provocam em outros cor-
pos serão, em princípio, os mesmos, desde que os tempos envolvidos sejam
iguais. Assim, os estragos gerados pela colisão de cada um dos veículos,
na situação-problema acima colocada, com muros da mesma constituição e
estrutura, por exemplo, deverão ser iguais, supondo que os tempos de colisão
sejam os mesmos. Portanto, fundamentalmente, é a variação da quantidade
de movimento que deve entrar na descrição matemática de como as forças
atuam nos corpos, através da Segunda Lei.

Fig. 2.1 - Colisão entre duas galáxias


Vamos agora conhecer outra importante definição estabelecida por
Newton:

“Força é uma ação exercida sobre um corpo para modificar seu estado
de movimento, isto é, o estado de repouso ou o de movimento retilíneo
uniforme”.
Introdução a Física 47

Vemos, mais uma vez, que há uma mudança radical ocorrida em rela-
ção à Física de Aristóteles. Como estudamos na unidade anterior, de acor-
do com aquele pensador grego, o movimento de um corpo só continuaria
ocorrendo se a ação (força) permanecesse atuando sobre ele. Com Isaac
Newton, e também com Galileu antes dele, só existe uma força atuando em
um corpo se o seu estado original de movimento se altera. Assim, podemos ter
movimento sem que haja qualquer força (movimento retilíneo uniforme). A mo-
dificação no estado de movimento de um corpo através da ação de uma força
implica, portanto, uma aceleração. Esta relação ficará bem definida quando
enunciarmos as três Leis do Movimento.

Frontispício dos Principia


1.2 As Três Leis do Movimento
Com base nas definições expostas na seção anterior, Newton pôde
enunciar as três Leis do Movimento, que, juntamente com aquelas, estão ex-
pressas na sua magnífica e complexa obra Princípios Matemáticos de Filoso-
fia Natural, ou, simplesmente Principia, em latim, publicada pela primeira vez
em 1687. Nela, ao enunciar a Primeira Lei do Movimento, conhecida como
Princípio da Inércia, Newton estabelece que

“Todo corpo continua em seu estado de repouso, ou de movimento


uniforme em uma linha reta, a menos que seja compelido a mudar esse
estado por forças aplicadas sobre ele.”

Ou, dito de outro modo, os corpos tendem a manter a sua quantidade


de movimento enquanto não são perturbados por outros corpos. Assim, as
esferas de metal usadas por Galileu em suas experiências, deslocando-se em
uma superfície horizontal perfeitamente polida e na ausência da atmosfera
(i.e., no vácuo), continuarão a fazê-lo em linha reta e com velocidade cons-
tante (movimento retilíneo uniforme), até que um segundo corpo (outra esfera,
por exemplo) aja sobre o primeiro, como em uma colisão, mudando a direção,
o sentido e/ou o módulo de sua velocidade.
Essa resistência ou “preguiça” (inertia, em latim) que os corpos têm de
alterar o seu estado de movimento, a menos que seja pela “força”, é uma carac-
terística geral de toda a matéria, exatamente como a massa, de modo que nos
sentimos tentados a unir esses dois conceitos e falar de uma massa inercial.
É importante assinalar que, se um corpo desloca-se sobre a superfície
horizontal perfeitamente polida de uma plataforma móvel, e esta por sua vez
se movimenta também em linha reta e com velocidade constante sobre o solo
(igualmente horizontal e perfeitamente polido), aquele corpo continuará exe-
cutando um movimento retilíneo uniforme (pode ser em outra direção que a
48 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Asnos e Inércia da plataforma em relação ao solo) até sofrer a ação de outro corpo, tanto em
A inércia dos corpos relação a um observador sobre a plataforma em movimento, como para um
pode ser ilustrada com
segundo situado no solo.
a parábola do asno,
formulada por Jean Assim, o Princípio da Inércia assegura-nos que há uma classe de re-
Buridan, filósofo do século ferenciais (observadores) em relação aos quais os corpos, quando não in-
XIV. Se um asno sente
teragem com outros (isto é, quando não há nenhuma força atuando sobre
a mesma intensidade
de fome e de sede e é eles), executam o mais simples dos movimentos, que é o retilíneo uniforme,
colocado exatamente à ou permanecem em repouso. Esses referenciais que se deslocam em linha
meia distância entre um reta com velocidade constante uns em relação aos outros, como a plataforma
feixe de feno e uma tina
em relação ao solo, são chamados de referenciais inerciais.
com água, provavelmente
morrerá de sede e O fato de termos corpos deslocando-se relativamente a outros corpos
de fome, pois não se em movimento remete-nos às regras de composição das velocidades, es-
decidiria para qual dos
tudadas pela primeira vez por Galileu. Tais regras existem em razão dos mo-
dois mover-se primeiro.
Assim se passa com os vimentos serem dependentes dos referenciais ou observadores. Assim, por
corpos na natureza: uma exemplo, se andamos dentro de um trem que corre sobre os trilhos a uma
partícula em repouso velocidade de
no espaço distante não
tem porque mover-se vt = 50 km/h e caminhamos em seu interior a uma velocidade de vp = 10
espontaneamente em km/h relativamente a um passageiro sentado, então nossa velocidade ve será,
uma determinada direção, para alguém que está em repouso na estação:
sem que uma força lhe
seja aplicada, pois todas
as direções do espaço ve = vt + vp = 50 km/h + 10 km/h = 60 km/h, se o passageiro e o trem vão no
são equivalentes. Por
mesmo sentido;
que “escolheria” uma em
detrimento das demais?
Então ela “decide” ve = vt – vp = 50 km/h – 10 km/h = 40 km/h, se vão em sentidos contrários.
permanecer em repouso.

Em outras palavras, intervalos de tempo e de espaço na Mecânica de


Galileu e Newton (também chamada de Clássica) são grandezas absolutas,
no sentido de que têm a mesma medida para todos os observadores, inde-
pendentemente de como estes se movimentam. Assim, os deslocamentos
espaciais do passageiro e do trem, por unidade de tempo e relativamente ao
Fig. 2.2 Quo Vadis, asnae? observador na estação, são somados ou subtraídos, de acordo com o sentido
do movimento, porque tais deslocamentos ocorrem de forma independente
um do outro. Esta é a razão pela qual também vemos os automóveis, em uma
rodovia, passarem por nós a grandes velocidades quando vêm no sentido
contrário ao nosso, ou devagar, quando vão no mesmo sentido. Ou seja, na
mecânica de Galileu/Newton, embora espaço e tempo sejam entidades abso-
lutas, a relação direta existente entre suas medidas – a velocidade – depende
do movimento do observador e/ou referencial, ou seja, a velocidade é uma
grandeza relativa.
Introdução a Física 49

O fato de a velocidade depender do referencial em que é medida im- O paradigma


plica não se tratar de uma grandeza que desempenhe um papel fundamental newtoniano
nas leis da dinâmica, pois estas devem ter uma forma que seja independente “Conhecendo-se as forças
do observador. Veremos, a seguir, que a grandeza cinemática que é consti- e as massas envolvidas,
tutiva daquelas leis é a aceleração. conhecem-se os
movimentos dos corpos, e
A Segunda Lei do Movimento afirma que vice-versa”.
“A mudança na quantidade de movimento é proporcional à força motriz
aplicada, e ocorre na direção da linha reta em que essa força é aplicada.”
Esta lei conecta a causa da mudança de movimento – a força, que
pode ser de qualquer origem ou natureza – com a própria rapidez na mudan-
ça de movimento, que é a aceleração. Quando as primeiras atuam sobre as
partículas formadoras da matéria, no sentido que Newton atribuiu a estas na Fig. 2.3 Sistema de pesos e
questão 31 de seu livro Óptica, então a segunda lei pode ser matematicamen- roldanas
te expressa como
F = ma, (2.3)
pois, nessas partículas, a quantidade de movimento só se altera devido
à mudança de velocidade, uma vez que são estruturas indestrutíveis e não
há perdas ou ganhos de massa. Em geral, a Segunda Lei, na forma dada
por (2.3), vale para corpos em que, durante a aplicação da força, não ocorre
mudança na massa.
Mais uma vez estamos lidando com grandezas vetoriais, pois a mudança
no movimento (aceleração) ocorre em uma direção, e é causada por uma força
aplicada nessa direção. A constante de proporcionalidade m é a própria massa
inercial, pois, se para uma mesma força aplicada sobre dois corpos distintos A e
B, a aceleração produzida em A é menor que a produzida em B, então a massa
de A é maior que a de B, uma vez que o corpo resiste mais a mudar o seu estado
de movimento, isto é, possui uma inércia maior, e vice-versa.
No sistema de unidades em que a unidade de comprimento é o metro
(m), a de tempo é o segundo (s) e a de massa é o quilograma (kg), conhe-
cido também como Sistema Internacional (SI), então a força tem unidade de
Newton (N). Assim, 1 N é a força necessária para produzir uma aceleração de
1m/s2 em um corpo de 1kg de massa.
Se a mudança de movimento dos corpos na superfície terrestre é pro-
vocada pela gravidade, isto é, queda livre, mudança que se dá à mesma taxa
(g = 9,8 m/s2) para todos os corpos, independente de suas massas, formas ou
constituições internas, então a força atuante sobre esses corpos é chamada
de peso (P), e seu módulo é dado por P = mg. Se um determinado corpo é
transportado à superfície de outro planeta ou satélite natural em que a gravida-
de é diferente da terrestre, o seu peso muda, mas não a sua massa.
50 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Uma força de 30 N Forças causam mudança de movimento, como já sabemos, mas po-
comprime a mola A em 10 dem provocar também deformação nos corpos, e esta particularidade permi-
cm e outra força de 40 N
comprime a mola B em 20
te-nos construir instrumentos, chamados dinamômetros, destinados a medir
cm. Qual mola é a mais as forças. Este aparelho consiste basicamente em uma mola presa a um su-
“dura”? Explique. porte, e está equipado com uma régua graduada.
Robert Hooke, contemporâneo e rival de Newton, descobriu a lei de
deformação que leva o seu nome, segundo a qual a força que deforma
uma mola é proporcional ao tamanho (comprimento) da deformação, isto é,
F= – kx, onde x é o deslocamento (vetor) que caracteriza a deformação so-
frida. O sinal menos (–) nos diz que a força é sempre contrária ao sentido da
deformação, isto é, se a mola é esticada (sentido positivo) ou se é comprimida
(sentido negativo) e k é uma constante de proporcionalidade que depende da
mola empregada, chamada por isso de constante da mola, e que no SI tem
unidades de newton/metro (N/m).
Esse tipo de força é uma das mais simples que existem, do ponto de
vista matemático, pois consiste numa mera relação de proporcionalidade com
a posição da partícula. Em geral, as forças existentes na natureza são mais
complexas, sendo funções da posição, da velocidade e do tempo. Mas, ao
mesmo tempo em que essa modalidade de força é bastante simples, também
se revela como uma das mais fundamentais e universais, pois é responsável
por uma forma de movimento que está presente em muitos fenômenos da
natureza, do microcosmo ao macrocosmo: o Oscilador Harmônico. O nome
advém do fato de que uma partícula sujeita a uma força proporcional ao des-
locamento oscilará em torno de uma posição de equilíbrio, desde átomos em
cristais até os pêndulos de relógios de parede da casa de nossos avós.

A Terceira Lei do Movimento é expressa como

“Para cada ação existe sempre uma reação igual e contrária, ou seja,
as ações recíprocas de dois corpos, um sobre o outro, são sempre
iguais e dirigidas para partes contrárias.”

Essa lei nos diz que forças atuantes em um corpo só podem ser pro-
duzidas por outros corpos, de tal forma que, se um corpo A age sobre outro B
com uma força F (ação), o corpo B também age sobre A com uma força – F
(reação), isto é, com uma força de mesma intensidade e na mesma direção,
mas em sentido contrário ao da primeira, daí o sinal negativo. Se tais corpos
forem duas partículas, a direção na qual se dá a força de ação e reação (isto
é, a interação) é fixada pelo segmento de reta que as une.
Introdução a Física 51

Portanto, o planeta Terra atrai-nos em direção ao seu centro (ação) Calcule a aceleração com
enquanto nós também a atraímos em nossa direção (reação). Mas como a a qual a Terra “cai” em
direção a você.
massa da Terra é imensa (cerca de 6,0x1024 kg, ou seja, 6.000.000.000.00
0.000.000.000.000 quilogramas), então ela “cai” em direção a nós com uma
aceleração imperceptível.
As forças gravitacionais de ação e reação entre duas massas (como
a Terra e a Lua) são do tipo “à distância” enquanto que as de ação e reação
entre duas pessoas que se empurram em uma luta corporal são “de contato”.
Vejamos outro exemplo de ação e reação de forças de contato: um livro
situado sobre a mesa na sala de estar empurra-a para baixo com seu peso e
a mesa, por outro lado, empurra o livro para cima. Esta força de reação que
a mesa exerce sobre o livro é chamada de normal. Ela equilibra exatamente
a força peso, que a Terra exerce sobre o livro devido à gravidade, e por isso
o livro mantém-se em repouso sobre a superfície da mesa, ou seja, a força
resultante é nula.
Observemos que esses pares de forças (ação e reação) ocorrem sem-
pre em corpos que são distintos um do outro (como no sistema Terra/Lua,
mesa/livro). É importante notar que as chamadas forças internas em um
mesmo corpo, isto é, aquelas que são exercidas entre as diversas partes (ou
partículas) que o compõem, cancelam-se mutuamente, aos pares, indepen-
dente da natureza dessas forças. Se assim não fosse, isto é, se houvesse
uma resultante de tais forças, um corpo em repouso poderia repentinamente
movimentar-se sem nenhuma ação externa, o que nunca é observado.
Situação-problema: achar a aceleração a experimentada pelos dois
blocos da fig. 2.3, unidos por um fio inextensível e sem massa, supondo que
as massas dos blocos sejam mA = 5kg, mB = 3kg e que não haja outras for-
ças além das representadas no desenho. Calcule também a tensão T no fio.
Considerar que a aceleração da gravidade é g = 10m/s2.
A força resultante atuando no sistema formado pelos dois blocos é tão
somente a força peso PB, de magnitude mAg = 5kg.10m/s2 = 50N, agindo
sobre o bloco B. A tensão no fio T, que atua tanto em A e como em B, são for-
ças internas e não interferem no movimento do conjunto. A força peso sobre o
bloco A, PA, está equilibrada pela força de reação da mesa sobre este bloco
(a chamada força normal), e então não entra na dinâmica do sistema. Assim,
pela segunda lei do movimento, temos que

Fsistema= Pb =50N = (mA+mB). a =(8kg).a.


Nosso objetivo é calcular, inicialmente a aceleração a do sistema, for-
mado pelos dois blocos. Então
52 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

50 N
=a = 6, 25m / s 2
8kg
,
menor que a aceleração da gravidade, portanto. A tensão T existente
no fio é calculada a partir da resultante das forças agindo sobre o bloco A ou
também sobre o bloco B. Considerando que a aceleração de cada bloco iso-
ladamente é a mesma da do conjunto, pois os blocos estão solidariamente li-
gados por um fio que não estica, então sobre o bloco B a força resultante será
FB = PB - T = mBa =3kg.6,25m/s2=18,75N,

logo, a tensão T será T = PB -18,75N =50N -18,75N =31,25N. Calculan-


do-se essa mesma tensão a partir da força resultante sobre o bloco A, temos

FA= T = mAa=5kg.6,25m/s2=31,25N.
E por falar em tensão, vamos supor que amarramos um fio a uma pe-
dra e, segurando pela extremidade livre do fio, começamos a girá-la em alta
velocidade, fazendo-a descrever um círculo, como na funda de Davi que ma-
tou o gigante Golias. Desse modo, estaremos exercendo uma força que se
transmite através do fio, impedindo que a pedra saia pela tangente e vá atingir
a cabeça de algum infeliz. Essa força que, no final das contas, é a tensão no
fio, é sempre dirigida ao centro do círculo, onde está a mão que impulsiona a
pedra por meio do fio. Por essa razão, tal força é denominada de centrípeta.
Se o movimento da pedra é circular uniforme, isto é, se o número de
voltas que a pedra descreve por unidade de tempo é constante, o módulo da
sua velocidade tangencial v é também constante. Mas como sua direção está
mudando continuamente, significa que existe uma aceleração, que multipli-
cada pela massa da pedra fornece numericamente a força centrípeta. Nosso
objetivo agora é calcular o módulo dessa aceleração.
Observando a fig. 2.4 abaixo, notamos que o vetor velocidade também
gira, descrevendo um círculo de raio igual a v. Quando a pedra completa meia
volta, o vetor velocidade muda ao longo de meia circunferência. Isto é, o per-
curso da pedra é de πR e o “percurso” da sua velocidade é de πv. Este último
representa o quanto variou a velocidade, em um intervalo de tempo dado por
πR/v, pois estamos supondo um movimento circular uniforme. Logo, a acele-
ração centrípeta acp será dada por
(2.4)
pv v2
acp =
=
pR /v R
Introdução a Física 53

Fig. 2.4 - Esquema representando a funda de Davi

O Barão de Münchausen
foi um oficial militar alemão que
viveu no século XVIII. Era um
excêntrico e, em sua velhice, Isaac Newton pareceu
incomodar-se em não
reunia-se com os amigos em poder explicar a causa
volta da lareira acesa de sua da gravitação universal,
casa, à noite, para contar as his- ou seja, o porque de
tórias de suas façanhas juvenis, os corpos se atraírem
por meio de uma força
deliciosamente inverossímeis. diretamente proporcional
Em uma delas relata que, du- ao produto das suas
rante uma longa viagem a ca- massas e inversamente
valo, os dois, homem e animal, ao quadrado da distância
Fig. 2.5 - Sr. Barão, algo não está certo... entre eles. Por fim,
caíram nas águas lamacentas desistiu e afirmou
de um pântano. Quando percebeu que ambos afundavam e que teriam mor- “hipotesis non fingo”
te certa se nada fosse feito, apertou os flancos do cavalo com suas botas e (não faço hipóteses).
ergueu-se no ar puxando seus próprios cabelos, conseguindo salvar-se a si De qualquer forma,
forneceu a primeira
e à sua montaria, após o que prosseguiu tranquilamente a sua jornada. Com descrição moderna
base no que você já aprendeu sobre as Leis de Newton, explique para os seus de uma interação
colegas porque isso não é possível. fundamental da natureza.
Apenas Einstein, mais
de dois séculos depois,
1.3 A Lei da Gravitação Universal deu uma explicação
satisfatória para o
Falar sobre atração entre os corpos é discutir outra grande descoberta
fenômeno da gravidade,
que Newton fez no estudo da Física (ou Filosofia Natural, como ele chamava): mostrando que ela é o
A Lei da Gravitação Universal. efeito de uma distorção
na geometria espaço-
Reza a lenda que, em certo dia ensolarado, dos raros que existem na
temporal, provocada pela
Inglaterra, ele meditava tranqüilamente sob uma macieira do pomar de sua distribuição de matéria e
casa, quando foi atingido na cabeça por uma maçã. E isso acentuou ainda energia.
54 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

mais suas meditações, que viraram estudos sérios, até que, após um longo
tempo (talvez anos), chegou à conclusão de que a força que fazia com que a
maçã caísse era a mesma que mantinha a Lua em órbita em torno da Terra.
Ora, por que então a Lua não desaba sobre a Terra, como a maçã? De fato
ela o faz o tempo todo, mas como a Lua possui também um movimento tan-
gencial (isto é, perpendicular ao raio da órbita), não cai diretamente sobre nós,
é “desviada” continuamente - sorte a nossa.
Essa foi a primeira idéia de “unificação” da história da Física: as leis
que regem os fenômenos celestes são as mesmas que regem os terrestres,
refutando-se definitivamente Aristóteles.
Se subirmos ao topo de uma montanha bem alta e atirarmos horizontal-
mente um objeto com certa velocidade, ele cairá a uma determinada distância
do pé da montanha. Se aumentarmos essa velocidade de lançamento, cairá a
uma distância ainda maior, até que, ao ser arremessado com suficiente velo-
cidade, o objeto não cairá mais (recordemos que a Terra é aproximadamente
esférica), de modo que ele deverá ficar girando em torno do nosso planeta,
“procurando” o solo sem nunca encontrá-lo. A bem da verdade, devido à resis-
tência oferecida pela atmosfera, ele não orbitará indefinidamente a Terra (ver
Fig.14). O objeto perderá altitude aos poucos até atingir o solo, após executar
algumas voltas em torno do planeta.
A uma distância considerável da superfície terrestre ainda existem
moléculas de ar, que, embora bas-
tante rarefeito, ocorre em quantidade
suficiente para provocar efeitos inde-
sejáveis. De vez em quando (ainda
bem que raramente) os jornais e re-
vistas, impressos ou televisionados,
informam-nos a respeito da queda de
satélites artificiais em, felizmente, regi-
ões remotas e despovoadas de nosso
planeta.
Fig. 2.6 - O satélite de Newton: cair e orbitar é a mesma coisa
Newton mostrou que o movimento de queda livre dos objetos na super-
fície da Terra, bem como o dos diversos astros orbitando uns em torno dos
outros, é compatível unicamente com (e produzido por) uma força de caráter
universal, isto é, que afeta todos os corpos, qualquer que seja o seu tamanho
e sua natureza, e que age à distância (sem que haja contato físico entre os
corpos), proporcional às massas dos corpos envolvidos e cuja intensidade de-
cresce com o quadrado da distância entre os mesmos. Para duas partículas
interagindo gravitacionalmente, temos, em linguagem matemática,
Introdução a Física 55

F=-Gm1m2ur/r2 (2.5)

onde m1 e m2 são as massas das duas partículas, G é uma constante


de proporcionalidade, que no Sistema Internacional tem o valor aproximado
de 6,67x10-11 N.m2/kg2 . Em Física, é comum as constantes que entram nas
expressões matemáticas possuírem unidades de medida. No caso de G,
suas unidades garantem que tenhamos unidade de força, N, ao operarmos
com (2.5). Vejamos:

(N.m2/kg2) .kg2/m2 = N . (2.6)

Ainda em (2.5), ur é um vetor unitário (isto é, que possui módulo igual a 1)


Calcule o valor da
o qual aponta na direção da reta que une as duas massas (consideradas punti- constante gravitacional
formes), no sentido da primeira para a segunda massa. O sinal negativo indica no Sistema C.G.S
que a força é de atração – ou seja, a força gravitacional gerada pela massa (Centímetro, Grama,
Segundo).
m1 impele a massa m2 na sua direção, e, de acordo com a Terceira Lei, existe
uma força de reação que, gerada por m2, impele m1 na sua direção. Esse “vice-
-versa” está contido no produto das duas massas que entra em (2.5).
Newton pôde mostrar matematicamente que a órbita descrita por um
astro, ao interagir gravitacionalmente com outro, forma no espaço uma curva
denominada cônica. Essas curvas são assim chamadas devido ao fato de se-
rem geradas a partir de cortes de cones feitos por planos, isto é, são formadas
pela intersecção desses planos com a superfície dos cones. Tais curvas são
conhecidas desde a Grécia Antiga (sempre os gregos!), tendo sido estudadas
detalhadamente pelo famoso matemático Apolônio de Perga.
Recordemos que Galileu havia demonstrado que, na superfície de
nosso planeta, os corpos descrevem parábolas quando são arremessados
obliquamente em relação ao solo, devido à combinação de dois movimentos
independentes:
a) Retilíneo uniforme, na direção horizontal;
b) Uniformemente variado, na direção vertical.
Tais corpos não poderiam seguir uma trajetória diferente, visto que o
movimento na superfície terrestre é um caso particular daquele descrito pela
lei da gravitação universal.
Existem astros, chamados cometas, que aparecem no céu de tempos
em tempos, como o cometa Halley. Embora a aparição desse corpo celeste
tenha sido registrada já na antiguidade, o astrônomo britânico Edmund Halley
foi o primeiro a calcular a forma e o período de sua órbita, usando a lei da
gravitação universal de Isaac Newton. Tal astro completa uma revolução em
56 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

torno do Sol a cada 76 anos, e, após aproximar-se bastante de


nossa estrela, parte para regiões remotas, situadas além da órbita
de Plutão. Possui, assim, uma órbita elíptica de grande excentrici-
dade. Outros cometas aparecem no céu apenas uma vez, nunca
mais retornando (descrevendo órbitas parabólicas ou hiperbóli-
cas). Já a Lua executa uma órbita em torno da Terra praticamen-
te circular. Os planetas, em geral, percorrem órbitas elípticas de
baixa excentricidade, sendo Marte, de todos os planetas, o que
descreve a elipse de maior excentricidade.
Situação-problema: Existem satélites artificiais que orbi-
tam a Terra com o mesmo período da rotação diária que ela perfaz
em torno de seu eixo, chamados de geoestacionários. Recebem
esse nome por parecerem em repouso quando vistos da superfí-
cie de nosso planeta. Qual a distância que se encontram da Terra?
Se admitirmos que a órbita do satélite em questão é circular, então a
força centrípeta será a própria força gravitacional, uma vez que é dirigida sem-
pre para o centro de nosso planeta. Logo, designando por m e M as massas
do satélite e da Terra, respectivamente, v a velocidade orbital do satélite e R a
distância do satélite ao centro da Terra, teremos

mv 2 mM GM
Fcp = Fg ⇒ = G 2 ⇒R=
R R v2
Percebemos que a massa do satélite não desempenha nenhum papel
aqui, somente a massa da Terra, que é a fonte do campo gravitacional que
afeta o movimento do satélite. A velocidade orbital deste será encontrada a
partir da informação de que o período de rotação do satélite é o mesmo do
de nosso planeta, que sabemos completar uma volta em aproximadamente
24h = 86.400s. Então a velocidade orbital do satélite será
2pR
v=
86400
Substituindo na expressão anterior, após uma simples manipulação al-
gébrica (faça-a!), e utilizando os valores numéricos conhecidos, encontramos

GM (86400) 2
=R 3 ≈ 42.000km ,
4p 2

ou seja, pouco mais de 10% da distância da Terra à Lua.


O tipo de curva cônica que vai ser descrita por um astro sujeito à intera-
ção gravitacional devida a outro astro, isto é, se um círculo, elipse, parábola ou
hipérbole vai depender da quantidade de energia mecânica que esse astro
possui. Este importante conceito será explorado em nossa próxima seção.
Introdução a Física 57

1.4 Trabalho e Energia Descrever de maneira


exata sistemas de
A descrição do movimento de um sistema mecânico, como o de um
partículas que interagem
conjunto de partículas interagindo gravitacionalmente, por exemplo, pode mutuamente pode tornar-
tornar-se muito complicada se tentarmos fazê-lo em termos das forças que se uma tarefa difícil,
essas partículas exercem entre si, as quais são grandezas de natureza veto- ou mesmo impossível,
qualquer que seja a
rial. Assim, a equação (2.5) combinada com a segunda lei do movimento (2.3)
abordagem utilizada. De
implica que devemos descrever o movimento de cada partícula em cada uma fato, essa descrição exata
das três direções independentes do espaço (como “norte-sul”, “leste-oeste” só existe se estivermos
e “alto-baixo”), de acordo com as forças decompostas nessas direções. Te- lidando com, no máximo,
duas partículas. Acima
remos que trabalhar um conjunto de 3N equações, onde N é o número de
desse número, em
partículas envolvidas. geral, apenas cálculos
Felizmente, há como definir uma grandeza física escalar (isto é, inde- aproximativos podem nos
revelar o comportamento
pendente da direção espacial) que pode nos auxiliar imensamente no estudo
detalhado de tal sistema.
do movimento das partículas, facilitando consideravelmente o nosso trabalho Esse complicado
de calcular as variáveis dinâmicas a elas associadas em determinados proble- problema de descrever
mas. Além disso, é uma grandeza que está vinculada a uma lei fundamental da sistemas físicos formados
por três ou mais partículas
Natureza, sobre a qual não se encontrou nenhum indício de violabilidade em
sujeitas a ações mútuas
qualquer processo físico que nela ocorre: referimo-nos ao conceito de energia. é conhecido como o
Embora seja um conceito que esteja na ordem do dia, principalmente problema dos três corpos.
no que se refere às questões e debates travados em torno do meio-ambiente,
questões do tipo “como gerar energia de forma eficiente e com um mínimo de
agressão à natureza”, passando pelas discussões acerca do uso de energias
renováveis ou não-renováveis, energia não é um conceito suficientemente
compreendido pelas pessoas em geral, embora se tenha alguma intuição a
respeito de seu significado. A própria expressão “geração de energia” revela-
-se bastante incorreta, pois energia não é gerada (criada), e nem destruída.
Há uma poderosa lei de conservação, que já citamos mais acima, que expres-
sa a impossibilidade disso.
A intuição maior que se tem de energia, além daquela que nos vem à
mente quando recebemos a conta da luz em casa, relaciona-se com a de
esforço físico. É óbvio que as lâmpadas de nossas residências ou locais de
trabalho são acesas quando acionamos o interruptor (se a energia não estiver
cortada...), mas também sabemos (ou deveríamos saber) que a eletricidade,
responsável pela emissão da luz a partir dos filamentos de tungstênio encerra-
dos nesses bulbos de vidro em que se fez vácuo, tem origem nas volumosas
quedas d’água que movimentam as gigantescas turbinas de nossas hidrelé-
tricas. Em outros países, a forma de produção predominante de eletricidade
pode se dar por meio de usinas termelétricas e/ou nucleares.
58 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Pesquise e disserte Os noticiários de vez em quando externam a preocupação das autorida-


sobre outras formas de des governamentais quando o nível de água nos reservatórios dessas hidre-
produção de energia
elétrica, além das citadas
létricas está muito baixo, em épocas de estiagem. Isto se deve ao fato de que
no texto. o volume das águas que caem é menor, fazendo-o também de uma menor
altura, o que implica uma redução na produção de energia elétrica, de modo
que a região abastecida pela usina corre o sério risco de enfrentar um colapso
na distribuição dessa energia – o famoso “apagão”.
Uma relação mais direta e perceptível entre
lâmpadas acesas e esforço físico surge, entretanto,
daquelas que são instaladas em algumas bicicle-
tas que vemos por aí, e que acendem ao serem
pedaladas, devido à presença de um dínamo. E o
brilho dessas lâmpadas é tanto mais intenso quan-
to mais velozmente se pedala. Também já vimos
certos tipos de tênis ou sapatos infantis piscarem
umas luzinhas à medida que com eles se caminha.
Já foram desenvolvidas propostas de carregadores
de telefones celulares embutidos em tênis – você
caminha e ao mesmo tempo carrega a bateria do
seu celular!
Fig. 2.8 - Bicicleta com lâmpada.
Assim, muitas formas de energia têm origem, direta ou indiretamente,
na realização de esforço físico. Calor (e luz, mais uma vez), por exemplo,
pode ser gerado pelo esforço de atritarmos duas superfícies abrasivas, o que
já era conhecido pelos nossos distantes ancestrais na Pré-História. Na verda-
de, o que ocorre é a transformação de uma forma de energia (armazenada
em nossos músculos, por exemplo) em outras (luz, calor e som).
A idéia de esforço físico, por sua vez, está estreitamente vinculada a ou-
tro conceito que, para muita gente, principalmente para aquelas pessoas que
vivem em um regime de semi-escravidão, significa labuta, desgaste e mes-
mo sofrimento: trabalho. Coloquemos, entretanto, as coisas sob um ponto
de vista não-humano, pois a natureza segue seu curso indiferente às nossas
mazelas. No caso das quedas d’água acima descritas, por exemplo, podemos
conceber trabalho a partir da percepção de que as hidrelétricas geram mais
eletricidade quanto maior o volume da água e quanto maior a altura de sua
queda até que atinja as pás das turbinas lá embaixo, movimentando-as e for-
necendo a energia de que nossas cidades e campos tanto necessitam.
Introdução a Física 59

Em termos mais precisos, quanto maior o volume, e portanto, o peso


dessas águas (força - F), bem como a altura de onde caem (deslocamento
– d), maior a capacidade de geração das usinas hidrelétricas. Portanto, va-
mos definir trabalho (T), como sendo a combinação dessas duas grandezas
físicas, a saber:
T = F.d. (2.7)
No Sistema Internacional (S.I.), a unidade de medida do trabalho é o
joule, nome que é devido ao cientista James Prescott Joule, que realizou,
durante o século XIX, importantes pesquisas envolvendo energia e suas trans-
formações.
Vimos que trabalho é o processo pelo qual uma forma de energia é Trabalho e Energia
transformada em outra. Então energia possui a mesma unidade de medida
que trabalho, sendo expressa, portanto, no S.I., em joules. Todo processo existente
no mundo natural envolve
Situação-problema: No sistema C.G.S (Centímetro Grama Segundo), a transformação de
a unidade de energia (e trabalho) é o erg. Quantos ergs valem um joule? uma grandeza física.
Ora, temos que 1 J = 1 (N.m) = 1(kg.m/s2).1m = (1000g.100cm/ Mais precisamente,
uma determinada
s2).100cm = 107 (g.cm/s2).cm. Como, agora, todas as unidades de espaço, forma assumida por
matéria e tempo estão expressas em cm, grama e segundo, respectivamente, esta grandeza muda
temos, assim, que 1J = 107 erg, e, vice-versa, 1 erg = 10-7 J. qualitativamente
para outras formas,
Para sermos mais rigorosos em nossa definição de trabalho, como a sem que, no entanto,
força é uma grandeza vetorial, tanto quanto o deslocamento, suas direções quantitativamente tal
e sentidos nem sempre são os mesmos, de modo que a equação (2,7) só é grandeza seja aumentada
correta se ambas tiverem a mesma direção e sentido. No caso geral, em que ou diminuída ao longo
do tempo em que se
o vetor força faz um ângulo θ com o vetor deslocamento, o trabalho será o pro- dá a transformação.
duto da projeção da força na direção do deslocamento por este último, isto é Dizemos, assim, que
T = F.d.cos θ (2.8) ela é conservada. Essa
grandeza é Energia, e o
Uma vez que a função cosseno ocorre em um intervalo que vai de -1 a processo em que ocorre
1, percebemos que o trabalho T pode assumir valores negativos, desde que sua transformação é
o ângulo formado entre o vetor força e o vetor deslocamento seja maior que Trabalho.
90o. Nesse caso, dizemos que o trabalho é resistente (T < 0). Na situação
contrária (T > 0), dizemos que o trabalho é motor.
Como exemplo de trabalho resistente, temos o que é causado por for-
ças de atrito. A força de atrito que ocorre entre corpos sólidos é oriunda do
contato que existe entre a superfície desses dois corpos, exatamente como a
força normal (N), que já estudamos antes. Como essas forças têm uma mes-
Fig. 2.9 - Usina hidrelétrica
ma origem, é natural que elas guardem uma relação entre si. De fato, expe-
rimentalmente demonstra-se que a relação existente entre o módulo dessas
forças é uma proporção simples:
Fatrito= μN. (2.9)
60 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

A constante de proporcionalidade μ depende da natureza dos corpos em


questão, e é chamado de coeficiente de atrito. Há também forças de atrito
existentes entre corpos sólidos e líquidos e entre líquidos, de descrição mais
complicada. Tais forças são denominadas genericamente de viscosidade.
É graças às forças de atrito que os corpos perdem energia à medida
que prosseguem em seu movimento (pois o trabalho realizado é negativo),
até atingirem o repouso, se não houver forças motoras atuando. Todos os
movimentos que acontecem à nossa volta estão sujeitos a forças de atrito e tal
aspecto dificultou o estudo do movimento por vários séculos (vide Aristóteles),
de modo que só se chegou à Lei de Inércia no séc. XVII.
Potência (P) é um outro conceito útil subordinado à idéia de trabalho.
Dizemos que, se um mesmo trabalho é executado por duas máquinas em in-
tervalos de tempo diferentes, a que o realizou em menos tempo é mais poten-
te do que a outra. Potência significa, portanto, trabalho realizado por unidade
de tempo, ou, matematicamente
T , (2.10)
P=
∆t
onde Δt é o intervalo de tempo em que o trabalho foi realizado. No S.I.
tem unidade de Watt, isto é, 1 Watt = 1 Joule/1 Segundo (W=J/s).
Situação-problema: um automóvel de corrida com massa de 1200 kg
acelera uniformemente de 0 a 100 km/h em 10 s. Já um outro acelera de 0 a
100 km/h em 8 s, e tem massa de 1000 kg. Qual dos automóveis tem o motor
com maior potência? Despreze a resistência do ar.
Esse é um problema bom de resolver, pois ele nos ajuda a resgatar uma
série de conceitos aprendidos anteriormente. Para atacá-lo, vamos ter de, pri-
meiramente, calcular a distância percorrida por cada automóvel. Em seguida,
a aceleração (pois temos a variação da velocidade e o respectivo intervalo de
tempo), depois a força desenvolvida pelo motor (massa vezes aceleração).
Então devemos multiplicar essa força pelo deslocamento para achar o tra-
balho motor e, finalmente, dividi-lo pelo intervalo de tempo para encontrar a
potência e comparar o valor encontrado para os dois automóveis.
Vamos inicialmente transformar as unidades das velocidades para o S.I.
(km/h para m/s):
100km/h = 100 x 1000m/3600 s ~ 27,78m/s.
Então o primeiro automóvel (A) desenvolve uma aceleração de
27, 78m / s − 0m / s
=aA = 2, 778m / s 2
10 s
Já o segundo automóvel (B) tem uma aceleração de
Introdução a Física 61

27, 78m / s − 0m / s
=aB = 3, 473m / s 2
8s
Uma vez que o enunciado do problema diz que a aceleração é unifor-
me, então estamos diante do Movimento Retilíneo Uniformemente Variado,
que já estudamos na unidade anterior, e as distâncias percorridas por ambos
os automóveis são, sabendo-se que ambos partem do repouso:
1 1
= dA = a At A 2 2, 778m / s 2 =
(10 s ) 2 138,9m
2 2
e
1 2 1
dB = a B t B = 3,473m / s 2 (8s ) 2 = 111,1m
2 2

Calculemos, agora, o trabalho motor efetuado pelos dois automóveis.


Considerando que a força e o deslocamento ocorrem na mesma direção e
sentido, basta multiplicar essas duas grandezas:
TA F=
= Ad A mA a=
Ad A 1200kg 2, 778m / s 2138,9
= m 463.037, 04 J
e
TB F=
= BdB mB a=
BdB 1000kg 3, 473m / s 2111,1
= m 385.850,30 J

Logo a potência desenvolvida pelos motores será


TA 463.037, 04 J
P=
A = = 46.303, 704W ou aprox. 46,3 kW (Kilowatt)
tA 10 s

e
TB 385.850,30 J ou aprox. 48,2 kW (Kilowatt)
P=
B = = 48.231, 287W
tB 8s

Vemos, assim, que o motor do automóvel B tem a maior potência.


Consideremos uma das formas mais simples de energia, que é a ener-
gia de movimento, também chamada de cinética. Vamos defini-la a partir do
trabalho motor realizado por uma força constante agindo sobre uma partícula,
na mesma direção em que esta se desloca, isto é, T = Fd. A força provocará
uma aceleração a na partícula, o que fará sua velocidade aumentar de certo
valor inicial vi para vf. Pela lei de Torricelli, o deslocamento é dado por
vf2 = vi2+2ad ⇒ 1
(v f − v i ) , (2.11)
2 2
d=
2a
e pela Segunda Lei do movimento, temos a = F/m. Substituindo em
(2.11), temos
62 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

1 1 1
d= (v f 2 − vi 2 ) ⇒ Fd =T = mv f 2 − mvi 2 .
2F / m 2 2
Se definirmos energia cinética EC (ou de movimento) como sendo
1
EC = mv 2 , então a equação (2.12) nos diz que o trabalho realizado é a diferen-
2

ça entre a energia cinética final e a inicial. Ou seja, se essa força for oriunda
de um empurrão dado por nós, significa que o trabalho realizado converteu
energia química acumulada em nossos músculos em energia de movimento,
aumentando o valor desta.
Fica claro do exemplo acima que energia também pode ser definida
como a grandeza física capaz de realizar trabalho. Se tentarmos cessar o
movimento do objeto usando a força de nossos músculos, o trabalho será
resistente e energia de movimento será convertida em energia muscular, pois
os músculos ficam tensionados, ao determos o objeto (estamos desconside-
rando aqui perdas de energia devido ao atrito).
Podemos definir, como fizemos em relação ao movimento, uma outra
forma de energia, dessa vez baseada na posição que a partícula ocupa em
certa região do espaço. Essa forma de energia é denominada de potencial.
Por exemplo, o trabalho realizado pela força peso, durante a queda de um
objeto, transfere energia potencial armazenada no próprio campo gravitacio-
nal para a partícula, que ganha energia de movimento (cinética). Assim, o
trabalho realizado pela força peso atuando sobre o objeto com massa m, ao
deslocá-lo da altura inicial hi até a altura final hf (repare que hf < hi), será
T = Pd = –mg( hf – hi), (2.13)
onde o sinal negativo é devido ao fato de que hf < hi . Se definirmos
a energia potencial gravitacional U de um objeto posicionado a uma altura h
como sendo dada por
U = mgh, (2.14)
então T = – (Uf – Ui) = Ui – Uf . Da equação (2.12) sabemos também que
o trabalho realizado é a diferença entre as energias cinéticas final e inicial, T =
Ecf – Eci . Igualando-se as duas expressões, temos
Ecf – Eci = Ui – Uf ⇒ Ecf + Uf = Eci + Ui . (2.15)
A equação (2.15) expressa o Princípio de Conservação da Energia Me-
cânica, definida como a soma das energias cinética e potencial. Então, inicial-
mente o objeto, imediatamente antes de ser solto a partir do repouso de uma
altura h, possui energia unicamente na forma de energia potencial. Não possui
energia cinética, pois sua velocidade é nula. Quando ele é liberado, à medi-
da que cai, o campo gravitacional terrestre vai convertendo energia potencial
em energia cinética, enquanto o corpo adquire velocidade. Assim, a energia
Introdução a Física 63

potencial das águas que se precipitam do alto da represa de uma hidrelétrica Pesquise e disserte sobre
converte-se em energia cinética, que será transferida para as pás da turbina, a vida e a obra de Henri
Poincaré.
a partir de onde essa energia será convertida em eletricidade por outro meca-
nismo de transformação, a ser explorado na próxima unidade.
É verdade que parte da energia potencial do corpo também se trans-
forma em som, calor, e, eventualmente, até eletricidade estática, durante sua
queda. Entretanto, o princípio de conservação da energia não diz respeito so-
mente à energia mecânica, como já afirmamos acima. Ele é muito mais geral
e envolve todas as formas de energia conhecidas.

1.5 A Física dos Corpos Rígidos


Até agora temos estudado, essencialmente, a mecânica de uma ou, no
máximo, duas partículas, entendidas como elementos materiais cuja exten-
Corpo Rígido
são espacial é desprezível. Mencionamos que a descrição detalhada do mo-
vimento de três partículas ou mais, submetidas a forças de interação mútuas, Embora seja formado
torna-se, em geral, bastante complicada, e isso é conhecido como o problema por inúmeras partículas
fortemente ligadas entre
dos três corpos. Tal problema foi formulado (e demonstrado) pelo brilhante
si, trata-se de um sistema
matemático francês Henri Poincaré no início do séc. XX. simples de estudar, pois a
Felizmente, para algumas situações particulares, existe como estu- distância entre quaisquer
pares de partículas que
darmos o comportamento de um conjunto muito grande de partículas, senão
o formam é constante.
de forma individual e detalhada, pelo menos no seu todo. Consideremos um Seu movimento como
corpo rígido ideal, por exemplo. Este pode ser definido como um agregado um todo é igualmente
coeso de muitas partículas em que a distância entre quaisquer pares delas é simples, essencialmente
composto de translação
constante, independente do movimento seguido pelo corpo como um todo.
e rotação. Para todos os
Assim, o que uma dessas partículas fizer, todas as outras também o farão, fins práticos, não existem
e da mesma maneira, pois elas estão unidas rigidamente, de modo que os movimentos internos.
únicos movimentos permitidos aos corpos rígidos são o de translação e o de
rotação em torno de um eixo (e sua combinação), pois, por definição, eles
movimentam-se sem se deformar.
Na verdade, não existe corpo rígido ideal, como o acima descrito. Nesse
sentido, um corpo que possuísse tais características sequer poderia transmitir
som, pois as ondas sonoras são deslocamentos periódicos das partículas de Fig. 2.10 - Não tente fazer
um meio em torno da sua posição de equilíbrio, e o corpo rígido, por definição, isso...
não permite movimentos individuais das partículas que o formam. Mesmo a
mais rígida de todas as substâncias conhecidas transmite som.
Assim, em princípio, todos os corpos são deformáveis. Observa-se que
a escala de tempo em que se dá uma deformação apreciável de alguns deles
é muito grande, como rochas, por exemplo, quando comparada com o tempo
de vida de um ser humano, o que, para a maioria dos propósitos, permite-nos
tratá-los como corpos rígidos. Vamos considerar o movimento de translação
64 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

de um corpo rígido. Inicialmente imaginemos que ele está em repouso, no


espaço, e é formado por N partículas, com massas m1, m2, ... mN. Se, em um
mesmo intervalo de tempo Δt, a partícula 1 se desloca, na direção x, de uma
distância Δx1, a partícula 2 de uma distância Δx2 e assim por diante, então a
quantidade de movimento total do corpo será, nessa direção, a soma da quan-
tidade de movimento das partículas que o constituem:
∆x1 ∆x ∆x N . (2.16)
Px = m1 + m2 2 + ...m N
∆t ∆t ∆t
Embora a quantidade de movimento seja uma grandeza vetorial, esta-
mos trabalhando apenas com uma direção do espaço (a direção x), de modo
que suas componentes podem ser algebricamente adicionadas, como núme-
ros simples.
Como estamos considerando um corpo rígido ideal, então os desloca-
mentos de todas as partículas, projetados na referida direção, devem ser rigo-
rosamente iguais a um valor fixo, Δx, ou seja, Δx1= Δx2= ... =ΔxN = Δx, de modo
que podemos fatorar (2.16):
∆x , (2.17)
Px = (m1 + m2 + ... + mN ) = Mvx
∆t
onde M é a massa total do corpo rígido e vx é a componente x de sua
velocidade. Portanto, igualando as expressões (2.16) e (2.17), ficamos com
∆x1 ∆x ∆x 1
Mvx =m1 + m2 2 + ...mN N = ∆(m1 x1 + m2 x2 + ...mN xN )
∆t ∆t ∆t ∆t (2.18)
Na última igualdade, consideramos que a soma das variações é a va-
riação da soma (as massas das partículas são invariáveis). Dividindo tudo por
M ficamos com
1 ∆(m1 x1 + m2 x2 + ...mN xN ) ∆xCM . (2.19)
=vx =
∆t M ∆t
Ou seja, a velocidade do corpo rígido pode ser definida como a veloci-
dade com que se desloca o ponto matemático (imaginário) cuja coordenada
na direção x é dada por
m1 x1 + m2 x2 + ...mN xN (2.20)
xCM =
M
Esse ponto imaginário é chamado de centro de massa. Ele representa
uma média ponderada pelas massas das coordenadas das partículas que
formam o corpo rígido. Do mesmo modo, as coordenadas desse ponto nas
direções y e z do espaço serão
m1 y1 + m2 y2 + ...mN yN m z + m2 z2 + ...mN z N
yCM = zCM = 1 1
M . M (2.21)
Introdução a Física 65

A multiplicação da velocidade vx pela massa M, em (2.19), fornece-nos


a quantidade de movimento total do corpo rígido na direção x (e, assim, para
as outras direções do espaço). A aceleração do corpo como um todo pode
ser vista também como a aceleração desse ponto matemático e, portanto, a
resultante das forças que atuam sobre o mesmo pode ser estudada como se
atuasse nessa partícula imaginária, situada no centro de massa.
Em resumo, ao se descrever a dinâmica de um corpo rígido, este pode
ser tratado como se fosse uma única partícula, de massa M e situada nas co-
ordenadas do centro de massa, dadas por (2.20) e (2.21). Assim, por exemplo,
uma cadeira lançada obliquamente no campo gravitacional terrestre, por mais
complexo que seja o seu movimento, terá o centro de massa descrevendo
uma simples parábola, que é a trajetória de uma partícula voadora sujeita à
aceleração da gravidade da Terra.
Agora vamos tratar da rotação de um corpo rígido. Precisamos antes
definir alguns conceitos básicos. Quando vamos abrir (ou fechar) uma porta,
por exemplo, se tentamos fazê-lo empurrando-a próximo às dobradiças, vamos
ter dificuldades. É por essa razão que as maçanetas das portas são colocadas
a maior distância possível das suas dobradiças, exatamente para facilitar o nos-
so trabalho de abri-las ou fechá-las. E esse trabalho também será facilitado se
empurrarmos a porta lateralmente. Se tentarmos puxá-la ou empurrá-la numa
direção paralela ao plano da porta, por exemplo, segurando pelas duas maça-
netas, forçando-a para fora ou para dentro, seremos igualmente mal sucedidos.
O máximo que conseguiremos é arrancar ou empenar a porta.
Essas simples observações permitem-nos definir o conceito de torque,
τ, que é a capacidade que uma força aplicada a uma distância r de certo ponto
possui de realizar rotação de um corpo em torno desse ponto:
t = F ⋅ r ⋅ senq (2.22)
Aqui, F.senθ é a componente da força na direção perpendicular ao raio
r (situado no plano da porta e perpendicular ao eixo de rotação), uma vez que
é ela que efetivamente realiza a rotação; θ é o ângulo entre o vetor força e
o vetor raio. Percebemos também, de (2.22), para a mesma força aplicada,
quanto menor o raio r, que é a distância do ponto de aplicação da força até o
eixo de rotação (no exemplo da porta, a distância até a dobradiça), menor será
o torque, ou seja, menor a capacidade de girar o corpo (vide figura 2.11). No
S.I., torque tem unidade de N.m (note que é a mesma de trabalho, só que não
indicamos como joule, por ter um caráter físico diferente).
O torque é uma grandeza vetorial, pois sua direção muda conforme
muda a direção do eixo de rotação. Mas para efeito do estudo que fazemos
aqui, basta que levemos em conta apenas o seu módulo.
66 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Situação-problema: Uma fina e estreita tábua retangular, com 120 cm


de comprimento e de massa desprezível, suporta sem se curvar, em suas ex-
tremidades, massas de 300g e 900g, respectivamente. Em que ponto da tábua
deve-se colocar um apoio, de modo a equilibrar horizontalmente o sistema?
No ponto em que a tábua com as massas equilibra-se, há uma força
normal que cancela a resultante das forças representadas pelos pesos des-
sas massas. Como já visto, a resultante das forças atuantes em um corpo
rígido pode ser considerada como sendo aplicada diretamente no centro de
Fig. 2.11 - Força abrindo uma
porta, vista de cima. massa do sistema. Então este deverá ser o ponto em que colocaremos o
apoio a fim de equilibrá-lo. Vamos considerar o eixo x como estando ao longo
do comprimento da tábua em equilíbrio, na horizontal. Se escolhermos a ori-
gem das coordenadas como sendo a posição ocupada por uma das massas,
Mostre que os torques digamos, a de 900g, então a posição da outra massa estará a 120cm da pri-
exercidos pelos pesos em meira, no eixo x. Assim, o ponto que define o centro de massa estará, nesse
relação ao eixo que passa eixo, de acordo com a expressão (29), em
pelo apoio, no problema
anterior, se anulam, isto m1 x1 + m2 x2 900 g ⋅ 0cm + 300 g ⋅120cm
é, não há rotação no =xCM = = 30cm
M 1200 g
sistema.
Portanto, o apoio deverá estar a 30cm da massa de 900g ou a 90cm
da de 300g.

1.6 A Física dos Corpos Fluidos


Vimos na seção anterior que o sistema físico constituído de partículas
que formam um corpo rígido é relativamente simples de ser descrito. Há, en-
tretanto, outros sistemas igualmente formados de numerosas partículas que
não se comportam como um corpo rígido, e, portanto, não são tão simples de
se estudar. Nestes sistemas, as partículas não estão fortemente ligadas umas
às outras, e os chamaremos genericamente de fluidos.
Dependendo do grau de coesão existente entre as partículas do fluido,
se maior ou menor, podemos classificá-los como líquidos ou gases, respec-
tivamente. Estes últimos são denominados gases ideais, se não há nenhuma
força de coesão entre as partículas que os formam. Portanto, existe todo um
espectro de corpos extensos (macroscópicos) na Natureza, desde aqueles
cujas partículas podem ser vistas como tendo uma máxima coesão (corpos
rígidos ideais) até os de coesão desprezível (gases ideais).
Os líquidos tendem a ocupar a forma do recipiente em que são des-
Fig. 2.12 - Como as setas pejados, uma vez que suas partículas constituintes deslizam com facilidade
indicam, em um líquido em umas sobre as outras, até encontrarem uma situação de equilíbrio. Assim, é
repouso só podem existir possível caracterizar os líquidos pela capacidade que têm de fluir. Se a super-
forças perpendiculares às
fície de um líquido em repouso for submetida a uma força tangencial, como o
superfícies de contato.
vento soprando rente às águas de um lago, observa-se que essa porção do
Introdução a Física 67

líquido prontamente se põe a movimentar, com a formação de correntes e de


ondas superficiais, por menor que seja a magnitude daquela força. Logo, para
que um líquido esteja em repouso, é necessário que haja apenas forças
perpendiculares às superfícies de contato que o delimitam. Seja qual for
o líquido em repouso de que estivermos falando, então ele constitui objeto de
estudo da hidrostática. É desta última que nos ocuparemos agora.
Antes, vamos definir uma grandeza associada com as forças que se
dispõem perpendicularmente às superfícies de contato e nelas se distribuem
uniformemente. Dizemos que, quando uma força de mesma magnitude é apli-
cada primeiramente sobre uma superfície A de extensão menor que outra B, e
depois sobre esta, então a força uniforme sobre a superfície
A exerce uma pressão maior que sobre B. Esta é a razão de furarmos
o pé quando pisamos em um prego e de podermos deitar sem nos ferir em
camas de pregos, como os faquires do oriente.
Assim, vamos definir esta grandeza (pressão - p) como a razão entre o
módulo da força F aplicada perpendicular e uniformemente a uma superfície
e o valor de sua área A:
F
p= (2.23)
A
A unidade de medida de pressão no S.I. é o N/m , que recebe o nome
2

de pascal, símbolo Pa.


Consideremos que uma película circular de um material qualquer flutu-
ando horizontalmente no interior do líquido da fig. 2.12, que vamos supor ser
água, a uma profundidade constante h. Então, uma superfície de contato entre
a película e a água se formará e, sobre ela, haverá forças atuando perpendi-
cularmente, exercendo uma pressão em todos os lados da película (estamos
ignorando forças de caráter microscópico). Qual é o valor dessa pressão?
Primeiramente, consideremos o peso da coluna d’água existente sobre a pelí-
cula, que vai desta até a superfície do líquido, formando um cilindro imaginário
de água. Se a densidade do líquido é dada por ρ e ele é incompressível, então
o peso da coluna d’água sobre a película será,
Pesocoluna
= r= Vg r Ahg , (2.24)
onde A é a área da película, h é a altura da coluna (cilindro) . Dividindo-
-se a equação 2.24 pela área da película, que também vale A, então teremos
quantificada a pressão exercida sobre a película, devida à água
p = r gh . (2.25)
Esta é a Lei de Stevin: a pressão em um líquido varia linearmente com
a profundidade.
Princípio de Pascal: para calcularmos a pressão que efetivamente é
exercida sobre a película, entretanto, temos de levar em conta também o peso
da massa de ar (atmosfera) que se faz sentir sobre todos os corpos situados
68 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

na superfície da Terra e o qual exerce sobre eles uma pressão de cerca de


105 Pa, no nível do mar. Blaise Pascal, no século XVII, descobriu que essa
pressão (aliás, toda pressão externa) se transmite para todos os pontos si-
tuados no interior dos líquidos, de modo que, à equação 2.25, deveremos
acrescentar a pressão p0 existente na superfície do líquido em contato com o
ar, ficando com
=p r gh + p0 (2.26)
Situação-problema: Calcule a pressão exercida sobre o que sobrou
do casco do Titanic, situado a uma profundidade de 4.000 m, no fundo do
Atlântico Norte. Considere a densidade da água aproximadamente 1kg/litro.
Este problema é uma aplicação direta da equação (2.26). Devemos
apenas converter a densidade da água para kg/m3 (S.I.). Sabemos que 1li-
tro = 1 dm3 (decímetro cúbico) = (1m/10)3. Portanto, 1 kg/litro = 1000 kg/m3.
Considerando que no nível do mar a pressão atmosférica é de 105 Pa, então
a pressão pedida será

kg m
=p 1000 3
10 2 .4000
= m + 105 Pa 4, 01.107 Pa
m s

Ou seja, cerca de 400 vezes a pressão atmosférica medida no nível


do mar! Seríamos prontamente esmagados sob tal pressão. É surpreendente
que existam seres marinhos, habitantes dessas profundezas, que nadam tran-
qüilamente sem serem molestados por tão formidável pressão...
Princípio de Arquimedes: Certamente algum de vocês já se indagou
o porquê de balões de ar quente subirem aos céus quando tudo tende a cair,
e o porquê de navios feitos de ferro, pesando toneladas, não afundarem. Ar-
quimedes de Siracusa, no segundo século antes de Cristo, mostrou que tudo
depende da densidade (recordemos que é massa por unidade de volume):
se um corpo possui uma densidade menor que o meio que o circunda, ele
tende a subir verticalmente. Surge uma força resultante chamada empuxo,
contrária à força peso e maior que esta. Se o corpo tem a mesma densidade
que o meio, então ele ficará apenas flutuando, nem descerá nem subirá. Se
a densidade do corpo é maior que a do meio, o peso vence o empuxo e ele
afunda. Esse princípio é enunciado como
“O empuxo sobre um corpo é o peso do volume de líquido deslo-
cado quando tal corpo nele é imerso.”
Se, ao mergulharmos um corpo, este deslocar uma massa de líquido
maior que sua própria massa, então ele flutuará, pois tem uma densidade
menor que a do meio. Assim, esses grandes navios, apesar de muito pesados,
são também bastante volumosos e cheios de ar, possuindo uma densidade
média menor do que a da água e, portanto, não afundam.
PARTE 3
Da Termodinâmica às
Ondas Eletromagnéticas

Objetivos:
l Compreender as transformações envolvendo Calor e Trabalho, as Leis que
delas decorrem e suas aplicações, assim como os conceitos fundamentais
e as Leis da Eletricidade e do Magnetismo.
70 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo
Capítulo 1
Termodinâmica
Introdução
Começaremos estudando a ciência da Termodinâmica, que cuida dos
processos e transformações físicas envolvendo calor, que é uma forma de
transferência de energia baseada no movimento aleatório e incessante dos
átomos e moléculas que compõem a matéria. Suas duas principais leis são:
a) energia não é criada nem destruída e b) calor não pode ser integralmente
transformado em trabalho.
Em seguida, estudaremos os fenômenos da eletricidade e do mag-
netismo, que são essencialmente produzidos por cargas elétricas. Veremos
que a carga elétrica é uma propriedade intrínseca da matéria, como a massa.
Mas diferentemente desta, pode assumir valores negativos e positivos, e além
disso é quantizada. Veremos que as cargas elétricas interagem entre si por
meio de campos, que podem ser compreendidos como uma ação física que
se estende no espaço, para além das cargas (puntiformes) que os geraram.
Também procuraremos compreender como esses mesmos campos podem
se “autogerar” e, assim, se propagar no espaço, dando origem às chamadas
ondas eletromagnéticas, base da Óptica Física.
A palavra Termodinâmica
surgiu em 1840. De
1.1 Conceitos básicos origem grega, therme
É importante estar familiarizado com os conceitos e princípios básicos significa calor, e dinâmica
da Termodinâmica, pois o seu total domínio é fundamental para um bom en- significa poder. Este ramo
da física estuda o modo
tendimento do que é esta ciência.
como a energia pode ser
Para melhor entendê-la, assim como se faz em outras ciências, a Ter- armazenada, como essa
modinâmica estuda apenas a quantidade de matéria sobre a qual se tem energia é transformada
e como é dissipada. A
interesse, isolando-a de tudo que seja externo e que não interfira física ou
Termodinâmica descreve
quimicamente com a referida quantidade. Daí vem a definição de sistema em termos matemáticos
termodinâmico e vizinhança. Sistemas termodinâmicos podem ser sólidos relativamente simples as
e fluidos (gases ou líquidos) contidos num recipiente e separados do meio propriedades físicas dos
sistemas, em função da
exterior. Evidentemente, deve haver uma separação, real ou não, entre o sis-
quantidade de energia e
tema termodinâmico e o meio exterior (ou vizinhança). A separação pode ser de massa.
72 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Nosso planeta recebe realizada introduzindo-se o conceito de fronteira. A parede que separa o reci-
continuamente energia piente, citado anteriormente, do ar atmosférico é um exemplo de fronteira real.
radiante do Sol e
emite ondas de calor
Esta parede pode permitir ou não a passagem de calor, desde a vizinhança
na forma de radiação até o interior do sistema termodinâmico.
infra-vermelha. Mas a Ao longo deste estudo, veremos que podemos encontrar sistemas
Terra, com o passar do
tempo, não ficará muito
termodinâmicos fluidos em que a quantidade de matéria contida no sistema
mais pesada nem muito permanece constante e em repouso, e estes sistemas são chamados de sis-
mais leve do que está, temas fechados. Neles, a matéria nunca atravessa a fronteira da vizinhança
de modo que não há para o interior do sistema, ou vice-versa. Caso contrário, quando o fluido escoa
transferência de massa
para seu exterior. Em
através das fronteiras, os sistemas são chamados sistemas abertos. A dife-
contrapartida, buracos rença entre esses tipos de sistemas pode ser vista com exemplos. Considere
negros são sistemas uma reação química realizada em solução aquosa em um tubo de ensaio.
termo-dinâmicos abertos O sistema consiste em um solvente, a água, e outras substâncias químicas
porque exercem uma forte
atração gravitacional em
dissolvidas no tubo de ensaio. O sistema, neste exemplo, é definido como a
suas proximidades. Assim, parte escolhida a ser estudada. A vizinhança é simplesmente o que é excluído
qualquer corpo é atraído do sistema e sobre o qual não há interesse de se estudar. O sistema e sua vizi-
para eles, mas nada sai nhança são separados por uma fronteira, que neste caso, é o tubo de ensaio.
dessa região, nem a
luz. Neles há, portanto, Um sistema é dito fechado quando é permitido a trocar calor com a vizi-
transferência de massa. nhança, mas não massa, isto é, a fronteira de um sistema fechado é imperme-
ável à massa. No exemplo do tubo de ensaio, enquanto não seja importante a
evaporação do solvente nem seja adicionado outro componente, o sistema é
fechado. Outro exemplo de um sistema fechado é a Terra.
Um exemplo cotidiano de sistema termodinâmico aberto é o homem.
Ele inspira e expira ar continuamente, come, bebe, defeca e urina periodica-
mente. Os alimentos atravessam a fronteira do sistema desde o exterior. No
decurso, a energia térmica é trocada entre ele e os arredores. Um diagrama
esquemático da estrutura interna desse sistema aberto é mostrado na figura
abaixo.
Por último, existem os sistemas isolados, ou seja,
quando a fronteira não permite nem a passagem de massa
nem a passagem de energia. O sistema é constante no que diz
respeito à composição material e à energia. Um exemplo de
sistema isolado é a garrafa térmica. Havendo vácuo entre as
paredes do recipiente, evita-se tanto a perda quanto a entrada
de calor ao sistema. Da mesma forma, enquanto a tampa da
garrafa não for aberta, não entra nem sai líquido da garrafa. A
quantidade e a temperatura do café permanecerão inalteradas.
A importância de definir um sistema termodinâmico esta
em de descrever o seu comportamento para estudo de sua
interação com a vizinhança. Isto pode ser realizado através de
Introdução a Física 73

propriedades ou variáveis de estado. As propriedades de estado, quando • Descreva três exemplos


recebem um valor numérico a partir de medidas efetuadas, permitem definir o de sistema fechado.
estado termodinâmico do sistema. Algumas propriedades de estado bem co- • Descreva três exemplos
nhecidas são a pressão, o volume, a massa, a temperatura, dentre outras. de sistema aberto.
Em um sistema é possível determinar, a qualquer momento, seu estado • Descreva como fun-
ou condição termodinâmica. As propriedades de estado sempre definem o ciona uma casa em
comportamento da fase (sólida, líquida ou gasosa) que se encontra dentro do termos de sistema
sistema, quando existe o chamado equilíbrio termodinâmico, isto é, quando aberto, sistema fecha-
do e sistema isolado.
as propriedades de estado não mudam com o tempo. Todas as propriedades
de estado, quando alteradas, definem um novo estado para o sistema termo- A água pode existir de
dinâmico. forma homogênea em
Um diagrama muito útil e eficiente para a análise do estado termodinâ- várias fases.
Quando existe
mico das substâncias é o diagrama de fases, P-T. Ele é utilizado para entender homogeneamente na
e predizer muitos aspectos do comportamento e da composição das fases fase líquida, pode se
das substâncias presentes em um sistema termodinâmico a diferentes tempe- tornar vapor, após o
raturas e pressões. aquecimento; ou a água
pode se tornar sólida após
o resfriamento. Então,
em cada caso a dizemos
que a água mudou de
fase. Para cada fase,
a substância pode
existir a várias pressões
e temperaturas ou,
usando a terminologia da
termodinâmica, em vários
estados termodinâmicos.

Fig. 3.2 - Diagrama de Fases da água pura.


Assim, como pode ser observado no diagrama, o ponto triplo corres-
ponde ao estado no qual as três fases (sólido, líquido e gasoso) coexistem em
Hipócrates (460-370 a.
equilíbrio térmico. Uma substância na fase vapor, com pressão acima da pres- C.), um eminente médico
são do ponto triplo, muda de fase (torna-se líquido) ao ser resfriada até a tem- grego que defendeu a
peratura correspondente na curva de pressão de vapor. Resfriando o sistema tese que mostra a im-
portância da boa mistura
ainda mais, será atingida uma temperatura na qual o líquido irá se solidificar.
dos fluidos no organismo
Uma substância na fase sólida com pressão abaixo da pressão do pon- humano. Segundo ele,
to triplo, quando aquecida mantendo-se a pressão constante, atingirá uma a causa das doenças é
devida ao desequilíbrio
temperatura na qual ela passa da fase sólida diretamente para a fase vapor,
na mistura dos fluidos
corporais.
74 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

sem passar pela fase líquida, como mostrado na figura anterior. A vaporização
é a passagem da fase líquida para a gasosa. A condensação é a passagem
de uma substância da fase gasosa para a líquida. Ela pode ocorrer, também,
à temperatura ambiente. Por exemplo, colocando-se água gelada num copo,
observa-se a condensação do vapor de água do ar na sua parede externa. A
sublimação ocorre para temperaturas abaixo do ponto triplo; nessas condi-
ções, uma substância qualquer pode passar diretamente da fase sólida para
fase gasosa, ou vice-versa, sem se transformar em líquido.
A passagem de um estado termodinâmico a outro é realizada por um
caminho que determina o tipo de processo entre um estado e outro. Alguns
processos muitos usados são:
• Processo Isobárico, no qual a passagem de um estado a outro acontece
mantendo a pressão constante.
• Processo Isotérmico, no qual a passagem de um estado a outro acontece
mantendo a temperatura constante.
• Processo Isocórico ou Isométrico, no qual a passagem de um estado a
outro acontece mantendo o volume constante.

Atividades de avaliação
1. Durante uma mudança de estado isobárico:
( ) a pressão aumenta,
( ) a pressão diminui
Como a agitação das
moléculas não pode ser ( ) a pressão permanece constante
medida diretamente, 2. Em dias muito frios, ao falarmos, expelimos pela boca uma fumaça. Expli-
mede-se a temperatura, que este fenômeno.
através de outras
propriedades.
No interior do termômetro 1.2 Temperatura. Lei Zero da Termodinâmica.
de mercúrio há um bulbo,
que é um tubo bem Escala de Temperatura
estreito chamado de Por muito tempo, no lugar da palavra temperatura, foi usada a palavra
capilar onde a substância temperamento, do latim temperare, que significa misturar líquidos que não po
termométrica (mercúrio)
derão ser separados, como a água e o vinho. Claudios Galenos, um ilustre
sobe e desce, conforme
a temperatura que está médico grego, desenvolveu a idéia de Hipócrates e estudou a influência do
sendo medida. A altura clima sobre as misturas dos fluidos corporais, a ponto de determinar o caráter
que o mercúrio marca ou temperamento de uma pessoa. Assim, segundo ele, na região Norte, onde
no capilar é chamada de
o clima era frio e úmido, os seus habitantes possuíam um temperamento sel-
grandeza termométrica.
vagem, enquanto que o temperamento das pessoas que habitavam na região
Introdução a Física 75

Sul, onde o clima era quente e seco, era manso e fleumático. Em regiões onde
o clima era bem misturado, isto é, temperado, as pessoas possuíam o cará-
ter equilibrado, o melhor senso e a inteligência superior. Naturalmente, essas
pessoas eram os gregos e os romanos. Hoje em dia, é bem conhecido que
a temperatura corporal independe da região onde vivem os seres humanos.
A temperatura é uma propriedade física que descreve o estado termodi-
nâmico de um sistema. Seu conceito intuitivo está associado à capacidade de
distinguir qualitativamente se os corpos estão quentes e/ou frios. Os nossos
estímulos sensoriais nem sempre são confiáveis para quantificar a tempe-
ratura de um corpo. Muitas vezes, materiais que se encontram num local à
mesma temperatura, aparentam possuir temperaturas diferentes: o mármore
e a madeira são dois bons exemplos quando localizados numa mesma sala.
As sensações intuitivas, muito usadas para definir quando os objetos podiam
ser considerados quentes ou frios, para medir temperatura, foram eliminados
lentamente durante o século XVII.
A temperatura é uma grandeza que está associada ao grau de agitação
das moléculas. A única forma certa de quantificar a temperatura de um corpo
é através de medidas indiretas, isto é, usando o fato de que, quando a tempe-
ratura de um corpo varia, outras propriedades, chamadas propriedades termo-
métricas, também variam. Algumas propriedades termométricas que variam
com a temperatura são: as expansões volumétricas, lineares ou superficiais, a
pressão de um gás que se encontra a volume constante, a resistência elétrica,
a voltagem, dentre outras. Tomando como base uma relação linear entre a
temperatura e a propriedade termométrica X, podemos escrever:
T − T0 X − X0 (3.1)
=
T1 − T0 X 1 − X 0
Nesse caso, T é o valor da temperatura quando a propriedade termo-
métrica toma o valor de X, T1 é o valor da temperatura quando a propriedade
termométrica toma o valor de X1 e T2 é o valor da temperatura quando a pro-
priedade termométrica toma o valor de X2.
É bem conhecido o fato de que, quando dois sistemas com diferentes
temperaturas são colocados em contato direto, o sistema com temperatura
maior esfria, enquanto que o sistema com temperatura menor aquece. Che-
gando ao ponto em que não ocorrem mais variações térmicas, esta situação é A Lei Zero foi enunciada
chamada de equilíbrio térmico, que é a forma ideal para introduzir formalmen- depois das outras duas,
te o conceito de temperatura dos sistemas, isto é, quando atingido o equilí- a Primeira e a Segunda
Lei, por volta de 1930.
brio térmico, a propriedade térmica que não varia é chamada de Temperatura.
Mas, por ser muito
Agora, estamos prontos para enunciar a Lei Zero da Termodinâmica, a qual básica na época, não foi
envolve o conceito de equilíbrio térmico. considerada como uma
lei.
76 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Uma ampla variedade Quando dois sistemas se encontram separados, mas em equilíbrio
de escalas foi anunciada térmico com um terceiro, então os três sistemas se encontram em equi-
em épocas diferentes,
em lugares diferentes e
líbrio térmico entre si.
por pessoas diferentes. A Lei Zero é a base física do funcionamento do instrumento chamado
Algumas deixaram termômetro. Um termômetro, que atinge o equilíbrio térmico com um sistema,
de existir por serem
totalmente subjetivas
mede através de uma escala térmica predeterminada a temperatura do siste-
e arbitrárias, embora ma. O instrumento foi desenvolvido no início do século XVII, provavelmente
pudessem ser utilizáveis por Galileu Galilei.
todas. Hoje em dia, as
Quando a expansão volumétrica, do álcool ou do mercúrio, é usada
escalas de temperatura
mais conhecidas são: a como propriedade termométrica para medir a temperatura de um corpo, o va-
escala Celsius e a escala lor numérico real que define a temperatura é aquele obtido ao atingir-se o equi-
Fahrenheit. líbrio térmico. Para realizar essas medidas é necessário definir uma escala.
Uma das primeiras escalas termométricas conhecidas foi definida por
Galenos; para isto ele misturou iguais quantidades de gelo e água fervendo,
considerados, na época, os corpos mais frios e mais quentes. A essa mistura
ele chamou de mistura neutra. A partir daí definiu quatro graus de temperatura
inferiores a esse ponto neutro e quatro graus de temperatura acima do ponto
neutro. Na verdade, a idéia de nove graus está relacionada com os 90 graus
de latitude entre o equador e os pólos. Essa primeira aproximação de escala
de temperaturas sobreviveu, de forma errada, sob os cuidados dos médicos
árabes. Existem outras escalas, mas o princípio fundamental para criá-las é
considerar que a temperatura, dentro de certo intervalo, varia linearmente com
a variação da propriedade termométrica que será usada. Para isto, é necessá-
rio estabelecer uma equação reta que passa por dois pontos fixos e conheci-
dos. Esses pontos, preferencialmente, devem ser de fácil e fiel reprodução, de
maneira que permitam fazer leituras comparativas com outros termômetros.
Desde o início, para calibrar os termômetros, foram usadas a temperatura em
Termômetro universal que se descongela a água e a temperatura em que ela ferve como pontos
Depois de mais de fixos. Estabeleceu-se, dessa forma, a escala de temperatura Celsius. Celsius
duzentos anos de
repetiu experimentos em vários climas com variações da pressão, encontran-
pesquisa experimental
com vários tipos de do o mesmo valor de temperatura em que o gelo se funde.
substâncias, chegou- No entanto, alternativas de pontos fixos foram propostas durante muito
se à conclusão de que
tempo, sem sucesso; entre eles, durante algum tempo, foram usadas a tem-
todos os gases, quando
se encontram a baixas peratura de fusão da manteiga e a temperatura da axila do homem saudável.
pressões, apresentam o A escala Celsius (símbolo °C) sobreviveu e usada até nossos dias. Ela
mesmo comportamento.
concebe o ponto de solidificação (congelamento) da água, que corresponde
Nestas condições, a
pressão e o volume do a 0 grau, e o ponto de evaporação da água, que corresponde a 100 graus
gás apresentam o mesmo medidos a uma pressão atmosférica padrão. Esses dois pontos fixos foram
comportamento linear com divididos em cem passos. Tomando uma variável termométrica X, a relação
a temperatura.
linear com a temperatura pode ser escrita como:
Introdução a Física 77

T 0C − 00 C X − X0
= Sendo a temperatura
100 C − 0 C X 1 − X 0
0 0
(3.2)
uma medida da agitação
térmica molecular, a
X − X0 menor temperatura
T 0C = 100 0 C corresponde a situação
X1 − X 0
em que não há movimento
molecular. Este estado
Fahrenheit decidiu aperfeiçoar as técnicas de fabricação dos termôme- corresponde ao zero
tros, com o objetivo de obter leituras mais precisas, no lugar de trabalhar com absoluto na escala Kelvin,
dois pontos fixos, considerou três pontos. Daí surge o grau Fahrenheit, cujo que corresponde a
-273,15 oC.
símbolo é °F. Os pontos escolhidos foram o de congelamento de uma mistura
de água e de sal do mar como 0°F, gelo fundente sozinho na água 32°F, e a tem-
peratura do corpo humano 96°F. Nessa escala o ponto de fusão da água é de
32 °F e o ponto de ebulição, de 212 °F. O ponto de ebulição da água se encontra
a 180 graus acima da temperatura do gelo fundente. Tomando uma variável ter-
mométrica X, a relação linear com a temperatura pode ser escrita como:
T 0 F − 320 F X − X0
0 0
=
212 F − 32 F X 1 − X 0 (3.3)

X − X0
=T 0F 1800 F + 350 F
X1 − X 0

Independente da escolha da escala, a propriedade termométrica sem-


pre sofre a mesma alteração em função da variação da temperatura. Portanto,
é possível igualar os lados direitos da expressão (2) e (3), resultando em:

T 0C − 00 C T 0 F − 32
= (3.4)
1000 C − 00 C 2120 F − 320 F

50 C 0
T 0C
= (T F − 350 F )
90 F

Quando dois termômetros são calibrados com substâncias líquidas di-


ferentes (álcool e água), usando-se a mesma propriedade termométrica, por
exemplo, a expansão volumétrica, podem surgir discrepâncias nos valores
medidos das temperaturas. Isto não significa que haja erros na leitura da tem-
peratura. A não coincidência nos valores medidos deve-se ao fato de que
a relação linear da temperatura com a propriedade termométrica varia com
o tipo de substância. Daí surgiu a necessidade de se criar um termômetro
padrão ou universal cujas medidas não dependessem do tipo de substância
empregada. Os gases a baixas pressões são chamados gases ideais, e a
78 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Um termômetro, de temperatura mínima atingida por eles é de -273,15 oC. Lorde Kelvin sugeriu a
líquido em vidro, indica correspondência entre a temperatura mais baixa atingida pelos gases ideais
uma temperatura de 40o
(-273,15 oC) com o chamado zero absoluto; surgindo dessa forma a escala
C numa pessoa que arde
em febre. Determine a absoluta ou escala Kelvin. Nessa escala os dois pontos fixos determinados à
respectiva temperatura pressão atmosférica com valores para o gelo fundido, de 273,15 K, e para a
nas seguintes escalas: a) vaporização da água, de 373,15 K.
em graus Fahrenheit (oF);
b) em Kelvin (K). A solução encontrada para se criar o termômetro universal ou absoluto foi
Pesquise e disserte sobre empregar gases a baixa pressão. A escala Kelvin foi rapidamente adotada por
o grau Rankine (oR) como cientistas do mundo inteiro, mas sofreu uma mudança sutil ao reconsiderar os
unidade de medida da
pontos fixos, 273, 15 K e 373, 15 K, por um único ponto, o ponto triplo da água,
temperatura. Converta
100 oC para grau Rankine a temperatura onde coexistem em equilíbrio térmico as três fases: líquido, sólido
(oR). e gasoso da água; e cujo valor é 273,16 K que corresponde a 0,01 oC. A tempe-
ratura é uma grandeza mensurável através de instrumentos cujo valor numérico
não depende da extensão nem da quantidade de massa do sistema.

1.3 Calor. Trabalho. Primeira Lei da Termodinâmica


A definição de calor foi objeto de diferentes hipóteses. Cada uma delas
teve seus defensores, movidos por convicções científicas ou filosóficas e até
por razões políticas ou patrióticas. Durante muito tempo, a natureza do calor
permaneceu obscura. Alguns cientistas admitiam que o calor estava relaciona-
Ainda hoje não se do a uma substância que estaria presente nos corpos que queimam. Tal subs-
conhece o limite superior
tância hipotética era chamada de flogístico. No final do século XVIII, existia uma
de temperatura existente
no Universo, mas sabe- teoria que tentava explicar a origem do calor como se fosse uma substância
se, com grande certeza, a fluida indestrutível, invisível e sem massa, que preenchia os poros dos corpos,
mínima. chamada de fluido calórico. Depois de alguns anos, a palavra foi simplificada
A menor temperatura,
para calor. O fluido calórico saía e escoava de um corpo quente e penetrava
obtida em laboratório em
2004 pela equipe do físico num corpo frio. Esta teoria, baseada na intuição, foi apoiada por Lavoisier, um
Wolfgang Katterie, através grande químico, que estudou, pela primeira vez, o processo de combustão.
de um condensado de A idéia do fluido calórico e da sua conservação, embora errada, era
Bose-Einstein, foi de
0.000000000450K. As interessante, sendo responsável pelo progresso no estudo do calor. As expe-
maiores temperaturas riências e as observações indicavam que essa teoria não era suficiente para
acontecem quando ocorre explicar a natureza do calor. Benjamin Thompson ficou muito impressionado
a morte e a explosão das com a grande quantidade de calor liberada na fabricação de um canhão por
estrelas Supernovas.
Na explosão podem ser ação de uma broca. A quantidade de calor liberada superava a expectativa
atingidas temperaturas e era capaz de vaporizar a água. Usando uma balança bastante precisa, ele
até 70 vezes maiores tentou medir o peso do fluido calórico, mas, não detectou nenhuma diferença.
do que a temperatura Convenceu-se, assim, de que trabalho podia ser convertido em calor e que
do núcleo do Sol, que é
de aproximadamente 14 a natureza do calor era de fato movimento. Ele argumentou, comparando a
milhões de graus °C. uma esponja que não pode liberar indefinidamente água se comprimida, que a
taxa de produção de calor poderia ser mantida indefinidamente, mas somente
Introdução a Física 79

enquanto o trabalho de usinagem fosse realizado. A idéia de calórico final- O exemplo mais simples
mente foi abandonada e o calor passou a ser identificado como energia, com de que não pode existir
um fluido calórico
as experiências realizadas por Joule. Contudo, os adeptos do calórico eram é mostrado quando
difíceis de ser convencidos. esfregamos duas mãos e
Por outro lado, outros cientistas tentaram explicar a natureza do calor geramos calor. Como as
duas mãos se encontram
relacionando-o com movimento. Durante muito tempo, o trabalho realizado à mesma temperatura,
pelo cientista Bernoulli foi ignorado em defesa da existência do fluido calórico. é impossível explicar
Ele propôs um modelo microscópico que explicava o comportamento dos ga- que sai fluido calórico de
ses. Bernoulli supôs que os gases eram formados de inúmeras moléculas em uma mão para a outra. O
aumento observado na
rápido movimento aleatório (energia cinética) e mostrou que a pressão que temperatura é explicado
um gás exerce sobre as paredes de um recipiente é devida às colisões das pelo calor produzido pelo
moléculas com as paredes do vaso. Quando os gases se encontram em um atrito entre os corpos
conjunto formado por um cilindro com pistão, se o volume ocupado pelo gás envolvidos.
é reduzido pela metade, a pressão exercida pelo gás dobra de intensidade. O
aumento da pressão é causado pela diminuição do volume do recipiente; sen-
do assim, as colisões das moléculas com as paredes do recipiente também
aumentavam. Isto explicava o aumento da pressão, o aumento da energia ci-
nética das moléculas e, portanto, da temperatura do recipiente. Dessa forma,
o aumento da energia cinética das moléculas está associado ao aumento da
temperatura do recipiente. Fora do recipiente, a vizinhança se encontra a uma
temperatura inferior e o movimento das moléculas é transmitido às moléculas
mais próximas das paredes. Concluindo, podemos dizer que calor é a ener-
gia térmica que se transfere entre corpos que estão a diferentes temperatura. Um processo é
Para designar a energia que se encontra armazenada no sistema, em decor- irreversível quando o
sistema e sua vizinhança
rência do movimento de suas partículas, usamos o termo energia interna. Não
não conseguem voltar
tem sentido, então, dizer que um corpo possui calor. ao estado inicial
O calor flui de uma região de temperatura mais alta, onde a velocida- espontaneamente. Alguns
de média molecular do movimento é maior, a uma efeitos que tornam os
processos irreversíveis
das temperaturas mais baixas. Quando uma lata são:
de refrigerante quente é colocada na geladeira, Transferência de calor
o calor flui continuamente da lata e é transferido com diferença brusca de
para o interior da geladeira até que é atingido o temperatura.
equilíbrio térmico, ou seja, até atingir a temperatu- Reações químicas
ra média de todos os outros objetos no interior do espontâneas.
freezer, incluindo o ar.
Por convenção, o calor é considerado com
sinal positivo se estiver fluindo do sistema para a
vizinhança e negativo, no caso contrário. Neste

Fig. 3.3 - Lata de refrigerante na geladeira


80 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

caso, o sistema é considerado como a lata de refrigerante e o interior da gela-


deira, como a vizinhança; portanto, o calor flui do interior da lata para o interior
da geladeira.

Fig. 3.4 - Convenção de sinal para o calor

Uma vez que calor é uma forma de energia, a unidade de medida do


calor é o Joule ( J). No entanto a unidade mais utilizada é a caloria (cal), cuja
relação é:
1 cal= 4,18 J

Emprega-se também, com frequência, a unidade múltipla quilocaloria


(kcal).
1 kcal= 103 cal= 4,18 kJ

Outra grandeza muito usada é o trabalho, conceito chave para o enten-


dimento da Termodinâmica. Em Física, o conceito de trabalho é associado
ao deslocamento de um corpo quando uma força é aplicada, por exemplo,
quando uma caixa é levantada verticalmente. A definição técnica de trabalho
é semelhante ao que estamos familiarizados com a vida cotidiana. Se alguém
“trabalha duro”, então põe um grande esforço para realizar uma tarefa. Sabe-
mos que a força causa o movimento de um corpo. De acordo com a Segunda
Lei de Newton:
F=ma (3.5)
onde F é a força, a é a aceleração e m é a massa.
O trabalho é semelhante ao calor. Quando o calor é adicionado a um
sistema, a energia interna aumenta. Por exemplo, ao comprimir o volume de
um gás, a energia interna do sistema também aumenta. Uma vez que trabalho
também é uma forma de energia, a unidade de medida é o Joule (J). Por con-
venção, o trabalho é considerado com sinal positivo se estiver fluindo do siste-
Introdução a Física 81

ma para a vizinhança e negativo, no caso contrário. Na expansão de um gás


dentro de um cilindro com embolo, o trabalho é negativo. Tanto calor como
trabalho são formas de transferência de energia que atravessam a fronteira de
um sistema, por isto são consideradas grandezas transitórias, ao contrário da
energia interna, a qual permanece armazenada no sistema.
Embora semelhantes, ambas as grandezas apresentam diferenças: o tra-
balho é a transferência de energia devido à aplicação de uma força que produz
deslocamento de um corpo; já o calor é a transferência de energia devido à
existência de uma diferença de temperatura entre o sistema e a vizinhança.
Estamos prontos para enunciar o Princípio de Conservação da Energia.
O enunciado da primeira lei é:
A energia de um sistema pode ser transformada de uma forma a
outra e está distribuída em várias formas, mas não pode ser criada ou
destruída. A energia de um sistema mais a da vizinhança é sempre cons-
tante no tempo.
A energia pode ser distribuída em uma grande variedade de formas.
Algumas das diferentes formas que pode tomar são: a energia química, a elás-
tica, a potencial, a cinética, a elétrica, a gravitacional, térmica, a energia nucle-
ar, a radiante, e a energia de interação intermolecular, a massa. Independente
da forma, a quantidade total num sistema termodinâmico é sempre constante,
como mencionado anteriormente. Embora existam várias formas de energia,
o seu estudo detalhado dependerá do interesse de quem as avalia, já que al-
gumas formas são claramente mais importantes do que outras, ou relevantes
apenas em situações muito específicas.
A Primeira Lei da Termodinâmica tem uma natureza totalmente empíri-
ca, isto é, não há prova matemática de que ela seja correta, ao contrário do
teorema de Pitágoras, que foi obtido a partir dos princípios mais elementares
da Geometria Euclidiana. A Primeira Lei é baseada no princípio de conserva-
ção da energia, quando são considerados o calor e o trabalho como formas de
energia. A Primeira Lei é aceita pela comunidade científica sobre um número
de diferentes bases, porém, a mais importante e necessária é a experiência
de muitos pesquisadores.
Sendo um balanço energético, a aplicação da Primeira Lei a sistemas
fechados, pode ser formulada como:
∆U = ∆Q + ∆W (3.6)
Nesse caso, ∆U é a variação da energia interna que foi armazenada
no sistema ∆Q = Qentra − Qsai é o calor líquido que atravessa a fronteira do
sistema e, ∆W = Wentra − Wsai é o trabalho líquido que atravessa a fronteira
do sistema.
82 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

A tabela 1 mostra o A primeira Lei é um balanço energético de todas as formas de energia


conteúdo energético de que entram e saem do sistema através das fronteiras ( ∆Q, ∆W ) e a quanti-
vários alimentos.
dade de energia que é armazenada no sistema ( ∆U ). Como resultado do
Alimento Cal
balanço energético na fronteira do sistema, a energia interna pode aumentar,
diminuir ou permanecer constante. Quando fornecemos a um sistema certa
Refrigerante 137 quantidade de calor Q, esta energia pode ser usada para o sistema realizar
um trabalho W, de expansão ou de contração. Parte do calor fornecido pode
Fatia de bolo 171 ser, ainda, absorvida pelo sistema na forma de energia interna. Podemos fazer
de chocolate
uma analogia com o funcionamento de uma instituição de crédito, como um
banco. No final do dia, depois de todas as retiradas, depósitos, empréstimos
Sanduíche 340
e outras movimentações financeiras dos contribuintes em dinheiro e cheques,
Segue abaixo uma tabela permanece armazenada no banco uma quantidade determinada de dinheiro,
simplificada de gasto que é conhecida somente ao fechamento do caixa.
calórico por atividade
física calculado em uma Existe uma estreita semelhan-
hora de atividade física. ça entre a Primeira Lei da Termodi-
nâmica e o Princípio de Conservação
Atividade Cal
da Massa. Se o sistema for aberto, o
Andar 280 balanço da quantidade de massa que
permanece dentro do sistema depen-
Assistir aula 126 de das quantidades em massa que
entram e saem dele através da fron-
Assistir TV 70 Fig. 3.5 - Balanço financeiro da poupan-
teira. Analogamente com o exemplo
ça é semelhante ao balanço de energia.
do banco anteriormente explicado.
Basquete 560
Uma forma simples de ilustrar a conservação da massa num sistema fecha-
Sexo 105 do pode ser realizada exemplificando que a quantidade de refrigerante que
permanece dentro da lata não se modifica enquanto ela se mantiver fechada.
Dançar 315

Dormir 63

Atividades de avaliação
1. Um termômetro, de líquido em vidro, indica uma temperatura de 40 oC
numa pessoa que arde em febre. Determine a respectiva temperatura nas
seguintes escalas: a) em graus Fahrenheit (oF); b) em Kelvin (K).
2. Uma pessoa consome 538 joules de calor de uma fonte de alimentos. Ex-
prima essas quantidade de calor em calorias.
3. O calor propaga-se do Sol para a Terra por:
( ) Convenção.
( ) Irradiação.
( ) Condução.
( ) Convecção e irradiação
Introdução a Física 83

1.4 Entropia. Segunda Lei da Termodinâmica


Enquanto a Primeira Lei da termodinâmica estabelece a conservação
de energia em qualquer transformação, a Segunda Lei estabelece restrições
para que as transformações termodinâmicas possam ocorrer. Por exemplo,
se colocarmos um sistema “quente” em contato com um sistema “frio” e per-
mitirmos que seja atingido o equilíbrio térmico, acharemos que a temperatu-
ra final dos dois sistemas permanecerá em torno de um valor intermediário
de ambos. Depois de atingido o equilíbrio, o sistema que inicialmente estava
quente não se tornará mais quente, nem o sistema que inicialmente estava frio
ficará mais frio, pelo menos sem o uso de refrigerador.
A grandeza termodinâmica que quantifica a possibilidade de que uma
determinada transformação ocorra espontaneamente é chamada de entropia.
Essa grandeza, que também é uma propriedade de estado, surgiu pela prime-
ra vez no contexto da engenharia, onde a questão era melhorar a eficiência
das máquinas térmicas.
Para entender o conceito físico dessa grandeza será feita uma analo-
gia que exemplifica como a entropia está relacionada com a Segunda Lei da
Termodinâmica e esta, por sua vez, está relacionada com o sentido em que
ocorrem os processos espontaneamente, isto é, com a irreversibilidade dos
processos reais. Analisamos, então, o comportamento das moléculas volá-
teis do perfume. Os componentes químicos orgânicos, tais como aldeídos
aromáticos, que inicialmente se encontram “organizados ou controlados no
frasco”, quando expostos ao ar, fazem com que as moléculas sejam difundi-
das no ambiente. As moléculas aromáticas possuem um movimento aleatório
e se chocam constantemente com as moléculas dos gases que formam o
ar. Depois de algum tempo, a concentração de moléculas de perfume será
aproximadamente, uniforme em toda a sala e longe da condição inicial, ou
seja, terão atingido a máxima desorganização. A experiência mostra que é ex-
tremamente improvável que os aldeídos aromáticos voltem espontaneamente
para o frasco de colônia, o que torna a volta um processo irreversível devido
ao aumento da entropia, durante o processo de difusão.
A segunda Lei mostra a tendência das partículas de passar de uma alta
concentração (organização ou ordem) a uma baixa concentração (desorga-
nização ou desordem) espontaneamente. Portanto, com esta lei é definido se
um determinado processo é reversível ou irreversível. As moléculas de perfu-
me não voltarão espontaneamente ao frasco, uma vez que este processo é
irreversível; o que significa dizer que houve um aumento de entropia.
Nem todos os processos que satisfazem a Primeira Lei podem ocorrer.
Em geral, um balanço de energia não indica a direção em que o processo irá
ocorrer, nem permite distinguir um processo possível de um impossível. A Pri-
84 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

meira Lei apenas contabiliza as energias que entram e saem do sistema. Uma
analogia que exemplifica de forma simples estes conceitos pode ser realizada
quando analisamos as famosas dietas de emagrecimento. Como explicar o
fato de pessoas que comem muito e não engordam? Segundo a Primeira Lei
da Termodinâmica, quanto mais se come e menos se exercita, mais se en-
gorda. Entretanto, sabemos que existem pessoas que contradizem a primeira
lei: não engordam nunca e comem muito. A Primeira Lei orienta é necessário
praticar exportes e comer pouco. A Segunda Lei limita e orienta: é necessário
comer com qualidade para emagrecer.. A qualidade da alimentação é o que
faz o organismo ser mais ou menos eficiente e produtivo. Para perder peso,
para deixar de acumular massa e energia, não basta limitar a entrada e saída
de alimentos e energia. É necessário verificar que tipo de calorias se está
ingerindo (isto é, a qualidade das calorias dos alimentos ingeridos). Alimentos
gordurosos são de baixa qualidade, altamente entrópicos; vegetais e cereais
Discuta com seus colegas são de alta qualidade, e de baixa entropia. A excelência da dieta se consegue
a seguinte questão: os
físicos argumentam que a
com a combinação da primeira e da segunda lei em conjunto, cuidando que
energia total do Universo o aumento da entropia seja o suficiente para tornar o processo de emagreci-
tende a se tornar cada vez mento o menos irreversível possível.
mais desordenada e, por
Hipócrates, nascido em 460 a.C., já dizia: “Se pudermos dar a cada
consequência, podemos
afirmar que a entropia indivíduo a quantidade exata de nutrientes e de exercício, que não seja insu-
do Universo cresce ficiente, nem excessiva, teremos encontrado o caminho mais seguro para a
continuamente. Que saúde”. Isto mostra, desde a antiguidade, a importância do balanço energético
consequências isto trará
e a aplicabilidade das Leis da Termodinâmica para a vida.
para a humanidade?

1.5 Equações de Estado de um Gás Ideal


O aparecimento do termômetro e dos instrumentos de medição de pres-
são, junto com as balanças mais sensíveis, permitiu, depois de extensas pes-
quisas, a descoberta de propriedades interessantes do estado gasoso, quan-
do as pressões são relativamente baixas. As relações observadas entre as
variações na pressão, na temperatura e no volume pareciam ser as mesmas
para todos os gases. Na Termodinâmica, uma equação de estado de uma
substância pura é uma relação matemática que relaciona estas três proprie-
dades de estado para um sistema termodinâmico que se encontra em equilí-
brio. Essa equação é útil porque permite calcular uma propriedade de estado
a partir de outras duas; por exemplo, podemos predizer qual será o volume a
uma pressão e temperatura conhecida.
Uma das equações de estado mais conhecidas e mais simples é aque-
la que relaciona as propriedades termodinâmicas de pressão, volume e tem-
peratura absoluta para um gás ideal, qual seja:
Introdução a Física 85

PV=nRT
onde:
P - representa a pressão do gás;
V - é o volume ocupado pelo gás;
n - a quantidade química (número de moles)de gás presente;
R - a constante universal dos gases ideais; T - a temperatura absoluta.

A constante dos gases ideais, R, pode ter dois valores: Segundo a Lei de
Charles, na qual , o
R = 8, 31451 J.mol-1. K-1, quando:
volume é proporcional
P, estiver expressa em Pascal; à temperatura quando
se mantém o valor da
V, em m3;
pressão constante.
n, em mol;
T, em Kelvin.
Segundo a Lei de
Charles, na qual , o
Um gás pode iniciar um processo termodinâmico com determindas volume é proporcional
condições iniciais, e, por meio de transformações, chegar a outro estado ter- à temperatura quando
se mantém o valor da
modinâmico. As transformações mais conhecidas e usadas são as isotérmi- pressão constante.
cas, isobáricas e isocóricas. Em todas elas o ISO é um prefixo que significa
igual. Para um gás que parte de um estado termodinâmico 1 até um estado
termodinâmico 2, usando um processo isotérmico é válida a seguinte relação
no estado 1 e no estado 2:

PV
1 1
= nR (3.8)
T1

PV
2 2
= nR
T2

Igualando ambos os lados, temos:


P1 V1 P2 V2 (3.9)
=
T1 T2

Como o processo é isotérmico, então T1 = T2 , e daí obtém-se:


P1 V1 = P2 V2 (3.10)
86 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Esta relação, também conhecida como Lei de Boyle, é amplamente


usada no nosso cotidiano, sem que percebamos. O nosso corpo permanece a
uma temperatura constante de aproximadamente 36 0C; portanto, o processo
de respiração é isotérmico. O ar atmosférico sofre mudanças de pressão ao
entrar nos pulmões ou ao sair deles. Na etapa da inalação, o diafragma se ex-
pande deixando o volume do pulmão maior. Como o produto pressão-volume
deve ser constante, a pressão interna do pulmão diminui com este aumento
de volume. Como a pressão atmosférica é maior, o ar entra no pulmão até
igualar as pressões. O processo inverso ocorre na exalação.

Fig. 3.6 - Lei de Boyle e a respiração


Para um gás que parte de um estado termodinâmico 1 até um estado
termodinâmico 2, usando um processo isobárico, é válida a seguinte relação:
P1V1
= nR
T1 (3.11)

P2 V2
= nR
T2

Igualando ambos os lados, tem-se:


P1 V1 P2 V2 (3.12)
=
T1 T2

Câmara isobárica Como o processo é isobárico, então P1 = P2 , e daí tem-se:


É qualquer equipamento
que permita manter a
V1 V2 (3.13)
=
pressão constante ou T1 T2
controlada. O interior do
avião funciona como uma
câmara isobárica. Esta relação também é conhecida como lei de Gay-Lussac. O volume da
massa fixa de um gás, mantida a pressão constante, é diretamente proporcional
à temperatura absoluta, isto é, T ∝ V . Para que a pressão se mantenha cons-
tante durante o processo, um aumento da temperatura acarreta um aumento do
volume. Um gás, ao ser aquecido, expande-se e, ao ser resfriado, contrai-se.
Introdução a Física 87

As cafeteiras atuam como câmaras isobáricas que funcionam à pres-


são atmosférica, a qual é constante. Quando se coloca água fria na cafeteira
e a aquecemos, depois de algum tempo, a água começa a ferver; quando
a água ferve, as bolhas de vapor se formam. Como o tubo é pequeno e as
bolhas grandes, uma coluna de água é empurrada para cima pelas bolhas,
atravessando o compartimento onde se encontra o pó de café. Finalmente, na
saída, o café está pronto para beber.
Para um gás que parte de um estado termodinâmico 1 até um estado
termodinâmico 2, usando um processo isocórico, é válida a seguinte relação:
PV
1 1
= nR
T1 (3.14)

PV
2 2
= nR
T2

Igualando ambos os lados, temos:


P1 V1 P2 V2 (3.15)
=
T1 T2

Como o processo é isocórico, então V1 = V2 , e daí tem-se:


P1 P2 (3.16)
=
T1 T2

Fig. 3.7 - Cafeteira italiana:


Fig. 3.8 - Processo isocórico no pneu.
processo isocórico

Atividades de avaliação
1. Considere o ar atmosférico como um gás ideal e determine o volume espe-
cífico e a densidade para a pressão atmosférica padrão na temperatura de
20°C. (Adote a massa molecular do ar = 28,97 kg/kmol; R = 8 314 J/ kmol-K).
2. Se a temperatura absoluta de dada massa de um gás ideal for reduzida à
metade sob pressão constante, o volume do gás irá:
88 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Câmara isobárica ( ) duplicar.

É qualquer equipamento
( ) reduzir a quarta parte.
que permita manter a ( ) permanecer constante.
pressão constante ou
( ) reduzir pela metade
controlada. O interior do
avião funciona como uma ( ) quadruplicar.
câmara isobárica.
3. Um gás ideal é submetido aos seguintes processos como mostrados no
diagrama a seguir. Assinale a alternativa correta.

Segundo a Lei de Gay-


Lussac, na qual , a ( ) a expansão AB é isobárica.
pressão é proporcional à ( ) a expansão AC é isotérmica.
temperatura, mantendo
–se o valor do volume ( ) a expansão AE é isocórica.
constante. ( ) a expansão AE é adiabática.a
Capítulo 2
Eletricidade e Magnetismo
2.1 Carga Elétrica
As primeiras descobertas relacionadas com os fenômenos elétricos fo-
ram realizadas pelos gregos antigos. Tales de Mileto, por volta de 600 a.C.,
esfregou lã de carneiro com resinas fósseis vegetais, chamadas de âmbar, e
observou que, quando aproximava este âmbar a pequenos pedaços de palha,
ambos eram atraídos. Já quando aproximava duas resinas de âmbar uma da
outra, estas se repeliam. A partir daí, várias teorias foram criadas para justificar A matéria é constituída
de forma coerente este fenômeno. Como em grego elektron significa âmbar, por átomos que possuem
diferentes arranjos entre
daí surgiu o nome eletricidade. prótons, nêutrons e
Dezenas de séculos depois, o médico inglês Gilbert resolveu escrever elétrons.
um tratado chamado De magnete, publicado em 1600, para divulgar os re- Os nêutrons dividem
com os prótons o espaço
sultados das suas pesquisas experimentais que foram realizadas usando um do núcleo atômico.
aparelho denominado Versorium, desenvolvido por ele. O Versorium era uma Em função do arranjo,
espécie de bússola que tinha uma seta suspensa que girava na presença de os átomos adquirem
um corpo. Quando a seta girava, era dito que tal corpo apresentava o efeito propriedades físico-
químicas bem definidas
do âmbar (eletrizado). Era importante na época mostrar para a sociedade que que identificam cada
não havia mistérios mirabolantes no âmbar atritado. Gilbert testou o seu apa- elemento. Em média,
relho com muitas substâncias eletrizadas, como diamante, cristais, ametista, temos:
metais, pedras, terra, água, azeite etc. Gilbert verificou que a agulha sempre Tamanho do núcleo 10-12
cm.
girava, concluindo que todos os corpos apresentavam cargas elétricas. Tamanho do átomo: 10
Muitos anos de intensas pesquisas se passaram e, atualmente, é muito -8 cm.

bem aceita por toda a comunidade científica a teoria que explica a atração e Massa : 10-12 g.
Volume : 10-24 cm3.
repulsão dos corpos, a qual parte do conceito de que a matéria é constituída por
átomos e estes, por sua vez, são constituídos por um núcleo onde coexistem
partículas denominadas de prótons e nêu-
trons, ao redor do qual orbitam os elétrons.
Os prótons e os elétrons são partícu-
las dotadas de uma importante propriedade
física que permite explicar a eletricidade: car-
ga elétrica. Da mesma forma que a palha e a
lã de carneiro se atraem quando colocadas
Fig. 3.9 - Versorium de Gilbert
próximas, um próton atrai um elétron. Já um
90 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

próton na presença de outro próton é repelido; um elétron na presença de ou-


tro elétron ocorre o mesmo. Estas situações permitiram associar convencio-
nalmente um sinal a cada partícula. Para distingui-las foi atribuída uma carga
elétrica positiva aos prótons e uma carga elétrica negativa aos elétrons. Os
nêutrons seriam partículas eletricamente neutras, isto é, sem carga elétrica. A
convenção de carga positiva e negativa é bastante adequada, já que cargas
com sinais opostos exibem comportamentos opostos. Portanto, assim como
a massa, as partículas que formam a matéria têm a elas associada a proprie-
dade de carga elétrica.
Sendo assim, na figura a seguir é apresentado o Princípio de Atração
e Repulsão: isto é, cargas com sinais opostos se atraem e cargas com sinais
iguais se repelem.

Michael Faraday nasceu


perto de Londres.
Aos 14 anos deixou
a escola e começou
a trabalhar. Durante
oito anos foi aprendiz
num encadernador,
beneficiando-se da
tolerância de seu
patrão que lhe permitia
ler os livros que
encadernava. São muitas
as contribuições de
Faraday para a Física e
para a Química sendo Fig. 3.10 - Atração e repulsão das cargas elétricas
provavelmente o maior
físico experimental de
todos os tempos. Faraday Os físicos, através de várias experiências, mostraram que o valor da
introduziu os conceitos carga elétrica de um próton é a mesma de um elétron, havendo apenas dife-
de campo e de linhas rença no sinal do valor da carga elétrica entre o próton e o elétron. Todos os
de campo e descobriu a
indução eletromagnética
corpos macroscópicos possuem carga elétrica; no entanto, é impossível per-
e o diamagnetismo. cebê-las devido à presença em quantidades iguais dos dois tipos de cargas
Construiu o primeiro nos objetos que nos rodeiam, sendo, portanto, eletricamente neutros. Uma
gerador de corrente. pessoa de 70 kg possui aproximadamente 2x1029 prótons em equilíbrio com
Estudou a eletrólise
a mesma quantidade de elétrons. Quando há um desequilíbrio elétrico em
estabelecendo as bases
da eletroquímica. alguns corpos, por exemplo, com excesso de elétrons, esses corpos podem
interagir com outros também com excesso de prótons ou de elétrons.
Quando o âmbar é esfregado com lã de carneiro, o primeiro recebe as
cargas elétricas que provêm da lã. Nessa transferência de cargas, o âmbar
ficou com cargas elétricas negativas a mais e a lã ficou com falta de elétrons.
Quando os corpos ficam eletrizados, apresentam excesso de elétrons (são
Introdução a Física 91

ditos com carga negativa) ou falta de elétrons (são ditos com carga positiva). A
experiência de Tales de Mileto pode ainda ser reproduzida se você atritar uma
caneta de acrílico com uma flanela.

2.2 Quantização da Carga Elétrica


Durante muito tempo, os cientistas acreditaram que a carga elétrica era
uma espécie de fluido macroscopicamente contínuo. Só no início do século
XX, uma engenhosa experiência realizada por Robert Millikan mostrou que
a eletricidade não era contínua e sim que existia um valor mínimo de carga
elétrica (e). Sendo assim, todos os corpos, quando eletrizados, possuem uma
carga elétrica cujo valor é um múltiplo inteiro de e. Logo, a carga total Q de
um corpo é dada por:
Q=ne com n = 1,2,3,... (3.17)
A carga elétrica existe em pacotes discretos ou, dito de outro modo, é
“quantizada”, não podendo assumir qualquer valor. A unidade de medida das
cargas elétricas no S.I. é o Coulomb. Um Coulomb possui uma carga equiva-
lente a de 6,25 x 1018 elétrons (e). Desse modo, a carga elétrica fundamental
(e) possui o valor de 1,60×10−19 Coulomb. O elétron recebeu o valor da carga
fundamental, isto é, de -1,60×10−19 Coulomb de carga elétrica. O próton rece-
beu o valor da carga fundamental, ou seja, de 1,60×10−19 Coulomb de carga
elétrica. Se uma pessoa levasse um choque elétrico e ganhasse 1020 elétrons,
o corpo da pessoa ficaria carregado com -16 C.

2.3 Princípio da Conservação da Carga Elétrica


A massa é uma propriedade intrínseca da matéria, isto é, ela já existe
com o corpo. Dizer que a massa se conserva significa que não pode ser des-
truída nem criada (pelo menos na mecânica de Galileu e Newton, pois na Teo-
ria da Relatividade de Einstein a massa não se conserva em alguns processos
envolvendo grandes quantidades de energia), de maneira que a massa total
sempre permanece constante. Quando um corpo perde massa, na realidade
esta mesma quantidade perdida é transferida para outro corpo. Similarmente,
é o que acontece com as cargas elétricas, elas já existem nos corpos, são,
portanto, uma propriedade intrínseca da matéria. Quando os corpos são atri-
tados, apenas há uma transferência de carga de um corpo a outro; o âmbar
inicialmente neutro perde cargas elétricas para a lã, ficando ambos eletriza-
dos. No entanto, a soma total das cargas permanece constante, isto é, no
processo de eletrização as cargas não são criadas nem destruídas. Portanto,
se um dos objetos cede certa carga negativa ao outro, ele ficará carregado
positivamente, com a mesma quantidade de carga cedida.
92 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Não existe uma justificativa teórica para que a carga se conserve; os


resultados experimentais são a única demonstração eficaz que valida este
princípio, uma vez que até hoje nunca foi violado. Se houvesse na natureza
algum processo físico que violasse continuamente essa lei, mesmo que mini-
mamente, as cargas elétricas criadas em excesso já teriam se manifestado e
afetado a evolução do Universo como um todo, visto que as forças elétricas
são imensamente maiores que as gravitacionais (cerca de 1040 vezes mais
intensas!). Isso não parece acontecer, pois observamos que o Universo ainda
é controlado em larga escala pela força gravitacional, e, portanto, deve ter
sido criado com um mesmo número de cargas positivas e negativas (ou seja,
é eletricamente neutro), equilíbrio que permanece ainda hoje.

2.4 O Campo Elétrico


As cargas elétricas alteram fisicamente o seu entorno espacial. A essa al-
teração dá-se o nome de campo elétrico, cujo efeito pode ser observado quan-
do outra carga, chamada de carga de prova, é colocada próxima da primeira. O
campo elétrico se assemelha ao campo gravitacional que existe entre os corpos
materiais. A principal diferença é que o campo gravitacional é somente atrativo,
enquanto que o campo elétrico pode ser repulsivo ou atrativo, em função das
cargas se atraírem ou se repelirem. Com o objetivo de indicar a presença de
um campo elétrico na região onde se situa a carga, o cientista M. Faraday criou
uma representação geométrica denominada linha de força. A proposta de Fa-
raday para representar imaginariamente o campo elétrico de uma carga punti-
forme isolada foi a de usar linhas radiais. Se a carga criadora do campo elétrico
for uma carga negativa, então as linhas de força do campo elétrico são linhas
radiais dirigidas para o centro dessa carga, isto é, são linhas convergentes, pois
é ao longo dessa direção e com esse sentido que uma carga positiva é atraída.
Caso contrário, as linhas de força são linhas radiais saindo da mesma, isto é,
são linhas divergentes, como mostrado na figura seguinte.

Fig. 3.11 - Linhas de campo elétrico


Introdução a Física 93

Observa-se que cargas elétricas funcionam como “fonte” ou “sumidouro”


de linhas de campo elétrico, conforme sejam positivas ou negativas, respecti-
vamente, o que vale dizer que as referidas linhas são “abertas”, começando em
uma carga positiva e terminando em uma negativa. Isto fica claro de se ver no
dipolo elétrico, formado por duas cargas de mesmo módulo e sinais opostos:

Fig. 3.12 - Linhas de campo elétrico em dipolo elétrico

Para duas placas eletricamente carregadas, uma com distribuição de


cargas positivas e outra com distribuição de cargas negativas, as linhas de
força de campo elétrico são uniformes.
Onde existe campo elétrico, há um potencial elétrico, que é uma pro-
priedade ligada à capacidade do campo realizar trabalho sobre as cargas,
analogamente como ocorre ao potencial do campo gravitacional. A energia
potencial gravitacional está associada com a posição que o corpo ocupa e
com sua massa. O potencial eletrostático está associado com a quantidade Fig. 3.13 - Linhas de campo
de carga elétrica, assim como a posição da mesma. elétrico uniforme em placas
condutoras carregadas e
paralelas
2.5 Processos de Eletrização.
Os processos de eletrização ocorrem no nosso cotidiano constantemen-
te sem que percebamos. Eletrização significa transferir cargas entre dois cor-
pos. A terra se comporta como um reservatório de tamanho virtualmente infinito
de cargas elétricas; muitas vezes a usamos para transferir o excesso de cargas
elétricas que se acumulam nos dispositivos e equipamentos elétricos como:
computadores, chuveiros elétricos, lavadoras entre outros. Hoje é bem conhe-
cido e usado este fato nos nossos eletrodomésticos, mas muitos cientistas se
preocuparam em fazer diversas experiências, durante muito tempo, em vários
tipos de corpos para se chegar à melhor forma de se eletrização corpos.
94 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Já vimos que um corpo neutro pode ser eletrizado quando o número


de cargas positivas se torna diferente do número de cargas negativas, isto é,
quando houver um desequilíbrio de cargas elétricas. Se o número de elétrons
é maior que o número de prótons, o corpo ficará eletrizado negativamente; se
o número de prótons é maior que o número de elétrons, o corpo ficará eletriza-
do positivamente. Atualmente, são conhecidas três formas em que se podem
eletrizar os corpos.
• Por atrito: Esse tipo de eletrização se consegue quando se atritam dois
corpos, como fez primeiramente Tales de Mileto. É fácil verificar como
acontece este tipo de eletrização: pegue um canudo de refrigerante e atri-
te com papel higiênico. Os dois corpos ficam carregados com a mesma
quantidade de carga, porém com sinais contrários, o que causa a atração
entre ambos.
• Por contato: Este tipo de eletrização se consegue quando dois ou mais
corpos condutores entram em contato, estando pelo menos um deles car-
regado e os outros neutros. Nesse tipo de eletrização, os corpos ficam car-
regados com cargas de mesmo sinal havendo uma redistribuição das car-
gas elétricas na superfície externa dos condutores. Os corpos, inicialmente
neutros, adquirem cargas de mesmo sinal do corpo carregado. Pegue uma
régua inicialmente carregada e outra régua inicialmente neutra, quando
colocadas em contato verifica-se, que a régua neutra adquire a carga de
mesmo sinal daquela presente na régua carregada.

Fig. 3.13 - Eletrização por contato

• Por indução: Esse tipo de eletrização se consegue aproximando um corpo


que esteja inicialmente eletrizado de um corpo neutro (mesma quantidade
de cargas positivas e negativas). Com isso, a configuração das cargas do
corpo neutro se modifica de forma que há uma redistribuição das cargas
Introdução a Física 95

existentes no seu interior, de forma a restabelecer-se o equilíbrio que havia


antes. Ocorre a separação das cargas positivas e negativas do corpo ini-
cialmente neutro. Nele, as cargas de sinal contrário tendem a se aproximar
do mesmo lado do corpo que inicialmente se encontrava eletrizado. Porém,
as cargas elétricas de sinais contrários tendem a ficar afastadas.

Fig. 3.14 - Eletrização por indução

2.6 Condutores e isolantes


Em alguns corpos, podemos encontrar portadores de cargas elétricas
com grande liberdade de movimentação. É o caso dos metais, onde os elétrons
das órbitas mais externas dos átomos, chamados de elétrons livres, não perma-
necem ligados e são facilmente transportados pelo interior do material. Esse tipo
de corpo é denominado condutor elétrico. Além dos metais, são condutores
de eletricidade: a água (contendo íons de H+ e OH)-, o corpo humano, a terra.
Com propriedades contrárias às dos condutores, existem corpos nos
quais a movimentação das cargas praticamente não ocorre. Esses corpos
são denominados isolantes ou dielétricos. São isolantes: o vidro, o ar, a bor-
racha, os plásticos, o quartzo.
Condutores e isolantes podem se encontrar na fase sólida, líquida ou
gasosa. Tanto os condutores quanto os isolantes podem ser eletrizados; a
diferença é que, nos materiais condutores, as cargas elétricas em excesso
ficam distribuídas na superfície externa do corpo, pois, como têm grande faci-
lidade de se movimentar nesse tipo de material, tendem a se afastar o máximo
que podem uma das outras por repulsão mútua. Já nos corpos isolantes, a Fig. 3.15 - Distribuição das
carga elétrica em excesso fica exclusivamente distribuída no local onde hou- cargas em excesso num
ve a eletrização, como mostrada na figura ao lado. isolante e num condutor.
96 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Atividades de avaliação
1. Sabemos que a carga de um elétron é de -1,6x10-19 C. Se uma caneta
acrílica foi atritada e perdeu elétrons, ficando carregada 6,0x10-5 C de car-
gas positivas, quantos elétrons foram retirados da caneta?
2. O átomo de certo elemento é composto por 4 prótons, 4 nêutrons e 4 elé-
trons. Determine a carga elétrica total do núcleo deste átomo.
3. Represente as linhas de força do campo elétrico para duas cargas elétricas
negativas.

2.7 Lei de Coulomb


O homem sempre teve curiosidade e interesse em tentar dar respostas
aos fenômenos elétricos; especificamente houve uma grande preocupação
em quantificar a intensidade das forças que aproximavam ou repeliam as car-
gas elétricas. Muitos defendiam qualitativamente as explicações filosóficas,
religiosas e psíquicas. Alguns atribuíam a atração a uma “simpatia” entre os
corpos que se atraíam e outros acreditavam que os corpos atraídos serviam
de alimentos para o âmbar. Com apenas aspectos qualitativos, os cientistas
sabiam que não era possível avançar nos estudos da eletricidade. Todas es-
sas hipóteses foram frustradas porque não conseguiam explicar fenômenos
elétricos mais complexos. Alguns físicos perceberam que existiam semelhan-
ças entre a atração elétrica e a atração gravitacional, de modo que muitos
deles lançaram hipóteses de que a força elétrica podia variar com o quadrado
da distância que separa as cargas.
De todos os trabalhos apresentados na época, o do físico francês Char-
les Augustin de Coulomb (1736-1806) foi o que mais se destacou. Ele realizou
experiências muito detalhadas e precisas para verificar a hipótese anterior e
mediu as forças de atração e repulsão elétrica entre dois corpos carregados
eletricamente com o aparelho construído por ele. Com esse aparelho, deno-
minado balança de torção, mediu as forças de atração e de repulsão entre
duas esferas carregadas. Após realizar as medidas, Coulomb deduziu a equa-
ção matemática que governa esse fenômeno e relaciona as grandezas envol-
vidas da seguinte forma: a força elétrica de atração ou de repulsão, existente
ente duas cargas que interagem eletricamente, é inversamente proporcional
ao quadrado da distância entre elas. Além disso, ele concluiu também que
essa força era proporcional ao produto das cargas elétricas que possuem os
corpos. A expressão final ficaria:
Q1Q2
F =k
r2 (3.18)
Introdução a Física 97

Nesse caso, k é a constante de proporcionalidade, denominada cons-


tante eletrostática, e depende do meio em que as cargas se encontram. No
vácuo, essa constante tem o valor de 8,98x109 Nm2c-2
Q1 ,Q2 são as cargas elétricas dos corpos;
r é a distancia que separa as cargas.

Atividades de avaliação
1. Uma carga de +3,0×10−6 C se encontra a uma distancia de 8 cm de uma
segunda carga de −2,3×10−6 C. Calcular a força elétrica que atua sobre
cada carga.
2. Qual deve ser a distância entre duas cargas Q1 = 26 C e Q2 = −47 C para
que a força elétrica entre elas seja de 9,0 N? A tabela abaixo descreve
os efeitos sobre o corpo
humano produzido por
2.8 Corrente Elétrica e Diferença de potencial diversos valores de
Já vimos que a carga elétrica é uma grandeza conservada. Se ela “de- corrente.
saparece” de um lugar, é porque ela simplesmente foi para um outro local. A
Corrente (A) Efeito
esse deslocamento, ou migração de cargas elétricas, dá-se o nome de corren-
Pode ser
1 mA
te elétrica. O conceito de corrente é provavelmente familiar. Todos os aparelhos sentida

eletrodomésticos funcionam graças à corrente elétrica que circula neles. 5 mA Dor

Causa a
contração
10 mA
muscular
involuntária

Pode causar a
70 mA morte, devido
ao coração

Fig. 3.16 - Corrente elétrica de elétrons

A quantidade de carga elétrica ΔQ, que se movimenta ordenadamente,


com sentido preferencial, pela seção reta de um fio condutor e num intervalo
de tempo especificado Δt, determina o valor da corrente elétrica. Matematica-
mente isto pode ser escrito como:
∆Q Determine o valor da
I= corrente elétrica que
∆t (3.19) atravessa um condutor
A unidade de medida no Sistema Internacional para a corrente elétrica é quando a quantidade de
carga elétrica é de 4 C no
o Coulomb/segundo e recebe o nome de ampère (A). Contudo muitas vezes,
intervalo de 20 segundos.
é mais conveniente utilizar os submúltiplos do ampère.
98 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Miliampere Ma 10-3 A
Microampere Ua 10-6 A
Nanoampere Na 10-9 A
Um fio de metal, a água e o sangue são exemplos de condutores onde
as cargas elétricas se movimentam. O corpo humano é composto por 70 %
de água. Portanto, a falta de aterramento nos equipamentos eletrodomésti-
cos permite que as cargas em excesso escoem por nosso corpo até o chão,
que funciona como um grande reservatório de cargas elétricas. Como medida
de segurança, todas as caixas metálicas dos equipamentos devem estar em
contato com o fio terra; desta forma, as cargas escoam pelo caminho que
oferece menor resistência, evitando que fluam por nosso corpo.
Quando se dispõe de um condutor eletrizado positivamente, cria-se ao
redor deste um campo elétrico. Posicionando-se uma carga positiva perto
desse condutor, a carga ganhará velocidade e consequentemente energia
cinética, afastando-se do condutor. Do Principio de Conservação da Energia,
se a carga ganhou energia cinética é porque havia armazenada uma energia
potencial denominada energia potencial elétrica. A energia potencial elétrica
da carga positiva se transformou em energia cinética ao ser repelida pelo con-
dutor. Assim, o condutor produz um campo elétrico. Este é um vetor que pode
ser calculado a partir de uma outra grandeza, desta vez escalar, denominada
potencial elétrico. No Sistema Internacional a unidade de medida do potencial
elétrico recebeu o nome de Volt. O potencial elétrico é a energia potencial ar-
mazenada por unidade de carga posicionada no local. Num ponto do campo
elétrico, o potencial elétrico é igual a 1 Volt, quando a carga ao ser colocada
neste ponto adquire uma energia potencial elétrica de 1 Joule.
O principal fator que provoca o movimento das cargas entre dois pontos
é a diferença de potencial existente entre eles. As cargas elétricas se deslo-
cam do potencial elétrico menor ao maior, gerando o movimento ordenado
das cargas elétricas e, portanto, uma corrente elétrica.

2.9 Magnetismo
Na mesma época em que se verificou que o âmbar atraia pedaços de
palha, observou-se que certas rochas atraíam pedaços de ferro. Durante
muito tempo pensou-se que estes dois fenômenos eram similares; entretanto,
Determine o valor da essas pedras só atraiam pedaços de ferro. Assim, chegou-se à conclusão de
corrente elétrica que que a natureza dessas eram diferentes. Magnetismo foi o termo usado para
atravessa um condutor estudar os fenômenos que estas rochas produziam, provavelmente devido à
quando a quantidade de
carga elétrica é de 4 C no região da Grécia onde elas se encontravam com maior facilidade, chamada
intervalo de 20 segundos. Magnésia.
Introdução a Física 99

Foi o físico Hans Christian Oersted que mostrou experimentalmente, já


no século XIX, que os fenômenos elétricos e magnéticos têm, na verdade, uma
estreita relação. Ele construiu um circuito, como mostrado na figura seguinte,
próximo ao qual posicionou uma agulha imantada ou, simplesmente, bússola:

Fig. 3.17 - Experiência de Oersted

Quando a chave do circuito permanece aberta e, portanto, não há car-


gas elétricas circulando (i = 0), a agulha da bússola, que é um ímã, permanece
estática e alinhada. Fechando a chave, as cargas começam a circular e a
bússola sofre um desvio. Oersted concluiu com esta experiência que a cor-
rente elétrica gera um campo magnético na região do espaço que circunda o
fio por onde passa a corrente, campo que interage com a bússola e a desloca
de sua posição original.

A Terra é um imã?
Ainda hoje, é discutida
a origem do campo
magnético da Terra. No
interior da Terra existe um
Fig. 3.18 - A corrente elétrica cria um campo magnético ao seu redor núcleo líquido de ferro e
de níquel fundido que se
Utilizando-se a linguagem de linhas de força ou de campo criada por
encontra em movimento
Faraday, podemos afirmar que as linhas de campo magnético, diferentemente de rotação. O movimento
das linhas de campo elétrico, são linhas fechadas sobre si mesmas, circulan- desses metais fundidos
do o fio condutor por onde passa a corrente que as gera. origina um campo
magnético terrestre.
A experiência de Oersted permite explicar como se origina o campo
magnético em um ímã. Partindo do modelo clássico do átomo, cada elétron
em órbita circular em torno do núcleo comporta-se como uma espira circular
100 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

de corrente que gera um diminuto campo magnético. Se os elétrons do mate-


rial giram em sentidos diferentes, um movimento compensa o outro e não se
visualiza o efeito magnético total, o que acontece com a maioria dos materiais.
Os imãs naturais são constituídos basicamente de ferro, e a maioria dos elé-
trons deste átomo gira no mesmo sentido, gerando um efeito cumulativo que
resulta em um campo magnético intenso. Se esses ímãs são aquecidos, per-
dem sua força magnética, porque os átomos se desorganizam, desalinhando
a órbita dos elétrons. Um aspecto importante é que os ímãs, naturais ou artifi-
ciais, apresentam duas polaridades denominadas pólo magnético norte e pólo
magnético sul, que nunca podem ser separados. Se você tentar partir um ímã
ao meio, vai obter dois ímãs com seus dois pólos íntegros.
Os pólos magnéticos se encontram localizados nas extremidades de
uma barra magnética. Esses pólos são regiões onde as ações magnéticas
são muito intensas. Tais ações são facilmente visualizadas quando limalhas
de ferro são distribuídas ao redor de um ímã com formato de barra.

Fig. 3.19 - Representação de ímã com limalhas de ferro

É fato conhecido que, quando dois pólos de mesmo nome se aproxi-


mam, estes se repelem e, quando dois pólos de nomes diferentes se aproxi-
mam, estes se atraem. As linhas do campo magnético têm função semelhante
à das linhas de forças do campo elétrico. São usadas para visualizar geome-
tricamente o campo magnético.
Outra importante conexão entre magnetismo e eletricidade foi desco-
berta por Faraday. Ele pensou em termos de simetria na natureza: se corren-
te elétrica gera campo magnético, como observou Oersted, então, de algum
modo, campo magnético deve gerar corrente elétrica. Ele verificou, de fato,
que isto acontece quando ímãs são postos em movimento oscilatório em um
circuito próximo que esteja desligado. O amperímetro registra uma corrente
enquanto o ímã é movimentado, a qual é tanto mais intensa quanto mais rapi-
damente se movimenta o ímã.
Faraday também mostrou que, quando um circuito é ligado próximo a
outro que esteja desligado, subitamente surge neste último uma corrente que
desaparece assim que a corrente se estabiliza no primeiro circuito. Do mesmo
Introdução a Física 101

modo, ao se desligar aquele circuito, uma nova e breve corrente, dessa vez
invertida, surge no segundo circuito. Assim, Faraday descobriu a sua famosa
Lei da Indução:

“Campos magnéticos, variando no tempo em uma região do es-


paço induzem correntes elétricas em circuitos situados nessa região”.

Esse é o princípio de funcionamento de um gerador elétrico. Qualquer


força que movimente o seu rotor, onde estão presos ímãs, fará surgir uma cor-
rente elétrica no circuito que lhe está associado.
Não apenas cargas (estáticas ou em movi-
mento) são fontes dos campos, mas eles próprios
também geram campos quando variam no tempo
- campo magnético variando gera campo elétrico,
e este variando gera o magnético. Isto dá origem
às chamadas ondas eletromagnéticas. Fig. 3.20 - Experiência
de Oersted e de Faraday,
combinadas.
2.10 Ondas Eletromagnéticas, Espectro
Eletromagnético e a Óptica
Quando as cargas elétricas são aceleradas ou oscilam, os campos elétrico
e magnético gerados em suas proximidades passam a variar no tempo. Estes, por
sua vez, geram outros campos variáveis em sua vizinhança e assim por diante,
de modo que o processo todo é auto-sustentado, formando uma perturbação que
se propaga no espaço para longe das cargas à velocidade de aproximadamente
300.000 km/s (no vácuo). Uma vez afastadas da fonte que as gerou, os vetores
campo elétrico e magnético tornam-se perpendiculares entre si e oscilam perpen-
dicularmente à direção de propagação da onda formada (vide figura a seguir).
A onda eletromagnética também transmite energia e quantidade de movimento.
Além disso, ela exerce pressão, embora não tenha massa.
As fontes de ondas eletromagnéticas podem ser naturais, como as pro-
venientes do Sol e da Terra e/ou devidas a processos de desintegrações ra-
dioativas. Podem ser também artificiais, como as do radar e do laser, ou da
lâmpada que ilumina o seu quarto. Em geral, toda substância com temperatu-
ra superior à do zero absoluto, isto é, 0 K ou 273,15oC abaixo de zero, emitem
ondas eletromagnéticas (vide unidade 4).
A primeira previsão da existência de ondas eletromagnéticas foi feita
em 1864 pelo físico escocês James Clerk Maxwell. Ele conseguiu provar teo-
ricamente que uma perturbação eletromagnética devia se propagar no vácuo
com uma velocidade igual à da luz.
102 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

A onda eletromagnética, como qualquer outra onda, é carac-


terizada por diversos parâmetros físicos, tais como:
Comprimento de onda (l)
Frequência de oscilação (f)
Velocidade de propagação da onda (v)
Uma onda periódica consiste em uma sequência contínua
de vales e cristas. Chama-se comprimento da onda (l) a distância
entre dois vales (ou cristas) consecutivos. Frequência da oscilação
Fig. 3.21 - Onda eletromagnética
é a taxa de oscilação da onda, é medida em ciclos por segundo ou hertz. A
relação entre estas duas grandezas determina a velocidade da onda.
v = λ.f (3.20)
Uma estação de radio emite ondas eletromagnéticas com freqüência
de 100.000 ciclos por segundo. Calcule o comprimento das ondas.
Todas as ondas eletromagnéticas são idênticas, ou seja, formadas por
campos elétricos e magnéticos oscilantes e apresentam comportamento si-
milar quando refletidas, transmitidas, absorvidas, refratadas e difratadas pelas
superfícies. A seguir é apresentada na tabela a distribuição da intensidade
da radiação eletromagnética com relação ao seu comprimento de onda ou
a frequência cuja representação é denominada espectro eletromagnético.
Região do espectro Intervalo de frequências (Hz)
Radio-micro-ondas 0-3,0x1012
Infravermelho 3,0x1012-4,6x1014

Luz visível 4,6x1014-7,5x1014


Ultravioleta 7,5x1014-6,0x1016
Raios X 6,0x1016-1,0x1020

Radiação gama 1,0x1020-….


Pesquise e disserte
sobre a experiência da A velocidade de propagação das ondas eletromagnéticas no vácuo as-
dupla fenda realizada sume o mesmo valor constante, independente do tipo de onda. Ela é invaria-
por Thomas Young, no
início do séc. XIX, que velmente representada pela letra c (do latim celeras, veloz): c= 300.000 km/s.
demonstrou o caráter O Eletromagnetismo propiciou uma grande unificação entre áreas de
ondulatório da luz. Cite estudo aparentemente desvinculadas entre si, daí o seu grande poder expli-
três exemplos de ondas
eletromagnéticas. cativo: a Eletricidade, o Magnetismo e a Óptica. Esta nada mais é do que o
estudo dos fenômenos envolvendo a propagação da luz, que é uma onda
eletromagnética, e sua interação com a matéria (como nos fenômenos de
reflexão, refração e difração).
PARTE 4
Da Relatividade Einsteiniana à
Mecânica Quântica

Objetivos:
l Compreender os Postulados da Teoria da Relatividade Especial de Einstein
e seu impacto no nosso entendimento a respeito de espaço, tempo matéria
e energia. Compreender algumas das idéias subjacentes à Teoria da Rela-
tividade Geral e a reformulação que ela trouxe para o conceito da interação
gravitacional. Finalmente, compreender fatos e idéias que revolucionaram
a Física do Século XX referentes ao nosso entendimento do mundo mi-
croscópico.
104 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo
Capítulo 1
As Teorias da Relatividade
de Einstein
Introdução
Começaremos estudando neste capítulo as Teorias da Relatividade de
Albert Einstein, onde os conceitos de espaço, tempo, matéria e energia, bem
como as leis mecânicas que os interrelacionam, são revistos e modificados
para que o princípio da Relatividade de Galileu, pelo qual a descrição física
dos fenômenos não deve depender do referencial, seja ampliado para aco-
modar os fenômenos eletromagnéticos. Essas teorias são divididas em: Re-
latividade Restrita, que envolve somente Sistemas Inerciais de Coordenadas
e Relatividade Geral, que envolve Sistemas Gerais de Coordenadas. Nes-
ta última, a gravitação é compreendida como deformações na geometria do
espaço-tempo. Em seguida, estudaremos a Teoria Quântica da Matéria, que
representa uma novíssima formulação das leis da natureza para descrever
adequadamente os fenômenos na escala molecular, atômica e subatômica.

1.1 O Princípio da Relatividade de Galileu


Galileu foi, talvez, o primeiro a investigar por meio de experimentos con-
trolados, a partir da realização de medidas tão precisas quanto a tosca tec-
nologia da época permitia fazê-lo, o movimento dos corpos sobre a superfície O movimento circular
da Terra, de modo a sistematizar o seu estudo matematicamente e chegar a uniforme, em que
uma partícula gira com
resultados inequívocos a respeito do comportamento cinemático dos corpos velocidade angular
terrestres, tal como já fora feito por Johannes Kepler acerca do movimento constante em torno de
dos planetas no céu. um centro, é um outro
exemplo de composição
Um dos resultados encontrados pelo cientista italiano foi a possibilidade de movimentos. Tal
de se fazer a composição de movimentos independentes em diferentes dire- movimento pode ser visto
ções do espaço, incluindo-se aí o movimento do próprio observador. Assim, o como a superposição
piloto de um avião voando horizontalmente (em movimento retilíneo uniforme), de dois movimentos
harmônicos simples
ao olhar diretamente para baixo, verá uma bomba deixada cair de dentro da (oscilatórios) ao
aeronave seguir uma trajetória vertical (em movimento retilíneo uniformemen- longo de duas retas
te variado), enquanto que alguém em repouso no solo verá o artefato bélico perpendiculares entre si.
106 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Referenciais inerciais descrever uma curva em forma de parábola, resultante da composição do


são sistemas geométricos movimento horizontal retilíneo e uniforme do avião com o movimento vertical
que permitem a
localização de pontos
retilíneo uniformemente variado decorrente da aceleração que a gravidade
materiais no espaço por terrestre impõe ao objeto.
meio de medidas de
distâncias, ao longo de
eixos coordenados, em
relação a uma origem fixa,
prévia e arbitrariamente
estabelecida. A esses
sistemas também se
associa um relógio para
a cronometragem de
instantes de tempo.
Tais sistemas podem se
deslocar ao longo de uma
reta e com velocidade
constante uns em relação
aos outros. Enfim, são
referenciais onde é válido
o Princípio da Inércia. Fig. 4.1 - Trajetória de uma bomba lançada por um avião

Forças de Coriolis
Uma das consequências Dessa forma, verificamos que a trajetória de uma partícula muda con-
de vivermos em um forme o referencial, uma vez que ela é traçada a partir da posição e da veloci-
referencial não-inercial, dade que a partícula possui em cada instante de tempo, e essas grandezas se
isto é, nosso próprio alteram de acordo com o ponto de vista assumido pelo observador. Entretan-
planeta que gira em
torno do eixo que passa to, as causas físicas das trajetórias – as forças – não devem depender desse
pelos seus pólos, são observador. No exemplo acima, tanto o piloto do avião quanto o homem no
as chamadas (pseudo) solo sentem da mesma maneira o peso dos corpos, ou seja, percebem igual-
forças de Coriolis, mente a Terra puxando-os para seu centro. A força da gravidade é a mesma
em homenagem ao
cientista que as estudou que faz cair a bomba, não importando se retilineamente, como observado pelo
primeiramente. Essas piloto, ou de forma parabólica, como percebido pelo observador terrestre.
forças fazem com que Cabe assinalar que a afirmação acima não é inteiramente precisa. Os
grandes massas de ar,
movimentando-se em observadores só perceberão a mesma força se cada um estiver posicionado
direção ao pólo sul, por em um referencial dito inercial.
exemplo, sejam desviadas Se o mencionado piloto estiver acelerando a aeronave, ele vai sentir um
para o leste, e as que se
dirigem ao pólo norte,
empurrão contra o encosto da cadeira onde está sentado, isto é, sentirá uma
desviadas para o oeste. força não-inercial ou pseudo-força nele agindo, a qual não é sentida pelo ob-
Assim, os furacões no servador em terra. Esses efeitos são assim chamados porque não estão asso-
hemisfério norte giram ciados com interações devidas a outros corpos materiais, que são as “fontes”
em um sentido, e no
hemisfério sul, no sentido
legítimas das forças. Assim, o piloto verá a bomba seguir uma trajetória que
oposto. poderá interpretar como sendo causada pela ação de duas forças atuando con-
juntamente, observação totalmente discrepante da outra feita a partir do solo.
Introdução a Física 107

Portanto, para efetuarmos comparações entre os diversos referenciais


existentes e estabelecermos leis físicas válidas para todos eles, temos de res-
tringir o tipo de movimento que esses referenciais podem seguir, de modo que
estamos aptos a enunciar o Princípio de Relatividade de Galileu:

“As leis da mecânica são as mesmas, isto é, têm a mesma forma


em todos os referenciais inerciais.”

Dito de outro modo, não é possível montar experimentos mecânicos Os referenciais inerciais
que nos permitam distinguir se permanecemos em repouso ou em movimento e as leis de Newton:
Como consequência do
retilíneo uniforme. Se você está dormindo em um avião estacionado no aero- Princípio da Relatividade
porto (já com os motores acionados) e só acordar quando ele estiver voando de Galileu, os referenciais
suavemente em velocidade e altitude de cruzeiro, não haverá nenhum modo inerciais são aqueles em
de saber se ainda está em terra, a menos que olhe pela janela. Um pêndulo que as leis do movimento
assumem a sua forma
oscilará da mesma maneira nas duas situações, o que é compatível com o mais simples, forma
fato de que o tempo é uma entidade que flui de igual modo nesses referen- essa que corresponde
ciais, uma vez que tal objeto é comumente usado para marcações de tempo. exatamente às três leis
formuladas por Isaac
Newton.
1.2 O Princípio da Relatividade de Einstein
Tudo estaria resolvido se as únicas leis naturais que existissem fossem
mecânicas, isto é, alusivas à relação entre o movimento e suas causas físi-
cas. Sabemos, entretanto, que, além das leis do movimento, existem aquelas
que definem essas próprias causas – as forças atuantes entre as partículas.
Por exemplo, a Lei da Gravitação Universal, que estudamos na unidade 2,
descreve uma grande classe de interações que ocorrem entre todos os pares
de partículas materiais existentes no Universo, de natureza exclusivamente
atrativa. Como a forma matemática dessa interação depende unicamente das
massas das partículas e da distância entre elas, tal forma não deve ser mo-
dificada, caso passemos de um referencial em repouso para outro animado
com velocidade constante em relação ao primeiro, uma vez que a massa e os
intervalos de tempo e espaço não são afetados na Relatividade Galileana. Ou
seja, o tempo e o espaço, como Newton colocou de forma explícita em seus
Principia, são entes absolutos.
Também estudamos na unidade 3 que existem as interações de natu-
reza eletromagnética, devidas à atuação das partículas com carga elétrica
umas sobre as outras. Desde quando James C. Maxwell demonstrou, a partir
das leis da eletricidade e do magnetismo, que a luz pode ser vista como uma
perturbação oscilatória eletromagnética propagando-se no espaço vazio com
uma velocidade de aproximadamente 300.000 km/s, cientistas começaram a
108 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

se perguntar em relação a que referencial essa velocidade era válida. A idéia


de que existia um sutil meio material – o éter – sustentando essas perturba-
ções, exatamente como o ar atmosférico sustenta as ondas sonoras, tinha
muitos adeptos.
Esse suposto e estranho meio material que encheria todo o Universo
estaria identificado com o espaço absoluto newtoniano, e constituiria o refe-
rencial privilegiado em relação ao qual a velocidade da luz seria medida. Ape-
sar do éter não ser percebido por nossos sentidos, vários experimentos foram
realizados para detectá-lo, com resultados negativos.
O mais famoso é o experimento de Michelson-Morley, em que esses
dois cientistas tentaram medir alterações na velocidade da luz usando a re-
cém inventada técnica de interferometria óptica. Sobre uma mesa que podia
ser girada, dois raios luminosos foram enviados em sentidos opostos ao do
movimento de translação da Terra em torno do Sol, e depois recombinados
por meio de reflexões em espelhos. Analisava-se, então, o padrão de interfe-
rência gerado. Imaginava-se que deveria acontecer o mesmo que ocorre com
as ondas sonoras. Neste caso, se uma fonte (o motor de um carro, por exem-
plo) emite-as estando em movimento com velocidade vf em relação ao ar, a
velocidade do som que se propaga adiante do emissor, medida por este como
sendo vs’, é menor do que a do som (aproximadamente 340 m/s) medida pelo
observador no solo vs:
vs´ = vs – vf , (4.1)
enquanto que a onda que se propaga para a sua retaguarda, terá velo-
cidade medida pelo emissor como sendo

vs´ = vs + vf,

exatamente porque, no primeiro caso, ele “persegue” a onda sonora, e


no segundo, afasta-se da mesma. Como resultado, as frentes de onda que
vão adiante do automóvel são comprimidas umas contra as outras, de modo
que a distância entre elas (comprimento da onda sonora) diminui e a sua fre-
qüência aumenta. Um observador em repouso que vê o carro se aproximando
escutará o som do motor mais agudo, e, vice-versa, ao ver o carro se afas-
tando, ouvirá um som mais grave, pois as ondas são alongadas à medida
que o veículo se afasta. Nas corridas de fórmula 1 exibidas pela TV, essas
mudanças nos sons emitidos pelos motores são bem característicos e fáceis
de perceber, devido à alta velocidade dos carros. Tal efeito, representado pela
alteração da freqüência do som emitido por fontes em movimento, é chamado
de efeito Doppler, em homenagem ao cientista que o estudou.
Introdução a Física 109

Fig. 4.2 - Carro em movimento emitindo ondas sonoras

Albert Einstein
Comportamento semelhante se esperaria das ondas luminosas. O ex-
(1876-1955)
perimento mencionado deveria registrar velocidades diferentes para os dois
sentidos de propagação dos raios de luz. Não foi o que aconteceu. As velo-
cidades obtidas foram rigorosamente as mesmas. Era como se a Terra não
estivesse em movimento em relação ao éter. Sabemos, evidentemente, que
nosso planeta executa um movimento de translação em torno do Sol. Outras
explicações para esse resultado negativo foram dadas, do tipo que a Terra ar-
rastava o éter consigo no seu movimento de translação, mais ou menos como
um automóvel fechado correndo na estrada leva consigo o ar que está no seu
interior. Nenhuma dessas explicações pareceu satisfatória.
No ano de 1905, um jovem de 26 anos e funcionário de um escritório
de registro de patentes localizado na cidade suíça de Berna, em suas horas
vagas dedicadas aos estudos de Física, resolveu adotar uma atitude aparen-
temente mais cômoda em relação à idéia do éter: simplesmente considerar
que ele não existia. O nome do jovem? Albert Einstein. Ele questionou que,
se ninguém havia conseguido detectar o éter, apesar dos inúmeros esforços,
para quê insistir em sua busca? Bastava ignorá-lo. Solução simples, mas de
conseqüências avassaladoras para a Física.
No artigo científico escrito naquele ano miraculoso (quando ele redigiu
e publicou outros quatro artigos revolucionários, incluindo aquele que lhe
daria o prêmio Nobel em 1921 sobre o efeito fotoelétrico), intitulado “Sobre
a Eletrodinâmica dos Corpos em Movimento”, Einstein considerou que se
uma onda eletromagnética propaga-se no vácuo com a velocidade da luz - e
essa é uma consequência direta das leis da Eletricidade e do Magnetismo,
Pesquise e disserte sobre
tal como formuladas por Maxwell - então tais leis devem ter um caráter ab- as outras contribuições
soluto, isto é, não devem depender do referencial inercial escolhido para sua de Albert Einstein, além
observação, no mesmo sentido em que, para Galileu, as Leis da Mecânica das teorias da relatividade
também eram invariantes. e da teoria do efeito
fotoelétrico, para a Física.
Einstein via nas leis do eletromagnetismo aspectos fundamentais, mais Promova uma discussão
ainda do que nas leis da Mecânica, pois aquelas eram capazes de explicar com seus colegas a
uma quantidade expressiva de fenômenos, inclusive óticos, por meio de pou- respeito de qual de suas
descobertas teria sido a
cos princípios e leis estabelecidas experimentalmente, codificadas em uma mais importante.
110 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

poderosa linguagem matemática por James C. Maxwell, quando elaborou


suas famosas quatro equações. Portanto esse conjunto de leis, para Eins-
tein, era dotado de uma sólida consistência teórico-experimental que o fez
acreditar no seu caráter absoluto, isto é, na independência de sua forma com
relação aos diversos referenciais inerciais.
O parâmetro “velocidade da luz”, que emerge naturalmente das equa-
ções que representam as leis do Eletromagnetismo, deve ser, portanto, inde-
pendente do observador que o mede, não havendo um referencial “privilegia-
do” em relação ao qual a mencionada velocidade é avaliada (ligado ao éter
ou ao espaço absoluto newtoniano). Assim, Einstein alargou o Princípio da
Relatividade de Galileu, de modo a incluir as leis que descrevem os fenôme-
nos eletromagnéticos. A invariância da velocidade da luz parece ser uma con-
seqüência lógica desse princípio, mas Einstein preferiu enunciá-la como um
postulado à parte, e o grandioso edifício da Teoria da Relatividade Restrita
foi então erigido. É curioso que, no início, Einstein não concordava muito com
o nome dessa teoria, preferindo referir-se a ela como Teoria dos Absolutos,
mas esse nome não “pegou”. Enfim, seus postulados são:
1) As leis da Física (Eletromagnetismo e Mecânica) são as mesmas, isto
é, têm a mesma forma para observadores que se desloquem em linha
reta com velocidade constante uns em relação aos outros.
2) A velocidade da luz medida no vácuo tem o mesmo valor para qual-
Radiação de Cherenkov quer um desses observadores.
Sabemos que a
velocidade da luz no Cabe frisar que a invariância da velocidade da luz, como afirmada no
vácuo é a máxima segundo postulado da Relatividade Restrita, implica necessariamente que ela
velocidade permitida é a máxima velocidade permitida na natureza, isto é, nenhuma partícula ou
na natureza. Mas em
informação pode se deslocar com uma velocidade superior à velocidade da
meios materiais isolantes,
partículas carregadas luz medida no vácuo. Assinalamos aqui mais uma diferença em relação aos
podem eventualmente preceitos da Mecânica de Galileu e Newton, na qual todas as velocidades são
ultrapassar a velocidade permitidas, inclusive as de valor infinito, responsáveis em última análise pela
da luz medida naquele
interação instantânea existente na teoria de ação à distância da força gravita-
meio, e quando o fazem,
emitem uma intensa cional, por exemplo.
radiação eletromagnética,
chamada de radiação
Cherenkov, em 1.3 A Cinemática Relativística
homenagem ao físico Com o objetivo de abrigar o Eletromagnetismo no Princípio da Relativi-
russo que a caracterizou, dade, entretanto, drásticas mudanças tiveram de ser introduzidas na estrutura
fenômeno análogo ao
que ocorre com um
conceitual e formal da Ciência Mecânica. O fato de existir uma velocidade
avião supersônico ao absoluta na natureza (a velocidade da luz) já é um indicador de que a Cinemá-
ultrapassar a barreira do tica, por exemplo, deve ser profundamente reformulada. A fim de que aquela
som, quando se ouve uma velocidade seja considerada independente do referencial escolhido, intervalos
forte explosão.
Introdução a Física 111

de espaço e de tempo têm de se modificar de tal modo que sua razão per-
maneça constante, ao se passar de um referencial inercial para outro. Isto é
totalmente inconcebível no âmbito da Cinemática de Galileu-Newton, uma vez
que nela o tempo e o espaço são absolutos, e, portanto, seus intervalos não
podem mudar de acordo com o referencial.
A relatividade do tempo, por exemplo, fica patente quando se analisa
em detalhe o conceito de simultaneidade. Dois eventos A e B são conside-
rados simultâneos quando ocorrem em pontos diferentes do espaço e em
um mesmo instante de tempo, quando este é medido em relação a um dado
referencial. Um observador situado em outro referencial inercial poderá, con-
tudo, verificar que o evento A, por exemplo, ocorre antes do evento B. Isso
se passa devido ao fato de a velocidade da luz ser a mesma para ambos os
referenciais, de acordo com o segundo postulado, de modo que o registro
desses eventos por parte do segundo observador se dará em instantes de
tempo diferentes. Com efeito, este observador se desloca com determinada
velocidade em relação ao primeiro, e, assim, os raios de luz que partem de
cada um dos eventos levarão tempos diferentes para chegar aos seus olhos
ou detectores. Evidentemente que essa relatividade da simultaneidade não
existe na Mecânica de Galileu-Newton.
Outra consequência do caráter não absoluto do tempo para as leis da
Cinemática relativística é que dois eventos ocorridos em um mesmo ponto do
espaço e em instantes de tempo diferentes, relativamente a um referencial,
ocorrerão em pontos distintos, conforme assinalados em outros referenciais
inerciais. Até aí, tudo bem, isso também se dá na Mecânica de Galileu-Newton.
Iniciamos e terminamos nosso almoço no mesmo lugar do vagão-restaurante
de um trem em movimento, mas, para alguém do lado de fora, situado na pla-
taforma da estação, esses momentos ocorrerão em lugares diferentes, uma
vez que estamos nos deslocando com determinada velocidade.
A questão é que a duração do almoço terá medidas diferentes de acor-
do com cada observador, situados no trem e na plataforma. O observador na
estação medirá um tempo de refeição maior do que aquele marcado em nos-
sos relógios, tempo este designado por intervalo de tempo próprio. Esse é o
chamado fenômeno da dilatação temporal, e não há análogo na teoria clás-
sica da Mecânica formulada a partir de Galileu e Newton. Ou seja, na Relati-
vidade de Einstein o tempo flui de forma diferente para distintos observadores
que se desloquem relativamente uns aos outros com velocidade constante.
Podemos dizer, assim, que não existe um tempo universal, que seja válido
para todos os referenciais inerciais e seus observadores.
112 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Fig. 4.3 - A relatividade do tempo e o quadro “A Persistência da Memória”, de Salvador Dali

Algo semelhante se dá com as medidas de comprimento, que passam


a ter valores diferentes de acordo com o referencial inercial em que se fa-
zem essas medidas. Uma barra de metal, por exemplo, terá um comprimento
máximo em relação a um observador para o qual o objeto está em repouso,
chamado de comprimento próprio. Outros observadores, deslocando-se
sempre retilineamente com velocidade constante, verificarão que a barra em
movimento apresenta um comprimento reduzido quando comparado ao seu
comprimento próprio. Esse fenômeno é genericamente designado por con-
tração espacial.
É importante assinalar que, tanto o efeito da dilatação temporal, como o da
contração espacial, só são relevantes quando as velocidades envolvidas são al-
tas, comparáveis à velocidade da luz. Para o mundo de baixas velocidades onde
vivemos, a Mecânica de Galileu-Newton constitui uma excelente aproximação.
Como vimos, espaço e tempo deixam de ser estruturas absolutas para
dependerem do ponto de vista do observador, compartilhando de uma mesma
natureza relativa. Uma vez que a velocidade da luz é um parâmetro cuja me-
dida independe do referencial, podemos usá-la como fator para transformar
intervalos de tempo em distâncias espaciais. Nesse sentido, o tempo pode ser
interpretado como a quarta dimensão do espaço. Sabemos de nossa experi-
ência cotidiana que o espaço em que nos locomovemos possui comprimento,
altura e largura. Agregando-se o tempo (multiplicado pela velocidade da luz),
teremos uma estrutura quadridimensional denominada de contínuo espaço-
-tempo, descrito pela primeira vez em 1906 por Hermann Minkowisky, ex-
-professor de Einstein. Tal estrutura evidentemente não pode ser visualizada,
apenas intuída e descrita matematicamente. Nesse novo e mais amplo espa-
Introdução a Física 113

ço, as distâncias são redefinidas, de modo a não dependerem mais do obser-


vador e seu referencial. As trajetórias seguidas pelas partículas materiais em
tal espaço abstrato são chamadas de linhas-mundo, e suas formas também
não dependem do referencial inercial em que são traçadas. E esse aspec-
to diverge bastante daquele estudado na Cinemática de Galileu-Newton, em
que as trajetórias das partículas no espaço tridimensional ordinário dependem
consideravelmente do referencial em que são analisadas.
Podemos, pelas razões acima expostas, afirmar que o conceito de
espaço-tempo resgata a qualidade de absoluto invocado por Newton para o
espaço ordinário.
A Relatividade Restrita e os Corpos Rígidos: É interessante verificar
que o conceito de corpo rígido desaparece completamente do âmbito da Re-
latividade Restrita. Nem mesmo em princípio ele pode existir. Com efeito, ima-
ginemos uma gigantesca nave estelar, medindo um ano-luz de comprimento,
formada do metal mais duro que se possa imaginar, deslocando-se com grande
velocidade (em relação à Terra), e que, de repente, colide sua dianteira com um
asteróide massivo e de enormes proporções. Os passageiros e tripulantes da
parte de trás da nave não sentirão absolutamente nada, e continuarão se deslo-
cando tranquilamente com a mesma velocidade de antes até o sinal da colisão
(e a trágica deformação correspondente) atingi-los, pelo menos um ano depois,
pois sabemos que nada, nem objeto material nem informação, pode se deslocar
com velocidade superior à da luz. É como se a nave fosse, paradoxalmente,
feita do material mais flexível existente no Universo...

1.4 A Dinâmica Relativística


A profunda mudança introduzida pela Relatividade de Einstein nas
idéias de espaço e de tempo trouxe naturalmente a necessidade de se modifi-
car os conceitos a partir dos quais se estabelecem as leis da dinâmica. Assim,
por exemplo, o conceito de quantidade de movimento, cuja taxa de variação
com o tempo nos fornece o conceito de força, também teve de se ajustar ao
fato de que nada pode se deslocar com velocidades superiores à da luz no
vácuo. Assim, à medida que uma partícula aproxima-se da velocidade da luz,
mais difícil se torna imprimir aceleração à mesma, isto é, mais problemático
torna-se aumentar a sua quantidade de movimento, uma vez que ela está
chegando cada vez mais próximo daquela “barreira” natural de velocidades.
Isso significa simplesmente que sua quantidade de movimento cresce com a
velocidade a uma taxa menor do que ocorre na Mecânica de Galileu-Newton,
já que a partícula oferece uma “resistência” cada vez maior em ser acelerada.
114 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Em outros termos, se fornecermos energia à partícula a fim de que ela


ganhe velocidade ou “energia cinética”, nem toda essa energia será convertida
em energia de movimento, e menos ainda quanto mais próximo ela estiver da
velocidade da luz. O que acontece, então, supondo que não há perdas, com
essa diferença de energia, isto é, a diferença entre a energia fornecida e a ener-
gia cinética efetivamente ganha pela partícula? Einstein pôde mostrar que de
alguma forma essa energia é convertida em massa inercial. Nada mais lógi-
co, pois se a “resistência” da partícula em modificar a sua velocidade aumenta
quando se aproxima da velocidade da luz, é natural pensar que há um ganho de
massa correspondente. Foi assim que Einstein mostrou que existe equivalência
entre massa (m) e energia (E), a partir da sua famosa relação

E = mc2, (4.3)

onde a velocidade da luz ao quadrado (c2) funciona como um fator de


conversão entre essas duas grandezas físicas.

Mesmo uma partícula em repouso, em um dado referencial, terá um


conteúdo energético associado à sua massa, e poderíamos afirmar que a
relação acima expressa a energia E de que devemos dispor para “criar” uma
partícula de massa m, e vice-versa, representa também a quantidade de ener-
gia que ganharíamos ao “aniquilar” essa partícula. Processos de criação e
aniquilação de partículas subatômicas acontecem a todo o momento na Natu-
reza. A nossa estrela, o Sol, por exemplo, é um fantástico reator no qual massa
é convertida em energia o tempo inteiro - cerca de 4 milhões e meia de tone-
Calcule o conteúdo ladas de matéria se transformam em energia pura por segundo! - permitindo
energético em um grama que a Terra seja banhada permanentemente com luz e calor, propiciando a
de massa
manutenção, por centenas de milhões de anos, da extrema e complexa varie-
dade de vida existente em nosso planeta.
As estrelas, em geral, brilham pelo mecanismo denominado fusão ter-
monuclear. Núcleos de átomos leves, de espécies diferentes, devido às altas
temperaturas reinantes nos interiores estelares, fundem-se para formar núcle-
os de átomos de uma nova espécie e de maior peso atômico.
No caso do Sol, a reação de fusão predominante é, de forma resumida,
a de dois núcleos de hidrogênio (prótons) – substância que forma 70% da ma-
téria solar – juntando-se a dois nêutrons para formar um núcleo de hélio (vide
figura abaixo). Quando o Sol atingir outra etapa de sua vida estelar, daqui a
alguns bilhões de anos, na qual começará a haver escassez de hidrogênio,
dar-se-á início à fusão de núcleos de hélio para a formação de núcleos de car-
Introdução a Física 115

bono. Podemos afirmar que o carbono que existe


em nossos corpos, bem como no de outros seres
vivos, foi “cozinhado” no interior das estrelas.
De um modo geral, constata-se que a soma
das massas das partículas e/ou núcleos antes da
reação de fusão é sempre maior que a massa do
novo núcleo formado. Assim, a massa que falta
é totalmente convertida em energia (na forma de
radiação eletromagnética, por exemplo, que é li-
berada através da fotosfera estelar).

1.5 A Teoria da Relatividade Geral


Para compreender como as estrelas de grande massa brilham, é ne-
cessário entender a dinâmica dos processos de conversão de massa em
energia, como nos ensina a Teoria da Relatividade Restrita. Para compreen- Temperaturas estelares: as
der, entretanto, como a estrela mantém-se coesa e não “explode” (pelo menos temperaturas existentes
durante a maior parte de sua vida estelar) devido às vastas quantidades de nos interiores das estrelas
são da ordem de alguns
energia violentamente geradas em tais processos, necessitamos recorrer a milhões de graus Celsius,
outra teoria formulada por Einstein, publicada cerca de dez anos depois da podendo chegar até
primeira: a Teoria da Relatividade Geral. centenas de milhões de
graus, dependendo da
Essa teoria lida essencialmente com a interação gravitacional, que é o massa da estrela. Essas
mecanismo pelo qual as referidas estrelas mantêm a coesão de sua estrutura temperaturas elevadas
física, impedindo que se despedacem em consequência da enorme pressão fazem com que os átomos
da radiação gerada em seus interiores. Einstein já havia conciliado o eletro- fiquem completamente
ionizados, isto é, elétrons,
magnetismo com o Princípio da Relatividade, e procurou fazer o mesmo com prótons e nêutrons estão
a gravitação. Inicialmente, deparou-se com sérias dificuldades, uma vez que, misturados sem se
segundo a física de Newton, a força gravitacional entre dois corpos massivos combinar eletricamente,
parecia ser instantânea, isto é, se um dos corpos “desaparecesse”, o outro formando uma espécie
de “sopa” de partículas
deixaria de sentir a força atrativa no mesmo momento. E isso é incompatível chamada de plasma,
com o fato de que toda e qualquer informação na Natureza viaja com veloci- que é considerado o
dade inferior à da luz, conforme afirma o segundo postulado. quarto estado da matéria.
Essas altas temperaturas
O pensamento de Einstein a respeito da gravitação começou com a também fornecem
análise de um fato que havia sido percebido e testado, já no século XVII, por a energia cinética
Galileu Galilei, no seu legendário experimento da Torre de Pisa, do alto da qual necessária para que tais
abandonou simultaneamente dois objetos de pesos diferentes que chegaram partículas ou núcleos,
durante as reações de
ao solo no mesmo instante. Esse experimento foi repetido sucessivamente fusão, vençam a forte
em outros locais e por outros cientistas, com níveis crescentes de precisão, repulsão eletrostática
durante os quase trezentos anos seguintes, invariavelmente confirmando que que existe entre eles,
os corpos caem com a mesma aceleração, independente de suas massas e quando se aproximam
um do outro, para então
constituições internas. Esse aspecto sempre foi encarado como um fato pura- formarem uma estrutura
estável, um novo núcleo,
mantido coeso pelas
interações nucleares.
116 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Princípio da mente experimental, um dado da Natureza, mas Einstein não se conformava


Equivalência: com isso – ele queria entender o porquê de tal fato – e algo lhe dizia que era
Se um foguete no
espaço distante, longe de
a chave para a compreensão plena dos fenômenos gravitacionais, a fuga do
qualquer influência física hipothesis non fingo, de Newton .
externa, estiver acelerado Se a queda ou o movimento orbital dos objetos materiais, isto é, a ação
exatamente à taxa de
9,8 m/s2, os tripulantes
que sofrem devido ao campo gravitacional, não depende das propriedades
se sentirão empurrados físico-químicas desses objetos, ou mais geralmente, de suas características
contra o piso do foguete e intrínsecas, então de alguma forma o espaço, o local onde se situam, “guia”
os objetos abandonados os objetos em suas trajetórias. O problema é que o espaço é um conceito abs-
em seu interior, devido
à sua inércia, irão ao
trato e puramente relativo, como já vimos ao estudarmos a Teoria da Relativi-
encontro desse piso com dade Restrita, isto é, não existe um espaço absoluto como pensava Newton.
a referida aceleração. Como atribuir, então, efeitos físicos – o movimento dos corpos sujeitos à gra-
Se os ocupantes não vidade – a uma entidade que aparentemente não é real?
souberem que estão
dentro de um foguete, Na relatividade Restrita, o espaço vazio é substituído pelo conceito de
pensarão que estão referenciais inerciais, nos quais todas as leis físicas devem ter a mesma for-
na superfície de nosso ma. Para incluirmos os fenômenos gravitacionais, teremos de abandonar tal
planeta (vide figura). O
restrição de considerar apenas esses referenciais e levar em conta todos os
referido princípio nos
diz, portanto, que não há outros, acelerados ou não. Principalmente os referenciais acelerados, que po-
como realizar nenhum dem “imitar” o campo gravitacional – o chamado Princípio da Equivalência
experimento físico que (vide quadro abaixo). Da mesma forma, o campo gravitacional pode ser “eli-
nos permita distinguir se
minado” por uma adequada mudança de referencial – um elevador em queda
estamos em um campo
gravitacional real ou em livre, por exemplo, produz a sensação de ausência de gravidade. Os astro-
um referencial acelerado. nautas que flutuam no interior das estações espaciais orbitando a Terra, não
Dito de outra maneira, sofrem a influência da gravidade terrestre, exatamente porque estão “caindo”
todos os fenômenos que
constantemente, embora não seja em direção ao centro de nosso planeta.
ocorrem numa situação,
necessariamente O Princípio de Equivalência, entretanto, só é válido se for examinado
ocorrerão na outra. localmente, isto é, em pequenas regiões do espaço. Se o elevador em que-
da livre, por exemplo, tiver grandes dimensões espaciais, outros fenômenos
entrarão em ação: as marés gravitacionais, que não podem ser “imitadas”
por nenhum tipo de referencial acelerado, e também nenhuma transforma-
ção entre referenciais de qualquer natureza pode eliminá-las, sendo con-
sideradas, portanto, a verdadeira “assinatura” da interação gravitacional.
Este seria o aspecto absoluto da gravidade, que independe do referencial
analisado, permitindo que ela também participe do Princípio da Relatividade
einsteiniana.
Como conectar esse último aspecto com o fato que discutimos anterior-
mente de que os corpos parecem cair ou orbitar como se dependessem de
alguma forma do lugar, do espaço onde se encontram, já que seu movimento
não está relacionado às suas propriedades intrínsecas? Que caracteres abso-
lutos poderiam ser atribuídos ao próprio espaço para responderem pelos efei-
Introdução a Física 117

tos gravitacionais? A resposta a essas perguntas é fornecida pela Geometria.


Entretanto, teremos que considerar aqui o espaço-tempo quadridimensional,
no qual o conceito de distância é reformulado de modo a não depender mais
do referencial em que é medido. E distância é um conceito estreitamente liga-
do à Geometria. Outras grandezas geométricas, além da distância no espaço-
-tempo, mantêm a mesma estrutura formal quando se vai de um referencial
para outro. A principal delas é a curvatura, que é a propriedade do espaço
que revela o quanto ele se “afasta” do estado de planura (ou estado euclidea-
no), a exemplo do espaço representado pela superfície da esfera (bidimensio-
nal), que apresenta propriedades geométricas bem diferentes daquelas que
caracterizam uma superfície plana.
Assim, do mesmo modo que temos de abandonar a restrição relativa-
mente aos referenciais inerciais e aceitar também como válidos os referenciais
acelerados a fim de descrevermos a gravitação, temos de admitir a possibilida-
de de vivermos em espaços quadridimensionais cuja geometria não seja mais
Fig. 4.5 - Ilustração do
euclideana – isto é, onde não seja mais verdadeiro que a soma dos ângulos in-
Princípio da Equivalência
ternos de um triângulo seja 180º, por exemplo, ou que por um ponto fora de uma
reta só passa uma única reta paralela à primeira (quinto postulado de Euclides).
Einstein demonstrou que a referida modificação (ou distorção) da geo-
metria de uma região do espaço-tempo – a curvatura – é causada pela dis-
tribuição de matéria e energia (a energia também interage gravitacionalmen-
te) aí existente, e é tanto mais acentuada quanto maior a quantidade e/ou
concentração (densidade) destas últimas na referida região. A teoria prevê
também que podem existir regiões do espaço em que as concentrações de
matéria e energia são tão grandes que a curvatura torna-se virtualmente infi-
nita, e nenhum corpo pode escapar de tais regiões, nem mesmo a luz. São os
famosos buracos negros, termo cunhado no fim da década de 60 do século
passado pelo não menos famoso físico norte-americano John Archibald Whe-
eler, que resumiu a Teoria da Relatividade Geral nos seguintes termos:

“A matéria diz ao espaço como ele deve se encurvar e o espaço diz


à matéria como ela deve se mover”

Einstein fez também as primeiras aplicações da Relatividade Geral no


sentido de entender a estrutura e a evolução do Universo como um todo, inau-
gurando a chamada era científica da Cosmologia, que até então era alvo
apenas de especulações e misticismos. O cientista chegou a mostrar que
o Universo poderia estar em expansão, mas preferiu a descrição tradicional
de um Universo estático, modificando suas equações, ao introduzir arbitra-
118 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

riamente um termo chamado constante cosmológica, que seria um termo


matemático que descreveria uma força repulsiva atuante em larga escala e
que contrabalançaria a atração gravitacional, deixando o Universo “imóvel”.
Em 1929, Edwin Hubble mostrou por meio do mais poderoso telescópio que
havia na época (localizado no observatório de Monte Palomar, na Califórnia)
que o Universo de fato se expandia, com as galáxias distantes se afastando
umas das outras, o que levou Einstein a exclamar que havia cometido o maior
erro de sua vida.
Curiosamente, em 1998, cosmólogos verificaram que o Universo está se
expandindo a uma taxa maior do que o fazia no passado, isto é, sua expansão
está ocorrendo de forma acelerada, e alguns modelos teóricos construídos para
explicar o fenômeno resgatam o conceito einsteiniano de constante cosmológi-
ca. Ou seja, parece que Einstein acertava até mesmo quando errava.
Capítulo 2
A Teoria Quântica da Matéria
2.1 A Luz e o Espectro do Corpo Negro
Do mundo das altas velocidades e das grandes massas descrito pelas
teorias da relatividade de Einstein, passaremos ao mundo do muito pequeno
e do extremamente leve, representado pelas moléculas, átomos e partículas
subatômicas, isto é, pelos objetos que medem menos de um nanômetro (ou
seja, que preenchem distâncias menores que 10-9 m). Tal mundo, inacessível
para a humanidade por dezenas de séculos desde que foi imaginado pela pri-
meira vez pelos filósofos atomistas da Grécia Antiga – principalmente Leucipo
e Demócrito – para em seguida ser esquecido por todos esses anos, foi ga-
nhando lentamente, a partir do início do século XIX com o estabelecimento da
química moderna, o “status” de realidade, enfrentando obstinada resistência e
oposição ferrenha de muitos cientistas renomados, influenciados pela filosofia
positivista vigente naquele século. Essa filosofia apregoava que o que não
pode ser visto ou testado diretamente não é objetivo e real.
Foi quando veio à tona a invenção da técnica de espectroscopia. A
palavra vem de espectro, que, em Física, refere-se à decomposição em faixas
coloridas de um feixe de luz, seguindo certa ordem, após atravessar um pris-
ma, como acontece ao arco-íris, gerado pelas gotas de água suspensas no
ar após a chuva, as quais funcionam como pequenos prismas. Esse fato era
conhecido desde a antiguidade, mas foi no tratado Optics, de 1675, escrito por
Isaac Newton, que o fenômeno foi estudado meticulosamente.
A partir do início do século XIX, com o aprimoramento das técnicas de
construção de prismas, a espectroscopia, isto é, o estudo sistemático dos
espectros luminosos, ganhou um forte impulso. J. von Fraunhofer descobriu
a existência de tênues linhas escuras no espectro proveniente da luz solar,
fazendo-a passar por um anteparo com uma fenda vertical antes de atingir o
prisma. Kirchoff mostrou que cada espectro observado era característico do
elemento químico que emitia a luz ou por ela era atravessado. Isto é, a forma
como se distribuíam aquelas linhas escuras representava a “impressão digital”
do elemento químico estudado ou um código de barras. Os elementos Césio
120 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

e Rubídio, por exemplo, foram descobertos inteiramente devido às novas téc-


nicas espectroscópicas. Hoje, muito das propriedades da matéria é conhecido
através de tais técnicas.

Fig. 4.6 - Espectro de Fraunhofer

Mas antes de tratarmos das mencionadas linhas escuras verticais, que


nos revelarão muitos aspectos e propriedades importantes dos átomos expli-
cados pela chamada Física Quântica, vamos nos deter sobre como se deu o
nascimento desta ciência, bem no início do século XX. Primeiramente enfoca-
remos o fundo colorido e contínuo contra o qual aquelas linhas escuras se des-
tacam (vide figura acima), o qual vai do vermelho ao violeta, isto é, dos maiores
comprimentos de onda (menores frequências) aos menores comprimentos de
onda (maiores frequências). Na verdade, esse fundo abrange todo o espectro
eletromagnético, mas, como se sabe, somente aquela faixa é visível.
Já se tinham acumulado evidências, durante o último quartel do século
XIX, de que tal espectro contínuo de cores modificava-se de acordo com a
temperatura da amostra do material aquecido. O mesmo Kirchoff demonstrou
que existe um corpo emissor ideal, cujo espectro de cores depende unica-
mente da sua temperatura e não da composição química, da estrutura ou da
forma geométrica desse corpo, que ele denominou corpo negro. Da mesma
maneira que este é um emissor ideal de radiação eletromagnética, absorve-a
igualmente bem. Na verdade, toda radiação que incidir sobre tal corpo será
pronta e inteiramente absorvida. Um objeto oco, aquecido e mantido a uma
temperatura constante, dotado de um pequeno orifício por onde entra a ra-
diação eletromagnética – luz, por exemplo – e formado por paredes internas
espelhadas (de superfície metálica, portanto), representa bem o corpo negro.
Com efeito, a radiação que penetrar pelo orifício sofrerá inúmeras reflexões in-
ternas e ficará “presa” na cavidade do corpo. Apenas uma desprezível fração
escapará ao meio exterior pelo mesmo orifício, para ser devidamente decom-
posta espectralmente e, assim, analisada.
A análise espectral da radiação que escapa revela que a energia radian-
te distribui-se nos vários comprimentos de onda do espectro eletromagnético,
sendo máxima para determinado comprimento (ou freqüência), dependendo
da temperatura em que se encontra o corpo. A superfície solar, por exemplo,
Introdução a Física 121

pode ser aproximada por um corpo negro, e a maior parte da energia emitida
pelo Sol concentra-se na região do amarelo, correspondente a uma tempera-
tura superficial de cerca de 5.500 K. Observa-se também que esse astro emite
radiação eletromagnética em quantidades significativas na forma de ondas ul-
travioleta, altamente ionizantes, daí o cuidado que temos de tomar com a pele
em dias ensolarados. Também há emissão de ondas que vão desde a faixa
do rádio e microondas até os raios X e gama, mas em diminutas quantidades.
O gráfico abaixo mostra o comportamento da radiação emitida por um
corpo negro. No eixo vertical temos a intensidade espectral (potência irradiada
por m2 por micrômetro de comprimento de onda) e no eixo horizontal, o com-
primento de onda correspondente, em micrômetros, cuja unidade equivale a
10-6 m. Para cada temperatura existe uma curva diferente. Note que à medida
que a temperatura aumenta, o máximo de radiação incide sobre comprimen-
tos de onda mais curtos.

Fig. 4.7 - Gráfico da radiação eletromagnética emitida por corpos negros a diferentes
temperaturas
Assim, no final do século XIX, tinham-se acumulado informações sufi-
cientes, colhidas experimentalmente através de vários laboratórios europeus,
a respeito de como o corpo negro emite radiação eletromagnética, e os grá-
ficos acima eram bem conhecidos. O problema era explicar teoricamente as
curvas obtidas. Juntar a ciência da Termodinâmica com a do Eletromagnetis-
mo era importante para esse propósito, e cada uma dessas áreas de pesquisa
estava bastante desenvolvida, ambas bem assentadas em seus respectivos
122 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

domínios de estudo. Essa interrelação entre duas disciplinas muito diferentes


uma da outra era necessária, uma vez que se estava lidando com a radiação
eletromagnética proveniente de fontes aquecidas, e muitas tentativas foram
feitas nesse sentido. Algumas delas explicavam razoavelmente bem a par-
te do gráfico correspondente aos pequenos comprimentos de onda (ou altas
freqüências), isto é, os cálculos fornecidos pelo modelo teórico proposto e os
resultados experimentais concordavam significativamente ali, mas divergiam
completamente dos dados experimentais no setor dos grandes comprimentos
de onda. E vice-versa, outras tentativas foram bem sucedidas em explicar a
distribuição espectral do corpo negro para a região dos grandes comprimen-
tos de onda, e falhavam grosseiramente na região oposta. A parte “central”
da curva, onde se situa o máximo de irradiação, não se ajustava a nenhuma
dessas propostas teóricas.
Até que interveio Max Planck. Em um “ato de desespero”, como ele
mesmo afirmou ao anunciar o resultado de suas descobertas no ano de 1900,
Max Planck (1858-1947) resolveu o problema tendo de supor que a interação da radiação eletromag-
nética com as cargas elétricas presentes na superfície metálica das paredes
internas do corpo negro, cargas que tanto absorviam a radiação como a ree-
mitiam de volta para a cavidade, se dava por trocas descontínuas de energia.
Isto é, a energia envolvida nesse processo de interação não podia ser “infini-
tamente” repartida entre as cargas e a própria radiação.
Havia um limite mínimo para essa quantidade de energia E intercambia-
da, um “pacote” energético fundamental que Planck denominou de quantum
(plural quanta), e que ele supôs depender da freqüência f da radiação segun-
do a fórmula
E = hf (4.4)
Onde h é a constante de Planck, cuja medida é, no S.I., 6,63 x 10-34
J.s, um valor considerado extremamente pequeno, o que justifica o porquê de
não observarmos esse fenômeno da “quantização” da energia nos eventos
ordinários descritos pela Mecânica Clássica. Esta ciência revela-nos, contra-
riamente ao que foi postulado por Planck, que o módulo da energia envolvida
nos processos físicos pode assumir qualquer valor, numa escala contínua que
vai do zero a infinito.
A hipótese utilizada por Planck para explicar a radiação emitida pelo
corpo negro propiciou, finalmente, o ajuste perfeito da teoria com os resul-
tados fornecidos pela experiência, em todos os comprimentos de onda e
para todas as temperaturas, permitindo inclusive confirmar a chamada Lei
de Stephan-Boltzmann, que afirma que a densidade de energia (energia por
metro cúbico) total emitida pelo corpo negro é proporcional à quarta potência
da temperatura. Com esse triunfo, o início do século XX, mais precisamente
1900, foi considerado o ano de nascimento da Física Quântica.
Introdução a Física 123

2.2 O Efeito Fotoelétrico


Desde que Hertz fez suas primeiras experiências no final da década
de 80 do século XIX para demonstrar com sucesso a existência das ondas
eletromagnéticas, tal como Maxwell as havia previsto em teoria, verificou-se
que algumas chapas metálicas atingidas por ondas eletromagnéticas curtas
(na faixa do visível e do ultravioleta), emitiam faíscas, que algum tempo de-
pois se verificou tratarem-se de partículas de carga negativa – os elétrons.
Esse fato foi depois explorado de uma forma mais sistemática em laboratório,
instalando-se em um tubo de vidro, no qual se fez vácuo, duas placas metáli-
cas a certa distância uma da outra, conectadas aos terminais de uma bateria.
Quando uma luz monocromática (isto é, de mesmo comprimento de onda) in-
cidia sobre a placa de carga negativa, prontamente se verificava uma corrente
no circuito, medida por um amperímetro a ele acoplado. Os elétrons eram
ejetados da primeira placa e atraídos para a placa positivamente carregada. A
corrente elétrica então se estabelecia.
O inusitado é que se observou de tal experimento que a energia dos
elétrons ejetados não dependia da intensidade ou do brilho da luz incidente,
e sim da sua freqüência. Quanto maior era esta, maior a energia cinética dos
elétrons que saltavam da placa, dependência que se mostrou ser numa razão
direta. Havia também uma freqüência limiar, abaixo da qual nenhum elétron
era ejetado. Já o aumento da intensidade luminosa repercutia apenas no nú-
mero de partículas ejetadas, incrementando o valor da corrente elétrica no cir-
cuito. Outro aspecto observado era o curto espaço de tempo que havia entre
a incidência da onda eletromagnética e a ejeção dos elétrons, que se dava
de forma praticamente instantânea. O uso das leis clássicas do eletromag-
netismo para o cálculo do tempo de ejeção previa um lapso temporal muito
mais longo, quando comparado com o efetivamente medido, já que, segundo
aquelas leis, a absorção de energia por parte do elétron deveria acontecer de
forma contínua, até essa partícula adquirir o suficiente para se desprender das
forças que o atrelavam ao metal e assim saltar para a outra placa. Portanto,
havia uma discrepância entre a descrição fornecida pelo eletromagnetismo
clássico para o efeito fotoelétrico – como foi chamado o referido fenômeno
– e o que se constatava experimentalmente.
Então chegou o annus mirabilis de Albert Einstein (1905), que se debru-
çou sobre o efeito fotoelétrico a fim de compreendê-lo a fundo, chegando à
conclusão de que a interação da radiação eletromagnética com os elétrons
da placa metálica também se dava a partir de uma transferência descontí-
nua de energia das ondas para as partículas, exatamente como Planck supôs
para explicar a distribuição espectral do corpo negro. De fato, como a energia
transferida ao elétron era de exatamente um quantum (não podia haver fracio-
124 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

namento), a qual é proporcional à freqüência da luz incidente (E = hf), Einstein


pôde, assim, explicar de forma satisfatória o porquê da energia dos elétrons
ejetados ser proporcional à freqüência da onda recebida, como registrado
experimentalmente. E isto era condizente com o fato de que a absorção de
energia pelos elétrons era praticamente instantânea, ou ocorria numa escala
de tempo bem inferior àquela prevista pela teoria clássica do eletromagnetis-
mo, em que a transferência de energia se dava continuamente, e, portanto,
de forma mais lenta. Por este feito, Einstein veio a receber o prêmio Nobel
dezesseis anos depois.
O efeito fotoelétrico faz-se bastante presente no nosso dia-a-dia. Nos
sensores que abrem portas automaticamente quando se aproxima uma pes-
soa, nas torneiras de banheiros dos shopping centers, nas células fotoelétri-
cas que captam energia solar e a converte em eletricidade para uso domés-
tico, nas calculadoras solares de bolso e em diversos outros aparelhos que
invadem o cotidiano das pessoas no mundo inteiro.

Fig. 4.8 - O Efeito Fotoelétrico

2.3 O Efeito Compton


Este efeito foi estudado pelo físico norte-americano Arthur Compton
em 1923, pelo qual recebeu o prêmio Nobel em 1927. Ele fez incidir sobre
uma amostra de cristal um feixe de raios X. Estes consistem em radiação
eletromagnética de comprimento bastante curto (da ordem do raio do átomo)
e, portanto, muito energéticos, produzidos por elétrons acelerados a grandes
velocidades que depois são freados bruscamente. Aquele cientista observou
que os elétrons livres da rede cristalina eram fortemente impactados pelo fei-
xe, enquanto uma radiação de comprimento mais longo emergia do cristal,
formando um ângulo bem definido com o elétron espalhado.
Compton trabalhou teoricamente o problema como uma simples colisão
entre um fóton com determinado comprimento de onda inicial e um elétron em
repouso. Usando as leis de conservação da energia e do momento linear no
contexto da relatividade restrita, mostrou que parte da energia e do momento do
Introdução a Física 125

fóton era transferida para o elétron, de modo que aquele saía com um compri-
mento de onda mais longo, espalhado em uma direção formando certo ângulo
em relação à direção do elétron ejetado. Esse tratamento teórico explicava bas-
tante bem os resultados encontrados experimentalmente, e a existência da luz
como partícula – o fóton – ficou inequivocamente demonstrada.
Fótons: existia uma grande diferença entre os quanta de Einstein e
os de Planck. Enquanto para este último tais pacotes mínimos de energia se
manifestavam apenas no processo de interação da radiação com a matéria,
para Einstein a própria radiação eletromagnética era por eles constituída. Es-
tes “grãos” ou partículas de radiação eletromagnética foram chamados pos-
teriormente de fótons. Assim, Einstein evidenciou um aspecto que deixou a
comunidade científica bastante desconcertada: a luz exibia propriedades on-
dulatórias e corpusculares! Com efeito, ela se comportava como ondas, como
nos fenômenos de interferência e difração, e como partículas, como no efeito
fotoelétrico e no chamado efeito Compton. Tudo dependia do experimento
que se fizesse. Esta característica ambígua da luz foi denominada dualidade.

2.4 Modelos e Espectros Atômicos


Evidentemente que a idéia da granulosidade da luz foi precedida pela
da matéria, que já havia sido pensada há mais de 2500 anos por alguns filó-
sofos da Grécia Antiga. O surgimento da química moderna no final do séc.
XVIII e início do XIX resgatou o conceito de átomo, mas, em geral, este foi
imaginado apenas como uma forma de se representar ou se quantificar as re-
ações químicas, não se dando muito crédito à sua realidade física. No final do
século XIX, entretanto, com os experimentos que evidenciaram a existência
dos raios catódicos, que brilhavam em ampolas de vidro evacuadas de ar,
dotadas de placas metálicas entre as quais havia uma diferença de potencial
e de onde eles saltavam, mostrou-se que alguns desses raios eram compos-
tos de partículas de carga negativa, que foram posteriormente chamadas de
elétrons, a primeira partícula elementar a ser descoberta.
Estas partículas de alguma forma estavam presentes na matéria, que
de um modo bastante geral apresenta-se eletricamente neutra. Então deve-
riam também fazer parte dessa mesma matéria elementos positivamente car-
regados para compensar a carga negativa eletrônica e assim neutralizá-la.
Quando, finalmente, o átomo não passou mais a ter a sua realidade física
contestada, salvo por alguns poucos céticos, ele deixou de ser considerado
um pedaço esférico duro, indivisível e minúsculo de matéria, como os já re-
feridos gregos antigos e químicos do século XIX imaginaram, e passou a ser
dotado de uma estrutura interna que comportasse tanto as cargas elétricas
representadas pelos elétrons como por elementos de carga positiva. E assim
começaram a surgir os modelos atômicos.
126 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

No início do século XX, o físico J.J. Thomson, pioneiro em mostrar que


uma parte dos raios catódicos eram constituídos de partículas de carga ne-
gativa (os elétrons), criou um dos primeiros modelos estruturais para o átomo
eletricamente neutro, que consistia em uma massa positivamente carregada
incrustada de elétrons espaçados uns dos outros, como um maracujá e suas
sementes (vide figura abaixo). Na verdade, essa distribuição eletrônica não
era aleatória, mas obedecia a certa configuração que permitisse a estabilida-
de do átomo.

Fig. 4.9 - Modelo de J.J. Thomson para o átomo

Havia outros modelos atômicos que competiam com o de Thomson.


No mesmo ano em que este cientista anunciava na Universidade de Yale o
seu modelo atômico (1903), Hantaro Nagaoka, físico japonês da Universidade
Imperial de Tóquio, propôs o modelo “saturniano”, em que a carga positiva
concentrava-se numa região esférica do espaço e os elétrons orbitavam-na,
formando um anel de partículas, muito parecido com o que acontece ao pla-
neta Saturno.

Fig. 4.10 - O átomo segundo Nagaoka


Introdução a Física 127

Mas nada melhor do que a experiência para decidir sobre qual dos mo-
delos era o que representava melhor a realidade. Foi quando entrou em cena
o físico britânico Ernest Rutherford, que a partir de 1909 planejou e orientou
um brilhante experimento para testar qual modelo seria o correto – se o de
Thomson ou o de Nagaoka. O arranjo experimental concebido por Rutherford
consistia em disparar raios alfa – partículas de carga positiva altamente ener-
géticas provenientes de decaimentos radioativos de átomos pesados – contra
finas folhas de ouro, que é um metal de grande densidade, isto é, com uma
grande concentração de átomos. As referidas folhas eram tão finas que che-
gavam a ser transparentes, de tal modo que houvesse pouquíssimos átomos
ao longo de sua espessura. O que se verificou foi uma enorme surpresa. Mui-
tas daquelas partículas, na verdade a maior parte, atravessava a folha como
se nada existisse em seu caminho, como se ela fosse feita apenas de espa-
ços vazios! Algumas sofriam pequenos desvios de trajetória ao atravessá-la e
muito poucas sofriam desvios acentuados. Raríssimas, entretanto, apresen-
tavam um ângulo de desvio próximo a 180o, ou seja, praticamente ricochete-
avam para trás, como se tivessem se chocado com algo extremamente duro
dentro da folha de ouro! Então Rutherford realizou alguns cálculos e mostrou
que esse comportamento das partículas alfa disparadas não era condizente
com o modelo de Thomson. Se este fosse correto, quase todas as partículas
alfa sofreriam algum desvio, embora que pouco acentuado. E a probabilidade
de uma sofrer um recuo, como observado, seria virtualmente zero!

Fig. 4.11 - O Experimento de Rutherford


Então a hipótese que restava era a de que o átomo fosse composto de
um pequeno núcleo de carga positiva que concentrava praticamente toda a
massa atômica, com os levíssimos elétrons orbitando em volta e atraídos por
uma força do tipo coulombiana. O núcleo teria entre 10-4 e 10-5 vezes o tama-
nho do átomo, ou seja, este seria quase que inteiramente formado de vazio, o
que explicaria a grande quantidade de partículas alfa que quase não sofriam
desvios no experimento realizado. As partículas que eram acentuadamente
desviadas se aproximavam diretamente de um núcleo, sendo fortemente re-
pelidas pela força coulombiana, pois a partícula alfa e o núcleo são ambos po-
128 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

sitivamente carregados. Assim, o modelo saturniano de Nagaoka, com


modificações, parecia haver vencido, e Rutherford fez referência a ele
quando publicou o resultado de suas descobertas em 1911.
Mas havia um sério problema com o “modelo atômico nuclear”
proposto por Rutherford. Os elétrons orbitando em torno do núcleo estão
acelerados devido à ação centrípeta da força coulombiana. E pelas leis
clássicas do eletromagnetismo, deveriam emitir radiação eletromagnéti-
ca, perdendo energia e executando órbitas de raio cada vez menor, numa
espiral descendente em direção ao núcleo atômico. E esse colapso acon-
teceria em frações de segundo... Mas tal fato não é observado, felizmente.
A matéria à nossa volta é estável! Então havia uma inconsistência que a
Fig. 4.12 - Representação Artística
do Modelo Atômico de Rutherford mecânica e o eletromagnetismo clássicos não conseguiam resolver.
Falamos na seção anterior dos espectros contínuos emitidos por
fontes aquecidas, quando de nossa exposição acerca da radiação do corpo
negro. Agora falaremos de outros tipos de espectros, os de emissão e os de
absorção. Um espectro de emissão é o resultado da decomposição espectral
da luz emitida por um gás rarefeito contido em um tubo de descarga elétrica.
Os poucos átomos do gás no tubo ganham energia em colisões com os elé-
trons durante a descarga e em seguida a perdem emitindo radiação eletro-
magnética. Verifica-se que o espectro de emissão resultante contém uma sé-
rie de linhas brilhantes discretas, espaçadas uma da outra, correspondentes
a diferentes imagens coloridas da fenda sobre um fundo escuro. As posições
das linhas no anteparo do espectrômetro são únicas para o tipo de átomo
contido no tubo de descarga.
Já um espectro de absorção é formado quando átomos removem certos
comprimentos de onda do espectro contínuo da luz branca. A luz de uma fonte
incandescente é dirigida para uma fenda e atravessa então um recipiente con-
tendo gás, após o que passa pelo prisma do espectrômetro. A dispersão pelo
prisma produz um espectro contínuo de cores, devido à radiação térmica da
fonte (filamento luminoso), o qual é acompanhado de uma série de linhas es-
curas devido ao gás interveniente (como no espectro de Fraunhofer, visto mais
acima). A formação dessas linhas precisas e escuras é atribuída à absorção
de luz pelos átomos do gás em determinados comprimentos de onda, a qual é
emitida pelo filamento incandescente. Esses comprimentos de onda ausentes
são característicos do tipo de átomo constituinte do gás. Acha-se que as linhas
brilhantes no espectro de emissão ocorrem nas mesmas posições das linhas
escuras no espectro de absorção, se o gás empregado é o mesmo.
Então os átomos, isoladamente, só absorvem ou emitem radiação ele-
tromagnética em comprimentos de onda (frequências) bem definidos, o que
levou Niels Bohr, em 1913, a aprimorar o modelo de Rutherford, postulando
Introdução a Física 129

que os elétrons ocupariam apenas determinadas órbitas permitidas. Uma vez


estando nelas, haveria uma violação das leis do eletromagnetismo clássico,
pois os elétrons não emitiriam radiação eletromagnética, só o fazendo quando
“saltassem” de uma órbita externa para uma mais interna.
Se cada órbita eletrônica, que assinalaremos por um número natural n
diferente de zero, possui uma energia En, então a diferença energética entre
uma órbita externa m, de maior energia, e aquela da órbita interna n, será
exatamente a energia do fóton emitido na transição, o qual, pela lei de Planck,
possui uma freqüência bem definida:
Em – En = hf (4.5)
Da mesma forma, o elétron deve absorver exatamente essa energia do
fóton incidente para saltar da órbita interna para a externa.
A teoria de Bohr explicava maravilhosamente bem os espectros de ab-
sorção e emissão do átomo de hidrogênio, o mais simples de todos, o qual
consiste de uma partícula de carga positiva (que depois recebeu o nome de
próton) e de um elétron em órbita, ambos possuindo carga de mesmo módulo.
Mas a teoria falhava na descrição do espectro do átomo de hélio, o segundo
mais simples da tabela periódica.
O modelo teórico proposto por Bohr era uma tentativa razoável de se
entender o mundo microscópico, procurando manter onde fosse possível os
conceitos clássicos da Física e inserindo quando necessário as novas desco-
bertas que vieram à tona a partir de 1900. Precisava-se, entretanto, de uma
teoria que fosse geral e, portanto, mais fundamental, capaz de explicar os es-
pectros de emissão e absorção de todos os outros átomos e moléculas, bem
como suas diversas propriedades físico-químicas. Essa teoria só surgiria mais
de uma década depois: A Mecânica Quântica. Niels Bohr – 1885-1962

Fig. 4.13 - Esquema do modelo de Rutherford-Bohr


130 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

2.5 Propriedades Ondulatórias dos Elétrons e o


Surgimento da Mecânica Quântica
Não fica claro no modelo de Rutherford-Bohr porque os elétrons deve-
riam seguir determinadas trajetórias, e não outras. Na verdade, Bohr postulou
que as referidas órbitas circulares teriam de obedecer à condição de que o
momento angular orbital L dos elétrons fosse um múltiplo inteiro de h:

L = mvr = nh, (4.6)


onde h é a constante de Planck dividida por 2π, r é o raio da trajetória,
m a massa e v a velocidade eletrônicas. Essa suposição talvez se devesse
ao fato de que a referida constante possui unidades de momento angular e é
numericamente muito pequena. Comparemos com a quantização da carga
elétrica, em que os valores de todas as cargas na natureza são múltiplos in-
teiros de uma carga fundamental, de valor também bastante reduzido, igual à
Louis de Broglie carga do elétron e do próton.
(1875-1960) Em 1924, o físico e príncipe francês Louis de Broglie, utilizando argu-
mentos de simetria, defende em sua tese de doutoramento na Universida-
de de Paris que o princípio da dualidade onda-partícula seja estendido para
os corpúsculos materiais. Ou seja, as partículas deveriam exibir também um
comportamento ondulatório, do mesmo modo que a luz podia manifestar pro-
priedades de partículas. Então de Broglie associou uma onda ao elétron, es-
tabelecendo que houvesse uma relação entre o aspecto corpuscular, repre-
sentado pela quantidade de movimento p = mv do elétron e sua característica
ondulatória, representado pelo comprimento de onda λ , tal que
h (4.7)
l =
p
Da equação acima podemos verificar que objetos de grande massa
movendo-se a velocidades apreciáveis, como aqueles que estão presentes
em nosso cotidiano (um automóvel em movimento, por exemplo), apresentam
grande quantidade de movimento, e comprimento de onda a ele associado,
portanto, tende a zero, uma vez que a constante de Planck, por outro lado,
apresenta um valor extremamente reduzido. Desse modo, o aspecto ondula-
tório das partículas, característica do mundo quântico, não se manifesta em
objetos macroscópicos. Podemos afirmar que a constante de Planck divide o
mundo de acordo com a escala de distâncias envolvidas.
De Broglie propôs um experimento com elétrons para demonstrar o seu
caráter ondulatório, o qual foi finalmente realizado por Davisson e Germer, nos
Estados Unidos, e por G.P.Thomson (filho de J.J.Thomson, o descobridor do
elétron), na Escócia. Elétrons eram disparados contra um pedaço de cristal, e
Introdução a Física 131

os que eram refletidos de volta por um plano desse cristal interferiam, em um


anteparo de detecção, com os que eram refletidos pelo plano situado imedia-
tamente atrás do primeiro, formando um inequívoco padrão de interferência,
isto é, alternância de estreitas faixas em que chegavam muitos elétrons com
regiões aonde não chegava nenhum, um padrão típico de ondas.
Um experimento semelhante ao realizado por Thomas Young no início
do século XIX, o da dupla fenda, que demonstrou as propriedades ondulató-
rias da luz, foi feito com elétrons em 1989 atravessando fendas da ordem de
nanômetros, por um grupo de pesquisadores japoneses, confirmando com
maior precisão o comportamento ondulatório daquelas partículas. Experimen-
tos dessa natureza também foram realizados com nêutrons, átomos e molé-
culas. Em 2002, foram publicados resultados de interferência ondulatória com
moléculas de geometria esférica, formadas de 60 ou 70 átomos de carbono,
chamadas de fulerenos. São presentemente os maiores objetos materiais a
exibirem a dualidade onda-partícula.
Mas voltemos à hipótese de de Broglie e tentemos conectá-la com
o modelo atômico de Rutherford-Bohr. Se os elétrons podem se comportar
como ondas, então as órbitas permitidas serão aquelas em que o seu com-
primento seja um número inteiro de comprimentos da onda eletrônica, isto é
2πr = nλ. (4.8)
Como afirmado por de Broglie, λ = h/p. Substituindo na equação aci-
ma, encontramos a justificativa para o postulado da quantização do momento
angular proposta por Bohr (equação 4.7), ou seja, esta emerge como uma
consequência natural da hipótese de que os elétrons também se comportam
como ondas.
No final do ano de 1925, o físico austríaco Erwin Schrödinger encontrou
uma equação matemática que descreve a propagação dessas ondas, obten-
Fig. 4.14 - Representação da
do com sucesso soluções – as chamadas funções de onda ψ – que incluíam molécula de fulereno C60
os valores das energias de vários sistemas físicos, notadamente os níveis
energéticos do átomo de hidrogênio, que concordaram com o calculado no
modelo de Rutherford-Bohr. Depois foram encontradas, usando o formalismo
de Schrödinger e com razoável aproximação, os níveis de energia do átomo Curiosidade:
de hélio. Parecia que havia se chegado a uma teoria mais fundamental que Thomson pai foi o
descobridor do elétron
explicava o mundo microscópico, e que foi denominada Mecânica Quântica
enquanto partícula,
Ondulatória. pelo que recebeu o
Surgiu então a pergunta: o que eram essas ondas? As ondas eletro- prêmio Nobel de 1906 e
Thomson filho foi um dos
magnéticas, por exemplo, são formadas por campos elétricos e magnéticos
descobridores do elétron
oscilando no espaço. E os elétrons, seriam a vibração de quê? Schrödinger enquanto onda, pelo que
mostrou que as funções de onda, soluções de sua equação, assumem valo- compartilhou o prêmio
res complexos (números complexos são aqueles em que figuram a unidade Nobel de 1937.
132 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

imaginária i = − 1 ). Como só podemos medir grandezas representadas por


números reais, então as ondas associadas às partículas não teriam um signi-
ficado físico imediato, isto é, não teriam uma realidade palpável. Então pouco
depois da descoberta da equação de Schrödinger, o físico alemão Max Born 2
Ψ
propôs a interpretação de que o módulo quadrado de tal função de onda,
, este sim um número real, estava relacionado à probabilidade de se localizar
o elétron em determinada região do espaço. O conceito de órbita eletrônica
foi, então, substituído pelo de orbital, que seria o conjunto de pontos com
máxima probabilidade de se localizar a partícula em torno do núcleo do áto-
mo. Assim, o elétron poderia ser encontrado em qualquer posição próxima
ao núcleo, de modo que se passou a representar essas partículas como uma
“nuvem” espalhada em volta do núcleo atômico, e não mais seguindo trajetó-
rias circulares precisamente determinadas.
Há outra característica fundamental associada ao elétron, (e a outras
partículas) e que não está relacionado ao seu movimento orbital. Seria uma
propriedade intrínseca da partícula, tal como sua massa e carga elétrica, e
que, embora não seja uma imagem correta, de alguma forma representaria
uma espécie de rotação em torno de si própria: o spin.

2.6 Heisenberg e o Princípio da Incerteza


O físico alemão Werner Heisenberg publicou em 1927 o chamado
Princípio da Incerteza, em que ele afirmava ser impossível determinar com
graus arbitrários de precisão a posição e a quantidade de movimento de uma
partícula. Quanto mais se conhece a respeito da quantidade de movimento,
menos se sabe sobre a posição da partícula, e vice-versa. A relação proposta
entre as incertezas da posição ∆x , medida numa linha reta, e a da quantidade
de movimento ao longo dessa linha ∆p seria, então,
h ,
∆x.∆p ≥
4p
onde a constante de Planck mais uma vez nos mostra que essa incer-
teza é uma peculiaridade do mundo microscópico. Cabe frisar que a relação
mínima de incerteza não é devida à imperícia do experimentador ou à defi-
ciência de tecnologia empregada, e sim a uma característica intrínseca da
realidade física.
No mundo macroscópico descrito pelas Leis de Newton e mesmo pelas
de Einstein, podemos saber precisamente onde está a partícula e para onde
ela está indo, isto é, podemos estabelecer a trajetória da partícula. No mundo
descrito pela Mecânica Quântica, isto já não é mais possível – o conceito
de trajetória é completamente abolido, só podemos falar de probabilidade de
Introdução a Física 133

localização do elétron, como já discutido na seção anterior ao falarmos de


orbital. Assim o determinismo da Mecânica Clássica já não faz mais sentido
no domínio quântico.
Faremos, enfim, um breve resumo do que é a Mecânica Quântica:
• Descreve com bastante exatidão o domínio das moléculas, átomos e partí-
culas elementares;
• Nela, em determinadas circunstâncias, algumas grandezas dinâmicas são
quantizadas, como a energia e o momento angular do elétron em torno do
átomo;
• As partículas podem comportar-se ou como corpúsculos ou como ondas,
de acordo com o experimento realizado (isto é, os objetos microscópicos
apresentam dualidade onda-partícula);
• Existe uma relação de incerteza associada a medidas de pares de deter-
minadas grandezas físicas, como, por exemplo, posição e quantidade de
movimento de uma partícula.

Saiba mais
O Princípio da Incerteza no Eletromagnetismo Clássico
e o Vácuo Quântico
O Princípio da Incerteza de Heisenberg foi inicialmente aplicado a partículas como
elétrons. Mas ele também pode ser aplicado a campos, como o elétrico e o magné-
tico, entidades físicas que funcionariam como os pares de variáveis dinâmicas das
partículas relacionados pelo referido princípio. A esses campos estariam associadas
incertezas em suas medidas, igualmente relacionadas por uma desigualdade. Existe
uma semelhança formal entre a energia de um oscilador harmônico simples (OSH) e a
densidade energética dos campos eletromagnéticos. No primeiro caso, aplicando-se o
Princípio da Incerteza e minimizando-se a energia do sistema, encontra-se a chamada
energia do ponto zero E = (½)hf por modo de oscilação, já encontrada por Schrödinger
ao resolver sua equação para o OSH quântico, onde h é a constante de Planck e f a
freqüência. Fazendo uma inversão no método, é possível extrair um Princípio da Incer-
teza válido para os campos, considerando que o valor mínimo da energia é o mesmo
encontrado para o oscilador harmônico, já que os campos podem ser vistos de certo
modo como um conjunto de osciladores. Daí pode-se mostrar que é impossível a eli-
minação completa desses campos em uma dada região do espaço, pois isso implicaria
que seriam perfeitamente determinados, violando o referido princípio. Esse aspecto
daria origem ao chamado vácuo quântico e suas manifestações físicas, como o Efeito
Casimir, no qual placas metálicas paralelas descarregadas, situadas em uma região
de vácuo, atraem-se com uma força inversamente proporcional à quarta potência da
separação entre as mesmas.
134 Célio Rodrigues Muniz | Lázara Silveira Castrillo

Leituras, filmes e sites


Fronteiras da Física – O Universo Elegante, com Brian Greene, em
três episódios, 2 DVD´s, editora Duetto.

Referências
AMALDI, UGO: Imagens da Física – As Idéias e Experiências dos Pêndu-
los aos Quarks, Editora Scipione, São Paulo 2006
ALONSO & FINN: Física um Curso Universitário – Vols. 1 e 2, 8ª. Reimpres-
são Edgard Blucher, São Paulo 1999
CHAVES, ALAOR: Física Vols 1, 2, 3 e 4: Reichmann & Affonso Editores; São
Paulo, 2001.
FEYNMAN, LEIGHTON & SANDS: Lições de Física - Volume 1, Editora
Bookman, Porto Alegre, 2008
HALLIDAY-RESNICK-WALKER Fundamentos de Física vols. I, II, III e IV.
4a. ed.,Livros Técnicos e Científicos, Rio de Janeiro e São Paulo, 1996.
HAWKING, S. Os Gênios da Ciência – Sobre o Ombro de Gigantes – 2ª.
Edição, Editora Campus-Elsevier, Rio de Janeiro, 2005.
HEWITT, PAUL G.: Física Conceitual , 9ª. Edição, Editora Bookman, Porto
Alegre, 2002
NUSSENZVEIG, H.M. Curso de Física Básica vols. 1, 2, 3 e 4. Edgard
Blücher Ltda., São Paulo, 1997.
PERELMAN, J. Aprenda Física Brincando, Hemus Livraria Editora Ltda.,
São Paulo, 1970
ROCHA, JOSÉ F. (org).: Origem e Evolução das Idéias da Física, Editora
da UFBA, Salvador, 2002
Introdução a Física 135

Sobre os autores

Celio Rodrigues Muniz


Possui graduação (Bacharelado) em Física Geral e Fundamental pela
Universidade Federal do Ceará (2001), mestrado em Física pela Universida-
de Federal do Ceará (2004) e doutorado em Física pela Universidade Federal
do Ceará (2008). Atualmente é professor Adjunto I da Universidade Estadual
do Ceará. Tem experiência na área de Física, com ênfase em Teoria Geral de
Partículas, Campos e suas aplicações em Matéria Condensada. Interessase
também por gravitação, Astrofísica e Cosmologia.

Lázara Silveira Castrillo


Possui graduação em Engenharia Energética Nuclear pelo Instituto Su-
perior En Ciencias Energéticas y Nucleares (1993), mestrado em Tecnologias
Energéticas Nucleares pela Universidade Federal de Pernambuco (1998) e
doutorado em Tecnologias Energéticas Nucleares pela Universidade Federal
de Pernambuco (2003). Atualmente é Assistente da Universidade Estadual
do Ceará. Tem experiência na área de Engenharia Nuclear, com ênfase em
Tecnologia dos Reatores. Atuando principalmente nos seguintes temas: Análi-
se de sensibilidade, Modelagem computacional, Metodos Perturbativos, fluxo
bifásico.
Física

F
iel a sua missão de interiorizar o ensino superior no estado Ceará, a UECE,
como uma instituição que participa do Sistema Universidade Aberta do
Brasil, vem ampliando a oferta de cursos de graduação e pós-graduação
na modalidade de educação a distância, e gerando experiências e possibili-
dades inovadoras com uso das novas plataformas tecnológicas decorren-
tes da popularização da internet, funcionamento do cinturão digital e
massificação dos computadores pessoais.
Comprometida com a formação de professores em todos os níveis e
a qualificação dos servidores públicos para bem servir ao Estado,
os cursos da UAB/UECE atendem aos padrões de qualidade
estabelecidos pelos normativos legais do Governo Fede-
ral e se articulam com as demandas de desenvolvi-
mento das regiões do Ceará.

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