Os Retratos e A Identidade Brasileira em O Cortiço
Os Retratos e A Identidade Brasileira em O Cortiço
Os Retratos e A Identidade Brasileira em O Cortiço
São Paulo
2021
Este trabalho tem por objetivo compreender como é representado o negro o
mestiço e a realidade racial do Brasil tendo como fonte principal de tal análise o
texto, O cortiço de Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo (1857-1913) conhecido
e hoje renomado romancista maranhense, teve como primeiro emprego a função de
caixeiro, mas aos dezenove anos influenciado pelo irmão Artur de Azevedo
ingressou na Academia Imperial de Belas-Artes no Rio de Janeiro e logo torna se
caricaturista de jornais, exemplos O Mequetrefe, Fígaro entre outros variados
trabalhos, em 1979 volta para sua cidade natal após a morte de seu pai ,o
vice-cônsul David Gonçalves de Azevedo, mesmo ano em que publica seu primeiro
romance: uma lagrimas de mulher, em 1881 publica O Mulato, romance que
inaugura o “Movimento Naturalista no Brasil”, mas é pela sua obra O Cortiço (1890)
que seu caráter naturalista fica mais evidenciado e conhecido. Para a análise da
obra supracitada foram aportados uma extensa variedade de textos que possibilitam
a discussão dos aspectos raciais brasileiros, em especial o livro de Lilia Moritz
Schwarcz, Retrato em Branco e Negro (1987), em que busca compreender como o
negro é retratado nas publicações dos jornais em São Paulo com uma possibilidade
de interpretar essas fontes e análises da autora como ferramentas e a expressão do
pensamento dominante e desse modo compreender um panorama geral de como
são retratadas as questões raciais no Brasil, assim como faremos o uso do texto de
mesma autoria, intitulado: Gilberto Freyre: Adaptação, Mestiçagem, Trópicos e
Privacidade em Novo Mundo Nos Trópico (2011), que discute de maneira fecunda
as questões raciais brasileira a partir da obra de Gylberto Freire assim como a
construção de uma identidade brasileira, é por meio da autora e do aporte de outros
textos que objetivamos traçar uma imagem construída do negro e mestiço no
decorrer do processo histórico brasileiro em paralelo a suas representações em O
cortiço, para sermos capazes de compreender por meio de tais analises como estas
representações constroem a identidade brasileira utilizando se da memória, por
meio de apagamentos e esquecimentos, pela modificação e capilarizarão das
diferentes representações do negro e mestiço que assumem a ação de apagamento
cultural e da memória do negro e mestiço para a construção de uma memória e
história higienista, na mesma chave se apresenta a construção da identidade
brasileira, pautada no apagamento e embranquecimento.
Para tal qualidade de análise se faz necessária a compreensão do contexto
histórico e realidade prática de Aluísio de Azevedo e sua obra em específico,
prioritariamente o texto de Azevedo é marcado por um estilo literário que é
precursor no Brasil, o naturalismo, sendo questão central compreender seus
aspectos e como rondam sua obra, assim como o autor o pensamento naturalista é
uma filosofia própria de sua época, e tendo em vista a metodologia criada pela
escola dos Annales e seu fundador Marc Bloch, um homem é muito mais filho de
seu tempo do que de seus próprios pais, de tal maneira poderemos compreender
em parte o pensamento e psique de Aluísio de Azevedo por meio da apreensão
destas filosofias que fazem parte de seu tempo e de sua leitura de mundo, de
maneira dialética, os pensamentos de seu tempo o atravessam mas também o
modificam, nos vale então discutir conceitos que podem ser identificados na obra o
Cortiço, como também em todo seu estilo e envergadura literária, nos vale então
traçar aquilo que constitui o naturalismo, suas influências e conceitos formativos, de
maneira a facilitar e exemplificar a discussão nos valemos deste trecho de uma
revista do ano de 1881 sobre literatura brasileira.
Como nos revela o trecho acima existe dentro destas determinações sociais e
raciais uma ideia de superioridade partindo do conceito de civilização, colocando em
contraponto os costumes europeus e brancos contra aqueles trazidos pelos negros
ou carregados pelos mestiços também.
Desse modo se pauta uma sociedade que se forma por meio da importação e
da valoração da cultura europeia, sendo assim só se pode compreender a realidade
brasileira como uma reprodução bizarra desta cultura ,com a ação do
branqueamento como uma tentativa de parecer Europeu, a existência de um
pensamento estruturalmente racista, levando a desvalorização da cultura popular
pelo fato de vir das camadas mais pobres do povo e valorizar um pensamento
colonial, relegando ao negro, ao pobre e mestiço mais um retrato, o de bestial, de
animal, como assim ainda podemos notar no trecho acima, pela maneira como se
constrói o retrato de Rita Baiana, a maneira como o autor descreve essa
personagem durante toda sua obra demonstra como o século XVIII compreende o
mestiço, neste caso ainda o retrato de Rita Baiana, mulher mestiça brasileira com
características próprias oriundas da mistura de raças, mulher alegre, sempre vulgar,
amante da dança e da bebida, festeira e promiscua com uma sensualidade nata,
aflorada e instintiva encanta e envolve qualquer homem que desejar, estereótipo
cristalizado no imaginário que atribui a mulher brasileira até os dias atuais o papel
de objeto sexual, a concepção herdeira do pensamento misógino europeu, da
demonização feminina, como tentação demoníaca, transportada para uma realidade
que associa esse conceito a questão racial, da herança colonial da sensualidade
feminina de atrair e satisfazer aos estrangeiros delimitando um espaço feminino
mestiço, erotizado dentro da sociedade, torna-se clara a herança colonial na
construção de um pensamento de Brasil como um paraíso erótico de mulatas.
Firmo o mestiço, narrado como vadio, alguém que busca uma vida de prazer
e tem aversão ao mundo do trabalho, mesmo sendo seu lugar de origem como
parte negro que é, assim o capoeira exerce esporadicamente a ocupação de
torneiro para sustentar sua vida boemia, sempre acompanhado de seu violão
rodeados de amigos negros e mulatos que assim como ele vivem em rodas de
samba, um ritmo musical marginalizado, menosprezado, lido pelo autor de maneira
moralizadora, utilizando de seu estilo naturalista o representa como ritmo sensual,
animalesco por ser originário das classes populares maciçamente composta por
negros e mulatos, mas o samba como toda arte, é carregado de representações
simbólicas, vivencias e experiencias, hoje é um ritmo aceito pelas elites, não pelo
que representa, mas pelo seu valor monetário na dinâmica do mercado. Estes
retratos descritos por Aluísio de Azevedo podem nos revelar muito sobre um
pensamento em franco crescimento no século XVIII, a compreensão de uma
modificação de Brasil, tanto na política como na sociabilidade, compreendendo uma
integração racial, no sentido de seu branqueamento, no apagamento da sua cor, da
sua origem e cultura.
Como já supracitado é por meio dos conceitos da ciência do século XVIII que
se constroem os retratos sobre a figura do negro e na comparação da descrição dos
personagens do texto de Aluísio de Azevedo e das representações em jornais no
livro de Lilia Schwarcz, poderemos pensar os retratos e representações comuns que
propõem a ciência e o senso comum do século XVIII. A ciência substitui a religião
pela medicina e vê nas práticas de matrizes africanas a barbárie, os feiticeiros são
malvistos e temidos por suas práticas desconhecidas e mal-intencionadas. Tal
representação -do bruxo degenerado- assume posição tanto nos jornais como na
obra de Aluísio, no personagem retratado e intitulado como a Bruxa de nome Paula
que assume a representação da preta velha, idiota e louca ao atear fogo ao cortiço,
e um segundo relato: o dos jornais, onde o negro é mostrado como feiticeiro pelos
seus costumes de benzer e remediar doenças através de suas crenças, que em
certo aspecto é respeitada pelo senso comum mas estigmatizada, temida e posta
em xeque a todo momento, pois o negro tem a característica de não ser confiável no
imaginário destes mesmo senso comum, este estereótipo de feiticeiro é muito
comum nas histórias e contos retratados em jornais no bojo do pensamento
cientificista, que ridicularizam esta figura, assim como a religiosidade em geral,
denunciando suas práticas não racionais e retrogradas para a época.
“(Bragança) feiticeiro”
Sendo assim nos fazemos valer de mais uma e essencial discussão, derivada
da pergunta guia para este trabalho: Como as representações do negro e mestiços
na obra O cortiço de Aluísio de Azevedo em comparação a fontes dos jornais de
Schwarz contribuem para a construção de uma memória e identidade negra, para
além, a própria identidade brasileira!? O Brasil já de primeira ordem é herdeiro como
vimos de uma realidade racial muito complexa, poderemos compreender por meio
de uma análise de ideias, como as ideias positivistas contribuem para a formação
destas dinâmicas raciais e para a identidade comum do brasileiro, tais ideias
positivistas, higienistas importadas dão vazão ao mais comum discurso civilizatório,
o Brasil e suas classes dominantes assumem a pretensão de uma sociedade
europeia nos trópicos, como se propõe a teoria do branqueamento e se apresenta
essencial compreender essa dinâmica das ideias positivas como argumentação e
continuidade de um processo não só de branqueamento na prática mas também de
apagamento e substituição das memórias e destruição de culturas, como vimos,
compreender a presença de um uníssono de discursos como ferramental político
dialeticamente conectado com o tecido social ao estudar Brasil e esta temporalidade
é muito importante, e por este motivo a presença de um discurso que assume o
aspecto da modernização conservadora, um destes discursos que de maneira
dialética constroem o pensamento desta época, tal proposta de modernidade do
padrão higienista é excludente, a modernização que só é capaz de socializar a
pobreza, sendo assim o discurso é aspecto e ferramenta e/ou meio comum para tal
sociedade, estes padrões e modelos de pensamentos precisam primeiro ser
identificados e explicitados para compreendermos como se dá a dinâmica das
representações atreladas as memórias e a identidade brasileira.
Por fim, como uma última possibilidade, nos valemos de uma alegoria
pensada por nós, que usa como base os últimos parágrafos da obra: O cortiço, em
que Aluísio de Azevedo faz questão de criticar o movimento abolicionista e sua
hipocrisia e consequentemente a manutenção da estatização da escravidão, mas
também escreve um final para Bertoleza, que para nós - não uma alegoria do
próprio Azevedo - mas uma percepção nossa sobre sua obra. O final de Bertoleza é
a morte, assim como discutimos durante todo o trabalho, o apagamento -morte- de
sua memória, concretizando tanto a tentativa de apagamento na história como o que
intencionava João Romão, dar cabo de Bertoleza, assim como da memória que
tinha dela se pudesse que os outros personagens também tinham, assim Bertoleza
representa mais uma vez o que é retrógrado, a própria escravidão, que se apaga
para dar vazão ao novo, ao moderno, o progresso, representado por João Romão e
seus novos costumes, nesse sentido agora sim como um possível pleito de Azevedo
que positivista e seguidor da ciência escreve alegoricamente um desejo político e
social de apagamento da mão de obra escrava e do passado retrógrado brasileiro
pela substituição do urbano, novo, moderno capitalismo, este discurso político de
apagamento, higienizador, eugenista é presente e recorrente tanto na obra de
Azevedo como nas estruturas da sociedade brasileira até hoje.
Referências Bibliográficas
MÉRIAN, Jean Yves. Aluísio Azevedo: a vida e obra (1987-1913). Rio de Janeiro:
Fundação Biblioteca Nacional: Garamond, 2013.