Paulo Prado

Anlise
Retrato do Brasil Ensaio sobre a tristeza brasileira

Paulo Prado
Heitor Manente Dutra
Introduo
O objetivo deste trabalho est em apresentar como o livro de Paulo Prado, com enfoque em seu captulo Tristeza, dialoga com os demais trabalhos realizados ao longo deste curso. Na leitura do captulo em questo, podemos facilmente observar relaes diretas do uso de ideologias acerca do brasileiro como povo, com a busca de uma identidade nacional. A maneira como seu livro desenvolvido foge de um rigor especificamente historiogrfico, abusando de recursos artsticos desde descries impressionistas mais abrangentes, como as de regies inteiras e suas peculiaridades, at as do emocional individual que representaria determinada classe social inserida no contexto da colnia. Para isto, o autor forma ainda bases culturais do Brasil recolhendo diversos relatos, e ento as analisa criticamente atravs de ferramentas da psicologia, e, especialmente, da especulao e deduo de padres emocionais, que se uniriam aos demais fatores mostrados para formar enfim uma identidade do brasileiro resultante na mais pura melancolia e insatisfao. Para uma melhor compreenso do retrato proposto por Paulo Prado ao prisma dos conceitos adquiridos neste curso, importante ressaltar, alm do prprio contedo do livro em questo, a forma de articulao de suas idias e mesmo a realidade do autor que ocasionaram na busca e interesse de tais ferramentas.
1. O autor e a Identidade Nacional

Vindo de uma influente famlia cafeicultora paulista, Paulo Prado foi um grande investidor, ora em bancos, indstrias ou no mercado imobilirio. Mas, acima de tudo, foi um investidor em cultura. Formado em direito, mas admirador da histria cultural brasileira, era tambm escritor e foi um grande incentivador do movimento modernista no Brasil, tendo financiado e ajudado na organizao de grande parte da Semana de Arte Moderna de 1922. Era, portanto, parte da vanguarda intelectual da dcada de 20, defensora da ruptura com tudo o que era dito tradicional, para a ascenso das idias e artes que refletissem o sculo XX e todas as mudanas agregadas a ele. Entre tais idias, vale destacar, para o foco deste trabalho, a tentativa de um afastamento da antiga memria brasileira para a construo de uma nova identidade nacional. Tema discutido e trabalhado no curso, a construo e/ou manuteno de uma memria, neste caso, particularmente, uma memria nacional, no necessariamente parte de uma rgida anlise histrica de uma determinada nao, e sim da forma como essa memria possa servir de reflexo sociedade presente, garantindo ordem e harmonia na convivncia social. Mas Paulo Prado, em seu carter inconformista, foge de qualquer exaltao a seu povo na sua busca de uma identidade, pois enxerga nele caos, ignorncia e limitao, e, por isso, realiza o projeto de um retrato do Brasil com o intuito de encontrar, no passado colonial, as origens de seus infortnios; e, a partir da, reconhecer os passos para uma ruptura destes costumes. Realiza portanto um processo inverso de construo da memria nacional, atravs da explicitao de uma decadente histria cultural brasileira, que permita, a partir de sua compreenso, sua prpria soluo para uma nova e moderna identidade. Seguindo ainda esta mesma linha, podemos interpretar as intenes de Paulo Prado atravs de mais um trabalho realizado no curso, quando tratando da importncia do retrato brasileiro como parte fundadora da sociedade atual, mas paradoxalmente exterior a ela, j que as ferramentas de anlise usadas pelo autor foram somente possveis atravs das idias desta mesma sociedade atual. Em outras palavras, o conceito de retrato brasileiro formado neste livro tenta determinar um povo pela interpretao de sua origem, mas ao mesmo s existe e compreendido a partir do
momento presente de sua elaborao. Tal conceito, portanto, reflete a histria brasileira tanto quanto refletido por ela.
2. As ferramentas de anlise
Entre os meios usados pelo autor para elaborar seus argumentos, podemos destacar dois principais no foco de nosso curso: primeiramente, a concordncia de suas idias modernas com a metodologia de histria proposta pelo francs Michel de Certeau, a qual rompe com a limitao da Histria como uma cincia presa em si, e pensa na pesquisa historiogrfica como uma teia a ser tecida, trocando informaes e usando de habilidades de outros saberes e cincias. Assim, a pesquisa no seria apenas uma manifestao de um lugar, mas um vnculo dela com sua demarcao e problematizao, preenchendo as lacunas da produo historiogrfica. Paulo Prado, na tentativa de romper com o tradicionalismo positivista do sculo passado, explora desde relatos populares e anlises anteriores, at correntes sociolgicas e dedues da psicologia, entrando tambm no domnio da arte, tal como tinha assumida paixo, com o intuito de enfatizar os argumentos que levariam a um retrato melanclico e catico da nao brasileira. Fica clara em sua obra tambm a posio de Certeau que defende a histria no como um relato do passado, claro e incontestvel, mas sim uma incessante problematizao dele pela narrativa histrica, que depende tambm da capacidade interpretativa e criativa do historiador referente s lacunas e brechas de tal passado. Nas palavras de Paulo Prado: Este retrato foi feito como um quadro impressionista. (...) Desaparecem quase por completo as datas. Restam somente os aspectos, as emoes, a representao mental dos acontecimentos, resultantes estes mais da deduo especulativa do que da seqncia concatenada dos fatos. (...) Considerar a histria, no como uma ressurreio romntica, nem como cincia conjectural, alem; mas como conjunto de meras impresses, procurando no fundo misterioso das foras conscientes ou instintivas, as influncias que dominaram, no correr dos tempos, os indivduos e a coletividade. assim que o quadro para continuar a imagem sugerida insiste em certas manchas, mais luminosas, ou extensas, para tornar mais parecido o retrato
O segundo ponto a ser destacado nas ferramentas de anlise do autor remete ao entendimento de Ideologia de Marilena Chau, tambm discutido em aula, pois reconhece dentro de sua argumentao um discurso ideolgico acerca da identidade brasileira. Como este discurso se desenvolve e de que maneira ele responsvel pelo resultado final do perfil brasileiro proposto o foco do prximo tpico.
3. O Retrato e a Ideologia
A partir do momento em que as caracterizaes do autor frente sociedade colonial abrem um discurso no mais do povo brasileiro, mas sobre ele, podemos encontrar nelas referncias ideolgicas. Em outras palavras, trata-se da forma como o que era uma representao imediata desta sociedade coincide com o que ela seria na realidade, atravs, neste caso, de sua interpretao por parte do autor. A ideologia que busca a identidade nacional ao longo do livro se justifica por dois principais fatores julgados determinantes na condio de sociedade no Brasil: a cobia e/ou ganncia, fruto iniciado pelo carter renascentista do novo portugus, colonizador, aventureiro e oportunista, j com uma influncia mais enfraquecida da Igreja e uma sede insacivel pelo ouro, prevista na poltica mercantilista do pacto colonial; e a luxria, o erotismo, fortalecido pela chegada em uma terra onde tudo incitava ao culto do vcio sexual, desde a distncia do mundo dito por eles, civilizado, at a sensualidade da mulher indgena e a vulnerabilidade da escrava africana. Estes dois fatores se mostram fortalecidos, de acordo com o autor, pelo clima e fora da natureza do Novo Mundo, medida que a imponente selva castigava os colonos, tirando-lhes o desejo de estabelecer um lao afetivo com a terra, e os faz usar dela apenas como o meio de enriquecimento para que um dia pudessem fazer seu glorioso retorno sua ptria dalm mar; e, ao mesmo tempo, o calor e umidade tropicais, somados vida selvagem e desregrada, lhes despertava seu lado mais instintivo e primitivo, e lhes sugeria a luxria, a poligamia, o abuso sexual e a ausncia de qualquer pudor de civilidade. E esta atmosfera carregada pelo desejo carnal e a ambio egosta culminariam numa sociedade mestia e, ainda assim, individualista e conflituosa, corrupta desde o seio das prprias famlias, esgotada biolgica, moral e intelectualmente, insatisfeita, nostlgica pela terra de origem, e, finalmente, melanclica. Todos os elementos que construram o Brasil colonial, ao ver de Paulo Prado, caminhavam para constituir um povo triste. Na luta entre esses apetites sem outro ideal, nem religioso, nem esttico,
sem nenhuma preocupao poltica, intelectual ou artstica criava-se pelo decurso dos sculos uma raa triste. A melancolia dos abusos venreos e a melancolia dos que vivem na idia fixa do enriquecimento (...) so vincos fundos na nossa psych racial, paixes que no conhecem excees no limitado viver instintivo do homem. (...) Foi na exaltao desses instintos que se formou a atmosfera especial em que nasceu, viveu e proliferou o habitante da colnia. estava formado assim o retrato do Brasil.
Concluso
interessante observar como o propsito do retrato de Paulo Prado sustentado ao mesmo tempo por uma ideologia, carregando o fardo da identidade nacional triste, catica e precursora de sua prpria runa, e pela crtica que derruba esta ideologia. Analisemos os conceitos apresentados no curso e brevemente esboados neste trabalho: a memria e/ou identidade nacional construda por uma interpretao ideolgica do passado de uma nao, de forma a garanti-la como unidade, supostamente harmoniosa e homognea. Para isto, se usa do que Marilena Chau chama de lgica da lacuna, deixando espaos em branco entre sua argumentao para manter sua coerncia e sua prpria existncia. A tentativa de preencher estes espaos apenas destruiria um discurso ideolgico para que outro tomasse seu lugar. O papel da crtica, portanto, no est em apresentar um discurso julgado mais verdadeiro, e sim um contradiscurso que desdobrasse todas as contradies de determinada ideologia. Dessa forma, o inconformismo do autor com o rumo de seu povo, e sua tentativa de romper os laos com tal origem de seus infortnios, faz com que seu retrato seja a identidade ideolgica, at ento oculta, da nao brasileira, assim como a crtica que expe toda a runa desta mesma identidade. E concluindo este raciocnio atravs do idia paradoxal do retrato, exposta no primeiro tpico, vemos como ele absorve essa idia em seu proveito para refletir o passado com os olhos e ferramentas do presente, e, por ser reflexo conseqente e assumido deste passado, j se julga concludo, abrindo, finalmente, as portas para sua possvel superao.
BIBLIOGRAFIA
CERTEAU, Michel de. A escrita da histria. Trad. de Maria de Lourdes Menezes e reviso tcnica de Arno Vogel. Rio de Janeiro: Forense / Universitria, 1982. (Vanguarda Terica). LE GOFF, Jacques. Histria e memria. Trad. Bernardo Leito. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990. (Repertrios). CHAUI, Marilena. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. So Paulo: Editora Moderna, 1980. (Contempornea). PRADO, Paulo. Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira. So Paulo: Fonte digital Oficinas Grficas Duprat-Mayena, 2006. (Reunidas) PROST, Antoine. Os Conceitos. In: Doze lies sobre a histria. Trad. Guilherme Joo de Freitas Teixeira. Belo Horizonte: Autntica, 2008. p. 115-131.

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