Exame 2020 F2
Exame 2020 F2
Exame 2020 F2
VERSÃO 1
Não é permitido o uso de corretor. Risque aquilo que pretende que não seja classificado.
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta. Escreva, na folha de respostas, o
grupo, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
parte A
Leia os dois textos e as notas. Na resposta aos itens de 1. a 3., tenha em consideração ambos os textos.
Ouviu passos no corredor, ressoaram discretamente uns nós de dedos na porta, Entre,
palavra que foi rogo, não ordem, e quando a criada abriu, mal a olhando, disse, A janela
estava aberta, não dei por que a chuva entrasse, está o chão todo molhado, e calou-se
repentinamente ao notar que formara, de enfiada, três versos de sete sílabas, redondilha
5 maior, ele, Ricardo Reis, autor de odes1 ditas sáficas ou alcaicas, afinal saiu-nos poeta
popular, por pouco não rematou a quadra, quebrando-lhe o pé por necessidade da métrica,
e a gramática, assim, Agradecia limpasse, porém o entendeu sem mais poesia a criada, que
saiu e voltou com esfregão e balde, e posta de joelhos, serpeando o corpo ao movimento dos
braços, restituiu quanto possível a secura que às madeiras enceradas convém, amanhã lhes
10 deitará uma pouca de cera, Deseja mais alguma coisa, senhor doutor, Não, muito obrigado, e
ambos se olharam de frente, a chuva batia fortíssima nas vidraças, acelerara-se o ritmo, agora
rufava como um tambor, em sobressalto os adormecidos acordavam, Como se chama, e ela
respondeu, Lídia, senhor doutor, e acrescentou, Às ordens do senhor doutor, poderia ter dito
doutra maneira, por exemplo, e bem mais alto, Eis-me aqui, a este extremo autorizada pela
15 recomendação do gerente, Olha lá, ó Lídia, dá tu atenção ao hóspede do duzentos e um, ao
doutor Reis, e ela lha estava dando, mas ele não respondeu, apenas pareceu que repetira o
nome, Lídia, num sussurro, quem sabe se para não o esquecer quando precisasse de voltar
a chamá-la, há pessoas assim, repetem as palavras que ouvem, as pessoas, em verdade,
são papagaios umas das outras, nem há outro modo de aprendizagem, acaso esta reflexão
20 veio fora de propósito porque não a fez Lídia, que é o outro interlocutor, deixemo-la sair então,
se já tem nome, levar dali o balde e o esfregão, vejamos como ficou Ricardo Reis a sorrir
ironicamente, é um jeito de lábios que não engana, quando quem inventou a ironia inventou a
ironia, teve também de inventar o sorriso que lhe declarasse a intenção, alcançamento muito
mais trabalhoso, Lídia, diz, e sorri.
25 Por uma hora ficaram os dois sentados, sem falar. Apenas uma vez Baltasar se levantou
para pôr alguma lenha na fogueira que esmorecia, e uma vez Blimunda espevitou o morrão
da candeia que estava comendo a luz e então, sendo tanta a claridade, pôde Sete-Sóis2 dizer,
Por que foi que perguntaste o meu nome, e Blimunda respondeu, Porque minha mãe o quis
saber e queria que eu o soubesse, Como sabes, se com ela não pudeste falar, Sei que sei, não
30 sei como sei, não faças perguntas a que não posso responder, faze como fizeste, vieste e não
perguntaste porquê, E agora, Se não tens onde viver melhor, fica aqui, Hei de ir para Mafra,
tenho lá família, Mulher3, Pais e uma irmã, Fica, enquanto não fores, será sempre tempo de
partires, Por que queres tu que eu fique, Porque é preciso, Não é razão que me convença, Se
notaS
1 Ricardo
Reis, autor de odes – referência ao heterónimo de Fernando Pessoa, autor de odes, algumas das quais
dedicadas a Lídia.
2 Sete-Sóis – Baltasar.
3 Mulher – pergunta dirigida por Blimunda a Baltasar.
1. Explicite um aspeto que evidencie o papel subalterno de Lídia em relação a Ricardo Reis e um aspeto que
comprove o poder de Blimunda sobre Baltasar.
2. Explique a reação que cada personagem masculina manifesta no final de cada um dos excertos (linhas 21
a 24 e linhas 34 a 37), relativamente às personagens femininas.
3. Complete as afirmações abaixo apresentadas, selecionando a opção adequada a cada espaço.
Na folha de respostas, registe apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o número que
corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.
Quer o excerto de O Ano da Morte de Ricardo Reis quer o excerto de Memorial do Convento ilustram
diversas características da escrita de José Saramago: o tom oralizante do discurso do narrador, que é
acentuado, nomeadamente, a) ; a presença constante de comentários e reflexões críticas, como
se verifica em b) ; o recurso sistemático à ironia, presente, por exemplo, em c) .
a) b) c)
1. pela transgressão das 1. «porém o entendeu sem 1. «palavra que foi rogo,
regras de reprodução mais poesia a criada, que não ordem» (linha 2)
do discurso direto saiu e voltou com esfregão
e balde» (linhas 7 e 8) 2. «Ricardo Reis, autor de
2. pelo uso recorrente de odes ditas sáficas ou
construções anafóricas 2. «há pessoas assim, repetem alcaicas, afinal saiu-nos
as palavras que ouvem, as poeta popular»
3. pela adequação das falas pessoas, em verdade, são (linhas 5 e 6)
das personagens ao papagaios umas das outras»
respetivo estatuto social (linhas 18 e 19) 3. «Sei que sei, não sei como
sei» (linhas 29 e 30)
3. «e então, sendo tanta a
claridade, pôde Sete-Sóis
dizer, Por que foi que
perguntaste o meu nome»
(linhas 27 e 28)
A Lírica Galego-Portuguesa, edição de Elsa Gonçalves e Maria Ana Ramos, 2.ª ed.,
Lisboa, Comunicação, 1985, p. 262.
notaS
1 treides – vinde.
2 Vig’ – Vigo.
3 u – onde.
4 salido – agitado.
5 de grado – de vontade; com gosto.
6 levado – agitado.
7 verra i – virá aí.
4. Refira dois dos sentimentos que motivam o sujeito de enunciação desta cantiga a ir a Vigo. Apresente, para
cada um desses sentimentos, uma transcrição pertinente.
5. Explicite o papel da natureza nesta cantiga, bem como o valor simbólico que assume.
Na folha de respostas, registe apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o número que
corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.
Do ponto de vista formal, esta cantiga classifica-se como paralelística. Uma evidência dessa estrutura
formal é a) .
Quanto ao desenvolvimento temático, é de assinalar, por um lado, o facto de, em todas as estrofes, o
sujeito poético se dirigir a um interlocutor; a partir da terceira estrofe, esse interlocutor passa a ser b) .
Por outro lado, constata-se que, nas duas últimas estrofes, o sentido do verso «E miraremos las ondas!»
evolui, podendo, mais claramente, ser associado c) .
a) b) c)
parte C
7. Escreva uma breve exposição sobre a representação da amada na poesia lírica de Luís de Camões.
• um desenvolvimento no qual explicite duas características da amada representada na lírica camoniana,
fundamentando cada uma delas com referência a poemas lidos;
Fernando Pessoa, ou Álvaro de Campos, sabia do que falava. Todas as cartas de amor
são ridículas. O poema é a mais acertada descrição do género. A epistolografia1 amorosa
quase sempre se revela embaraçosa para grandes autores, sejam eles Dostoievski ou James
Joyce, Beethoven ou Napoleão. A carta de amor estipula uma intimidade que, no papel – e as
5 grandes cartas de amor foram todas concebidas em papel ou não as teríamos hoje disponíveis
para a curiosidade ou emulação2 –, raramente traduz a beleza encriptada da poesia ou a
grandiosidade sociológica da ficção. Quer isto dizer que as melhores cartas de amor foram as
inventadas ou sugeridas nos grandes romances e nos grandes poemas de amor. [...]
Um autor, um artista, devia a si próprio e à sua biografia umas cartas de amor. As damas
10 ainda precisavam da sedução epistolar antes de sucumbirem à sedução fatal. [...]
Não estranhemos que um realista lúcido como Eça escreva uma carta de amor a Emília de
Resende, a mulher com quem se casou, ou que um intelectual como Fernando Pessoa comece
uma carta a Ofélia assim: «Meu Bebé, meu Bebezinho querido». […] Adiante, na dita carta,
Pessoa queixa-se do desinteresse de Ofélia pelas suas doenças, acha que ela se aborrece,
15 e acusa-a de, por estar bem de saúde, se estar ralando para3 o que os outros sofrem. A peça
quase se torna cómica na perseguição de uma relação consigo mesmo, a única relação séria
que Pessoa teve. O poeta despede-se: «Adeus amorzinho, faz o possível por gostares de mim
a valer, por sentires os meus sofrimentos, por desejares o meu bem-estar; faz, ao menos, por
o fingires bem». As Ofélias têm triste sorte na literatura. É, de qualquer modo, uma carta onde
20 Pessoa pôs quanto era neste mínimo que fez, como apregoava Ricardo Reis. […]
E o Eça, o nosso Queirós? Brevemente, diga-se que as cartas eram para a legítima e
traduziam um sentimento não muito diferente do realismo anterior ao casamento, quando em
Newcastle ansiava pelo contrato com uma mulher que lhe serrotasse4 numa manjedoura uma
palha honesta. A Emília, escreve: «Cada dia que passa, agora, me aproxima de si (…). Eu
25 também não realizo bem a situação. Ela não deixa de ser ligeiramente romântica. Separamo-nos
amigos, reencontramo-nos noivos». Passava-se isto em 1885, e menos romântico não se
pode ser naquele advérbio, «ligeiramente». Eça, como Pessoa, nunca se desmentiu.
Se quisermos uma carta de amor a preceito na nossa língua, uma carta de romântico em
pleno Romantismo e espigada por um grande escritor romântico, temos de recorrer a Garrett,
30 João Baptista de Almeida Garrett, visconde. E às Cartas de Amor à Viscondessa da Luz,
de seu nome Rosa Montufar Barreiros, casada com um oficial do Exército da confiança de
D. Maria II e feito Visconde de Nossa Senhora da Luz. […] Garrett jura que não existe para ele
nenhuma outra mulher, embora tentasse, o espírito rebelava-se e o coração ficava indiferente.
E remata, romanticamente, amorosamente, galhardamente: «Eu a ninguém amei, a ninguém
35 hei de amar senão a ti». Isto, senhoras e senhores, é uma carta de amor. Não foi apenas
à viscondessa da Luz que Garrett as escreveu. Houve outras, não menos apaixonadas. O
homem era sincero em todas.
Clara Ferreira Alves, «Todas as cartas de amor são ridículas e outras nem chegam a sê-lo»,
in E – A Revista do Expresso, 19 de janeiro de 2019, pp. 22-23.
notaS
1 epistolografia – arte de escrever epístolas ou cartas.
2 emulação – imitação.
3 se estar ralando para – não se preocupar com.
4 serrotasse – cortasse com um serrote.
(A) o poema «Todas as cartas de amor são ridículas», de Álvaro de Campos, caracteriza
adequadamente o género epistolográfico.
(B) os grandes autores se sentem constrangidos quando escrevem cartas de amor, pois revelam
a sua intimidade.
(C) as cartas de amor ficcionais, pela expressão vívida e poética dos sentimentos, superam as cartas
de amor reais.
(D) a epistolografia amorosa, quando registada em papel, expressa de forma insuficiente os anseios
de alma dos enamorados.
2. De acordo com o conteúdo do terceiro parágrafo, a afirmação «Pessoa pôs quanto era neste mínimo
que fez» (linha 20) sublinha a ideia de que o poeta, nas cartas a Ofélia,
3. Contrapondo as cartas que Eça de Queirós escreveu a Emília de Resende às que Almeida Garrett
escreveu à Viscondessa da Luz, a autora destaca
4. No contexto em que ocorre, a frase «Isto, senhoras e senhores, é uma carta de amor.» (linha 35)
constitui um exemplo de ironia, porque Garrett
5. A forma verbal «estipula» (linha 4) exprime um valor aspetual genérico, tal como a forma verbal
Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta
palavras, faça a apreciação crítica do cartoon abaixo apresentado, da autoria de Predrag Srbljanin.
Fonte: www.cartoonmouvement.com
(consultado em 07/10/2019).
Observações:
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco,
1. P
mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma
única palavra, independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2020/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –,
há que atender ao seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto
produzido;
−− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
FIM
COTAÇÕES