Pajubá Ocódigo Linguístico Da Comunidade LGBT
Pajubá Ocódigo Linguístico Da Comunidade LGBT
Pajubá Ocódigo Linguístico Da Comunidade LGBT
Manaus-AM
2017
RENATO RÉGIS BARROSO
Manaus-AM
2017
RENATO RÉGIS BARROSO
_________________________________________________________
Prof. Dr. Valteir Martins – Orientador e presidente da banca
Universidade do Estado do Amazonas
__________________________________________________________
Profa. Dra. Raynice Geraldine Pereira da Silva – Membro titular externo
Universidade Federal do Amazonas
__________________________________________________________
Prof. Dr. Maurício Gomes de Matos – Membro titular interno
Universidade do Estado do Amazonas
Ao jornalista Vítor Ângelo Scippe,
pseudônimo Ângelo Vip, autor da Aurélia
A Dicionária da Língua Afiada, com quem
tive o privilégio de conversar sobre o
Pajubá.
(In Memoriam)
AGRADECIMENTOS
“O amor é essencial
O sexo é só um acidente.
Pode ser igual
Ou diferente.
O homem não é um animal:
É uma carne inteligente,
Embora às vezes doente.
Fernando Pessoa
RESUMO
ABSTRACT
This work presents an anthropological linguistic study, which proposes to analyze the spoken
code used by the LGBT community, more precisely, the pajuba, originating from the contact
between the Yoruba African language and the Portuguese language with a little use of French,
English and Indian language. As an objective, our research aimed at the analysis of it as a
linguistic code of resistance used by the homoaffective community, making a survey of the
items that enter into its formation and its linguistic peculiarities; as well as to trace it way
towards anthropology in order to show its importance in the process of the Bourgeois habitus.
We also study their relationship with sociolinguistics in the process of euphemizing the
pornographic phrases spoken by homosexuals, and how this code helps in the fight against
homophobia. Data for the research were collected through individual and group interviews,
experience reports and virtual polls with participants from the homosexual and heterosexual
communities, ranging in age from 18 to 63 years. In the end, as results, we seek to prove the
pajuba as a slang and its importance in the identity process of the LGBT community.
Key-words: pajuba; slang; gay.
LISTA DE ABREVIATURAS/ SIGLAS/ ACRÔNIMOS
AC – Análise da Conversação
AD – Análise do Discurso
AIDS – Acquired Immune Deficiency Syndrome
AL – Antropologia Linguística
ALE – Assembleia Legislativa do Estado
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CF – Constituição Federal
COFECUB – French Committee for the Evaluation of Academic and Scientific Cooperation
with Brazil
CV – Consoante/Vogal
DRAG – Dressed Resembling A Girl (vestido parecido como mulher)
EI – Expressão idiomática
GELA – Grupo de Estudos de Línguas Africanas
HIV – Human Immunodeficiency Virus
ID – Identidade de gênero
LA – Língua Africana
LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis/Transexuais e Transgêneros
LLACAN – Centre National Langage, Languest et Cultures d’Afrique Noire
LP – Língua Portuguesa
LT – Linguística Textual
PB – Português Brasileiro
TJ – Tribunal de Justiça
UFF – Universidade Federal Fluminense
UL – Unidade Lexical
USP – Universidade de São Paulo
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE TABELAS
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE APÊNDICES
LISTA DE ANEXOS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................... 17
APRESENTAÇÃO DA METODOLOGIA ............................................. 23
Capítulo 1 - Material e Métodos ............................................................... 22
1.1. Tipo de pesquisa .................................................................................... 22
1.2. Participantes .......................................................................................... 23
1.3. Área de Estudo ..................................................................................... 24
1.4. Técnicas e Procedimentos para a Coleta de Dados .............................. 25
1.5. Considerações Finais ............................................................................ 26
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................ 28
Capítulo 2 – A Origem do Pajubá ........................................................... 28
2.1. Linguagem e Língua .............................................................................. 28
2.2. Dialeto, Idioleto, Pidgins e Crioulo ...................................................... 30
2.3. Línguas Africanas e o Português Brasileiro .......................................... 32
2.4. As Línguas Africanas no Candomblé .................................................... 35
2.5. A Homossexualidade nos Cultos Afro-brasileiros ................................ 39
2.6. Pajubá: Gíria gay ou Língua gay? ........................................................ 42
2.7. Considerações Finais ........................................................................... 44
RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................. 45
Capítulo 3–A Formação do Pajubá .......................................................... 45
3.1. Termos de origem africana .................................................................... 45
3.2. A Metaforização ................................................................................... 50
3.3. O Universo dos Antropônimos ............................................................. 53
3.4. Expressões Idiomáticas (EIs) ............................................................... 55
3.5. Termos de Origem Indígena .................................................................. 57
3.6. O Termo justaposto (-SSIMI) e a Presença do Morfema Verbal
(-TES) ........................................................................................................... 59
3.7. Os Verbos como Modalizadores Discursivos no Pajubá ....................... 63
3.8. Particularidades no Universo Linguístico do Pajubá ............................
3.8.1. Processos Fonéticos e Fonológicos no Pajubá ................................... 66
3.8.2. Processos Morfológicos no Pajubá...................................................... 67
3.8.3. Processos Sintáticos no Pajubá ........................................................... 70
3.8.4. Processos Semânticos no Pajubá ........................................................ 72
3.9. Considerações Finais ............................................................................. 74
Capítulo 4 – O Pajubá como Código Linguístico de Resistência da
Comunidade LGBT................................................................. ................... 76
4.1. O Pajubá e seu viés com a Linguística-Antropológica .......................... 76
4.2. O Pajubá como Fator de Identidade Linguística .................................. 78
4.3. Toda a comunidade LGBT fala o Pajubá? .......................................... 81
4.4. O Pajubá e o processo do Habitus bourdiesiano................................... 87
4.5. O Pajubá e a Sociolinguística: um código eufêmico da fala
homoafetiva .................................................................................................. 91
4.6. Considerações Finais ........................................................................... 101
CONCLUSÃO ........................................................................................... 104
REFERÊNCIAS ........................................................................................ 109
APÊNDICES ............................................................................................. 115
ANEXOS..................................................................................................... 142
INTRODUÇÃO
O interesse pela temática LGBT1, no universo acadêmico, cresceu nos últimos anos,
sobretudo àqueles ligados aos direitos civis dos homossexuais e ao combate à homofobia. É
nesse âmbito que a presente pesquisa se enquadra, mais especificamente no estudo do código
linguístico das lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, sobretudo a
fala dos gays masculinos e travestis. É importante frisar que o embasamento teórico é
pautado, principalmente, na linguística antropológica para melhor compreender a relação do
habitus bourdiesiano, porém o que enriquece a pesquisa é o corpus deste trabalho,
caracterizado pela natureza da oralidade da comunidade LGBT.
Para a linguística antropológica, que estuda o ser humano a partir da linguagem com
que se comunica pautada em seu processo cultural, o pajubá não só é um código de prevenção
e diversão criado pelos gays, mas também um processo de identificação linguística. É por
meio dele que os gays mais jovens, geralmente, iniciam o seu processo de adesão ao meio
LGBT, o que, popularmente, conhecemos como “sair do armário” ou do inglês “coming out”,
e procuram enquadrar-se em uma das categorias de identidade de gênero existentes na
sociedade.
...é através da estrutura social mais ampla que se oferecem os padrões de identidade.
Assim, os indivíduos buscam encontrar qual padrão mais se assemelha à sua
personalidade, como uma espécie de escolha consciente do que se quer ser naquele
momento e naquele espaço específico. (OLIVEN, 2007)
1
LGBT (ou LGBTTT) é a sigla de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros, que
consistem em diferentes tipos de orientações sexuais. A sigla aqui adotada, LGBT segue deliberação da
I Conferência Nacional LGBT, realizada em 2008. Há controvérsias quanto à nomeação de todos os Ts, a
inclusão de um Q (para queers) ou um A (para assexuais), um I (para intersexos), mas há consenso na busca por
inclusão das mais variadas dimensões da construção das desigualdades trazendo à tona pertencimentos sexuais e
de gênero. [ver: Daniliauskas, 2011]
2
Iorubá (Èdè Yorùbá), por vezes referida como yorubá é um idioma da família linguística nígero-congolesa
falado secularmente pelos iorubás em diversos países como Nigéria, Benim, Togo e Serra, e no Brasil dentro de
um contínuo cultural-linguístico composto por 22 milhões a 30 milhões de falantes. No continente americano, o
iorubá é usado em ritos religiosos afro-brasileiros (onde é chamado de nagô) [ver: Queiroz, 1984]
17
Salienta-se que enquanto objeto de estudo, ele é um código linguístico criado por essa
comunidade e disseminado através da mídia escrita e televisiva e, atualmente, com a sua
divulgação por meio das redes sociais.
Segundo Trevisan (2000), um aspecto fundamental a ser mencionado sobre a
disseminação do linguajar homoafetivo é que ele se dá no final da década de 70 e início de 80,
logo após a época do período da ditadura militar, que censurava todos que fossem contra os
ideais do governo. Logo após a derrocada, vários grupos ganharam destaque no país e, entre
eles, destaca-se o grupo dos homossexuais.
Foi no final da década de 70, que um grupo composto por 11 intelectuais (Darcy
Penteado, Adão Costa, Aguinaldo Silva, Antonio Chrysóstomo, Clóvis Marques, Francisco
Bittencourt, Gasparino Damata, Jean-Claude Bernardet, João Antônio Mascarenhas, Peter Fry
e João Silvério Trevisan), protagonizou a criação do primeiro jornal homossexual brasileiro.
Para nos familiarizar um pouco mais sobre a existência do pajubá e sua evolução no
decorrer da história travada pela luta dos homossexuais para ter voz e vez na sociedade, é
importante traçarmos um contexto cronológico de quando as expressões gays começaram a se
disseminar até chegar ao termo pajubá, como, atualmente, é denominado o código linguístico
da comunidade LGBT. Para isso, comecemos pelos primeiros suportes que trouxeram para o
público gay, assuntos focados na sua realidade.
O Lampião da Esquina, que circulou de 1978 a 1981, foi o primeiro jornal com
temática homossexual no Brasil, publicado em formato de tabloides, trazia editoriais fixos
como: Cartas na mesa (interação entre cartas enviadas pelo público ao jornal para serem
respondidas); Esquina (voltado para as reportagens e notícias); uma coluna chamada Bixórdia
(onde começava a se propagar expressões do universo gay); além de espaço para informações
culturais, indicação de livros, exposições, shows e filmes e, por fim, a coluna de entrevista
com personalidades gays da época. O propósito do suporte era tirar os gays da margem social
e dar “voz” ao discurso dessa classe considerada minoritária. O jornal teve 37 edições. [Cf.
Trevisan 2000]
...um jornal homossexual, para quê? (...)Nossa resposta, no entanto, é esta: é
preciso dizer não ao gueto e, em consequência, sair dele. O que nos interessa
é destruir a imagem-padrão que se faz do homossexual, segundo a qual ele é
um ser que vive nas sombras, que prefere a noite, que encara a sua
preferência sexual como uma espécie de maldição, que é dado aos ademanes
e que sempre esbarra, em qualquer tentativa de se realizar mais amplamente
enquanto ser humano, neste fator capital: seu sexo não é aquele que ele
desejaria ter. Para acabar com essa imagem-padrão, LAMPIÃO não pretende
soluçar a opressão nossa de cada dia, nem pressionar válvulas de escape.
Apenas lembrará que uma parte estatisticamente definível da população
brasileira, por carregar nas costas o estigma da não-reprodutividade numa
sociedade petrificada na mitologia hebraico-cristã, deve ser caracterizada
18
como uma minoria oprimida. E uma minoria, é elementar nos dias de hoje,
precisa de voz. (...)LAMPIÃO deixa bem claro o que vai orientar a sua luta:
nós nos empenharemos em desmoralizar esse conceito que alguns nos
querem impor – que nossa preferência sexual possa interferir negativamente
em nossa atuação dentro do mundo em que vivemos. (Conselho editorial,
edição experimental nº 0, abril, 1978)
3
O gongá ou congá, normalmente, situa-se no fundo do terreiro, de frente para o público. É composto por uma
mesa onde ficam as imagens e outros apetrechos religiosos e tem uma relação estreita com o que está em baixo:
os assentamentos ou os fundamentos do terreiro. Sua disposição é diversificada, podendo haver imagens de Jesus
Cristo, mas nunca crucificado, de santos, de guias, de anjos, ou símbolos representativos destas entidades, além
de flores, copos com água, velas, pedras e livros. Um ponto em comum é a ausência de imagens de exu e pomba-
gira. Cada congá possui uma forma própria, que sofre a influência do chefe carnal e espiritual do terreiro. É
representativo da individualidade, conferindo uma identidade a cada terreiro. O congá, muitas vezes, é chamado
de altar, em referência ao altar cristão. [ ver: GOMES, 1989]
19
homossexuais começaram a aprender alguns termos do iorubá e, consequentemente,
começaram a reproduzir nas ruas, formando uma legião de falantes.
Adotada pela comunidade LGBT como uma “língua-de-resistência”, o pajubá, ao ser
transportado para fora do ambiente religioso, começa a sofrer pequenas mudanças, por meio
da dinâmica da língua de acordo com o seu contexto de comunicação. Essas alterações podem
ser de natureza fônica ou semântica, como discorreremos no capítulo três deste trabalho.
Embora o pajubá tenha como significado africano o sentido de ‘segredo’, para
contrariar ou, até mesmo, para torná-lo extrovertido, os homossexuais formularam um
significado inverso ao que foi dado pelo iorubá. Para a comunidade LGBT, pajubá quer dizer
‘fofoca’ ou ‘novidade’, já que os gays gostam de espalhar alegria por onde passam e,
geralmente, falam sobre assuntos diversos como moda, cultura, lazer, sexo, casamento, entre
outros.
Um fator negativo que podemos observar, no que condiz ao universo gay, é que
mesmo diante de tanta informação propagada, ainda exista um pequeno grupo na sociedade
que veja os homossexuais pelo seu caráter inferior e desviante, como se tudo que fizesse fosse
contra a moral e os bons costumes da sociedade. Infelizmente, ainda há uma parcela da
sociedade brasileira que esconde o homossexual no campo do proibido. Assim, acaba
deixando a sua luta por visibilidade ainda mais difícil.
É por esse motivo que nossa pesquisa visa a contribuir aos que estão dentro e fora
desta classe tão vilipendiada, fazendo com que todos percebam que a comunidade LGBT é
detentora de sua própria identidade. Que comungam de um mesmo código em busca de
equidade. O pajubá surge, nessa instância, como uma forma de proteção e também de união.
A comunidade homoafetiva, atualmente, desdobra-se em vários segmentos de gêneros,
todavia a luta por igualdade de direitos é coletiva. A partir do momento em que ocorre o
incômodo, somos levados a pensar que algum espaço começa a ser conquistado nesse sentido,
e é por meio da língua que se inicia a construção de uma ideologia que enxergue os
homossexuais como seres criativos e autênticos. Prova disso, é a criação de um código
linguístico de resistência, que se condecora como gíria. Acerca disso podemos incitar a
discussão postulada no conceito de Pretti (2004), quando ele se posiciona com relação a esse
fenômeno linguístico
Quando falamos em gíria, devemos ter presente um fenômeno tipicamente
sociolinguístico, que pode ser estudado sob duas perspectivas: a primeira, a
da chamada gíria de grupo, isto é, a de um vocabulário de grupos sociais
restritos, cujo comportamento se afasta da maioria, seja pelo inusitado, seja
pelo conflito que estabelecem com a sociedade. Inusitados são, por exemplo,
os grupos jovens ligados à música, à dança, às diversões... (PRETTI, 2004)
20
Atualmente, temos muitas tribos urbanas nas grandes metrópoles. E, trazendo para o
universo marginal, podemos ilustrar os chamados “galerosos”, em Manaus, ou os “favelados”
no Rio de Janeiro, que fazem uso de um código linguístico formado apenas por expressões da
língua portuguesa que é sua língua nativa. A partir desse cerne que nos faz instigar a
discussão sobre a prospecção de o pajubá ser um pidgin4, posto ser formado do contato de
duas línguas – o iorubá, de origem africana, e o português brasileiro, como língua nativa.
Cabe deixar claro que para o pajubá se fomentar como pidgin linguístico seria necessário o
contato entre dois povos diferentes, que não é o caso da comunidade LGBT, que tem como
língua nativa o português brasileiro, apenas incorporando léxicos do iorubá, com doses de
inglês e francês. Para exemplificar tudo isso, podemos citar dentro do universo africano da
língua iorubá expressões como: erê (menino), ageum (comida), acué (dinheiro), ebó (feitiço),
odara (grande), e como ilustração do inglês boy (garoto) e do francês, bas-fond (lugar do
babado ou escândalo). O que acontece na comunidade LGBT para que conceituemos o
pajubá como gíria é o fato de os homossexuais estarem inseridos numa classe marginal, ou
seja, aqueles que vivem às margens da sociedade. É importante mensurar que as expressões
usadas pelo grupo LGBT, no que concerne à língua iorubá, alteram determinados
significados, quando empregados no português brasileiro (PB).
Por todas as razões presentes no universo do código linguístico da comunidade LGBT,
nossa pesquisa objetiva analisar o pajubá na construção da identidade linguística desta tribo
urbana; a sua origem e os processos envolvidos na sua formação; além de analisar a sua
relação apoiado nos estudos da linguística antropológica; e, por fim, a sua relação dentro da
sociolinguística no que tange ao processo de eufemismo provocado pelo uso das expressões
do universo gay. Como metodologia adotada, preferimos dar um espaço especial que será
apresentado no primeiro capítulo de nosso trabalho. De antemão, podemos afirmar que se
trata de uma pesquisa majoritariamente exploratória, enriquecida por meio de entrevistas,
enquetes e conversas em grupos.
Com maestria, nosso estudo está organizado em quatro capítulos. No primeiro,
apresentaremos todos os passos da metodologia usada na pesquisa. No segundo, traremos da
nossa fundamentação teórica, discorrendo sobre os conceitos de linguagem, língua, dialeto,
idioleto, pidgins e crioulo; além de apresentar o contato das línguas africanas com o português
brasileiro e o papel desempenhado pelos homossexuais nos cultos afro-brasileiros. É nele que
discorreremos sobre a classificação linguística para o fenômeno do pajubá; além de apontar a
4
Pidgin é um sistema de comunicação linguística que não tem falantes nativos, sempre utilizado como segunda
língua, e que resulta do contato entre grupos falantes de línguas diferentes. [ver: Calvet, 2002]
21
sua origem e como se deu o seu processo de evolução. No terceiro e quarto capítulos,
trataremos dos resultados e discutiremos os dados obtidos por meio de nossa pesquisa de
campo. Procurando organizar da melhor forma possível, optamos, nessa última fase, dividir
em dois capítulos, onde um apresentará os processos de formação do pajubá e suas
particularidades linguísticas; e no outro, o pajubá como código linguístico de resistência da
comunidade LGBT, pautados na teoria do Habitus de Pierre Bourdieu.
22
APRESENTAÇÃO DA METODOLOGIA
23
1.2. Participantes
Os participantes envolvidos nas entrevistas para o nosso estudo foram pessoas naturais
de Manaus/AM, que não moraram fora da cidade durante os últimos 5 anos, classificadas nos
seguintes gêneros:
a) Lésbicas;
b) Gays;
c) Bissexuais;
d) Travestis;
e) Transexuais;
f) Transgêneros; e
g) Heterossexuais masculino e feminino.
Constituíram para a amostra (20 entrevistados), cuja faixa etária varia de 18 a 63 anos,
autoidentificados de acordo com sua identidade de gênero, de diferentes graus de escolaridade
e profissão, sendo que o último, transformamos em relato de experiência por se tratar de um
homem transgênero e, atualmente, essa identidade ainda causar dúvida na sociedade. Além
dos entrevistados, foi feita uma enquete com 423 pessoas de vários lugares do Brasil com
perguntas relacionadas ao tema, com o propósito de observar até que ponto o pajubá é
conhecido pela sociedade. Os referidos modelos dos documentos (questionário e enquete),
encontram-se nos apêndices de nosso trabalho.
Tabela 1 – Perfil dos entrevistados
Idade Escolaridade Profissão Local da Classificação de
Entrevista Gênero
Entrevistado 1 63 Doutor Professor Sauna gay Gay
(H2O)
Entrevistado 2 29 Mestre Psicólogo Cine Pub Gay
Entrevistado 3 28 Médio Profissional do Rua do Centro Travesti
Incompleto Sexo
Entrevistado 4 23 Médio Auxiliar de Boate Travesti
incompleto cabeleireiro
Entrevistado 5 36 Superior Jornalista Academia Drag-queen
Entrevistado 6 21 Médio Estudante Praça do Largo Lésbica
incompleto
Entrevistado 7 32 Superior Professora Instituição de Lésbica
Completo Ensino Superior
Entrevistado 8 30 Especialista Médico Sauna H2O Bissexual
Entrevistado 9 39 Fundamental Cabeleireiro Esquenta da Transformista
Completo Parada gay
Entrevistado 10 32 Mestrando Advogado Instituição de Crossdresser
Ensino Superior
Entrevistado 11 24 Médio Técnico Técnica de Sambódromo Transexual
Enfermagem carnaval
24
Entrevistado 12 42 Doutor Professor Instituição de Gay
Ensino Superior
Entrevistado 13 26 Mestre Analista TJ/AM Gay
Judiciário
Entrevistado 14 29 Superior Empresária Banda da Bica Heterossexual
incompleto
Entrevistado 15 30 Superior Bancário Banda da Heterossexual
completo Difusora
Entrevistado 16 22 Médio Completo Garoto de Sauna H20 Bissexual
programa
Entrevistado 17 18 Superior Auxiliar de Banda do galo Heterossexual
incompleto almoxarifado
Entrevistado 18 50 Superior Professor de Quadra de Gay
completo Ed. Física ensaio de dança
Entrevistado 19 19 Médio Técnico Esteticista Terminal de Gay
incompleto Integração
5
Cisgênero ou Cissexual - A origem da palavra vem do latim, onde o prefixo cis- significa "ao lado de" ou "no
mesmo lado de", fazendo alusão à identificação, à concordância da identidade de gênero da pessoa com sua
configuração genital e hormonal. O prefixo cis- é o oposto latino ao prefixo trans-. São termos utilizados para se
referir às pessoas cujo gênero é o mesmo que o designado em seu nascimento. Isto é, configura uma
concordância entre a identidade de gênero e um indivíduo com o gênero associado ao seu sexo biológico e/ou
designação social. Ou seja, masculino é homem e feminino é mulher. O termo referencia o fenômeno social, e
não se trata de uma das identidades de gênero, mas sim o seu alinhamento, de forma que pessoas intersexo
podem ser cisgênero ou não. Por vezes, a definição de cisgênero leva em conta também o comportamento ou
papel de gênero do indivíduo designado menino ao nascer de identidade masculina binária e do indivíduo
designado menina ao nascer de identidade feminina binária estar relativamente dentro do que é considerado
socialmente aceito para tais gêneros. Em algumas situações, cisgênero começa a ser usado para identificar uma
identidade de gênero concordante com um dos géneros binários, considerando menos o sexo biológico do
indivíduo, e mais a socialização que este teve em relação ao gênero. Nesta perspectiva, cisgênero é o contraste
de transgênero. [ver: Jesus, 2011]
25
1.3. Área de estudo
Figura 1 - Vista parcial de Manaus
O foco desta pesquisa é a cidade de Manaus, que representa o grande centro urbano do
Amazonas. Como capital do estado do Amazonas, Manaus limita-se ao norte com o
município de Presidente Figueiredo, ao sul com os municípios de Iranduba e Careiro, a leste
com os municípios de Rio Preto da Eva e Itacoatiara e a oeste com o município de Novo
Airão.
De acordo com dados do IBGE (2014), a capital é considerada a maior cidade do norte
brasileiro, com área de abrangência em acelerada expansão. A superfície total do Município é
de 11.458,5km2 (Lei Municipal nº 279, de 05 de abril de 1995), equivalendo a 0,73% do
território do Estado do Amazonas, que abrange 1.577.820,2 km2. Sua latitude corresponde a
03o 06'07 e longitude 60o01'30. [ver: BDMEP – Banco de Dados Meteorológicos para Ensino
e Peaquisa, 2014]
1.4. Técnicas e procedimentos para a coleta de dados
Para a coleta de dados em campo foram realizadas entrevistas, conversas informais
com os sujeitos sociais envolvidos, relatos orais e observação participativa.
Tabela 2- Técnicas selecionadas para a coleta de dados e suas descrições.
Técnicas Descrição
Observação Permite que o pesquisador faça parte da rotina dos sujeitos da pesquisa, como por
participativa exemplos, participação em eventos, festas e encontros.
26
incluir tanto estudo de caso único quanto múltiplos, assim como abordagens quantitativas e
qualitativas de pesquisa. Para este autor, de forma sintética, podem ser as aplicações para o
método do estudo de caso os seguintes princípios: descrever o contexto da vida real no qual a
intervenção ocorreu; avaliar, ainda que de forma descritiva, uma dada intervenção; e explorar
aquelas situações em que as intervenções avaliadas não possuam resultados claros e
específicos.
Para Araújo (2008), o estudo de caso trata-se de uma abordagem metodológica de
investigação especialmente adequada quando procuramos compreender, explorar ou descrever
acontecimentos e contextos complexos, nos quais estão simultaneamente envolvidos diversos
fatores.
No que se refere às técnicas de pesquisa para a coleta de dados foram feitas reuniões
participativas com os sujeitos sociais, a fim de esclarecer os objetivos da referida pesquisa,
suas perspectivas e anseios. A coleta de dados para a pesquisa bibliográfica foi feita através
de obras já conceituadas dentro do universo da temática LGBT e revistas de mesmo cunho
nacional e regional. Também fizemos um levantamento de sites ligados à temática
homossexual, além de teses, artigos e publicações em páginas referentes ao tema em questão.
O acesso à internet nos permitiu conhecer e analisar sites diversos sobre sexualidade,
dando destaque às páginas de grupos organizados e fóruns de discussão. Entre as páginas
mais pesquisadas demos preferência àquelas estritamente ligadas à temática LGBT, bem
como às páginas de organizações não-governamentais, com destaque para as de combate a
AIDS e Direitos Humanos.
A pesquisa de campo, por sua vez, foi que conseguiu, de fato, materializar o nosso
trabalho com dados super-relevantes como: saída do armário; identidade linguística gay;
homofobia e outros assuntos ligados à homossexualidade. Os dados desta fase foram
coletados por meio de entrevistas gravadas e de anotações feitas durante as conversas. Um
aspecto que foi muito eficiente, sem dúvida, foram as discussões em grupos LGBTs, pois
conseguíamos perceber, com naturalidade, os aspectos de interação do uso do pajubá como
um código linguístico da comunidade. Outro item usado, nesta fase, foi o levantamento de
informações por enquete nas redes sociais, já que, atualmente, elas são consideradas veículos
velozes de comunicação e disseminação. O uso de enquete proporcionou os dados
quantitativos para a nossa pesquisa, cujos elementos estatísticos se encontram em formato de
tabelas e gráficos para uma melhor compreensão de nossos resultados.
27
1.5. Considerações Finais
No primeiro capítulo de nosso trabalho, reservamos para a metodologia adotada na
pesquisa, posto ter sido o “carro-chefe”. Foi através do corpus que conseguimos coletar,
grande parte das informações necessárias para a formulação dos argumentos. Para isso
procuramos entrevistar todas as categorias de identidade de gênero para observar se o pajubá
é falado por todos os membros da comunidade LGBT, ou somente por uma categoria
específica. Nesse processo contamos com 20 entrevistados, distribuídos entre gays, lésbicas,
bissexuais, heterossexuais, travestis; além destes, uma drag-queen, um transformista, um
crossdresser e um transgênero, que especificaremos melhor em nosso último capítulo. Nosso
propósito nessa etapa serviu para perceber, por meio da fala dos participantes itens como: o
uso do pajubá; se havia variante entre as categorias; se alguma categoria de gênero usava mais
os termos do que outra; a sua posição quanto ao processo de identificação linguística; se os
participantes entendiam o pajubá como uma língua de resistência contra a homofobia; e, se o
pajubá eufemizava a maneira de falar da comunidade, entre outros aspectos que achamos
relevantes. Tudo foi realizado por meio de questionários estruturado e semiestruturado,
conversas em grupos de forma dinamizada e relatos de experiência; além de enquetes por
meio das redes sociais com 423 participantes. A seleção dos mesmos foi feita, ora por uma
rede de contatos, ora de forma ocasional. Embora nossa pesquisa tenha se expandido, em
nível de entrevista, por alguns municípios do Estado do Amazonas, e algumas metrópoles
brasileiras, foram dos entrevistados de Manaus que colhemos as informações para a
construção do nosso trabalho.
28
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Capítulo 2 - A Origem do Pajubá
“Língua e linguagem são apenas uma mesma coisa: uma é a
generalização da outra. Querer estudar a linguagem sem se dar ao
trabalho de estudar suas diversas manifestações que, evidentemente,
são as línguas, é uma empreitada absolutamente inútil e quimérica.
(SAUSSURE, 1970, p. 236)
No intuito de conferir mais clareza ao tema abordado, nosso segundo capítulo visa a
mostrar de onde vem o pajubá até chegar à fala da comunidade LGBT. Para isso,
estruturamos nossa fundamentação em seis partes. A primeira busca conceituar linguagem e
língua, posto os termos, atualmente, serem extremamente abrangentes e dicotômicos. A
segunda, trata dos elementos fundamentais para uma melhor compreensão do que é dialeto,
idioleto, pidgin e crioulo. A terceira, línguas africanas e o português brasileiro, trata dos
primeiros estudos realizados no Brasil acerca da forte influência da língua africana no PB. A
quarta, as línguas africanas no candomblé, mostra um pouco da religião da qual os
homossexuais se tornaram adeptos e da fonte que os impulsionaram ao uso do pajubá, ou seja,
a língua iorubá. A quinta, a homossexualidade nos cultos afro-brasileiros, procura abordar a
relação de status dos homossexuais e o seu papel feminino na hora em que estão atuando, ou
seja, no momento em que recebem a entidade. E, por último, Pajubá: gíria-gay ou língua-gay?
Para dar um enfoque especial ao tema de nosso trabalho.
2.1. Linguagem e língua
Para Sapir (1980) “a linguagem é um método puramente humano e não instintivo de se
comunicar ideias, emoções e desejos por meio de símbolos voluntariamente produzidos”.
Todavia essa definição é passível de defeitos, conforme afirma Lyons (1987), pois “a
linguagem proporciona muito mais do que isso, tendo em vista que ela ressalta a importância
do processo de interação entre os indivíduos”. É exatamente o que ocorre quando os gays se
comunicam fazendo uso do pajubá.
Segundo Halliday (1994), a “linguagem existe para atender às necessidades do ser
humano e sua organização funcional, portanto, ela não é arbitrária”. Por essa razão, o estudo
da gramática e das palavras escolhidas para compor um texto visa à interpretação das
escolhas, levando em conta o contexto em que são produzidas.
Como podemos observar nos conceitos formais de linguagem postulados por Sapir,
Lyons e Halliday, a linguagem está sempre próxima da comunicação, pois se ela não
29
consegue ser compreendida, a comunicação não se efetua. Assim, não abrirá o canal de
comunicação entre emissor e receptor como conceitua os estudos de Jakobson (2001).
Portanto, o conceito de Linguagem, faz-nos atentar a todas as teorias que já foram
discutidas até aqui sobre a sua importância na sociedade. Por esse motivo, no mundo
globalizado, repleto de tecnologias e recursos informativos, vemo-nos cercados de expressões
que enriquecem a fala de várias comunidades como, por exemplo, a adotada pelos LGBTs.
No que se refere ao conceito de Língua, para Saussure (1970), a “langue constitui um
sistema linguístico de base social que é utilizado como meio de comunicação pelos membros
de uma determinada comunidade”. Portanto, ela constitui um fenômeno coletivo, sendo
compartilhada e produzida socialmente.
Para Bakhtin (1929) numa perspectiva Discursiva, “a língua é uma atividade de um
processo criativo ininterrupto de construção que se materializa sob a forma de atos de fala
individuais”. E, como abordagem conceitual na visão Sociolinguística, a língua, para Calvet
(2002), “é como um sistema que conhece apenas sua ordem própria, ou seja, não existem sem
as pessoas que as falam, e a história de uma língua é a história de seus falantes. Ela muda sob
o efeito de suas estruturas internas, de contatos com outras línguas e atitudes linguísticas”.
Sob um viés filológico, Crystal (1988), em seu dicionário de Linguística e Fonética,
usa o termo língua para apresentar vários sentidos que a linguística tenta distinguir
cuidadosamente. Em seu nível mais específico, pode-se referir ao ato concreto de falar, em
uma situação específica – a noção de competência ou desempenho, que, de acordo com os
estudos da linguística gerativista de Noam Chomsky, traz para a compreensão a linguagem
como fator biológico (inato), seria o conhecimento da estrutura da língua, cujo sujeito sabe
produzir suas sentenças conforme sua gramática interna, a qual denominou de GU (Gramática
Universal). Enquanto que o desempenho seria o uso concreto da língua, ou seja, seu uso real.
Para ampliar ainda este conceito, Hymes (1972) usa a expressão competência
comunicativa, destacando relacionamentos socioculturais, estados emocionais dos falantes,
regras sociais e funcionais que regem a língua dentro de contextos específicos, mostrando que
competência e desempenho são inseparáveis. E resume, deixando claro que a partir de agora
a competência comunicativa passa a ser o conhecimento da língua e a habilidade de usá-la em
determinados contextos sociais.
Diante desse universo conceitual mostrado sobre língua, tanto na visão do
estruturalismo, quanto na visão do gerativismo, e ainda com base nos estudos
sociolinguísticos, seja no seu estudo sincrônico ou diacrônico, percebemos que quanto mais
estudamos a língua, mais observamos as suas particularidades, principalmente no que tange
30
aos aspectos culturais a que ela se associam, como é o caso das influências sofridas pelo
nosso Português Brasileiro, que é extremamente rico com expressões oriundas dos povos
indígenas e africanos.
Fazendo uma pequena abordagem no campo de nossa história, desde o século XV, as
línguas africanas começaram a atrair a atenção dos europeus. Devido à necessidade de
estabelecer contato, os exploradores se obrigaram a utilizar estratégias de comunicação com
os africanos e, assim, constataram as diferenças entre os idiomas falados nos locais. Por essa
razão, logo após a descoberta progressiva da África, observou-se uma diversidade de línguas
já faladas neste continente, mas só cederam espaço aos estudos científicos a partir do século
XVI.[ Cf. Petter, 2015 ]
2.2. Dialeto, idioleto, pidgins e crioulo
Para enriquecer ainda mais a discussão acerca da origem do pajubá, faz-se mister
conceituar os termos: dialeto, idioleto, pidgins e crioulo, para facilitar a sua comprovação
como elemento linguístico. Comecemos com Crystal (1988), o qual nos afirma que “dialeto é
uma variante de uma língua, distinta em termos social ou regional e identificada por um
conjunto particular de palavras e estruturas gramaticais”.
Para o conceito de pidgin, o autor revela ser um “... termo usado na Sociolinguística
com referência a uma língua que mostra uma redução significativa de estrutura gramatical,
lexical e estilística, em comparação com outras línguas, e que não é a língua nativa de
ninguém”. Ainda, menciona que “... os pidgins são formados por duas comunidades de fala
que tentam se comunicar, cada uma delas se aproximando sucessivamente de traços mais
óbvios de outra língua. Tais desenvolvimentos necessitam de uma motivação considerável por
parte dos falantes”. Por fim, o conceito de crioulo para Calvet (2002), “termo usado na
Sociolinguística como referência a uma língua que se tornou a língua materna de uma
comunidade de fala, como aconteceu na Jamaica, no Haiti, na República Dominicana e em
diversas outras partes do mundo, principalmente em ex-colônias”.
Neste compêndio de estudo, percebemos que há uma ampliação na variedade
estrutural e linguística de um pidgin, de forma que a língua crioula seja comparável, em
termos de complexidade formal e funcional às outras línguas.
Já no âmbito de variedade do pajubá ligada ao sexo, conseguimos, por meio de nossas
entrevistas, observar que, embora o pajubá seja usado, na sua maioria, pelos homossexuais
masculinos, as homossexuais femininas também criaram algumas expressões para serem
usadas apenas por elas, como: girino, pepeca, rebuceteio, entre outras, conforme a primeira
entrevista localizada nos apêndices de nosso trabalho. Ainda para ampliar os conceitos para
31
melhor compreender em qual esfera linguística o pajubá se enquadra, decidimos também
conceituar idioleto e dialeto.
Idioleto é o conjunto dos enunciados produzidos por uma só pessoa, e
principalmente as constantes linguísticas que lhes são subjacentes e que
consideramos como idiomas ou sistemas específicos[...]dialeto, é entendido como
uma forma de língua que tem seu próprio sistema léxico, sintático e fonético, e que é
usado num ambiente mais restrito que a própria língua. (DUBOIS, 1978)
Todos os conceitos arrolados acima são essenciais para ampliarmos a discussão acerca
do pajubá, enquanto fenômeno linguístico, para comprová-lo cientificamente, afastando-se do
senso comum, visto que a própria comunidade LGBT identifica-o ora como língua, ora como
dialeto, ora como gíria. Por esse motivo, demos destaque a um tópico específico para
esclarecer melhor esse código linguístico o qual intitulamos – Pajubá: gíria-gay ou língua-
gay?
2.3. Línguas Africanas e o Português Brasileiro
Foi somente no início do século XIX, que o estudo sobre a influência das línguas
africanas no português brasileiro, ganhou o gosto dos estudiosos. Depois de muitos debates é
que ela se tornou um objeto vivo para estudo; antes, era vista com um efeito negativo, já que
era herança dos escravos.
Segundo Mattoso (2001), “o tráfico negreiro teve início no Brasil em 1502 e foi
finalizado, teoricamente, em 1860, e, estima-se que naquele período foram transportados mais
de 3,6 milhões de africanos para o Brasil”. Esse processo de imigração, deu-se principalmente
com a necessidade de mão-de-obra para a lavoura e mineração. Os grupos começaram a se
distribuir nos Estados de Pernambuco e Bahia (considerados os grandes centros de
condensação africana). Depois, aparece o Rio de Janeiro, que acaba ganhando mais
importância do que os dois primeiros, pois foi onde a maior porção de africanos do grupo
Bantu se instalaram, principalmente os quimbundos, que já se configuravam no Norte, em
Pernambuco; enquanto que, na Bahia, ficou concentrado os iorubás, considerado o grupo
predominante.
32
Segundo Rodrigues (1932), “é claramente confirmada a importância das línguas
africanas no traçado histórico brasileiro”. Ele afirma que é fundamental o ‘elemento negro’,
ou seja, a fala da língua dos escravos e todas as alterações que podem manifestar no PB.
A solução do problema linguístico no Brasil reclama, pois, a inversão dos
termos em que geralmente o temos visto posto até hoje. Não se trata de
conhecer a linguística africana pelo estudo aprofundado das línguas dos
escravos importados. Cessado o tráfico, tornou-se isso quase inexequível.
Trata-se, em primeiro lugar, de saber quais foram as línguas africanas faladas
no Brasil e, em segundo lugar, tomando conhecimento dos modernos estudos
sobre elas realizados na África, apreciar a influência que exerceram sobre o
português falado no Brasil (RODRIGUES, 1932, p. 126)
6
o trabalho de Mendonça (1933) teve uma segunda edição, aumentada e ilustrada, em 1935, e outra em 1974, que reproduz ainda uma
classificação de línguas africanas, já superada desde os trabalhos de Greenberg (1963). A obra contém um glossário com 375 termos de
origem africana que, se apresentam étimos africanos discutíveis (iorubá ou quimbundo, unicamente), revelam, no entanto, um aspecto
positivo: a indicação do contexto sociocultural de uso dos itens compilados. (Cf. PETTER, M.;CUNHA, S., 2015, p. 238)
33
Ainda perscrutando acerca dos estudos de Nina Rodrigues, já no final do século XIX,
ele observa que no Brasil há um processo de plurilinguismo africano. O médico e antropólogo
fez um levantamento linguístico e etnográfico junto aos africanos que viviam, naquela época,
na cidade de Salvador. Foi justamente no período de desconcentração econômica, em que a
Bahia era despovoada de escravos. Para termos uma ideia, em 1815, estima-se que eram
500.000. Em 1874 não seriam mais de 173.639, de acordo com o levantamento de sua
pesquisa.
Dentro desse processo, foi feito o levantamento de seis línguas, atestadas por
documentos escritos ou por palavras recolhidas dos africanos ainda vivos na época. A
primeira foi o iorubá; logo, em seguida, o jeje ou ewe; haussá; kanúri; tapa, nifê ou nupê; e,
por último, a língua dos negros gurúnces.
Foi a partir desses estudos que Rodrigues observou que “as línguas africanas faladas
no Brasil” sofreram alterações, já que o português era imposto aos escravos. Esse fenômeno
vai ao encontro do pensamento sociológico de Pierre Bourdieu que postula:
“A língua legítima não tem o poder de garantir sua própria perpetuação no tempo
nem o de definir sua extensão no espaço. Somente esta espécie de criação
continuada que se opera em meio às lutas incessantes entre as diferentes autoridades
envolvidas, no seio do campo de produção especializado, na concorrência pelo
monopólio da imposição do modo de expressão legítima e de seu valor, ou seja, do
reconhecimento que lhe é conferido (...) (BOURDIEU, 1996, p. 45)
Foi Bourdieu quem trouxe o conceito de mercados linguísticos para explicar alguns
fenômenos que ocorrem na sociedade, e nessas condições é preciso lembrar que todo o ato de
fala só pode ser colocado em movimento por toda uma conjuntura que mobiliza as
disposições incorporadas pelos agentes, o que ele mesmo denominou habitus em sua
experiência social em campos particulares, fenômeno que retomaremos no último capítulo
desta dissertação.
Num contexto histórico inicial, Para Borges (2015), ao desembarcar no Brasil, o negro
novo (= recém-chegado) era obrigado a aprender o português. Os escravos para falar com os
senhores brancos, com os mestiços e negros crioulos precisavam entender tanto o PB, por ser
a língua do mercado, mas também sua própria língua para falar com os companheiros de
escravidão. Nesse cerne, duas línguas, dentre as seis já mencionadas, predominavam no país:
o iorubá, na Bahia e o quimbundo ou congolesa, no Norte e no Sul. Como podemos perceber,
o iorubá realmente se tornou uma língua de destaque dentro do estudo da linguística africana.
A língua iorubá passou a ser escrita há cerca de cento e cinquenta anos. Desde então, tem uma
forma reconhecida por ser usada na escola.
34
A língua ioruba ou nagô é de fato, muito falada na Bahia, seja por quase
todos os velhos africanos das diferentes nacionalidades, seja por grande
número de crioulos e mulatos. Quando neste Estado se afirma de uma pessoa
que fala língua da Costa, entende-se invariavelmente que se trata do nagô.
Ela possui mesmo entre nós uma certa feição literária que eu suponho não ter
tido nenhuma outra língua africana no Brasil, salvo talvez o haussá escrito
em caracteres árabes pelos negros mulçumis. E que muitos negros que
aprenderam a ler e a escrever corretamente esta língua em Lagos, nas escolas
dos missionários, têm estado na Bahia e aqui o têm ensinado a negros
baianos já a falavam. (RODRIGUES, 1932, apud PETTER, 2015)
Mais uma vez, há um destaque ao iorubá, por ser uma língua que já passa a ser escrita,
a ter novos usos, sobretudo literários, o que foi chamado pelos estudiosos de (Literary
Yoruba), introduzindo nela importantes inovações, não somente lexicais, mas também
estruturais, tanto morfossintáticas como morfossemânticas.
Fagborun (1994) reconhece o quanto à língua nivelou as formas dialetais, importando
itens de outras línguas, “...essa base histórica de koiné ioruba mostrou que ela não foi nunca
um dialeto histórico falado (em seu sentido mais amplo). Foi antes uma língua criada pelos
escritores iorubas a partir do núcleo de vários dialetos e outras línguas”.
Foi justamente a partir da nova conjuntura econômica, que operou igualmente uma
mutação linguística. De um lado, a utilização da língua portuguesa, estendeu-se a toda a
população negra e, além disso, ao importar-se no dia a dia, pôs fim à alternância inicial e
secular de códigos entre a língua portuguesa e as línguas africanas. De outro lado, as antigas
35
línguas, principalmente as veiculares, foram confinadas a um uso “interno”, específico de
uma determinada população, como ferramentas de preservação identitária, de autodefesa e de
sua afirmação no grupo. Elas foram “refuncionalizadas” como línguas de especialidade num
contexto de clandestinidade, aprendidas ou transmitidas, seja sob a forma de línguas cultuais
reservadas aos cultos ditos afro-brasileiros, seja sob a forma de línguas secretas ou línguas de
santo. [ Cf. Queiroz, 1984, p. 16-20]
As línguas cultuais foram empregadas desde o século XIX, nos cultos ditos afro-
brasileiros. Estes são principalmente de dois tipos: os da espécie candomblé, mais próximos
da tradição africana, e os da espécie umbanda, que justapõem diversas tradições, mesclando
africana, indígena e europeia (catolicismo e espiritualismo). Os candomblés, segundo suas
subdivisões internas (nagô-queto, jeje, angola...), empregam diversas línguas: iourubá
(majoritária), eve-fon (jeje), quimbundo-quicongo (angola), que são consideradas marcas
identitárias e utilizadas da mesma maneira que os rituais, para distinguir as diferentes sortes
de culto.
Como se presume que são proferidas por entidades recebidas pelo médium em estado
de transe, a pesquisa sobre essas “línguas” torna-se ainda mais difícil. Ademais, existe uma
especificidade linguística própria a cada entidade, de forma que se podem facilmente
distinguir, pela sua maneira de expressar-se, os caboclos (espíritos aperfeiçoados de
ancestrais indígenas autóctones), e as crianças (espíritos infantis), as Pombagiras e os Exus
(espíritos das trevas). Outra informação pertinente ao item em questão, refere-se às casas de
candomblé, que são comunidades hierarquizadas em que a liderança religiosa está centrada na
figura da mãe de santo ou pai de santo, que seguem o modelo iorubá de estrutura e
organização.
36
Outro fator historicamente importante para a evolução da língua iorubá, dá-se em
1960, através dos movimentos culturais e sociais, sobretudo os que se voltavam à música e à
literatura. Nessa época, cantores como Dorival Caymmi, Toquinho, Vinicius de Moraes,
Maria Bethânia, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Martinho da Vila e Clara Nunes, por serem
ligados à religião do candomblé, usavam as expressões na composição de algumas músicas e,
muitas vezes, cantavam os “pontos” de umbanda em seus shows.
Quadro 1 – Música com termos do candomblé
Canto de Oxum
37
duas, dentre elas, foram estudadas e são, por isso, mais conhecidas: a de Tabatinga (Queiroz,
1998), situada num bairro pobre da periferia de Bom Despacho, e a do Cafundó (Vogt e Fry,
1996), comunidade rural negra situada em Salto de Pirapora, a 150 km de São Paulo.
O que elas têm em comum é o fato de ser uma espécie de código secreto que serve, de
preferência, como meio de ocultar as conversas, principalmente em presença de estranhos. É
provável que essas “línguas” tenham exercido essa mesma função no passado a fim de
esconder dos senhores as palavras trocadas entre os escravos, sobretudo quando eles
planejavam fugas. Hoje elas continuam a exercer esse papel, mas, frequentemente, transpostas
para outros conflitos sociais. No plano linguístico, essas línguas partilham um fundo lexical
do tipo banto, mas enquanto a do Cafundó se aproxima de uma forma pidgnizada, a de
Tabatinga avizinha-se mais daquilo que se designa como “português popular brasileiro”.
Além disso, a língua de Tabatinga parece constituir um exemplo típico de substituição
simbólica. Cabe um adendo importante que Tabatinga, a qual estamos fazendo alusão
corresponde a do Estado de São Paulo e não, do Amazonas. Com a queda do regime de
escravidão, ela foi utilizada mais para marcar as diferenças entre os brancos e os negros.
Infelizmente, o que não é mencionado é que os brancos não têm acesso a ela. [ Cf. Queiroz,
1984:23]
Outro ponto fundamental ainda acerca dos estudos em linguística africana é no tocante
à reafricanização, que se tornou um fenômeno novo por volta dos anos 70 no seio dos cultos
afro-brasileiros. No plano linguístico, traduziu-se pela valorização quase exclusiva da língua
iorubá. Esse movimento exprime de fato o desejo de uma maior autenticidade no que
concerne à “africanidade” dos cultos. A pedido de seus responsáveis (pais e mães de santo) e
sob o impulso de intelectuais nigerianos, cursos de iorubá já são ministrados atualmente,
inclusive a distância, não somente aos iniciados, mas também a todos aqueles que desejavam
aprofundar a prática do candomblé.
Esse tipo de “reafricanização” chegou, com muita frequência, a uma solução redutora
no plano linguístico, pois a autenticidade linguística africana foi assimilada ao emprego
exclusivo da língua iorubá da Nigéria, enquanto no Brasil a realidade histórica mostra que o
vocabulário de base das línguas cultuais é muito mais diferenciado. As principais línguas
cultuais de referência são: a) eve, fon, gun, maí para os cultos do tipo “jeje mina”; b) iorubá
(nagô) (dialetos falados na Nigéria Ocidental e o nagô, do reino de Queto, do Benim) para os
cultos do tipo “nagô”, queto, ijexá”; c) quicongo-quimbundo-umbundo para os cultos do tipo
“angola, congo-angola”. [ Cf. Queiroz, 1984, p. 16-20]
38
2.5. A Homossexualidade nos Cultos afro-brasileiros
Para Monadeosi (2015), “o candomblé é o rito religioso originário da África austral e
ocidental, organizado dentro de uma infraestrutura social brasileira que se caracteriza,
principalmente, pelo transe de possessão em seus adeptos e pelos processos iniciáticos”.
Os terreiros de candomblé constituem um dos espaços de manutenção dos valores
históricos, sociais, culturais e linguísticos em condições absolutamente adversas devido ao
processo escravista. Embora não queiramos reconhecer, esses lugares são partes da África
transplantadas para o Brasil em que se mesclaram povos, línguas e culturas. Numa reprodução
brasileira, seus integrantes buscaram uma organização hierárquica sociorreligiosa, inserida
num mundo afro-brasileiro, no qual a figura mais importante é a da ‘mãe’ ou ‘pai de santo’,
caracterizando-se pela incorporação das divindades ou entidades em seus adeptos.
Observando as comunidades tradicionais de matriz africana, constatamos um
repertório linguístico bastante diversificado, ligado à vivência dos grupos, cuja transmissão se
dá, via de regra, através da oralidade.
Lévi-Strauss (1958) vê a oralidade como sinal de autenticidade das relações. Depois
de mostrar que todos os qualitativos privativos, como sem escrita, sem tecnologia dissimulam,
na verdade, uma realidade positiva:
“Nós somos ligados ao nosso passado não mais por tradição oral, que implica um
contato vivido com pessoas – contadores, sacerdotes, sábios, anciãos – mas por
livros empilhados na biblioteca, e através dos quais a crítica se aplica – com que
dificuldades – a reconstruir a imagem de seus autores. E no plano do presente, nós
nos comunicamos com a imensa maioria de nossos contemporâneos por um tipo de
intermediários – documentos escritos ou mecanismos administrativos que ampliam,
sem dúvida, imensamente nossos contatos, mas conferem-lhes, ao mesmo tempo,
um caráter de inautenticidade. Esta se tornou a própria marca das relações entre o
cidadão e os poderes”. (LÉVI-STRAUSS, 1958, p. 400-401)
A fala procedeu a escrita na África, da mesma maneira como ocorreu no mundo todo,
se por escrita se entender não somente a inscrição de signos (prática que deve ter precedido a
linguagem verbal), mas enquanto técnica que permite representar graficamente a linguagem
articulada. Hoje, não se pode afirmar que a África não possui escrita, seja qual for o sentido
em que se tome esse conceito, como também não se pode defender que a presença ou
ausência de escrita impeçam o estudo de uma língua, porque o trabalho descritivo e analítico
do linguista se faz, prioritariamente, a partir da materialidade sonora da língua, ou seja, da
oralidade.
Para ampliar o compêndio sobre oralidade, postulado, ainda, no item que vimos
quanto ao quesito linguagem, a partir do estudo de vários teóricos, não seria diferente no
universo LGBT. Segundo Trevisan (2000), “a linguagem gay é tida, hoje, como um dos
39
signos de afirmação da sua cultura que impõe marcas positivas, tanto para enfatizá-la quanto
para permitir que só os ‘eleitos’ a captem. Quanto mais discriminados, mais cifrados”. Já
como respaldo sociolinguístico, segundo Tarallo (2007), “as leis e normas sociais são
decisivas no modo de falar da sociedade e, que a língua, como instrumento representativo da
coletividade, é de suma importância para o entendimento do processo de construção da
identidade de determinado povo”.
Quando um indivíduo desempenha um papel, implicitamente, solicita de seus
observadores que levem a sério a impressão sustentada perante eles. Pede-lhes
acreditarem que personagem que veem no momento possui os atributos que
apresenta possuir, que o papel que representa terá as consequências implicitamente
pretendidas por ele e que, de um modo geral, as coisas são o que parecem ser
concordando com isso, há um ponto de vista popular de que o indivíduo faz sua
representação e dá seu espetáculo para benefício de outros. (GOFFMAN, 2004)
Por isso a peça chave de nosso trabalho encontra-se nos resultados de nossa pesquisa,
mais especificamente nos capítulos três e quatro. Foi ouvindo a comunidade LGBT que
conseguimos analisar os elementos fundamentais para a materialização de nosso texto. Na
verdade, o código linguístico dos gays, até alguns anos por ausência de material de pesquisa
ligado ao tema só poderia ser estudado por meio da sua oralidade, como uma “língua de
resistência”. Hoje já há suporte de embasamento teórico, principalmente àqueles ligados à
linguística africana. E por que justo a fala usada nos terreiros começaria a entrar no gosto dos
homossexuais?
Na verdade, os gays querem participar de uma religião com a qual se sintam bem, sem
a pressão da sociedade em estabelecer o que é certo ou errado. Se, para participar dos
ambientes religiosos, o homossexual tem que se comportar como um heterossexual, acaba
ferindo a sua própria identidade. Por isso muitos gays recorrem à liturgia do candomblé, pois
lá ele encontra um espaço que o aceite verdadeiramente, sem colocar a sua orientação sexual
acima das boas ações que pode praticar para com a humanidade.
O candomblé tem sido uma escolha feita por muitos homossexuais masculinos e
femininos. Para Lima (1983), “há mais de duas décadas que os homossexuais dividem com os
heterossexuais uma presença quantitativa de caráter permanente na umbanda e no
candomblé”.
Para Fry (1982), em sua primeira pesquisa acerca da presença dos homossexuais nos
eventos afro-brasileiros, procurou entender melhor porque uma religião baseada na possessão
por espíritos e na adivinhação, atrairia e aceitaria personagens sociais tão vilipendiadas na
vida cotidiana. Logo de início, observou a frequente associação entre homossexualidade e o
teatro. Ele, fazendo sua pesquisa, visitou vários terreiros e lá viu que a dança e as roupas nos
40
terreiros liderados por pais de santo homossexuais eram excepcionalmente bonitas e
apreciadas por todos.
O autor ainda prossegue em sua análise, dizendo que a ideia de que as religiões afro
são bem menos repressivas da homossexualidade do que outras denominações parece ser
verdade. Em grande parte, porque nelas a moralidade não tem muito a dizer sobre a
intimidade social e sexual dos seus membros. Mas nem por isso denota que os terreiros
sempre foram receptíveis aos gays. Um exemplo disso, deu-se no final dos anos 80 e início de
90, a partir de levantamentos do antropólogo Luís Felipe. Ele percebeu que nos terreiros mais
tradicionais do Rio de Janeiro havia uma certa rejeição pelos afeminados, sobretudo, aos que
que haviam contraído o HIV.
Mesmo assim, não resta dúvida de que as religiões afro, em geral, representam um
importante santuário para gays e lésbicas. Atualmente, exercem uma dupla resistência à
crescente corrente fundamentalista evangélica, que mira seus ataques tanto contra os terreiros
quanto aos homossexuais.
Para conhecermos um pouco desse ritual, são nos terreiros e gongás, que o indivíduo,
em transe, atua como “cavalo” (nome dado ao corpo do médium em processo de transe), ou
seja, seu corpo será usado por uma entidade no ritual de possessão, motivo pelo qual muitos
que desconhecem a cultura afro-brasileira a condenam, sendo interpretada diretamente como
algo relacionado ao satanismo. Nesse ritual, o “cavalo”, poderá ser usado por uma entidade
masculina ou feminina, assim como por entidades infantis. Embora haja a predominância do
PB em suas estruturas sintáticas, em meio a elas entram expressões de origem africana já com
características fonológicas do nosso idioma como: ebó (sacrifício ou oferenda); eké (pessoa
mentirosa, fraudulenta, falsa); okó (marido, pênis, homem); taba (tabaco); e idì (parte de
baixo, nádegas). É importante deixar claro que se trata de uma língua tonal, a qual
discutiremos melhor no decorrer deste capítulo. [Cf. Beniste, 2011].
Os homossexuais, tanto os que atuam quanto àqueles que somente prestigiam, passam
a usar estas expressões da língua iorubá e incorporam-nas ao universo do pajubá.
Normalmente os respectivos significados permanecem, mas pode haver pequenas mudanças
fônicas e semânticas que serão discutidas no terceiro capítulo de nosso trabalho. Portanto é a
partir da participação da comunidade LGBT nos cultos afro-brasileiros de candomblé e de
umbanda, que vêm as palavras de origem africana que entram como código linguístico da fala
homossexual.
41
2.6. Pajubá: gíria gay ou língua gay?
Indubitavelmente, o pajubá veio para ser trabalhado como uma antilinguagem, já que
quebra os conceitos formais característico de uma língua “tida” como aceitável pela
sociedade. Embora já tenhamos discutido acerca do fenômeno do pidgin, não podemos
classificar o pajubá como tal, pois para Hudson (1984), esse fenômeno linguístico aparece em
contexto de urgência comunicativa a partir da necessidade de comunicação imediata. Seria
uma espécie de “linguagem inventada” para efeitos de comunicação reduzida em contextos
multilingues em que uma das línguas é socialmente dominante. Vale acrescentar que o pidgin
é muitas vezes suportado por outras formas de linguagem, como, por exemplo, a gestual,
levando em conta que sua interpretação depende sempre do contexto situacional. É importante
sublinhar que os pidgins nunca funcionam como línguas maternas.
Partindo desse pressuposto, não podemos esquecer que o pidgin é falado por povos de
idiomas diferentes, o que não pode ser atribuído à comunidade LGBT, já que são falantes de
uma mesma língua, nesse caso o português brasileiro.
O pidgin apresenta dois critérios para sua sustentação: I) linguístico, também
chamado estrutural, possui poucos fonemas, preferência pelo tipo de sílaba CV,
ausência de flexão e derivação, função sintática indicada pela ordenação e léxico
reduzido; II) sociolinguístico, caracterizado por situação de multilinguismo,
superioridade econômica e política de um povo, meio desfavorável à
intercompreensão (...).(BOLLÉE, 1977, apud COUTO, 1996)
No que condiz a ideia de chamar o pajubá de “língua gay” vem do senso comum. Ao
usar o termo como um ‘escudo de resistência’, a comunidade homossexual torna possível a
mudança por meio da língua. Todavia, baseando-se nos estudos linguísticos, não seria
harmonioso chamar o pajubá de “língua gay”, pois assim estaríamos limitando o conceito
científico do termo.
Chamamos de “língua” um sistema programado em nosso cérebro que,
essencialmente, estabelece uma relação entre os esquemas mentais que formam
nossa compreensão do mundo e um código que os representa de maneira perceptível
aos sentidos. Os seres humanos utilizam um grande número de tais sistemas
(“línguas”), que diferem em muitos aspectos e também se assemelham em muitos
outros aspectos. Tanto as diferenças quanto as semelhanças são altamente
interessantes para o linguista. (PERINI, 2010)
42
De acordo com as duas afirmações apresentadas, podemos observar o porquê de
muitos participantes de nossas entrevistas e das enquetes, classificarem o pajubá como
“língua gay”, pelo estabelecimento de semelhanças que há dentro do universo da fala;
todavia, assim como os traços linguísticos se assemelham, também se distinguem em suas
particularidades, afinal, a língua também varia no interior de uma sociedade.
Todavia o que traz como traço caracteristicamente linguístico quanto ao fenômeno do
pajubá é, indubitavelmente, a gíria que para Pretti (2004) notadamente faz parte do universo
linguístico de grupos menos favorecidos que se opõem a um contexto social. Por esse motivo,
partindo de nosso corpus, conforme afirmam os dados, a maioria da comunidade LGBT
considera o pajubá como uma gíria.
A gíria é a marca característica da linguagem de um grupo social. Torna-se difícil
analisar esse fenômeno sob um enfoque geográfico, embora possa afirmar-se que a
gíria é predominantemente um vocabulário urbano. Mas, de qualquer ponto
geográfico que possamos partir, a gíria estará sempre ligada a um grupo social
diferente. Mas também é possível dizer que é na maior variedade das situações de
interação da cidade que ela surge como um importante recurso de
expressividade[...] Sendo um instrumento de agressividade no léxico, como se verá,
a gíria está mais ligada à linguagem dos grupos socialmente menos favorecidos ou
de oposição a um contexto social. (PRETTI, 2004)
A língua é apenas uma entre outras formas de comportamento, um entre outros modos
de realização das atividades culturais praticadas por um grupo. Como essas formas de
comportamento, a língua também varia no interior de uma sociedade, de tal maneira que os
indivíduos que possuem entre si laços mais estreitos de convívio, relações de maior e mais
durável intimidade, apresentam, precisamente por isso, modos de falar muito semelhantes (ou
quase idênticos) que os distinguem de outros indivíduos.
Ainda nas palavras de Pretti (2004), quando esses comportamentos, essas marcas
contribuem para a formação de uma consciência de grupo; quando os indivíduos fazem dessas
marcas grupais uma forma de se autoafirmarem na sociedade, dizemos que essas marcas
constituem signos de grupo. Ex.: a moda característica de grupos; a apresentação pessoal
(cabelos etc.); o vocabulário gírio com que se comunicam. No caso específico da língua ou,
mais precisamente, do léxico, damos o nome de gíria de grupo ao vocabulário de grupos
sociais restritos, cujo comportamento se afasta da maioria, seja pelo inusitado, seja pelo
conflito que estabelecem com a sociedade. Inusitados são, por exemplo, os grupos jovens
ligados à música, às diversões, aos esportes, aos pontos de encontro nos shoppings, à
universidade; conflituosos, violentos são os grupos comprometidos com as drogas e o tráfico,
com a prostituição, com o roubo e o crime, com o contrabando, com o ambiente das prisões
etc. (Cf.Preti, 2004, p. 66). Quando esses grupos sociais restritos, pelo contato com a
43
sociedade, vulgarizam seu comportamento e sua linguagem, perde-se o signo de grupo. No
caso da gíria, ela se incorpora à língua oral popular, tornando-se o que costumamos chamar de
gíria comum, ou segundo alguns estudiosos mais ortodoxos, simplesmente parte do
vocabulário popular. A gíria é uma das fontes expressivas da língua e se dissemina não apenas
entre as classes menos favorecidas ou entre os falantes jovens. Como vocabulário de grupo
ela surge também entre os mais diversos grupos sociais, desde que possa constituir uma marca
identificadora desses grupos.
2.7. Considerações Finais
Neste capítulo, tivemos acuidade em conceituar os elementos linguísticos
fundamentais que melhor classificassem o pajubá, enquanto fenômeno linguístico, e
buscamos distribuir os tópicos de forma didática. A princípio, conceituamos linguagem e
língua, já que, atualmente, ambos os termos têm multissignificados; em seguida, falamos de
dialeto, idioleto, pidgin e crioulo para melhor relacionar o caso do pajubá, pois, como se
tornou um código linguístico falado pelos LGBTs, caberia incorporá-lo dentro de uma dessas
unidades.
Ainda no presente capítulo, demos importância para trazer, à luz de nossos estudos, às
primeiras manifestações das línguas africanas em contato com o português brasileiro,
sobretudo os estudos realizados por Rodrigues (1932) e Mendonça (1933), considerados os
pioneiros na área. Para explicar melhor o surgimento do pajubá, buscamos, primeiro,
apresentar o iorubá, já que é nele que se originam as expressões; por isso dois tópicos
mencionam o iorubá como uma língua usada nos rituais afro-brasileiros, principalmente, no
candomblé e na umbanda. Foi nesse cerne, que começamos a perceber a maneira como o
iorubá passou a ser transplantado para o universo linguístico da comunidade gay, resultando
assim no pajubá. E por fim, demos um enfoque no pajubá como gíria, tudo postulado nos
conceitos de Pretti (2004). Cabe enfatizar que o pajubá é discutido em dois vieses. O primeiro
é o uso ligado à questão religiosa. O segundo é o seu fator identitário. A essas duas
pontuações, discorreremos no último capítulo deste trabalho. O que, de antemão, podemos
confirmar é que o uso do pajubá vem de uma “herança linguística” do iorubá (como língua
africana) aos grupos LGBTs, mesmo que eles não sejam frequentadores do candomblé e da
umbanda.
44
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO
(Fonte: http://www.blackpast.org/gah/crowther-bishop-samuel-adjai-1809-1891)
É importante salientar que muitas expressões, que atualmente são usadas de origem
iorubá, passaram por um processo de variação fonética, principalmente quando deixaram de
se restringir apenas aos eventos afro-brasileiros, e passaram a ser usadas nas ruas de Manaus
pela comunidade LGBT, a qual batizou o pidgin como pajubá ou bajubá e, posteriormente,
passaram a ser veiculadas em revistas de temática LGBT, inclusive, na primeira revista de
45
temática homossexual da cidade de Manaus chamada ‘Meio Termo’, cuja primeira edição foi
de 2002.
Fig.3 - Capa da 1ª edição da Revista Meio Termo
46
Preocupados com a clareza das informações de nossa pesquisa, procuramos otimizar
um pouco o estudo fonético e fonológico do iorubá, que compreende um idioma tonal, ou
seja, sua frequência sonora na pronúncia das vogais serve como parâmetro para diferenciar
dois ou mais fonemas, como em ABÁ (pessoa idosa) e ÀBA (mercado). Para Beniste (2011),
em seu dicionário Yorubá-Português o alfabeto se classifica em: A B D E Ẹ F G Gb H I J K
L M N O Ọ P R S Ṣ T U W Y. As letras c, q, v, x, e z, não são usadas; Ṣ (com ponto
embaixo) tem som de x ou ch; letras em que se utiliza o ponto embaixo: Ọ e Ẹ tem som
aberto.
Quanto à prosódia da língua yorubá, diferente do PB, uma palavra pode aparecer com
mais de um acento diacrítico na mesma palavra, em que o grave ( ` ) indica o som mais fraco;
o agudo( ´ ) som mais forte; e o til ( ~ ) significa que houve um desdobramento, seguindo os
preceitos antigos da escrita da língua. A ausência do acento também transmite informação,
pois se trata do som em tom médio. Portanto devemos atentar, severamente, à posição do
acento, posto que no yorubá ele nos mostra tanto a pronúncia quanto ao significado já que se
trata de uma língua tonal. Conforme exemplos de Beniste (2011):
a) Bàbá mi ni àìdá [ baba mi ni aida] “Meu pai é severo”;
b) Èṣú ni Olúwa mi [ e´ju ni o lu wa mi] “Exú é o meu Senhor”;
Como podemos perceber, no exemplo A temos a ocorrência da palavra “bàbá” [ ba ba]
e “àìdá” [aida], trazendo dois acentos, cuja primeira sílaba tem menor intensidade e a
segunda, maior; em B, temos o fonema Ṣ que produz o som do X, o E com som fechado e o U
com som aberto.
Para ampliar nossa discussão, tomemos por base a palavra “erê” (grafada assim de
acordo com o pajubá), que significa garoto ou rapaz, no entanto trabalhando com a palavra
em iorubá temos “ere” = escultura dos gêmeos orixás beji, Cosme e Damião na religião
católica; se fosse “eré” = brincadeira; se estivesse grafado “èrè” = lucro. Além das formas
simples, ainda temos a forma composta que vai ampliar ainda mais seu campo semântico
como em “eré – alawòrán” = cinema; e na duplicação da vogal como em “èrèé fúnfún” =
feijão branco.
Na comunidade LGBT, as expressões são formuladas dentro de uma estrutura frasal
com predominância do PB e por não ter uma estrutura sintática completa com predominância
do iorubá não podemos denominá-la língua. Daí a importância de questionarmos se o pajubá é
uma espécie de crioulo, de pidgin ou mesmo dialeto dentro do campo linguístico até
chegarmos a conclusão de que se trata de uma gíria. Nesse cerne, é impreterível mensurar o
47
iorubá dentro do contexto da experiência cultural religiosa afro-brasileira, posto grande parte
do seu universo de palavras serem usadas nos cânticos, denominados “pontos”, segundo a
umbanda, como no exemplo a seguir:
Erê Pedrinho
No trecho acima retirado de uma das entrevistas, é notável que o termo foi empregado
com o sentido de rapaz jovem, por vezes, ainda adolescente.
O leque de expressões africanas usadas, hoje, pela comunidade LGBT, principalmente
pelos travestis, acaba se transformando num linguajar cômico que, somado ao universo
performástico da persona homoafetiva, alegra até mesmo a comunidade heterossexual, como
já visto em vários programas da televisão brasileira como: Vai que Cola; Zorra Total; Amor
& Sexo; Ferdinando Show, entre outros.
Conclui-se, portanto, deste primeiro item de formação do pajubá, que algumas
expressões da língua africana iorubá sofrem transformações quanto ao seu processo fonético
como forma de aproximar-se de nossa fala. Isso ocorre com inúmeros termos estrangeiros que
se incorporaram em nossos dicionários como: abajur = abat-jour (francês), sutiã = soutien
(francês), bife = beef (inglês), videoclipe = vídeo clip (inglês), entre outros. Da mesma forma
como os anglicismos (palavras do inglês) e os galicismos (palavras do francês) ganharam o
gosto do público brasileiro, mesmo que, em muitos casos, sob pressão da língua. [ Cf. Cunha
e Cintra, 2013]
48
Ainda no cerne de expressões estrangeiras, Biderman (2001) indica três diferentes
tipos de estrangeirismos que ocorrem na língua portuguesa:
1) Decalque – versão literal do lexema modelo concretizado, tendo em vista que tais
palavras são calcos literais da palavra estrangeira, por exemplo, retroalimentação,
supermercado e cartão de crédito;
2)Adaptação da forma estrangeira à fonética e à ortografia, quando, em geral, o
estrangeirismo já foi adotado há muito tempo pela nossa cultura, por exemplo, pajem,
bugiganga, muxoxo, vatapá entre outros termos de origem africana;
3) Incorporação do vocábulo com a sua grafia original, como ocorre com os termos
usados na linguagem das tecnologias, como mouse, hardware, software, check-up e best
sellers, mas sempre com a pronúncia do PB.
Assim, faz-se mister uma explicação sobre o fenômeno do pajubá. De um modo
empírico, alguns acham que o termo se resume, unicamente, das expressões que são de
origem africana. Todavia, quando se fala em pajubá, como código linguístico da comunidade
LGBT, compreendemos que o seu campo de estudo vai muito além.
Vale ressaltar o fundamental papel da televisão como veículo de comunicação, bem
como as atuais redes sociais, que começaram a expandir o pajubá. Desde a década de 80, já
tínhamos bordões de alguns personagens com estereótipos gays que caíam na boca do
público, e que, consequentemente, os homossexuais disseminavam as expressões, exemplos
como os de: Chico Anysio (personagem pai Painho); Jô Soares (personagem Capitão-gay);
Jorge Lafond (personagem Vera-Verão) e Clodovil. Atualmente, o pajubá e seu vultoso
campo lexical são mostrados por apresentadores, como: Marcelo Adnet, Fernanda Lima,
Marcus Magela (Ferdinando), Paulo Gustavo (personagem Bicha Bichérrima); Markassa ou
Marcão de Pé na Cova; Rodrigo Santana (personagem Carol Paixão); e, atores, que se
destacaram em programas e novelas globais como Tiago Abravanel (em Chapa Quente como
Francelino); Marcelo Serrado ( em Fina Estampa como Crô); Mateus Solano (em Amor à vida
como Félix); Ailton Graça (como Xana) e Paulo Betti (como Teodoro, o Téo), ambos da
novela Império. E ainda, os fenômenos que se destacaram nos canais fechados como maior
exemplo a drag-queen reconhecida mundialmente, Ru Paul, que criou o primeiro reality show
gay (Ru Paul Drags Race) em 2009, estendendo-se até hoje já na sua 10ª temporada; e
também os canais do yotube, com personagens ícones para o público LGBT como: Silvetty
Montilla com o reality Academia de Drags e, por último, e não mesmo importante Lorelay
Fox com um dos canais mais visualizados pelo público LGBT, chamado ‘Para Tudo’.
49
3.2. A Metaforização
Para Charaudeau e Maingueneau (2002), “metáfora é uma figura do discurso que
possui funções de caráter estético, cognitivo e persuasivo”. Os processos metafóricos
enriquecem bastante a nossa língua, principalmente quando o propósito é divertir por meio da
linguagem. Por isso, o uso do pajubá é extremamente diversificado no falar da comunidade
LGBT e, a cada dia, cria uma nova expressão que acaba caindo até no gosto do público que
não é gay, principalmente das mulheres que têm amigos homoafetivos.
“ Eu adoro meus amigos gays...ainda mais quando eles me chamam de bee...acho
muito fofo...de vez em quando eles me chamam de bruxa (gargalhada), segundo
eles é a melhor amiga do gay...andar ao lado deles faz eu me sentir muito bem, pois
não paro de rir...” (entrevistado 16)
Sem dúvida, a sociointeração por meio desses “atores” do universo gay acaba
chegando aos tablados dos programas de paródias e de stand up; às chamadas de novelas da
TV brasileira como já ocorre no SBT; e, na proliferação do maior fenômeno de nossa
tecnologia - as redes sociais. Provavelmente há pessoas que nunca ouviram falar em pajubá
ou pajubês, mas quando começam a ouvir as expressões, percebem que, em algum momento,
já viram alguém usar, em determinadas situações de comunicação, principalmente àquelas
ligadas a cenas engraçadas, geralmente em contextos metafóricos.
Aristóteles (1959) define a metáfora ou metonímia como “a transposição do nome de
uma coisa para outra, transposição do gênero para a espécie, ou de espécie para o gênero, ou
de uma espécie para outra, por via de analogia”. Diante dessa conceituação, precisamos
complementar o pensamento aristotélico aos três tipos de metáforas: o desvio, o empréstimo e
a substituição. O primeiro muda o uso habitual da palavra; o segundo empresta um outro
sentido; o último substitui uma palavra ausente por outra.
Para Jakobson (2001), a metáfora pode ser generalizada, não por sua essência
substitutiva, e sim por sua essência predicativa, ou seja, olhava pelo prisma semiótico, a
substituição de um termo por outro. Já na visão de Ricoeur (2000), nós estudamos a metáfora
como fenômeno semântico, a assimilação de uma a outra de duas áreas de significação por
meio de uma atribuição insólita.
Certamente, o pajubá vem carregado de sentido metafórico, particularmente de várias
metonímias, quando ligamos as expressões utilizadas na comunidade LGBT ao seu verdadeiro
sentido semântico, como ocorre, por exemplo, no termo “amapô” de origem iorubá, cujo
significado é vagina. Assim, fica clara a metonímia da parte pelo todo, conforme o seu uso no
pajubá.
50
“...posso não ser uma amapô, mas sei fazer o babado melhor que elas(...)”
(entrevistado 5)
De acordo com o exemplo retirado do trecho de uma de nossas entrevistas, a
participante utiliza o termo, não fazendo alusão ao órgão sexual feminino como usado no
iorubá, mas sim como ‘mulher’. Semelhante caso também acontece quando os gays usam o
termo “racha”, do pajubá vulva ou vagina, configurando o mesmo sentido (= mulher).
Todavia o uso do termo ‘amapô’ é mais comum e menos explícito, evitando, assim, ofender o
público que não é homossexual.
Para Lakoff e Jonhson (1980), tanto a metáfora quanto à metonímia evidenciam-se
como processos cognitivos geradores de conhecimento, por meio de experiências humanas no
âmbito físico, cultural e social. É importante ressaltar que muitas expressões do universo
comum do português brasileiro são usadas no pajubá, porém adotadas de significado bem
diferente do usual.
Quadro 3– Miniglossário de expressões metafóricas do pajubá
Babado – acontecimento qualquer, podendo tanto ser bom quanto mau. Pode estar relacionado também a um
caso amoroso ou sexual
Barbie – homossexual de corpo inflado, adepto da musculação e das bombas anabolizantes
Bater um bolo – Masturbação entre gays
Brejo – nome dado ao coletivo de lésbicas.
Carão – pose; esnobação; presunção
Chafariz de lençol – polução7 noturna
Cheque – restos de fezes que borram a cueca, o órgão sexual do parceiro ou a camisinha
Chuca – instrumento utilizado para a limpeza do reto
Colar velcro - relação sexual entre lésbicas.
Fada – lésbica passiva; aquela que é passiva dentro de uma relação lésbica.
Gilette – antigo termo para designar o homem bissexual
Girino – lésbica que entrou recentemente no meio LGBT.
Havaiana – lésbica.
Mala – pênis. Geralmente referindo-se ao volume grande do pênis na roupa.
Tia SIDA – o vírus da AIDS.
51
No que tange às expressões metaforizadas, podemos ilustrar com o exemplo listado
‘bater um bolo’, que na linguagem da culinária, corresponde ao gesto feito com a mão no
momento de misturar todos os ingredientes para formar a massa. Assim seria para o gay
quando se refere ao parceiro ou a si mesmo no ato da masturbação.
“...maninha, quem nunca bateu um bolo pro boy?...eu mesmo já fiz isso com meus
primos que se dizem ‘heteros’...agora bater um bolo pra uma gay mais feminina do
que eu...nem morta, querida!...eu gosto dos cafuçus que puxa o meu picumã com
força e me deixa com os olhinhos revirados (gargalhadas) ” (entrevistado 13)
Outro caso metaforizado que também se aplica bastante nos dias de hoje é o termo ‘tia,
ou tia sida’, fazendo alusão ao vírus da AIDS, dando à doença um aspecto personificado,
como sendo algo íntimo (um ente querido) da figura do homossexual, posto no início da
década de 80, o vírus do HIV ter sido alcunhado de “câncer-gay”. Atualmente muitos a
chamam de ‘as letrinhas’.
“ ...meu amor, eu trabalho na área da saúde no Tropical...lá eu vejo as gay morrendo
todos os dias com a tia... não sei se já ouviu falar... tô falando das letrinhas...
catou?...pelo nome do vírus...eu sempre ando com a camisinha pra fazer o boy8, ou
seja, transar, com segurança...o que mais eu amo é minha vida...só no close9”
(entrevistada 13)
8
Boy do inglês = garoto
9
Close do inglês = fechar
52
que se relacionam com a grande função estética, a qual, ao lado do “ensino” e da
“persuasão”, constitui a plurifuncionalidade da linguagem, segundo a retórica
tradicional. (COHEN, 1975)
Para ilustrar melhor o tópico das metaforizações, nada melhor do que usar da própria
metáfora “dar pinta”, cujo sentido seria ‘fazer trejeitos efeminados, propositadamente ou não;
mostrar afetação’. Para os homoafetivos não assumidos, há um certo incômodo com o grupo
dos travestis, por apresentarem características físicas de mulher, ou mesmo, acharem que são
mulheres. Todavia, se a comunidade LGBT olhar por um prisma linguístico-antropológico
(objeto tratado em nosso último capítulo), ou seja, levando em consideração seus fenômenos
históricos e culturais pelos quais passa o pajubá em seu processo de formação, perceberemos
o quanto devemos agradecer as ‘travas’, pois são elas, dentro da comunidade LGBT, as que
mais falam e disseminam as expressões do pajubá para as ruas, e, assim, tem enriquecido as
pesquisas dentro do campo da Antropologia, da Sociologia e da Linguística.
Dessa forma, é precioso o uso da metaforização do pajubá para o enriquecimento
linguístico LGBT. Por hora, agradando mais do que prejudicando a comunidade que não é
gay, com todas as expressões que, aos poucos, começam a ganhar o gosto do público nas
redes sociais e que, a cada dia, conquista espaço na rádio e na mídia televisiva.
3.3. O Universo dos Antropônimos
Segundo Houaiss (2006) “a onomástica é responsável pelo estudo linguístico nos
nomes próprios”, sua origem é grega e, de acordo com sua divisão podemos classificá-la em
antropônimos (etimologia dos nomes próprios); mitônimos (estudo que nomeia um ser de
qualquer mitologia) e topônimos (estuda o nome próprio de um lugar, sítio ou localidade).
Em primeiro lugar, deixemos claro que a parte da onomástica que interessa à nossa
pesquisa é o estudo dos antropônimos, pois no pajubá há inúmeros exemplos envolvendo esse
recurso.
Para iniciar nossos estudos sobre o uso dos antropônimos mais reconhecidos no
universo LGBT, é de suma importância que destaquemos dois verbos especiais no uso do
pajubá, que são nossos modalizadores discursivos, que mais aparecem em contextos de uso. O
primeiro é o “dar”. O segundo é o “fazer”. Geralmente os antropônimos presentes no pajubá
estão acompanhados destes dois verbos que muito extravasa a persona homoafetiva. Além
deles, destacamos também o “ter” e o “estar”, como verbos principais, não como auxiliares.
53
Quadro 4 – Miniglossário de expressões antropônimas do pajubá
Dar a Elza – roubar, afanar, pilhar. Segundo os travestis da década de 80, a expressão faz alusão à cantora Elza
Soares, que mesmo tendo uma carreira de sucesso e ganhando muito dinheiro, sofria de cleptomania. Por isso é
comum no pajubá alguém falar que fulano deu a Elza no celular da amapô.
Estar a Beth Farias – expressão usada quando se vê alguém que é bonito e gostoso e que incita o desejo sexual.
De acordo com nossa história envolvendo a área telenovelística, o nome da atriz faz alusão à personagem Tieta
do Agreste, inspirada na obra de Jorge Amado. Por isso também presenciamos a expressão estou a Tieta hoje.
Estar a Heleninha – bicha alcoólatra, fazendo alusão a personagem Heleninha da novela Vale Tudo interpretado
por Renata Sorah. Ainda nessa mesma vertente, há outra personagem que marcou a história novelística – Nazaré
Tedesco, reconhecida por usar uma tesoura para ameaçar as pessoas. Por isso no pajubá costumam dizer farei a
linha Nazaré Tedesco. Embora ainda seja usado até hoje a expressão antiga emprestada do linguajar das garotas
de programas, “fazer um xiri da sua cara”, geralmente usada no momento de briga.
Fazer a Glória– não estar nem aí; pouco interessado na conversa do outro. Fazendo alusão à participação da
atriz Glória Pires nos comentários do Oscar 2016.
Fazer a Kátia ou Fazer a Kátia cega – agir como se não estivesse vendo a pessoa. Fazendo alusão à cantora
Kátia, que estava no alge das paradas de sucesso na década de 80 e é cega. Por isso é comum falarem fulano fez
a Kátia comigo, ou seja, não me enxergou ou fingiu que não. Por causa dos homoafetivos mais jovens,
constuma-se, preferencialmente, o segundo uso, por não terem vivido na época do grande comunicador de nossa
televisão brasileira, Chacrinha.
Nefertite – bicha muito velha, embalsamada, mas que ainda conserva uma aura de mistério em torno de si.
Fazendo alusão à figura da rainha da XVIII dinastia do Antigo Egito, esposa de Aquenáton.
Nelza – bicha feia. Fazendo alusão à atriz Neuza Borges, na novela Carmem, onde a personagem interpretava
uma macumbeira, na antiga emissora da rede Manchete, atual emissora Boas Novas.
(Fonte: Arquivo pessoal de termos colhidos a partir de nossa pesquisa de campo)
54
3.4. Expressões Idiomáticas (EIs)
Segundo Lorente (2004), a lexicologia usa as palavras como um instrumento de
construção e detecção de conhecimento de mundo acerca de uma ideologia, de um sistema de
valores, como geradora dos reflexos de um sistema cultural
Podemos comparar o léxico a uma intersecção de caminhos, um ponto de encontro
de diversas informações que chegam de todos os lados. Elas vêm dos sons (fonética
e fonologia), dos significados (semântica), dos morfemas (morfologia), das
combinações sintagmáticas (sintaxe) ou do uso da língua em situações
comunicativas (pragmática). Se há uma unidade lexical (UL), esses elementos
estarão presentes, e a variação desses elementos faz com que as palavras se
diferenciem.(LORENTE, 2004, p. 27)
55
mulheres, que se identificam com a linguagem; assim como também, dos homens, que tem
algum amigo homossexual. Mais uma vez, nota-se que o pidgin cai no gosto do público.
Quadro 5 – Miniglossário de expressões idiomáticas do pajubá
Ai, meu edi! – expressão idiomática que significa Ai, que saco!. Na fala escrachada gay, poderia ser falado Ai, meu cu! mas
com o mesmo sentido do significado anterior.
Aquela! – expressão que quer dizer - Até parece! Recentemente esta mesma expressão ganhou uma extensão com o uso do
cacoete afirmativo do amazonês “né”, ou seja, as gays (como é falado no pajubá) costumam dizer: - Aquela né! A bicha se
acha, mas tá acostumada a comer tucumã com farinha no café da manhã...
Lacrou! – Expressão que significa - Arrasou geral! Esta expressão está forte no linguajar pajubá. Na verdade ela,
atualmente, em muitos contextos, substitui os verbos arrasou! e abalou!, ainda em decurso no dialeto da comunidade LGBT.
Sambar na cara das inimigas! - expressão que significa - Deixar as inimigas mortas de inveja. Embora seja muito usado no
funk, principalmente, depois que a cantora Valesca levou a expressão para os hits, a frase já era falada pela comunidade
LGBT.
Tá boa! – expressão que significa - Você acha mesmo? ou - Nem vem! É importante notar que, geralmente, é usado como
desdém ou descrédito e, às vezes, vem acompanhada do vocativo: Tá boa, santa!
Tá meu bem! ou Tá meu amor!– expressão que significa - Olha só! Esta expressão, em particular, é uma das prediletas
usadas no pajubá. E, recentemente, ganhou uma concorrente, depois da participação de Ana Paula no BBB16, que criou o
“Olha ela!”, já batizado na comunidade LGBT.
Tô louca do meu edi!– expressão idiomática que significa Tô muito chateada! Traduzido para o linguajar popular seria Tô
muito puta!. Essa expressão, na década de 80, era falada no pajubá usando a frase do personagem, Seu Peru, da Escolinha do
Professor Raimundo, Tô po- rra- qui!
Tô passada! – expressão que significa - Estou chocada! A frase também é uma das prediletas da comunidade LGBT, pois
combina perfeitamente com a linguagem gestual dos gays.
Tô toda cagada! – expressão que significa - Tô emocionada, perplexa, muda. Esta expressão engana muita gente, pois levada
para o universo popular, muitos entenderiam algo relacionado a medo.
(Fonte: Arquivo pessoal de termos colhidos a partir de nossa pesquisa de campo)
Consoante a afirmação de Leite, o universo das línguas precisa ser respeitado, seja
dialeto, pidgins ou gíria. Essas manifestações linguísticas acabam se imbricando no contexto
56
de nossos falantes. Se continuarmos limitando as várias falas do cotidiano ao universo da
língua-padrão, perderemos a essência da heterogeneidade das línguas.
3.5. Termos de Origem Indígena
Embora não elenque uma lista vasta, há presença do léxico indígena na formação do
pajubá, partindo dos povos de origem tupi que, segundo Houaiss (2006) [...] era a
denominação dos povos indígenas que habitavam o norte e o centro oeste do Brasil, bem
assim o litoral brasileiro, estendendo-se, também, por alguns países da América do Sul:
Paraguai, Bolívia, Peru, Argentina, Colômbia, Venezuela e Guiana Francesa [...]
Atualmente, os povos de origem tupi falam várias línguas. Temos, precisamente, um
tronco linguístico composto por 10 famílias (conforme fig. 4).
É importante ressaltar que, hoje, no Amazonas, conhecemos como tupi moderno ou
Nheengatu (‘língua boa’ de Nheen = língua e Katu = boa).
Os grupos indígenas encontrados no litoral pelo português eram principalmente
tribos de tronco tupi que, havendo se instalado uns séculos antes, ainda estavam
desalojando antigos ocupantes oriundos de outras atrizes culturais [...] Apesar da
unidade linguística e cultural que permite classificá-lo numa só macroetnia, oposta
globalmente aos outros povos designados pelos portugueses como tapuias (ou
inimigos), os índios do tronco tupi não puderam jamais unificar-se numa
organização política que lhes permitisse atuar conjugadamente. (RIBEIRO, p. 31-
32)
Podemos exemplificar uma palavra muito usado no pajubá que, sem dúvida, confunde
muita gente, até porque todos falam que é uma palavra de origem africana, no entanto é de
origem tupi – o termo é “apecumã” ou “picumã10”, de acordo com o levantamento da
Biblioteca digital Curt Nimuendajú, registrado na língua Abanheenga picumã [Do Tupi
apeku’mã] – s.m. teia de aranha enegrecida de fuligem.
Outros exemplos de origem tupi-guarani são os sufixos diminutivo e aumentativo,
respectivamente, – mirim e – açu, que, segundo Borba (2002) em seu dicionário de usos do
português do Brasil, conceitua o primeiro com o significado (pequeno) e o segundo (grande).
Ambos são usados no pajubá, como, por exemplo, nas expressões “litragem-açu” e “litragem-
mirim”, em que o termo litragem corresponde a quantidade do líquido seminal. No primeiro
caso, costuma-se dizer que a pessoa levou um banho de sêmen. Já o segundo, faz alusão ao
indivíduo, cuja quantidade de líquido seminal é quase nada.
“ ...eu amo tomar banho com a litragem-açu dos cafuçus...já até dormi
assim...risos...(Entrevistado 4)
Fazendo uma breve análise do uso dos sufixos apresentados acima, e portabilizando-
os ao universo pajubá, percebemos o quanto há certa acuidade no que tange ao eufemismo da
10
Picumã - No que condiz ao uso do pajubá, refere-se ao cabelo dos gays ou mesmo à peruca.
57
expressão, pois, se usada no senso comum, ficaria muito forte, chegando a ofender a
comunidade que não é gay, mais uma vez comprovando que o pajubá suaviza determinadas
expressões faladas pelo público LGBT. Portanto, podemos levar em consideração que o
pajubá é usado na formação do código linguístico homoafetivo que monopoliza a mensagem
apenas para o conhecimento de sua comunidade, como uma espécie de ‘língua de resistência’.
Toda mensagem tem uma finalidade, ela pode servir para transmitir um conteúdo
intelectual, exprimir (ou ocultar) emoções e desejos, para hostilizar ou atrair
pessoas, incentivar ou inibir contatos e ainda pode bem simplesmente, servir para
evitar o silêncio e, por isso se diz que uma mensagem tem muitas funções, muitos
significados. (LOPES, 1995)
Por isso é importante saber quando usar este código linguístico, e quando cifrá-lo
ainda mais, dependendo de sua vulnerabilidade, desde que o canal de comunicação não seja
afetado pelos membros que dele fazem uso. Dessa forma, o pajubá codifica a mensagem que
será descodificada apenas por sua comunidade, ou de quem aderir a este código.
58
3.6. O termo vazio (-SSIMI) e a presença do Morfema Verbal (-TES)
O morfema é, sem dúvida, um dos elementos linguísticos mais importantes no que
tange à noção de valor (Saussure, 1970), posto os fonemas não terem esse poder. São
inúmeros os radicais, prefixos e sufixos de origem grega e latina na formação de nossas
palavras no PB. Como cada um desses elementos se revestem de significado(s), auxiliam-nos
bastante no processo de linearidade da língua. Sobre os morfemas gramaticais, precisamos
atentar a uma hierarquia existente entre eles.
Entre um grupo e outro de morfemas gramaticais, existe certa gradação de
significação, isto é, os morfemas flexionais são menos nocionais que os morfemas
derivacionais; os classificatórios são mais vazios ainda, havendo até quem negue à
vogal temática a condição de morfema. (ZANOTO, 1996, p.29)
59
Gráfico 1 – Dados relacionados ao uso do (SSIMI) pelos LGBTs
Não conhecem o
fenômeno; 56; 17%
Nunca ouviram
falar; 78; 81%
60
caso ele é carregado de valor, pois remete a segunda pessoa do singular ainda que sua
desinência recorde a ideia de segunda do plural, mesmo não sendo, já que o elemento mórfico
verbal de desinência pessoal correspondente seria o (-stes).
“Olha, o que mais eu gosto de falar é ‘cata’, ‘acuenda’, ‘boca de se fudertes’, eu sou
assim quando eu tô muito feliz (...). (Entrevistado 8)
“...manas, eu sei que vocês sentem falta das dublagens de porradão, muitos me pedem, marreu num
posso mais postartes que o Facebook fica num negordi tá bloqueando a rente. Aqui e nem no youtube. Uma
pena, mas a rente tem que respeitartes..” (grifos nossos) [postagem do dia 07.04.2016 às 20h e 13min.]
“...poxa mana, tu me humilhartes agora” (grifo nosso) [postagem do dia 07.04.2016 em resposta a uma
fã]
“Alguém faz contato com a Hebe e diz pra ela vir me buscartes kkkkkkkkk ” (grifo nosso) [postagem
do dia 06.04.2016 às 12h e 39min.]
(Fonte: Página Tal Qual Dublagens/facebook)
61
Como observamos nos exemplos, a diferença entre o (-ssimi) usado no pajubá e o
morfema (-tes) criado pela personagem “Tia Tal Qual”, diferencia-se pelo fato de o primeiro
não possuir um valor de significado, enquanto o segundo, sim, possui um valor, até por conta
do uso predominante do pronome “tu” na fala manauara, denotando um ar de intimidade,
mesmo sem a devida flexão verbal. Tal fenômeno carregado de um neologismo morfológico
já foi visto anteriormente só que na mídia televisiva, na década de 80, com o personagem
Mussum de Os Trapalhões, quando criou o uso do morfema “is” no final das palavras como
em “ forévis e cacildis”, que até hoje ainda é rememorado por pessoas que viveram aquela
fase.
Desse modo, mais uma vez, colocamos em evidência o forte papel da mídia televisa e
das redes sociais, que influenciam bastante na maneira de falar dos usuários e/ou
telespectadores, por conta da velocidade que tais expressões acabam por se disseminar pelo
mundo todo.
Para Wasserman e Faust (1994), uma rede social “é definida como um conjunto de
dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões
(interações ou laços sociais)”. Já para Degenne e Forse (1999), “uma rede é uma metáfora
para observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir da linguagem estabelecida
pelos diversos atores...”. Daí o interesse atual pelos estudos voltados ao poder da linguagem
que as mídias televisas e as redes sociais possuem sobre a sociedade.
3.7. O estudo dos verbos no pajubá como modalizadores linguísticos
Para Koch (2011), “...os modalizadores são elementos linguísticos que estão ligados
ao evento de produção do enunciado e que funcionam como indicadores de intenções,
sentimentos e atitudes do locutor com relação ao seu discurso”. Sem dúvida, é exatamente
isso que ocorre com determinados verbos no estudo do pajubá, os quais ganham um poder
extremamente ímpar no discurso da comunidade LGBT.
Para Hyland (1998), esses elementos caracterizam os tipos de atos de fala que se
deseja desempenhar, revelando maior ou menor grau de engajamento do falante com relação
ao conteúdo proposicional veiculado e apontam as conclusões para as quais os diversos
enunciados podem servir de argumento.
Certamente, se no universo pajubá não existissem esses verbos, as expressões não
ganhariam o poder discursivo que têm hoje. Sem contar a mudança de significado que pode
causar dúvida para os gays iniciantes no pajubá, chamadas de “bibas debutantes”; ou mesmo
para os não pertencentes à comunidade LGBT, mas que, de alguma maneira, apreciam esses
códigos pelo seu toque de humor que produz à fala, principalmente, em se tratando da
62
persona gay, que, além de falar com propriedade e, por vezes, com ligeireza na pronúncia das
expressões, brinca com a linguagem corporal, o que é primordial para prender a atenção de
seu receptor.
Quadro 7 – Miniglossário de verbos modalizadores discursivos do pajubá
Abafar - deixar quieto
Abalar - fazer o melhor
Aquendar, acuendar ou akuendar - pegar, olhar
Atender - fazer programa
Bater cabelo – sentido real da expressão, no caso dos gays refere-se à peruca ou ao picumã
Bombar - ser ativo numa relação ou arrasar.
Caçar - procurar alguém para fazer sexo
Catar – o mesmo que Acuendar
Dar close – mostrar-se com empolgação, sensualidade.
Dar pinta – demonstrar trejeitos femininos
Desaquendar, desacuendar, desakuendar - desapegar, desembaçar
Fazer a egípcia – não dar confiança
Fazer a maldita – praticar algo ruim
Fazer o boy – fazer sexo
Gongar ou xoxar - ridicularizar
Jogar-se - aproveitar
Lacrar ou Grelhar- arrasar
Levar coió - pegar porrada
Não deitar - jamais desistir, porque os gays, em geral, são altamente competitivos
Tombar - falar mal de alguém
(Fonte: Arquivo pessoal de termos colhidos a partir de nossa pesquisa de campo)
“...eu falo com as mãos...afinal, qual o viado que não faz isso?...eu sou professor...e
faço a linha Beyoncé, querida!...preciso usar meus recursos corporais para me
comunicar (gargalhadas)...meus alunos me acham a poderosa e me
respeitam...desculpa! Se eu grelho e as invejosas, não.” (Entrevistado 14)
“...meu amor!..eu adoro fazer um erê da neca cheirando a sexo... não importa que
eu tenha que descolar o acué pro baseado dele (...)” (entrevistado 13)
“...tá louca bicha...quer levar coió fala porque eu não tô louco do meu edi pra ficar
aqui contigo (Entrevistado 20)
63
3.8. Particularidades no universo linguístico do pajubá
Para compreendermos minimamente os processos linguísticos presentes no pajubá, é
importante, primeiro, entender que, em sua estrutura, a Linguística se divide em
macrolinguística e microlinguística.
Weedwood (2002) define a primeira como sendo mais ampla, dentro de seu campo de
conhecimento, procurando mostrar a construção de uma teoria geral da estrutura da língua; a
segunda, refere-se a uma visão mais restrita no escopo da Linguística, trabalhando a língua
para fins práticos, especialmente, para a elaboração de métodos aperfeiçoados para o ensino.
Fig. 5 – Átomo linguístico
(Fonte: WEEDWOOD, Bárbara. História Concisa da Linguística. São Paulo, 2002, p.11)
64
letramento, entre outros; a Sociolinguística – analisa a relação entre linguagem e sociedade,
com foco especial no estudo das diferenças linguísticas em comunidade de fala. São temas de
discussão:
• A variação linguística, conceitos como norma-culta e norma-padrão, o uso do
estrangeirismo, entre outros;
• A Análise do Discurso – a AD, corrente desenvolvida na França, aborda a
língua em seu processo histórico. Atende a uma perspectiva não imanentista da
linguagem, privilegiando as condições de produção e recepção, bem como os
efeitos de sentido;
• A Linguística do Texto – analisa a relação entre leitor e texto. O leitor é visto
como o membro ativo no processo de construção de sentidos; o texto é visto
como um processo interacional, e o contexto é sempre parte do texto.
Textualidade, estratégias textual-discursivas de construção dos sentidos,
formas de articulação textual são temas contemplados pela LT;
• A Pragmática – estudo do uso prático da linguagem, isto é, dos princípios que
guiam o modo como produzimos e interpretamos significados quando usamos
linguagem. Questões sobre o uso concreto da linguagem, atos de fala,
implícitos, máximas da comunicação são abordados;
• A Neurolinguística – estuda os mecanismos do cérebro humano que
possibilitam a compreensão, a produção e o conhecimento da linguagem, tanto
falada como escrita, ou seja, investiga as relações entre a estrutura do cérebro
humano e a capacidade linguística, em particular a aquisição da linguagem e os
distúrbios da linguagem que se seguem a lesões cerebrais;
• A Análise da Conversação – a AC é uma abordagem da Análise do Discurso
que foi desenvolvida por um grupo de sociólogos e constitui-se no estudo da
interação verbal e não-verbal em situações cotidianas, procurando descrever as
interações formais e informais;
• A Linguística Histórica – estuda a mudança linguística de uma ou várias
línguas, como ela surgiu, quais línguas influenciaram sua estrutura e uso, as
mudanças que sofreu ao longo do tempo e o porquê dessas mudanças. Um a
língua é viva não fica estagnada, mas evolui, acompanha a evolução da
sociedade que a utiliza como instrumento de comunicação.
65
Sem dúvida após mostrar com quais elementos linguísticos se preocupam cada área
específica, ficará mais didático a sua contribuição para o universo da linguagem, sendo que o
nosso propósito, neste capítulo, é discutir acerca dos fenômenos que ocorrem no pajubá,
envolto ao sistema da microlinguística.
3.8.1. Processos fonéticos e fonológicos no pajubá
Para Dubois (1978), “os metaplasmos são modificações, cujos itens lexicais sofrem no
decorrer do tempo, devido a fatores tanto internos quanto externos à língua no processo de
comunicação”. Conforme vimos até aqui, os fenômenos metaplasmáticos ocorrem como
processos fonéticos para auxiliar na composição fônica de determinadas palavras.
Primeiramente, exemplificaremos os vários elementos fonéticos e fonológicos
existentes em nosso estudo. A começar pelos fenômenos metaplasmáticos, principalmente os
de aumento e subtração, que ocorrem em expressões como no iorubá amapoa - amapô –
mapô. Em sua segunda forma ocorre o metaplasmo por subtração (amapô – supressão do
fonema /a/ no final da palavra), denominado apócope; e, na sua última forma, interligada à
segunda expressão, ocorre outro fenômeno por subtração (mapô – supressão do fonema /a/ no
início da palavra), denominado aférese.
“ Tem bee que não se atualiza ainda fala amapoa pra mapô...como adeptos da gíria
gay temos que estar sempre atentos às atualizações...a língua voa e precisamos
acompanhá-la...” (entrevistado 14)
Outro exemplo seria a expressão Cumbu, forma variante de Kumbu do Kimbundo, cujo
significado seria vaidade. Em sua forma original a expressão kumbu é grafada ukumbu; como
se pode observar, mais uma vez há um metaplasmo por subtração no início da palavra,
denominado áferese, e como variante resultando na expressão cumbu, ao passar para o PB.
Temos ainda mais exemplos, como ocorre em “Fófi”, adjetivo pejorativo para substituir
“fofa”, usado em tom de deboche para se referir a uma pessoa fofa em excesso. Aqui percebe-
se um metaplasmo por assimilação parcial, já que a vogal “a” é substituída pelo “i”. Ainda no
que concerne aos fatores fonéticos e fonológicos, uma expressão que é muito usada no pajubá,
quando se quer saudar alguém: “-E aí!”, resultando na mudança por “Inhaí”, fenômeno
metaplasmático que podemos denominar como um processo de permuta por nasalização, onde
o fonema oral passa a ser nasal, sendo que no meio LGBT, falamos que a expressão é uma
forma anasalada.
“ A primeira vez que ouvi falar em pajubá foi no programa Amor & Sexo da
Fernanda Lima...confesso que usava, mas só chamava de gíria gay...depois que
meus amigos me falaram pra assistir o programa do Ferdinando Show que comecei a
ver essas formas alongadas...nem sei se isso é correto... ouvi ele ensinar para a
plateia “inhaí”...achei muito legal e fora do convencional”. (Entrevistado 16)
66
3.8.2. Processos morfológicos no pajubá
Agora passaremos a exemplificar os fatores morfológicos presentes no pajubá, os
quais, sem dúvida, são os elementos linguísticos predominantes no estudo deste pidgin. A
começar pelo processo de formação de palavras por derivação. Para ilustrar bem esse item
podemos destacar o termo “caralho”. Segundo a Academia Portuguesa de Letras e o
dicionário online Aurélio:
Caralho é a palavra com que se denominava a pequena cesta que se encontrava
no alto dos mastros das caravelas, de onde os vigias perscrutavam o horizonte em
busca de sinais de terra. Também era considerado um lugar de castigo para aqueles
marinheiros que cometiam alguma infração a bordo. [...]é uma expressão usada para
traduzir indignação ou admiração. Também pode fazer referência ao órgão sexual
masculino. (grifo nosso)
67
Dentro do universo sufixal, são inúmeros os exemplos que podemos elencar: bombar
(radical -bomb + sufixo verbal indicador de infinitivo -ar ) que resulta em bombado (radical -
bomb + sufixo indicador de adjetivo -ado ),cujo significado está ligado a musculoso;
chupeteira (radical secundário – chupet, posto o primário ser -chup, + sufixo com valor de
ocupação - eira), cujo significado no pajubá equivale a homossexual que adora fazer sexo
oral; colocar (radical -coloc + sufixo verbal de infinitivo -ar) que resulta em colocado
(radical -coloc + sufixo indicador de adjetivo -ado), cujo significado no pajubá seria o efeito
de álcool ou droga; e gongar (radical -gong + sufixo verbal indicador de infinitivo -ar) que
resulta em gongado (radical -gong + sufixo indicador de adjetivo -ado), cujo significado no
pajubá seria reprovar ou derrubar.
“... eu não aceito viado que vem me gongar...ainda mais quando é esses viadinho
pão-com-ovo que não sabe nem fazer chupeta no boy...e nem mapô que só porque
tem racha pensa que pode humilhar...por isso eu comprei a minha (risos)”
(entrevistado 13)
Como processo por composição, também podemos arrolar uma série de exemplos,
principalmente os formados por justaposição, ou seja, aqueles que não têm perda fonética, são
eles: bicha-bofe (homossexual não efeminado, mas nem sempre ativo); bicha-boy (bicha bofe
novinha); bicha-cadela (homossexual libidinoso); bicha-fina (homossexual refinado); bicha-
louca (homossexual afetado); bicha-pão-com-ovo (homossexual pobre culturalmente); bicha
quá-quá-quá (homossexual que não sabe se comportar em locais públicos, bicha qualquer,
inclusive a expressão “quá” que aparece é uma corruptela de “qualquer”, como ocorre em
bicha - uó (advinda da expressão dos anos 90 “uó do borogodó”); ainda na linha dos
exemplos de composição por justaposição temos: bofe-escândalo que seria o mesmo boy-
magia, sendo que no último caso há uma composição de um termo estrangeiro unindo-se a
uma palavra da língua portuguesa, cujo significado no pajubá seria homem muito bonito e
sexualmente desejado.
“ ...eu posso até ser travesti, mas faço um boy magia melhor que uma mapô...tem
bicha que é uó não sabe nem seduzir...eu me garanto...se é pra bombar o boy, eu
bombo mesmo...mas prefiro quando ele que me bomba” (entrevistado 5)
69
“(...) antes eu não suportava ser chamado de gay... Deus me livre!...eu tinha ódio na
época de escola...eu lembro que naquela época eu pensei até em me matar...hoje eu
já estou com 39 anos, pago minhas contas com meu trabalho...faço meus shows por
hobby...hoje eu me aceito como sou... não tenho vergonha de ser chamado de viado,
gay, bicha ou o que for...a vida da gente tem que ser bem vivida e eu sou feliz
assim”. (Entrevistado 11)
“Eu sou gay...gayzinha mesmo como meus amigos falam...não tenho vergonha
não...já entro na boate desde os 14 anos...só no ‘truque’ da carteira falsa...tá meu
bem!...minha mãe acha que tô num aniversário...coitada!...eu tô aqui pra pegar os
‘boy’...principalmente os que são a ‘mala’, querida, porque eu sou guerreira”
(Entrevistado 4)
70
Só porque eu sou patrícia, bonita, a gay quer quebrar louça comigo!- relação sexual entre homossexuais afeminados
Tá meu bem! que ela passou no mestrado, agora só vive fazendo carão - arrasou, fazer rosto bonito
Vou dar a Elza nela!- Roubar
(Fonte: Arquivo pessoal de termos colhidos a partir de nossa pesquisa de campo)
Concluindo a base dos elementos sintáticos no pajubá, como se pôde observar nas
sentenças exemplificadas; trata-se de um pidgin, cujas palavras possuem um elevado poder
quanto ao seu uso no universo lexical e, consequentemente, semântico.
3.8.4. Processos semânticos no pajubá
A semântica é, sem dúvida, o alicerce dos estudos dialetológicos, sobretudo, no que
tange a sua preocupação quanto ao entendimento da mensagem que seu escritor tem a
oferecer. Geralmente, enriquecida pelo uso de sinônimos (termos com sentido semelhante),
antônimos (termos com sentido contrário), parônimos (apenas parecidos quanto ao campo
escrito e falado), homônimos (iguais no som ou na pronúncia ou ainda nos dois aspectos),
hiperônimos (termos mais gerais) e hipônimos (termos mais específicos). A semântica precisa
refletir exatamente o contexto sociocultural, político e ideológico do falante, seja na forma
culta ou coloquial, pois advém da necessidade de uma comunidade linguística. E, dentro desse
aspecto, há o processo de atualização dos vocábulos como ocorreu com o termo “maricas”,
etimologicamente o nome foi criado a partir de uma ninfa da mitologia grega, já que,
geralmente, o homossexual liga o seu pensamento a atos sexuais, como podemos confirmar
nos estudos foucaultianos sobre o tema prazer como linha de fuga em sua obra História da
Sexualidade, em seu primeiro e segundo volume, falando sobre o prazer na homossexualidade
contemporânea.
Dentro de um contexto lexicológico, de acordo com o dicionário Houaiss (2006) o
termo “maricas” tem como um dos significados“...o indivíduo do sexo masculino que se
comporta com modos femininos; efeminado...”. Sobretudo esta expressão circulou durante a
década de 60 e 70, quando, a partir da década de 80, passou a ganhar força na língua a
expressão “mariquinha”, já que o comportamento homoafetivo, geralmente, é percebido no
indivíduo desde criança. E, atualmente, já se usa o termo “maricona”, correspondendo aos
gays de mais idade. Diante dessa situação, conclui-se que o estudo diacrônico da expressão
passa por um processo de convenção linguística para, então, firmar-se no linguajar do povo.
“ Já estudei bastante sobre o universo homossexual, até para me entender melhor...já
li Foucault, Lorca, Cocteau, Rimbaud, Woolf, Proust, Beauvoir, entre outros...na
verdade foi através do estudo da homossexualidade...sobretudo dos autores de fora...
que segui a área da Psicologia[...] No Brasil, tivemos também exemplos memoráveis
que revolucionaram...mesmo com a ditadura cantando nas ruas... não sei se você já
ouviu falar em Dzi Croquettes...eu adorava aqueles caras... supercríticos do
teatro...não sei se você já pesquisou em revistas mais antigas como O lampião da
Esquina que tratava muito sobre a luta contra o preconceito...mas, particularmente,
eu gostava muito da revista Rick...quantas vezes me masturbei olhando aquela
71
revista (gargalhadas) [...] Sobre o pajubá, sim eu já ouvi falar, até uso algumas
expressões quando estou reunido entre amigos...inclusive, nesta semana, eu e dois
amigos meus falávamos sobre isso... eles disseram que sou uma maricona
(gargalhada)...já que estou no auge dos meus 63 anos de idade...enfim sobre esse
assunto podemos falar até o sol raiar...o que não me falta são histórias do universo
gay (risos). (Entrevistado 1)
Para contribuir com esta discussão acerca do campo semântico, Lopes (1995, p.234),
classifica-a em cinco partes: 1) a linha de Saussure e Hjelmslev; 2) linha lógica (ou da
“palavra” isolada); 3) a linha contextual; 4) linha do contexto-situacional; 5) linha
transformacional. De antemão, deixando claro que, em nossa pesquisa, faremos uso da quarta
linha elencada, visto que o nosso dialeto estudado é enriquecido a partir do grau do contexto-
situacional do linguajar homoafetivo.
Certamente, um exemplo fidedigno é o uso da expressão “agasalhar”, cujo significado
de acordo com o dicionário Houaiss (2006) seria “[...]dar abrigo ou hospedagem; abrigar,
acolher, albergar [...]”, contudo se expandirmos a palavra para a linha do contexto-situacional,
veremos suas variações de sentido. No Sul, por exemplo, o termo é usado para o vestuário,
como forma de se aquecer do frio da região. Já para o amazonense a expressão “pode ir além
do trato com pessoas” como, por exemplo, agasalhar a louça, agasalhar os brinquedos,
estabelecendo o sentido de arrumar. No entanto, quando se faz alusão ao pajubá, a expressão
ganha uma outra conotação. Para os homossexuais, “agasalhar” seria o “Ato de envolver o
pênis com o ânus e o reto”, prática muito comum no universo dos transformistas.
“ ...acho que a parte mais complicada no momento que eu me monto é na hora de
esconder a neca (risos)...pra agasalhar meus 22 cm que tenho muito orgulho
(gargalhada) preciso usar uma senhora técnica para não comer a mim mesmo (mais
gargalhas)...o segredo é não tomar líquido e tentar reduzir o volume do pacote com
bastante esparadrapo como uma espécie de tapa-sexy[...]Nunca me ocorreu algum
incidente, como você bem falou, mas eu já vi amigos meus transformistas
mostrarem o Mickey quando faziam espagate (risos)...acredito que isso jamais vai
acontecer comigo”. (Entrevistado 11)
No trecho da entrevista acima, vimos com irreverência a forma como foi adotado o
termo “agasalhar”, além de ter mencionado também a expressão “Mickey” que faz alusão ao
saco escrotal. No exemplo retirado do mesmo trecho, mais uma vez podemos comprovar o
uso do pajubá no processo de eufemismo do linguajar homoafetivo. Assim, para cada
contexto de situação, uma mesma palavra pode expandir o seu campo lexical, tornando-se um
signo linguístico artificial, compreendido apenas pela comunidade que dele faz uso, como
postula Fiorin (2005, p.72): “Os signos artificias podem ser divididos em signos verbais e
signos com expressão derivativa. Os signos verbais são interpretantes de todas as linguagens,
enquanto os signos das outras linguagens nem sempre podem interpretar os signos
linguísticos...”
72
Dessa forma, podemos trazer a teoria dos signos derivativos à luz dos estudos do
pidgin pajubá, já que sua função comunicativa é estabelecida por um acordo social, por uma
convenção. Deixando claro que objeto de nossa pesquisa, promove-se por ser um código
linguístico de identidade e resistência da comunidade LGBT.
3.9. Considerações Finais
No que tange à formação do pajubá, por meio da coleta de dados, e, após uma análise
descritiva do falar homoafetivo, apreendemos elementos que o corporificam. Primeiro o uso
das expressões que são originalmente do iorubá ou de outras línguas africanas, que chegaram
ao Brasil por meio dos rituais religiosos, dos quais participam um grande número de
homossexuais. Embora a gramática da língua iorubá tenha suas particularidades,
principalmente quanto ao seu processo lexical, as expressões incorporadas no PB
permanecem, em grande parte, com a sua fidelidade semântica; o que ocorre, geralmente, são
mudanças fônicas.
Ainda nesse item, enfatizamos a importância dos programas televisivos na propagação
dos termos da chamada língua de santo, como ocó, odara, amapô, edi, etc., que podemos
perceber, por exemplo, com a personagem Xuxeta em Xilindró, transmitido pelo canal
Multishow; com o programa Amor & Sexo na Rede Globo, cuja apresentadora é Fernanda
Lima, que traz sempre como convidados alguns participantes gays para discutir vários temas,
dentre eles aqueles voltados à diversidade de gênero. E, recentemente, o uso do pajubá na
chamada da reapresentação da novela Maria do Bairro, no SBT.
Como segundo item da formação do pajubá, captamos, por meio da fala dos
entrevistados e também nas enquetes, o uso excessivo de metáforas que, sem dúvida, deixa o
código linguístico LGBT extremamente divertido com expressões que correm pelas redes
sociais como: fazer carão; botar a cara no sol; fazer a chuca; fazer a maldita; sambar na cara
da sociedade; lacrar, arrasar, bombar, etc. O interessante com relação ao uso dessas
expressões é que algumas acabam confundindo os heterossexuais, conforme vimos em uma
das entrevistas em que um participante heterossexual interpretou a expressão “tô toda cagada”
como algo relacionado a medo, quando na verdade para os homossexuais seria ‘estar
emocionado com algo ou alguém’.
No terceiro item de formação do pajubá, apresentamos o universo dos antropônimos,
que usa o nome de personalidades da mídia para endossar algumas características que a ela
pertence como ‘dar a Elza’, por exemplo, fazendo alusão ao ato de roubar, que de acordo com
a explicação dos travestis, a atriz, na década de 80, tinha sérios problemas por ser
cleptomaníaca.
73
No quarto item, detectamos as expressões idiomáticas (EIs) compostas por frases de
efeito como: tá meu bem!; tá boa querida!; tô passada!; tô louca do meu edi!, etc. A maioria
dessas frases foram colhidas nas enquetes ou nas dinâmicas realizada nos grupos em forma de
debate. Tivemos três encontros extremamente proveitosos. Um na Ponta Negra; um no ensaio
de uma dança internacional de Manaus; e outro na quadra de esportes do colégio Solon de
Lucena, onde, nos fins de semana, o espaço é cedido para os jogos da liga gay de vôlei do
Estado do Amazonas.
No quinto item, trouxemos o uso de expressões indígenas no pajubá. Embora não
sejam muitas, o código linguístico recebe a influência do Tupi, atualmente, chamado de
Língua Geral (o Nheengatu) em palavras como ‘picumã’ [Do Tupi apeku’mã], que seria a
fuligem produzida na teia de aranha, porém o sentido empregado pelos gays quer dizer peruca
ou cabelo. Na confecção de exemplos para esclarecer melhor o item, vimos uma expressão
‘litragem-açu’ (= gozar muito), que comprova o uso do pajubá em seu processo de
eufemização do linguajar homoafetivo, indo ao encontro de um dos nossos objetivos
específicos de nosso trabalho.
No sexto item para explicar a formação do pajubá, observamos um processo
extremamente intrigante. Trata-se de um morfema-vazio, o (-SSIMI), usado na fala
homoafetiva para dificultar ainda mais o código linguístico, e, em alguns casos, acompanhado
da vogal ‘i’, auxiliando na pronúncia de determinados termos. Por esse motivo, a comunidade
LGBT o denomina como a ‘língua do i’, ou ainda, a ‘língua do s’, por conta da sonoridade
excessiva de ‘S’ na fala, como em: amapossimi, acuessimi, queridissimi, ebossimi,
gongassimi, alibassimi, picumãssimi, etc. Este item serviu de apoio no que concerne à ideia
do pajuba como uma língua de resistência, pois quando se vê em processo de decifração de
código, acaba se blindando.
Ainda neste mesmo item, detectamos o uso do morfema-verbal (- TES), criado por
uma personagem nas redes sociais conhecida como Tia Tal Qual, onde brinca com o linguajar
do amazonense que gosta bastante de usar o ‘tu’ como forma de mostrar-se mais íntimo de
seu interlocutor, porém o tom caricatural está na mudança de pessoa gramatical de 2ª do
singular para 2ª do plural. Além dos seis itens elencados na formação do pajubá, trouxemos
um tópico especial com os verbos modalizadores muito usados no discurso dos gays como:
aquendar, desaquendar, lacrar, gongar, xoxar, tombar, etc. E, por fim, as particularidades
linguísticas no universo do pajubá nos âmbitos fônico, morfológico, sintático e semântico.
Quanto a cada um desses processos supramencionados, fizemos um estudo gramatical mais
apurado, cujos detalhes podem ser encontrados no próprio capítulo.
74
Capítulo 4 – O Pajubá como Código Linguístico de Resistência da Comunidade LGBT
Quando começamos a estudar o nosso objeto de pesquisa, trilhamos um caminho ainda
desconhecido, tendo que conceituar vários fenômenos do campo linguístico, como linguagem,
dialeto, gíria, crioulo, entre outros, para conseguir responder a um único item. Em seguida,
procuramos entender melhor a história da vinda dos escravos para o Brasil, trazendo a sua
forte influência da língua africana em contato com a língua portuguesa. E, por fim, ter
conseguido manter por meio da sua cultura, através dos cultos afro-brasileiros, o uso de um
idioma que mais tarde se tornaria o símbolo de resistência para a criação de um código
linguístico da comunidade LGBT.
Se língua é identidade e, acima de tudo, uma forte influência na cultura de uma nação,
não poderíamos deixar de fora um linguajar que há tanto tempo vem sendo vilipendiado pela
sociedade. Sendo calado cada vez que morre um LGBT; cada vez que a intolerância religiosa
vira as costas abominando um homossexual; ou, ainda, quando a homofobia continua
obrigando os gays a continuarem trancafiados no armário da solidão.
São por todas essas razões que o último capítulo de nosso trabalho procura responder
o porquê de o pajubá se efetivar como um código linguístico de resistência para a comunidade
LGBT.
4.1. O Pajubá e seu viés com a Linguística Antropológica
Indubitavelmente, não há como falar de identidade linguística sem envolver o aspecto
antropológico. Foi pensando numa forma mais tátil, que resolvemos estudar o pajubá dentro
da linguística antropológica, já que ela é responsável por estudar as faculdades linguísticas
dos indivíduos medidas culturalmente, ou seja, a partir da linguagem que eles se comunicam.
Como o pajubá é um fenômeno pouco conhecido, é importante deixar enfático que ele
é formado por expressões que fazem conexão entre duas línguas como já foi mencionado na
introdução de nosso trabalho – a língua africana com a língua portuguesa, havendo
predominância da segunda –, por esse motivo o código que é reproduzido pelos seus falantes
torna-se cada vez mais cifrado e, conforme nossos entrevistados, ela auxilia muito no combate
à violência contra os homossexuais.
“ Quando usamos o pajubá , mostramos a nossa identidade e fortalecemos
ainda mais a luta contra a homofobia...hoje ainda tem muitos gays
preconceituosos e isso nos enfraquece...a cada ano nossa parada gay vira palanque
de candidatos, mas quando ganham nos esquecem [...] a cada eleição temos menos
representantes na câmara e os que lá estão não se empenham para criar leis que,
realmente, beneficiem a nossa comunidade... não adianta falarmos de direitos civis
se não quebramos o preconceito que há dentro de nossa própria comunidade... não
adianta falar de diversidade sexual na escola, sem que o povo entenda, no mínimo, a
diferença de identidade de gênero e orientação sexual...quando me dediquei ao curso
de antropologia foi para buscar as bases necessárias para entrar na luta...mesmo
75
assim tenho esperança de que nossa resistência valerá a pena...no dia em que a
homofobia for, legalmente, combatida aí sim estaremos trilhando uma ideologia
mais laica e justa...” (Entrevistado 9)
Quanto mais cifrado for o código, mais proteção a comunidade LGBT terá,
principalmente agora que vivemos num período em que se tornaram comuns os casos de
homicídio envolvendo os homossexuais. Prova disso, foi o vídeo que circulou nas redes
sociais da travesti Dandara dos Santos, que foi espancada por seis indivíduos até a morte, dos
quais, quatro eram menores de idade. Infelizmente, as pessoas carregam o preconceito, sem
ao menos se dar conta disso.
“ Cara vou jogar a real pra você...eu não me amarro nessas coisas de gay...eu
respeito, mas desde que seja bem longe...homem tem que ser homem e agir como
homem...a partir do momento que se veste e quer se comportar como se fosse
mulher pode cair fora[...]eu não sou homofóbico, porque nunca bati em viado e
respeito desde que não mexam comigo...” (Entrevistado 19)
76
4.2. O pajubá como fator de identidade linguística
Criar, manter e renovar um código linguístico é o que os gays fazem ao disseminar,
em meio aos seus discursos, as expressões que só serão captadas pelos membros de sua
própria comunidade. Deixando claro que não estamos falando daqueles que simpatizam com
as causas LGBT’s, não é à toa que o ‘S’ de simpatizantes deixou de existir, quando foi
alterada, na década de 1990, a sigla de GLS para LGBT. O propósito não foi excluir os
simpatizantes, mas deixar na luta as pessoas que realmente vivem o preconceito. Pessoas que
se autodenominam LGBT’s. Para ilustrar nossos argumentos, selecionamos uma entrevista, na
íntegra, de uma homossexual que assume, não só a sua identidade linguística, mas também a
de gênero.
Quadro 9 – Entrevista com uma travesti de Manaus
77
Entrevistada: - Eu já realizei todas... olha! Eu tenho 23 anos...eu moro sozinho desde os 15...eu fui amigada dos
15 aos 22...de aliança e eu nunca traí ele...depois que ele me deixou eu virei um demônio... não vou mentir um
demônio...um demônio mesmo...assim de barbarizar... e tudo que vocês perguntarem de mim, meu amor!...Gata,
já foi...
Entrevistador: - Geralmente as pessoas falam que os travestis são pessoas que passam um certo medo aos
outros. O que você tem a dizer sobre isso?
Entrevistada: - É verdade! Olha, eu passei por um constrangimento hoje que nunca eu esperei passar...minha
mãe é muito babadeira...muito babadeira mesmo..ela é drag da casa...aí a gente ia subindo o morro e o ocó me
olhou de cara feia...e minha mãe falou se tinha algum problema e que eu era o filho querido dela...e eu falei pra
ele: - Meu amor! De cara feia pra cara feia, só quem grelha é as bunitas... e eu fiz a chata...comecei a cantar,
cantar, cantar...aí eles começaram a me olhar e eu fechei a cara...sabia que se você não fizer isso você vai ser
sempre tratada como uó...você vai ser roubada... você vai ser espancada...vai acontecer tudo com você...se você
não for uma travesti doida você vai sempre apanhar...sempre...sempre apanhar...sempre ser espancada...sempre
vão falar que você não presta...que você é um viado...que você é isso...é aquilo e não sei o que lá....quando os
ocós me olharam...os ocós babadeiros me olharam aí eu comecei a cantar a musica do legião urbana...Todos os
dias quando acordo...aí eu falei pra eles vocês querem alguma coisa?...mana, travesti boa é travesti doida e agora
tá na hora de entrar pro meu show...beijo, gata!
Entrevistador: - Muito obrigado, XXXXXXX, você contribuiu muito com a nossa pesquisa.
78
No trecho da conversa acima, conseguimos observar que a pessoa fala naturalmente
usando as expressões do pajubá que já está enraizado no seu discurso, como: ‘boy’ = homem;
‘cafuçu do bem’ = homem confiável; ‘alibã’ = policial. Também vimos que, para ela, o
pajubá é uma gíria e deixa enfático o seu uso como forma de proteção. Nesse caso ela usa o
código linguístico para aproximar-se dos seus colegas de grupo e distanciar-se das pessoas
que os agridem, seja verbal ou fisicamente.
Por enquadrar-se numa classe marginal, os homossexuais utilizam o código restrito
que impede os demais que não se enquadram na categoria LGBT de compreendê-los. Isso
mostra o quanto o meio social é que conduz a sociedade para que surjam códigos bem
diferentes, conforme afirma Marcuschi (1975): “O meio social é um fator importante para o
surgimento de um outro código. Um código restrito pode surgir em qualquer ponto da
sociedade em que as condições prévias requeridas foram preenchidas”. É perceptível, por
meio da fala do entrevistado, a sua identidade linguística.
Ainda no compêndio de identidade linguística, passemos a analisar um fator relevante
para as homossexuais femininas quanto ao uso do termo “lésbica”, do latim lesbius, fazendo
alusão à ilha de Lesbos na Grécia, onde viveu a poetisa Safo, entre os séculos VI e VII a.C., a
qual era admirada por seus poemas direcionados às mulheres, geralmente falando sobre amor
e beleza. Daí, surgiu o termo lesbianismo ou safismo.
Fig. 6 – Safo da ilha de Lesbos (Grécia), aqui interpretada em um quadro de John William Godward (1904), deu origem ao termo lésbica
com a conotação do amor entre mulheres.
(Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Safo)
Outro fator relevante é que muitos, no universo LGBT, não diferenciam, em meio ao
seu discurso, o gênero da pessoa. Como observamos no decorrer das conversas em grupos
(apêndice F de nosso trabalho), eles se chamavam normalmente com os termos “gay, viado,
bicha”, independente se a conversa era entre travestis, drags ou homossexuais. O que mais
nos chamou atenção é que os homossexuais masculinos chamavam também as lésbicas pelos
mesmos termos. Já no caso dos heteros que foram acompanhados de suas namoradas, só
observavam os membros da comunidade usando o código com todas as suas singularidades,
principalmente fazendo uso do (-ssimi) que tratamos no capítulo três de nosso trabalho. Os
heterossexuais, notadamente, riam das expressões e dos trejeitos dos homossexuais. Isso nos
faz afirmar que o pajubá é realmente um código linguístico cifrado pela e para a comunidade
LGBT, cabe ressaltar que, por meio de sua comicidade, o pajubá começa a atrair o público
que não é gay.
4.3. Toda a comunidade LGBT fala o Pajubá?
Gráfico 3 - Amostra de quem fala mais o pajubá na comunidade LGBT
16%; 54
35%; 114
GAYS
LÉSBICAS
TRAVESTIS
5%; 15 TRANSEXUAIS
CROSSDRESSERS
DRAG-QUEEN
10%; 33 TRANSGÊNEROS
BISSEXUAIS
7%; 22
23%; 77
Para continuar os estudos sobre o pajubá, é importante conhecer quem são os falantes
que mais fazem uso dele. Porém, antes de elencarmos as categorias de gênero é importante,
primeiro, diferenciar orientação sexual de sexo biológico até chegarmos ao conceito de
80
identidade de gênero, posto, em nossa pesquisa de campo, termos presenciado várias pessoas
que não compreendiam, de forma clara, essas diferenças, inclusive, dentro do próprio meio
LGBT.
Embora muita se discuta, hoje, sobre gênero na categoria LGBT, é necessário
compreendermos que há diferença entre identidade de gênero, orientação sexual e o sexo
biológico. A primeira é construída dentro de um plano histórico, cultural e social, que o
indivíduo assume através de gostos, costumes, comportamentos e representações. A segunda
corresponde a inclinação da pessoa no sentido afetivo, ou seja, está ligada à atração. Já a
última, associa-se à combinação de seus cromossomos com a sua genitália. E para esclarecer
ainda mais, podemos ilustrar os conceitos com uma ilustração bem precisa.
Fig. 7 - Conceito entre identidade de gênero, orientação sexual e sexo biológico
(Fonte: http://www.livrariaflorence.com.br/livro-identidade-sexual-e-transexualidade)
Quanto à orientação sexual, o indivíduo pode ser assexual (não sente praticamente
nenhuma forma de atração). Bissexual (atração por mais de um gênero). Heterossexual
(atração pelo gênero oposto). Homossexual (atração pelo mesmo gênero). Pansexual (atração
por todos os gêneros). Hoje, o termo apropriado é orientação sexual, e não ‘opção ou
preferência’ como antes era comum ouvirmos falar, cujos termos demonstra uma espécie de
desejo como se a pessoa tivesse uma opção de escolha.
“...lógico que se eu pudesse escolher (como os heteros falam) eu escolheria não ser
gay...mas felizmente eu sou... eu tenho uma orientação sexual e não uma opção...já a
palavra preferência está ligada diretamente à posição que você assume na cama com
o parceiro...se você é ativo ou passivo” (Entrevistado 2)
De acordo com estudos avançados na área da psicologia pode ser determinada por
fatores biogenéticos, mas muito ainda se estuda acerca destes conceitos, principalmente no
que tange à estrutura do cérebro humano. Para a sociedade, ao longo da história humana, a
81
heterossexualidade é a forma ‘normal’ ou ‘natural’, pois está ligada diretamente ao ato de
reprodução (função biológica) e tudo que for diferente disso é anormal ou, mesmo,
antinatural. Partindo deste conceito, eis que surge a homofobia (aversão aos homossexuais,
bissexuais e transgêneros).
De Acordo com Britzman (1996), “...nenhuma identidade sexual existe sem
negociação ou construção, pois toda identidade sexual é um constructo instável, mutável e
volátil, uma relação social contraditória e não finalizada”. Já no que se refere ao sexo, no que
compete aos estudos da psicologia, é o conjunto de características estruturais e funcionais dos
seres, podendo ser macho, fêmea, ou mesmo, intersexual.11
Quando o homem atribuía um sexo a todas as coisas, não via nisso um jogo, mas
acreditava ampliar seu entendimento: - só muito mais tarde descobriu, e nem mesmo
inteiramente ainda hoje, a enormidade desse erro. De igual modo o homem atribuiu
a tudo o que existe uma relação moral, jogando sobre os ombros do mundo o manto
de uma significação ética. Um dia, tudo isso não terá nem mais nem menos valor do
que possui hoje a crença no sexo masculino ou feminino do Sol. (NIETZSCHE,
2008, p. 27)
11
Intersexual - é qualquer variação de caracteres sexuais incluindo cromossomos, gônadas e / ou órgãos
genitais que dificultam a identificação de um indivíduo como totalmente feminino ou masculino. Essa variação
pode envolver ambiguidade genital, combinações de fatores genéticos e aparência e variações cromossômicas
sexuais diferentes de XX para mulher e XY para homem. Pode incluir outras características de dismorfismo
sexual como aspecto da face, voz, membros, pelos e formato de partes do corpo. [ver: Santos &Araújo, 2006]
82
Alguns utilizam o termo queer12, outros a antiga denominação de ‘andrógino’ ou,
ainda, reutilizam a palavra ‘transgênero’. Agora passaremos a elencar as categorias de
gênero, que são os falantes regulares do pajubá. De antemão, podemos afirmar que há
predominância de identidade linguística com o universo lexical do pajubá - os homossexuais
masculinos, as travestis e transexuais e os drag-queens ou transformistas.
As travestis, como preferem ser chamadas, são pessoas que vivenciam papéis de
gênero feminino, não se reconhecendo como homens ou como mulheres, mas como membros
de um terceiro gênero, como bem argumenta a entrevistada abaixo:
“ ... Sou a travesti...porque odeio ser chamada de ‘o travesti’...somos babadeiras
mesmo...se for pra brigar a gente briga...eu tenho noção que não sou mulher...não
tenho racha...e nem tenho vontade de operar porque sei que muitos clientes gostam...
e sou muito feliz porque minha família me aceita”. (Entrevistado 5)
“...meus pais nem imaginam que estou aqui...não sou assumido [...] e respondendo
sobre os termos usados, vou ser muito sincero...não me sinto bem...sei lá! não
gosto...na minha opinião deixa o gay mais fresco do que ele já é...acho que nossa
postura tem de ser discreta...por isso não gosto dos travestis que querem agir como
se fossem mulheres.” (Entrevistado 18)
Este grupo é o que sofre mais preconceito pela sociedade homofóbica, principalmente
por colocarem hormônios femininos no seu corpo. É importante enfatizar que nem todas as
travestis são profissionais do sexo, muitas atuam em salões de beleza, no entanto acabam
tendo muita dificuldade de serem empregadas por suas características físicas, mesmo tendo
qualificação para o mercado de trabalho. Uma travesti, em especial, ganhou espaço na mídia e
o carinho do povo brasileiro, seu nome de nascimento é Astolfo Barroso Pinto, com 73 anos
de idade e 50 de carreira, mais conhecida como Rogéria, a qual se intitula ‘a travesti da
família brasileira’.
Fig. 8 – Capa do livro biográfico de Rogéria
(Fonte:http://www.jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/imprensa/rogeria)
12
Queer – termo usado para designar pessoas que não seguem o modelo de heterossexualidade ou do binarismo
de gênero. O termo é usado para representar gays, lésbicas, bissexuais e, frequentemente, também as pessoas
transgêneros ou transexuais, de forma análoga à sigla LGBT. [ver: Miskolci, 2009]
83
As Crossdressers acabam sendo muito conhecidas como uma variante de travesti pelas
pessoas leigas, todavia corresponde aos homens heterossexuais, geralmente casados, que não
buscam reconhecimento e tratamento de gênero (não são transexuais).
“ Eu adoro me vestir de mulher...desde que era adolescente eu pegava as saias e
vestidos e saltos de minha mãe... quando meus irmãos iam para a escola e meus pais
para o trabalho eu ficava sozinho em casa já que era o único que estudava em
horário diferente...cheguei a pensar que era homossexual tanto que transei com
homem, mas hoje sou casado com uma mulher maravilhosa...ela gosta que eu me
vista assim para ela e ainda ajuda na minha maquiagem...ela chama de fetiche... eu
chamo de prazer...” (Entrevistado 12)
Embora muitos não entendam esse gênero, é o segundo mais complexo depois dos
Transgêneros, por isso não se revelam. Vivenciando um papel de gênero diferente ao cis,
continua se aceitando como pertencente ao gênero que lhes foi atribuído ao nascimento, veste-
se como mulher apenas por prazer e não se consideram como travesti. Foi o que aconteceu
com uma celebridade brasileira, que começou como crossdressers, mas hoje se autodenomina
travesti.
Fig. 9 – Cartunista Laerte Coutinho
A cartunista Laerte, que em 2004, aos 52 anos, se assumiu como crossdresser através
de um personagem criado por ele chamado Hugo, como relata em entrevista ao canal Terra:
“Comecei timidamente a dar alguns passos na direção de me travestir comprando uma
calcinha ou uma sandália para provar em casa”. Casou-se 3 vezes e teve três filhos, dos quais
um faleceu em 2005. Atualmente, aos 66 anos, o cartunista se vê mais como travesti, mas no
geral sente-se confortável em se afirmar como pessoa transgênero.
Para Jesus (2012), as drag queens/king ou transformistas, este último termo usado no
Brasil, são artistas que fazem uso de feminilidade estereotipada e exagerada em suas
apresentações. Faz uso dessa inversão de gênero para seus espetáculos, não como identidade.
Aproximam-se dos crossdressers pela funcionalidade do que fazem, e não das travestis e
transexuais pela identidade.
84
“ Drag-queen de verdade tem que ter muito glamour...maquiagem chamativa com
glitter...cílios impecáveis... tem que saber andar no salto agulha, meu amor!... e não
pode ser vulgar...eu pelo menos não sou...somente quando estou com algum boy
entre quatro paredes (risos) [...] o pajubá pra mim é o luxo!...falar de forma que só
nossa comunidade compreenda é bom sim...sofremos muito preconceito mesmo que
estejamos em pleno século XXI...ainda há pessoas fazendo mal aos travestis, as
drag-queens, e a comunidade gay em geral...precisamos afirmar nossa
identidade...ter orgulho de sermos o que somos...falar nossa gírias e alegrar as
pessoas...não importa se têm alguns machos se é que podemos chamar de ‘machos’
(risos) aqueles que nos odeiam...que nos abominam e querem nos ver mortas...o
importante é que todos sejamos felizes, querida, porque o amanhã só a Deus
pertence...” (Entrevistada 7)
Atualmente, a drag queen brasileira que mais está nos holofotes da mídia tem apenas
22 anos de idade, Phabullo Rodrigues da Silva, mais conhecida como Pabllo Vittar é uma
cantora, compositora, performer e drag queen.
(Fonte: http://centralpabllovittar.com)
85
uso do pajubá, já que não é mostrado por meio de regras, das quais Bourdieu rejeita, e sim
pelo seu uso. Como bem pontua o teórico, o social fica impresso no individual, não somente
no uso mental, sobretudo no uso corporal, que no meio LGBT entendemos como os trejeitos.
Para Mauss (1973), “a incorporação dos sujeitos ao mundo social (social embedding)
concretiza-se nas formas de movimento, de gesticulação, de olhar e de orientação no espaço
da vida”. Apropriando-se de um conceito linguístico, o habitus se relaciona com a definição
social do falante, tanto mental quanto fisicamente, sua rotina de fala, de gestos e ações
comunicativas corporificadas.
Indubitavelmente, o pajubá quando corporificado ao habitus faz com que o
homossexual comece a adotá-lo como parte da construção de sua identidade. Nesse processo
de transição/aceitação, o código é visto pelo falante como uma forma de resistência para
mostrar à sociedade que não tem mais vergonha do que é, e quais são os seus propósitos para
se sentir feliz.
“ Eu me sinto bem quando eu tô com meus amigos... acho que é porque eu me
identifico com eles... não sei explicar direito...tipo, sabe quando você se sente à
vontade pra fazer o que quiser, falar o que você quiser...aqui a gente pode
xoxar...pode cantar Anitta...pode dançar rebolando... isso me faz feliz...as pessoas
acham que nós só pensamos em ficar, mas eu não penso assim...acho que é muito
melhor a companhia dos meus amigos do que de outras pessoas...pelo menos eu
acho”. (Entrevistado 3)
“(...) eu tenho um primo que é gay...sabe aquele estilo bicha-fina (risos)...na verdade
ele que me fez ter contato com esse mundo GLS...eu me dou super bem com ele...a
gente sai juntos e até já paqueramos o mesmo carinha pra saber se ele era ou
não...isso foi muito hilário...mas como já falei eu gosto de estar no meio deles pois é
86
só alegria e digo mais se namorado meu não gostar dos meus amigos, não tem
conversa...é melhor perder um namorado ciumento do que minhas amigas
(risos)....opa! meus amigos gays”. (Entrevistado 16)
87
os boy...depois desce, fica morta de colocada... e quando volta pra casa leva coió dos
marginal (...)”
88
A transmissão cultural entre as gerações é tão antiga quanto à humanidade, nascida
que é da condição humana fundamental. Nossas vidas constituem uma fusão entre
natureza e cultura; no entanto, natureza e cultura estão em contradição. Sendo a
cultura a essência daquilo que converte indivíduos humanos em grupos (o núcleo de
identidade social humana), sua continuidade vital. Todavia em contraste com as
pretensões da cultura de representar a tradição através dos séculos, as chamadas
verdades eternas, está a crua brevidade da vida humana. Daí a necessidade universal
de transmissão da cultura entre gerações. (THOPSON, 1993, p. 9)
CONHECIMENTO ACERCA DO
PAJUBÁ
327 ENTREVISTADOS - LGBTs
400
221
200 106
Série1
0
CONHECEM O TERMO NÃO CONHECEM O TERMO
Gráfico 5 – Conhecimento acerca do Pajubá – 25 Heterossexuais entrevistados
CONHECIMENTO ACERCA DO
PAJUBÁ
96 ENTREVISTADOS - Heterossexuis
100 77
50 19 Série1
0
NÃO CONHECEM O TERMO CONHECEM O TERMO
89
Gráfico 6 – Como tomou conhecimento do Pajubá – 60 participantes LGBT’S
Gráfico 7 – Como tomou conhecimento do Pajubá? - Heterossexuais
90
Gráfico 8 – Como os LGBT’s classificam linguisticamente o Pajubá
Embora muitos não percebam, o código linguístico falado pela comunidade
homoafetiva, reveste-se da estética para não ser tão malvista pela sociedade. Antigamente, os
heterossexuais tinham muita vergonha ou até medo de estar no meio LGBT. Hoje, já notamos
que a população começou a “abrir a mente” e aceitar, aos poucos, o comportamento
linguístico dos homossexuais, desde que não fira o que chamamos de princípios morais do
povo
...sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as
relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira
que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livres e
conscientemente, por uma convicção íntima, e não de uma maneira mecânica,
externa ou impessoal. (VÁSQUEZ 1998, p. 84)
91
explicar as interações entre falante e ouvinte e o contexto, e é representado por meio de um
alinhamento, postura e projeção do ‘eu’ de um participante na sua relação com o outro,
consigo próprio e com o discurso em construção”.
É através do footing que o falante consegue representar determinados papéis e,
consequentemente, desenvolver sua postura corporal, gestos, palavras, frases e estruturas para
se expressar de acordo com o contexto no momento da fala; sempre levando em consideração
o seu ouvinte quanto ao processo de assimilação. Tais representações é o que ocorre no meio
LGBT, no que tange ao uso do pidgin pajubá, já que os seus falantes nem sempre vão usar os
termos em locais inapropriados como no seu trabalho que devem agir de maneira formal para
não ferir o seu campo profissional ou, mesmo, em seu ambiente familiar. Não devemos
esquecer que muitos gays, ainda não são aceitos por sua família, seja por questões religiosa ou
moral.
“ Na minha escola eu faço de tudo pra não dar pinta...mesmo assim volta e meia eu
solto uma (risos)...eu entendo que temos que respeitar as pessoas, mas também acho
errado que elas nos obrigue a falar sempre como se não fosse gay...sabe uma
sensação tipo de quem se sente preso...eu concordo que o pajubá deixa a maneira de
falar mais suave sim..pena que eu ainda não sei falar muito bem, mas eu sei que vou
aprender [...]Quando venho ao shopping com meus amigos, me sinto leve e muito à
vontade para falar com eles sem que seja julgado...coisa que não acontece na minha
casa, pois meus pais me proíbem de falar determinadas coisas...eles são evangélicos
e falam que, enquanto eu morar sobre o teto deles, tenho que respeitar o gosto
deles...por isso não vejo a hora de ser de maior para poder sair de casa e ter mais
liberdade...eu só tenho 13 anos, mesmo que aparenta mais idade [...]Acho que o
pajubá pode sim ser falado em casa, afinal é em forma de código mesmo...ruim seria
se falássemos em pica, boquete, cu...desculpa se eu não posso falar isso na
entrevista...é sério (risos)... não fica melhor falar neca, pipo, edi...assim não ofende
ninguém, faz a gente se sentir melhor... não sei explicar direito..é tipo uma maneira
de a gente se sentir mais poderoso (gargalhadas) pelo fato dos outro não
entenderem...sabe quando alguém fala em inglês...mais ou menos isso”.
(Entrevistado 3)
“Acredito que devemos respeitar uns aos outros acima de tudo...mesmo sendo gay
não devemos falar expressões de baixo calão dentro de casa ou no ambiente de
trabalho... por isso adoro vir para o cinema, pois aqui podemos falar sem sermos
policiados...adoro conversar com outros amigos...” (Entrevistado 2)
92
encontro de várias tribos urbanas, dentre elas os membros da comunidade LGBT. Esta, por
ser uma comunidade ainda bastante marginalizada, faz uso do pajubá como código linguístico
de resistência, até para não ofender a sociedade com algumas expressões explícitas presentes
no seu linguajar, além de se tornar uma maneira de se proteger contra a homofobia ainda
bastante presente no meio dos homossexuais.
Para ampliar nosso estudo no viés sociolinguístico, conseguimos, por meio de algumas
entrevistas, observar melhor os fenômenos diastráticos presentes no pajubá quanto à faixa
etária e quanto ao grau de escolaridade dos entrevistados.
Logo que iniciamos a visita em uma das saunas mais conhecida e conceituada da
cidade de Manaus, deparamo-nos com um público cuja faixa etária era acima dos 30 anos,
sendo que a maioria eram homens casados e os únicos mais jovens eram os garotos que
trabalhavam na casa, cuja faixa etária era de 18 em diante, sendo diferenciados pela cor da
toalha (vermelha). No evento, conseguimos três entrevistas, e delas destacamos os seguintes
trechos:
“ Eu venho aqui pelo menos uma vez por semana para relaxar do estresse...caio na
piscina... entro na sauna...participo, de vez em quando, de uma suruba...subo para a
cabine com algum dos garotos e o resto você já pode deduzir [...]eu prefiro os
garotos com cara e voz de homem...tem alguns mais afeminados...não gosto muito
da maneira como eles falam...só pego quando são muito bonitos, mas prefiro que
eles não conversem” (Entrevistado 10)
“Eu trabalho aqui duas vezes por semana...gosto dos boys como eu, mas geralmente
fico com as mariconas porque pagam bem...alguns querem só fazer um boquete e
conversar...tem dias que não consigo nada...mas eu faço curso de enfermagem pra
crescer, né? Sei que meu corpo não vai ficar assim pra sempre [...]eu sou versátil...a
maioria quer ficar comigo porque sou o pacote...se quiser olhar não precisa pagar
nada... (risos)...” (Entrevistado 18)
“Meu amor...a tia aqui ainda faz sucesso com os boys... não sou mais o corpo que
era quando novinha, afinal são 63 anos muito bem vividos...mas faço um pipo que
nem uma banguela...é só tirar a chapa, querida! (gargalhadas)”. (Entrevistado 1)
94
que, até então, era novidade um estudo ligado ao código linguístico dos homossexuais, além
de acharem a linguagem divertida e, acrescentaram, a importância do pajubá como uma forma
de respeito à sociedade.
“ Nunca ouvi falar em pajubá...é de comer (risos)...ah! a “língua” que os gays se
comunicam...já ouvi sim...tenho amigos gays...acho engraçado as expressões, mas
quando começam a falar muito rápido eu fico perdido...fico até achando que eles
estão me tirando [...] na minha opinião além de ser engraçado fica bem
melhor...assim eles evitam chamar muito palavrão...ainda mais meus amigos que
falam muita putaria”. (Entrevistado 17)
No trecho acima, extraído de uma entrevista com um heterossexual, é visível que o
falante, por não fazer parte da comunidade e não usar o pajubá, consequentemente, não o
reconhecerá como um código linguístico, muito menos terá relação de identidade com ele.
Isso mostra que, dependendo da tribo urbana da qual fazemos parte, cada uma terá um
repertório de expressões com as quais irá se identificar.
O pajubá, enquanto código linguístico de resistência da comunidade LGBT, precisa
ser exposto. Necessita ser falado pelos membros que dele comungam. Se um homossexual
não falar, em momento algum, nessa forma codificada, pode ser que ele ainda não se aceite
como um LGBT. Geralmente o gay que tem preconceito contra os demais membros de sua
própria comunidade, acaba afetando o meio em que vive, ou seja, acaba externando a sua
repressão, até mesmo, em momentos inadequados, ou seja, acaba descontando em quem não
merece ouvir, gerando desconforto entre os colegas.
Quando Rousseau (1755), fala em sua obra, O discurso sobre a origem da
desigualdade, que “o homem é fruto do meio”, ele estabelece que somos o resultado da
cultura familiar, educacional e acadêmica do meio em que nascemos, ou seja, se agirmos com
papéis diferentes daqueles em que sempre atuamos, pode haver algum tipo de dissonância.
É por isso que os códigos surgem, geralmente, com propósito de estabelecer uma
conexão que, de alguma forma, trará benefício para alguém. A única coisa com que devemos
ter cuidado é não ferir o interlocutor com termos que, para ele, sejam ofensivos. É por esse
motivo que nos relacionamos uns com os outros, para aprender a conhecer e compartilhar
ideias, ou mesmo, sentimentos. Quando não temos afinidade com uma pessoa e passamos a
desprezá-la, provavelmente, há alguma coisa errada. É por isso que devemos respeitar as
particularidades linguísticas de cada um, pois aí tem a presença de sua identidade. A
sociedade tem que parar de achar que a sua opinião é a única. As classes menos privilegiadas
criam seus próprios códigos de resistência, através da língua. Se uma classe marginalizada se
sente hostilizada em sua maneira de falar, pensar e agir, é óbvio que seu sistema de defesa
95
será ativado, e, assim, vai procurar uma outra forma de sair do universo invisível, da qual ela
faz parte.
Sempre que possível, determinados grupos se isolam, adotam uma linguagem
especial (em particular no campo lexical), opondo-se ao uso comum. Esse
comportamento linguístico, naturalmente, é decorrente do próprio comportamento
social (é, inclusive, parte dele) e poderia ser denominado de uso restrito de certos
grupos sociais. (CASCIANI, 1984:2)
96
4.6. Considerações Finais
Estudar a fala de uma comunidade tão vilipendiada é extremamente motivador, pois,
como se costuma falar no universo acadêmico, deve-se ter uma relação íntima com o tema
abordado para sentir prazer em pesquisá-lo. Foi justamente isso que aconteceu, procuramos
nos desprender do juízo de valor e do preconceito que ainda carregávamos por não conhecer
tão bem a realidade de cada um dos membros da comunidade LGBT da cidade de Manaus.
Primeiro, começamos a entrevistar os gays masculinos (tanto os assumidos quanto os não
assumidos), para compreender a grande dificuldade de aceitação e identidade dentro da
sociedade. Em seguida, buscamos entender melhor o universo das lésbicas, ao ponto de
conseguir identificar, em sua fala, expressões diferentes das existentes do universo dos gays
masculinos e isso, sem dúvida, motivou-nos ainda mais para continuar estudando o código
linguístico LGBT. Depois, nosso alvo foram os bissexuais e heterossexuais, que colaboraram
bastante para que pudéssemos colher informações acerca do fator identidade e preconceito. E,
por último, os transformistas e as travestis, que enriqueceram nossos estudos quanto ao
conceito de identidade de gênero e no que concerne o combate à homofobia.
Um fator observado com os participantes, que conheciam o pajubá, era a expressão
gíria ou dialeto. Alguns, até de uma forma mais emblemática, confirmavam que o pajubá era
gíria pelo fato de a comunidade LGBT ser considerada um grupo marginalizado. Os outros
(de nível superior), que tinham uma visão um tanto mais intelectual sobre o pajubá,
chamaram-no de dialeto, por fazer parte de um linguajar de um grupo urbano de gays. Isso foi
altamente relevante, pois como postula Ferreira (2003), “a pesquisa desenvolve a capacidade
intelectual e moral do ser humano, com o objetivo de facilitar sua integração individual e
social”.
Este capítulo apresentou os resultados colhidos a partir de nossa pesquisa para melhor
compreensão dos fenômenos linguísticos do pajubá. Embora nossa fundamentação teórica
tenha sido imprescindível para afirmar o pajubá como uma gíria comum, foi ouvindo a
comunidade LGBT com toda a sua irreverência, que conseguimos comprovar com mais
exatidão como se classifica, linguisticamente, o pajubá. No início, como língua; depois, como
dialeto e, finalmente, como gíria, mesmo com o contato da LA com a LP.
Depois de entrecruzarmos cada item na formação do pajubá, passamos a discorrê-lo a
partir de uma visão mais antropológica. Foi nesse cerne que pontuamos, a partir de nossa
coleta de dados, fatores cruciais para justificá-lo como uma “língua de resistência” e
“identidade linguística”. Por meio dos debates em grupos, conseguimos notar que a
comunidade LGBT ainda se sente estagnada diante tanto preconceito. Por esse motivo,
97
começam a ver no pajubá uma maneira de se mostrar como alguém que se orgulha de sua
identidade, que vai às ruas lutar por seus direitos, usando a sua fala como ferramenta.
Segundo Santos (2003, p.39), “...estar no mundo como um indivíduo, enquanto ser social e
cultural, concretiza-se através da sua fala, dos atos que processam com e através dela”.
Hoje, embora já exista um diálogo sobre diversidade de gênero, por exemplo, há
pessoas ainda extremamente apáticas com o assunto, como presenciamos em nossas
entrevistas feitas com o público heterossexual, principalmente, os que compõe o universo
masculino. Nesse item, foi comum, principalmente os travestis, relatarem o preconceito que
sofrem nas ruas, por isso buscam no pajubá um ‘arauto’ de empoderamento. Em nossas
entrevistas, conseguimos vislumbrar que o pajubá é um código linguístico que ajuda aos
homossexuais a resistirem contra o abuso de pessoas mal-intencionadas. Foi através das
conversas em grupos que percebemos a grande dificuldade que a sociedade tem em distinguir
identidade de gênero com orientação sexual.
Foi partindo dessa grande falta de esclarecimento, que nos vimos na obrigação de
apresentar a comunidade LGBT, dentro da categoria de gêneros, como os membros falantes
do pajubá. Outro elemento extremamente relevante é o código linguístico usado como rito de
passagem do chamado “sair do armário”. Pudemos detectar, por meio de entrevista, que os
gays mais jovens quando começam a se identificar com o movimento LGBT, passam a se
enxergar verdadeiramente como um ser detentor de direitos, como alguém que não precisa
mais estar ‘mascarado’ e, principalmente, como alguém que se sente feliz da maneira que
gosta de ser.
E como último item, o pajubá e a sociolinguística, foi que ouvimos de nossos
participantes o quanto o pajubá consegue deixar as expressões mais suaves. Muitos falaram
bastante sobre a questão de respeitar uns aos outros, principalmente o espaço do outro.
Concordaram quanto ao uso dos termos serem amenos. Antes se sentiam malvistos, hoje,
sentem-se bem menos. Falaram o quanto ainda precisa ser modificada essa relação entre os
heterossexuais e os gays. E o quanto a homofobia precisa ser combatida e o preconceito entre
os próprios membros da comunidade LGBT, dizimado. É, através do pajubá, que os gays
afirmam as suas “vozes”.
98
CONCLUSÃO
Este trabalho, em sua maior parte, foi descritivo, para obter resultados satisfatórios;
afinal, nosso propósito era tratar do código linguístico da comunidade LGBT, que, até então,
carecia de um enfoque mais técnico e científico. Foi, principalmente, por meio das
entrevistas, que conseguimos materializar o uso do pajubá na fala dos homossexuais.
Indubitavelmente, a nossa principal indagação, ao longo da pesquisa, foi justamente
como classificar o pajubá dentro da esfera linguística, já que se trata de um fenômeno pouco
estudado. Confessamos que, no início, cogitamos em classificá-lo como língua; depois, como
dialeto; mais tarde como pidgin, foi, então que, a partir de uma melhor análise, chegamos a
conclusão de que se trata de uma gíria, confirmada a partir de análise dos nosso dados, o qual
procuramos aprofundar com mais propriedade a partir dos fatores discursivos na fala do
universo LGBT.
Ao iniciar nossos estudos, parecíamos estar diante de um universo extremamente
desconhecido, mesmo fazendo parte dele. Embora a primeira manifestação em querer
trabalhar com este tema tenha surgido no ano de 2011, não o iniciamos com o receio de não
ter abrigo de orientação e nem suporte teórico suficiente para desenvolvê-lo e optamos por
engavetá-lo. Foi, então, que em 2014, após ter o primeiro contato com a dicionária Aurélia e
ter falado com um dos autores, Vítor Ângelo (conhecido com o pseudônimo de Ângelo Vip),
foi que nos propusemos tratar do pajubá como tema científico.
Nossa contribuição para a comunidade LGBT foi identificar o pajubá como um código
linguístico de resistência já que o seu uso reafirma a condição do homossexual em se orgulhar
do seu papel na sociedade. Para Ferreira (2003), “a pesquisa desenvolve a capacidade
intelectual e moral do ser humano, com o objetivo de facilitar sua integração individual e
social”.
Por meio dos nossos instrumentos, detectamos que a comunidade gay realmente se
identifica com essa gíria, porém com a consciência de que deve levar em consideração o local
e o público. Nos eventos LGBT’s, por exemplo, dos quais participamos, o código é falado
com a mais natural forma possível, incluindo nele também a linguagem corporal, muito
presente nos trejeitos dos homossexuais, como pontuamos a partir da teoria do habitus de
Bourdieu. Este ato assegura, de forma fidedigna, a sua identidade dentro da sociedade, sem
que precise se ‘mascarar’, e se realize no Coming out, termo inglês batizado na década de 90
para denominar o famoso ‘sair do armário’.
99
O armário gay não somente é uma característica das vidas das pessoas gays, mas
para muitas delas é a característica fundamental de sua vida social. São poucas as
pessoas gays, por mais valentes e diretas que sejam habitualmente e por mais
afortunadas no apoio de suas comunidades imediatas, em cujas vidas o armário não
seja uma presença determinante. (SEDGWICK, 1998, apud MARQUES FILHO,
2007)
No tocante à origem do pajubá, formulado em nossos objetivos específicos, elencamos
o máximo de categorias que conseguimos extrair da fala homoafetiva, e, para nossa surpresa,
foram os itens mais excêntricos que possamos imaginar do universo linguístico da
comunidade LGBT, como a presença de expressões africanas e indígenas. Isso afirma que o
código pode ainda ficar mais cifrado do que já é. Os grupos, compostos excessivamente pelos
homossexuais, veem no pajubá uma forma de defesa, principalmente, contra a homofobia. Por
isso ao invés de facilitar a compreensão desse código linguístico de resistência, procuram
deixá-lo ainda mais cifrado; por esse motivo acrescentam a palavra-vazia (SSIMI) em posição
sufixal.
É importante mencionar que, no início da pesquisa, pensamos em atuar no campo da
dialectologia, enumerando o máximo de expressões de origem africana que pudéssemos
encontrar e comprovar se o pajubá deveria ser tratado como um fenômeno linguístico africano
ou afro-brasileiro. Foi, então, que ouvindo a comunidade participante de nossa pesquisa,
percebemos que mais elementos poderiam ser categorizados e assim o fizemos.
Cabe também enfatizar o descontentamento de um grupo de participantes
heterossexuais, que se sentiam incomodados ao serem abordados e questionados sobre o
fenômeno do pajubá. Assim que mencionávamos que se tratava de um código linguístico da
comunidade gay, muitos não queriam mais participar de nossa entrevista. Isso mostra o
despreparo existente na sociedade para discutir temas ainda voltados à temática LGBT,
tornando-o mais uma vez tabu, e, por vezes, enquadrando-o como um assunto ligado ao
profano.
Quando nascemos, chegamos a um cenário inventado previamente.
Aqueles que não se encaixam nas categorias estabelecidas são
demonizados ou tratados medicamente. Os teóricos queer, seguindo
o trabalho de Foucault, tentam questionar esta demonização,
normalização e tratamento. A chave do ativismo queer reside em
puxar ao avesso as práticas de normalização. (MORRIS, 2005, p.
41)
Foi no viés da linguística antropológica que nossas expectativas com relação à
pesquisa, motivou-nos ainda mais. Nessa fase, sentimos a necessidade de averiguar o que
passa na mente dos gays mais jovens a se identificarem com o pajubá e transformá-lo numa
língua de resistência.
Foi ainda nesse momento da pesquisa que buscamos, por meio de nossa coleta,
100
melhores esclarecimentos sobre a categoria de identidade de gêneros para contribuir com a
sociedade, já que há muitos pais hoje que têm dificuldade de entender esse universo
observando os atos dos seus filhos. Acreditamos que, através de alguns conceitos formulados
partindo da fala de nossos participantes, pudemos discutir mais sobre o assunto e,
principalmente, aclarar a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual. Deixando
enfático que nosso propósito não era o de estabelecer comparações entre essas identidades,
mas sim perceber qual (is) ou dela(s) era a que mais falava o pajubá.
Outra contribuição que achamos relevante no decorrer de nossa pesquisa, foi a opinião
da comunidade homossexual e heterossexual sobre a questão do eufemismo construído
através do pajubá. Como antes não se usava o código linguístico, as expressões saíam
naturalmente de acordo com os termos do PB, com todas as suas variantes linguísticas
possíveis nos quatro planos da sociolinguística: diacrônica, diatópica, diastrática e diafásica.
Um exemplo fiel é o termo científico ‘pênis’, que varia nas quatro esferas – ‘piroca’
(diacronicamente), ‘chibata’ (diatopicamente no falar nordestino), ‘pomba’ (no falar dos
heterossexuais mais jovens) e ‘órgão reprodutor masculino’ (no falar dos professores de
Ciência). Atualizando o termo de acordo com o código linguístico do pidgin pajubá temos “
neca ou mala”, ou seja, no uso da expressão em meio a um grupo de senhoras, por exemplo,
não soaria como algo ofensivo a seguinte frase: cata a mala do ocó!
[...] a norma-padrão aparece fora do universo da variação, fora dos
usos sociais da língua empiricamente comprováveis. [...] a norma-
padrão não faz parte da língua, não corresponde a nenhum uso real
da língua, constituindo-se muito mais como um modelo, uma
entidade abstrata, um discurso sobre a língua, uma ideologia
linguística, que exerce efetivamente um grande poder simbólico
sobre o imaginário dos falantes em geral, mas principalmente sobre
os falantes urbanos mais escolarizados. [...] apesar de ser um
produto cultural, de natureza diferente das variedades linguísticas
efetivamente empregadas pelos falantes, a norma-padrão tem que ser
incluída em qualquer estudo sobre as relações entre linguagem e
sociedade. (BAGNO, 2007, p. 106-107)
101
de ações, nem justiça em nosso julgamento(...)Só sendo solidário com, honesto com,
agindo sobre, é que aprendemos a fazer bem tais coisas; isso só se aprende fazendo.
(MENIN, 2002, p. 62)
Desde o início, tínhamos a noção dos percalços que correríamos para conseguir atingir
as expectativas esperadas. Mas ao ouvir de alguns participantes que estudar um código
linguístico gay, não ajudaria em nada a sociedade, causou-nos um choque de motivação, pois
todos os componentes que participaram como agentes desta pesquisa fazem parte do universo
LGBT.
A nossa contribuição linguística para a comunidade LGBT, foi para tornar visível um
código que pudesse se tornar uma ferramenta fundamental para quebrar o discurso da
violência contra os homossexuais. Tanto que no dia 11 de maio de 2011, ficou decretado
como o dia internacional contra a homofobia
[...] Em última análise, a homofobia e a transfobia não são diferentes do sexismo, da
misoginia, do racismo ou da xenofobia Mas enquanto essas últimas formas de
preconceito são universalmente condenadas pelos governos, a homofobia e a
transfobia são muitas vezes negligenciadas. A história nos mostra o terrível preço
humano da discriminação e do preconceito. Ninguém tem o direito de tratar um
grupo de pessoas como sendo de menor valor, menos merecedores ou menos dignos
de respeito. [...] (PILLAY, 2013)
Através do pajubá, o combate contra o preconceito ganhou destaque, principalmente
no meio dos travestis, que são os mais prejudicados nas ruas, seguidos dos transgêneros nas
escolas. Manter uma linguagem cifrada, é necessário para afirmar a sua identidade. Quanto
mais cifrados, mais protegidos estarão os membros da comunidade LGBT.
Um vocabulário de subgrupo demonstra que temos um grupo ao qual “pertencemos”
e no qual somos “alguém” – é melhor que os forasteiros nos respeitem. A gíria é
utilizada para mostrar aos outros (e para que nos lembremos) nossa formação
biográfica, mental e psicológica; para mostrar nosso social, econômico, geográfico,
nacional, racial, religioso, educacional, ocupacional e interesses de grupos,
associações e patriotismos. (Flexner, 1963)
Antes de 1960, nem denominação ligada ao gênero a comunidade possuía, e por isso
foi criado um terceiro gênero para se referir aos que não eram heterossexuais. O termo gay já
ganhou destaque em 1970, adotado pela comunidade homossexual. Em 1985, o conselho
federal de medicina deixa de considerar a homossexualidade um distúrbio mental. Em 1988,
através de muita luta, é incluído na CF o termo ‘orientação sexual’, estabelecendo o bem de
todos sem preconceito. Foi na década de 90 que surgiu o acrônimo LGBT. Primeiro foi
denominado GLS; depois, GLBT; e, atualmente, é LGBTTT, abrangendo todas as categorias
de identidade de gênero: lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. E a
cada ano os movimentos ganham força política por meio das paradas realizadas para discutir
temas voltados ao universo da comunidade homoafetiva.
102
Como recomendação essencial para novas pesquisas no que tange à temática do
pajubá, vale mencionar o seu estudo mais aprofundado no viés sociolinguístico, visto que
tratamos do pidgin neste campo, apenas, de maneira superficial para auxiliar em um dos
nossos objetivos específicos. Cabe, agora, um estudo mais aprofundado, já que estamos
tratando de uma comunidade que, assim como outras tribos marginalizadas, carece de um
olhar mais especial, principalmente no quesito da Linguística.
Dessa forma, torna-se primordial a luta por identidade, ressalvando que a identidade
linguística é um forte fator para a identidade de gênero. Dar caráter científico ao pajubá trará
mais visibilidade à nossa comunidade, que mesmo com a homofobia em alta em cada canto
do país, a ideia da diversidade sexual está começando a ser incutida na mente das pessoas,
assim como o respeito para com a classe LGBT.
103
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WEEDWOOD, Bárbara. História Concisa da Linguística. São Paulo: Parábola editorial,
2002.
XAVIER, I. M.; LEITE, J.L.; BRAGA, G.M.; NUNES, P.H.S. Enfermagem e AIDS: saber e
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ZANELLI, J.C. O Psicólogo nas organizações de Trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2002.
Manaus - Capital ambiental do Brasil. Ministério do Turismo. Abril de 2010
109
APÊNDICES
110
Apêndice B – Roteiro de perguntas usado nos debates em grupo
111
Apêndice C– Enquete realizada nas redes sociais
112
Apêndice D – Transcrição das entrevistas
ENTREVISTAS
Entrevistado: 08
Local da entrevista: Praça do Largo
Idade: 20
Profissão: Estudante
Grau de escolaridade: Médio incompleto
Orientação sexual: Homossexual
Categoria de gênero: Lésbica
Data: 03/02/2017 (17:30h)
114
Entrevistador: sobre os ambientes em que usa o pajubá (item 9 de nosso questionário)
Entrevistado: em casa sozinha...porque eu penso assim, quando você conversa sozinha você
tá expressando os seus pensamentos...então eu converso comigo mesma...eu me ouvindo e me
dando conselhos...e principalmente com os meus amigos de dança onde eu adoro estar...lá
eles falam direto...engraçado é que a gente fica tão acostumado que até facilita pra entender o
que a professora quer nas coreografias...quando ela fala: xxxx, põe um pouco de close nisso,
faz mais carão ...aí eu entendo que eu tenho que dar um olhar sedutor.
Entrevistador: sobre uma fantasia ocorrida com companheiro (a) (item 10 de nosso
questionário)
Entrevistado: olha, eu tenho ainda muitos pensamentos não realizados...minha namorada
ainda é muito tímida pra certas coisas...só sei que uma coisa que eu não quero ter é relação
usando vibrador...eu acho bizarro (risos) porque se eu não gosto do original porque eu vou
gostar do de brincar... mas confesso que eu queria fazer com mais uma...eu minha namorada e
mais uma...porque a mulher é sensível e sabe onde deve tocar...
Entrevistador: sobre a relação com família e amigos (item 11 de nosso questionário)
Entrevistado: uma vez quando eu morava com a minha avó, a gente sempre conversou
muito...eu tinha 14 anos de idade...ela e meu pai me falaram que o que eu escolhesse pra eu
ser no mundo eles iam me apoiar...e a única coisa que eles cobram de mim é estudo...e eu
admiro pessoas que são lésbicas e dão muito valor aos estudos. Como na minha família tem
gays e lésbicas...se alguém não me aceita, na minha família guarda pra si e me respeita muito.
Na escola eu não tenho nenhum tipo de problema. Só uma vez (risos) que eu fui chamada na
diretoria porque falaram que eu era a cabeça do grupo...os meninos falaram que nós
estávamos roubando as meninas deles (risos)...tinha música e as meninas queriam ficar
dançando com a gente... aí os meninos se sentiam incomodados...foi até divertido porque a
gente não sabia que tinha todo esse poder (risos), mas tudo se resolveu...foi só um mal
entendido mesmo.
Entrevistador: sobre a mensagem contra a homofobia (item 12 de nosso questionário)
Entrevistado: Nossa! É pesada essa pergunta... bom, é aquele velho clichê de mais
amor...mas eu acredito que as pessoas devem ouvir mais, procurar saber mais e procurar olhar
mais pra si.
115
Entrevistado: 01
Local da entrevista: Sauna H20
Idade: 63
Profissão: Professor universitário
Grau de escolaridade: Superior Completo – Nível Doutorado
Orientação sexual: Homossexual
Categoria de gênero: Gay
Data: 03/09/2016 (16:30h)
Entrevistado: bom, que eu saiba tem origem africana, ainda vindo com os rituais...e como os
homossexuais adoram participar dos eventos acabaram aprendendo. Já estudei bastante sobre
o universo homossexual, até para me entender melhor...já li Foucalt, Lorca, Cocteau,
Rimbaud, Woolf, Proust, Beauvoir, entre outros... na verdade foi através do estudo da
homossexualidade...sobretudo dos autores de fora... que segui a área da Psicologia [...] No
Brasil, tivemos também exemplos memoráveis que revolucionaram...mesmo com a ditadura
cantando nas ruas... não sei se você já ouviu falar em Dzi Croquettes...eu adorava aqueles
caras... super críticos do teatro...não sei se você já pesquisou em revistas mais antigas como O
lampião da Esquina que tratava muito sobre a luta contra o preconceito...mas,
particularmente, eu gostava muito da revista Rick...quantas vezes me masturbei olhando
aquela revista (gargalhadas) [...]
116
sim ter seu código de proteção... o pajubá só é um termo mais novo, mas se formos pegar
periódicos mais antigos, veremos que sempre tivemos uma língua de resistência.
Entrevistador: o pajubá como rito de passagem (item 6 de nosso questionário)
Entrevistado : antes os gays demoravam muito para dar o seu Coming out... não sei se você
conhece a expressão que é o mesmo que sair do armário...primeiro que era bem mais difícil a
circulação da informação de onde estava tendo algum lugar mais voltado para o público
gay...vejo que antes éramos mais focados nos estudos e na preocupação com o futuro...acho
que isso nos dava um certo medo naquela época...hoje além da informação ser quase que
instantânea, os gays mais jovens se sentem mais à vontade para chegar principalmente com a
mãe e falar sobre seus problemas...acredito que a partir do momento que ele começa a usar
expressões que o coloca dentro de um outro mundo...aquele que lhe faz sentir bem... ele se
encoraja mais...eu mesmo demorei muito a me assumir...tenho um sobrinho gay de 13 anos
que já se assumiu...como diz o ditado tudo muda num piscar de olhos.
Entrevistador: Sobre o uso das expressões eróticas usadas pelos gays fora do meio LGBT
(item 7 de nosso questionário)
Entrevistado: rapaz, eu não tenho dúvida de que o uso do pajubá como você fala...eu
conheço mais como bajubá, mas tudo bem... o uso faz com que a comunidade homoafetiva
ganhe um certo respeito, pois o que mais preocupa a sociedade é justamente o lado pervertido
do gay...a partir do momento que estas expressões de cunho calão são amenizadas, tudo
melhora...acredito que isso deixe até o linguajar melhor de se ouvir...algo mais cômico...e isso
tem de fazer parte da persona gay.
117
Entrevistado: 02
Local da entrevista: Cine Pub Aventura
Idade: 29
Profissão: Psicólogo
Grau de escolaridade: Superior completo – nível mestrado
Orientação sexual: Homossexual
Categoria de gênero: Gay
Data: 06/09/2016 (13:30h)
118
defendemos nossa língua...defendemos a nossa cultura... não quero parecer demagogo, mas se
eu defendo algo eu luto até as últimas consequências...o código usado pelos gays é uma forma
de dizer: eu existo, tipo algo: parem de me tratar como se eu fosse invisível...assim como
qualquer pessoa nós temos o direito de viver bem, sem ser rechaçados...eu às vezes fico sim
desmotivado...acho que todos que são gays se sentem assim de vez em quando...tipo como se
você estivesse remando e parece que o barco tá furado (...) ano passado eu perdi um amigo
homossexual, professor...uma pessoa adorável...ele levou um rapaz pra dentro de casa e foi
morto e colocado dentro da mala do carro até que alguém encontrasse...amigo, isso me deixou
em choque...fiquei refletindo durante semanas e vi o quanto nós ainda somos muito frágeis...o
problema que além de gays somos homens...a mudança parte da gente...se todos se
unirem...quando falo todos me refiro a própria comunidade LGBT (...)
119
Entrevistado: 05
Local da entrevista: Praça do Congresso
Idade: 28
Profissão: Profissional do Sexo
Grau de escolaridade: Médio Incompleto
Orientação sexual: Homossexual
Categoria de gênero: Travesti
Data: 10/09/2016 (1:30h)
120
Entrevistado : A gente usa nossas gírias porque precisamos nos proteger de muita gente ruim
que tem por aí...eu mesma só atendo se vejo que o ‘boy’ é um ‘cafuçu do bem’ [...] Eu já tive
duas amigas minhas que morreram porque fizeram programa com ‘alibã’...eu não tô louca de
fazer isso...meus clientes são ‘babadeiros’ [...] hoje o que mais tem é viado novo...o filho do
meu vizinho tem 11 anos e já quer se montar e usar salto...eu posso ser travesti, mas com essa
idade não...uma coisa é o moleque querer se assumir, a outra é ele querer se montar...eu
comecei a me montar com 17 anos assim que eu saí de casa...e hormônio eu comecei a usar a
partir dos 19...foram outras amigas que me ensinaram como fazer...antes não era tão fácil
assim... tinha medo com os noticiários sobre os travestis morrerem porque injetaram alguma
coisa no corpo [...] se eu acho que as gírias que os gays usam é resistência...sim, eu acho, até
porque se usamos essa ‘língua’ é porque a própria sociedade com todo o seu preconceito nos
faz criar uma maneira de combater a violência... eu não sou muito inteligente nem terminei o
médio, mas acho que a língua ajuda na mudança.
121
Entrevistado: 18
Local da entrevista: Sauna H20
Idade: 22
Profissão: Acompanhante
Grau de escolaridade: Médio Completo
Orientação sexual: Homem
Categoria de gênero: Bissexual
Data: 03/09/2016 (17:30h)
Entrevistado : kkkkkkk...acho engraçado você me perguntar isso porque minha primeira vez
foi quando comi um amigo meu...ah, desculpa (gargalhada) não era isso (mais
gargalhadas)...eu comecei a conhecer os gays quando eu tinha 16 anos...meu amigo me levou
pra beber na casa que frequentava um monte de viados...aí eu me empolguei (risos)...eu sou
meio doido...tirei a roupa e caí pelado na piscina...acho que foi nesse dia que vi que eu podia
122
ganhar dinheiro com meu corpo...eu lembro que só nesse dia eu fiquei com 3 viados
diferentes...sobre a fala dos viados eu sei sim alguma coisa...ocó que é homem...mapô que é
mulher... sei o que é odara (gargalhadas)...porque os viado falam que eu sou odara... eu me
amarro em sexo...desde menino eu sempre fui assim. Na verdade, meus pais nem imaginam
que estou aqui...não sou assumido.
123
Entrevistado: 11
Local da entrevista: Esquenta da Parada Gay
Idade: 39
Profissão: Cabeleireiro
Escolaridade: Fundamental Completo
Orientação sexual: Homossexual
Categoria de gênero: Transformista
Data: 28/10/2016 (18:20h)
Entrevistador: - Quais as expressões que você mais costuma ouvir e falar no pajubá? (item 4
de nosso questionário)
Entrevistado: arrasou a amapossimi...acuenda a mala do ocossimi... deixa eu fazer o pipo no
eressimi... acuenda a mala do boyssimi...eu ouço direto as expressões pois minha vida é
rodeada de viado (gargalhada) só no meu salão trabalham dois comigo...as minhas clientes
amam...ainda mais quando falamos na língua do S... que foi o que eu falei antes pra você...não
sei se você entende...então, pra mim, já tá no sangue o uso da gíria gay.
Entrevistador: Sobre o uso das expressões eróticas usadas pelos gays fora do meio LGBT
(item 7 de nosso questionário)
Entrevistado: com certeza...se todo gay usar o código, a gente fica blindado contra a
homofobia. A violência contra a gente é muito grande. Tem gente que se incomoda quando a
gente abre a boca. Aí que eu falo mesmo...sou de uma geração que viveu calado...eu posso
124
sim dizer que comi o pão que o diabo amassou, mas eu nunca fui de ficar triste...meus amigos
me conhecem eu fico 100% animado...porque penso: pra quê viver reclamando...a vida tem
que ser vivida com alegria... voltando pra pergunta...na minha opinião as expressões deixam
sim o linguajar mais light...imagina falar na frente de uma senhora...sim porque no meu salão
frequentam todos os estilos e idades...meu lema é ‘para sempre viver a diversidade’...as
senhoras se divertem...acho até que você deveria ir lá entrevistar elas também...já são purô,
mas ainda falam (gargalhadas)...mas falando sério agora...a gente se sente bem falando as
putarias mas sem que os que não entendem possam se sentir ofendidos...se as gays falassem a
verdade nua e crua...Pela fé de Mariana! As velhas iriam desmaiar que nem a dona Bela
(gargalhadas)...acho que temos que manter nossa identidade e a nossa maneira de falar ajuda
nisso...já somos uma classe marginalizada...se usarmos as palavras como todos
conhecem...acho que vamos perder mais ainda com a sociedade que nos aceita ainda de
atravessado...outra coisa, mana, se a gente continuar sem voz, aí que os cafuçus vão pintar e
bordar com as gay.
Entrevistador: Sobre alguma fantasia realizada (item 11 de nosso questionário)
Entrevistado: Babado! Tem certeza que você quer mesmo ouvir (gargalhadas) manazinha,
coragem da senhora e que Deus te guarde das coisa que vou te falar (mais gargalhadas)...a tia
aqui já fez tantos boys que já perdeu as contas...nos lugares mais estranhos que você possa
imaginar...já fiz na construção, no mato, até na cacimba, mana pra você ter ideia
(gargalhadas), mas teve uma vez que ficou marcado pra mim...e quando falo marcado não é
equê não...então, deixa eu me preparar pra contar sem rir (risos)...só acho meio
impossível...uma vez eu fui pro Fecani.. não sei se você conhece a festa que tem todos os anos
em Itacoa...pois então, mona, eu fui com um boyzinho que eu tava pegando na época...a gente
tava bebendo numa mesa aí eu fui ao toalette, tá querida! Porque eu sou uma dama
(gargalhadas)...aí as bichas já sabem que no bainheirão de festa é tudo, meu amor! Sempre
tem algum cafuçu com a neca odara...mana, parece que o cão atenta...eu comecei a olhar pra
ele e ele pra mim...aí eu comecei a bater um bolo rapidinho...depois saímos de
lá...agora,pensa, mona....a bicha doida pra dar...o edi já tava pegando fogo...já tava que nem
aquelas cadela no cio descendo a ladeira com o edi arrastando no asfalto (gargalhadas)....aí
não sabia onde tinha motel na cidade...então saí com o boy atrás de um mato...pergunta se
nessa hora a bicha tinha medo de cobra (risos)...mana, andamo, andamo, andamo....até que
encontramos um terreno baldio com umas árvores e uma moita...foi ali mesmo...o boy
começou a me bombar...eu parecia uma cadela no cio numa fila com 30 cachorros...foi
quando começou a coçar minhas pernas...quando vi eu tava até o talo de formiga e o boy
125
falando...pera lá, pera lá...eu falei pera lá uma porra...eu amo dá o edi, mas com ferrada de
formiga eu não me amarro não...mona, eu saí de lá cuns caralho...agora pensa na bicha toda
inchada de ferrada de formiga...aí que fui lembrar do boyzinho que eu tinha deixado na
mesa...olha só como é...a bicha sai pra ir no banheiro....e depois de quase 2 horas ela volta
com a cara mais lisa que brasileiro no final de mês...até hoje eu lembro dessa história...eu
tenho outra também, mas é meio nojenta... mas como não sou baú eu vou contar
(gargalhadas)...eu tava saindo da academia aí um boy mexeu comigo...aí eu levei ele pra
minha casa...mana quando o boy arriou as calças eu fiquei louca, louca, louca, louca...sabe
aquela música da Shakira...então, eu fiquei naquela posição de quinze pras três esperando o
boy me bombar...mana, quando eu menos espero vem aquele cheque, mas não foi qualquer
cheque não...mana, eu tava tomando aquele tal de herbalife e minhas amigas garantiram que
não ia dar nada na barriga da bicha...menina, eu chequei o boy todinho...sabe aquele cheque
de dar banho...agora pensa no ódio que o boy ficou...queria me bater de tanta raiva...mana,
acho que eu passei mais de uma hora pra tirar todo o cheque do boy...agora pensa na minha
cara de lesa com vergonha...e olha até que o boy nem era feio e tinha uma mala boa...ai, ai,
até de lembrar dá água na boca...chego até a piscar com o olho do edi (gargalhadas)...mana,
acho que se eu escrevesse um livro com todas as minhas histórias de minhas fantasias...daria
um livro de umas 500 páginas.
Entrevistador: - Sobre a origem do pajubá (item 2 de nosso questionário)
Entrevistado: bicha, se eu estiver errada a senhora me corrige...eu acho que foi nos
barabadás dos terreiros...pelo menos as expressões de origem africana...agora as outras eu
acho que foi com a criatividade das gays...na verdade a expressão pajubá eu conheci faz
pouco tempo... vendo um vídeo de umas travas na internet... eu sempre chamei de gíria gay ou
de ‘língua’ das gays.
Entrevistador: - Sobre o preconceito (item 8 de nosso questionário)
Entrevistado : mana, hoje não mais...durante a adolescência sim, na escola...mas sempre
busquei forças pra abrir meu próprio negócio...e consegui graças a Deus...antes eu não
suportava ser chamado de gay... Deus me livre!...eu tinha ódio na época de escola...eu lembro
que naquela época eu pensei até em me matar...hoje eu já estou com 39 anos, pago minhas
contas com meu trabalho...faço meus shows por hobby...hoje eu me aceito como sou... não
tenho vergonha de ser chamado de viado, gay, bicha ou o que for...a vida da gente tem que ser
bem vivida e eu sou feliz assim.
Entrevistador: sobre a mensagem contra a homofobia (item 12 de nosso questionário)
126
Entrevistado: Agora eu vou fazer a linha da maldita malditona como fala minha amiga tal
qual...olha, se conselho fosse bom a gente não dava a gente vendia...a verdade é que esses
cafuçus do mal merecem pagar com a mesma moeda...bater no viado só por
malvadeza...bicha, isso só pode ser doença...matar um viado só porque a bicha tá
montada...isso não se faz...somos todos seres humanos e vamos todos pra debaixo de 7
palmos de terra, né...eu sei que a homofobia ainda não é crime por lei...mas eu falo com toda
a sinceridade...esses monstros merecem ir pra cadeia e levar cabo de vassoura no edi até
morrer de (como é o nome daquilo que a gente sangra até morrer?)...pois é... até morrer de
hemorragia...pronto...lacrei!
127
Entrevistado: 17
Local da entrevista: Banda da Difusora
Idade: 30
Profissão: Bancário
Escolaridade: Superior Completo
Orientação sexual: Heterossexual
Categoria de gênero: Cisgênero
Data: 18/02/2017 (16:20h)
128
Entrevistador: sobre o pajubá como rito de passagem (item 6 de nosso questionário)
Entrevistado: aí tá fora do meu departamento, mano...agora você quer forçar com a minha
pouca inteligência (risos)...eu não sei te responder...de boa! Não sei mesmo.
Entrevistador: sobre o pajubá enquanto moderador de expressões obscenas (item 7 de nosso
questionário)
Entrevistado: com certeza, mano... eu penso que a parada é o seguinte: se os caras falassem
do jeito que é sem usar essa língua que eles usam acho que a gente iria até ficar com
vergonha...na minha opinião além de ser engraçado fica bem melhor...assim eles evitam
chamar muito palavrão...ainda mais meus amigos que falam muita putaria.
129
Entrevistado: 03
Local da entrevista: Amazonas Shopping
Idade: 13
Profissão: Estudante
Escolaridade: Fundamental incompleto
Orientação sexual: Homossexual
Categoria de gênero: Gay
Data: 10/01/2017 (15:20h)
Entrevistador: sobre gênero (item 1 de nosso questionário)
Entrevistado: eu sou gay...sem dúvida...desde que era ainda erezinha...eu já ficava na frente
do espelho rebolando (risos)
Entrevistador: sobre o conhecimento e origem do pajubá (item 2 de nosso questionário)
Entrevistado: olha, eu acho que foi pelos programas de televisão que fazem brincadeira
envolvendo os gays...na verdade eu nunca fui atrás de saber.
Entrevistador: sobre o primeiro contato com o linguajar LGBT (item 3 de nosso
questionário)
Entrevistado: olha desde os meus 11 anos que eu comecei a me soltar mais...até por causa
dos meus pais, mas hoje eu me sinto bem melhor até porque eles me deixam sair com meus
amigos de verdade...Eu me sinto bem quando eu tô com meus amigos... acho que é porque eu
me identifico com eles... não sei explicar direito...tipo sabe quando você se sente à vontade
pra fazer o que quiser, falar o que você quiser...aqui a gente pode xoxar...pode cantar
Anitta...pode dançar rebolando... isso me faz feliz...as pessoas acham que nós só pensamos em
ficar, mas eu não penso assim...acho que é muito melhor a companhia dos meus amigos do
que de outras pessoas...pelo menos eu acho.
Entrevistador: sobre as expressões do pajubá (item 4 de nosso questionário)
Entrevistado: desculpa, eu não catei a pergunta (gargalhadas)...embora eu ainda seja muito
novo...eu conheço algumas palavras da ‘língua gay’...eu posso falar?...oco, mapo, mati, eke,
maldita malditona, fazer a kátia cega...só não me pergunta porque do nome só sei que é fingir
que não vi a amiga.
Entrevistador: sobre o pajubá ser um código linguístico LGBT (item 5 de nosso
questionário)
Entrevistado: mana, pra mim é porque eu falo no meio dos meus amigos que não são gays e
eles não entendem nada...eu me sinto a inteligente (risos)...parece um outro idioma.
130
Apêndice E – Relato de Experiência de uma transgênero
131
mora eu e minha mãe e minha irmã...então fica mais fácil, porque não tem tantas pessoas
assim pra darem opiniões. O impacto maior foi quando eu cheguei e disse pra minha mãe:
mãe, eu vou cortar o cabelo!, E minha mãe perguntou: como que você vai cortar?, eu
respondi: calma! (risos)...foi quando eu voltei e meu cabelo tava menor...ela falou: eu não
acredito que você fez isso, mas depois ela entendeu...nesse tempo minhas roupas ficaram
ainda mais masculinas, porque era mais confortável pros treinos aí foi quando minha mãe
retrucou: agora que você cortou o cabelo, precisa se vestir de home? Foi quando ela percebeu
até porque eu nunca fui uma pessoa de falar...eu sempre guardava as coisas pra mim
mesmo...foi quando ela viu que eu me sentia feliz assim...então ela me levou pra fazer
compras e tudo. Quando eu mudei meu nome eu também não avisei a ela...eu simplesmente
cheguei e falei: mãe essa aqui é a minha identidade, eu mudei meu nome. Então, embora eu
nunca tenha sentado pra conversar com ela... ela vê tudo pelas minhas atitudes, pelo meu
comportamento com os meus amigos. Na verdade, eu nunca fui de dar explicações. Eu
sempre quis ser muito independente, eu vejo as coisas do jeito que eu quero aí eu vou lá e
faço, se aceitar bem, senão aceitar a única coisa que posso dizer que é assim que sou e é assim
que eu vou continuar sendo. Já a reação dos meus amigos foi muito mais complicado do que
com a minha mãe...algumas pessoas ficaram em choque...falaram: mas porque tu mudou o
nome, tem tanta lésbica que se veste de homem e não troca o nome e eu respondia: eu não sou
lésbica! Eu ou um garoto!...alguns até chegaram a dizer: eu te conheci como uma garota e vou
continuar chamando pelo seu nome... até porque o que você tem no meio das pernas é o que
uma mulher tem então vou continuar te chamando pelo seu nome... mas depois foram se
acostumando e a maioria que dizia que não aceitava...até hoje não falam comigo eu também
não falo...é só aquele oi básico...mas eu tenho meus amigos que estão comigo...eu tenho meu
irmão no caso é o meu melhor amigo...foi ele que me ajudou na descoberta durante esse
período de transição todo...ele foi muito importante nesse processo porque ele sempre falou:
tu não pode ser menina, você precisa entender o que você é... às vezes eu chorava falando
com Deus e perguntava porque eu não consigo ser como as outras garotas...... eu ainda
cheguei a transitar fiquei com garotos, mas eu enjoava no outro dia já ficava pensando como
terminar...e meu pensamento era namorar somente com uma garota. E apesar de eu ter ficado
com vários garotos eu não me sentia atraída por eles. Foi quando eu me afastei, fiquei mais
tempo enfurnado em casa e comecei a procurar os médicos pra fazer o tratamento hormonal...
aí foi quando eu resolvi mudar o meu perfil no facebook com o meu nome social e chamei
atenção, porque disse que tinha que ser tratado por aquele nome porque era o meu nome
social.
132
Com relação ao código pajubá, eu costumo falar regularmente, principalmente quando
eu tô no meio do público LGBT. Embora eu me considere hetero, meus amigos em peso são
gays, lésbicas, bissexuais eu gosto de andar muito com eles. Então quando a gente tá junto é
falando o tempo todo essas gírias, de vez em quando sai. Eu falo assim: cata, mana!
Engraçado que eu falo como um garoto gay mesmo, inclusive já me confundiram com um
garoto gay (risos). Eu acho que o código ajuda sim a combater a homofobia. Hoje já tem até
hetero que fala de tanto ouvir a gente falar. O que eles devem entender que apesar de ser um
meio linguístico nosso, é uma forma da sociedade entrar mais no nosso mundinho, de
entender como é, pra ver se respeitam mais e entendam mais a nossa situação. Acho que a
partir do momento que a comunidade LGBT tem o seu próprio código, as pessoas que têm
preconceito conseguem perceber que estamos fazendo alguma coisa pra nos proteger, mesmo
que eles olhem assim meio de canto de olho pra gente.
Sobre a ideia de fazer cirurgia de mudança de sexo...eu ainda preciso amadurecer mais
a ideia até porque tudo tem que ser com o tempo...passar pela mastectomia...porque é
complicado afinal são brigas de hormônios, você injetando hormônios masculinos e teu corpo
reproduzindo hormônios femininos. Quanto ao combate à homofobia, pedir algo que parece
que entra por um ouvido e sai pelo outro... a gente pede a Deus que ilumine a mente dessas
pessoas para entenderem que precisamos de amor e respeito.
133
Apêndice F – Transcrição de uma das conversas em grupos
DEBATES EM GRUPOS
RODA DA VERDADE LGBT (DINÂMICA)
MOMENTO PAJUBÁ
134
B: Menina, o que falta é união...isso que falta...todo ano morre um monte de viado e a polícia
nem tchum...só no barabadá da caetana... isso vai mudar de verdade quando os gays se derem
mais valor e pararem de pensar só em neca.
A: Mana, a senhora já tá falando igual uma pastora (risos)...aquela né! Mas eu concordo com
ela sim...tem que ter primeiro respeito dentro do grupo LGBT pra gente poder mudar as
coisas.
Sobre o item 5 (points LGBT's da cidade)
A: Mana, claro que é a boate ZOOOM (gargalhadas das outras colegas)...brincadeira, monas,
o chiqueiro já fechou...acho que ainda é a TS até porque já fechou a A2.
B: Mas tem o Rêmulos também, mana (mais gargalhadas de todos)...tem o cabaré que grelha
também horrores.
Obs.: depois da 6ª pergunta optamos em materializar as frases do universo LGBT, como
resultado de nossa dinâmica.
135
Apêndice G – Resultados do debate em grupo
TERMOS E EXPRESSÕES DO PAJUBÁ
GRUPO A
Picumã Babado
Amapó Segura essa marimba monamour;
Elza A Neca do ocó ta odara;
Odara A mapleyci cata tudo
Mati Tá boa!
Acué Me parte a cara de tanta vergonha.
A bete faria Coragem, aquenda, babado
Cheque Bapho
Carão Bicha a senhora é destruidora mesmo
Neca Estou pretérita
Tombar Essa bixa, quer me tombar..
Toda trabalhada fazer a chuca....
Uó Cata
Pão com ovo Viaaaaaaado
Truque Te manca viada... a senhora nem brilhassimi!
Arrasou nhain dreeg bata.
Vou sambar Êqueeee
Coragem Amiga Acorda, Alice
Se manki Desaquenda
Quem é vc querida! Mônica, aqué ,lajans, marfaire,mecles,malacos
Coitada a senhora Traaaaa
Passada na beleza né quiridah? Não faz a Carla
foi xoxada Ta boa
A senhora nem grelha Tu rompe monamur
Machuda couve-flor Não deita!
Tô no soro! Munheca encaralhada
Miga sua louca Küenda!
Taa bouuaa Arrasou bichaaaaa
Dando o close Mas tu grelha!?
Aqüenda
GRUPO B
Akuenda Cata o boy tem que saber que somos boca de tracaja
Akué Chuca
Chek Debanda
Besha Cata
Erê Vamo meter a Elza
Cafuçu Debare
Choque Neca
Purô Aquela
Rompe Arrasastes
Eq Uó ( já tem até hétero usando)
Truque Aloka
Cata juroza
Neca
Tá boa
Edi
Coitada!
Lacra
Kela
Aquenda
Mapo
Obs: As expressões foram escritas da maneira como costumam ocorrer as variações gráficas do pidgin.
Por esse motivo ocorre a repetição de alguns termos.
136
ANEXOS
Fonte:www.grupodignidade.org.br
137
ANEXO A – COMPLEMENTO – PÁGINA 2
Fonte:www.grupodignidade.org.br
138
ANEXO A – COMPLEMENTO - PÁGINA 3
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ANEXO A – COMPLEMENTO - PÁGINA 4
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ANEXO A – COMPLEMENTO - PÁGINA 5
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ANEXO A – COMPLEMENTO - PÁGINA 6
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ANEXO A – COMPLEMENTO - PÁGINA 8
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