FARMACOGNOSIA

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FARMACOGNOSIA

APLICADA

João Fhilype Andrade Souto Maior


Plantas medicinais
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Explicar a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares


do Ministério da Saúde.
„„ Relacionar aspectos fitoquímicos e terapêuticos na utilização de
plantas medicinais.
„„ Reconhecer as melhores abordagens no preparo de plantas medicinais
no âmbito farmacêutico.

Introdução
Atualmente, as práticas de saúde não convencionais, principalmente o
uso de plantas medicinais e fitoterápicos, estão ganhando novos adeptos
e se desenvolvendo constantemente. Isso pode ser útil para comple-
mentar as terapias medicamentosas alopáticas, além de ser uma forma
extremamente eficaz e alternativa de atendimento primário à saúde,
especialmente para a população de menor renda.
A demanda cada vez maior por tratamentos alternativos está relacio-
nada à percepção das limitações da medicina convencional, ao aumento
das doenças iatrogênicas e crônicas, ao enfraquecimento da relação
médico-paciente e à busca por atenção integral à saúde, além das ques-
tões financeira e de inclusão social relacionadas a essas terapias. Nesse
sentido, o uso de plantas medicinais e fitoterápicos, que compreendem
um conjunto de sistemas, procedimentos e produtos de uso clínico, foi
institucionalizado no Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil por meio da
Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares e da Política
Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos.
Neste capítulo você vai estudar o importante papel do profissional de
saúde na utilização de fitoterápicos e o potencial do Brasil para o uso de
plantas medicinais. Também vai ler sobre as políticas e os programas bra-
sileiros a respeito de práticas tradicionais, integrativas e complementares.
2 Plantas medicinais

1 Breve história das plantas medicinais


Desde a pré-história o homem sempre fez uso de produtos naturais, princi-
palmente de origem vegetal, seja para atender as suas necessidades básicas de
sobrevivência e qualidade de vida (como alimentação, por exemplo), seja para
o preparo de fórmulas caseiras para a prevenção e o tratamento de diversas
doenças. Ao longo do tempo, muitos dos conhecimentos empíricos adquiridos
sobre o uso de plantas com propriedades terapêuticas (medicinais) passaram de
uma geração para outra. Segundo Monteiro e Brandelli (2017) e Simões et al.
(2017), esses conhecimentos continuam válidos até hoje, inclusive têm servido
como base para a pesquisa e o desenvolvimento de novos medicamentos e/ou
produtos médicos e farmacêuticos.

Para você ter uma ideia da importância das plantas medicinais, aproximadamente 60%
dos medicamentos quimioterápicos são derivados dessas plantas, movimentando
cerca de 50 bilhões de dólares por ano. Além disso, aproximadamente 30% de todos os
medicamentos disponíveis no mercado atualmente derivam (direta ou indiretamente)
de ervas medicinais (SIMÕES et al., 2017; CECHINEL FILHO; YUNES, 1998).

Pela grande biodiversidade da flora do Brasil, que comporta cerca de 20%


de todas as espécies vegetais do planeta, o país se apresenta com enorme
potencial para a pesquisa de novos fármacos úteis para o desenvolvimento de
medicamentos de elevado valor econômico e social para a população. Inclusive,
apenas 5% dessa rica flora (aproximadamente 55 mil espécies identificadas) foi
investigada até o momento sob o ponto de vista fitoquímico e farmacológico
(SIMÕES et al., 2017; CECHINEL FILHO; YUNES, 1998).
Felizmente o Brasil voltou a valorizar sua flora como importante fonte de
novas moléculas com atividade biológica e de medicamentos fitoterápicos.
Em vários outros países do mundo as plantas medicinais e os fitoterápicos
deixaram de ser tratados apenas como terapia alternativa para problemas de
saúde. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (VEIGA JUNIOR;
PINTO; MACIEL, 2005), em muitos países em desenvolvimento, incluindo o
Brasil, cerca de 80% da população dependem da medicina tradicional como
única forma de acesso aos cuidados básicos de saúde (NICOLETTI, 2007).
Plantas medicinais 3

Nos últimos anos o consumo de plantas e fitoterápicos tem aumentado consi-


deravelmente entre boa parte da população, que está cada vez mais preocupada
com a própria saúde e bem informada sobre os riscos decorrentes do uso crônico
de fármacos sintéticos, além de seus elevados custos de aquisição. Uma com-
binação de outros motivos fortalece o interesse pelo uso de plantas medicinais
e fitoterápicos, como os listados a seguir (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017):

„„ a falta de acesso da população aos medicamentos sintéticos;


„„ a crescente consciência ecológica e sustentável das pessoas;
„„ a valorização de produtos naturais pelos meios de comunicação;
„„ a crença de que o “natural” é saudável e inofensivo;
„„ a ação terapêutica comprovada de muitas plantas medicinais;
„„ a não necessidade de prescrição médica para o uso de muitas plantas
e fitoterápicos.

A medicina tradicional, segundo a OMS, “[...] compreende diversas práticas, enfoque,


conhecimentos e crenças sanitárias que incluem plantas, animais e/ou medicamentos
baseados em minerais, terapias espirituais, técnicas manuais e exercícios, aplicados
individualmente ou em combinação para manter o bem-estar, além de tratar, diag-
nosticar e prevenir as enfermidades” (BRASIL, 2016, documento on-line). Sabe-se que,
no Brasil, bem como em outros países em desenvolvimento, a maior parte das práticas
da medicina tradicional (cerca de 85%) envolve o uso de plantas ou de seus extratos.

2 Conceito e aspectos gerais das


plantas medicinais
Plantas medicinais são espécies vegetais, cultivadas ou não, utilizadas com
propósitos terapêuticos. Elas podem ser usadas logo após a sua colheita —
plantas frescas — ou após processo de secagem e estabilização — plantas
secas. Segundo a OMS, planta medicinal é “[...] todo e qualquer vegetal que
possui, em um ou mais órgãos, substâncias que podem ser utilizadas com fins
terapêuticos (prevenir, aliviar, curar ou modificar um processo fisiológico
normal ou patológico), ou como fonte de fármacos ou de seus precursores”
(MONTEIRO; BRANDELLI, 2017, documento on-line).
4 Plantas medicinais

De modo geral, podemos dizer que as plantas medicinais têm tradição, já


que são usadas como remédio entre determinada população ou comunidade.
No entanto, para utilizar uma planta, é necessário conhecê-la, saber onde
colhê-la e como prepará-la, e ter, inclusive, informações sobre sistemas de
manejo (cultivo). A aplicação apropriada dos princípios ativos de uma planta
exige conhecimentos específicos sobre o seu modo de preparo para garantir
a eficácia, segurança, reprodutibilidade e constância de sua qualidade. De
acordo com Monteiro e Brandelli (2017), para cada parte da planta a ser usada,
para cada classe de molécula bioativa a ser extraída e para cada doença a ser
tratada, existe uma forma de preparo e de uso corretas.

Um método de preparo que utiliza calor em excesso pode reduzir ou eliminar o efeito
terapêutico de uma planta devido à degradação de substâncias termossensíveis, o
que é muito comum quando folhas ou flores são submetidas ao calor excessivo. Já a
utilização de métodos menos agressivos pode não extrair de modo eficaz os compostos
de interesse terapêutico presentes em determinada planta (CORRER; OTUKI, 2013;
CECHINEL FILHO; YUNES, 1998).

Entre os principais métodos de extração de princípios ativos de plantas


medicinais, podemos citar os seguintes (CORRER; OTUKI, 2013):

„„ Maceração: consiste no contato da droga vegetal com água, em tem-


peratura ambiente, por tempo determinado para cada planta.
„„ Infusão: consiste em verter água fervente sobre a droga vegetal e, em
seguida, tampar o recipiente por um tempo determinado. Esse método
é indicado para partes das plantas de consistência menos rígida (folhas,
flores, inflorescências e frutos).
„„ Decocção: preparação que consiste na ebulição da droga vegetal em
água potável por tempo determinado. Esse método é indicado para
partes das plantas com consistência rígida (cascas, raízes, rizomas,
caules, sementes e folhas coriáceas).
Plantas medicinais 5

Após o preparo, a indicação terapêutica da planta medicinal definirá a


forma de utilização do medicamento. Por exemplo, a Malva sylvestris pode
ser usada para o tratamento de disfunções na pele e, nesse caso, deve ser
administrada de maneira tópica, em forma de compressa. Por outro lado, uma
infusão dessa mesma erva por via oral pode ser usada para o tratamento de
afecções respiratórias (CORRER; OTUKI, 2013).
Entre as formas de administração caseiras mais comuns de plantas medi-
cinais (in natura, trituradas ou pulverizadas) temos as seguintes (CORRER;
OTUKI, 2013):

„„ Banho de assento: imersão em água morna, na posição sentada, co-


brindo apenas as nádegas e o quadril, geralmente em bacia ou em louça
sanitária adequada.
„„ Compressa: forma de tratamento que consiste em colocar sobre o local
lesionado um pano ou gaze umedecida com um infuso ou decocto, frio
ou aquecido, dependendo da indicação de uso.
„„ Gargarejo: agitação de infuso, decocto ou maceração na garganta
pelo ar que se expele da laringe. Após o procedimento o líquido deve
ser descartado.
„„ Inalação: administração de produto pela inspiração (nasal ou oral) de
vapores pelo trato respiratório.

Também existem formas de administração de plantas medicinais um pouco mais


elaboradas, como extratos brutos, extratos padronizados, extratos fluidos, óleos, ceras,
tinturas, comprimidos, cápsulas, entre outras (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017).

As plantas medicinais também podem ser submetidas a diversos outros


processos mais precisos de extração e purificação para isolar moléculas bio-
ativas de interesse terapêutico. As moléculas assim obtidas podem ser utili-
zadas como fármacos e, nesse caso, podem ser chamadas de fitofármacos
(MONTEIRO; BRANDELLI, 2017; CECHINEL FILHO; YUNES, 1998). A
Figura 1 mostra exemplos de processos de extração e purificação e os produtos
obtidos conforme o processo.
6 Plantas medicinais

Plantas medicinais

Planta Extrato Extrato Princípio ativo


in natura total purificado isolado

Fitocomplexo Purificação Semissíntese

Remédio
fitoterápico

Medicamento fitoterápico Medicamento químico

Figura 1. Processos de extração e purificação e os produtos obtidos a partir


de uma planta medicinal.
Fonte: Adaptada de Monteiro e Brandelli (2017).

As plantas medicinais não podem ser consideradas fitoterápicos. O


fitoterápico é um medicamento vegetal, resultado da industrialização de uma
planta medicinal. A principal diferença entre planta medicinal e fitoterápico
consiste no processamento da planta para uma formulação específica, o que
caracteriza um fitoterápico. Além disso, os fitoterápicos industrializados devem
ser registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) antes de
serem comercializados (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017; NICOLETTI, 2007).

Medicamento fitoterápico, de acordo com a Anvisa, pode ser definido como:

[…] medicamento obtido empregando-se exclusivamente matérias-


-primas ativas vegetais. É caracterizado pelo conhecimento da eficácia
e dos riscos de seu uso, assim como pela reprodutibilidade e constância
de sua qualidade. Sua eficácia e segurança é validada através de levanta-
mentos etnofarmacológicos de utilização, documentação tecnocientífica
em publicações ou ensaios clínicos fase 3. Não se considera medicamento
fitoterápico aquele que, na sua composição, inclua substâncias ativas
isoladas, de qualquer origem, nem as associações destas com extratos
vegetais (BRASIL, 2004, documento on-line).
Plantas medicinais 7

Nesse sentido, a fitoterapia se caracterizada pela utilização de plantas


medicinais em suas diferentes preparações farmacêuticas, porém sem o uso
de substâncias ativas isoladas, ainda que de origem vegetal. Ainda segundo
a Anvisa, não podem ser considerados fitoterápicos os seguintes produtos
(BRASIL, 2014):

„„ Chás: no Brasil são considerados como alimentos.


„„ Medicamentos homeopáticos: são produzidos de forma diferente dos
fitoterápicos e têm princípios ativos de vegetais, animais e minerais.
„„ Partes de plantas medicinais: podem ser comercializadas em farmácias
e ervanárias, porém não devem apresentar indicações terapêuticas.

3 Fitoterapia no Brasil e no mundo


No cenário mundial, temos a Alemanha como o primeiro e maior incentivador
das terapias naturais, principalmente da fitoterapia. Nesse país, os produtos
florais chegam a corresponder a cerca de 40% das prescrições. Outros países
como França, Bélgica, Suécia, Suíça, Japão e Estados Unidos também adotam
a fitoterapia de forma expressiva e contribuem com muitos estudos científicos
nessa área. E, claro, vale lembrar da China, que é a campeã na utilização de
medicamentos naturais — sua população apenas recorre a medicamentos alo-
páticos quando não se encontra um substituto na flora chinesa (MONTEIRO;
BRANDELLI, 2017).
As plantas medicinais, as preparações fitofarmacêuticas e os produtos
naturais isolados representam um mercado que movimenta bilhões de dólares.
Apenas em 2008, os fitoterápicos movimentaram US$ 21 bilhões ao redor do
mundo. No Brasil, os fitoterápicos movimentam cerca de US$ 400 milhões
por ano, o que corresponde em torno de 6,7% das vendas de medicamentos
no país (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017).
Como sabemos, o Brasil merece destaque nesse setor, já que tem em seu
território quase um terço da flora mundial — inclusive a Amazônia comporta
a maior reserva de produtos naturais com ação fitoterápica do planeta. Por
isso, a facilidade em adquirir plantas medicinais com potencial terapêutico
e a compatibilidade cultural são fatores importantes que favorecem o desen-
volvimento da fitoterapia em nosso país (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017;
SIMÕES et al., 2017).
8 Plantas medicinais

Além disso, a diversidade étnica, cultural e socioeconômica contribui


para que o Brasil tenha uma forte tradição no uso de plantas medicinais com
conhecimento associado. Isso permite que uma mesma planta seja usada em
formulações caseiras e de fácil preparação para o tratamento alternativo de
diferentes enfermidades, suprindo até mesmo a falta de acesso a medicamentos
convencionais na maioria dos serviços básicos de saúde pública (MONTEIRO;
BRANDELLI, 2017).

Como os fitoterápicos são uma alternativa para a obtenção de medicamentos mais


acessíveis e mais baratos do que os medicamentos de origem sintética para boa parte
da população brasileira, o Ministério da Saúde organizou uma lista com 71 plantas
medicinais que podem ser usadas como medicamento pelo SUS. Essas plantas têm
poderosos princípios ativos, que, nas dosagens certas, podem ser tão ou mais eficazes
e menos agressivos ao organismo do que os demais medicamentos industrializa-
dos, além da vantagem de muitas serem isentas de prescrição médica (MONTEIRO;
BRANDELLI, 2017).

Apesar de as plantas medicinais e os fitoterápicos serem uma opção van-


tajosa, é importante lembrar que também devem ser tratados como os de-
mais produtos farmacêuticos. Dessa forma merecem uma série de cuidados,
principalmente com relação à automedicação, já que muitos dos usuários
desconhecem os diversos problemas decorrentes do uso incorreto e irracional
dessas plantas, como possíveis efeitos adversos e as interações medicamentosas
(MONTEIRO; BRANDELLI, 2017; NICOLETTI, 2007).
Tendo isso em vista, é fundamental planejar uma assistência à saúde que
leve em conta os fatores culturais que envolvem a população e a utilização
dos recursos fitoterápicos. Tal assistência, no entanto, apenas terá impacto na
melhoria da saúde e da qualidade de vida da população quando os profissionais
de saúde estiverem munidos com informações básicas sobre plantas medicinais
e fitoterápicos, como as seguintes (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017):

„„ propriedades terapêuticas de plantas que são usadas localmente;


„„ conhecimento técnico para a preparação de fitoterápicos;
„„ conhecimento sobre as indicações, os cuidados e as dosagens;
„„ experiência sobre a percepção da relação saúde-doença.
Plantas medicinais 9

A automedicação é uma prática comum e observada não só no Brasil como em


vários outros países do mundo. Ela corresponde à situação em que o usuário obtém
ou produz e utiliza, por conta própria, certos medicamentos que acredita que serão
benéficos para o tratamento de suas doenças ou alívio de sintomas, sem qualquer
forma de intervenção médica, seja no diagnóstico da doença, seja na prescrição do
medicamento ou no acompanhamento da terapia. A automedicação também pode
ser efetuada com o uso de medicamentos isentos (ou não) de prescrição, o que inclui
medicamentos que sobraram de tratamentos prévios ou medicamentos de outras
pessoas, como familiares ou membros do círculo social (CORRER; OTUKI, 2013).

Assim, é de fundamental importância que o farmacêutico comunitário


possa orientar os usuários sobre o uso correto e racional de plantas medici-
nais e fitoterápicos, sem a perda de efetividade dos seus compostos bioativos
(princípios ativos) e sem o risco de intoxicação por uso inadequado, seja por
sobredosagens ou interações com outros medicamentos ou alimentos, por
exemplo (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017; CORRER; OTUKI, 2013).
Também é importante ressaltar que a indicação de fitoterápicos na medicina
(com ou sem prescrição) não tem o propósito de substituir os medicamentos
alopáticos já registrados e comercializados com eficácia e segurança com-
provadas. Na verdade, o objetivo é enriquecer as opções terapêuticas dos
profissionais de saúde, ofertando medicamentos equivalentes, igualmente
registrados e com eficácia comprovada, para as mesmas indicações terapêu-
ticas e complementares às existentes (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017;
CORRER; OTUKI, 2013).

4 Política Nacional de Práticas Integrativas e


Complementares
As plantas medicinais ganharam mais espaço nas políticas públicas nacionais
e internacionais a partir da criação do Programa de Medicina Tradicional pela
OMS, nos anos 1970 (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017).
10 Plantas medicinais

Segundo a OMS, medicinal tradicional (MT) corresponde ao:

[…] conjunto de conhecimentos, habilidades e práticas baseados em teorias,


crenças e experiências indígenas de diferentes culturas, explicáveis ou não,
utilizadas na manutenção da saúde, tão bem quanto em prevenções, diag-
nósticos ou tratamentos de doenças físicas e mentais […] (MONTEIRO;
BRANDELLI, 2017).

Já a medicina complementar alternativa (MCA) compreende o:

[…] conjunto de práticas sanitárias de cuidado em saúde que não são tradicio-
nalmente utilizadas ou não estão integradas ao sistema de saúde dominante
do país. Em ambos os casos, a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de
enfermidades físicas e mentais são conduzidos com certa eficácia e legitimi-
dade social (WHO, 2002, documento on-line).

A MCA também pode ser denominada “medicina natural”, “medicina não


convencional” e “medicina holística”, que adota uma visão da saúde como bem-
-estar em sua forma ampla, envolvendo uma interação de diversos fatores físicos,
sociais, mentais, emocionais e espirituais. O organismo humano é compreendido
como um campo de energia, diferentemente da visão biomédica, que vê o corpo
como um conjunto de partes (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017; FIGUEREDO;
GURGEL; GURGEL JUNIOR, 2014). Portanto, trata-se de uma visão integrativa
e sistêmica, que exige uma terapia multidimensional e um esforço multidisciplinar
no processo saúde-doença-cura. Assim, é uma “visão do todo”, na qual se enfatiza
a integração dos cuidados (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017).
O Brasil tem avançado de forma significativa no que diz respeito ao uso de
plantas medicinais e fitoterápicos. O país criou políticas públicas — a Política
Nacional de Práticas Integrativas e Complementares e a Política Nacional de
Plantas Medicinais e Fitoterápicos — que garantem o acesso e promovem
o uso de plantas medicinais e fitoterápicos no seu sistema de saúde, o SUS.
Isso se deve ao fato de que tais medicamentos são uma alternativa viável à
população mais carente ou que reside fora das zonas urbanas, com acesso
restrito aos centros de atendimento hospitalares, à obtenção de exames e aos
medicamentos industrializados, mais caros (MONTEIRO; BRANDELLI,
2017; FIGUEREDO; GURGEL; GURGEL JUNIOR, 2014).
Plantas medicinais 11

A Portaria do Ministério da Saúde nº. 971, de 3 de maio de 2006, instituiu


a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que
autoriza o uso de práticas de terapias da MT, da MT chinesa (MTC) e da
medicina complementar (MC) no SUS, atendendo à demanda da OMS e da
população brasileira, além de à necessidade de normatização dessas práticas
na rede pública de saúde (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017; FIGUEREDO;
GURGEL; GURGEL JUNIOR, 2014).

A OMS recomenda aos seus Estados-membros a elaboração de políticas nacionais


voltadas à integração e à inserção da MT/MCA aos sistemas oficiais de saúde, com
foco na atenção primária à saúde. A organização promove eventos e reuniões técnicas
com os Estados-membros para formular documentos, discutir estratégias e promover
a cooperação entre os países, visando ao desenvolvimento da MT. Na reunião técnica
da OMS ocorrida em Genebra, Suíça, de 12 a 14 de junho de 2006, sobre o tema
“Integração da MT aos sistemas nacionais de saúde”, o Brasil passou a fazer parte do
grupo de países que têm políticas nacionais de MT/MCA, com a aprovação da PNPIC
no SUS (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017).

A PNPIC traz diretrizes e ações para a inserção de serviços e produtos


relacionados à MTC/acupuntura, homeopatia e plantas medicinais/fitoterapia,
assim como de observatórios de saúde do termalismo social e da medicina
antroposófica no SUS. Contempla, ainda, responsabilidades dos entes fe-
derais, estaduais e municipais. Entre os objetivos da PNPIC, podemos citar
os seguintes (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017; FIGUEREDO; GURGEL;
GURGEL JUNIOR, 2014):

„„ contribuir para o aumento da resolubilidade no sus;


„„ ampliar o acesso às práticas integrativas e complementares;
„„ garantir qualidade, eficácia, eficiência e segurança no uso das práticas
integrativas e complementares;
„„ promover a racionalização das ações de saúde;
„„ estimular o uso de alternativas inovadoras e socialmente contributivas
ao desenvolvimento sustentável de comunidades.
12 Plantas medicinais

Para implementar as plantas medicinais e os fitoterápicos como instrumento


de políticas, programas e projetos são necessárias ações intersetoriais que ul-
trapassam o setor da saúde, já que envolvem a agricultura, o meio ambiente, o
desenvolvimento agrário, a indústria e a ciência e tecnologia. Assim, durante as
discussões para a formulação das diretrizes para plantas medicinais e fitoterapia
no SUS inseridas na PNPIC, houve a necessidade de construção de uma política
nacional que contemplasse o desenvolvimento de toda a cadeia produtiva de
plantas medicinais e fitoterápicos, com todas as oportunidades que o Brasil
oferece para o crescimento do setor, a rica biodiversidade do país e tecnologia
para o desenvolvimento de medicamentos a partir da flora brasileira.
Dessa forma, em 2006 foi criada a Política Nacional de Plantas Medicinais
e Fitoterápicos (PNPMF), pelo Decreto da Presidência da República nº. 5.813,
de 22 de junho de 2006, com diretrizes e ações para toda a cadeia produtiva de
plantas medicinais e fitoterápicos, cujos objetivos principais são os seguintes
(MONTEIRO; BRANDELLI, 2017; FIGUEREDO; GURGEL; GURGEL
JUNIOR, 2014):

„„ garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de


plantas medicinais e fitoterápicos;
„„ promover o uso sustentável da biodiversidade;
„„ promover o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional.

Já os objetivos específicos da PNPMF podem ser listados desta maneira


(MONTEIRO; BRANDELLI, 2017; FIGUEREDO; GURGEL; GURGEL
JUNIOR, 2014):

„„ ampliar as opções terapêuticas aos usuários, com garantia de acesso a


plantas medicinais, fitoterápicos e serviços relacionados à fitoterapia,
com segurança, eficácia e qualidade, na perspectiva da integralidade
da atenção à saúde, considerando o conhecimento tradicional sobre
plantas medicinais;
„„ construir o marco regulatório para produção, distribuição e uso de
plantas medicinais e fitoterápicos a partir dos modelos e experiências
existentes no brasil e em outros países;
„„ promover pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e inovações em
plantas medicinais e fitoterápicos nas diversas fases da cadeia produtiva;
„„ promover o desenvolvimento sustentável das cadeias produtivas de
plantas medicinais e fitoterápicos e o fortalecimento da indústria far-
macêutica nacional nesse campo;
Plantas medicinais 13

„„ promover o uso sustentável da biodiversidade e a repartição dos benefí-


cios decorrentes do acesso aos recursos genéticos de plantas medicinais
e ao conhecimento tradicional associado.

Também foi criado um Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fito-


terápicos, aprovado por meio da Portaria Interministerial nº. 2.960, de 9 de
dezembro de 2008. A mesma portaria criou o Comitê Nacional de Plantas
Medicinais e Fitoterápicos, com representantes de órgãos governamentais e
não governamentais de todos os biomas brasileiros.
O Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, em conformi-
dade com as diretrizes da PNPMF e da PNPIC, abrange toda a cadeia produtiva,
cujo objetivo envolve os seguintes aspectos (MONTEIRO; BRANDELLI,
2017; FIGUEREDO; GURGEL; GURGEL JUNIOR, 2014):

„„ respeitar os princípios de segurança e eficácia na saúde pública;


„„ conciliar desenvolvimento socioeconômico e conservação ambiental,
tanto no âmbito local quanto em escala nacional;
„„ respeitar as diversidades e particularidades regionais e ambientais.

Com relação à inserção das plantas medicinais e fitoterápicos e ao desen-


volvimento do serviço no SUS, atualmente, merecem destaque as seguintes
ações (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017; FIGUEREDO; GURGEL; GURGEL
JUNIOR, 2014):

„„ estruturar e fortalecer a atenção em fitoterapia, a participação e a cor-


responsabilização com as equipes de saúde da família, com ênfase
na atenção básica, por meio de ações de prevenção de doenças e de
promoção e recuperação da saúde;
„„ estabelecer critérios técnicos para o uso de plantas medicinais e fito-
terápicos, em todos os níveis de complexidade, para garantir a oferta
de serviços seguros, efetivos e de qualidade;
„„ apoiar técnica ou financeiramente projetos de qualificação de profissio-
nais que atuem na área de informação, comunicação e educação popular;
na estratégia de saúde da família; e como agentes comunitários de saúde.
„„ estabelecer intercâmbio técnico-científico e cooperação técnica, visando
ao conhecimento e à troca de informações decorrentes das experiên-
cias no campo de atenção à saúde, formação, educação permanente e
pesquisa, com unidades federativas e países onde a fitoterapia esteja
integrada ao serviço público de saúde.
14 Plantas medicinais

Desde a criação da PNPMF, em 2006, muitas estados e municípios brasileiros criaram


políticas locais para a sua implementação. Além disso, diversos serviços de saúde
passaram a oferecer esse tipo de tratamento, e o número de profissionais que utilizam a
fitoterapia no tratamento de seus pacientes tem aumentado por meio desse incentivo
(MONTEIRO; BRANDELLI, 2017; FIGUEREDO; GURGEL; GURGEL JUNIOR, 2014).

A fitoterapia tem sido inserida em muitos cursos de graduação da área da


saúde, inclusive alguns programas de pós-graduação já têm linhas de pesquisa
sobre plantas medicinais. Contudo, esse crescimento ainda não é suficiente
para torná-la uma prática frequente nos serviços de saúde. Além disso, segundo
Monteiro e Brandelli (2017) e Figueredo, Gurgel e Gurgel Junior (2014), várias
dificuldades impedem que o potencial da fitoterapia como tratamento alter-
nativo e complementar seja explorado, o que seria um benefício e um grande
avanço para a saúde da população, para o SUS e para o Brasil.
A implementação da fitoterapia no SUS representa, além de mais uma
alternativa terapêutica à disposição dos profissionais de saúde, o resgate de
práticas milenares, em que o conhecimento científico e o conhecimento popular
se complementam, assim como seus diferentes entendimentos sobre a doença
e suas formas de tratá-la (MONTEIRO; BRANDELLI, 2017; FIGUEREDO;
GURGEL; GURGEL JUNIOR, 2014).

BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Medicamentos fitoterápicos. 2014.


Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/resultado-de-busca?p_p_id=101&p_p_
lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-
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