Livro Trabalho e Subjetividade Marmoristas
Livro Trabalho e Subjetividade Marmoristas
Livro Trabalho e Subjetividade Marmoristas
Trabalho e Subjetividade
dos Marmoristas
Ministro do Trabalho
Ronaldo Nogueira de Oliveira
Fundacentro
Presidente
Paulo Ricardo Arsego
Diretor Técnico
Robson Spinelli Gomes
Trabalho e Subjetividade
dos Marmoristas
São Paulo
2018
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO
ISBN 978-85-92984-09-0
Ficha técnica
Editora-chefe, arte-final capa: Glaucia Fernandes
Preparação de textos: Karina Penariol Sanches
Projeto gráfico, capa e miolo: Flávio Galvão
Agradecemos a todos os trabalhadores do ramo de
marmoraria que se dispuseram a expor suas vidas no
ambiente de trabalho, seu trabalho, suas esperanças,
seu orgulho, suas tristezas e suas dores... E ao Sitima-
gran pelo apoio fundamental, abrindo as portas para
a pesquisa.
1.
Introdução....................................................................................9
2.
Metodologia.................................................................................13
3.
Sobre o sindicato da categoria...........................................................17
4.
O trabalho na marmoraria............................................................... 21
4.1. Falando sobre a pedra como matéria prima......................................28
4.2. Sobre comer muito...................................................................31
4.3. A Equipe de trabalho................................................................34
4.3.1. O ajudante................................................................35
4.3.2. O lustrador ou polidor..................................................39
4.3.3. O serrador ou cortador.................................................47
4.3.4. O acabador...............................................................55
4.3.5. O colocador...............................................................61
5. Saúde........................................................................................69
5.1. Queixas de saúde....................................................................70
5.2. Como lidam com os problemas de saúde e queixas........................... 79
5.3. Acidentes de trabalho...............................................................82
5.4. O pó traidor: silicose, a doença que mata.......................................88
5.5. A bebida alcoólica – tomar uma para limpar o pó da garganta...............97
6. Considerações finais.....................................................................109
Referências ...............................................................................115
1 Introdução
9
Das atividades realizadas pelo GT, apontamos como resultados: a) a
publicação “Marmoraria: manual de referência: recomendações de segurança
e saúde no trabalho” (2008); b) o acordo firmado pela Portaria no 43, de 11
de março de 2008, do Ministério do Trabalho e Emprego/Secretaria de Ins-
peção do Trabalho (BRASIL, 2008); e c) o seminário “Prevenção e controle da
exposição aos agentes ambientais em marmorarias: da pesquisa à prática”. Isso
mostra um caminho já percorrido com o desenvolvimento de ações efetivas,
que teve como ápice a recomendação da mudança do processo de trabalho em
marmoraria – de seco para úmido, reduzindo as partículas suspensas no ar e a
exposição do trabalhador.
10
seu trabalho, como é o seu universo de significados, sua relação com a equipe,
ferramentas e equipamentos, bem como as formas de fazer, de pensar e sentir
sua atividade.
11
2. Metodologia
13
universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores
e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis.
Minayo (1994, p. 18) aponta que “as teorias são explicações parciais
da realidade... também iluminam a análise dos dados organizados embora não
possam direcionar totalmente essa atividade sob pena de anulação da origina-
lidade da pergunta inicial”.
14
empresas, foram observados e fotografados o processo de trabalho e o desen-
volvimento da atividade do lustrador, serrador ou cortador e acabador, além
de efetuadas conversas com os trabalhadores sem roteiros previamente esta-
belecidos. Durante as visitas, tivemos maior aproximação com o mundo do
trabalho em marmorarias e este era nosso objetivo.
es-
Nas entrevistas individuais com os dirigentes sindicais, além de buscarmos
clarecimentos acerca da história do sindicato e levantarmos dados, objetiva-
mos aproximar-nos a fim de estudar e situar as ações já encampadas pelos
representantes dos trabalhadores.
15
Destacamos a importância de estarmos atentos aos sujeitos da pes-
quisa durante os momentos informais, no lanche, por exemplo. Essa parada
na entrevista em grupo representava um momento de descontração regado
a diversos e saborosos sucos e bolos, bolachas e frutas, possibilitando maior
aproximação entre pesquisadores e sujeitos enquanto brincavam e questiona-
vam sobre o nosso trabalho.
16
3. Sobre o sindicato da categoria
17
Quando ingressou no sindicato, na década de 1980, a convenção da
categoria tinha onze cláusulas, sendo duas sobre leis. Outras leis eram re-
ferentes aos direitos das mulheres, dos estudantes e ao alistamento. Já nas
convenções coletivas da categoria do período de 1990 a 2010 levantadas junto
ao Sitimagran, observa-se que, em 1990, o sindicato realizou convenções que
continham 30 cláusulas e, em 2010, o número de cláusulas era de 76.
Década de 1980
Década de 1990
18
Em 1995, é incluída importante cláusula referente à garantia de em-
prego e salário quando o trabalhador da categoria for afastado por doença ou
acidente de trabalho.
19
como ele, muitos trabalhadores, após uma vida de exposição à sílica e a outras
condições indignas de trabalho, deixaram sua saúde junto com as pedras
nas marmorarias.
20
4. O trabalho na marmoraria
21
ficas do local que impedem a fuga. Desse modo, trata-se aqui não do trabalho
escravo nas condições delimitadas pela OIT, mas sim de um sentido maior
atribuído. Segundo Seligmann-Silva (2011), na noção de trabalho escravo está
presente e embutida a característica da desqualificação, e estariam “nessa situ-
ação de desqualificação especialmente aqueles cujos conhecimentos e experi-
ências profissionais passaram a ser desvalorizados e descartados em decorrên-
cia do advento de novos saberes e de novas tecnologias”, o que é encontrado
em algumas marmorarias.
“Mas é uma escravidão porque o trabalhador, ele podia trabalhar melhor, ter
a matéria-prima melhor para trabalhar, sem ter tanto esforço físico, porque
eu, eu trabalho em uma máquina que faz cinquenta anos, desde que abriu
a marmoraria que ela está lá. Marmorarias novas aí se modernizaram e eles
continuam com aqueles pau velho. Hoje cai ali, faz uma gambiarra ali,
faz outra gambiarra ali para você poder trabalhar o dia a dia.”
22
Segundo Dejours (2008, p. 39):
23
tem conhecimento da sua sobrecarga de trabalho e faz referência às consequ-
ências dessa forma de produzir.
Segundo informações da diretoria do sindicato, a atividade desenvol-
vida em marmoraria era motivo de grande orgulho em determinado período
para os trabalhadores que percebiam altos salários, o que lhes conferia um
status de poder e realização. Nesse contexto, para participarem das assembleias
da categoria, vestiam-se de paletó e gravata e eram transportados de taxi até
o local:
24
infinita, porque a produção está sempre relacionada com as condições mate-
riais e com as necessidades já criadas (SOARES, 2013). No entanto, é também
através do trabalho, na sua relação ativa com a natureza, que o homem é cria-
dor de si próprio. E nesse sentido é importante entender um trabalho como
elemento constitutivo e presente no embrião da identidade, na sua constitui-
ção no dia a dia.
Dejours (1993) aponta que a questão não é o trabalhar. Não trabalhar
é igualmente perigoso. O que se coloca como fator crucial é Qual trabalho? O
trabalho é “um espaço da construção do sentido e, portanto, de conquista de
identidade, da continuidade e historização do sujeito” (DEJOURS et al., 1994
apud MOULIN, 2001). Nesse sentido, a marmoraria se mostra também como
um espaço de desafio, criação, arte, transformação.
25
As novidades impostas pelas peças encomendadas à quebra da rotina e
o envolvimento do trabalhador são fatores que despertam sua subjetividade,
seu desejo de mudar, transformar e se ver em cada produto.
26
mos detalhadamente essa assimilação e interiorização do projeto explicitado
minuciosamente pelo trabalhador.
“Aí ficava olhando pra pedra, mas eu tava olhando pra ela procurando
como é que eu ia fazer, porque eu não encontrava a forma de sair, às vezes,
dormindo, eu estava, muitas vezes eu despertava todo mundo lá em casa:
Achei! Achei! Dava aquele grito, aí já me levantava, pegava papel e lápis
já desenhava aquilo que eu tinha sonhado. Já desenhava, acredita? Quando
eu pegava aquela peça pra fazer e seguia aquele roteiro que eu tinha
encontrado no sonho, estava certinha.”
27
O trabalhar com a pedra, seu objeto de trabalho, envolve sutilezas em
relação à matéria-prima que despertam ou exigem desse trabalhador muita
atenção, experiência e uma grande dose de curiosidade para “descobrir” a pe-
dra e lidar com ela.
28
alguns exemplos de pedra com as quais os marmoristas lidam. Segundo eles,
algumas são melhores para trabalhar, enquanto outras são melhores para dar
acabamento. A cinza andorinha, por exemplo, é o tipo de pedra bem mais fácil
de lidar quando se exige uma grande produção, diferentemente da Ubatuba,
que, embora mais mole, é muito complicada de usar, pois risca muito.
Pedra mole, pedra dura, pedra macia são qualidades atribuídas a cada
tipo para designar o grau de dificuldade que cada uma apresenta, as formas de
se executar o trabalho e para quais tipos de encomendas são mais apropriadas.
Por exemplo:
29
Algumas pedras têm gosto, sabor, outras têm cheiro ruim, e esse
gosto, esse cheiro se entranham no trabalhador às vezes como um alimento,
às vezes como um mau cheiro que provoca repulsa, nojo.
30
“Tem pedra que tem uma acidez danada, tem
pedra, a grande maioria, você sabe, toda pedra
ela é radioativa, sabia disso?”
“Tinha trabalhador que você era obrigado a trazer o lanche a mais pra dar
pra ele, porque você via que ele não tinha condição.”
31
aspecto supervalorizado é associado ao ritmo da atividade, que é intenso, e ao
trabalho pesado, como já vimos.
“[...] se movimenta o dia inteiro,
eu não sou de comer muito, mas quando estou
numa atividade na marmoraria, como de tudo,
eu tenho um armário ali repleto de comida
só pra mim, tem de tudo, tem coco, tem jaca,
tem goiaba, tem tudo, quer dizer, tenho
muita fome.”dias arrotando ela.”
32
“[...] passei oito anos levando marmita, só que
até no lugar de você almoçar, na hora de você
almoçar, tinha que fazer uma limpeza na mesa
que estava cheia de pó, de canto a canto.”
“... um almoçava aqui, outro almoçava mais para lá, outro fazia
uma banquinha de qualquer jeito lá no pé da parede e tudo.”
“[...] comprava aquele litro de álcool e no meio-dia punha aquele foguinho nas
tampinhas de cola, um pouquinho de álcool, duas, três colheres de álcool, dava
para esquentar bem uma marmita, mas não que tinha aquele negócio daquele para
esquentar [...]”
33
[...] levava marmita todo dia, levava todo mundo, colocava no marmiteiro e o pessoal
almoçava tudo dentro da marmoraria...Você almoçava no pó. Então assim, você via a
poeira e você almoçava na mesa [...]”
1
Algumas marmorarias mantêm o colocador na empresa, mas isso não é regra. Em muitos casos, o
colocador é um profissional autônomo e atende a diversas marmorarias.
34
Portanto, o sentido de trabalho em equipe aqui é diferenciado. Surgem
elementos como cooperação e solidariedade entre os trabalhadores que serão
observados na leitura da análise de cada função dentro de uma marmoraria.
4.3.1. O ajudante
A maneira mais usual de se começar a vida profissional na indústria
de beneficiamento do mármore e granito, ou seja, em marmorarias é como
ajudante. São vários os relatos dos trabalhadores, como a seguir:
35
“Aí fui morar com uns parentes que trabalhavam na marmoraria
nos fundos da marmoraria e de lá passei a trabalhar como ajudante na
marmoraria e já está com quase 30 anos que trabalho.”
36
O ajudante assiste a todos os trabalhadores da marmoraria, faz massa
para os colocadores, carrega peças, faz o carregamento do caminhão e tam-
bém o descarregamento dentro e fora da empresa.
“Ajudante faz massa para os colocadores para
a parte de colocação, faz esse serviço assim porque
não tem uma profissão [...]”
“[...] faz o serviço geral, o ajudante assiste os demais
profissionais, carrega a peça e transmite para o geral,
tudo que tem em cima da bancada é assistido pelo
ajudante, ele faz o carrego do caminhão e vai
descarregar na obra esse tipo de coisa, ele assiste
a tudo dentro e fora da empresa.”
37
O ajudante também enfrenta situações de medo, tensão e sofrimento,
como o medo de fazer errado e o de ter que aprender a lidar com o equipa-
mento. O medo de errar significa perder a oportunidade de aprender e de
ter um emprego, a possibilidade do desemprego e até do desprezo ou de ser
excluído pelos companheiros de trabalho.
38
A ausência de condições de “[...] e ali o ajudante é obrigado
trabalho adequadas e que protejam a pegar aquela chapa [pedra] quente
os trabalhadores os expõe a risco de e mudar ela para outro cavalete para
poder flamear a chapa que está atrás.
acidente de trabalho e doenças ocu-
Então hoje em dia dentro da marmoraria
pacionais ou relacionadas ao traba- esse é um trabalho que também está
lho, tal como ter de pegar uma cha- prejudicando muito o trabalhador [...]”
pa quente.
Segundo o lustrador, seu trabalho não “dá muito valor, não tem muito
aquela responsabilidade”, refletindo um sentimento de menos-valia, talvez em
2
Termo usado pelos trabalhadores que significa começar com um abrasivo grosso, indo até o mais
fino com objetivo de afinar, alinhar, nivelar a pedra.
3
Lustradeira: equipamento utilizado para nivelar e polir a chapa (pedra).
39
função da ausência da escolaridade formal, embora esta não condiga com a
importância de seu ofício no fluxo de trabalho.
40
Outro critério para ser lus-
trador e manter-se na função, dife- “[...] quando eu falo o pessoal pergunta
pra mim “você faz academia”, eu digo
rentemente do cortador ou do aca- não, é pedra mesmo porque a lustradeira
bador, é a força física, ser forte, pois não é qualquer um que trabalha não,
“na lustradeira tem que ser cara que en- tem que ser meio forte.”
tenda, tem que ser cara meio forte”.
“É uma dança, você vai lá com a máquina, você vai lá e às vezes, vai até o
fim da pedra para poder ir para o outro canto.Você fica nessa dança para lá
e pra cá, o dia inteiro.”
41
“Então é isso aí que eu falei, a máquina mesmo faz com que a pessoa vá
para um lado ou para o outro, tem que procurar um jeito, às vezes tem umas
que puxam, eu nunca trabalhei nisso aí não, mas eu tenho um cunhado que
trabalhou nisso aí, porque é pesado e quando esquenta ela pesa.”
“A máquina levanta, você têm que parar a máquina, levantar, aí você pega
duas chaves, tira seis abra-sivos do satélite e coloca mais seis abrasivos no
satélite; depois que você colocou, você tem que levar, aí você puxa
com abrasivo, a máquina fica numa altura boa então você
trocou o abrasivo, aí você tem que levar a máquina pra trás para
que ela possa pegar o nível da chapa, aí você deixa
na altura que você vai sentir, você não pode deixar com muito peso
na hora que você vai ligar a máquina senão com o tempo queima
o motor, então você tem que deixar a máquina meio leve, aí você liga a
máquina e vai levando a lixadeira pra trás só que não pode esquecer
que a chapa automática, se você esquecer, pegar a lixadeira até o fim, ela
queima o motor, então você tem que ficar ligado em todos os movimentos.”
42
A experiência do lustrador mostra, portanto, que o trabalho é consi-
derado desqualificado não do ponto de vista do ofício em si, mas sim, como já
mencionado, em relação à escolaridade formal, pois, aos olhos do emprega-
dor, seu saber construído no dia a dia qualifica-o a ensinar o seu ofício aos que
estão começando.
43
“[...] no começo era chumbo, já era mais diferente o costume, o cara sofria
além da poluição, o pó que sentia a força que fazia [...]”
“[...] às vezes você dá tudo de você no material e no fim, quando você está
no fim do material na hora de lustrar, o material está todo riscado,
então o lustrador nunca trabalha com a cabeça fresca, ele sempre trabalha
com a cabeça quente rezando pra que quando chegar
ao final não tenha risco nenhum [...]”
4
Lesado no sentido de ficar tonto, abestalhado, fora do ar, desligado.
44
de produção e uma racionalização do tempo. Dessa forma, elimina algumas
etapas do processo e ganha tempo.
“[...] e eu, não querendo falar de mim, eu sempre fui um lustrador dentro
daquilo que dava, a melhor produção era comigo, se outro lustrador fazia 4
chapas, eu fazia 5, mas não que eu era puxa-saco, pela experiência do dia a
dia, a prática e a experiência vale tudo dentro da lustração. Eu posso passar
por uma chapa na mesa e passar 36, e antes do 36 eu já passei a 120 e não
a 180, ai eu já pulei um abrasivo estou ganhando ali 15 minutos, entendeu
como funciona, é uma pedra mal lustrada, tô ganhando ali uns 15 minutos,
aí eu passo 180 3f e não passo o 1000 e não passo 1200, eu já estou
ganhando ali 2 abrasivos, quer dizer, a pedra não vai ficar beleza pura mais
vai ficar mais ou menos, não vai ficar tão bem afinada que eu sei porque
não passei todos os abrasivos [...]”
45
A ausência de manutenção do equi- “Ela estando no nível é
pamento, o desnivelamento e a instalação menos, se você deixar ela alta
demais, você deixou ela alta,
da lustradeira em condições inadequadas ela vai puxar pro lado direi-
trazem reflexos diretos ao processo de tra- to, você puxou, ela baixa, ela
balho, aumentando o esforço físico para o vai puxar pro lado esquerdo,
lustrador e maltratando ainda mais o seu então isso maltrata o corpo
do trabalhador, tem que
corpo já sofrido. procura deixar ela no nível,
que no nível ela fica mais
Ao trabalhar com a água, é preciso ou menos, você que conduz a
ter uma sequência na utilização dos abrasi- máquina entendeu?”
vos, iniciando pelo mais grosso, chamado
36, até o mais fino, que é o 1200. Sendo assim, a água do início do processo
“Se você ver qualquer anormalidade, aí é mais suja, ficando um pouco
você vai ver que não está boa pra tirar da mais limpa no final para que se
base, aí você vai ver qual o melhor abrasivo visualizem as anormalidades na
pra passar na pedra.”procura deixar ela no
chapa em que se trabalha.
nível, que no nível ela fica mais ou menos,
você que conduz a máquina entendeu?” Quando termina a lus-
tração, é necessário deixar a chapa secar para verificar se está de acordo com o
solicitado, e é neste momento que o trabalhador consegue ver se ficou alguma
deformidade, tal como riscos aparentes ou fissuras. O trabalho de retirada da
chapa da mesa de lustração é muito delicado, pois exige muitos cuidados e a
ajuda dos colegas, conforme relatos a seguir.
46
tirar a chapa de cima da mesa que aí fica
2 em cima da mesa, da base, e 2 embaixo,
porque aqui de baixo tem que fazer força pra
não quebrar o material [...]”
Por ter de lidar com medidas e cálculos, para ser serrador exige-se um
nível de escolaridade com conhecimentos de matemática, desenho, ângulos.
47
Além disso, exige-se do trabalhador conhecimento em relação ao ma-
terial com o qual lida.
“[...] tem que conhecer o material por nome, por cor, por exemplo, tem cinza,
mas tem cinza escuro, tem outro claro, não pode misturar, tem que acompa-
nhar sempre por entorno da medida [...]”
“[...] uma lareira que eu montei parecendo uma sanfona, pedra para dentro,
pedra para fora, para fazer isso aqui a gente faz quarenta e cinco que
não sai quarenta e cinco aqui, depois faz aqui sem contar que você tem
ela bem pequena e já vai tem outra aqui desse lado casar isso aqui, para
casar isso aqui para ela ficar todinha [...]”
48
O serrador não pode ser afobado e não pode ser lerdo, pois em algumas en-
comendas precisará lidar com o controle de determinados períodos de tempo
necessários para a finalização da peça.
49
“Este rajadinho, este preto indiano aí.”
“Tem que decifrar, onde tem o preto encontrar com o
preto e onde tem o branco encontrar com o branco,
por exemplo, tem este risco branco aqui, a gente tem
que procurar onde que tem esse o risco branco para
dar continuidade.”
50
“Por exemplo, você tira a primeira e vai
colocando, depois na hora de cortar vem
uma, duas do mesmo jeito que eu estou aqui
serrando.”
“Na hora que colocar vai começar dali, ali está o número um eu tenho que
saber que aquela ali é a número um, porque senão ele mistura elas todas, já
põe o três, quatro, aí já fica errado. Aí o colocador olhar ele vai saber que ali
é uma sequência? Ele vai saber que é uma sequência.”
51
Tipos de peças
O serrador faz qualquer tipo de peça, tais como pia, piso, lavatório,
coluna, lareira. Segundo os trabalhadores, algumas são mais difíceis e algumas
despertam maior satisfação e prazer quando acabadas.
52
“Quando você compra a makita, já vai o equipamento
de por água... Mas se você não tem uma torneira
próxima você não tem como por água aí normalmente
a gente pega uma garrafinha e umedece.”
“Se você for cortar a seco, vai dar um pó
danado e o diamante vai sair daquela aí,
vai estourar, tem que ser a úmido.”
“[...] eu uso, por exemplo, tem o piso aqui para cortar, aqui, esse piso aqui,
creio eu que deve ser quarenta e cinco, quarenta, tem uma faixa ali que vai
ser trinta e eu vou colocar essa aqui que é de quarenta, mas vai
ter outro de trinta. O menor a gente deixa sempre por último,
mas eu tenho um calço de teste que na hora que eu termino de cortar
o de quarenta eu tenho o calço de teste entre aquela guia e o disco,
então já está a medida, entendeu?”
“Eu tirei o de sete, então eu não tenho que estar medindo a toda hora,
eu já tenho que confiar nos meus calços que já estão na medida exata.”
53
logias mais atuais e desenvolvidas especificamente para determinadas tarefas,
como, por exemplo, o corte da pedra, como demonstra a fala abaixo.
“[...] então como eu gosto de uma coisa mais prática, eu vou na manivela
mesmo e vou levando o disco para frente ou para traz do tamanho
que eu quero e hoje como tem muita máquina moderna que já vem com o
motor, é só apertar o motor ela vai e volta, então também eu acho mais fácil
também, então eu uso pouco esses calcinhos.”
54
4.3.4. O acabador
No processo de produção da encomenda na marmoraria, o acabamen-
to é o último estágio e utiliza equipamentos e máquinas como makita, lixadei-
ra, chicote ou rebolo para retirar as rebarbas e a lixa d’água para dar brilho.
O acabador, como o próprio nome já diz, é quem finaliza a peça que seguirá
para o cliente.
“É o acabador, depois que passa pela mão do acabador pode levar para a
entrega, para o serviço final e consiste no polimento e a montagem da peça.”
55
desbastando a pedra, aquele cheiro perturba.
É que é um fedor agressivo.”
“[...] às vezes uma peça de um metro,
dois metros, ou mais, depois que a gente deu
aquele acabamento, a gente encosta ali
e já vai pegar outra e ai começa tudo
de novo [...]”
56
“[...] aquela poeira que fica todinha aqui você joga ela todinha para dentro
do olho, todos os acabadores sabem disso.”
“[...] porque como o serviço era muito forte e a cola, o cheiro, era muito forte,
o catalisador e tal, essas coisas, quando eu terminava normalmente eu saía
pro banheiro, saía para tomar água, saía para fazer qualquer coisa porque o
cheiro era insuportável.”
“[...] você sai engasgado com a poeira, sai engasgado com a cola, sai
engasgado com o catalisador com tudo isso, aí você, normalmente eu saía uns
5 minutos mais ou menos, ia no banheiro, às vezes o dono estava lá e dizia
‘cadê o fulano’, diziam ‘foi no banheiro’.”
57
“Às vezes você botava até a cara do lado de fora da rua para, e lá não tinha
o portão e a gente botava a cara do lado de fora da rua para respirar
um pouco porque a firma normalmente estava tomada de pó e o cheiro
da cola, o cheiro do catalisador.”
Aí não pode, você deixar passar, e a cola não pode secar e o sargento
é justamente para deixar tudo em ordem, e o desenho, quando você vai olhar
o desenho, você vai ver o desenho e tem que deixar daquele jeito, não pode
porque senão quando você for por na parede não vai dar na parede
e se você for por com a outra não vai dar com a outra,
então o acabamento exige muito isso.”
58
O trabalho do acabador é a etapa anterior a do colocador e, nesta fase,
não se pode admitir alterações que impossibilitem a colocação da encomenda.
“As peças para você na hora que colocar você apertar tudinho para
que eles não fujam, porque se eles fugir, você sai perdendo tudo, porque
a maioria das coisas é tudo com desenho, então, um milímetro a mais,
dois tal, às vezes não faz nem diferença, mas se passar três por
aí normalmente já dá diferença.”
“Então por isso que o acabamento você tem que trabalhar 100% inclusive
o brilho, o brilho da frente de uma peça tem que ficar muito bonito [...]
Porque o correto mesmo é você dar o acabamento no brilho de água, na água,
brilho na água, aí ela vem para nossa mesa [...] nós vamos dar mais um
acabamento e daí a gente vai fazer as outras coisas, a gente vai fazer uma
colagem, colagem de peça.”
“[...] um lavatório muitas vezes dependendo do dono, ele vai pedir com vários
tipos de detalhe, aí a gente vê quando sai de lá só a frente lustrada ela
vem para nossa mesa e a gente vai dar o acabamento final, vai colar
as peças e no final a gente cola a cuba para quando chegar lá e colocar
no banheiro o dono olhar e dizer ‘muito bom’ [...]”
59
Para sentir na sua pele esse orgulho do fazer benfeito, o trabalhador
passa por muitas situações desagradáveis, desfavoráveis em função das con-
dições de trabalho, dos equipamentos sucateados, da ausência de tecnologias
que lhe deem suporte necessário.
“[...] então você tem que trabalhar com muito cuidado, forçando a má-quina,
a lixadeira, para que você não deixa a peça torta. Então qualquer
descuido você se acidenta. Aqui a gente liga e desliga, mas, por exemplo,
no caso de um acidente é menos do que um piscar de olho da gente,
a máquina já acidentou a gente.”
60
Em resumo, o trabalho do acabador apresenta, segundo eles, qualida-
des como ritmo intenso, monotonia, perigo, meticulosidade e inventividade
para criação de estratégias tendo como fim lidar com o ritmo e os riscos a que
estão expostos.
4.3.5. O colocador
Na sequência do processo de trabalho como um todo, desde o início
até a instalação da peça, o colocador é o último, é quem instala a peça enco-
mendada pelo cliente.
61
O contato do colocador com a marmoraria pode ser mínimo:
Ele “também pode trabalhar com um tipo de vínculo com a marmoraria”, não
com registro em sua carteira profissional, mas como autônomo, e a empresa o
requisita sempre que há um serviço a ser realizado.
Este profissional trabalha com um ajudante que faz massa para a parte
de colocação, no entanto, não são todas as empresas que colocam um ajudante
à disposição dele.
62
Alguns trabalhadores não tiveram estudo formal em escolas ou cursos,
tendo aprendido tudo na prática. Esse conhecimento adquirido através da ex-
periência do dia a dia, através da observação do trabalho do colega, incorre no
risco de se repetir erros, de aprender vícios e macetes realizados pelo colega
mais antigo que nem sempre são os mais adequados e corretos do ponto de
vista da segurança e da saúde do trabalhador.
63
nome, no meu ver as peças ficam sem nome, aquele redondo, aquele bico não
pode ser bico, tem que ser um ângulo, quarenta e cinco graus, vinte e dois
e meio alguma coisa desse modo [...]”
Na fala anterior, além da crítica feita pelo colocador ao fato dos colegas
da marmoraria não saberem a matemática formal, observamos uma evidência
de duas culturas diferenciadas, ainda que o produto seja o mesmo.
“[...] na obra, tem que fazer medição na obra e depois ele também tem que
ter olhos para o material, para não haver perda de material se ele tirar isso
aqui, se ele projetar isso aqui de um tamanho que as lastras
que ele tenha gera perda ele também vai ter desperdício de mate-rial,
então ele é responsável por todo quadro da obra do piso, do que ele mede,
ele é responsável e dali ele é que, muito embora o arquiteto planeja,
faça tudo, mas ele responsável para que tudo ali dê certinho, não sobra
emendas, não tenha requadração [...]”
64
Além da necessidade de saber realizar cálculos, ou seja, de certo nível
de escolaridade, há também a experiência, a sabedoria do próprio trabalhador
que apenas ao olhar já detecta irregularidades ou não. E quando não há um en-
caixe perfeito entre o espaço e a peça, há necessidade de adaptar, mas apenas
se houver uma autorização de algum superior.
“Se eu achar que o limite dá pra refazer, eu contato com alguém, superior
a mim, porque isso tem um valor alto, não é um valor assim que eu posso ir
estragando assim cortando do meu jeito [...] Eu vou passar para aquela
pessoa, agora aquela pessoa confia em mim plenamente, ele vai falar pra
mim, então você corta e faz, você não sai daí sem que você não faz,
nem que você não terminou hoje, volta amanhã.”
65
“[...] estava atrasado quase noventa dias da cozinha, nós já fomos xingado
no batente da porta, quando chegamos todos alegres, a gente tem que ser
alegre:‘Oi bom dia, com licença, cheguei no seu lar para fazer a colocação
da sua cozinha’.‘Ai, que você não prestam, eu não sei o que, vocês não são de
palavra [...], não sei nem o que vocês vieram fazer mais aqui.”
“Então aquilo para um ser humano, que nem café direito tomou de manhã,
é muito duro e muito difícil aí dá vontade de você chorar e ajuntar tudo,
você pensa na sua família, pensa no profissional que você é, pensa na sua
capacidade de manter o diálogo com aquela senhora que está te xingando
como já aconteceu muito comigo, eu tive que cantar para uma advogada loira
linda, parecia um furacão dois mil, eu cantei para a advogada, ela me deu
caixinha, deu para o meu colega de montagem.”
“[...] eu comecei conquistar ela porque estava aberta uma porta que
o pedreiro deixou, conforme vou fazer poeira vai sujar lá onde não há
necessidade, eu tenho uma serrinha de madeira, eu vou cortar a porta pra
senhora e vou colocar e fechar, inclusive até os cachorrinhos não vem aqui
pra não se machucar, aí eu comecei a conquistar ela daí por diante, não me
lembro mais da música, sei que eu estava cantando, que é tanta coisa do dia a
dia que dar para encher duas carretas, e eu comecei cantar para a advogada,
daqui a pouco ela falou:‘estou gostando da sua música, você canta muito
bem’. Falei:‘mas só que eu sou marmorista não sou poeta’. Porque já pensou
uma pessoa xingando e você conseguir reverter aquilo não é muito tempo não,
você não tem muito tempo para reverter e montar aquilo.”
66
O tempo de colocação das peças pode ser uma forma de expressão da
exploração da mão de obra do colocador, como explicita o trabalhador na fala
que se segue:
67
“Eu chegava ser liberado meia noite, uma hora da manhã, duas horas,
eu cheguei passar uma semana sem ir na minha casa,
cheguei dormir na rua pra não perder o emprego.”
“O normal, as firmas hoje é tem umas que já estão fazendo às sete e meia,
mas como a gente trabalha em prédios
e a maioria são condomínios o horário é às nove horas.”
“[...] e eu com pouco de ferramenta que tinha, que não era pancada não, era
cavalete não era nada, punha em cima de alguma coisa, de duas cadeiras, não
sei o que, e me virei e deixei a cozinha pronta.”
“[...] quando eu vou na casa do cliente, eu vou decidido, vou seja numa
empresa [...] eu fui, eu vesti a camisa não da empresa, a minha mesma,
tudo que estava errado eu recorto dou conta do recado dou pronto,
porque eu penso em mim penso na minha família e dos que ficaram na
empresa, eu tenho esse defeito de pensar nos outros só.”
68
5. Saúde
“Saúde é tudo. Sem saúde nada do que existe faz sentido para gente [...]
E não tendo saúde não adianta.Você não tem prazer em nada,
nada serve para você.”
“Saúde é harmonia.”
69
Demonstram ainda que saúde está relacionada ao ânimo, à mente, aos
componentes psicológicos e emocionais, imprimindo uma dinâmica, um mo-
vimento e não um estado. Portanto, ter saúde remete ao conceito de que
“saúde é liberdade de movimento do corpo e da mente, é a possibilidade de
ter esperança e potencializar esta esperança em ação” (DEJOURS, 1986 apud
SAWAIA, 1999).
“Se você for um cabra, um cara, sempre, sistema nervoso, parecendo ser até
um forte, graças a Deus, forte, até forte, mas tem um sistema de nervoso, de
fraqueza, quer dizer assim, no cérebro. Então é isso aí. A saúde que eu sinto é
a mente. Sempre pensar positivo. É isso aí mesmo.”
5
A silicose, por ser uma questão fundamental entre estes trabalhadores, será tratada em capítulo
próprio.
70
Dor em todo o corpo
O tipo de trabalho desenvolvido pelos trabalhadores de marmoraria,
segundo eles mesmos, é pesado, o qual exige muito esforço físico em de-
terminadas tarefas. Assim, lustradores, cortadores, acabadores e colocadores
referem sentir um conjunto de dores em todo o corpo.
“Eu não tava como estou agora, agora dói o braço, porque é muita força, às
vezes dói os braços, dói a perna. Dói os braços, dói as pernas,
dói as costas [...]”
“Descarrego de caminhão, no outro dia você está quebrado, isso aqui dói,
porque esse tronco aqui dói.”
71
um dia é a coluna, outro dia é o pescoço, um dia você já levanta, não é jeito
não, é que sei lá, levanta com o pescoço assim, e não é jeito,
dali a pouco você dá uns dois estalos, ele melhora, quando é três dias depois
ele está duro para o outro lado.”
“Eu tenho uma dor nesse ombro aqui que à noite, tem dia que eu não consigo
dormir, o ortopedista que eu estava com ele, ele me deu tanto remédio para a
coluna e para as dores.”
“Eu estou sentado aqui, estou sentindo dor nas costas, estou sentindo dor
na perna. Por quê?Varizes. A força que você faz é tanta, que depois começa
a aparecer varizes na perna e varizes dói, para ser sincero mesmo, eu estou
sentado aqui com dor nas costas, estou com dor na perna.”
72
Segundo Boltanski (1989), a valorização da atividade física e da força
física, que é correlativa de um uso instrumental do corpo, faz com que a doença
seja sentida como entrave à atividade física, ocasionando um sentimento de
“fraqueza”.
“[...] o cansaço físico era tamanho que, quando você voltava, era o mesmo
que tomar uma surra de vara os primeiros dias, pelo amor de Deus, de tanto
esforço físico que você faz, mas quando você já está acostumando com aquele
esforço físico, ele não machuca tanto, não é isso?”
“[...] até os primeiros 15 dias depois que voltei, eu ainda estava amargando
dor por toda parte do corpo, por causa das movimentações de pedra aí eu
fiquei com medo de pegar férias, de gozar as férias.”
73
comportamentos espontâneos que marcam uma brecha no comportamento
produtivo (DEJOURS, 1987). Assim, os marmoristas apontam a necessidade
de manterem-se em atividade para preparar o corpo ou suprir suas carências
diante do desenvolvimento de sua atividade. O referencial é o trabalho, orga-
nizam a vida em função da sua atividade.
“Quando eu estou parado, por exemplo, eu fico mais cansado do que quando
eu estou trabalhando, por isso eu estou trabalhando nesse horário de trabalho,
faço uma correria gigante pra ir pra casa.”
“É, está mais cansado. Faz um esforço, um esforço. Eles passam, a maioria
das empresas, param na sexta o cara para sábado e domingo,
quando chega na segunda, faz outra vez esforço, sente. Só que não sente
igual quando você sai de férias e volta, não é?”
“Eu estou dizendo é a questão do cansaço físico, não é tão ruim não.
Não é ruim, não é ruim não. Ele não incomoda tanto não, o mental incomoda
mais. Bem mais. Eu saía da marmoraria, tomava aquele trem,
como eu trabalhava ali na Penha [...] Então, quando dava 6 horas,
6 e pouco, eu já estava em casa. Eu podia muito bem já ir deitar, descansar
mais cedo, jantar mais cedo, mas não, eu saia, andava.”
74
Problemas na coluna, hérnias e água no joelho
Coluna, é exatamente este termo usado pelos trabalhadores para expli-
citar problemas em toda essa região do corpo. A queixa surge, segundo eles,
por ficarem com o corpo curvado em função de sua adaptação ao nível do
equipamento.
“Eu, por exemplo, não sei se vocês perceberam, eu tenho o corpo curvado,
então a minha coluna acostumou do jeito de trabalhar.”
75
“É. Era mais a hérnia bilateral e de umbigo. Essa é o tipo de hérnia que dá
mais no sujeito que movimentou mais corte e cantaria.
Sente ardor e dormência nas pernas.”
“Eu tive hérnia bilateral, mas foi esforço mesmo, foi esforço.”
“É, por causa do ardor, do ardor e da questão da perna que dava câimbra,
câimbra mesmo. No começo até era um formigamento meio estranho,
mas depois começou dar câimbra, quando ficava numa localidade só e eu
pensava que era coluna, que eu tenho problema de coluna desde
os dezoito anos de idade, foi do serviço, não é?”
A água no joelho, por sua vez, é uma queixa mencionada como sendo
específica da função do lustrador ou polidor em um determinado período em
que o equipamento utilizado para o lustre era de prato duro.
76
Esta representação de “matar o lustrador” soa-nos como ausência de
controle sobre o problema, sobre a dor, sobre seu corpo que não mais o obe-
decia e, neste sentido, “a doença, aquilo que por definição não se tem poder,
constitui para eles, aquilo que interrompe o tempo, que corta inutilmente o
desenrolar normal da vida e oblitera o futuro inteiro” (BOLTANSKI, 1989).
Picadas na vista
Os trabalhadores ressaltam também sofrer de problemas de visão aos
quais denominam vista fraca e picadas na vista. Referem um olhar que não pode
ser desviado, a um olhar focado durante um longo período de tempo sobre
seu objeto de trabalho – a pedra – e sobre o equipamento para assim obter o
controle da tarefa.
“[...] a vista, pra você ficar focado naquilo ali, é pior do que computador.
Eu senti que a vista está bem fraca, entendeu?”
“[...] conforme você corta, você lixa, aquele fagulho que saí lá, ela vai
começando a cortar a vista, até quando você trabalha com uma lixa grossa
aquele pó, você pisca [...] e começa a formar ranhuras no olho[...]”
“[...] escalhas, são escalhas, uma rotação de uma lixação de um
esmerilhamento, aquilo vem no impacto e você nem sente, dois anos depois
eu já estava no sindicato afastado, eu ia no oculista e ele tirava escalhas do
meu olho [...] Dois anos depois, meu olho é todo perfurado também [...] meu
olho é todo perfurado esse esquerdo aqui é muito mais em função disso porque
o problema dele é direto, as vezes ele infecciona.”
77
“[...] também pela poeira ou pelo brilho das pedras, tem material que você
assim... chega faz mal à vista, você nota que faz mal à vista.”
“[...] eu não sei se com o produto químico que você trabalha no acabamento,
que é muito produto químico, que pode ter estragado a minha vista.”
O risco de perder a visão é real, seja por câncer ou pela perda da reti-
na, como verificamos nas citações a seguir:
“[...] tomasse muito cuidado porque senão eu poderia ter um câncer de vista
e depois do câncer não tinha mais jeito.”
“[...] cunhado que é cego, ele perdeu a retina do olho em pancada, ele era
cortador de marmoraria, eu tenho no mínimo uns 10 colegas de quando eu
comecei dentro da marmoraria que têm o olho cego e todos foram de pancada,
até dois anos depois.”
Perda de audição
A perda auditiva também é referida pelos trabalhadores e está relacio-
nada ao ruído intenso neste ramo de atividade.
Outros
Este grupo de problemas de saúde denominado outros inclui o “grão”
que cresceu (problema na próstata) e a hemorroida, “problemas” pouco ci-
78
tados, pois dizem respeito “às partes de baixo” de uma categoria profissional
composta por homens que primam pela virilidade.
“De repente você está trabalhando, você até pensa, eu deveria ir ao médico,
mas quem vai fazer o serviço que eu tenho que fazer amanhã [...]”
“Você sem um plano de saúde do jeito que a saúde está poluída, inclusive no
Brasil, a tendência é disso a pior. O trabalhador da marmoraria, inclusive
é disso a pior, porque ele não tem um plano de saúde, ele não tem condições,
o que ele ganha é muito pouco para que ele tenha uma saúde perfeita.”
79
Ainda que o trabalhador justifique que o baixo salário é injusto frente
às demandas que necessita enfrentar durante sua atividade na marmoraria,
ainda que esse salário não lhe dê condições de repor a saúde perdida, ainda que
justifique de várias formas, entendemos existir mais uma explicação da qual tal-
vez não tenham se dado conta. A esse respeito Dejours (1987) aponta que,
para que uma doença seja reconhecida, para que se resigne a consultar um
médico, para que se aceite ir ao hospital, é preciso que a doença tenha atingido
uma gravidade tal que ela impeça a continuidade de sua atividade profissional.
“[...] eu fui por causa do ardor, eu fui, foi naquele hospital São Miguel lá.
Cheguei lá, falei para o médico. Eu até fiquei assim quando ele mandou eu
deitar na maca [...]”
“Ele citou esse termo assim: você está com uma puta hérnia aí, rapaz, você
está desgraçado da sua vida [...]”
80
mas terapêuticas que se mostram ineficazes em função de terem de voltar ao
mesmo posto de trabalho – aquele que determinou essa condição de dor –, o
problema não é evitar a doença, mas sim domesticá-la, contê-la, controlá-la,
viver com ela. Sarar, para o subproletariado, é antes de tudo um problema de
ânimo. A cura não deve ser compreendida como desaparecimento do processo
patogênico. Sarar... é domesticar a dor.
“[...] eu estou com uma dor nesse ombro aqui, não consigo dormir à noite,
muito forte, quer dizer, estou tomando remédio, muito pouco, eu vou ao posto
no PS, aí eu tomo duas injeções, o médico lá passa duas injeções, eu tomo as
duas ao mesmo tempo, e melhora um pouco, tanto a coluna como o braço.”
6
Bálsamo
81
A expectativa da aposentadoria
Os trabalhadores de marmoraria expõem alguns pensamentos que
permitem perceber certo conteúdo mágico quando se referem a dar fim aos
problemas de saúde após conseguirem a aposentadoria.
“[...] inclusive esses dias eu fui no médico otorrino e ele falou pra mim:‘Você
tem que evitar pó, poeira e cheiro forte’. Aí eu falei pra ele:‘Só se eu parar de
trabalhar, porque o que tem é pó e poeira numa marmoraria’ [...]”
82
a serra circular, o manuseio da lixadeira, o esforço físico despendido na lustra-
deira ou mesmo no deslocamento de chapas. Escassos, porém, são os estudos
realizados com trabalhadores desse ramo, especialmente no que se refere aos
significados atribuídos a sua atividade.
83
devido ao peso excessivo que elas possuem, podendo causar esmagamento de
membros ou mesmo levar a óbito.
7
Denominação dada pelos trabalhadores ao carrinho utilizado para movimentação das chapas.
84
As péssimas condições de trabalho, a ausência de tecnologia que os
ampare, como, por exemplo, no deslocamento das chapas, o número reduzido
de pessoal levando o trabalhador a executar sozinho tarefas que deveriam ser
realizadas por dois ou mais, levam-nos a desenvolver macetes, jeitos, gam-
biarras sem as quais não dariam conta da produção. No entanto, esses modos
operacionais por eles desenvolvidos nem sempre estão cercados de proteção e
segurança, aumentando o risco da ocorrência de acidentes. Trata-se de estra-
tégias coletivas de defesa que não dão conta de manter a proteção diante de
inúmeros descasos no ambiente de trabalho. Desta forma, ocorre o acidente
como uma brecha da estratégia defensiva.
“Outra vez ele mesmo quase morreu, escorregou um bloco e o bloco pegou no
estômago, tinha um caminhão de areia na frente [...] era um monte de areia
e o segundo tombo do bloco ficou em cima da areia, mas aquela areia era
para serrar pedra, e o que ele fez, tacou um monte de escora de terra e falou
para um cara ir tirando a areia. Outra improvisação.”
“Eu tive que colocar um piso no banheiro e tinha que colocar um vaso
também e fazer o encaixe e tal, mas eu estava sozinho [...] na hora de cortar
eu coloquei a chapa em cima de um caixote de fazer massa e preparei a
máquina que eu estava trabalhando e travei a chave dela, porque uma mão
precisava segurar a máquina e a outra segurar a pedra, mas o fato de não ter
muita firmeza, a pedra não ter ficado bem firme, a pedra deu uma mexida
e aquele desacerto provocou uma pressão terrível da minha mão jogou a
máquina da minha mão, jogou alto assim e ela desceu bateu aqui ó,
esta aqui ó, e foi por Deus que era para eu ter perdido essa mão, porque olha
a emenda aqui no tendão, não chegou cortar todo o tendão
e ali já me levaram pro hospital.”
85
No processo de trabalho arcaico e sem tecnologia adequada, no qual
os trabalhadores são obrigados a deslocar chapas de grande peso, ainda que a
tarefa seja realizada por quatro trabalhadores, há o risco de acidentes de tra-
balho.
“[...] se acidentou várias vezes com esse negócio de estar caindo, até caindo
por cima da gente, uma vez a gente estava com uma chapa daquela e ele caiu
por cima da gente, só não machucou porque nós estávamos em
4 e ela caiu em cima dos 4. Entendeu? Ela veio vagarosamente até porque
eles estavam de pé e aí foi derrubando os 4 e deixou os 4,
nego ficou ali mais de uma semana ruim da coluna.”
86
No entanto, é sabido que o acidente de trabalho é a expressão da que-
bra da estratégia, ou seja, quando ele ocorre denuncia mais uma vez um siste-
ma inoperante e inadequado que já não pode mais ser sustentado pelo grupo,
apesar de seu desejo.
“[...] foi quase uma bobagem minha, fui fazer um serviço que não deveria e
acabei não conseguindo segurar a barra, e acabei me acidentando.”
“[...] fui pegar umas placas para olhar um outro pedaço de pedra que estava
atrás e, crente que eu seguraria [...] então eu fui fazer, aí eu puxei um
pouquinho, ajeitou, aí eu puxei mais um pouquinho e não consegui segurar,
aí foi tarde, caíram sobre minha perna.”
“[...] era comum você montar com a madeira enterrada e tal, aquela
madeira de vez em quando ela declina para frente, a máquina tem uma
movimentação, balança a madeira então ela declina.”
87
Além dos aspectos já citados, cada fala dos trabalhadores acerca dos
problemas de saúde e dos significados e sentidos atribuídos ao trabalho re-
alizado em marmoraria, coloca nesta atividade um caráter de fatalismo, tra-
duzido por “quem trabalha no mármore ou granito sabe que é difícil”. Parece não
vislumbrarem mudanças e terem de aceitar e se submeter a estas condições
sem questionar.
88
lapidário, que, enquanto talhava a pedra, notava levantar-se um
pó tão fino que transpassava uma bexiga de boi pendurada na
oficina e, ao cabo de um ano, havia um punhado daquele pó
dentro da bexiga, pó esse, conforme imaginava, que os incautos
lapidários aspiravam, levando-os à morte paulatinamente. (RA-
MAZZINI, 2016, p. 153)
89
Segundo os marmoristas, a silicose atinge tanto os trabalhadores, como
os empresários deste ramo de atividade:
“ele era o patrão mesmo, ele não trabalha nesse serviço, só mais ficava dentro,
vendo o pó, que o pó vai lá, conforme trabalha.”
“ele morreu de silicose, mas tem uns dez anos já, de lá para cá eu tenho visto
mais trabalhador, visto mais, mas é uma doença que atinge também o setor
patronal e bem, porque é como se diz, não tem uma só localidade que não
seja atingida pela poeira fina e é a poeira fina que provoca a silicose.”
90
Assim, segundo outros, todos os trabalhadores, independentemente
de sua função, estão expostos à poeira de sílica e podem desenvolver silicose
ou outros problemas, como rinite alérgica, tosses, pneumonias, dificuldades
de respirar: “criei uma rinite alérgica por causa do pó”.
91
O que fazer com este trabalhador que demonstra em sua fala uma falta
de perspectiva devido ao problema e a ausência de preparação tanto da empre-
sa como do próprio trabalhador para lidar com a questão?
“a firma não tem vaga para mim trabalhar, porque tudo que tem lá
é poeira e eu não posso tomar friagem também porque me dá pneumonia
com esse problema que eu estou.”
“[...] eu fui trocar o carvão, troquei agachado, aí ele ligou a lixadeira dele lá
em cima da mesa dele, como tinha uma pedra aqui e outra aqui,
com uma espessura de 18 cm a 20 cm, estava cheio de poeira que ele tirava de
lá jogava pra cá, tirava de cá e jogava para ali, trabalhava nesse meio, nessa
parte aqui e aqui e ele jogou, e eu aqui quando, aquilo tapou de poeira [...]
Aí encheu minha boca de poeira, encheu que eu não pude respirar, desceu
poeira pra cá que eu inalei, chupei aquilo lá.”
“E pó de mármore, tudo, cola, tudo misturado ali, aí inalei, secou minha boca
que eu não pude respirar, senti seco aqui, joguei água na boca duas vezes e
92
sem respirar. Foi Deus mesmo que aí, para eu voltar a respirar,
que eu senti seco aqui, eu joguei água. Quando eu joguei água na boca
que eu engoli, saiu rasgando por aqui raspando aqui minha garganta,
eu fiquei preocupado.”
“Para a gente pegar uma camisa na firma que eu trabalhava teve que fazer
sim, uma mesa redonda na justiça, para conseguir uma camisa,
a bota lá, para ele dar uma bota.”
93
“É como eu disse, àquela hora o que uma marmoraria fornecia era a bota e o
avental, ultimamente está dando o protetor de ouvido.”
“[...] a máscara, quando você pega essa máscara que está nesse processo,
ela leva tudo para o olho, leva tudo para o olho porque quando você respira
aqui saí por essa parte do nariz, não fecha tudo, esse tipo de máscara
descartável não fecha tudo.”
“Lá a gente tem tudo, e a gente pedir, às vezes demora um pouquinho, mas
tem, material de segurança e uniformes a gente tem.”
94
Em nossos encontros com trabalhadores, dois sujeitos estavam com
um quadro clínico da doença bem avançado, sendo que um deles veio a falecer
no decorrer da pesquisa e sentimos a dor da perda junto com seus colegas
de profissão.
“ele tem consciência, só que ele não acredita que vai acontecer com ele, o
senhor Antonio9 morreu de silicose, tinha mascara lá dentro, essas máscaras
descartáveis, tinha pouca, mas tinha, e o Manoel10 nunca usava.”
“[...] médico otorrino e ele falou pra mim:‘Você tem que evitar pó, poeira e
cheiro forte’. Aí eu falei pra ele:‘Só se eu parar de trabalhar, porque o que
tem é pó e poeira numa marmoraria’.”
Como viver sem respirar se, ao sentir cheiros e aromas, esse processo
se confunde ao processo de enviar oxigênio para o pulmão e assim manter o
ciclo da vida?!
8
Nome fictício
9
Nome fictício
10
Nome fictício
95
mármore, do granito, às vezes estou sempre tossindo, de vez em quando,
quando eu vou lá na firma [...] eu entro dentro da firma aí eu sinto
aquele aroma, já vem aquela vontade de tossir.”
96
ter cessado a exposição. Portanto, a medida paliativa mais imediata após a
exposição dever ser o reconhecimento precoce e as intervenções de apoio
(RIBEIRO, 2010).
Estudo nas 107 maiores cidades brasileiras aponta que 19,4% da popu-
lação pesquisada já fizeram uso na vida de drogas, sendo que a maconha apare-
ce em primeiro lugar dentre as drogas ilícitas, com 6,9% dos entrevistados. A
Globo, 2002. p. 5.
97
estimativa de dependentes de álcool foi de 11,2%, o que corresponde a uma
população de 5.283.000 pessoas (CARLINI et al., 2001).
98
“A bebida é quase que naturalmente, não é? A bebida é como fazer refeição
sem fazer uma higiene primeiro, quer dizer naturalmente é como [...]”
“[...] a maior parte dos marmoristas são beberrões, a maior parte dos
marmoristas bebe muito. Assim uns 70%. Uns 70% bebe muito.”
“É, parece que tem a ver com o serviço que quase todo
marmorista bebe muito. Quase todos.”
“É muito difícil um marmorista assim como eu, que não bebe nada. Coisa
mais difícil, rara mesmo, você ver alguém que na hora do almoço, do café não
vai mamar uma, sem contar os que levam a garrafa para dentro da empresa.”
Mencionam que “antigamente bebia mais, mas hoje ainda bebe bem”, em
uma correlação da ingestão de bebida alcoólica proporcional ao processo de
trabalho e aos equipamentos mais rudimentares utilizados na época, mas in-
dicando também que, mesmo o processo e os equipamentos tendo, de certo
modo, evoluído, hoje o trabalho permanece duro e pesado, mantendo-se ainda
sua associação com o consumo de álcool.
12
Fala de um lustrador com mais de trinta anos na atividade de marmoraria.
99
Além do uso da bebida alcoólica entre esses trabalhadores, foi relatado
o uso de drogas ilícitas, por exemplo, a maconha.
“Na hora do almoço, quando nós saímos para almoçar, quando eu voltei os
caras estavam fumando maconha na empresa aí eu fiquei prestando atenção.”
“[...] Os caras fumaram lá no meio-dia, na nossa frente, meio-dia, não tinha
nem almoçado, ainda iam almoçar.”
100
Significados do uso da bebida alcoólica
Observamos alguns significados importantes para esses trabalhadores
quanto ao uso da bebida alcoólica, ou seja, ela tem uma função dentro desse
contexto do trabalho em marmorarias.
“vai ali pra aquela friagem; porque tem que pisar no barro, aquele barro
todo, então as pessoas sempre bebem um pouco pra poder trabalhar com mais
liberdade, porque fica até com o corpo mais leve.”
101
A aguardente é uma dose de energia nem tanto física, mas psicológica,
que ajuda a enfrentar as condições de trabalho. Antes de retornar ao trabalho,
uma dose de álcool ajuda por seu valor simbólico (DEJOURS, 1987).
“Não, eu, na minha visão, eu acho que o pó, o excesso de pó, aquele barulho
que irrita o cara, ele toma uma para ficar meio calmo, não?”
102
O trabalhador nos traz outro significado interessante relacionado ao
beber, qual seja o de um divisor do espaço e do tempo do trabalho e da casa,
favorecendo o desligamento do trabalho.
“Porque a pessoa, ele pode sair da marmoraria cansado, mas se ele chega em
casa, toma uma cerveja, toma alguma coisa, aquilo já tira ele fora da mente,
do corpo, entendeu? No outro dia é que ele vai sentir.”
“Aí chega lá, ele está meio tímido, porque aí o colega fala ‘vamos ali no
boteco tomar uma’, aí ele vai, daí a pouco ele passa a beber mais.”
103
“Eu já vi funcionário trabalhador brigar bêbado dentro da marmoraria,
ele bebeu na hora do almoço, depois do horário de serviço,
brigar dentro da firma, já vi.”
“Se tivesse outro eu chamaria, deixaria fora, porque talvez não tenha
a precisão que a gente precisa para trabalhar, a atenção.”
“Por estar envolvido com a droga, ele não tem atenção recomendada para
o serviço, quer dizer, se tem outra pessoa disponível, eu não vou chamar o
sujeito, porque é muito perigoso.”
104
“Fez vários rasgos na barriga e foi por causa de bebida também, porque ele
bebia bem, inclusive eu tive que sair chutando a lixadeira até quando ela se
distanciou de todo mundo para poder arrancar o fio, desligando.”
“Mas eu vi cortador nosso lá mesmo que bebia, que tirava peça da máquina e
deixava cair em cima do pé porque estava meio... entendeu?”
“Uma sexta-feira, já vi o cara misturar café com coca-cola e cachaça na
hora do almoço e almoçou lá, comeu um pedaço de alguma coisa que não
lembro agora o que e voltou a trabalhar, quando deu duas e meia, os caras
precisaram desligar a máquina senão ela ia matar o sujeito.”
“Os mais novos, eles traziam escondido várias vezes eu peguei e joguei lá
dentro do Tietê lá, não ia permitir que bebesse dentro da firma apesar
de eu não ser gerente, não ser nada, mas eu fazia reunião com eles e discutia,
não permitia mesmo não, dependia da minha vida, da minha integridade
física também, não ia permitir.”
105
“Eu já vi um cara trabalhar uma tarde sem almoço [...] Isso só ia fazer efeito
duas horas depois, uma, duas horas e meia, três horas [...] Dormia nada, cinco
horas já saía, cinco e meia, ainda saía de lá bêbado.”
“Alguns até morreram igual o seu, a história do sabe, o X que trabalhava lá noY,
já morreu, é... Ele bebia e inchava o pé.”
“Foi um problema grave dele, inchava o pé, lá em Guarulhos eu conheci outro cara
lá que morreu também, não sei se só da bebida, mas creio eu que a bebida ajudou.”
“Ajuda, eu conheço um rapaz que trabalha aqui mesmo, ele trabalhou comigo
20 anos, ele aposentou, mas aí começou a beber mais acentuadamente mesmo [...]
Começou a ter problema de labirintite, começou a ter um monte de problema e
morreu com hemorragia digestiva, fazendo vômito de sangue.”
Podemos indicar ainda que, além do beber ter uma função de incluir o tra-
balhador entre os seus iguais, ou seja, de adaptá-lo ao ambiente de trabalho e fazer
sentir-se pertencendo ao grupo, demonstra, conforme a fala dos trabalhadores,
que o processo inverso também é verdadeiro. Desse modo, ocorre a exclusão do
trabalhador, quando este extrapola uma linha muito tênue do consumo de bebidas.
Ele é quase que excluído das tarefas, nele não se confia mais, pois é uma parte a
menos no processo de cooperação e de solidariedade entre eles.
107
6. Considerações finais
109
O lustrador, por sua vez, tem como principal tarefa desengrossar a pedra,
propiciando-lhe brilho adequado. Para tanto, utiliza muita força física e seu corpo
assume a função de extensão da lustradeira. Essa interação com a máquina apre-
senta aspectos de leveza, como uma dança, e aspectos de rudeza, como uma luta,
vencendo o mais forte. O esforço físico é intenso, deixa o trabalhador meio lesado,13
as mãos calejadas e os dedos tortos.
O acabador é quem finaliza a peça que seguirá para o cliente. Sua rotina
é exaustiva, com ritmo intenso e, paradoxalmente, monótona, por ter de fazer a
mesma coisa durante toda a jornada de trabalho e todos os dias. Além disso, me-
ticulosidade e inventividade são qualidades associadas a esses trabalhadores para
criação de estratégias tendo como fim lidar com o ritmo intenso e os riscos a que
estão expostos.
Por fim, o colocador, que é o único a ter contato com o público em função
de sua atividade ser externa à marmoraria e de ser responsável pela colocação das
encomendas. Esse contato com o público leva-o a desenvolver uma flexibilidade
acentuada para lidar com diversas situações.
13
Lesado no sentido atribuído significa algo como tonto, abestalhado, fora do ar, desligado.
110
Para os marmoristas, a saúde está relacionada ao conceito de harmonia,
equilíbrio entre mente e corpo, algo que está muito distante deles, inatingível,
beirando, assim, a utopia. Isso porque, para eles, o corpo tem a função principal
de trabalhar e, enquanto instrumento de trabalho, não podem dar ouvidos às suas
queixas para tratar delas, pois isso implica em parar de trabalhar, não manter o seu
papel de provedor em casa nem sua dignidade enquanto ser humano, enquanto
alguém que tem um trabalho.
113
7. Referências
______. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In: CHAN-
LAT, J. F. (org.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. 2 ed. São Pau-
lo: Atlas, 1993. v.i.
______. O lado não polido do mármore e granito: a produção social dos acidentes de
trabalho e suas consequências no setor de rochas ornamentais no sul do Estado do
Espírito Santo. 135 f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) – Fundação Oswaldo
Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Rio de Janeiro, 2006.
______. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São Paulo:
Cortez, 2011.
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Sobre o livro
Composto em Times New Roman 11 (textos)
em papel offset 90g/m² (miolo)
e cartão supremo 250g/m² (capa)
no formato 16x23 cm