ACKERMAN, Bruce. Ascensao Do Constitucionalismo Mundial

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Ascensão do Constitucionalismo Mundial·

Bruce Ackerman 1

I. Federalismo: do Tratado à Constituição (e vice-versa); A. Federação


rospecti·va;; B. Da Constituição ao Tratado; IL "Novos Começos"; A. A Alemanha
um Caso Especial; B. b Cenário "Triunfalista"; C. O Problema do Lider
III. Cenários Combinados; IV. Criações Diferentes, Tribunais Diferentes?

o relógio sessenta anos e vislumbre o futuro: quais pareciam ser as


pe<oti1JaE para o constitucionalismo no fim da década de 307 Qual era o
do controle de constitucionalidade?**
A Constituição de Weimar tinha desmoronado, assim com o enge-
experimento austríaco com controle de constitucionalidade.2 Os Franceses
cngrle:leE nunca haviam tido muita fé no poder das constituições escritas de
~nm\J8r a política democrática. Um século de experiência Latino-Americana
indicava algo promissor, Desde Bolívar, gerações de liberais ao sul da
tinham tentado copiar o modelo Norte-Americano - apenas para verem
'Onle,;sa de governo limitado se dissolver em caudilhismo e guerra de elas-
Estados Unidos, a Suprema Corte cambaleava, e não recuperaria seu
direção por mais de uma década.
meio a todos esses destroços, somente a Inglaterra e seus domínios
~eu:irtos ofereciam vislumbres de luz. No Canadá e na Austrália, na Nova

Diego Werneck Arguelhes. Mestre em Direito Público pela UERJ. Professor Assistente
Constitucional da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas
DIREITO RIO). O tradutor gostaria de agradecer a Pedro Jimenez Cantisano pela leitura
e pelasexpressa
sugestões.
minha gratidão à Universidade de Virgínia por me honrar como seu
Lecttrrer para o ano 1996. Não é, porém, o próprio texto da palestra, que foi publi-
parte de um simpósio sobre fidelidade no Direito Constitucional {ct Bruce
A Generation of Betrayal?, Fordham L. Rev., 65, 1519 (1997)). Mas eu espero que
no corpo docente da Universidade de Virgínia o aceitem como uru símbolo do
:a~;r~:~:~~::~.~~~:P~~·:;l a~.recepção cordial e discussões provocativas que marcaram minha
L' O
1
artgu,at,, Judicial Review (literalmente, "Revisão Judicial"). O autor está fazendo referência
de controle de constitucionalidade consolidado na prática constitucional dos EUA. Este
caracteriza justamente pelo seu caráter difuso e judicial, ou seja, todo e qualquer órgão
jurisdição pode "rever" a produção legislativa tendo a constituição corno parâmetro,
a nulidade das leis em caso de incompatibilidade com as normas constitucionais. Vale
que os juristas norte-americanos tendem a utilizar a expressão judicial review para
o controle de constitucionalidade em geral, inclusive arranjos nos quais o controle é basi-
concentrado e/ou político. Ackerman, por exemplo, discute o funcionamento do Conselho
Francês e do Tribunal Constitucional Alemão como espécies de judicial review.
ótimo tratamento sobre a experiência constitucional européia no entre guerras, incluiu-
alemão e austríaco, ver Pedro Cruz Villalon, La Fbrmación del Sistema Europeo de
de Constitucionalidad (1918-1939) (1987).

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Bruce Ackerman

Zelândia e na África do Sul, a democracia de Westminster não era uma forma sem Se a prática e a tE
vida, mas uma realidade viva:·· Mas as lições a serem aprendidas com essas direção, é na do enfátic
experiências bem-sucedidas eram amargas. Os Ingleses nunca se deixaram levar cutindo a compreensã
pela idéia Iluminista de que uma constituição formal seria necessária em um tos, •• e das Emendas
governo moderno. Foi a cultura inglesa de auto-governo, seu bom senso e deco-
temente da sua utilida
ro que tornaram famoso o seu crescente compromisso com princípios democráti-
de significado constitt
cos - e não constituições de papel ou artifícios institucionais como o controle de
constitucionalidade. Os Ingleses levaram séculos para desenvolver essa cultura documentos paradigm
em casa, e apenas os próprios Ingleses conseguiram transplantá-la para terras período pós-Segunda
estrangeiras. De fato, a maioria dos Americanos atentos suspeitava que essa manos,6 ou a Convenç
herança anglo-saxônica era de longe a principal responsável pelo sucesso de seu Esses marcos da
próprio país, e que o intrincado dispositivo construído na Filadélfia era, na juiz ou advogado padr
melhor das hipóteses, um obstáculo a um maior desenvolvimento democrático. as normas vigentes nc
Sessenta anos depois, e como o mundo se transformou. Até mesmo os ingle- cípios constitucionais
ses estão debatendo a necessidade de uma inédita constituição escrita. 3 É quase
politicamente incorreto insinuar que o sucesso da América está enraizado em suas
tradições jurídicas anglo-saxônicas.4 A fé iluminista em constituições escritas está qual eles lidaram com 1
varrendo o mundo. Tribunais constitucionais são forças poderosas na Alemanha e mos temas constitucior
N.T. No original, Bill oJ
na França, na Espanha e na Itália, em Israel e na Hungria, no Canadá e na África Constituição dos Estad
do Sul, na União Européia e na Índia. Estamos no ápice de um crescimento instá- dezembro de 1791. Ess•
vel, prestes a despencar, ou na iminência de uma hegemonia em escala mundial? do Congresso Nacional
Somente uma coisa está clara: os constitucionalistas americanos têm trata- culto, o direito de porta
penas cruéis e incomm
do desse tema com surpreendente indiferença. Eles ficaram felizes em comemo- polêmica Nona Emend<
rar a queda do Muro de Berlim e em celebrar a ascensão do constitucionalismo deve ser interpretada d
mundial com uma orgia de excursões a países distantes que precisavam de os cidadãos sejam titul
conhecimento jurídico. Mas a transformação global ainda não teve o menor impac- 6 Declaração.Universal d<
(1948).
to no pensamento constitucional americano. O típico juiz americano não pensaria 7 Convenção Européia pé
em aprender com uma decisão dos Tribunais Constitucionais da Alemanha ou da 1950, Europ. T.S . No. 5,
França.5 Nem o típico professor- supondo, contrafaticamente, que ele seria capaz 8 Lei Fundamental da Re
de acompanhar a argumentação dos nativos no idioma original. (Gisbert H. Flanz trad.,
9 O movimento global co1
recente decisão declara
30, 451-52 (CC). O forte
N.T. No original, Westminster Democracy. O autor está se referindo ao fato de que, na Inglaterra, rado em 2 Theodor Mat
as instituições democráticas têm funcionado com sucesso dentro de um regime monárquico, com Wassermann, Kommen
uma longa tradição de reis e rainhas coroados na Abadia de Westminster. A expressão "democra- (1989). Princípios alemã
cia de Westminster" é utilizada para d esignar essa convivência entre democracia e monarquia. Sistema Constitucional
3 Para um olhar útil do corrente debate, com comparações a outros mais recentes no Canadá e na na Alemanha o compro1
Nova Zelândia, ver Michael Luis Principe, Dicey Revisited: Great Britain J oins the Fray in a República é um "sozié
Examining Individual Roghts Protections in the Westminster System, Wis. Int'l L.J., 12, 59 (1993). textualmente explicito r
4 Para uma rara recente afirmação das raízes anglo-saxônicas da Constituição Norte-Americana, tem st atus constitucior
ver Michael Lind, The Next American Nation, 17-54 (1995). mãe, e trabalhadores
5 Ver, porém, e.g., United States v. Then, 56 F.3d 464, 469 (2d Cir. 1995) (Calabresi, J.) (citação omi- Qualquer ser humano q
tida): "Em certo momento, os EUA tiveram um monopólio virtual sobre o controle de constitucio- ca, é incapaz de traball:
nalidade, e, se uma doutrina ou abordagem não fosse experimentada aqui, não havia outro lugar dade" Par. 11, reimpres
para observa-la. Essa situação não se sustenta mais. Desde a Segunda Guerra Mundial, muitos artigo 38 da Constituiç<l
países adotaram formas de controle de constitucionalidade que- embora diferentes da nossa em provido dos recursos ne
muitas particularidades - inequivocamente retiraram sua origem e inspiração da teoria e da prá- Constitutions ofthe Cot;
tica constitucional norte-americanas. Esses países são nossa "cria constitucional" , e a forma pela H. Flanz eds., 1987). A

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A Ascensão do Constitucionalismo Mundial

tma forma sem Se a prática e a teoria constitucionais americanas têm se movid.o em alguma
ias com essas direção, é na do enfático provincianismo. Por toda a última década, estivemos dis-
jei.xaram levar cutindo a compreensão original da Constituição de 1787, da Declaração de Direi-
•ssária em um
tos, •• e das Emendas da Reconstrução com renovada intensidade. Independen-
senso e deco-
temente da sua utilidade para os americanos, esse debate não enfrenta os textos
ios democráti-
de significado constitucional fundamental para o resto do mundo - para quem os
) o controle de
~r essa cultura
documentos paradigmáticos f<zram escritos por liberais ocidentais no traumático
-la para terras período pós-Segunda Guerra Mundial: a Declaração Universal dos Direitos Hu-
tava que essa manos,6 ou a Convenção Européia,7 ou a Constituição Alemã.8
mcesso de seu Esses marcos da nova era, porém, não aparecem nos radares americanos. O
tdélfia era, na juiz ou advogado padrão mal se abalariam quando informados, por exemplo, que
democrático. as normas vigent es nos EUA sobre pena de morte e direitos sociais violam prin-
esmo os ingle- cípios constitucionais fundamentais, no entendimento do resto do mundo.9 O que
crita. 3 É quase
tizado em suas
!S escritas está qual eles lidaram com problemas análogos aos nossos pode nos ser muito útil quando enfrenta-
1a Alemanha e mos temas constitucionais complicados. Pais sábios não hesitam em aprender com seus filhos" .
N.T. No original, Bill of Rights, que é o nome dado ao conjunto das dez primeiras emendas à
tdá e na África
Constituição dos Estados Unidos da América, ratificadas por três quartos dos Estados em 15 de
;cimento instá- dezembro de 1791. Esses d ispositivos garantem direitos que limitam expressamente os poderes
;cala mundial? do Congresso Nacional, protegendo, por exemplo, as liberdades de expressão, de imprensa e de
nos têm trata- culto, o direito de portar armas e a garantia do devido processo legal, e vedando a aplicação de
penas cruéis e incomuns. Além disso, é na Declaração de Direitos que se encontra a famosa e
s em comemo-
polêmica Nona Emenda, segundo a qual a enumeração de certos direitos pela Constituição não
;titucionalismo deve ser interpretada de modo a excluir a aplicação de outros direitos não enumerados dos quais
)recisavam de os cidadãos sejam titulares.
) menor impac- 6 Declaração Universal dos Direitos Humanos, A.G. Res. 71 , ONU GAOR, 3d Sess., ONU Doe. N810
(1948).
o não pensaria
7 Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, Nov. 4 ,
lemanha ou da 1950, Europ. T.S. No. 5, 213 U.N.T.S. 221 (entrou em vigor em 3 de set., 1953).
ele seria capaz 8 Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, reimpressa em Constitutions of the World
(Gisbert H. Flanz trad., Albert P. Blaustein & Gisbert H. Flanz orgs., 1994).
9 O movimento global contra a pena de morte é resumido pela Suprema Corte Sul-Africana em sua
recente decisão declarando a pena inconstitucional em S. v. Makwanyane, 1995 (3) SA 391, 412-
30, 451-52 (CC). O forte comprometimento constitucional alemão com o bem-estar social é elabo-
:rue, na Inglaterra, rado em 2 Theodor Maunz & Günter Düerig, Grundgesetz: Kommentar, art. 20 (1996) e 1 Rudolf
l monárquico, com Wassermann. Kommentar zum Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland 1390-1464
)tessão "democra- (1989). Princípios alemães são muito influentes na Espanha, ver Francisco Fernandez Segado, El
.cia e monarquia. Sistema Constitucional Espanol118-26 (1992), e em grande parte da Europa Oriental. Enquanto
~s no Canadá e na na Alemanha o comprometimento com o bem estar social deriva da afirmativa do art. 20 de que
Joins the Fray in a República é um "sozialer Bundesstaat" ("estado federal social") (ênfase suprimida), ele é mais
L.J., 12, 59 (1993). textualmente explícit o na França e na Itália. O Preâmbulo da Constituição Francesa de 1946, que
Norte-Americana, tem status constitucional na Quinta República, "garante a todos, especialmente à criança, à
mãe, e trabalhadores idosos, a proteção da saúde, segurança material, descanso e lazer.
li, J.) (citação omi- Qualquer ser humano que, em razão de sua idade, saúde física ou mental, ou situação econômi-
ole de constitucio- ca, é incapaz de trabalhar, tem o direito de obter meios apropriados de subsistência da comuni-
) havia outro lugar dade" Par. 11, reimpresso em John Bell, French Constitucional Law 264 (1992). Similarmente, o
a Mundial, muitos artigo 38 da Constituição Italiana estabelece: "Todo cidadão privado incapaz de trabalhar e des-
:mtes da nossa em provido dos recursos necessários para sua existência tem direito à assistência priv ada e social"
da teoria e da prá- Constitutions of the Countries of the World (Gisbert H. Flanz trans., Albert P. Blaustein & Gisbert
tal", e a forma pela H. Flanz eds., 1987). A equivalência funcional das abordagens alemã e italiana é notada por

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Bruce Ackerman

isso tem a ver com a Declaração de Direitos ou com a Cláusula da Igual firmerr
Proteção?• históri
Muito mais do que geralmente tem se pensado, eu suspeito. Mas, por ora, olhar a
estou mais interessado na forma pela qual os professores americanos, e não os tes na
advogados, deveriam estar se orientando em relação à transformação histórica tivo, S(
mundial que está ocorrendo à nossa volta. dama
A nossa responsabilidade é grave. Existem surpreendentemente poucos N
lugares fora dos EUA onde o ensino do direito é uma profissão bem remunerada, para t<
permitindo que o professor evite a sobrecarga mental trazida pelas infindáveis se este
consultas de clientes. Se nós não conseguirmos dar a contribuição que nos cabe rer a iJ
cificar
na análise do constitucionalismo mundial, será muito difícil para os outros preen-
sócio-'
cherem esse vácuo.
tenho
Por outro lado, é possível que essa área de estudos seja exterminada por
banaü
excesso de entusiasmo. Obviamente, não poderemos fazer um bom trabalho con-
fiando em traduções para o inglês. O alemão é indispensável e, nesse ritmo, tam-
c
rio de
bém o serão o francês e o espanhol e ...
temer
Mas a nossa notória incompetência lingüística não é o maior dos nossos pro-
de COI
blemas. Antes de mais nada, precisamos aprender a pensar na experiência
Americana de uma forma diferente. Até recentemente, era apropríado dar a ela
uma posição privilegiada em estudos comparativos. Outras experiências com I. Fe'
constituições escritas e controle de constitucionalidade eram simplesmente cur-
tas demais para sustentar previsões confiáveis sobre quais delas moldariam com
sucesso a evolução política de longo prazo. Mas, à medida que entramos no pró- para 1
ximo século, tal ceticismo não é mais justificado. Lugares como Alemanha, Itália, se re'i
dificu
União Européia ou Índia atravessarão a marca dos cinqüenta anos em suas expe-
de ou
riências com constituições escritas e tribunais constitucionais; França e Espanha
contr<
estarão vivenciando em breve os desafios característicos de uma segunda gera-
aceité
ção completa de controle de constitucionalidade. Mesmo que todas essas iniciaft
tuiçãc
tivas desmoronem nas próximas décadas, ainda assim terão contribuído para um
juíze~
formidável fundo de experiência para pesquisas comparativas. Contra esse pano
com 1
de fundo emergente, precisamos aprender a olhar para a experiência americana
direit
como um caso especial, e não como o caso paradigmático.
libert
Tentei ser fiel a essa recomendação nas especulações que se seguem. Em
vez de ficar ruminando dois séculos de história americana, mantive meus olhos
centr·
entre
para
Winfried Boecken, Der Verfassungsrechtliche Schutz von Altersrentenansprüchen und -anwarts- feder
chaften in Italien und in der Bundesrepublik Deutschland sowie deren Schutz im Rahmen der
Europãischen Menschenrechtskonvention 16-17 (1987).
N.T. No original, Equal Protection Clause. A famosa Cláusula da Igual Proteção integra a Décima A.F'
Quarta Emenda à Constituição Norte-Americana, promUlgada em 1868, pouco tempo depois da
vitória da Uniáo na Guerra Civil. Segundo o dispositivo, "nenhum Estado poderá ( ... ) negar a
qualquer pessoa dentro de sua jurisdição a igual proteção das leis." Alguns dos mais importan-
cial,
tes debates no direito constitucional norte-americano têm girado em torno da interpretação
dessa garantia, especialmente no âmbito da discriminação racial. Esse

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A Ascensão do Constitucionalismo Mundial

a Cláusula da Igual firmemente fixados no último meio-século de história mundial, e permiti que a
história americana' entrasse apenas como fonte suplementar de insights. Um
tspeito. Mas, por ora, olhar abrangente sobre esse meio-século revela a existência de padrões recorren-
americanos, e não os tes na implementação bem-sucedida de constituições escritas? Em caso afirma-
nsformação históric& tivo, será que diferentes configurações no cenário inicial da implementação mol-
dam a forma e o estilo subseqüentes do controle de constitucionalidade?
ndentemente poucos Neste estágio, não se pode esperar respostas rigorosamente quantitativas
:;ão bem remunerada; para tais questões. O número de casos de sucesso é pequeno demais para análi-
ida pelas infindáveis se estatística, e o número de variáveis, grande demais. Não há saída senão recor-
ibuição que nos cabe rer a insights mais antiquados; o meu é, de fato, bastante antiquado. Mais espe-
para os outros preen- cificamente, evitarei tentativas de relacionar constitucionalismo e variáveis
sócio-económicas - não porque não existam tais conexões, mas porque eu não
:>eja exterminada por tenho nenhuma relação inteligente para propor. Em vez disso, enfocarei as mais
1m bom trabalho con~ banais variáveis jurídicas e políticas.
de, nesse ritmo, tam- Começarei distinguindo dois cenários: o cenário de "federalismo" e o cená-
rio de "novo começo". Conforme a discussão for prosseguindo, voltarei recorren-
naior dos nossos pro- temente às possíveis relações entre esses dois padrões fundacionais e a prática
msar na experiência de controle de constitucionalidade em curso.
apropriado dar a ela
as experiências com I. Federalismo: do Tratado à Constituição (e vice-versa)
m simplesmente cur-
delas moldariam com No caso padrão, um grupo de estados delega um conjunto de competências
:}ue entramos no pró- para um centro embrionário por meio de um tratado. Mas esse "tratado" acaba
>mo Alemanha, Itália, se revelando diferente dos demais. Os estados-membros encontram crescente
3. anos em suas expe- dificuldade em se evadirem dos comandos do centro emergente. De um jeito ou
lis; França e Espanha de outro, o centro procura firmar a idéia de que o "tratado" se sobrepõe a leis
3 uma segunda gera- contrárias posteriormente promulgadas pelos estados periféricos. Se os tribunais
Ie todas essas inicia- aceitam essa concepção, o "tratado" começa a se investir do status de "consti-
, contribuído para um tuição". Quando se deparam com um ato ordinário de legislação doméstica, os
as. Contra esse pano juízes começam a se colocar na posição de determinar se esse ato é compatível
cperiência americana com o "tratado/constituição" prevalecente. Se não for compatível, então não é
direito, apesar de todos esforços dos estados anteriormente soberanos para se
que se seguem. Em líbertarem de suas obrigações em relação ao centro.
mantive meus olhos A (incerta) transformação de um tratado em uma constituição está hoje no
Centro da União Européia. Também esteve no centro da experiência americana
-entre a Revolução e a Guerra Civil. Para expandir nosso instrumental analítico
além desses casos familiares, considere agora duas variações do cenário de
msprüchen und -anwarts- federalismo.
m Schutz im Rahmen der

Proteção integra a Décima Federação Prospectiva


8, pouco tempo depois da
stado poderá (_ .. ) negar a
.lguns dos mais importan- A primeira variação envolve a dinâmica da federação prospectiva ou poten-
m torno da interpretação _f;í_al, exemplificada nos constitucionalismos embrionários do Leste Europeu.
Esses países têm interesses militares e económicos prioritários em se juntarem a

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Bruce Ackerman

"quase-federações" já existentes, organizadas por tratados/constituições. Isso cionar na 1


dá aos seus Poderes Judiciários uma enorme vantagem na elaboração de normas ganha mal
constitucionais equiparáveis às desenvolvidas pela União Européia (e por entida- res vão se
des vinculadas como o Conselho Europeu). Embora parlamentos e presidentes so procedi
da exigên(
venham inevitavelmente a resistir às intervenções judiciais, eles estão dolorosa-
do, atas st
mente conscientes de que a confrontação pública com seus tribunais constitucio-
tentes e e
nais ameaçará gravemente as perspectivas de ingresso no curto prazo na União
província 1
Européia, que já está à procura de desculpas para evitar os pesados custos eco-
Tal cl
nómicos associados à admissão do Leste Europeu.
do tratadc
Isso significa que, ao decidir se resiste ou não a uma determinada decisão
ponderad'
judicial, um político não pode realisticamente se lançar a uma análise estreita de
evasão da
custo e benefício - na esperança de alistar para o seu lado todos os interesses
desse tipc
sociais concretamente prejudicados pelos esforços do tribunal em proteger os
Corte do C
direitos humanos. Em vez disso, ele deve empreender uma análise mais ampla, com mais
levando em consideração os benefícios económicos e militares que podem ser No ft
perdidos caso a oposição doméstica ao tribunal acabe levando à exclusão de seu estados a
país pela federação. nentes. A.
Penso que isso ajuda a explicar o extraordinário sucesso da Corte estar entr1
Constitucional Húngara em se afirmar, apesar da fraca base textual para sua realocado
agressiva promoção de direitos fundamentais.10 Também indica uma fonte de Esse proc-
força em outros países do Leste Europeu com perspectivas razoáveis de admis- Bélgica.
são na União Européia - especialmente República Tcheca e Polónia. Leva
A dinâmica da federação prospectiva nem sempre leva ao fortalecimento do rios de fe(
Judiciário. Na Turquia, por exemplo, ela pode levar a um golpe militar com o obje- porém, qu
tivo de impedir uma guinada em direção ao Islamismo. É certo que um golpe do -de dinâi
gênero jogaria por terra qualquer esperança de ingresso pleno na União
Européia. Mas provavelmente ainda seria suficiente para manter um status de II. "Nov
associado, bem como a participação na OTAN. Uma dinâmica similar é perceptí-
vel na Algéria. Essa não será a última vez em que faremos comparações entre os O tn
tribunais e as forças armadas como guardiões últimos da constituição. centros C
(a) muito
B. Da Constituição ao Tratado (b) meno:
necessidc
Até aqui, estive supondo que o "tratado" assume ao longo do tempo mais e podem se
mais aspectos de uma "constituição". Mas a dinâmica do federalismo pode fun- res" para
interação

10 Ver, e.g., Ethan IGingsberg, Judicial Review and Hungary's Transition from Communism to
Democracy: The Constitutional Court, the Continuity of Law, and the Redefinition of Property
Rights, 41 BYU L. Rev 41, 78-81, 136-38 (1992) {discutindo a invalidação da pena de morte pela 11 Consti1
Corte sobre fundamentos extra-textuais, e sugerindo que a decisão pode ser explicada parcial- Liberd<
mente pelo forte desejo da Hungria de ser aceita pelo Ocidente). Um estudo mais abrangente das prc
está atualmente em preparação pelo Professor Kim Scheppele da Universidade da Pennsylvania. o desej
O juiz Laszlo Solyom também está preparando uma tradução para o inglês dos votos e decisões 12 ld. pt. l
13 Ford v.
mais relevantes.

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A Ascensão do Constitucionalismo Mundial

>nstituições. Isso cionar na direção oposta. Na versão "involucionária", a "constituição" nacional


)ração de normas ganha mais traços típicos de tratado à medida que elementos descentralizado-
•éia (e por entida- res vão se tornando mais proeminentes. Essa é uma maneira de entender o famo-
.os e presidentes so procedimento do Canadá que permite às províncias isentarem sua legislação
s estão dolorosa- da exigência de compatibilidade com a Carta de Direitos.ll Como em um trata-
mais constitucio- do, atas subseqüentes do legislativo de Ouebec se sobrepõem às normas já exis-
:o prazo na União tentes e enraizadas na Carta - mas apenas por um período fixo, após o qual a
~adas custos eco- província precisará invocar novamente o procedimento de isenção.12
Tal cláusula de isenção pode ser aplicada de formas mais ou menos típicas
3rminada decisão do tratado. Pode-se permitir que uma província esteja isenta apenas após uma
málise estreita de ponderada e minuciosa consideração dos valores em jogo; ou pode-se permitir a
dos os interesses evasão das limitações constitucionais sem que se empreenda uma investigação
tl em proteger os desse tipo. Ao permitir que Ouebec escolhesse a segunda opção, a Suprema
álise mais ampla, Corte do Canadá autorizou a tomada de um passo em direção a uma Constituição
·s que podem ser com mais características de tratado.13
à exclusão de seu No futuro, veremos mais cenários do tipo "involucionário", à medida que
estados anteriormente unitários assumem aspectos federalistas mais proemi-
1cesso da Corte nentes. Alemanha, Espanha e Itália (e Inglaterra e França?) podem muito bem
textual para sua estar entre dois cenários ao mesmo tempo, com o poder sendo crescentemente
.ica uma fonte de realocado para um novo centro em Bruxelas e para novas periferias regionais .
wáveis de admis- Esse processo já se encontra em um estágio muito avançado em países como a
lônia. Bélgica.
fortalecimento do Levarei o leitor a refletir mais detidamente sobre as implicações dos cená-
:nilitar com o obje- rios de federalismo para a prática do controle de constitucionalidade. A seguir,
) que um golpe do porém, quero enfocar um tipo diferente - mas não necessariamente incompatível
pleno na União - de dinâmica constitucional.
nter um status de
similar é perceptí- II. "Novos Começos"
lparações entre os
;tituição. O traço distintivo dos cenários de federalismo é a existência de múltiplos
centros de poder em um contínuo projeto de coordenação intensiva que é
(a) muito mais atraente do que aqueles delineados pelo tratado tradicional, mas
(b) menos atraente do que os delineados pelo estado unitário clássico. Essa
necessidade de contínua colaboração dá origem a imperativos funcionais que
o do tempo mais e
podem ser explorados pelo centro emergente na instituição de "normas superio-
:lralismo pode fim-
res" para fins de direção e contenção das partes que compõem o sistema em
interação .
.1 from Communism to
tedefinition of Property
da pena de morte pela 11 Constituição Canadense (Constitution Act, 1982) pt. I (Carta Canadense de Direitos e
e ser explicada parcial- Liberdades),§ 33(1). O procedimento também permite ao parlamento federal e aos parlamentos
studo mais abrangente das provindas afastar decisões da Corte. Mas será que essa disposição teria sido adotada sem
:idade da Pennsylvania. o desejo d e acomodar Quebec?
ês dos votos e decisões 12 Id. pt. I, § § 33(3) & (4).
13 Ford v. Quebec (Attorney General) [1988[ 2 S.C.R. 712, 733-42.

95
Bruce Ackerman

cional Ale
O segundo cenário opera com uma lógica diferente. Envolve símbolos de de ma
AlemanhE
expressivos, e não imperativos funcionais. Nesse cenário, uma constituição surge
como o marco simbólico de uma grande transição na vida politica nacional. É econômic.
impossível entender o extraordinário sucesso do Tribunal Constitucional Alemão, longo dos
EssE
por exemplo- tanto no nível do desenvolvimento de teses jurídicas, quanto no do
mães em
exercício de efetiva autoridade -, sem reconhecer que a Lei Fundamental se tor-
transforrr
nou, para a sociedade em geral, um símbolo central do rompimento da nação com
te marco
seu passado
Mais umanazista.
vez, os políticos são forçados a ir além de uma análise estreita de mórdios,
Nazismo
custos e benefícios ao decidirem se resistem ou não a determinadas decisões
Governo
judiciais - só que, desta vez, os custos mais amplos envolvidos são simbólicos.
uma im]:
Um político racional, voltado para a maximização de seus votos, deve levar em
apoiavar
conta que muitos dos grupos prejudicados por uma determinada decisão judicial
Mu
considerarão inaceitável se associarem com o passado nazista, ainda que simbo-
suficient
licamente; e muitos outros grupos que não estão envolvidos com aquele conflito
bélico ei
especifico se mobilizarão em defesa da Lei Fundamental enquanto marco de um
nais tra1
"novo começo" na história Alemã. Nesse cenário, as constituições podem se tor-
tucionai
nar um capital simbólico de grande influência nas disputas subseqüentes pela

autoridade política.
Como é, então, que as constituições adquirem o status de símbolos dotados B. OC
de significado cultural? o
ticas. J
A. A Alemanha como um Caso Especial "Antes'
Começarei pela Alemanha, mas não porque se trate de um caso especial. rios -1\
Quando a Lei Fundamental foi escrita, os alemães estavam, é claro, bastante quísta
"novo
conscientes de que se encontravam em um ponto de virada decisiva em uma his-
revoluc
tória- "Stunde Null", ou a "Hora Zero". Mas foi também uma época de intensa
na esfE
privação individual, confusão pública e ocupação militar. Em vez de funcionar
umam
como um símbolo positivo de um "novo começo", a Lei Fundamental poderia
nova E
muito bem ter sofrido o mesmo destino que o Tratado de Versailles14 e a
E
Constituição de Weimar- símbolos de desgraça nacional, que deveriam ser der-
rubados na primeira oportunidade. De fato, a Lei Fundamental foi intencional-
a tran
Povo~
mente proposta como uma constituição provisória, e seus proponentes rejeitaram
títucíc
a solicitação/demanda dos Aliados de que fosse ratificada por meio de referendo
preve
popular- pela boa razão de que ela poderia não ter sobrevivido a tal teste popu-
uma r
lar, especialmente na Bavária.15 mais
O sucesso simbólico da Lei Fundamental é, portanto, simultaneamente
extraordinário e não imediatamente rep!icável. Durante a primeira geração pós-
guerra, a Alemanha Ocidental esteve em condicional; se o Tribunal Constitu-
16 V«
17 N
C<
v
14 Tratado de Paz com a Alemanha, 28 de junho, 1919, 225 Consol. T.S. 189- 393.
15 Ver Peter H. Merkl, The Origin of the West German Republic 154-60 (1963).

96
A Ascensão do Constitucionalismo Mundial

símbolos cional Alemão sofresse ataques a partir de dentro, estaria indicada a necessida-
.ição surge de de maior intervenção dos Aliados a partir de fora. O período probatório da
tacional. É Alemanha também acabou se tornando um período de tremenda prosperidade
alAlemão, econômica, que serviu para ampliar e aprofundar o apoio interno ao regime ao
.anto no do longo dos anos 50 .
ntal se tor- Esse contexto político-econômico mais amplo permitiu que as elites ale-
nação com mães empregassem a sua poderosa tradição jurídica com efeito simbólico -
transformando retroativamente a "provisória" Lei Fundamental em um importan-
estreita de te marco do repúdio da nação ao seu passado nazista. O fato de que, em seus pri-
ts decisões mórdios, o Tribunal Constittrcional não íoi corrompido por juízes colaboradores do
simbólicos. Nazismo também contribuiu para diferenciá-lo de muitos outros setores do
Te levar em Governo e do Judiciário alemães16 - e, dessa forma, conferir às suas decisões
são judicial uma importância simbólica especial para o (crescente) número de alemães que
que simbo- apoiavam enfaticamente uma ruptura inequívoca com o passado.
Iele conflito Muito mais poderia ser dito sobre este fascinante caso. Mas eu já disse o
1arco de um suficiente para indicar porque ele não é típico.17 O caso padrão de sucesso sim-
>dem se tor- bólico envolve um cenário mais "triunfalista" , no qual heróis e movimentos n acio-
üentes pela nais transformam um momento de vitória política decisiva em estruturas consti-
tucionais duradouras .
)los dotados
B. O Cenário "Triunfalista"

O cenário triunfalista padrão tem suas origens culturais nas religiões semí-
ticas. Judaísmo, Cristianismo e Islamismo dividem o tempo cronológico em um
1so especiaL "Antes" e um "Depois", e enfocam as atividades de grandes líderes revolucioná-
rro, bastante rios - Moisés, Jesus e Maomé - que mobilizaram seguidores em prol de uma con-
em umahis- quista decisiva de significado coletivo. Essa leitura positiva do que seria u m
~a de intensa "novo começo" foi secularizada no período do Iluminismo, especialmente pelos
de funcionar revolucionários franceses e americanos, que visavam a uma conquista análoga
mtal poderia na esfera do significado político. "Antes", Jorge III ou Luís XVI impunham a nós
sailles14 e a uma era negra de despotismo, mas "Agora" o Povo está se organizando para uma
'riam ser der- nova era de liberdade política.
i intencional- Evidentemente, é aqui que as constituições entram em cena para demarcar
:es rejeitaram a transição entre o "Antes" o "Depois" -declarando os princípios pelos quais o
• de referendo Povo se governará daqui em diante. Dentro dessa estrutura, o controle de cons-
3.l teste popu- titucionalidade surge como um possível (mas não inevitável) instrumento para
prevenir o retrocesso coletivo- embora "Nós, o povo" tenhamos ingressado em
ultaneamente uma nova era, é muito fácil perdermos a direção, e os juízes estão aí para tornar
. geração pós- mais difícil voltar atrás. Nos últimos dois séculos, esse conjunto de idéias mos-
mal Constitu-

16 Ver Brun-Otto Bryde, Verfassungsentwicklung 153 (1982).


17 Não sei o suficiente para falar inteligentemente sobre o caso japonês, exceto para notar que,
como o alemão, ele envolve colapso catastrófico, ocupação militar e formas ainda mais ostensi-
vas de influência externa.

97
Bruce Ackerrnan

trou ser um dos principais produtos de exportação do Ocidente - se concretizan- soberania p


do em variações fascinantes pela Europa e pela América Latina no século XIX e lo do parti<
se espalhando progressivamente por todo o globo durante o século passado.18 constituiçãr
Mas não sem competição. Olhando para trás, é possível assinalar as fracas- povo da Ír
sadas revoluções européias de 1848 corno um ponto de virada decisivo. Cada vez Partido do
mais, embora não invariavelmente, constitucionalistas liberais foram se afastan- tornou um
do da revolução, e revolucionários foram deixando de encarar as constituições ções no Gc
corno a conquista suprema da soberania popular. Então veio 1917: em vez de proerninên
colocarem sua confiança em urna assembléia constituinte com a tarefa de formu- dos cornpr
lar um texto constitucional, os Bolcheviques apostaram em um partido dominan- Durru
te corno veículo permanente do desenvolvimento coletivo. O seu aparente suces- zou um e:
so serviu de inspiração para muitos outros movimentos revolucionários se volta- milhões d
rem para o partido, e não para a constituição, corno a grande conquista que ser- seculariza
viria para institucionalizar o seu triunfo político. Essa substituição simbólica de Weber, ta•
urna constituição por um partido é um terna que une Lênin e Mao a Hitler e algum me
Mussolini e a urna série de movimentos de libertação nacional desde a Segunda ritual dãc
Guerra Mundial. da em qu
A proeminência do modelo Bolchevique, porém, não deve nos cegar para aparato E
importantes casos do século XX nos quais os movimentos sociais se pautaram Embora •
pelos precedentes americanos e franceses. Veja, por exemplo, o caso da Índia. decisão c
Ternos aqui um país que, pelos critérios usuais da ciência política, jamais pode- resse um
ria ter conseguido manter urna democracia constitucional - pobreza e analfabe- a Consti'
tismo em massa, diversidade lingüística e conflitos religiosos sangrentos pare- identida
cem ser augúrios pouco promissores. E, no entanto, por quase meio século, a
Índia tem conseguido contrariar as expectativas. Mesmo se a sua Constituição
cair por terra na próxima geração, corno podemos explicar esse sucesso na
manutenção de urna democracia liberal? 20 O me
Pode-se identificar no caso da Índia um processo de cinco etapas.19 The
lndia
Primeiro, houve a longa e bem-sucedida luta do Partido do Congresso* para (em:
mobilizar um movimento político trans-étnico e com base popular. Segundo, essa crev•
mobilização levou, no momento da independência, a urna situação em que o irnpc
Partido do Congresso tinha credibilidade para funcionar corno um veículo da ção,
Out1
ln di
H.};
on ~
18 Discuto esse processo de difusão, a partir um ângulo diferente, em Bruce Ackerman, The FUture N.T
of Liberal Revolution 5-24 (1992). des
19 Obviamente, esta é apenas urna parte da história. Para recentes esforços de fornecer outras par- agE
tes, ver, e.g., Arend Lijphart, The Puzzle of Indian Dernocracy: A Consociational Interpretation, hie
90 Arn. Pol. Sei. Rev. 258 (1996) (argumentando que o sucesso da Índia, apesar de suas profun- qü•
das divisões sociais, pode ser atribuído ao seu sistema de democracia no qual se compartilha o ex1
poder ["power·sharing"J, oposto a um majoritário sistema ão tipo "o vencedor leva tudo" ["win- sic
ner-take-all"]); Philippe Van Parijs, Justice and Democracy: Are they Incornpatible? 4 J. Pol. Phil. pa
101, 111-13 (1996) (argumentando que compartilhar o poder ["power-sharing"[ pode levar a rela- di:
cionamentos mais harmoniosos entre democracia e justiça). 21 A
N.T. No original, Congress Party. O autor refere-se ao Partido do Congresso, também conhecido TJ
corno Congresso Nacional Indiano, a maior e mais antiga das organizações políticas na Índia. tr:

98
A Ascensão do Constitucionalismo Mundial

se concretizan- soberania popular. Terceiro, e isto foi crucial, Gandhi e Nehru rejeitaram o mode-
10 século XIX e lo do partido hegemônico e apoiaram um intenso esforço de redação de uma
tlo passado.18 constituição que celebrasse os compromissos fundamentais da conquista do
nalar as fracas- povo da Índia rum_o à independência. Quarto, as energias do revolucionário
:isivo. Cada vez Partido do Congresso foram aos poucos se dissipando na medida em que ele se
ram se afastan- tornou um refúgio para oportunistas políticos interessados em conseguir posi-
,s constituições ções no Governo. Quinto, essa opção de Gandhi e Nehru levou a uma crescente
:317: em vez de proeminência da Constituição e de suas instituições judiciais como os guardiões
:arefa de formu- dos compromissos constitucionais fundamentais da nação.20
3.rtido dominan- Durante o movimento pela independência, o Partido do Congresso mobili-
aparente suces- zou um enorme e concentrado volume de energia e engajamento político de
mários se volta- milhões de indianos. Nesse aspecto, o Partido se assemelhava a uma versão
lquista que ser- secularizada do movimento carismático descrito por Weber. Como já enfatizara
ão simbólica de Weber, tais movimentos não são capazes de se sustentarem indefinidamente. Em
Mao a Hitler e algum momento, as exaltadas aspirações de seus militantes por renovação espi-
esde a Segunda ritual dão lugar a preocupações mais mundanas com a sobrevivência. Na medi-
da em que a primeira geração de "fiéis" é substituída por (corruptos) agentes do
nos cegar para aparato estatal,** a burocratização do carisma cobra o seu impiedoso tributo.21
ais se pautaram Embora o Partido do Congresso não tenha escapado dessa sina weberiana, a
o caso da Índia. decisão de Gandhi e Nehru em favor da Constituição também permitiu que ocor-
ca, jamais pode- resse um processo que eu chamarei de constitucionalização do carisma- no qual
•reza e analfabe- a Constituição funciona como um poderoso (mas não todo-poderoso) símbolo de
;angrentos pare- identidade nacional e compromisso com a democracia.
:! meio século, a
ma Constituição
~sse sucesso na
20 O melhor relato das origens intelectuais e políticas da Constituição Indiana é o de Sarbani Sen,
cinco etapas.19 The Indian Fbunding: Framing an Indigenous Model of Constitution-making by Reference to
India's Revolutionary Tradition (1995) (Tese de Doutorado não publicada, Universidade de Yale)
.:::ongresso• para (em arquivo com o autor). Sen termina sua história no momento fundador, e nenhum estudo des-
u. Segundo, essa creve de forma tão persuasiva o papel do constitucionalismo durante o meio século passado. O
uação em que o importante trabalho de Marc Galanter, Law and Society in Modem India (1989) é a grande exce-
ção, mas suas preocupações não dizem respeito aos temas neo-Weberianos elaborados aqui.
o um veículo da Outras discussões de potencial interesse para estudos comparativos incluem Upendra Baxi, The
Indian Supreme Court and Politics (1980); Gobind Das, Suprema Court in Ouest of Identity (1987);
H. R. Khanna, Judiciary in India and Judicial Process (1985); Justice V.R. Krishna lyer, Our Courts
on Trial (1987).
1.ckerman, The FUture N.T. No original, Apparatchik. Trata-se de uma expressão coloquial russa, que originalmente
designava um funcionário de carreira do Partido Comunista ou do governo em geral, ou seja, um
e fornecer outras par- agente (chik) do aparelho estatal que ocupe um cargo qualquer no baixo ou médio escalão da
ltional Interpretation, hierarquia burocrática ou política. Como os funcionários do governo eram transferidos com fi~­
Jesar de suas profun- qüência para diferentes áreas - muitas delas sem qualquer relação com a função anteriormente
qual se compartilha o exercida-, a expressão descrevia bem esse conjunto de agentes cuja única caracteristica profiu-
•dor leva tudo" ["win- sional em comum era a ligação com o Partido Comunista. Hoje, é utilizada também fora da Rússia
tpatible? 4 J. Pol. Phil. para designar burocratas em geral, usualmente em sentido pejorativo. Fonte: http://en.wikipe-
::~g"J pode levar a rela- dia.org/wiki/Apparatchik.
21 A discussão mais acessível de Weber sobre carisma e sua rotinização pode ser encontrada em
:o, também conhecido The Theory of Social and Economic Organization 341-86 (Talcott Parsons ed. & A. M. Henderson
s políticas na Índia. trans., 1947). Ele se aproxima da minha adaptação neo-Weberiana em id. at 386-412.

99
Bruce Ackerman

Uma dinâmica similar está atualmente em curso na África do Sul. O colapso aomáximop
do Comunismo em 1989 ajudou a minar o apelo que o modelo Bolchevique de depois, os F
hegemonia partidária tinha dentro do Congresso Nacional Africano (CNA). *** Isso década de s;
permitiu a Nelson Mandela fazer com que a elaboração negociada de uma consti- de monume1
tuição, e não a consolidação do CNA no poder, fosse o ato fundamental de um Na Tch
"novo começo" na identidade política sul-africana. Some-se a isso um ato de igual foram boas
sabedoria no governo por parte de F.W. DeKlerk, e estamos diante de uma bem- Solidariedac
sucedida reedição do cenário liberal revolucionário. Não é surpresa que o novo tri- ruim com m
bunal constitucional já esteja t irando partido dessa situação com decisões que conseguiu c
visam a resgatar a promessa de um novo início político, feita pela Constituição da A Hur.
África do Sui.22 Não é minha intenção insinuar que o cumprimento dessa promes- dura naPol
sa está garantido, ou que os tribunais são suficientes para cumpri-la. Meu ponto cia organiz
é simplesmente o de que o cenário do "novo começo" pode transformar a tica organi
Constituição em um símbolo com o qual os atores políticos não podem mais se bastante f
relacionar nos limites de uma estreita análise de custo e benefício. moderado~
Meus dois primeiros cenários "triunfalistas" foram extraídos da Ásia e da elementos
África. Mas, se nos voltarmos para a Europa moderna, podemos encontrar cená- da democJ
rios similares em curso. Veja o caso da França. Depois da derrota militar pelas tante das
mãos dos nazistas, ela também passou por um processo equivalente àqueles dos uma prop•
movimentos de libertação nacional. Para os nossos propósitos, Charles de Gaulle ção à rati
é o equivalente funcional de Gandhi e Mandela; e, em última instância, ele tam- algumas ·
bém conseguiu constitucionalizar sua autoridade carismática durante a funda- Parlamen
ção da Quinta República. Em um nível pessoal, a analogia com Mandela é bem terior sul::
próxima: o "Herói da França Livre" retornou de seu exílio interno para fazer um as asserr.
apelo à nação em um momento de crise. Mas a relação de De Gaulle com o siste- os Comu·
ma de partidos era diferente: para Mandela, o desafio foi o de exercer efetivo con- que seqt
trole sobre um movimento político já organizado; para De Gaulle, o desafio foi o Cor
de organizar um novo partido que pudesse ser uma base política confiável. Em Juiz Sol)
ambos os casos, o ponto crucial é que os dois líderes rejeitaram o modelo do par- procurm
tido hegemónico. No caso francês, porém, a Constituição não surgiu de uma com- de afirm
plexa negociação entre formações políticas bem estabelecidas. Ao contrário, De tos hún
Gaulle recorreu diretamente à nação, que apoiou o seu novo começo por meio da decisõe
ratificação da nova Constituição em um referendo popular.23 da pop1
Cenários triunfalistas semelhantes poderiam ter ocorrido na esteira das possa é
"Revoluções de 1989". A Polônia oferecia as condições mais apropriadas, mas à prom
Lech Walesa não provou ser um Mandela ou um De Gaulle. Em vez de conduzir o
movimento Solidariedade rumo a uma Assembléia Constituinte, ele se esforçou

N.T
e à
N.T. No original, African National Congress. Desde as primeiràs eleições multi-raciais na África 24 Eu
do Sul, em 1994, o Congresso Nacional Africano vem se firmando como o maior partido político Lib
a ocupar o poder. Em sua origem, o ANC era um dos movimentos sociais que faziam oposição ao 25 Ju<
regime de apartheid. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Congresso_Nacional_Africano. Eu
22 Ver S. v. Makwanyane, 1995 (3} SA 391, 451-52 (CC} (declarando inconstitucional a pena capital}. 26 Id.
23 Ver John Bel!, French Constitutional Law 13 (1992}. 27 Ve

100
A Ascensão do Constitucionalismo Mundial

1l. O colapso ao máximo para d ividi-lo antes que pudesse dar à luz uma constituição. Oito anos
chevique de depois, os Poloneses não têm nenhum símbolo político forte que celebre sua
~NA).*** Isso década de sacrifício triunfal - nem um partido, nem uma constituição para servir
! uma consti- de monumento vivo à sua grande conquista de autodefinição nacional.
tental de um Na Tchecoslováquia, • as perspectivas para um cenário triunfalista nunca
1 ato de igual foram boas, já que não existia nenhum movimento em escala similar à do
ie uma bem- Solidariedade. Mesmo assim, Vaclav Havei fez um trabalho espetacularmente
ue o novo tri- ruim com os materiais à sua disposição para constitucionalizar o carisma que ele
jecisões que conseguiu conquistar como porta-voz anti-Comunista.24
nstituição da A Hungria nos fornece um caso contrastante. Enquanto os regimes linha-
::lssa promes- dura na Polônia e na Tchecoslováquia tinham provocado movimentos de resistên-
3.. Meu ponto cia organizados, as coisas eram diferentes na Hungria: "até 1987, a oposição polí-
cansformar a tica organizada era virtualmente nula, e o associativismo na sociedade civil eram
dem mais se bastante fraco. "25 Mas o regime de Kadar tinha incorporado muitos grupos
moderados em setores tanto do governo, quanto do mundo dos negócios - e tais
da Ásia e da e lementos do regime pretendiam fechar um acordo com moderados defensores
centrar cerrá- da democratização que estavam emergindo em 1988 e 1989.26 A barganha resul-
militar pelas tante das discussões na mesa redonda que se seguiu não assumiu a forma de
3 àqueles dos uma proposta constitucional abrangente, e muito menos de um esforço em dire-
·les de Gaulle ção à ratificação popular. Em vez disso, os atares da mesa redonda redigiram
::lCia, ele tam- algumas importantes emendas à constituição, que foram então aprovadas pelo
mte a funda- Parlamento Comunista. Isso criou um sério problema de legitimidade com a pos-
mdela é bem terior substituição desse parlamento por seus sucessores democráticos: por que
)ara fazer um as assembléias democráticas deveriam ser limitadas por uma Constituição que
3 com o siste- os Comunistas tinham deixado de herança por insistência de uma mesa redonda
3r efetivo con- que sequer fora eleita?
> desafio foi o Contudo, a Corte Constitucional do país, sob a liderança do seu Presidente,
confiável. Em Juiz Solyom, não deixou que essa questão obstruísse seu caminho. Em vez disso,
todelo do par- procurou preencher essa lacuna de legitimidade com uma torrente de decisões
t de uma com- de afirmação de direitos humanos que simboliza o desejo generalizado entre mui-
contrário, De tos húngaros de afirmar suas identidades "européias" .27 Até o momento, essas
o por meio da decisões não têm por base um texto constitucional com aprovação significativa
da população húngara em geral, mas é possível que a hiperatividade da Corte
a esteira das possa ajudar a provocar uma nova rodada de política constitucional conducente
)priadas, mas à promulgação de um novo texto que codifique muitas d as decisões da Corte
de conduzir o
le se esforçou

N.T. O país a que o autor se refere se cindiu em janeiro de 1993, dando origem à República 'I1::heca
e à Eslováquia .
.-raciais na África 24 Eu discuto de forma mais profunda os casos polonês e tcheco em Ackerman, The Future of
JI partido político Liberal Revolution, nota 17, supra.
1ziam oposição ao 25 Juan J. Linz & Alfred Stepan, Problems of Democratic Transition and Consolidation: Southern
Africano. Europe, South America, and Post-Communist Europe 300 (1996).
ala pena capital). 26 Id. at 293-316.
27 Ver nota 9, supra, e o texto correspondente.

101
Bruce Ackerman

Solyom. Se isso acontecer, estaremos assistindo a uma nova variação de "triun- então, ao deE
falismo" sob a liderança judicial.28 lizada (PRI) ·
A Rússia oferece mais um caso fascinante. Diferentemente de outros líderes predominânc
europeus, Boris Yeltsin investiu recursos substanciais na constitucionalização do Constituição
seu carisma. Quaisquer que sejam as suas imperfeições técnicas, a nova assegurava
Constituição Russa29 passou por seu primeiro grande teste: sem sua prévia apro- eleitorais e
vação popular por meio de um referendo especial, será que teríamos acabado de Mesmo assil
ver a primeira eleição democrática na Rússia desde a votação para a assembléia afirmação d·
constituinte de 1918? contra o reg
Eu duvido. Sem o referendo prévio apoiando a Constituição, teria sido muito simbólico, 01
mais fácil para Yeltsin tomar uma direção autocrática. Afinal, ele tinha destruído da hegemor.
por meios militares os seus velhos antagonistas no parlamento, e já tinha recor-
rido à força ao lidar com os Chechenos.30 Dada sua crescente impopularidade, ele C. O Probl
estava em grande perigo de sucumbir à usual tentação de um líder carismático
que perdera seu apelo junto às massas: aprofundar a militarização. Daépo
Yeltsin, porém, já tinha investido uma grande parte de seu capital simbólico lucionário t1
na nova Constituição; como conseqüência, não adotou uma análise estreita de tante simbé
custo e benefício de sua situação política e escolheu permanecer no caminho ca. Por razé
democrático. O resultado foi mais uma decisão consciente de uma grande maioria mas não é :
de russos contra "fazer o relógio voltar". A recente eleição31 não apenas devolveu Mandela). 1
Yeltsin ao Kremlin, como também reafirmou a Constituição como o marco simbóli- nária como
co de um "novo começo" que pode perdurar após a morte de Yeltsin. problema p
Seria tolice adotar uma posição otirnista sobre o futuro da Rússia. Embora haja líder suprer
elementos do cenário triunfalista, em muitos outros aspectos a Rússia sofreu uma da democra
derrota catastrófica na política internacional. Ainda existe a possibilidade de a nova ce ao novo
Constituição Russa se tornar - como a Constituição Alemã de Weimar - um símbo- Como, enU
lo de humilhação nacional em vez de um marco de uma orgulhosa ruptura com o tempo em c
passado. Mas existe alguma dúvida de que a Rússia estaria hoje em uma situação A técr
ainda pior se Yeltsin tivesse seguido o caminho de Walesa e Havel, que foram inca- presidencié
pazes de perceber a importância central da constitucionalização do carisma? mo promet
Uma outra variante significativa do cenário triunfalista está em curso no palco indei
México. Durante e após sua Revolução no século XX, o país assistiu à articulação legisladore
da social-democrática Constituição de Carranza de 191732 - note o ano! - e, supremo 0 1
ções const:
momento c
gados porJ
28 Israel fornece outro exemplo de liderança judicial diante da recusa das elites politicas em inves-
tir pesado no constitucionalismo. Ver Bruce Ackerman, The Lost Opportunity, 10 Tel Aviv U. Stud. sidencialis
in L. 53, 66-69 (1990).
29 Constituição da Federação Russa, reimpressa em Constituti ons of the Countries of the World
(Albert P. Blaustein trans., Albert P. Blaustein & Gisbert H. Flanz eds., 1994).
30 Sobre os ataques de Yeltsin à Duma, ver o material coletado por Alexander Buzgalin e Andrei 33 Na verd•
Kolganov, Bloody October in Moscow: Politicai Repression in the Nàme of Reform (1994). Para uma Revoluci
história do conflito na Chechênia, ver Dmitry Mikheyev, Russia Transformed 189-92 (1996). Partido (
31 Alessandra Stanley, The Russian Vote: An Overview, N .Y. Times, July 5, 1996, em A1. 34 Constitt:
32 See E.V. Niemeyer, Jr., Revolution at Queretaro: The Mexican Constitutional Convention of 1916- Moreno
1917 (1974). 35 Ver Jain

102
A Ascensão do Constitucionalismo Mundial

então, ao desenvolvimento de um hegemónico Partido da Revolução Instituciona-


ão de "triun- lizada (PR!) - note o nome! - no fim dos anos 2Q.33 Apesar da sua esmagadora
predominância, o PRI continuou a coexistir - ao menos simbolicamente - com a
mtros líderes Constituição de Carranza e suas emendas.34 É claro que, no mundo real, o PRI
•nalização do assegurava o seu domínio por meios extraconstitucionais - graças às fraudes
cas, a nova eleitorais e à corrupção sistemática de autoridades judiciais e burocráticas.
prévia apro- Mesmo assim, a Constituição de Carranza tem perdurado como um símbolo da
; acabado de afirmação de soberania do povo mexicano durante sua batalha revolucionária
3. assembléia contra o regime de Diaz. Mas é difícil dizer o quanto ainda resta desse capital
simbólico, ou se ele pode ser criativamente utilizado na transição contemporânea
ia sido muito da hegemonia do PRI em direção a uma democracia liberal mais genuína.35
ha destruído
t tinha recor-
tlaridade, ele
C. O Problema do Líder Supremo
~ carismático
Da época de Washington e Bolívar até os dias de hoje, a figura do líder revo-
lucionário tem freqüentemente surgido aos olhos das massas como o represen-
tal simbólico tante simbólico dos anseios do movimento revolucionário por redefinição politi-
3 estreita de ca. Por razões óbvias, esses "Líderes Supremos" são com freqüência militares,
no caminho mas não é necessário que seja assim (como indicam os exemplos de Gandhi e
ande maioria Mandela). Tampouco é inevitável que esse tipo de líder surja da elite revolucio-
J.as devolveu nária como um todo. Mas, quando isso acontece, a sua existência cria um sério
arco simbóli- problema para o resto do grupo à frente do movimento. O carisma pessoal do
líder supremo é uma ameaça ao próprio futuro desse grupo, bem como ao futuro
Embora haja da democracia liberal. Por outro lado, a influência do líder sobre as massas forne-
a sofreu uma ce ao novo regime um enorme ativo que não pode ser facilmente dispensado.
J..de de a nova Como, então, organizar a constituição de forma a preservar o ativo ao mesmo
·-um símbo-
tempo em que se minimiza a ameaça?
Jptura com o A técnica consagrada pelo tempo reside na calejada distinção entre formas
..una situação presidencialistas e parlamentaristas de governo. Simplificando, o presidencialis-
e foram inca- mo promete criar um nicho para o líder supremo e, dessa forma, preservar um
rrisma? palco independente no qual os outros líderes possam mostrar seus talentos como
em curso no legisladores. Evidentemente, essa promessa pode se revelar ilusória - o líder
à articulação supremo ou o resto da elite política podem se tornar impacientes com as limita-
~ o ano! - e, ções constitucionais impostas sobre suas respectivas posições institucionais. No
momento da elaboração constitucional, porém, esses conflitos podem ser poster-
gados por meio de certas ambigüidades engenhosas. O ponto crucial é que o pre-
íticas em inves- sidencialismo fornece um mecanismo por meio do qual o líder supremo pode ser
Tel Aviv U. Stud.

·es of the World


33 Na verdade, o nome do PRI data de 1946, mas o partido surgiu como o "Partido Nacional de la
zgalin e Andrei Revolución" em resposta à crise constitucional do final dos anos 20. Ver Luis Javier Garrido, El
1994). Para uma Partido de la Revolucion Institucionalizada: La formacion del nuevo estado (1928-1945) (1982).
-92 (1996). 34 Constituição do México, reimpressa em Constitutions of the World (Gisbert H. Flanz & Louise
nAl. Moreno trans., Albert P. Blaustein & Gisbert H. Flanz eds., 1988).
vention of 1916- 35 Ver Jaime F. Cardenas Gracia, Transicion politica y reforma constitucional en Mexico {1994).

103
Bruce Ackerman

"chutado para cima" (ou pode "se chutar para cima"), permitindo aos outros líde- a refletir um maio
res exercerem uma autoridade independente que não possuiriam de outra forma. O Presidente Gis•
Essa dinâmica é visível tanto nos Estados Unidos, quanto n a França - os detinha de provo
países que oferecem dois "modelos" distintos de presidencialismo para outras quaisquer sessen
nações à procura de opções constitucionais. Em cada caso, George Washington constitucionalida
e Charles De Gaulle foram líderes supremos. Talvez devido aos seus anteceden- o Conselho se tr.
tes militares, ambos eram bastante desdenhosos da política civil cotidiana; mas, mais independer
devido às suas predileções republicanas, não estavam dispostos a tomar o cami- sidente, mas tarr.
nho rumo à ditadura militar. Como resultado, foram participantes conscientes de que uma pequen
um projeto constitucional por meio do qual o seu carisma pessoal poderia ser lidasse o progra
constitucionalizado em uma base presidencialista, abrindo assim um grande Essas reformas
espaço para as ambições políticas dos líderes menores . É claro que, mesmo principal antago
após Washington e De Gaulle abandonarem o palco político, esse arranjos cons- intermediária.39
titucionais permaneceram e moldaram a geração política seguinte - que pode Esses estu
ser dominada por políticos sem qualquer traço da autoridade carismática da teoria da escolh
geração fundadora. Mas deixarei essa questão mais ampla para outro ensaio, poderes entre o
contentando-me agora com as implicações do presidencialismo para o controle nal para ação ir.
de constitucionalidade. forma alguma E
Em linhas gerais, o presidencialismo proporciona uma nova abertura para o pelo presidenci<
desenvolvimento de tribunais constitucionais fortes - por muitas das mesmas inspiram cautei
razões funcionais identificáveis no(s) cenário(s) de federalismo. Assim como conflito entre o :
ocorre n a criação de focos independentes de poder no centro e na periferia, o As óbvias
estabelecimento de um presidente poderoso e d e um legislativo independente mas sérias sem
aumenta a necessidade prática de um juiz relativamente imparcial para coorde- um tribunal po
impor principie
nar a contínua interação institucional.
Americanas tê:
Essa dinâmica funcional é bastante visível nos primórdios da Quinta
lares, apresent
República francesa. A Constituição de De Gaulle privou a Câmara dos Deputados
da nação que •
de suas competências legislativas plenas, reservando certos domínios para a
p rodução norm ativa presidencial.36 O Conselho Constitucional foi criado com o
propósito de patrulhar essa nova linha entre a Câm ara e o Presidente.
Originalmente, a linha deveria ser guardada somente em uma direção - embora 38 Id. at 69-71.
39 A relação en1
o Conselho pudesse responder à reclamação do Presidente contra leis que violas- controle d e c
sem suas prerrogativas, à Câmara dos Deputados não foi conferido nenhum direi- ocasião.
to similar de provocar a sua jurisdição.37 N.T. No erigi
escolha raci<
Contudo, com a saída de cena de De Gaulle, o país se viu diante das impli-
micos dedic<
cações de longo prazo de seu bem-sucedido exercício de autoridade carismática: governo, sot
a França retornaria às tradições da Terceira e da Quarta Repúblicas ou continua- 40 Ver, e .g., Wil
ria a trilhar o caminho sinalizado pela nova Constituição? Foi escolhida a segun- (1992).
41 Para uma cc
da opção, mas o papel do Conselho Constitucional foi logo modificado de modo cialismo, ve
Arturo Valei
42 Alúed Step.
hor elabora·
36 Ver Alec Stone, The Birch of Judicial PoliCies in FTance: The Constitucional Council in Compara tive americanas
Perspective, 46-47 (1992). suas propo.
37 ld. at 47-48. por deman•

104
A Ascensão do Constitucionalismo Mundial

:tos outros líde- a refletir um maior equilíbrio entre a autoridade do Executivo e a do Legislativo.
:ie outra forma. O Presidente Giscard d'Estaing abriu mão do efetivo monopólio que De Gaulle
na França - os detinha de provocar a jurisdição do Conselho, permitindo que se conferisse a
no para outras quaisquer sessenta Deputados (ou Senadores) um direito similar de questionar a
JS Washington constitucionalidade de uma lei.38 De cão de guarda da autoridade do Executivo,
us anteceden- o Conselho se transformou em um órgão que poderia cumprir um papel muito
~otidiana; mas, mais independente.. Ele poderia não apenas defender a Câmara contra o Pre-
. tomar o cami- sidente, mas também desafiar o controle do Primeiro Ministro sobre a Câmara, já
;onscientes de que uma pequena minoria legislativa passou a poder pedir ao Conselho que inva-
ai poderia ser lidasse o programa legislativo do Primeiro Ministro em bases constitucionais.
m um grande Essas reformas enfraqueceram não apenas a presidência, mas também o seu
) que, mesmo principal antagonista - o Primeiro Ministro - , em benefício de uma terceira força
arranjos cons- intermediária. 39
te- que pode Esses estudos de caso corroboram a relevância de recentes trabalhos de
arismática da teoria da escolha pública, • que exploram as formas pelas quais a separação de
outro ensaio, poderes entre o legislativo e o executivo dá aos tribunais um espaço constitucio-
ara o controle nal para ação independente.40 Quero enfatizar, porém, que o judiciário não é de
forma alguma a única instituição que pode tirar proveito das tensões geradas
'Jertura para o pelo presidencialismo. Ao contrário, a América do Sul está cheia de histórias que
das mesmas inspiram cautela - histórias nas quais o principal beneficiário institucional do
Assim como conflito entre o presidente e o legislativo é as forças armadas, e não o judiciário.41
1a periferia, o As óbvias diferenças entre juízes e generais não devem nos cegar para algu-
independente mas sérias semelhanças nos seus esforços de legitimação simbólica. Assim como
l para coorde- um tribunal pode aproveitar os conflitos entre o Executivo e o Legislativo para
impor princípios constitucionais formulados pelo Povo, as forças armadas Sul-
>S da Quinta Americanas têm frequentemente justificado suas intervenções em termos simi-
os Deputados lares, apresentando-se como as guardiãs definitivas dos princípios fundamentais
nínios para a da nação que estariam sendo ameaçados por políticos briguentos.42 Existem, é
criado com o
> Presidente .
ção- embora 38 Id. at 69-71.
39 A relação entre a criação nort e-americana de uma presidência independente e o surgimento do
·is que violas- controle de constitucionalidade é uma história complexa, para ser mais bem contada em outra
lenhum direi- ocasião.
N.T. No original, public choice theory. A expressão "teoria da escolha pública" (ou "teoria da
1te das impli- escolha racional", ou ainda "teoria da escolha social") designa um conjunto de estudos econó-
micos dedicado à análise do processo de tomada de decisão de eleitores, políticos e agentes do
l carismática:
governo, sobretudo com recurso ao instrumental da teoria dos jogos.
ou continua- 40 Ver, e.g., William N. Eskridge, Jr. & John Ferejohn, The Article I, Section 7 Game, 80 Geo. L.J. 523
lida a segun- (1992).
ado de modo 41 Para uma coleçáo abrangente de ensaios sobre a experiência latino-americana com o presiden-
cialismo, ver Failure of Presidential Democracy: The Case of Latin America, vol. 2 (Juan J . Linz &
Arturo Valenzuela eds., 1994).
42 Alfred Stepan, The Military in Politics: Changing Patterns in Brazil 57-122 (1971) fornece a mel-
hor elaboração da idéia das forces armadas como um "poder moderador" nas constituições sul-
l in Comparativa americanas. A intervenção militar é tipicamente provocada quando "[o[ presidente ... encontra
suas propostas de reforma bloqueadas no Congresso por poderosas, entrincheiradas elites, ou
por demandas conflitantes de seu eleitorado" (Id 68). Embora americanos e europeus possam

105
Bruce Ackerman

claro, muitas diferenças importantes entre as intervenções judiciais e as milita- Dois exemplos
res. Juízes agem aos poucos, enquanto generais tomam o governo todo de uma (2) a União Eur
vez; quando os juízes intervêm, eles tendem a operar em nome de normas inter- Os primór
nacionalmente reconhecidas de proteção à dignidade humana, enquanto as for- cas do cenário
ças armadas tendem a militarizar a sociedade às custas da obediência a essas as os Artigos d
normas; e assim por diante. dos por cada F
Todavia, a raiz comum no presidencialismo me dá um motivo para nos inci- tado ou uma C
tar a ir além da crença marxista de que é a organização econômica da sociedade Embora a pror
que determina em grande medida o seu sistema político-jurídico. Se algum fator afastando o de
merece atenção especial, é a participação das forças armadas: quanto mais maneceram e
poderosos os militares, menor a probabilidade de que os tribunais assumam o União por par1
papel de uma força intermediadora entre o Legislativo e o Executivo.43 estava "se sei
Esse ponto tem sido obscurecido pela recente ascensão dos EUA como mesmo a vitóJ
potência militar hegemônica; mas esse período moderno foi precedido de 150 Johnson tives
anos de história americana na qual as forças armadas tiveram um papel relativa- a interpretaçÉ
mente periférico. De um modo geral, o controle de constitucionalidade está asso- Guerra Civil.
ciado à presença de militares fracos- ou porque, como na Europa Ocidental, as brancos do St
decisões militares cruciais foram tomadas por poderes extra-europeus, ou por- à interpretaç~
que , como na Índia, o movimento político dominante adotou uma ideologia enfa- Ao insp
ticamente não-violenta. Além disso, a presença de militares fracos parece estar Americana cc
ligada a alguns dos mais recentes esforços fundacionais - na Europa Oriental, no "novo começ•
Canadá e no México. Mas há também casos menos promissores: se o Presidente militantes Fc
da Rússia e a Duma* voltarem a se confrontar violentamente, o exército tem Emendas da
muito mais chances do que os tribunais de cumprir um papel decisivo (e desas- textos invoc<
George Wasl
troso) como uma terceira força institucional.
Nehru, Mane
Hoje, u:
III. Cenários Combinados Tratado de 1
aprovado pc
Meus dois cenários- "federalismo" e "novo começo"- são analiticamente
independentes um do outro. Uma nação pode vivenciar um novo começo sem
federalismo; nações podem delegar algumas de suas competências para um cen-
tro emergente sem maior sensação de estarem vivenciando um "novo começo" . N.T. Duma
Deputado:
Mas deve ficar claro que ambos os cenários podem acontecer simultaneamente. 44 Artigos d<
45 Compare
AmendmE
Convençá
associar o poder militar latino-americano com tomadas do poder de longo prazo, o caso padrão dos tratac
tem envolvido intervenção de curto prazo, em que o presidente e/ou o congresso são desapos- 475, 539-!
sados em nome da Nação e os militares presidem novas eleições (A Turquia pós-Kemalista tem tentando
exibido um padrão similar. Ver 2 Stanford J. Shaw & Ezel Kural ~haw, History of tbe Ottoman 46 Ver, e.g.,
Empire and Modern Thrkey 414-20 (1977)). ofMassac
43 Apesar de discordar de algumas de suas conclusões, Samuel P. Huntington, The Soldier and the tucionalic
State: The Theory and Politics of Civil-Military Relations (1957) fornece uma fonte ainda inexplo- 47 See Bruc•
rada para estudiosos de direito constitucional comparado preocupados com o problema da mili- Virginia 1
tarização. 48 Tratado I

106
A Ascensão do Constitucionalismo Mundial

s e as milita- Dois exemplos óbvios são: (1) os Estados Unidos, no período entre 1780 e 1860, e
todo de uma (2) a União Européia, dos anos 50 até hoje.
1ormas inter- Os primórdios da história americana revelam as ambigüidades característi-
uanto as for- cas do cenário de federalismo. Em 1781, todos os 13 estados já tinham assinado
meia a essas as os Artigos da Confederação, prometendo que "serão inviolavelmente observa-
dos por cada Estado, e que essa união será perpétua" .44 Mas seria isso um tra-
>ara nos inci- tado ou uma Constituição? Alguns afirmam a primeira opção; outros, a outra.45
ja sociedade Embora a promulgação da Constituição de 1787 tenha alterado esse equilíbrio,
:! algum fator afastando o documento da figura do simples tratado, grandes ambigüidades per-
quanto mais maneceram e deflagraram um debate ainda em curso.46 Em 1860, a rejeição da
; assumam o União por parte do Sul estava, portanto, aberta a duas interpretações - ou o Sul
0 .43 estava "se separando" da União, ou estava denunciando o tratado de 1787. Nem
s EUA como mesmo a vitória militar da União decidiu essa questão; se o Presidente Andrew
~dido de 150 Johnson tivesse vencido seu épico embate com seus antagonistas no Congresso,
3.pel relativa- a interpretação do documento como um tratado poderia ter sobrevivido após a
je está asso- Guerra Civil. Foi somente com a ratificação da 14â Emenda, sob protestos dos
Jcidental, as brancos do Sul, que o equilíbrio finalmente pendeu de forma decisiva em direção
>eus, ou por- à interpretação do documento como "constituição" .47
eologia enfa- Ao inspecionarmos o mecanismo pelo qual a interpretação da União
parece estar Americana como tratado foi rejeitada, encontramos a comprovação do cenário de
1 Oriental, no "novo começo". Tanto no período entre 1787 e 1790, quanto no de 1865 a 1868, os
o Presidente militantes Federalistas da Constituição e os militantes Republicanos das
exército tem Emendas da Reconstrução procuraram legitimar seus novos e mais nacionalistas
ivo (e desas- textos invocando variações dos temas "triunfalistas" que nós já examinamos:
George Washington e Abraham Lincoln são figuras do mesmo tipo de Gandhi e
Nehru, Mandela e De Gaulle.
Hoje, uma conjunção similar dos dois cenários está visível na Europa. O
Tratado de Roma,48 assim como os Artigos da Confederação, foi negociado e
aprovado por estados soberanos sem quaisquer dos plebiscitos e assembléias
.aliticamente
começo sem
;lara um cen-
•vo começo". N.T. Duma é o nome da Câmara Baixa da Rússia, equivalente funcional de uma Câmara dos
Deputados.
taneamente. 44 Artigos da Confederação, art. 13.
45 Compare as visões rivais de Akhil Reed Amar, The Consent of the Governed: Constitutional
Amendment Outside Article V. 94 Colum. L. Rev. 457, 465 (1994) (argumentando que a partida da
Convenção Constitucional das regras de emenda dos Artigos foi legal de acordo com o direito
>, o caso padrão dos tratados) e Bruce Ackerman & Neal Katyal, Our Unconventional Founding, 62 U. Chi. L. Rev.
m são desapos- 475, 539-573 (1995) (contestando a caracterização de Amar dos Artigos como um tratado e sus-
~ -Kemalista tem tentando que os Federalistas não t inham fundamento legal para passar por cima dos Artigos).
of the Ottoman 46 Ver, e.g., The Great Debate between Robert Young Hayne of South Carolina and Daniel Webster
of Massachusetts (Lindsay Swüt ed. , 1898) (sobre a autoridade dos estados para julgar a consti-
Soldier and the tucionalidade de atos do Congresso).
~ ainda inexplo- 47 See Bruce Ackerman, We the People: Transformations, pt. 2 (no prelo, 1998) (em arquivo com a
·ob lema da mili- Virginia L aw Review Association).
48 Tratado Estabelecendo a Comunidade Econõmica Européia, Mar. 25, 1957, 298 U.N.T.S. 11.
Bruce Ackerman

constitucionais que tipicamente acompanham um "novo começo". Ao longo da mente as torne


geração seguinte, porém, o "tratado" foi convertido - sobretudo por juízes - em invocações na
um documento com mais características de constituição.49 Esse processo de Ao mesrr
constitucionalização foi, em contrapartida, levado adiante pela resposta ao provinciano. <
Tratado de Maastricht50 - cujo destino foi em larga medida determinado pelo Canadá na rec:
referendo realizado na França quanto à sua adoção.51 Como na América de 1787, de que suas a
o destino constitucional da Europa não estava mais nas mãos de uma pequena oposição tant
elite política negociando um tratado no sentido clássico; tornou-se uma questão algum pragm;:
de debate político de massa e decisão popular. enfrentado po
e especificar 1:
No interior dessa nova arena popular, questões relativas à identidade
adotado em s1
Européia inevitavelmente entraram em pauta. Para as elites diplomáticas,
za nesses doü
Maastricht foi apenas mais um passo no sentido de aprofundar a integração da
dos sobre o vc:
Europa; para os franceses comuns, porém, o referendo colocava uma questão
Minha at
muito diferente: deveriam eles apoiar um "novo começo" que expressava uma
melhores estu
identidade "Européia" que já começava a rivalizar com sua antiga identidade um problema <
"Francesa"? Uma questão similar esteve em jogo no debate americano entre então analisai
Federalistas e Anti-Federalistas durante as assembléias realizadas entre 1787 e antes de fazer
1790 em cada um dos 13 estados. Mais ainda: assim como no referendo francês, essas investig
os eleitores da Virgínia e de outros estados aprovaram por uma margem muito sem levar em
estreita um arranjo constitucional que, em última instância, absorveu um conti- mas mais gen
nente inteiro.52 Apesar disso, essa estreita vitória se mostrou suficiente para sus- Esse é o<
tentar o projeto para as gerações futuras. tunidades e pE
Embora a minha bola de cristal esteja nublada em relação ao futuro da de desenvolvi
Europa, arriscarei uma previsão: quaisquer passos adicionais no caminho do rentes estilos
aprofundamento da federação serão acompanhados por um maior uso de referen- "coordenador'
dos e outros processos constitutivos associados a "novos começos". Se "redentor" .53
Maastricht acabasse sendo o ápice da centralização, e cenários "involutivos" O estilo c
entrassem na ordem do dia, eu anteveria formas de negociação e ratificação mais borar prematu
típicas de tratados, e mais nenhum referendo. com o tempo J
A aversão judi
dos na perife
IV Criações Diferentes, Tribunais Diferentes?
Nesse caso, a
centro pode e
O Direito Constitucional Comparado está na sua infância, abrindo muitas
também dará
possibilidades de um começo em falso. Um erro possível é o nominalismo: mui- to episódico e
tas instituições se auto-intitulam "tribunais constitucionais", mas isso difícil- O cenáric
cial. Aqui, o ~

49 Ver J.H.H. Weiler, The Transformation of Europe, 100 Yale L.J. 2403, 2403-31 (1991).
50 Tratado sobre a União Européia e Ato Final, Feb. 7, 1992, 31 I.L.M. 274. 53 Para algum:
51 Alan Riding, Turmoil in Europe: French Approve Unity Treaty, But Slim Margin Leaves Doubts, ReconstructiJ
N.Y Times, Sept. 21, 1992, at A1. discurso leg;
52 Sobre a estreiteza da vitória popular no caso norte-americano, ver Ackerman & Katyal, supra Approach to
note 44, at 566 & n 259. doras de polí

108
A Ascensão do Constitucionalismo Mundial

'. Ao longo da mente as torna similares. Diferenças importantes são muitas vezes apagadas por
10r juízes - em invocações nada rigorosas de um rótulo comum.
9 processo de Ao mesmo tempo, deveríamos resistir às tentações de um particularismo
1 resposta ao provinciano. O constitucionalista seguramente encaixa a Suprema Corte do
mninado pelo Canadá na realidade canadense e dispensa, sem maiores reflexões, a mera idéia
.érica de 1787, de que suas atividades podem ser iluminadas por acontecimentos na Índia. Em
uma pequena oposição tanto ao nominalismo, quanto ao particularismo, estou oferecendo
• uma questão algum pragmatismo. Minha meta é identificar a) um ou outro problema comum
enfrentado por diferentes "tribunais constitucionais", para então seguir adiante
à identidade e especificar b) diferentes estratégias de adaptação que esses tribunais tenham
diplomáticas, adotado em suas tentativas de resolver tais problemas. Atingindo alguma clare-
integração da za nesses dois pontos, haverá esperança de conseguirmos insights mais profun-
dos sobre o valor comparativo de estratégias concorrentes de adaptação.
uma questão
Minha abordagem geral provavelmente já deve ser familiar. Boa parte dos
Jressava uma
melhores estudos comparativos segue um método similar, primeiro identificando
Ja identidade
um problema comum- por exemplo, a proteção da liberdade de expressão-, para
ericano entre então analisar diferentes soluções jurídicas propostas por diferentes tribunais,
: entre 1787 e antes de fazer um ponderado juízo sobre as melhores abordagens. Mas, no geral,
endo francês, essas investigações têm sido feitas em uma moldura excessivamente legalista,
targem muito sem levar em consideração como os tribunais têm tentado lidar com os proble-
1eu um conti- mas mais gerais que o seu ambiente político e institucional coloca.
•nte para sus- Esse é o objetivo dos meus dois cenários. Contribu em eles para definir opor-
tunidades e perigos com os quais os tribunais se deparam nos primeiros estágios
ao futuro da de desenvolvimento constitucional? No geral, os dois cenários incentivam dife-
caminho do rentes estilos de atividade judicial. O cenário de federalismo incentiva um estilo
>o de referen- "coordenador" de jurisdição; o cenário de "novo começo" incentiva um estilo
)meços". Se "redentor" .53
"involutivos" O estilo coordenador enfatiza a virtude da prudência. Ele se abstém de ela-
ificação mais borar prematuramente princípios rígidos e abrangentes, que podem ser erodidos
com o tempo pelas mutações no equilíbrio de poder entre a periferia e o centro.
A aversão judicial a princípios amplos pode ser exacerbada se os diferentes esta-
dos na periferia são dominados por culturas e tradições jurídicas diferentes.
Nesse caso, a confiante enunciação judicial de algum princípio abrangente no
centro pode entrar em conflito com uma outra das culturas constituintes. Isso
:indo muitas
também dará origem a uma grande dose de cautela, e somente um envolvimen-
alismo: mui-
to episódico e incerto com princípios abstratos.
isso difícil- O cenário de "novo começo" incentiva um tipo diferente de orientação judi-
cial. Aqui, o Thibunal procura demonstrar que os solenes compromissos feitos

1).
53 Para algumas relatas (mas não idênticas) dicotomias, ver, e .g., Bruce A Ackerman,
~eaves Doubts, Reconstructing American Law 1-5, 23-45 (1984) (contrastante modos "reativos" e "ativistas" de
discurso legal); Mirjan R. Damaska, The Fàces of Justice and State Authority: A Comparativa
~ Katyal, supra Approach to the Legal Process (1986) (contrastando as formas de atuação judicial "implementa-
doras de políticas" J"policy-implementing"l e "solucionadoras de conflitos" l"conflict-solving"l).

109
Bruce Ackerman

pelo Povo em sua constituição não são meras promessas de papel que podem ser Compare a caut€
convenientemente colocadas de lado por aqueles no poder. Dada essa aspiração, cial do estilo redento
o Tribunal redentor não se intimida quando precisa afirmar princípios constitu~ são no Caso Lüth, <
cionais abrangentes e implementá-los de maneiras que os homens e mulheres Código Civil Alemão
comuns apreciarão. Ao contrário: tais decisões dramáticas asseguram que o tentativa de organize
"novo começo" não é retórica política vazia, mas uma realidade viva da convivên~ tor de filmes nazista
cia social. É claro que um tribunal redentor vai reconhecer a virtude da prudên~ boicote anti-nazista,
cia em situações especiais. Mas, como regra geral, será dada uma importância só. Não apenas resg
muito maior à articulação e à implementação de princípios constitucionais. uma maneira que o
Entretanto, a variação presidencialista do cenário de "novo começo" pode Também resgatou a
definir uma importante exceção contextuai. Um sistema dominado por um presi~ para os juristas alen
dente carismático e um legislativo independente certamente vivenciarão níveis o texto central de Sl
extraordinariamente altos de conflito institucional. 54 Se os juízes tentarem "resol- ser lido à luz dos vc
ver" esses conflitos por meio da aplicação enfática de princípios abrangentes, eles taram as promessaE
poderão rapidamente descobrir que o tribunal está cometendo suicídio institucio~ tas. Em contraste, a
nal. Essa perspectiva pode muito bem engendrar o tipo de atividade jurisdicional Lüth até bem depoi
cautelosa e intersticial que o estilo coordenador recomenda como regra geral. mento da liberdade
Evidentemente, não há garantia de que um tribunal constitucional vá ado- Eu não preten
tar o estilo mais adequado à sua situação. O Tribunal da Rússia, por exemplo, dor dos dois cenári
cometeu um suicídio virtual nos primórdios do conflito entre Boris Yeltsin e o par- nalismo. Inúmeros
lamento, e a sua derrota55 lançará uma sombra sobre o controle de constitucio- juízes socializados
nalidade na Rússia- e talvez sobre outras nações da antiga União Soviética- por dica baseado em c
um longo período de tempo. Não obstante, eu identifico uma ampla tendência de tes daquelas de ju
a trajetória dos primórdios da jurisdição constitucional ser moldada pelo cenário jurídico arquitetôn
de fundação. lizam um "novo co
Veja o caso dos Estados Unidos. Apesar de sua fama, Marbury vs. mente diferentes c
Madison56 girava em torno de minúcias institucionais de pouco interesse para os
americanos comuns. Desde a Fundação até a Guerra Civil, permaneceu em aber~
to se a União federal tinha sido estabelecida por meio de um tratado ou uma
constituição; e, nesse período, a Suprema Corte foi sobretudo um tribunal coor-
denador- recusando-se a aplicar a Declaração de Direitos aos estados, e coor-
denando a luta do centro federal para afirmar uma incerta superioridade institu-
cional sobre os estados em um conjunto mutante de questões.57

54 Ver Bolivar Lamounier, Brazil: Toward Parliamentarism?, in Linz & Valenzuela, supra note 40, at
257-58.
55 A.V. Oblonsky, Russian Politics in the Time of Troubles: Some Basic Antinomies, in Russia in
Search of Its Future 22-25 (Amin Saikal and William Maley eds., 1995). ·
56 5 U.S. (1 Cranch) 137 (1803).
57 Esse é o grande tema de 1 Charles Warren, The Supreme Court in United States History (1926},
que enfatiza que, durante seu primeiro século, "os principais conflitos surgiram sobre as deci~
sões da Corte restringindo os limites da autoridade do Estado e não sobre aquelas restringindo
os limites do poder Congressual. O descontentamento com suas decisões nesse último assunto
surgiu não porque a Corte tenha sustentado que um Ato do Congresso era inconstitucional, mas, 58 Julgamento de
ao invés, porque ela se recusou a fazê~lo ... ". Id. em 5. Constitucional]

110
A Ascensão do Constitucionalismo Mundial

:>el que podem ser Compare a cautela da Suprema Corte dos Estados Unidos com a adoção ini-
ia essa aspiração, cial do estilo redentor por parte do Tribunal Constitucional Alemão em sua deci-
rincípios const itu- são no Caso Lüth, de 1958.58 As instâncias inferiores tinham interpretado o
>mens e mulheres Código Civil Alemão como suficiente para autorizar uma decisão impedindo uma
asseguram que o tentativa de organizar um boicote contra filmes produzidos por um notório dire-
viva da convivên- tor de filmes naz~sta. Ao afirmar a liberdade de expressão dos participantes do
irtude da prudên- boicote anti-nazista, o Tribunal Constitucional conseguiu duas coisas de uma vez
uma importância só. Não apenas resgatou as promessas constitucionais de um "novo começo" de
1stitucionais. uma maneira que os alemães comuns poderiam imediatamente compreender.
>vo começo" pode Também resgatou a Lei Fundamental de uma forma particularmente relevante
.ado por um presi- para os juristas alemães, que tinham anteriormente tratado o Código Civil como
vivenciarão níveis o texto central de sua tradição. Ao declarar que dali em diante o Código deveria
~s tentarem "resol- ser lido à luz dos valores estabelecidos na Lei Fundamental, os Ministros resga-
abrangentes, eles taram as promessas do "novo começo" t anto para os leigos, quanto para os juris-
suicídio institucio- tas. Em contraste, a Suprema Corte Americana não deu decisões como a do Caso
idade jurisdicional Lüth até bem depois de a República vivenciar pela segunda vez um "novo nasci-
10 regra geral. mento da liberdade", após a Guerra Civil.
~titucional vá ado- Eu não pretendo fazer alegações muito ambiciosas sobre o poder conforma-
>sia, por exemplo, dor dos dois cenários que têm caracterizado a ascensão do moderno constitucio-
>ris Yeltsin e o par- nalismo. Inúmeros outros fatores precisariam ser levados em conta. Por exemplo,
:>le de constitucio- juízes socializados na tradição Anglo-Americana de common law e raciocínio jurí-
.ião Soviética - por dico baseado em casos lidarão com os dois cenários de formas bastante diferen-
mpla tendência de tes daquelas de juízes socializados na tradição Franco-Germânica de raciocínio
!dada pelo cenário jurídico arquitetônico. Mas estarei errado em sugerir que constituições que sina-
lizam um "novo começo" na vida política oferecem desafios jurídicos qualitativa-
ma, Marbury vs. mente diferentes daqueles que emergem de uma dinâmica mais "federalística"?
interesse para os
::>
maneceu em aber-
:n tratado ou uma
um tribunal coor-
>S estados, e coor-
•erioridade institu-
_57

mela, supra note 40, at

1tinomies, in Russia in

:1 States History (1926),


:urgiram sobre as deci-
re aquelas restringindo
s nesse último assunto
~ inconstitucional, mas, 58 Julgamento de Jan. 15, 1958, Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts {Tribunal Federal
Constitucional! 7, 198.

111

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