Psicolinguística 01

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 18

Faculdade Madre Tereza

Licenciatura Plena em Letras


Psicolinguística
Profª. Esp. Elizângela Miranda

Unidade 1

Antecedentes Filosóficos e Históricos

Antes de iniciarmos a abordagem sobre as duas disciplinas que geraram a


psicolinguística, precisamos trazer à baila alguns conceitos básicos que nos ajudarão entender
as idéias que subjazem o desenvolvimento filosófico e mesmo iniciaram as discussões sobre
pensamento e linguagem [verbal].
Trata-se de visões dialéticas que se erigiram em Platão e Aristóteles e, até hoje,
influenciam muitas vertentes nas ciências humanas. Elas podem ser divididas em duas visões:
A visão empiricista e a visão racionalista.
A visão empiricista acredita que adquirimos o conhecimento por meio da observação e
da experiência. Essa visão se origina em Aristóteles que acreditava que “a realidade situa-se
somente no mundo concreto de objetos que nossos organismos percebem” (Sternberg,
2000:23).
Já a visão racionalista utiliza o método introspectivo lógico para compreender o
mundo e as relações das pessoas com ele. Essa visão é adotada por Platão que acreditava que
a realidade reside nas formas abstratas que os objetos representam em nossas mentes. “Os
racionalistas, portanto, tendem geralmente a deduzir exemplos específicos de um fenômeno,
baseados em princípios gerais” (op. cit, p. 23).
Outra dualidade que repercute até os nossos dias, concerne à origem das idéias. Para
Platão as idéias são inatas e, por meio da introspecção pode-se chegar à verdade sobre a
mente. Para Aristóteles as idéias são adquiridas a partir da experiência.
Essas duas concepções influenciam, até hoje, algumas vertentes das ciências
modernas. Na verdade, a bifurcação dialética desses antecedentes gregos pode ser aproximada
nos estudos das ciências modernas, resultando de uma síntese entre fatores inatos e
adquiridos.
A visão aristotélica influenciou alguns filósofos como Locke, originando sua
concepção de tabula rasa (quadro em branco) que acredita que os homens nascem sem
conhecimento.
Em oposição, Descartes, após muitas reflexões, chegou à conclusão de que as idéias
são inatas e que os sentidos são enganosos e incertos e não favorecem uma via segura para
acessar o conhecimento através das informações que os perpassam.
Numa síntese dessas duas vias: a empirista e a racionalista, no século XVIII, Kant
iniciou uma convergência dialética entre as questões inatas e adquiridas. Para ele ambas
devem andar juntas, na busca pela verdade.
E hoje, como essas idéias são aceitas? É o que aprenderemos a seguir.

1.1. O período Embrionário

Neste tópico entenderemos como essas correntes filosóficas, acima descritas,


influenciaram o desenvolvimento dos estudos psicolinguísticos.
A fase que antecede a concepção da psicolinguística como disciplina científica,
circunscreve-se num momento em que Psicologia e Lingüística, sem ainda estarem firmadas
como disciplinas autônomas, abordavam a questão central sobre a relação pensamento e
linguagem, denominada Psicologia de Linguagem.
Vamos entender melhor quais os princípios que eram fecundados no seio de cada uma
dessas disciplinas.

1.1.1 Os genes da Psicologia


Segundo Sternberg (2000), a Psicologia moderna começou de uma fusão entre a
filosofia e a fisiologia (medicina). A filosofia vista como introspecção e a fisiologia como
empirismo. Ele diz que:
À medida que a psicologia se tornou crescentemente uma disciplina científica
focalizada na mente e no comportamento, ela divergiu gradualmente da
filosofia e da medicina. Atualmente, embora a psicologia, a filosofia e a
medicina estejam essencialmente separadas, não o estão de forma tão
completa, pois muitas questões psicológicas permanecem arraigadas em temas
tanto filosóficos quanto fisiológicos, com relação a vários aspectos da
cognição (2000:25)
O duplo foco: mente e comportamento gerou uma bifurcação entre duas perspectivas:
 A primeira visa compreender a mente humana pelo estudo de suas estruturas
(configuração dos elementos) como fazemos ao estudar as estruturas anatômicas do
corpo;
 A segunda estuda as funções de cada organismo, ou seja, o processo como é realizado
no estudo da fisiologia.
Dessas duas perspectivas foram derivadas três correntes de pensamento: o
estruturalismo, o funcionalismo e o associacionismo.
O Estruturalismo, como o nome sugere, busca entender “a estrutura da mente e suas
percepções, analisando tais percepções em seus fatores constituintes” (op. cit., p. 25).
Um dos principais precursores dessa corrente foi o psicólogo alemão Wundt (1832-
1920)1 que se interessou “pelos fenômenos da linguagem procurando neles a chave da psique
humana” (Titone, 1983:18).
O Funcionalismo focaliza os processos de pensamento e não seu conteúdo, ou seja,
como a mente funciona.
Pelo fato de os funcionalistas utilizarem uma série de métodos com o objetivo de
chegar às respostas desejadas, originou-se a visão pragmática, sendo William James (1842-
1910)2 um dos primeiros seguidores dessa orientação.
Os pragmáticos se interessam em saber o que as pessoas fazem e como esse
conhecimento pode ser aplicado às questões práticas, como por exemplo, o desempenho
escolar das crianças (Sternberg, 2000:27)
O Associacionismo acredita na síntese integradora entre os fatos ou as idéias e sua
associação na mente que resultam numa forma de aprendizagem. Um dos associacionistas,
Hermann Ebbinghaus (1850-1909)3, no final de 1800, aplicou sistematicamente esse princípio
estudando seus próprios processos mentais através de técnicas experimentais rigorosas.
Outro associacionista, Edward Lee Thorndike (1874-1949)4 acreditava que “um
organismo aprende a responder em uma determinada maneira (o efeito), em uma dada
situação, se for repetidamente recompensado por fazer isso (a satisfação, que serve como um
estímulo para as futuras ações)” (op. cit, p. 28).
Uma versão extrema do associacionismo é o behaviorismo que focaliza a associação
entre um estímulo observado a uma resposta também observada. Skinner (1904-1990)5 foi um
dos teóricos mais radicais, sugerindo que todo comportamento humano poderia ser explicado
pelas relações estímulo-resposta, sendo essas verificáveis por meio da observação do

1
Wilhelm Maximilian Wundt foi um médico, filósofo e psicólogo alemão. É considerado um dos fundadores da
moderna psicologia experimental.
2
Filósofo e psicólogo norte americano, considerado, ao lado de Charles Sanders Peirce um dos fundadores do
pragmatismo. Ele escreveu livros influentes sobre a jovem ciência da psicologia, as variedades da experiência
religiosa e do misticismo e a filosofia do pragmatismo.
3
Psicologo alemão e primeiro autor na psicologia a desenvolver testes de inteligência.
4
Psicólogo americano que esteve na origem do condicionamento operante, sustentado mais tarde por Skinner.
5
Burrhus Frederic Skinner foi um autor e psicólogo estadunidense. Ele conduziu trabalhos pioneiros em
psicologia experimental e foi o propositor do Behaviorismo Radical, abordagem que busca entender o
comportamento em função das interrelações entre história filogenética e ambiental do indivíduo.
comportamento animal. Assim, rejeitando mecanismos mentais, ele aplicou genericamente
esse modelo à aprendizagem, à aquisição de linguagem e ao comportamento social humano.

1.1.2 Os genes da Linguística


Para uma revisão de alguns assuntos abordados neste capítulo, leia o seguinte texto:

VIOTTI, Evani – Texto base da disciplina de introdução aos estudos lingüísticos.

Da mesma forma que a psicologia, a linguística foi influenciada por antecedentes


históricos que remontam a filosofia platônica. Nascia, nessa fase, duas visões opostas sobre
linguagem: a linguagem como fonte de conhecimento ou como simples meio de comunicação
(Weedwood, 2002:24).
A linguística histórica passou por várias transformações desde os gramáticos gregos e
romanos até o século XIX quando se firmou como ciência autônoma. De uma disciplina
normativa que visava regras para distinguir as formas corretas e incorretas, transformou-se em
instrumento de fixação, interpretação e comentário de textos; dessa fase passou para o período
da filologia comparativa, na tentativa de se buscar uma língua mãe da qual todas as outras
teriam derivado. Weedwood (2002:103) assim define esse último período, denominando-o de
“a lingüística no século XIX”:
(...) a mais extraordinária façanha dos estudos lingüísticos do século XIX foi o
desenvolvimento do método comparativo, que resultou num conjunto de
princípios pelos quais as línguas poderiam ser sistematicamente comparadas
no tocante a seus sistemas fonéticos, estrutura gramatical e vocabulário, de
modo a demonstrar que eram ‘genealogicamente’ aparentadas.
Até aqui a língua era vista como produto, mas Humboldt (1767-1835)6 começou a ver
a língua de uma perspectiva diferente: a) a de que ela teria duas formas: uma externa - os sons
- e uma interna - sua estrutura, sua gramática e seu significado (Weedwood, 2002:108) e b) a
de que ela é um processo dinâmico, uma atividade (energeia), definida como a capacidade do
espírito humano de usar sons articulados para expressar um número infinito de sentenças
(Scliar-Cabral, 1991:10). As idéias de Humboldt foram absorvidas pelo psicólogo Wundt e se
estenderam para o estruturalismo linguístico e para as gramáticas gerativas.

6
Friedrich Wilhelm Christian Karl Ferdinand, Barão von Humboldt, funcionário do governo, diplomata,
filósofo, fundador da Universidade de Berlim (hoje, Humboldt-Universität). É principalmente conhecido como
um lingüista alemão que fez importantes contribuições à filosofia da linguagem, à teoria e prática pedagógicas e
influenciou o desenvolvimento da filologia comparativa.
Na disciplina “introdução aos estudos linguísticos”, ministrada no primeiro semestre,
foram descritas as contribuições de dois lingüistas muito importantes que absorveram as
idéias de Humboldt. Saussure e Chomsky partem de algumas concepções humboldianas para
criar suas dicotomias sobre seu objeto de estudo.
A partir de agora recordaremos alguns dos conceitos de Saussure que muito contribuiu
para o desenvolvimento da ciência linguística.
Como foi visto na disciplina acima citada, Saussure é considerado o pai da linguística
e que, a partir de suas concepções sobre língua e linguagem, a corrente estruturalista foi
instaurada, delimitando o objeto e método da lingüística enquanto ciência autônoma. Como
bem salienta Viotti:
É no contexto desses estudos histórico-comparativos que Saussure lança suas
idéias sobre a língua e sobre a linguagem. A partir desse momento, os estudos
lingüísticos começam a adquirir um caráter mais profundo e abstrato. Eles
deixam de se concentrar na comparação de manifestações externas de várias
línguas, e passam a se interessar pela língua como um sistema de valores
estruturado e autônomo, que é subjacente a toda e qualquer produção
lingüística, seja ela feita em português, em inglês, em francês, em ASL, em
libras, ou em qualquer outra língua. Aí a lingüística passa a ser concebida
como uma ciência: ela não só descreve fatos lingüísticos, mas busca uma
explicação coerente para sua ocorrência.
Como podemos verificar a corrente estruturalista, vista anteriormente na Psicologia de
Wundt, repercutiu também nos estudos lingüísticos. Saussure tenta, assim, compreender a
língua estudando as partes internas do fenômeno lingüístico, isolando, pois a estrutura
(langue) de sua matéria (parole). Segundo Peterfalvi (1970:22)
O signo é, para Saussure, uma entidade bifacial psicológica, que compreende
um significante e um significado. Para a linguagem vocal humana, o
significante é uma “imagem acústica” e o significado um “conceito”. No
domínio extralingüístico, há um referente que corresponde ao conceito (por
exemplo, a árvore é um objeto, oposta ao conceito “árvore”) e por outro lado
ao significante corresponde a realidade material de sua realização (o
significante é, por exemplo, a imagem genérica do som b interiorizada pelo
sujeito, que cumpre distinguir a realidade acústica desse som efetivamente
emitido). Referente e realidade material do significante não fazem parte,
portanto, do signo propriamente dito.
Para Saussure, o conceito suscita no cérebro um fenômeno inteiramente psíquico e
isso é possível porque a língua é antes de tudo um sistema representado no cérebro dos
interlocutores. Embora afirme a existência do fenômeno material, a propriedade psicológica é
que será considerada em sua teoria.
A corrente estruturalista também teve seus representantes nos Estados Unidos: Edward
Sapir (1884-1939)7 e Leonard Bloomfield (1887-1949)8. Este último recebeu influência da
psicologia da linguagem de Wundt, no entanto, numa abordagem completamente
contraditória, em 1933, ele publicou um segundo livro com cunho totalmente behaviorista
(Scliar-Cabral, 1991).
Assim se definiam as duas ciências que originaram a nova disciplina cientifica, mas,
embora houvesse psicólogos que se baseavam nas teorias linguísticas e linguistas que
adotavam os princípios teóricos da psicologia, o diálogo entre as duas não se efetivava.
Segundo Baliero Jr. (2003:173):
Na Psicologia, os estudos buscavam estabelecer as relações entre a
organização do sistema lingüístico e a organização do pensamento, por meio
do recurso à teoria e à pesquisa lingüística (...) Na Lingüística, por outro lado,
já havia uma busca anterior pela teoria psicológica, especialmente por meio
dos introdutores do método histórico em Lingüística, entre os quais Hermann
Paul, que tentaram apoiar no associacionismo psicológico suas explicações
para as mudanças linguísticas.
A solidificação das duas áreas, enquanto ciências que se interessavam pelos aspectos
da linguagem verbal, induzia à busca de uma linguagem comum entre ambas, mas isso não se
efetivou de forma consistente em parte pela ascensão do comportamentalismo em Psicologia e
o conseqüente abandono dos métodos instrospectivos e, por outro lado pelo fato de
estruturalistas como Bloomfield (1933) eliminarem a semântica do escopo da pesquisa
lingüística (Scliar-Cabral, 1991; Baliero Jr., 2003).
No próximo capítulo vamos entender como, finalmente, as duas áreas somaram seus
esforços num momento histórico-geográfico específico que lhes serve como pano de fundo e
como mola propulsora ao desenvolvimento de novas reflexões sobre a linguagem verbal.

Unidade 2
O nascimento da Psicolinguística

7
Edward Sapir foi um antropólogo e linguista alemão de origem judaica.
8
Leonard Bloomfield é considerado o fundador da lingüística estrutural norte-americana.
Como vimos a concepção avant la lettre da nova disciplina se originou no seio das
duas ciências que lhes deu origem. Como o momento histórico exigia o desenvolvimento de
novos mecanismos de comunicação e, portanto, de novas abordagens sobre a linguagem
verbal, psicólogos e linguistas resolveram dialogar e iniciar uma cooperação. Podemos dividir
esse desenvolvimento histórico em dois momentos que veremos neste capítulo.

2.1 O registro
Para contextualizar um pouco sobre os fatos históricos e as mudanças que sofria a
sociedade naquela época, podemos citar o fato de que após a Segunda Guerra Mundial havia
uma necessidade premente de desenvolver o conhecimento sobre os sistemas da informação.
Assim, a denominada “teoria da informação” que desenvolvia mecanismos de transmissão
mecânica de mensagens contribuiu para a mudança do quadro dos estudos da comunicação.
Elaborada por Shanon e Weaver, em 1949, essa teoria consistia em resolver problemas
levantados pelas telecomunicações (Peterfalvi, 1970:25).
Os termos ‘transmissor’, ‘codificação’, ‘canal’, ‘receptor’ e ‘descodificação’, dentro
dessa teoria, eram transformações das vibrações do ar provocadas por sinais sonoros em sinais
elétricos (codificação) que passavam por um canal e eram reconvertidas em vibrações
passíveis de serem percebidas por um receptor (descodificação). Assim, adotando os termos e
o esquema idealizado pelos técnicos da informação, Osgood e seus colaboradores propuseram
um novo esquema aplicado à comunicação humana em que haveria um input ou estímulo
auditivo ao qual o indivíduo é exposto, um receptor que se trata do sistema perceptivo que
“decodifica” o estímulo, uma destinação e uma fonte que correspondem ao componente
cognitivo do sujeito. Por fim, o transmissor “codifica” aquilo que quer dizer em forma de
comportamentos motores que resultam no output do sistema, ou seja, sua resposta (ibidem, p.
26-7).
Nesse contexto, a colaboração interdisciplinar entre psicólogos e lingüistas foi
principalmente motivada pelo aumento do acervo de pesquisas e teorias que viabilizaram a
tentativa de união das duas áreas que, nesse momento, recebiam forte influência da Teoria da
Informação. Devido essa interdisciplinaridade, a Psicolinguística é, simultaneamente,
psicologia e lingüística e trata-se de uma disciplina científica relativamente nova que se
consubstanciou em dois importantes seminários, onde se reuniram alguns representantes da
psicologia, da lingüística e da antropologia.
Foi uma longa gestação até o marco que aconteceu num seminário de verão da
Universidade de Cornell em 18 de junho a 10 de agosto de 1951. Nesse encontro, alguns
especialistas concluíram que ela estava pronta para vir à luz do mundo científico. Assim, seu
registro como ciência autônoma se firmou em outro encontro de verão na Universidade de
Indiana em 1953.
Os estudiosos responsáveis pelo seu nascimento foram Psicólogos como C.E Osgood,
J. B. Caroll, G. A. Miller e lingüistas como T.E. Sebeok, F.G. Lounsbury. Dessa colaboração
originou-se um livro: Psycholinguistics, o qual lançou as bases programáticas e a tentativa de
síntese das teorias multidisciplinares que as embasaram.
Dadas essas noções, a psicolingüística, tomando como base a historicidade que é
pertinente ao seu aparecimento, justifica sua importância por vir de encontro às tendências e
necessidades que se manifestaram nas ciências humanas da década de 50.

2.2 A mudança Chomskyana


Há um consenso que caracteriza o lingüista Noam Chomsky como um dos promotores
de uma revolução na Lingüística e que, evidentemente, refletiu na Psicolingüística (Slama-
Cazacu, 1979; Scliar-Cabral, 1991; Kess, 1992).
Para entendermos a importância das concepções chomskyanas, precisamos situar qual
era o contexto das pesquisas em psicologia comportamental da época em que o behaviorismo
era uma vertente dominante da psicologia e que vigorou por muitas décadas.
Em 1957, Chomsky publica Syntact Structures, lançando os fundamentos da sua
Gramática Gerativa Transformacional, em seguida, com uma publicação crítica à obra Verbal
Behavior de Skinner, em 1959, Chomsky abala os fundamentos comportamentalistas e
promove uma grande mudança no campo da Psicolinguística. Com isso, ocorre uma guinada
do enfoque empiricista para o enfoque racionalista que usa o método introspectivo lógico para
formular hipóteses empiricamente testáveis sobre o conhecimento lingüístico (Scliar-Cabral,
1991:20). Segundo Viotti,
Para Chomsky, a língua é um sistema de princípios radicados na mente
humana. É esse sistema de princípios mentais que é o objeto de estudo da
Gramática Gerativa. Por isso, dizemos que a Gramática Gerativa é uma teoria
mentalista. Ela não se interessa pela análise das expressões lingüísticas
consideradas em si mesmas, separadas das propriedades mentais que estão
envolvidas em sua produção e compreensão. Ela também não se interessa pelo
aspecto social que a língua apresenta. Seu foco está no aspecto mental da
língua.
É via Chomsky que a idéia de energeia de Humboldt ressurge, pois considera a língua
enquanto atividade dinâmica. Ele não empresta nenhuma importância à teoria do signo e
confere à língua as propriedades da recursividade e da criatividade. No âmbito de sua
gramática gerativa, o homem é dotado de uma faculdade de linguagem, uma dotação genética,
cujo desenvolvimento resultará em certa competência lingüística.
Segundo Chomsky, os métodos indutivos não podem explicar quais os conhecimentos
lingüísticos que os indivíduos possuem de sua língua. Sendo assim, ele sugere que um modelo
lingüístico deve utilizar o método hipotético-dedutivo e que possa fornecer hipóteses
empiricamente testáveis desse conhecimento armazenado.
Devido a convergência para a teoria com base racionalista, Chomsky promove a
adoção de uma nova corrente em psicolingüística denominada cognitivista. Com isso, criou-se
uma subdivisão da psicolingüística: a cognitivista e a experimental.
De acordo com Chomsky, lingüística é uma parte da psicologia cognitiva teórica que
dá conta do conhecimento que um falante tem da sua língua – a sua competência. No entanto,
ele acredita que ela não deva explicar como a língua é usada. Ela descreve somente o
conhecimento relativamente estático armazenado na sua faculdade mental. Para ele, a
explicação do uso lingüístico é de responsabilidade da psicolinguística que descreve o acesso
e a utilização desse conhecimento armazenado na faculdade de linguagem.
Com relação aos processos subjacentes da linguagem verbal, devemos esclarecer aqui
o conceito de gramática que é uma das importantes contribuições do teórico para a
psicolinguística.
Iniciada em 1950 e 1960, Chomsky produziu uma série de pesquisas empíricas sobre
os modelos de gramática. Ele mesmo modificou essa noção ao longo das evoluções de seus
modelos. Primeiramente era um conjunto de regras organizadas na mente e se confundia
muito com a noção de conhecimento. Em seguida, ao invés de regras há princípios – os
chamados universais lingüísticos que são propriedades comuns a todas as línguas.
Apesar de todas as alterações que Chomsky aplicou ao seu modelo de 1957,
experimentos foram conduzidos com o intuito de comprovar a sustentabilidade de sua teoria,
dos quais podemos citar os seguintes trabalhos:

2.2.1 Experimentos sobre as unidades sintáticas


Tendo como base as gramáticas gerativas e transformacionais, alguns trabalhos
buscavam compreender a realidade psicológica das sentenças nucleares.
- Em 1962, Miller busca provar a realidade psicológica das sentenças nucleares, pedindo que
sujeitos emparelhassem listas de sentenças ativas, passivas e negativas, medindo o tempo de
resposta para cada uma. Segundo sua hipótese, a complexidade exigiria um número maior de
transformações e, consequentemente, um tempo maior de processamento e resposta;
- Em 1963, Miller e Isard tentaram mostrar a importância das estruturas sintáticas na
compreensão de sentenças submetendo seus sujeitos a listarem o maior número possível de
palavras que tivessem ouvido em enunciados de extensões semelhantes, sob condições de
silêncio e com ruído.
Experimentos desse tipo foram contestados pelo fato de não levarem em consideração
outras variáveis de ordem semântica ou pragmática, o que comprometeu a validação das
hipóteses.
A maior parte dos experimentos das décadas de 50 e 60 se aplicava à validação da
teoria Chomskyana, basicamente no nível das estruturas sintáticas. As suas concepções sobre
o inatismo e sobre a criatividade lingüística foram usadas como referencial teórico nas
pesquisas em aquisição de linguagem. Isso gerou uma subordinação da psicolinguística ao
modelo gerativo, o que acarretou uma reação a esse modelo dominante. Com isso, algumas
propostas se descentraram um pouco da análise sintática para abarcar outros fenômenos, dos
quais temos alguns exemplos abaixo.

2.2.2 Experimentos sobre as unidades perceptuais


As propostas sobre as unidades perceptuais, inicialmente, foram uma tentativa de
conciliar os modelos da segunda geração de psicolingüísticas à teoria chomskyana. Com isso,
novas hipóteses foram formuladas a fim de mostrar a correspondência das unidades
perceptuais às estruturas de superfície.
- Em 1965 e 1966, Gough pediu para que os sujeitos julgassem verdadeiro ou falso algumas
figuras emparelhadas com sentenças passivas e ativas. Os experimentos comprovaram que o
tempo de resposta para as sentenças passivas era maior.
- Os experimentos que consistiam na utilização de cliques em passos das sentenças foram
usados em 1965 por Fodor e Bever e refinados em 1966 por Garrett, Bever e Fodor. Com essa
técnica eles constataram que os sujeitos, que deveriam identificar os cliques após haverem
escrito a sentença, recolocavam-nos sempre na juntura que separavam os constituintes
maiores da sentença;
- Em 1967, Mehler, Bever e Carey demonstram que as fixações oculares durante a leitura é
uma estratégia que depende de todos os níveis da estrutura sintagmática de superfície das
sentenças (em Scliar-Cabral, 1991).
Apesar dos esforços de validação do modelo, uma crise surgiu no seio da teoria
gerativa transformacional, trazendo à tona os dilemas da psicologia experimental. Com isso,
alguns dos pesquisadores dessa segunda geração começaram a expandir seus modelos como o
fizeram Fodor e Garett (1967) e Fodor, Garrett e Bever (1968) que apresentaram novos
modelos de estratégia de processamento. E mais marcadamente autônomo, tanto da lingüística
como dos modelos chomskyanos, o modelo de Bever (1970), cuja preocupação era
demonstrar as relações entre os mecanismos perceptuais e as estruturas conceituais.
Falamos até aqui sobre estudos realizados em países europeus e norte-americanos, mas
eles tiveram reflexos aqui no Brasil, vamos nos inteirar a respeito no próximo tópico.

2.3 Desenvolvimento dos estudos psicolinguísticos no Brasil


Numa entrevista à Revista Revel, Leonor Scliar-Cabral, a maior psicolinguista
brasileira, circunscreve o desenvolvimento no campo desta ciência aqui no Brasil. Segundo
ela, os primeiros estudos que impactaram a área das pesquisas psicolingüísticas no Brasil se
originaram com os esforços acadêmicos de mestrandos e doutorandos, nos anos setenta.
Assim, podem ser encontradas teses e dissertações sobre a aquisição de linguagem, tais como
os de: Lemos (1987 [1975]), com doutorado na Universidade de Edinburgh, orientada por
Lyons; Scliar-Cabral (1977a, b, c), com doutorado na USP, orientada por Geraldina Witter e
Albano (1975, então Motta Maia), mestre pela UFRJ, orientada por Heye e, posteriormente,
doutorada pela Universidade de Brown.
Esses precursores orientaram dissertações e teses de jovens pesquisadores e estes, por
sua vez, tornaram-se líderes de outros pesquisadores em outros importantes centros de
pesquisa, tornando o campo atual fecundo e com teorias renovadas.
No próximo capítulo vamos entender que tipos de mudanças metodológicas ocorreram
a partir dos avanços da área e das novas perspectivas de análise acima apresentadas.

Unidade 3

Psicolinguística - delimitação do objeto de estudo e metodologia


Sugestão de leitura

SCLIAR-CABRAL, Leonor. Introdução à Psicolingüística, capítulo 3

No prefácio de seu livro Introdução à Psicolinguistica, Slobin (1980) declara que “o


estudo da língua permeia cada aspecto do estudo do pensamento, sentimento, comportamento
e desenvolvimento humano”. Diante dessa evidência, a colaboração entre psicologia e
lingüística se fazia necessária, considerando o fato de que elas se interessavam por um mesmo
objeto de estudo multifacetado e passível de vários recortes: a linguagem verbal.

3.1 A aproximação dos pontos de vista e a redescoberta do objeto


De um lado a lingüística investiga o sistema geral do código e a organização
paradigmática e sintagmática dos seus elementos. Os lingüistas se empenham na descrição
formal da estrutura da língua criando teorias. Uma teoria lingüística deve descrever o que os
falantes e sinalizantes conhecem sobre suas línguas e a sua formalização oferece à psicologia
uma estrutura que permite a divisão dos componentes do processamento de linguagem verbal
(fonética, fonologia, sintaxe, etc) e as relevantes representações mentais (nome, frase,
categoria vazia, papel temático, etc) (Cutler, 2005:24).
De outro lado a psicologia estuda a organização dos processos de emissão e recepção,
de codificação e de decodificação da linguagem verbal com base em fenômenos psíquicos. Os
psicólogos querem saber como as estruturas lingüísticas são adquiridas pelas crianças e como
são empregadas nos processos da fala/sinalização, da compreensão e lembrança. A psicologia
provê a lingüística com metodologias para investigação dos processos cognitivos de
aquisição, compreensão e produção.
Assim, a psicolingüística tem interesse em saber “como a estrutura lingüística está
ligada ao uso da linguagem [verbal]. Ela quer entender e explicar a estrutura mental e os
processos envolvidos no uso de uma língua.” (Scliar-Cabral, 1991:9). Os psicolinguistas se
interessam pelo conhecimento e capacidades subjacentes que a pessoa deve ter para usar uma
língua e para aprender a usá-la na infância ou na aquisição de novas línguas.
A tarefa do psicolinguista é de construir modelos de processos que fazem uso, a todo
instante do conhecimento armazenado. A psicolingüística representa uma tentativa empírica,
no sentido de caracterizar aquilo que se deve saber a respeito de uma língua, para usá-la.
Como já abordamos, as primeiras obras de Chomsky foram, sobretudo, críticas às
concepções mecanicistas de Skinner. Assim, Verbal Behavior marca o esgotamento da
primeira fase da psicolingüística, abrindo o cenário para uma fase que sofre um grande
impacto sob o ponto de vista epistemológico e metodológico (Scliar-Cabral, 1991:20).
Além disso, uma nova abordagem sobre a linguagem verbal estava sendo difundida
naquele momento. Vamos saber um pouco sobre seus fundamentos.

3.1.1 A abordagem funcionalista


Com a delimitação do escopo de análise do seu objeto, a psicolingüística precisou ir
além dos exemplos idealizados por teoristas como Chomsky e Saussure, pois ambos
descartaram o uso efetivo de uma dada língua para compreender os processos heteróclitos
envolvidos na sua produção e recepção, além dos aspectos funcionais.
No âmbito do funcionalismo da linguagem verbal, uma escola se dedicou aos aspectos
pragmáticos da língua:
Foi no seio da Escola de Praga que o funcionalismo, combinado com estruturalismo,
ganhou força. Havia ali muitos pesquisadores importantes, dentre eles Karl Bühler (1879-
1963)9 que reconheceu três tipos gerais de funções da linguagem: a) função cognitiva; b)
função expressiva e c) função conativa.
Função cognitiva  refere-se à transmissão de informação factual

Função expressiva  indica a disposição de ânimo ou atitude do locutor ou escritor

Função conativa  seu uso serve para influenciar a pessoa com quem se está falando,
ou para provocar algum efeito prático
Outro nome de destaque dessa escola é Jakobson (1896-1982)10 que ampliou a tríade
de Bühler, definindo os atores e contexto das mensagens e introduzindo mais três tipos de
funções da linguagem:
- Função referencial ou denotativa (corresponde à função cognitiva) está centrada no
referente;
- Função emotiva ou expressiva, centrada no destinador (ou emissor) da mensagem;
- Função conativa, que se orienta para o destinatário;

9
Karl Bühler foi um psicólogo e psiquiatra alemão. Membro da escola de Würzburg, estudou os mecanismos do
pensamento e da vontade e dedicou-se à psicologia da forma.
10
Roman Osipovich Jakobson foi um pensador russo que se tornou num dos maiores lingüistas do século
XX e pioneiro da análise estrutural da linguagem, poesia e arte.
Função fática  centrada no contato (físico ou psicológico); manifesta o desejo e a
necessidade de comunicar;

Função poética  que se centra na própria mensagem. É um suplemento de sentido


para a mensagem que é acrescida de mudanças estruturais, tonalidades, ritmos e
sonoridade;

Função metalinguística  centrada no código. É acrescida à mensagem com o


objetivo de explicar ou precisar o código utilizado pelo destinador. É a linguagem que
fala da própria linguagem.
Essa escola também desenvolveu vários trabalhos em fonologia associados aos nomes
11
de Jakobson e Trubetzkoy (1890 -1938) que desenvolveram a noção de feixes de traços
distintivos aos fonemas, ou seja, cada fonema é composto por um número de características
articulatórias, o que o distingue de outros fonemas.
Aliás, segundo Scliar-Cabral (1991), Jakobson trouxe grandes contribuições para
tópicos da Psicolingüística, tais como a aquisição de linguagem e temas sobre a afasia (1971,
1972).
A abordagem ao funcionalismo foi aqui brevemente introduzida pelo fato de que suas
contribuições dirigem um novo olhar ao objeto da lingüística sob a perspectiva dinâmica e
funcional da língua.
Vamos ver como essa nova perspectiva repercutiu nas teorias, favorecendo a
ampliação do escopo do objeto de estudo e, consequentemente, a mudanças metodológicas.

3.2 Metodologias adequadas ao novo enfoque

Sugestão de leitura

SCLIAR-CABRAL, Leonor. As necessidades da pesquisa experimental em


Psicolinguistica no Brasil. Cadernos de Estudos Lingüísticos, nº 40, jan./jun. 2001, p.
7-15, Universidade Estadual de Campinas

11
Nikolay Sergeyevich Trubetzkoy foi um lingüista russo cujos preceitos formaram o núcleo do Círculo de
Praga de lingüística estrutural. Ele é amplamente considerado o fundador da morfofonologia.
A linguagem verbal12 é um conjunto de conhecimentos representados no cérebro de
quem fala ou sinaliza, são estruturas e processos subjacentes ao ato de produzir e de entender
uma língua como o inglês, francês, libras, ASL, etc. A separação dicotômica entre a
“langue/competência” e a “parole/performance” deixou de considerar os comportamentos
abertos expressos no uso de uma língua para se concentrar a esses processos subjacentes
acima descritos. Assim, a psicolinguística explica o uso concreto da língua – sua performance
ou desempenho lingüístico, segundo a concepção de Chomsky (Garnham, 1968: 4).
Com um novo enfoque para com a linguagem, a psicolinguística, da mesma forma que
a sociolingüística e a análise do discurso (conversacional) tem contextualizado seus dados e
usado a fala espontânea como base de dados, exigindo uma adequação metodológica para sua
análise.
São inúmeros os tipos de conhecimento que interagem na comunicação real – o
conhecimento da fonologia, da sintaxe, da semântica, da pragmática, das convenções sociais,
do mundo físico, da personalidade, etc. Para que houvesse um rompimento em estudar a
língua como algo estático e estrutural, fruto também de uma visão racionalista que encerra a
língua em modelos fechados, a psicolingüística necessitou também uma metodologia
interdisciplinar, justificada pela necessidade histórica e pela redescoberta do objeto língua,
revista agora sob um ângulo da dinamicidade e complexidade. De acordo com Slama-Cazacu
(1979:37):
Tornava-se necessário que, ao abordar a linguagem dentro de uma perspectiva
diretamente ligada à realidade, aparecesse claramente sua finalidade social (a
comunicação) e seus determinantes sociais bem como a importância do papel
desempenhado pelo sistema de signos utilizado (o “código”) em especial, o
sistema verbal, lingüístico, ou a “língua”. Em conseqüência, o estudo
psicológico deveria recorrer também a uma analise dos fatos da língua criados
pela atividade da linguagem e utilizados durante esta atividade.
Com vistas a desenvolver o novo enfoque, os métodos de análise e descrição
precisavam mudar. Como bem salienta Scliar-Cabral (1991:9),
No que diz respeito ao objeto da psicolingüística, é exatamente o enfoque
diferente para com a linguagem que demarcará as fronteiras às vezes tênues
que a separam das duas ciências que lhe deram origem (...) e no seu seio, as

12
Para este espaço, faço aqui uma distinção dos termos língua e linguagem verbal: devido ao uso polissêmico do
termo língua, que tanto pode ser o órgão musculoso situado na cavidade bucal, como sinônimo de idioma ou
ainda princípios subjacentes à mente. Assim, nesse trabalho utilizaremos o termo linguagem verbal para designar
o conhecimento de regras que o falante/sinalizante tem armazenado na sua mente e língua equivalente ao código
oral ou sinalizado. Fala ou sinalização é um comportamento observável, produção de sons significativos.
diversas subdivisões, determinadas pelo aprofundamento e pela
especificidade, mas igualmente pela heterogeneidade dos vários subcampos
que a compõem. Com efeito, a abrangência da psicolingüística, decorrente dos
processos heteróclitos envolvidos na recepção e produção das mensagens,
obriga a uma especialização de seus cientistas, com a utilização de métodos
diferentes, decorrentes não só do subcampo objeto de investigação quanto,
também (...) das teorias epistemológicas que endossam.

Hoje em dia, a maioria dos psicolinguistas não acredita na possibilidade de conhecer a


competência lingüística de um indivíduo se não for pela atuação (o uso lingüístico) como
fatos objetivos e inferenciais dos processos mentais. Dessa forma, a metodologia
psicolingüística não só coleta fatos lingüísticos reais, mas procura interpretá-los.
A Psicolingüística utiliza-se de uma metodologia explicativa que une métodos
indutivos e dedutivos para chegar às generalizações. Os mecanismos mentais não são
operações verificáveis de uma forma direta, por isso, frequentemente, o pesquisador deve
recorrer a procedimentos indiretos para tentar compreender como o cérebro organiza a
atividade verbal a fim de testar as hipóteses e buscar generalizações que expliquem a maneira
como se dá o processamento de tarefas. Com esse intuito, ela utiliza procedimentos
metodológicos, tais como a experimentação e a observação clínica.
No primeiro, os sujeitos são submetidos a tarefas a pedido do pesquisador que irá
observar e descrever como o sujeito executa a tarefa, inferenciando quais os processos
mentais que são desencadeados no cérebro no momento desta execução. No entanto,
pesquisas realizadas sob as mesmas condições fornecem resultados diferentes, pois nesse
método muitas variáveis escapam do controle do pesquisador. Por isso a necessidade da
criação de designs bem delimitados e com estímulos que permitam o controle das variáveis
que estão em jogo.
O segundo método consiste em tentar compreender a fisiologia do sistema nervoso
central através das desordens funcionais, conseqüência de lesões em determinadas áreas.
Estudos clínicos são desenvolvidos entre os afásicos monolíngues ou bilíngues. Alguns
achados com pacientes que possuem duas línguas mostram que a patologia cerebral não afeta
uniformemente as duas línguas. Uma delas pode ser perdida temporária ou definitivamente,
mas a outra pode continuar sendo empregada.
Apesar de todos os avanços e a criação de métodos mais adequados, as pesquisas
precisam ser ampliadas a fim de se verificar e confirmar as hipóteses, fornecendo, assim,
explicações mais confiáveis dos fenômenos lingüísticos. No entanto, antes de se formar
hipóteses, é necessário o levantamento de problemas a serem resolvidos pela
psicolinguísticas. Identificaremos alguns deles no próximo tópico.

3.3 Problemas em Psicolinguística


Não iremos tratar aqui das especificidades de cada trabalho que se concentram,
sobretudo, no estudo das línguas orais, mas como estamos tratando de uma disciplina que visa
a formação de profissionais num curso de Letras/Libras (língua de sinais), convém
abordarmos os tópicos sobre as línguas orais, a fim de levantar os pontos comuns que podem
ser problemas de pesquisas nas línguas cinésico-visuais também.
No nível da recepção e compreensão lingüística podemos apresentar os seguintes
problemas (Scliar-Cabral, 1991):
 Processamento dos sinais lingüísticos;
São arrolados nessa questão problemas de ordem de 1) percepção dos sinais lingüísticos:
acústicos para a fala e visuais para a sinalização; 2) identificação das unidades e níveis de
processamento; 3) acesso ao significado. Qualquer modelo que tente validar hipóteses sobre
os processos receptivos dos sinais lingüísticos só pode se valer de inferências através do modo
indireto. Nesse sentido, a máquina tem sido um instrumento que tenta replicar o
processamento, possibilitando um entendimento parcial do fenômeno lingüístico do cérebro
humano.
 Reconhecimento de palavras;
Uma das mais difíceis tarefas deste nível é a separação da cadeia da fala ou da cadeia de
sinais, que se trata de um continuum, em unidades dotadas de significação. Nesse sentido, as
informações perceptuais e contextuais ativam unidades lexicais que estão armazenadas em
nossa memória. Cada item lexical deve ter um significante correspondente, mas ainda não
está claro como seria organizado esse léxico no nosso cérebro.
 Memória semântica;
Considerando que possuímos um léxico, como a significação seria mentalmente
representada e como seria usada na compreensão de textos ouvidos, vistos ou lidos? Visto que
o ser humano pode compreender e produzir mensagens continuamente novas, como essa
memória estaria organizada para dar conta da significação? Existem algumas teorias que
tentam explicar essa criatividade e dinamicidade lingüística, mas ainda estamos muito longe
de formular uma teoria capaz de abranger todas as especificidades dessa memória.
 Processamento a nível textual e discursivo;
Ao chegar nesse estágio, a teoria psicolingüística enfrenta uma dificuldade ainda maior
em formalizar as representações mentais dos níveis que se complexificaram à medida que as
unidades de significação foram subindo. Quanto mais avançamos do nível perceptual para o
nível do significado e desse para o textual e discursivo, mais difícil se torna a possibilidade de
inferências.
No nível de produção, os fatores que devem ser considerados são:
 Intenção e estruturação lingüística;
A natureza criativa da linguagem verbal e os processos que estão envolvidos na sua
produção inviabilizam a validação de hipóteses devido a dificuldade de controlar os inúmeros
fatores que estão implicados nesse processo. Sabe-se que, num diálogo, entram em ação
inúmeros conhecimentos que o emissor deve acionar para se fazer entender: o conhecimento
de mundo; esquemas de ordem pragmática; esquemas de ordem textual, entre outros.
 Estruturação das sentenças e retroalimentação;
Experimentos comprovam que os erros, pausas e hesitações cumprem um papel
fundamental na estruturação das sentenças. Esses erros não são aleatórios, mas obedecem
certas regras: eles obedecem ao componente fonológico da língua e aos condicionamentos
contextuais desta mesma língua.
Através da retroalimentação, o emissor monitora sua produção, uma vez que as ondas
acústicas da pessoa que fala voltam aos ouvidos do falante que se escuta. Embora nas línguas
sinalizadas não seja possível receber o feedback visual das expressões faciais gramaticais ou
dos movimentos das mãos, esse monitoramento é possível por meio de um sistema interno (cf.
Emmorey, 2007).
Como vimos são muitos os problemas levantados no domínio psicolinguístico e por
isso a necessidade de haver muitos especialistas que investigam os diferentes processos da
linguagem verbal e sua interação com as diversas áreas de pesquisa e atuação. No próximo
capítulo vamos conhecer alguns tópicos e subáreas em que a Psicolinguística desenvolve seus
modelos e teorias.

Você também pode gostar