Acidentes Industriais Ampliados

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Acidentes industriais ampliados

desafios e perspectivas para o controle e a prevenção

Carlos Machado de Freitas


Marcelo Firpo de Souza Porto
Jorge Mesquita Huet Machado
(orgs.)

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

FREITAS, CM., PORTO, MFS., and MACHADO, JMH., orgs. Acidentes industriais ampliados:
desafios e perspectivas para o controle e a prevenção [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ,
2000, 312 p. 1-7. ISBN: 978-85-7541-508-5. Available from: doi: 10.747/9788575415085. Also
available in ePUB from: http://books.scielo.org/id/jn8dd/epub/freitas-9788575415085.epub.

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Carlos Machado de Freitas
Marcelo Firpo de Souza Porto
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Catalogação-na-fonte
Centro de Informação Científica e Tecnológica-
Biblioteca Lincoln de Freitas Filho

F866a Freitas, Carlos Machado de (org.)


Acidentes industriais ampliados: desafios e perspectivas para
o controle e a prevenção. / Organizado por Carlos Machado de
Freitas, Marcelo Firpo de Souza e Jorge Mesquita Huet Machado.
- - Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2000.
316 p., tab., graf.

1. Acidentes químicos. 2. Análise de risco. I. Souza, Marcelo


Firpo de (org.). II. Machado, Jorge Mesquita Huet (org.).

CDD - 20.ed. - 363.11

2000
EDITORA FIOCRUZ
Rua Leopoldo Bulhões, 1480, térreo - Manguinhos
21041-210 - Rio de Janeiro - RJ
TelsL: (21) 598-270i / 598-2702
Telfax: (21) 598-2509
Às vítimas diretas e indiretas dos acidentes industriais, particularmente os
trabalhadores e as populações vizinhas às indústrias.
A todos aqueles que se dedicam ao estudo e ao desenvolvimento de ações para a
prevenção e o controle de tais acidentes.
Autores
Alvaro Bezerra de Souza Jtínior
Programa de Planejamento Energético da COPPE / Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro

Arsênio Oswaldo Sevá Filho


Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da
Universidade de Campinas (UNICaMP), Campinas

Bruna de Marchi
Institute of International Sociology (IsIG), Mass Emergencies
Programme (PEM) - Gorizia, Itália

E. L. Quarantelli
Centro de Pesquisa de Desastres da Universidade de Delaware - Delaware, EUA

Erik Schunk Vasconcellos


Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENr) e Universidade
Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro

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Programa de Engenharia de Produção / Coordenação dos Programas
de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro

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Saúde (OPAs/OMS), Washington, D.C., EUA

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Research Methods Consultancy Ltd. - Londres, Inglaterra

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Programa de Engenharia de Produção / Coordenação dos
Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro
Marlúcia Santos Souza
Grupo de Acompanhamento Externo do Processo
APELL -- Campos Elíseos, Rio de Janeiro

Nilton Benedito Branco Freitas


Central Única dos Trabalhadores (CUT); Sindicato dos Químicos e
Petroquímicos do ABC - São Paulo, São Paulo

Ricardo Rodrigues Serpa


Divisão de Tecnologia de Riscos Ambientais da Companhia de
Tecnologia de Saneamento Ambiental, SP; Cèntro Colaborador
da Organização Mundial da Saúde (OMS), São Paulo
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Royal Institute of Technology / Department of Chemical Engineering,
Process Safety - Estocolmo, Suécia

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Ministério do Trabalho - Delegacia Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul

Silvio Funtowicz
European Comission Joint Research Centre, Institut e for Systems,
Informatics, and Safety Ispra, Itália

Tom Dwyer
Departamento de Ciência Política da Universidade
de Campinas (UNICAMP), Campinas

Organizadores

Carlos Machado de Freitas


Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, Escola Nacional
de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz (ENsP/FIOCRUZ)

Marcelo Firpo de Souza Porto


Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, Escola Nacional
de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz (ENsP/EIOCRUZ)

Jorge Mesquita Huet Machado


Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, Escola Nacional
de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz (ENsP/FIOCRUZ)
P

SUMARIO

Prefácio .................................... ......................................................... . ................................ 1 1


Apresentação ....................................................................................................................1 9
Introdução - A Questão dos Acidentes Industriais Ampliados .............................. 2 5

PARTE I - ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS


1. Perspectivas para uma Análise Interdisciplinar e Participativa
de Acidentes (AIPA) no Contexto da Indústria de Processo ......: ......................... 4 9
2. Uma Abordagem Ergonômica da Confiabilidade e a Noção
de Modo Degradado de Ftmcionamento ............................................................ 8 3
3. A Produção Social do Erro -O Caso dos Acidentes Ampliados .... ............. , .... 107

PA RT E I I - C E N Á R I O S
4. O Acidente Industrial Ampliado de Seveso: Paradigma e Paradoxo ..............129
5. A Experiência do Movimento Sindicai na Análise de Acidentes
Químicos Ampliados ........................................................ ........................................ 149
6. 'Seguura Peão!' - Alertas Sobre o Risco Técnico Coletivo Crescente
na Indústria Petrolffera (Brasil, anos 90) 169

PARTE III -- PLANEJAMENTO DE EMERGÊNCIAS


7. Principais Critérios para julgamento da Gestão de Desastre
e Aplicação nas Sociedades em Desenvolvimento .............................................. 199
8. Implantação de Sistemas de Resposta para Emergências
Externas em Áreas Industriais no Brasil. .............................................................. 221
9. Papel dos Setores Envolvidos no Atendimento Médico de
Emergência em Acidentes Químicos Ampliados ................................................237

PARTE IV - ESTRATÉGIAS INSTITUCIONAIS DE CONTROLE E


PREVENÇÃO
10. As Metodologias de Análises de Riscos e seu Papel no Licenciamento
de Indústrias e Atividades Perigosas ............. . .................................................... 253
11. Prevenção e Resposta a Acidentes Químicos - Situação na
América Latina e no Caribe .................................................................................. 267
12. Análise e Registro de Acidentes - A Experiência dos Países Nórdicos ......... 277
13. A Prevenção e os Trabalhadores
- Aspectos Comparativos da Legislação dos EUA,
da Grã-Bretanha e da Holanda .......................................................................... .293
J

PREFACIO

,~--
/-kCIDENTES k, dUIMICOS:A SUPERANDO A DICOTOMIA ENTRE
AMBIENTE INTERNO E EXTERNO

A edição deste livro tem, entre suas origens, a implantação, em 1992, de uma
linha de pesquisa por mim coordenada, inicialmente orientada para o estudo de
ambientes internos de trabalho. Foi desenvolvida por meio de um projeto integrado
interdisciplinar sobre 'Indústria Química e Saúde do Trabalhador no Rio de Janeiro',
no Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH) da
Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIoCRçZ). Os
projetos "Situações de Risco no Complexo Industrial Químico: análises empíricas e
construção de modelos teórico-metodológicos' e 'Estudo de Situações de Risco no
Complexo Industrial Químico: uma abordagem propositiva' deram-lhe continuidade.
Constata-se, em todos, a busca da interdisciplinaridade na interface das ciências
sociais e humanas, da ergonomia contemporânea e do tratamento epidemiológico,
no âmbito da saúde coletiva. Tiveram ainda como premissas fundamentais a
participação e o controle público, tanto como estratégia de conhecimento quanto de
representação dos interesses em jogo.
A saúde do'trabalhador é, por natureza, um campo interdisciplinar e
multiprofissional. A análise dos processos de trabalho, por seu caráter multifacetado,
toma a interdisciplinaridade uma exigência intrínseca que necessita "ao mesmo tempo,
preservar a autonomia e a profundidade da pesquisa em cada área envolvida e de
articular os fragmentos de Conhecimento, ultrapassando e ampliando a compreensão
pluridimensional dos objetos".1 A integração interdisciplinar das vertentes
epidemiológica, tecnológica e social propicia diagnosticar um quadro de doenças e
acidentes específicos relacionado às características gerais do processo de produção
e às tendências tecnológicas e organizacionais de certos processos de trabalho. As
dinâmicas políticas, econômicas e sociais - história e nível de organização dos
trabalhadores, atuação do Estado diante do problema, situação socioeconômica das
empresas e setores produtivos analisados, entre outros fatores - contextualizam e
explicam esse quadro. Essa visão ampliada e processual permite uma maior
aproximação da gênese dos riscos industriais e o estabelecimento das estratégias
possíveis para a transformação dos processos de trabalho, bem como das propostas

1 MINAYO, M. C. de S. Interdisciplinaridade: uma questão que atravessa o saber, o poder e o mundo


vivido. Medicina, 24:70-77, 1991.
alternativas de intervenção e controle dos problemas analisados, em horizontes
temporais e políticos diferenciados. Percebe-se mais nitidamente, por este enfoque,
a necessidade de articulação da área de sáude stricto sensu com outros campos do
conhecimento e setores institucionais, para viabilizar políticas preventivas estruturais
que antecipem futuros problemas ambientais e de saúde provocados pelo
desenvolvimento econômico.
Essa linha de pesquisa foi concebida de forma a contribuir não só para a
consolidação das subáreas de concentração em saúde do trabalhador e toxicologia
ocupacional/ambiental do Programa de Pós-Graduação da ENSP/FIOCRUZ, mas também
na ampliação das ações de vigilância em saúde dos trabalhadores e das populações
circunvizinhas às unidades desse complexo industrial. A equipe de pesquisa respondeu
a demandas prioritárias de diversas instâncias representativas dos trabalhadores e de
organismos públicos responsáveis por esse campo de atuação. Uma circunstância
favorável à formulação dessas demandas foi a criação, em 1991, do Conselho Estadual
de Saúde do Trabalhador do Rio de Janeiro (CoNSEST), coordenado pelo Programa
Estadual de Saúde do Trabalhador (PST) e composto pelos diversos órgãos executivos
do Estado e instituições acadêmicas compromissadas com questões relativas à
produção e ao trabalho, bem como por representantes sindicais dos principais setores
produtivos. Essa cooperação efetivou-se por intermédio da assessoria à Câmara
Técnica de Saúde do Trabalhador na Indústria Química, Petroquímica e Petroleira do
CONSEST e ao Ministério Público do Trabalho.
A partir dos pressupostos teórico-metodológicos, a definição das empresas a
serem estudadas não poderia basear-se unicamente em critérios definidos pelas áreas
de conhecimento integradas, mas também, e sobretudo, nas sugestões procedentes
da experiência dos trabalhadores nos locais de trabalho e da sua prática sindicai.
Esta metodologia é orientada por uma adaptação do modelo italiano de construção
de mapas de riscos, onde a participação dos trabalhadores, além de propiciar-lhes o
exercício de um certo nível de controle social, é fundamental na construção coletiva
de um saber que, em última instância, deverá servir para direcionar suas ações.
Cabe acrescentar que a dificuldade de acesso às indústrias, bem como o
amplo e imbricado universo das mesmas obriga necessariamente a definir as
prioridades dentro do processo coletivo de discussão. O resultado dessa prática,
além da indispensável articulação intra e interinstitucional, reflete-se também na
c0mplementação de saberes e na progressiva consolidação da interdisciplinaridade,
gerando um conhecimento menos segmentado da realidade estudada. No entanto,
este processo extremamente enriquecedor traz algumas dificuldades relacionadas a
conflitos de interesses, de atribuições legais e de saberes envolvidos, mas permite,
sem dúvida, a viabilização de diversos recursos que contribuem para aumentar o
potencial investigatório.
ESTRATÉGIAS E IMPASSES DA PESQUISA

A viabilização de projetos desta natureza, cuja perspectiva 6 contribuir para as


ações de vigilância, só é possível em estreita vinculação com as próprias instãncias
de vigilância. E mesmo assim, encontram-se sérios entraves.2 Em certos casos, não
se enfrentaram maiores díficuldades pela predisposição de algumas empresas ao
diálogo sobre as alternativas de mudanças a serem introduzidas, particularmente
por parte dos profissionais de segurança no trabalho. Em outros, encontramos
grandes resistências, sobretudo quando as medidas não se restringem a ações
pontuais, mas requerem transformações substantivas, com custos considerados
elevados, mas que evitariam a exposição de trabalhadores e da populáção a
determinadas situações evidentes de risco.
Do ponto de vista da produção de conhecimentos, nos defrontamos com o
desafio de caracterizar a multiplicidade de situações de risco presentes nos ambientes
internos e/ou externos, derivadas dos diversos processos produtivos presentes no
complexo industrial químico, com inúmeras ramificações entre seus produtos básicos,
intermediários e finais.3 As características toxicológicas e ecotoxicológicas desses
produtos podem proporcionar os mais diversos processos patológicos e/ou de
destruição ambiental, sejam eles crônicos ou agudos. Tais processos, freqüentemente
de grande complexidade analítica e com vários níveis de incerteza, vêm se tornando
um tema recorrente nas discussões públicas sobre indústria e meio ambiente, em
particular quandO as substâncias envolvidas são de grande toxicidade, como as
carcinogênicas, teratogênicas; neurotóxicas e asfixiantes. No entanto, incorporam-
se novas tecnologias cujo potencial direto ou indireto de agravo à saúde não vem
sendo Objeto de maiores indagações no País, contribuindo, dessa forma, para a não
superação dos principais riscos ocupacionais e ambientais conseqüentes do próprio
desenvolvimento da indústria química, devido à crescente circulação de substâncias
cujos efeitos são pouco ou nada conhecidos e à insuficiência das práticas de controle
das instituições responsáveis.
Dada a amplidão desse universo, além de coletar dados secundários em diversas
fontes de informação, a fim de estabelecer estimativas sobre os principais riscos
desse complexo, optamos por selecionar prioritariamente as empresas que
apresentavam denúncias graves dos trabalhadores, relacionadas ao grau de
toxicidade das substâncias químicas presentes no processo produtivo, ao potencial
de exposição humana às mesmas ou à ocorrência de acidentes fatais. Procurou-se
contar com a participação de alguns diretores ou ativistas sindicais dessas empresas,

2
MACHADO, J. M. H. A Heterogeneidade da Intervenção: alternativas e processos de vigilância em saúde do
trabalhador, 1996. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Ensp/Fiocruz.
3 HAGUENAUER, L. O complexo químico brasileiro, organização e dinâmica interna. Texto para discussão
n~ 86. Pão de Janeiro: Instituto de Economia Industrial da UFRJ, 1986.
para propiciar um envolvimento efetivo dos trabalhadores nos levantamentos iniciais
e em seus desdobramentos. À medida que o PST foi deslanchando uma atuação
ampla de vigilância, com o suporte técnico dos pesquisadores, os entraves não
demoraram a surgir. Duas situações diferentes são ilustrativas nesse sentido.
O caso da contaminação por mercúrio em uma fábrica de cloro-soda, de capital
nacional, que vem se notabilizando pela gravidade da contaminação ocupacional e
ambiental pelo mercúrio ocasionada por seu processo de fabricação obsoleto, é
exemplar. A investigação partiu de uma solicitação do sindicato ao CESTEH e ao PST/
SES-RJ. O estudo efetuado, nas dimensões clínico-epidemiológica,4 tecnológica/
ambientals, 6, 7 e social,s, 9 apontou, desde o início, para diagnósticos e propostas
políticas mais abrangentes, dentro de um espectro de possibilidades técnicas e
institucionais bastante dinâmico e conflitivo.
A análise internacional das tendências tecnológicas na produção de cloro-soda
colocou em discussão a própria tecnologia eletrolítica utilizada na empresa analisada.
Celebrou-se um Acordo de Mudança de Tecnologia, entre as autoridades sanitárias
e ambientais do governo de estado, a indústria, a Assembléia Legislativa, com a
participação do sindicato dos trabalhadores e representantes das comunidades ao
redor da fábrica, pautado na substituição por uma tecnologia ecologicamente mais
adequada,'o viável política e economicamente, que eliminasse definitivamente o
mercúrio na produção do cloro.
A s d i fi c u l d a d e s s u b s e q ü e n t e s à p r o m u l g a ç ã o d o A c o r d o , c o n t u d o ,
demonstraram a importância - e também a fragilidade, no caso em questão -7 das
estruturas políticas, econômicas e institucionais que davam suporte à proposta.
Análises provenientes das ciências sociais11, !2 identificaram os desencontros

4 FERREIRA, H. P. Perigo Silencioso: um estudo da intoxicação de trabalhadores por vapor de mercúrio numa
indústria de cloro-soda, Rio de Janeiro, 1994. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: Ensp/Fiocruz.
s FREITAS, N. B. B. Controle Social do Risco e da Saúde dos Trabalhadores: o caso da indústria de cloro-soda, 1994.
Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: Ensp/Fiocruz.
6 PORTO, M. F. S. Trabalho Industrial, Saúde e Ecologia - avaliação qualitativa de riscos industriais.com dois
estudos de caso na indústria química, 1994. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Coope/UFRJ.
MATTOS, U. A. O. & GONÇALVES, C. L. Q. Mudança tecnológica e o impacto da saúde do trabalhador:
estudo de caso numa indústria química do Rio de Janeiro. Anais do I Congresso Latino-Americano de
Engenharia Industrial. Florianópolis, 1993. p. 464-468.
8 MEL~~A.I.S.C~C~ntracenadeDiferentes:asaúded~traba~hadorc~m~pr~ticas~~ia~eapercepçã~dastraba~hadares~
1993. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: PUC.
9 THEDIM-COST A, S. M. F. Mercúrio: perigo e silêncio, 1995. ~ssertação de Mestrado, Rio de Janeiro: Er~sp ]Fiocruz.
'o PORTO, M. F. S. Trabalho Industrial, Saúde e Ecologia - avaliação qualitativa de riscos industriais com dois
estudos de caso na indústria química, 1994. Tese de Doutorado, Rio de Janeiroi Coope/UFRJ.
u MELO, A. I. S. C. Contracena de Diferentes: a saúde do trabalhador como prática social e a percepção dos
trabalhadores, 1993. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: PUC.
12
THEDIM-COSTA, S. M. F.. Mercúrio: perigo e silêncio, 1995. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: Ensp /
Fiocruz.
existentes, tanto em nível das práticas e conflitos (inter)institucionais quanto do
próprio movimento social. O significado simbólico do "estar doente" diante de um
quadro de crise econômica e de medo do desemprego, aliado ao recuo de alguns
atores sociais nas estratégias previamente definidas, determinaram uma mudança
de posturas desfavorável com relação aos objetivos sanitários inicialmente
pretendidos. Algumas lideranças sindicais e das comunidades passaram
sistematicamente a defender as posições da empresa, pressionada pelas crescentes
dificuldades conjunturais financeiras e pelo acaloramento da discussão pública em
torno do elevado nível de contaminação entre os trabalhadores expostos ao maior
grau de risco. Tal recomposição política fragilizou a continuidade do Acordo e
permitiu a prorrogação do prazo de mudança de tecnologia anteriormente negociado,
além da perda de controle sobre procedimentos clínicos e sanitários previstos.
As repercussões dessa atuação, no entanto, extrapolaram o espaço local. A
utilização da célula de mercúrio na produção de cloro-soda, recolocada em suas
dimensões tecnológica, setorial e internacional, passou a ser objeto de debate no
âmbito regional e nacional. A notoriedade da ação desenvolvida nessa empresa
tomou o CESTEH interlocutor junto a instituições reguladoras nacionais e entidades
de classe patronais e de trabalhadores, como a Fundação Jorge Duprat Figueiredo
(FUNDACENI~RO), a Associação Brasileira da Indústria de Álcalis e Cloroderivados
(ABICLOR) e a Confederação Nacional dos Químicos (CNQ) sobre os métodos de
diagnóstico e controle da exposição ao mercúrio na indústria de cloro-soda, inclusive

a possibilidade de reconversão das indústrias que ainda utilizam a tecnologia


eletrolítica do mercúrio. Os estudos tecnológicos, de monitoramento ambiental e
biológico, bem como os diagnósticos clínicos subsidiaram uma legislação estadual
estabelecendo a mudança tecnológica nas indústrias que utilizam célula de mercúrio,
inicialmente no Rio de Janeiro, posteriormente adotada em São Paulo e possivelmente
em plano nacional num futuro próximo.
Um outro estudo focal, realizado em uma empresa com caraterísticas de
complexo industrial, de capital alemão, localizada em Belford Roxo, Rio de Janeiro,
possuidora de inúmeras fontes de risco ocupacional e ambiental, representa um
modelo diferenciado de tratamento teórico-metodológico e de processo de vigilância.
A intervenção pelo estado vem sendo marcada por um processo litigioso, mediante
um Inquérito Civil Público, que demonstra os potenciais e os limites da ação
regulatória do estado e da intervenção da.sociedade em indústrias onde a
complexidade tecnológica e o poderio econômico .trazem novos e grandes desafios
para as ações em saúde do trabalhador.
Essa empresa, emque permaneceu um conflito de bases técnicas e insfitucionais,
apresenta-se como um caso em aberto, em que persistem várias situações de risco
em seus processos produtivos. Os paradigmas do controle ambiental se curvam
diante da complexidade de 17 unidades fabris em produção intermitente, tornando
a análise da exposição relegada ao campo da potencialidade. As bases desse nos
oferecem também um terreno fértil de reflexão, cujas concepções de gerenciamento
de riscos se enfrentam escudadas em legitimações institucionais resultantes de
concepções diferentes quanto ao método de investigação por parte da empresa e da
Delegacia Regional do Trabalho (DRT) versus o preconizado pela Câmara Técnica
da Indústria Química do CONSEST. A batalha transportou-se para o terreno do
judiciário e a atividade de pesqtusa e intervenção teve que ser garantida pelo convênio
estabelecido com o Ministério Público do Trabalho.
Finalmente, por partir da premissa de contribuir na definição de critérios para a
vigilância, fomos obrigados a emitir pareceres para deslanchar ações que não poderiam
ser postergadas. Esse descompasso entre o tempo da pesquisa, os tempos institucionais
e os demandados pelas instâncias políticas decisórias, principalmente em situações
críticas, impediu, em vários momentos, tomadas de posição mais integradas, onde
dados clínico-epidemiológicos e tecnológicos-ambientais pudessem ser
contextualizados em dinâmicas sociais e cenários políticos mais claros, dando suporte
a encaminhamentos mais precisos, principalmente por parte das autoridades sanitárias.

ACIDENTES QUíMICOS AMPLIADOS


Diversos casos investigados indicam a presença simultânea de problemas
ambientais internos e externos aos muros fabris, envolvendo matrizes técnicas
similares, que requerem políticas preventivas integradas entre os campos da saúde
do trabalhador e ambiental. Amplia-se o raio de ação da análise, tanto em termos
epidemiológicos quanto sociopolíticos. Outras questões entram em jogo e a tênue
linha que subdivide o mundo da produção em ambiente de trabalho e ambiente
geral desmorona-se com a velocidade dos desastres industriais. As falsas fronteiras
entre o ambiente interno e o externo13 nâo se sustentam no cotidiano fragmentado
da poluição industrial. Ao analisar a indústria química, a necessária articulação entre
trabalho e ecologia prevista por ContiTM e Tambeltini15 jamais poderá ser ignorada.
Essa articulação obrigou a incorporar e discutir outros referenciais teóricos que
propiciassem uma abordagem das atuais tendências e possibilidades de integração
de uma Política de Saúde dos Trabalhadores com as Políticas Ambiental e de

13 MINAYO G~MEZ, C.; CARVALHO, S. M. T. M. & PORTO, M. F. S. Por uma ecologia do trabalho. In:
LEAL, M. C. et al. (Org.) Saúde, Ambiente e Desenvolvimento: processos e conseqüências sobre as condições de
vida. São Paulo: Hucitec/Abrasco, 1992. p. 79-98.
14 CONTI, L. Ecologia, Capital, Trabalho e Meio Ambiente. São Pa~lo: HuciteC, 1991.
i5 TAMBELLINI, A. T. Interdisciplinaridad y formación de recursos humanos para el área de salud dei
trabajador e ecologia humana. In: ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE SALUD. Lo biológico y lo
social - su articulación en la formación del personal de salud. OPS, Washington, D.C., 1994. p. i21-142.
Desenvolvimento mais gerais. Novos atores sociais, conceitos e temáticas, como
agências ambientais, comunidades de risco, desenvolvimento sustentável e ISO 14000
fazem parte deste universo, perante o qual a área de saúde dos trabalhadores não
pode eximir-se. Neste movimento, um eixo de investigação foi configurando-se,
tendo por objeto central os denominados acidentes químicos maiores ou ampliados,
definidos como "os eventos agudos, tais como explosões, incêndios e emissões,
individualmente Ou combinados, envolvendo tuna ou mais substâncias perigosas
com potencial de causar simultaneamente múltiplos danos ao meio ambiente e à
saúde dos seres humanos expostos".16
Os primeiros passos foram dados com a participação em audiências públicas -
e seus desdobramentos - promovidas pela Comissão de Energia, Ciência e Tecnologia
da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, bem como com a elaboração de relatórios
técnicos capazes de fundamentar ações, por intermédio da Curadoria do Meio
Ambiente e do Ministério Público do Trabalho.
Nesse percurso, foram se aprofundando questões sobre os acidentes químicos
ampliados, entre as quais cabe mencionar: a percepção e comunicação de riscos; as
políticas regulatórias, de controle e prevenção; os planos de emergência em regiões
contendo instalações de risco; a análise das estatísticas nacionais e internacionais de
acidentes químicos ampliados; o papel dos trabalhadores e das comunidades na
formulação dessas políticas
Diante da inexistência de uma política nacional voltada ao controle deste tipo de
acidente, elaboraram-se diversas publicações, inclusive dissertações e teses,17,16,19 com
o intuito de incorporar a temática no interior da saúde pública brasileira. Alguns
eventos foram marcos significativos nessa direção. O Seminãrio '10 Anos de Bhopal:
o acidente qunmco maior em questao, organizado pelo CESTEH, em 1994, estabeleceu
essa discussão no estado do Rio de Janeiro, aglutinando representantes de setores
governamentais, acadêmicos, sindicais e empresariais. Em 1995, a Confederação
Nacional dos Químicos - da Central Única dos Trabalhadores (CUT) -, promoveu,
com o apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a organização técnica
do CESTEH e a presença dos principais sindicatos dos setores químico, petroleiro e
petroquímico, o 'I Seminário Nacional sobre Acidentes Químicos Maiores'.2o O CESTEH

~6FREITAS, C. M.; PORTO, M. F. S. & MINAYO-GOMEZ, C. Acidentes químicos ampliados: um desafio


para a saúde pública Revista de Saúde Pública, 21:503-514, 1995.
17
SHUNK-VASCONCELLOG E. O Atendimento Médico de Emergência nos Acidentes Químicos Ampliados,
1995: Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: Ensp/Fiocruz.
16 AMORIM, A. E. Acidentes de Transporte Rodoviário de Cargas Perigosas em Trânsito:em busca de um sistema de
informação integrador dos setores saúde, 1997. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: Ensp/Fiocruz.
19 FREITAS, C. M. Acidentes Químicos Ampliados: incorporando a dimensão social nas análises de risco, 1996. Tese
de Doutorado, Rio de Janeiro: Ensp/Fiocruz.
2o FREITAS, N. B.; PORTO, M. F. S. & FREITAS, C. M. Acidentes Químicos Ampliados: a visão dos trabalhadores
São Paulo: Fundacentro, 1998.
também organizou, em 1997, o Seminário 'Acidentes Químicos Ampliados no Brasil:
por uma política nacional de controle e prevenção', reunindo autoridades públicas,
representantes dos trabalhadores e das indústrias. Nessa ocasião, foi feito um
encaminhamento ao Congresso Nacional para que o País assinasse a Convenção 174
da O1T, referente à Prevenção de Acidentes Industriais Ampliados. Essa solicitação
originou um ato da Presidência da República, determinando ao Ministério do Trabalho
a emissão de parecer sobre a mesma, o que redundou na instituição de uma comissão
tripartite para análise da Convenção. Espera-se que, em breve, seja sancionada.
Esses foram alguns dos antecedentes que conduziram à publicação de Acidentes
Industriais Ampliados: desafios e perspectivas para o controle e a prevenção. O conteúdo
do livro é revelador de uma trajetória pautada no compromisso ético inerente ao
lugar social que ocupamos de construir conhecimento, estimular, subsidiar e prestar
assessoria em interlocução com trabalhadores, instituições públicas e empresas.
Motiva-nos, particularmente, a premência em ir superando a vulnerabilidade laboral
e social da população que, por habitar zonas industriais, encontra-se potencialmente
afetada por esses acidentes socialmente produzidos ou por desastres preveníveis.21
Uma população desfavorecida econômica e socialmente, radicada em periferias
urbanas precárias, sem infra-estrutura básica, planos de emergência, segurança
industrial e proteção ambiental adequadas - a maior vítima desses eventos.22
Com esta publicação, descortinam-se vários ângulos de uma questão social a
ser enfrentada. Um setor importante do movimento sindical brasileiro já fez, em
1995, seu diagnóstico propositivo, expresso na Carta de Atibaia sobre os Acidentes
Químicos Ampliados - A Visão dos Trabalhadores. Os organismos governamentais não
podem permanecer numa omissão histórica que beira as raias da irresponsabilidade.
No acúmulo de experiência e conhecimento oferecido pelos autores deste livro,
encontram-se pistas suficientes para avançar intelectual e politicamente, bem como
para subsidiar a legislação e construir progressivamente estruturas organizacionais
e centros de investigação do porte dos existentes nos países centrais.
Acreditamos que essas contribuições servirão de referência para a efetivação,
num futuro imediato, de uma política nacional de controle e prevenção de acidentes
industriais ampliados no Brasil. O roteiro expresso nas diretivas da Comunidade
Européia constitui-se em horizonte a ser traçado e permanentemente perseguido.

Carlos Minayo Gomez


Pesquisador titular da Escola Nacional de Saúde Pública (ENsP/FIOCRUZ) e
doutor em ciências pela Universidade de Salamanca, Espanha

21 CARLOS, A. F. A. Espaço e Indústria. São Paulo: Edusp, 1990.


22 GUILHERME, M. L. Urbanização, saúde e meio ambiente - ocaso da implantação do pólo industrial de
Cubatão e os seus efeitos urbanos e regionais nos setores da saúde e poluição ambiental. Espaço e Debates,
22:42-53, 1987.
APRESENTAÇÃO

Os capítulos que compõem Acidentes Industriais Ampliados: desafios e perspectivas


para o controle e a prevenção foram escritos por profissionais, do Brasil e de outros
países, oriundos de diferentes instituições de pesquisa, de intervenção e de
formulação de políticas, resultando em uma diversidade de abordagens sobre o
problema e sobre as estratégias de controle e prevenção, fornecendo ao leitor um
panorama geral acerca do tema.
A primeira parte da obra se refere aos aspectos teóricos e metodológicos,
particularmente no que diz respeito às análises de causas de acidentes industriais
ampliados. Assinalando que a origem desses acidentes se encontra nos locais de
trabalho, no próprio processo de trabalho, consideramos que o seu controle e a sua
prevenção primária deve se dar aL de modo a contribuir efetivamente para reduzir
tanto a freqüência como a gravidade deles.
No capítulo 1, "Perspectivas para uma análise interdisciplinar e participativa de
acidentes (AMA) no contexto da indústria de processo', os autores apontam os principais
limites das abordagens predominantes de análises de acidentes, particularmente no
Brasil, e situam o fenômeno 'acidente' para a partir daí formular a idéia da necessidade
de uma perspectiva interdisciplinar que considere a participação dos trabalhadores
para se avançar em novas abordagens teóricas e metodológicas. Após situar o problema
e destacar a necessidade de superá-lo, os autores demonstram como esta abordagem
deve estar presente nas diversas fases da prevenção (estrutural, operacional e
mitigadora), caracterizando em seguida o processo de trabalho e as situações críticas
de riscos na indústria de processo, apontando os diversos aspectos que, dentro dessa
perspectiva, compõem as principais causas subjacentes, particularmente as gerenciais
e organizacionais, de acidentes industriais ampliados.
No capítulo 2, "Uma abordagem ergonômica da confiabilidade e a noção de modo
degradado de funcionamento', os autores, tendo como referência teórica e metodológica a
ergonomia situada, apontam os limites dos modelos vigentes e a necessidade de não só se
contextualizar o problema, mas de se estudar as atividades dos operados durante o processo
de produção, demonstrando a partir daí os limites da noção de erro humano, A partir do
conceito de modo degradado de funcionamento e tendo como referência o estudo em uma
refinaria de petróleo, demonstram os problemas relacionados ao envelhecimento das
instalações e as formasc<~mo vem se dando a modernização tecnológica, gerando situações
que obrigam os operadores a permanentemente desenvolverem atividades compensatórias.
Na parte final do capítulo, discutem como os operadores podem se constit~r em agentes
de colffiabilidade e não-confiabilidade dos processos produtivos.
Em 'A produção social do erro - O caso dos acidentes ampliados" (capítulo 3),
tendo como referência a teoria sociológica, o autor procura compreender o fenômeno
'acidente' para então demonstrar como eles são socialmente produzidos. Primeiro,
vai do macro (da estrutura do capitalismo mundial) ao micro (o local de trabalho)
para colocar o conceito de poder como elemento central de análise. Em seguida,
descreve o contexto institucional que regulamenta a segurança em indústrias de
alto risco para, a partir de exemplos, demonstrar os seus limites. O que deriva daí,
segundo o autor, é a necessidade de, na sociedade pós-industrial, haver uma
transformação no campo de análise de acidentes, incorporando neles a dimensão
social. Em seguida, por meio da teoria que desenvolve, aponta para três níveis que,
no local de trabalho no dia-a-dia, contribuem para os acidentes, sendo estes: nível
"de organização; nível de recompensa/comando; nível de indivíduo-membro. Na
parte final do capítulo, é acentuada a necessidade de se repensar os processos de
investigação de acidentes que ocorrem no dia-a-dia da produção, devendo haver
uma inflexão no seu campo de análise, rompendo-se com a perspectiva técnica e sua
idéia de Causalidade para se reconhecer como as relaçõès de poder, que se cristalizam
em relações sociais, produzem acidentes industriais ampliados.
A segunda parte do livro se refere aos cenários em que os acidentes ocorrem e
as mudanças possíveis a partir de sua ocorrência, tendo como referência casos de
eventos passados e situações críticas presentes. O que há de comum nos três capítulos
que compõem esta parte é o fato de darem visibilidade aos atores envolvidos e aos
contextos sociais em que os acidentes ocorrem.
No capítulo 4, "O acidente industrial ampliado de Seveso: paradigma e paradoxo',
os autores, tomando como exemplo o acidente ocorrido na cidade de Seveso, na Itália
(em 1976), demonstram como este se tomou simultaneamente o paradigma dos acidentes
industriais ampliados, dando nome inclusive à diretiva que orienta as legislações
nacionais sobre o tema nos países da Comunidade Européia (Diretiva Seveso) e também
seus paradoxos. A partir da apresentação dos diversos tipos de incertezas que se
encontram envolvidas nesses tipos de eventos (científicas, legais, morais, sociais,
institucionais, situacionais e referentes à propriedade privada), discutem os problemas
que surgem no seu gerenciamento e os limites e dificuldades que aparecem na
recuperação dos seus danos ambientais e sociais nas sociedades industriais modernas.
Em !A experiência do movimento sindical na análise de acidentes químicos
ampliados' (capítulo 5), o autor, tomando como referência o caso de uma explosão
no complexo petroquímico de São Paulo, que resultou em um óbito, demonstra
como um evento negativo pode resultar em um processo de mobilização e intervenção.
sindical no sentido de se desenvolverem melhores estratégias de controle e prevenção.
Primeiro situa o acidente, suas causas e a série de eventos anteriores que já
prenunciavam o pior. A partir daL o autor descreve o processo de interdição da
fábrica e levantamento das condições de segurança e trabalho, os acordos para a
implementação de medidas de segurança, a revisão da Norma Regulamentadora
n° 13 sobre caldeiras e vasos de pressão como forma de inserir a prevenção de
acidentes industriais ampliados na legislação vigente. Também aborda um seminário
(Seminário de Atibaia) em que os trabalhadores de sindicatos de indústrias químicas
e petroquímicas de todo o País se reuniram para sistematizar sua experiência sobre
o tema e propor medidas de controle e prevenção baseadas na sua experiência.
No capítulo 6, 'Seguura, peão! - Alertas sobre o risco técnico coletivo crescente
na indústria petrolífera (Brasil, Anos 90)', o autor demonstra, de maneira bastante
didática, o que caracteriza os riscos técnicos e coletivos na indústria petrolífera no
Brasil por meio da recapitulação dos termos técnicos referentes ao problema -
elaborando um verdadeiro glossário acerca de códigos e gírias utilizados - e das
localidades mais afetadas. A partir daí, hierarquiza os principais riscos técnicos
coletivos relacionados a esse tipo de indústria - os quais incluem, além dos acidentes
diversos, outros problemas de saúde e de contaminação.ambiental - e demonstra
quais as regiões e áreas que se encontram mais expostas e vulneráveis. Ao final, o
autor analisa a disputa política que ocorre no "chão da fábrica" em torno dos riscos,
apontando para a questão do emprego do poder por parte das gerências. Termina
questionando se, no atual contexto, poderão os cidadãos fragilizados alterar a
correlação de forças políticas e econômicas vigentes para efetivamente combaterem
os riscos técnicos e coletivos associados à indústria petrolífera.
A terceira parte do livro trata dos planejamentos de emergências para os casos
de acidentes industriais ampliados, o que ainda é muito pouco colocado em prática
no Brasil. Por mais que se invista em prevenção e controle de riscos de acidentes nos
processos industriais, deve-se sempre considerar que existem cenários possíveis de
eventos, de modo que tanto as indústrias, os órgãos públicos, os trabalhadores e as
comunidades devem estar preparados para agir em situações de emergência, sendo
o planejamento um instrumento fundamental para mitigar as conseqüências.
No capítulo 7, 'Principais critérios para julgamento da gestão de desastres e
aplicação nas sociedades em desenvolvimento', o autor, baseado em décadas de
estudos sobre desastres nos EUA, apresenta 10 critérios que considera fundamental
para uma boa gestão de emergências. Dentre os critérios, ele aponta as questões
referentes às necessidades e demandas que surgem nessas situações; as funções das
diferentes instituições; os problemas relacionados à mobilização de pessoal e à
delegação de tarefas e divisão do trabalho; o processamento das informações
necessárias para gerenciar o evento e a necessidade de se estabelecer um sistema de
comunicação de massa; os aspectos referentes à coordenação e a tomadas de decisões
em curto período de tempo; o conflito entre situações e procedimentos que se
encontram bem estabelecidos e aqueles que emergem durante o desastre. A principal
preocupação do autor é sistematizar a experiência americana e transferir este
conhecimento para os países em desenvolvimento.
Em 'Implantação de sistemas de resposta para emergências externas em áreas
industriais no Brasil" (capítulo 8), os autores, tomando como referência um caso
situado em um pólo industrial do Rio de Janeiro, demonstram as dificuldades práticas
de se implantar um plano de emergência tendo como referência o manual APELL
(Alerta e Preparação de Comunidades Locais), elaborado pelo Programa das Nações
Unidas Para o Meio Ambiente principalmente para os países de economia periférica.
Se o capítulo 7 trata dos critérios básicos para se elaborar um plano de emergências,
este demonstra as dificuldades práticas que podem surgir, com suas idas e vindas,
em grande parte associadas às dificuldades e desarticulações que se encontram nos
âmbitos da indústria, do poder público e da comunidade local.
No capítulo 9, 'Papel dos setores envolvidos no atendimento médico de
emergência em acidentes químicos ampliados', o autor primeiramente discute o
papel dos serviços da saúde no atendimento de emergências, para em seguida
apresentar os principais aspectos que devem compor a' sua preparação na relação
com os planos de emergências. Na parte final, discute as principais dificuldades
para esse tipo de atendimento na realidade brasileira.
A quarta e última parte do livro trata das estratégias institucionais de controle
e prevenção de acidentes industriais ampliados, sendo este um aspecto ainda muito
pouco desenvolvido no País. Considerando isto, um capítulo trata dos aspectos legais
e da metodologia de análise de riscos aplicados pelo órgão de controle ambiental
mais atuante do Brasil, a Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental de São
Paulo; dois capítulos cuidam de experiências internacionais e o último, da atuação
de um organismo internacional, a Organização Pan-Americana da Saúde,
particularmente na América Latina e no Caribe.
Em 'As metodologias de análises de riscos e seu papel no licenciamento de
indústrias e atividades perigosas' (capítulo 10), o autor contextualiza o problema
dos acidentes no Brasil e apresenta dados da realidade de São Paulo, onde se
concentram mais de 50% da indústria química nacional, para em seguida apresentar
os aspectos legais referentes ao licenciamento de indústrias perigosas e situar a
importância dos métodos de anãlises de riscos como instrumentos para o controle
ambientaL A partir daL apresenta as etapas que compõem um estudo de análise de
riscos e as principais técnicas empregadas para caracterizar o empreendimento e a
região, identificar os perigos do processo, analisar os cenários e possíveis
conseqüências - bem como as populações vulneráveis -, calcular e avaliar os riscos,
para finalmente estabelecer um programa de gerenciamento de riscos, tanto para
controlar e prevenir a ocorrência de acidentes nos processos industriais como para
mitigar as conseqüências em prováveis cenários de acidentes.
No capítulo 11, 'Prevenção e resposta a acidentes químicos -Situação na América
Latina e no Caribe', os autores primeiro listam os principais acidentes químicos
ampliados ocorridos na América Latina para, a partir daL apresentar os principais
programas internacionais que tratam do assunto na atualidade: As duas últimas
partes são dedicadas a uma apresentação das principais ações e atividades
desenvolvidos pelo Programa de Preparativos para SituaçSes de Emergência e
Coordenação de Socorro em Casos de Desastres da Organização Pan-Americana da
Saúde na América Latina e no Caribe,
' Em 'Análise e registro de acidentes- A experiência dos países nórdicos' (capítulo 12),
o autor primeiro situa padrões, códigos e leis para o controle e a prevenção de
acidentes industriais ampliados naqueles países. Em seguida, descreve a situação
geral referente às investigaç6es e aos registros de incidentes e acidentes em diferentes
ramos indus~iais dos países nórdicos para, na continuidade, desenvolver argumentos
sobre a importância e a necessidade de se ter sistemas de análises e registros
conectados que permitam o acúmulo de uma memória sobre esses eventos e que
contribuam para o desenvolvimento de estratégias de controte e prevenção durante
o processo industrial. Na última parte do capítulo, o autor nos apresenta sistemas
avançados de registros de acidentes que possibilitam acesso on-line e resultam na
melhoria dos sistemas de gerenciamento de riscos de acidentes durante a produção.
No capítulo 13, "A prevenção de acidentes industriais ampliados e os trabalhadores
- Aspectos comparativos da legislação dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da
Holanda', o autor apresenta os principais aspectos legais que compõem aslegislações
de outros países, particularmente no que se refere à segurança dos processos industriais
e dos trabalhadores, principais vítimas imediatas desses tipos de eventos. Este capítulo
fornece as bases gerais para se pensar uma futura legislação nacional sobre o tema,
tendo como referência a possível implantação da Convenção 174 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) sobre a prevenção de acidentes industriais ampliados.
Acidentes industriais ampliados, dados os seus riscos tanto para a saúde dos
trabalhadores das indústrias, das comunidades vizinhas e das equipes de emergência
(bombeiros, defesa civil, profissionais da saúde e de órgãos ambientais etc.) quanto
para o meio ambiente, mediante os danos à flora, à fauna e à cadeia alimentar,
indubitavelmente constituem um problema para as sociedades contemporâneas, com
especial atenção para a situação dos países de economia periférica, como o Brasil.
Em Acidentes Industriais Ampliados: desafios e perspectivas para o controle e a prevenção,
procuramos organizar um conjunto de textos que possam fornecer subsídios para
aqueles que podem e devem transformar essa situação - ou seja, além dos
profissionais dos órgãos públicos relacionados à saúde, ao trabalho, ao meio
ambiente, à defesa civil e ao corpo de bombeiros, incluiríamos aqueles que se
encontram nas instituições de pesquisa e ensino, os trabalhadores por meio de suas
formas de organização, dentro e.fora das indústrias, as comunidades expostas e,
por fim, os cidadãos como um todo, pois este não é um problema apenas daqueles
que se encontram diretamente envolvidos, mas de toda a sociedade, visto que
os seus custos; mais Cedo ou mais tarde, de modo direto ou indireto, serão
repassados para todos.
Trata-se de mais um passo, nem o primeiro e certamente não o último, que
acreditamos ser importante - ainda mais quando se considera a ausência de livros
sobre o tema em português. Esperamos que nossos objetivos possam ser alcançados e
que no prazo mais curto possível os casos de vítimas fatais e não-fatais resultantes
desses acidentes, bem como de danos ambientais, não sejam mais do que registros
históricos de uma época em que determinados grupos sociais e populacionais pagavam
com sua saúde e suas vidas - ainda que não soubessem - os custos de um modelo de
desenvolvimento industrial e econômico iníquo na sua natureza e dinâmica.

Muitos sindicatos de trabalhadores e órgãos públicos contribuíram


para ações de vigilância em saúde do trabalhador que inspiraram a
organização deste livro. Deste amplo conjunto, gostaríamos de destacar
principalmente as parcerias com as seguintes instituições: Câmara
Técnica da Indústria Química, Petroquímica e Petroleira do Conselho
Estadual de Saúde do Trabalhador do Rio de Janeiro (CTIQPP/CoNSEST),
Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, através do Programa
Estadual de Saúde do Trabalhador (PST/SES/RJ), Confederação
Nacional dos Químicos (CNQ/CUT) e Delegacia Regional do Trabalho
de São Paulo (DRT/SP).
Não teria sido possível concretizar esta experiência na forma de
livro sem a ajuda de financiamentos para pesquisas concedidos pelas
seguintes instituições: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do
Rio de Janeiro (FAPERJ), Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientffico e Tecnológico (CNPq) e Escola Nacional de Saúde Pública da
Fundação Oswaldo Cruz (EN$P/FIOCRUZ), por meio de seu Programa de
Pesquisa Estratégica.
Por fim, gostaríamos de agradecer o empenho de toda a equipe da
Editora Fiocruz.

Os Organizadores
INTRODUÇÃO

A QUESTÃO DOS ACIDENTES INDUSTRIAIS AMPLIADOS

Carlos Machado de Freitas; Marcelo Firpo de Souza Porto


& Jorge Mesquita Huet Machado

Os acidentes industriais surgem com o próprio processo de industrialização e


desenvolvimento de novas tecnologias de produção ocorrido nas sociedades
contemporâneas a partir da Revolução Industrial. A adoção da tecnologia de
máquinas a vapor, símbolo da Revolução Industrial, 'é um exemplo disto. Nos
EUA, a utilização dessas máquinas empregando alta pressão resultou em 14
explosões só no ano de 1836, tendo como conseqüência 496 óbitos. Na Grã-Bretanha,
entre 1817 e 1838, 23 acidentes desse tipo resultal;am em 77 óbitos, devendo-se
esse menor número, em comparação com o dos EUA, em parte à baixa pressão
empregada nas máquinas a vapor nesse país (Otway, 1985). Nessa época, a questão
do emprego de novas tecnologias no processo de produção industrial e de seus
acidentes já surgia como um problema público, provocando intervenções técnicas,
bem como uma incipiente e limitada legislação com o objetivo de controlar e
prevenir acidentes industriais (Dwyer, 1991).
Se os riscos de acidentes nas minas de carvão e máquinas a vapor podiam ter sua
extensão e gravidade restritas ao espaço e ao tempo do evento, os riscos dos acidentes
químicos e nucleares não, principalmente a partir da segunda metade deste século.
No que-se refere especificamente à indústria de processos químicos, a importância
dos acidentes industriais ampliados está diretamente relacionada à evolução histórica
da produção e ao consumo de substâncias químicas em âmbito nacional e internacional.
A partir da Segunda Guerra Mundial, o aumento da demanda por novos materiais
e produtos químicos, acompanhado pela mudança da base de carvão para o petróleo,
conduziu ao desenvolvimento e à expansão do complexo químico industrial
(Haguenauer, 1986). A natureza altamente competitiva deste setor industrial, aliada
ao crescimento da economia em escala mundial e ao rápido avanço da tecnologia,
possibilitou o aumento das dimensões das plantas industriais e da complexidade dos
processos produtivos (Theys, 1987; UNEP, 1992).
Nos anos 60, uma planta industrial para 'craquear' nafta e produzir 50 mil
toneladas/ano de etileno era considerada de grande porte. A partir dos anos 80,
plantas para a produção de etileno e propileno ultrapassaram a escala de I milhão de
toneladas (Theys, 1987; Weyne, 1988). O transporte e o armazenamento seguiram o
mesmo ritmo. A capacidade dos petroleiros no p6s-guerra cresceu de 40 mil toneladas
para 500 mil toneladas e a de armazenamento de gás, de 10 mil m3 para 120 mil/150
mil m3 (Theys, 1987). Neste período, verifica-se que a çomercialização mundial de
químicos orgânicos passou de 7 milhões de toneladas em 1950 para 63 milhões em
1970, 250 milhões em 1985 e 300 milhões em 1990 (Korte & Coulston, 1994).
O crescimento global das atividades de produção, armazenamento e transporte
de substâncias químicas provocou um aumento no número de trabalhadores e
comunidades (UNEP, 1992). Paralelamente, observa-se um aumento na freqüência
e na gravidade dos acidentes químicos nessas atividades. De acordo com Glickman,
Golding & Silverman (1992), os acidentes com cinco óbitos ou mais - os quais são
considerados muito severos na Diretiva de Seveso - passaram de 20 (média de 70
óbitos por acidente), entre 1945 e 1951, para 66 (média de 142 óbitos por acidente),
entre 1980 e 1986 (Tabela 1).

Tabela 1 - Acidentes industriais ampliados no mtindo, por período

Número de Número de Óbitos por Óbitos por


Período Acidentes Óbitos Acidentes Ano

~945 -1951 20 1.407 70 201


1952 -1958 20 558 28 80
1959- 1965 36 598 17 85
1966 - 1972 52 993 19 142
1973 -1979 99 2.038 21 291
1980- 1986 66 9.382 142 1.340

T O TA L 293 14.976 51 356

Fonte: Glickanan et al., 1992.


Agradecemos ao Resources for the Future por permitir a tradução e reprodução desta tabela.

A DEFINIÇÃO DE ACIDENTES INDUSTRIAIS AMPLIADOS

Segundo a Diretiva de Seveso de 1982 das Comunidades Européias, esses tipos


de acidentes são definidos como "acidentes maiores" e provêm de
...uma ocorrência, tal como uma emissão, incêndio ou explosão envolvendo uma ou mais
substâncias químicas perigosas, resultando de um desenvolvimento incontroláveI no curso
da atividade industrial, conduzindo a sén'os perigos parà o homem e o meio ambiente, imediatos
ou a longo prazo, internamente e externamente ao estabelecimento. (EC, 1982)
Apesar dos esforços nas Comunidades Européias para melhor definir o termo
acidente (Herve-Bazin, 1986) e precisar quantitativamente as variáveis que
tradicionalmente o qualifiquem como "maior' (Bello, Amorin & Galatola, 1989), é
importante destacar que esses esforços não consideram outros impactos além
daqueles tradicionalmente citados (propriedade, saúde física, meio ambiente,
finanças). Acidentes como os de Bhopal (Kapoor, 1992) e Seveso (Bertazzi, 1991)
provocaram grandes impactos psicológicos e sociais sobre as populações expostas,
além dos outros tradicionalmente considerados. Bertazzi (1991), após 10 anos de
acompanhamento da população exposta ao acidente de Seveso, não encontrou
incidência de câncer maior do que na população não-exposta, como era esperado.
Encontrou, porém, maior incidência no padrão de mortalidade por doenças
cardiovasculares e levantou a hipótese de que dois mecanismos podem ter
contribuído para isso, independente ou interdependentemente: a toxicidade da
dioxina - que até então não se relacionava com a causa de doenças cardiovasculares e
que exige ainda muita investigação - e o estresse causado pelos impactos psicossociais.
A perda de confiança nas instituições e a ruptura de relações sociais estabelecidas
entre as populações que viviam próximas às áreas onde ocorreram esses tipos de
acidentes são alguns dos impactos sociais que eles também podem causar (Wynne,
1987), embora haja a tendência de desconsiderá-los ou subestimá-los.
Outra questão que surge com a tradicional definição'acidente maior' é o fato de ela
levar a considerar 'acidente menor' aqueles que resultem em impactos não previstos
nas variáveis quantitativas que qualificam um acidente como "maior'. Os acidentes de
trabalho, por exemplo, provocam, principalmente em países como o Brasil, nthnero
muito elevado de vítimas por ano, ultrapassando o total de vítimas registradas
anualmente em acidentes considerados maiores na Europa e nos EUA. Além do mais,
como será visto adiante, levantamentos de vítimas nesses tipos de acidentes na Europa
e nos EUA demonstram que grande parte é formada pelos próprios trabalhadores das
instalações industriais em que eles ocorreram, revelando-se, em sua maioria,
primariamente acidentes de trabalho. Essas mesmas questões se colocam também para
a definição de 'acidente industrial grave', empregada em Portugal e por alguns técnicos
no Brasil, pois também pode conduzir ao mesmo tipo de consideração, de modo a
parecer que os acidentes de trabalho são menos graves (Freitas, Porto & Gomez, 1995).
: A denominação "acidente ampliado' ou "acidente químico ampliado' ou, mais
especificamente, 'acidente industrial ampliado' parece ser mais adequada (Freitas,
Porto & Gomez, 1995). Diferentemente das outras, ela tem o potencial de expressar
de maneira mais adequada a possibilidade de ampliação no espaço e no tempo das
conseqüências desses acidentes sobre a sociedade, a saúde (física e mental) e o meio
ambiente expostos, sem incorrer na desqualificação de outros tipos de acidentes,
como, por exemplo, os de trabalho. Neste livro, então, serão considerados 'acidentes
industriais ampliados' eventos agudos, como explosões, incêndios e emissões nas
atividades de produção, isolados ou combinados, envolvendo uma ou mais
substâncias perigosas com potencial para causar simultaneamente múltiplos danos,
sociais, ambientais e à saúde física e mental dos seres humanos expostos. Assim, o
que passa basicamente a caracterizar esse tipo de acidente não é apenas sua
capacidade de causar grande número de óbitos - embora com freqüência ele seja
conhecido exatamente por isso -, mas também seu potencial de permitir que a
gravidade e a extensão dos efeitos ultrapassem seus limites "espaciais' - de bairros,
cídades e países - e "temporais' - como teratogênese, carcinogênese, mutagênese,
danos a órgãos-alvo especfficos nos seres humanos e às vegetações e'aos seres vivos
no meio ambiente futuro -, além dos impactos psicológicos e sociais sobre as
populações expostas (Freitas, Porto & Gomez, 1995).

CARACTERÍSTICAS QUANT1TATIVAS DOS ACIDENTES INDUSIIOMS AMPLIADOS

Na Ho~anda, um recenseamento de 250 acidentes industriais considerados


graves entre os anos de 1969 e 1984 constatou que 50% deles eram ligados à produção
industrial, 15% ao transporte e 15% ao armazenamento (Theys, 1987). Uma busca
ad hoc realizada por Bertazzi (1989) sobre esses tipos de acidentes envolvendo
pesticidas, herbicidas e dioxina levantou mais de 100 registros em 85 ocorrências
em 13 países diferentes. Os dados dessa busca revelaram que a maioria dos acidentes
aconteceu no processo de produção industrial (43%), sendo esse quadro semelhante
ao do recenseamento na Holanda. Em seguida vinham o armazenamento (33%), o
transporte (17%) e os rejeitos perigosos (7%).
Ao anal'isarem os acidentes registrados no Major Hazard Incident Data Service
(MHIDAS) -- base de dados internacional que contém incidentes potencialmente
perigosos para a comunidade - no período entre 1981 e 1986, Carson & Munford
(1988) revelam que, do total de 1.419 eventos, cerca de 38% ocorreram na produção
industrial, 24% no transporte, 16% na armazenagem, 11% em tubulações e 5% em
reservatórios. Em média, 66% dos eventos registrados corresponderam a incêndios
e explosões, enquanto 29% à emissão de substâncias tóxicas. Do total de acidentes,
cerca de 34% envolveram óbitos e lesões. O número total de óbitos foi de
aproximadamente 4.409, correspondendo à média de nove por acidente. Caso fosse
excluído o acidente de Bhopal, em que foram registrados 2.500 óbitos imediatos,
essa média baixaria para três óbitos por acidente.
Glickman, Golding & Silverman (1992), em estudo sobre acidentes ampliados
no mundo, fizeram o levantamento daqueles com mais de cinco óbitos ocorridos no
período entre 1945 e 1989, encontrando um tõtal de 293, dos quais 135 (47%)
ocorreram no transporte de produtos perigosos, 118 (40%) na produção, 33 (11%)
em tubulações e 7 (2%) em atividade de ocorrência desconhecida. Do total de 14.976
óbitos registrados nesses acidentes, 7.063 (47%) ocorreram nas atividades de
produção, 6.808 (45%) nas atividades de transporte, 860 (6%) em tubutações e 245
(2%) em atividades desconhecidas.
Em outro estudo, especificamente voltado para a realidade dos EUA,
Glickman, Golding & Terry (1993) levantaram o total de 758 acidentes no período
entre 1945 e 1991, sendo 751 com pelo menos um 6bito, totalizando 3.270 óbitos.
Para esse período de 47 anos, a média anual foi de 16 acidentes envolvendo
óbitos e totalizando cerca de 70 óbitos por ano, correspondendo a
aproximadamente 4,4 óbitos por acidente. Os acidentes com cinco ou mais óbitos
corresponderam a 144 (19%) do total. Só esses acidentes, considerados pelo menos
muito severos nas Comunidades Européias, foram responsáveis por 2.241 óbitos
no período, o que significa 68% do total com média de 16 óbitos por acidente.
Dividindo os acidentes por atividades, Glickman, Golding & Terry (1993)
demonstram que, do total, 376 (50%) ocorreram nas atividades de transporte, 344
(45%) nas deprodução, 31 (4%) em tubulações e 7 (1%) em atividades desconhecidas.
Em termos de óbitos, foi também nas atividades de transporte que se encontrou o
maior número, ou seja, 1..755 (54%) do total. Ainda quanto aos óbitos, a atividade de
produção foi responsável por 1.355 (41%), tubulações por 31 (4%) e atividades
desconhecidas por 7 (1%).
Ao tomar como referência o tipo de material envolvido, Glickman, Golding &
Terry (1993) demonstram que 387 (51%) envolveram líquidos inflamáveis e 149 (20%)
gases inflamáveis. Outros produtos estiveram presentes em 133 (17%), e gases não-
inflamáveis, em 59 (8%). O produto era desconhecido em 30 (4%) acidentes.
Examinando o número de óbitos, verificaram que 1.204 (37%) foram em acidentes
envolvendo líquidos inflamáveis, 1.026 (31%) outros produtos, 772 (24%) gases
inflamáveis, 129 (4%) gases não-inflamáveis e 139 (4%} material desconhecido. Em
termos de óbitos, a média de 7,7 foi com outros produtos, 5,2 com gases inflamáveis,
3,1 com líquidos inflamáveis e 2,2 Com gases não-inflamáveis e produtos desconhecidos.
No Major Accident Reporting System (MARs) do MHAB/JCR das Comunidades
Européias, foram registrados 121 acidentes químicos ampliados, apenas em
estabelecimentos industriais, entre os anos de 1980e 1991. Desse total, segundo o tipo
de indústria em que aconteceram, verifica-se que, entre as que tiveram maior
quantidade de ocorrência, encontram-se em primeiro lugar as indústrias de produtos
químicos orgânicos, com 40 acidentes (33%), seguidas pelas indústrias de processo de
petróleo, gás e petroquímicos, com 28 (23%), e pelas indústrias farmacêuticas/pesticidas
e os locais de armazenamento de químicos isolados, com 17 (14%) (Drogaris, 1993).
Conforme se observa na Tabela 2, elaborada por Freitas (1996) a partir de dados
do MARS, tomando-se o tipo de evento como referência, verifica-se que, do total de
121 acidentes, apenas 13 (!0,7%) envolveram somente explosão. Os outros 108 acidentes
(89,3%) envolveram, além de explosões, incêndios e emissões, simples ou combinadas,
resultando inevitavelmente tanto em emissões de gases e vapores atmosféricos,
provenientes da combustão de produtos químicos em incêndios e vazamentos, como
em emissões líquidas provenientes de vazamentos ou águas residuais contaminadas
de combates aos incêndios. Substâncias líquidas altamente inflamáveis estiveram
presentes em 38 (31%) dos acidentes, e gases inflamáveis, em 33 (27%). O cloro esteve
presente em 17 (14%), e outras substâncias oxidantes, em 14 (11%), vindo em seguida
outras substâncias combustíveis-inflamáveis não cobertas pela Diretiva Seveso e outras
substâncias tóxicas com 13 (10%) cada grupo (Drogaris, 1993).

Tabela 2 - Tipos de eventos notificados no Major Accident Reporting


System (MARS) das comunidades européias entre 1980 e 1991

Ti p o s d e E v e n t o s A B B / A C C / A D D / A E E/A

Acidente envolvendo um tipo de evento

Explosão 13 10,7% 12 0,92 68 5,23

Incêndio 13 10,7% 04 0,31 18 1,39 03 0,23

Emissão 41 33,9% 02 0,05 110 2,68 180 4,40

subtotal 67 55,4% 18 0,27 196 2,92 0,05 180 2,67

Acidente envolvendo dois tipos de evento

combinação de explosão e incêndio 11 9,1% 1 4 1,27 12 1,09

combinação de explosão e emissão 07 5,8% 0 3 0,43 15 2,14

combinação de incêndio e emissão 11 9,1% 0 3 0,27 33 3,00 03 0,27

subtotal 2 9 24,0% 2 0 0,69 60 2,07 03 0,10

Acidente envolvendo três tipos de. evento

explosão e incêndio e emissào 25 20,7% 09 0,36 103 4,12 03 0,12 164 6,56

Total 121 100.0% 47 0.39 359 2,97 06 0,05 347 2,87

Fonte: Drogaris; 1993~


A: Acidentes B: Vítimas C: Vítimas não fatais internas
D: Vítimas fatais externas E: Vítimas não fatais externas
A Tabela 2 demonstra ainda que, com relação às 53 vítimas fatais dos acidentes
industriais ampliados registrados no MARS (B + D), os eventos que apresentaram
maior número delas foram explosão isolada, com 12 (24%), sendo a média 0,92 por
acidente, e a combinação de explosão com incêndio, com 14 (30%), sendo a média
i,27 por acidente, É importante destacar que, do total de vítimas fatais, 47 (89%)
foram pessoas que trabalhavam no estabelecimento industrial. Esses dados
aproximam-se dos revelados em estudo realizado em 1990 pela Agency for Toxic
Substances and Disease Registry (ATSDR) em cinco estados dos EUA, que
demonstrou serem os próprios trabalhadores 91% das vítimas de acidentes em
indústrias (Jones, 1994).
Ainda na Tabela 2, pode-se verificar que, do total de 706 registros de vítimas
não-fatais no MARS (C + E), existe quase equivalência entre as internas e as externas
ao estabelecimento industrial. Os eventos que envolveram unicamente explosão
tiveram apenas vítimas não-fatais internas aos estabelecimentos, totalizando 68 (19%),
com a maior média registrada na tabela, ou seja, 5,23 por acidente. Os eventos que
só envolveram emissão de substâncias perigosas ou emissão combinada com incêndio
ou e~plosão foram responsáveis pelo maior número de vítimas não-fatais registradas,
tanto interna como externamente. Foram registradas 110 vítimas não-fatais
internamente ao estabelecimento e 180 externamente para eventos que envolveram
apenas emissão de substâncias perigosas, com média de 2,68 e 4,40 por acidente,
respectivamente. Nos eventos que envolveram a combinação de emissão, incêndio
e explosão, foram registradas 103 vítimas não-fatais internamente e 164 externamente
com média de 4,12 e 6,56 por acidente, respectivamente.
: Embora os dados apresentados provenham de diversas fontes, com critérios
de classificação e demarcação temporal próprios de cada uma delas e bastante
diferenciados, podem-se tirar algumas conclusões bastante gerais. As atividades
que mais concentram acidentes ampliados são transporte e produção, sendo ambas
responsá~íeis pelo maioria de óbitos imediatos. No caso dos acidentes industriais,
são principalmente eventos como explosões e incêndios envolvendo líquidos e
gases inflamáveis os responsáveis por grande parte dos óbitos imediatos, atingindo
primariamente, em sua maioria, os trabalhadores. Isso não significa que os acidentes
envolvendo emissões - inclusive por meio da combustão - em transporte ou
produção não sejam menos perigosos. Entretanto, caracterizam-se mais por
impactos sobre a saúde a longo prazo, atingindo, em termos quantitativos,
igualmente trabalhadores e comunidades.
Tabela 3 - Acidentes qufmicos ampliados em nível global com mais de 20
óbitos do início do século até 1984

DATA PAíS TIPO DE ACIDENTE SUBSTÂNCIA MORTES

1917 Escócia Explosão de Navio


Explosivos Militares 1800
1921 Alemanha Explosão em Fábrica de Anilina
Nitrato e Sulfato de Amônia >500
1926 EUA Explosão em Depósito de Munições Trinitritoluol 21
EUA Vazamento de Tanque Cloro 40
1929 EUA Incêndio com Gases Tóxicos em Hospital Nitrogênio, Monóxido e
Dióxido de Carbono
1930 Bélgica Gases Tóxicos na Atmosfera Fluoreto de Hidrogênio,
Ácido e Dióxido Sulfúrico 92
1933 Alemanha Explosão em Fundição
Gás de Coqueria 65
1934 China Incêndio em Gasômetro Gás 42
1935 Alemanha Explosão em Fábrica de Explosivos
Dinitroluol, Nitroglicerina e
Trinitrotoluol 82
1939 Romênia Vazamento em Indústria Química Cloro 60
1942 Bélgica Explosão Nitrato de Amôfiia 60-80
1943 Alemanha Explosão de Caminhão em Ind. Química
Butadieno e Butileno 60-80
1944 EUA Explosão de Nuvem de Gás GLN 130
1947 França Explosão de Navio Cargueiro Nitrato de Amônia 21
EUA Explosão de Navio Nitrato de Amônia 552
1948 Alemanha Explosão de Camil~hão em Ind. Química
Éter Dimetflico 209
Alemanha Explosão em Metalúrgica
Poeira de Carvão 50
1950 México Vazamento em Fábrica Sulfeto de Hidrogênio 22
1959 EUA Explosão de caminhão em Rod. Pública GLP 26
1966 França Explosão em Refinaria Propano e Butano 21
1968 Alemanha Explosão em Indústria Química
Cloreto de Vinila 24
Japão Contaminação da Água por uma Fundição Cádmio 100
1970 Japão Explosão Gás 92
1972 EUA Explosão de Coqueria Propano 21
Japão Vazamento de seis Indústrias Desconhecido 76
Brasil Explosão em Refinaria Propano e Butano 38
1973 EUA Incêndio em Tanque GLP 40
1974 Inglaterra Vazamento seguido de
Explosão em Ind. Química Ciclohexano
1976 Finlândia Explosão Explosivos
Tabela 3 - Acidentes químicos ampliados em nível global com mais de 20
óbitos do início do século até 1984 (continuação)

1977 Coréia do Sul Explosão de Trem Explosivos 56


Col6mbia Amônia, Nitrato de Amônia e 30
1978 Espanha Acidente de Transporte Rodoviário CarbamidePropileno 216
México Explosão Butano 100
México Explosão de Gasoduto Gás 58
Explosão de um Vagão Tanque GLP 25
1979 URSS Acidente em Fábrica Prod. Químicos Diversos 300
Irlanda Explosão de Tanque de Óleo Óleo 50
Turquia Explosão de Transporte Marítimo Óleo 55
China Naufrágio de um Navio de Óleo Óleo 72
EUA Explosão e Incêndio em Tanque Óleo Cru 32
1980 Índia Explosão em duas Fábricas Explosivos 40+80
Irã Explosão em Depósito de Explosivos Nitroglicerina 80
Espanha Explosão Explosivos 51
Tailândia Explosão de Armamentos Explosivos 54
1981 Venezuela Explosão Hidrocarburetos 145
México Descarrilamento de Trem Cloro 28
1982 Canadá Naufrágio em Navio de Óleo Óleo 84
EUA Incêndio em Navio de Óleo Óleo 51
Noruega Naufrágio de Navio de Óleo Óleo 123
Espalxha Explosão Explosivos 51
Tailândia Explosão de Muniçòes Explosivos 54
Venezuela Explosão Hidrocarbonos 145
1983 Brasil Explosão de Trem Diesel e Gasolina 45
1984 Brasil Explosão de Oleoduto Petróleo 508
Brasil Explosão em Plataforma de Petróleo Petróleo 40
México Explosão de Reservatório Gás Líquido de Petróleo 550
Lndia Vazamento em Indústria Química Metil-Isocianato >2500
Paquistão Explosão de Gasoduto Gás Natural 60
Romênia Explosão em Fábrica -- 100
J.ndia Transporte Rodoviário Petróleo 60

Fontes: Theys, 1987; Glickman et al., 1992; WHO, 1992. Sevá Filho, 1993; Kletz, 1988.
CARACTERÍSTICAS QUALITATIVAS DOS ACIDENTES INDUSTRIAIS
AMPLIADOS

Conforme pode se verificar na Tabela 2 e na Tabela 3 (a seguir), constando


nesta última os acidentes com mais de 20 óbitos e considerados catastróficos neste
s6culo, historicamente as explosões são os eventos com maior freqüência de grande
número de óbitos imediatos. Isto, porém, não significa que as emissões acidentais
e os incêndios, estes últimos envolvendo a combustão de substâncias químicas e
formação de nuvens tóxicas, sejam menos perigosos. Estes dois últimos tipos, os
quais - segundo os dados do MARS-~ estiveram presentes em 98,4% dos 121 acidentes
industriais ampliados registrados (Tabela 2), ao contrário das explosões, não têm
os seus riscos circunscritos ao espaço e ao tempo dos acidentes. Podem se ampliar
tanto em termos espaciais, atingindo outras cidades ou países, como em termos
temporais, atingindo as gerações futuras.

EXPLOSÕES

A súbita liberação de energia provocada pelas explosões pode tomar diversas


formas. Os efeitos das explosões físicas tendem a ser locais, porém as explosões
químicas chegam a ter amplas repercussões, uma vez que podem resultar em
incêndios e emissões de substâncias tóxicas perigosas. Em ambas as formas, há ainda
a possibilidade de lançamento de fragmentos (WB, 1988). Além dos danos
patrimoniais que ocorrem na maioria desses eventos, alguns têm resultado na morte
imediata de grande número de pessoas (trabalhadores e comunidades pr6ximas),
provocada por queimaduras, traumatismos e sufocação pelos gases liberados após
as explosões, bem como lesões para um número ainda maior (Ishida, Ohta &
Sugimoto, 1985; Pearce, 1985; Zeballos, 1992).

INCÊNDIOS

No caso dos incêndios, além da radiação de calor e dos possíveis incêndios e


explosões adicionais, existem ainda os riscos associados à própria Combustão dos
químicos envolvidos, resultando na emissão de múltiplos gases e fumaças tóxicas
e atingindo áreas distantes. A combustão de PVC, por exemplo, pode gerar 75
produtos diferentes (Markowitz et al., 1989), e no incêndio do depósito de produtos
químicos da Sandoz em 1986, localizado em Schweizerhalle/Suíça, estimou-se que
no mínimo 15 mil produtos podem ter sido gerados pela combustão basicamente
de agrotóxicos organofosforados e compostos de mercúrio orgânico (Ackermann-
Liebrich, Braun & Rapp, 1992).
As águas residuais contaminadas dos combates aos incêndios qm'í'nicos são outra
fonte de riscos, tanto para as equipes de emergências que entram em contato com
estas durante o combate (Temple, 1994) como para as populações que obtêm sua água
para consumo dos rios atingidos (Ackermann-Liebrich, Braun & Rapp, 1992). No
combate ao incêndio da Sandoz, estimou-se que entre 10 e 30 toneladas de
contaminantes foram lançadas no Rio Reno por intermédio das águas residuais,
resultando na morte de grande número de peixes em uma extensão de 250 quilômetros
(Mossman, Schnnor & Stumm, 1988) e colocando em risco tuna população estimada
em 12 milhões de habitantes, distribuídos por cidades e vilas ao longo desse rio na
França, na Alemanha e na Holanda (Ackermann-Liebrich, Bratm & Rapp, 1992).

EMISSÕES

As características físico-químicas das emissões acidentais são determinantes de


sua toxicidade, vias de exposição e extensão das áreas a.tingidas. A forma sólida
tem menor capacidade de se estender além dos limites da zona afetada, sendo mais
freqüente em casos de armazenamento ou disposição inadequada de resíduos.
As emissões líquidas acidentais, que freqüentemente ocorrem diretamente por
vazamento ou derramamento, têm sua extensão determinada, entre outros fatores,
pela existência de cursos d'água e barreiras naturais ou artificiais (Nogueira, 1985).
Na contaminação de corpos d'água para consumo, tal como o incêndio da Sandoz,
milhares de pessoas podem ser colocadas sob risco (Deanne et al., 1989; Ends Report,
1994; Jarvis et al., 1985).
As emissões de gases e vapores tóxicos na atmosfera apresentam maiores
possibilidades de dispersão, podendo atingir grandes extensões e um número maior
de pessoas, constituindo a forma predominante de exposições ambientais e
ocupacionais (Litovitz et al., 1993). A gravidade e a extensão dessas emissões dependem
das propriedades físico-químicas, toxicológicas e ecotoxicológicas das substâncias
envolvidas, bem como das condições atmosféricas, geológicas e geográficas.
Essas emissões, assim como os incêndios, podem provocar efeitos tanto agudos
quanto crônicos, como carcinogenicidade, teratogenicidade, mutagenicidade e danos
a órgãos-alvo específicos (Bertazzi, 1991; OCDE, 1994). Um único evento desse tipo
pode se constituir em verdadeira catástrofe, tal como ocorrido no maior acidente
químico da história em Bophal, na Índia, em 1984 (Tabela 3).
VULNERABILIDADE E AGRAVAMENTO DOS ACIDENTES INDUSTRIAIS
AMPLIADOS EM PAÍSES COMO O BRASIL

Horlick-Jones (1993) propõe um modelo de sistemas vulneráveis em que os


acidentes ampliados devem ser compreendidos no ambiente socioeconômico em
que ocorrem, onde sistemas sociotécnicos vulneráveis a falhas interagem com
populações tornadas vulneráveis por meio de rápida urbanização, moradias
precárias, altos níveis de pobreza e ausência de recursos para enfrentar os eventos
de risco. Para compreender a questãoda vulnerabilidade nos países de economia
periférica, como o Brasil, é preciso situá-la como parte do próprio processo de
divisão internacional do trabalho, que tem conduzido à divisão internacional
dos riscos e dos benefícios. Enquanto cerca de 20% da população mundial,
situados principalmente nos países mais ricos, consomem aproximadamente 80%
dos bens produzidos, os outros 80%, situados principalmente nos países mais
pobres, consomem apenas 20% (MacNeill, Winsemius & Yakushiji, 1992). Na
Índia, por exemplo, onde houve o acidente de Bhopal, o consumo de produtos
resultantes da tecnologia química era de 1 kg per capita; nos países centrais da
economia, esse consumo era de 30 kg a 40 kg per capita (Murti, 1991). Quando se
considera a questão dos riscos em países como a Índia, o Brasil e o México, as
posições se invertem, isto fazendo parte do próprio processo de globalização da
economia (Porto & Freitas, 1996).
Índia, Brasil e México sofreram processo de intensificação de seu crescimento
econômico entre os anos 60 e 80 mediante grande endividamento externo - de acordo
com o Banco Mundial (WB, 1993), eles se encontram entre os países com maior
dívida -, aumento da participação de indústrias multinacionais no processo de
industrialização e forte intervenção do Estado na economia. O modelo
de desenvolvimento econômico adotado nesses países, sustentado pela ausência de
sistemas políticos democrãticos e grandes transformações na sociedade, combinando
concentração de capital, exploração da mão-de-obra e abandono ou omissão do poder
público no controle e na prevenção dos riscos industriais, resultou em rápida e
desordenada industrialização ao lado de intenso e incontroladO processo de
urbanização - acompanhado de grande fluxo migratório do campo e das regiões
mais pobres para os grandes centros urbanos (Cardoso & Faleto, 1979; Becker &
Egler, 1993; Hogan, 1992). Uma das conseqüências desse processo foi o assentament0
de parte dessas populações que migraram do campo nas áreas periféricas dos grandes
centros urbanos, passando a viver em condições precárias, ao lado de indústrias
perigosas e sem acesso aos bens e serviços básicos de saneamento e saúde (Guilherme,
1987; Barbosa, 1993; Hogan, 1992, 1993).
Esse modelo de desenvolvimento econômico, iníquo em sua natureza e
integrante da dinâmica da divisão internacional do trabalho e dos riscos, tem como
condição um padrão inferior de segurança industrial e proteção ambiental e à saúde
não só em âmbito internacional mas também no âTnbito interno dos países de
economia periférica, resultando na localização das indústrias perigosas - sejam elas
nacionais ou multinacionais - nas áreas periféricas aos grandes centros urbanos,
onde vivem as populações mais pobres, definindo, assim, as áreas 'salubres" e
'seguras' e as "insalubres' e 'inseguras' (Guilherme, 1987; Torres, 1993; Barbosa, 1992;
Hogan, 1992, 1993). Além disso, esse modelo tem contribuído para o crescimento da
corrupção no Estado - Índia, Brasil e México também se encontram entre os líderes
mundiais em termos de corrupção per capita (Hirsh et ai., 1995) -, o que incide,
direta e indiretamente, tanto na 'precarização' como na ausência do efetivo controle
dos riscos industriais pelas instituições públicas, sendo constituinte de um modelo
de desenvolvimento perverso e deformado.
Não foi por mero acaso que acidentes envolvendo indtistrias multinacionais -
como o de Bhopal (fftdia), que resultou em 2.500 óbitbs imediatos, ou indústrias
nacionais, como os de San Juan Ixhuatepec (México) e Vila Socó (Brasil), que
resultaram em cerca de 500 óbitos imediatos cada um, todos em 1984 - tenham
ocorrido exatamente nas áreas periféricas aos grandes centros urbanos, atingindo
populações pobres e marginalizadas quanto ao acesso a bens e serviços, que viviam
perto das fontes de riscos de acidentes químicos ampliados. Porto & t~reitas (1996)
demonstram como a proximidade geográfica que essas populações mantêm com as
indústrias perigosas contribui para sua maior vulnerabilidade, comparando dois
acidentes: o de Feyzin (França, 1966) e o de San Juan Ixhuatepec (México, 1984). A
explosão de Feyzin ocorreu em um tanque de gás liquefeito de petróleo (GLP)
contendo 6.400 m3 e resultou em 17 óbitos e cerca de 80 lesionados. O acidente de
San Juan Ixhuatepec ocorreu num tanque de GLP contendo 12 mil m3 e resultou em
aproximadamente 500 óbitos e 7 mil lesionados. A principal diferença entre esses
dois acidentes não está na quantidade de GLP envolvido, mas sim na distância entre
as populações vizinhas e as plantas industriais: em Feyzin, por volta de 1.000 metros;
em San Juan Ixhuatepec, em torno de 100 metros. Em Bhopal e em Vila Socó, a
situação era similar à de San Juan Ixhuatepec. Quanto à Vila Socó, Porto & Freitas
(1996) demonstram que, enquanto a taxa total de crescimento populacional entre os
anos de 1973 e 1987 foi de 63% na cidade de São Paulo, a mesma taxa referente às
populações que vivem em favelas foi da ordem de 1.145% - com a característica de
' que muitas, como a de Vila Socó, moram em locais extremamente próximos a fontes
de riscos de acidentes químicos ampliados, como o oleoduto da PETROBRAS. A
vulnerabilidade social, como resultado da lógica da divisão do trabalho e dos riscos,
tem imposto às populações mais pobres e marginalizadas dos países de economia
periférica arcar com o ~nus de suas vidas, saúde e meio ambiente a fim de sustentar
um modelo econômico iníquo em sua natureza e dinâmica.
A análise de dados sobre acidentes químicos ampliados no mundo demonstra
o agravamento de suas conseqüências nos países de economia periférica. Na Tabela 3,
em que se encontram os acidentes com 20 óbitos ou mais, considerados catastróficos
nas Comunidades Européias, verifica-se que, até os anos 70, os acidentes químicos
ampliados ocorreram predominantemente nos países que concentram maior número
de indústrias e hoje ocupam papel central na economia mundial. A partir dos anos
70, ainda que a maioria das indústrias ainda se concentre basicamente em países da
Europa e nos EUA, o número de acidentes nos países periféricos começa a aumentar
em freqüência e a apresentar maior gravidade do que nos países centrais, apesar de
sua recente industrialização no setor químico. Essa tabela demonstra que, embora a
maioria dos acidentes tenha ocorrido nos países centrais, os que ocorreram nos países
periféricos, principalmente na Ásia e na América Latina nos anos 80, foram os mais
graves em termos de óbitos. Considerando relevante o sub-registro de acidentes e
suas conseqfiências nesses 'países (Freitas, Porto & Gomez, 1995), a situaçào pode
ser ainda pior do que a indicada nessa tabela.
Na Tabela 4, elaborada por Glickman, Golding & Terry (1993), pode-se observar
que países como fftdia, Brasil e México, que registraram os acidentes mais graves
em termos de óbitos imediatos, são os líderes mundiais em acidentes químicos

Tabela 4 - Acidentes industriais ampliados no mundo, por período

Acidentes Óbitos Óbitos por Acidentes


Países
n~ lugar n~ lugar n~ lugar

EUA 144 1 2.241 2 15,6 8


Japão 30 2- 526 5 17,5 6
India 18 3 4.430 1 246,1 1
Alemanha Ocidental 18 3 158 10 8,8 10
México 17 4 848 3 49,9 3
França 15 5 236 8 15,7 7
Itália 14 6 260 7 18,6 5
Brasil 13 7 815 4 62,7 2
China 13 7 454 6 34,9 4
Inglaterra 13 7 170 9 13,1 9

Fonte: Glickman et al., 1992.


ampliados com cinco ou mais óbitos por acidente entre 1945 e 1991, Do total de 295
acidentes registrados na tabela, 79% ocorreram nos países centrais e 21% nos países
periféricos. Porém, quando se analisam os óbitos, a situação muda bastante,
registrando 65% nos países periféricos e 35% nos países centrais. A importância
desses dados prende-se sobretudo ao fato de eles cobrirem um longo período (entre
'1945 e 1991), considerando-se que os acidentes químicos ampliados começaram a se
tornar mais freqfientes após os anos 70.
Na Tabela 5, elaborada por Porto & Freitas (1996), são comparados os acidentes
químicos ampliados ocorridos nos países centrais e periféricos, entre os anos de
1974 e 1987, com mais de 50 óbitos ou mais de 100 lesionados, ou mais de 2 mil
pessoas evacuadas. Essa tabela; cobrindo um período mais recente do que o da
anterior, fornece um quadro melhor do aumento na freqüência e na gravidade desses
acidentes durante os anos 70 e 80, sendo este último período conhecido na América
Latina como a década perdida, dada a crise social e econômica que passaram a
sofrer os países desse continente. Nessa tabela, pode-se observar que, dos 59 acidentes
registrados, 62% ocorreram nos países centrais e 38% nos países periféricos,
demonstrando nítido crescimento nos períodos mais recentes. Dos 10 acidentes com
mais de 50 óbitos, 90% ocorreram nos países periféricos e 92% do total de óbitos se
concentraram nesse grupo de países. Observando os acidentes com mais de 100
lesionados, mais da metade (57%) ocorreram nos países periféricos e, do total de
acidentes, 96% dos lesionados se encontravam nesses países, É também interessante
observar nessa tabela que, dos 31 acidentes com mais ~te 2 mil pessoas evacuadas,
65% ocorreram nos países centrais e 35% nos países periféricos. Entretanto, se se
compara 0 total do número de pessoas evacuadas nesses acidentes, verifica-se que a
maioria (74%) se localiza nos países periféricos. Estes últimos dados demonstram
que evacuações, uma das estratégias de mitigação das conseqüências, só ocorrem
nos países periféricos em acidentes de grande magnitude, como o de Bhopal, que
mobilizou cerca de 200 mil pessoas, ou em situaç6es de pânico total, como aconteceu
com um vazamento de amônia, em 1987, também em Bhopal, onde aproximadamente
200 mil pessoas, temendo nova tragédia, evacuaram espontaneamente (Porto &
Freitas, 1996). Só esses dois acidentes na cidade de Bhopal somam cerca de 78% do
total de pessoas mobilizadas em evacuações nos países periféricos, demonstrando
como a ausência de estratégias de controle e mitigação das conseqüências tem
contribuído para sua grande vulnerabilidade social.
Ta b e l a 5 : To t a l d e a c i d e n t e s q u í m i c o s a m p l i a d o s c o m m a i s d e 5 0 ó b i t o s o u m a i s d e 1 0 0 l e s i o n a d
no mundo entre 1974-1987

Acidentes com mais Total de óbitos Acidentes com mais de Total de lesionados Aci
N~ de acidentes de 50 óbitos 100 lesionados 2.00(

Países
Cen~Ms 38 62 1 10 349 8 16 57 2.783 4

Países
Periféricos 2 1 38 9 90 3.932 92 12 43 71.580 96

Total 59 100 10 100 4.281 100 28 100 74.363 100

Fonte: WHO. 1992.


Os ACIDENTES AMPLIADOS NO CENÁRIO BRASILEIRO

De acordo com o boletim Desastres (1995), da Organização Pan-Americana da


Saúde, considera-se que 40% do comércio de proautos químicos de todos os países
em desenvolvimento ocorrem na América Latina. Deste total, estima-se que cerca
de 70% da mdustna qmmlca do contraente está concentrada no Brasil, na Argentina
e no México, e que aproximadamente 50% das mesmas localizam-se em áreas
densamente povoadas (Desastres, 1995). Esse quadro é bastante preocupartte quando
se considera que, para a maioria dos países latino-americanos, inexistem ou são
incipientes as políticas públicas referentes às estratégias de controle e prevenção
desses acidentes (Desastres, 1995).
Assim, não é casual o fato de o Brasil já ter sido cenário de alguns acidentes
ampliados considerados graves em termos de óbitos imediatos, além do de Vila
Socó, em 1984, que podemos encontrar em alguns estudos nacionais e internacionais.
No Rio de Janeiro, em 1951, um acidente com transporte de inflamáveis causou 54
óbitos, e uma explosão em 1972 na Refinaria Duque de Caxias (PETROBRAS), na Baixada
Fluminense, resultou no óbito de 38 trabalhadores. Em Pojuca, na Bahia, em 1983, o
descarrilamento de um comboio ferroviário transportando combustíveis resultou
em explosão e incêndio, provocando o óbito d e 43 pessoas, alem de grande número
de lesionados e desabrigados. No ano de 1984, um incêndio na plataforma de
produção de petróleo de Enchova ( P E T R O B R A S ) , n a Bacia de Campos, teve como
conseqüência 40 óbitós (Glickman, Golding & Silverman, 1992; Sevá Filho, 1993).
Além destes, podemos citar outros mais recentes, tais como:
- outubro de 1990, Rio de Janeiro - explosão em refinaria de petróleo, resultando em
11 feridos;
outubro de 1991, Rio de Janeiro- incêndio e explosão em refinaria de petróleo, resultando
em cinco trabalhadores feridos (sendo um com 80% de queimaduras em todo o corpo)
e pânico entre os moradores das favelas vizinhas;
maio de 1992, Rio de Janeiro - vazamento de nuvem tóxica com produtos não identificados
. ~ .
atingiu a populaçao vizinha, causando problemas respiratórios, principalmente nas crianças;
julho de 1992, São Paulo - explosão seguida de incêndio em indústria petroquímica,
resultando em um óbito e queimaduras graves de dois trabalhadores de empreiteiras,
além de luxações em sete outros trabalhadores também de empreiteiras após saltarem
dos andaimes e das plataformas em que se encontravam no momento do acidente;
" dezembrO de 1995, Rio de Janeiro- explosão e incêndio em indústria petroquímica, resultando
no óbito imediato de dois trabalhadores e em lesões em outros cinco trabalhadores;
abFtl de 1997, Alagoas- vazamento de soda caústica a 135 °C, resultando em queimaduras
qunnlcas e térmicas em dois trabalhadores, vindo um dos mesmos a falecer logo depois;
" novembro de 1997, São Paulo - explosão de um digestor de nitrocelulose, resultando no
óbito de um trabalhador e em ferimentos em outros cinco, atingindo uma área de
aproximadamente 5 mil m2, quebrando vidraças na vizinhança e sendo acompanhado
pela emissão de compostos nitrosos gasosos;
janeiro de 1998, São Paulo - vazamento de amônia nas instalações, exigindo-se a
.,evacuação da população vizinha e de trabalhadores de indústria próxima, sendo
visível a contaminação da vegetação nas redondezas até uma distância de 800 metros
além da indústria.

O denominador comum entre todos esses acidentes se encontra no fatode terem


ocorrido em uma realidade social em que ainda predominam análises de acidentes
que na grande maioria dos casos responsabilizam as vítimas, no caso os próprios
trabalhadores, como responsáveis pelos acidentes. Também inexistiram planos de
emergência que,~ se acionados, contribuiriam para diminuir o número de vítimas e
de danos ambientais. Ainda são bastante limitadas as informações básicas para uma
avaliação preliminar dos impactos à saúde que podem estar sendo causados por
esses acidentes, tanto para vítimas fatais quanto, principalmente, para lesionados e
expostos. No Brasil, além de a infra-estrutura institucional dos órgãos das áreas da
saúde, do trabalho e do meio ambiente nos níveis federal, estadual e municipal ser
ainda bastante precária para possibilitar estratégias de controle e prevenção, existe
a ausência completa de integração entre eles, tornando-se necessário reverter
imediatamente esse quadro. Sem a implementação de uma legislação, tal como as
existentes em países da Europa e nos EUA, o potencial de grandes tragédias
ocasionadas por riscos de acidentes industriais ampliados continuará especialmente
elevado no Brasil e nos demais países de economia periférica. Neste sentido, uma
importante perspectiva para o País se encontra na proposta do Convênio da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a prevenção de acidentes
industriais ampliados (número 174) e as recomendações complementares (número
181) adotadas na Conferência Internacional do Trabalho em 1993, que encontra
consenso entre os trabalhadores, os empresários e os órgãos governamentais para
que seja aprovada. Assim, se transforma na primeira legislação federal sobre o tema,
bastando no momento ser enviada pelo Ministério do Trabalho ao Congresso
Nacional, para ser aprovada.
Este livro, o primeiro no País sobre o tema, visa a contribuir para mudar esse
quadro, fornecendo os subsídios necessários para que sejam desenvolvidas
estratégias de controle e prevenção que sejam mais efetivas e possibilitem mudar
a atual realidade perversa dos acidentes industriais ampliad0s no Brasil.
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PARTE I

ASPECTOSTEORICOSE
ME:rODOLOGIÇOS
P E R S P E C T I VA S PA R A U M A A N Á L I S E

I N T E R D I S C I P L I N A R E PA R T I C I PAT I VA D E A C I D E N T E S 1
( A I PA ) NO CONTEXTO DA INDÚSTRIA'DE PROCESSO .t

Jorge Mesquita Hüet Machado, Marcelo Firpo de Souza Porto


& Carlos Machado de Freitas

O objetivo principal deste capítulo é apresentar os pressupostos conceituais e


metodológicos sobre a análise de acidentes industriais e suas causas, com ênfase na
indústria de processo químico, partindo da proposta de articulação de abordagens
que combinam perspectivas oriundas tanto das ciências sociais (Perrows 1984; Wynne,
1987, 1988; Dwyer, 1991; Freiras, 1996) como da ergonomia' contemporânea (Porto, 1994;
Meshkati, 1989, 1991; Wisner, 1994)~ articuladas com o enfoque epidemíológico
(Anderson, 1991; Machado, 1991, 1996) em que o acidente é tratado como um
fenômeno coletivo e da saúde pública.
Normalmente, as análises de causas de acidentes tendem a se restringir ao âm-
bito das empresas, com abordagens e disciplinas especfficas, havendo o predomínio
das engenharias e mesmo assim freqüentemente dissociadas umas das outras. No
caso dos acidentes industriais ampliados, os limites dessas abordagens tornam-se
mais sérios, pois, assim como os efeitos desses acidentes extrapolam os muros das
fábricas e ampliam-se no espaço e no tempo, a análise de suas causas Obviamente
não pode se restringir somente ao que se encontra para dentro dos seus muros,
abordando exclusivamente os eventos imediatamente anteriores e posteriores ao
evento de risco, ou seja: o acidente.
Embora seja legítimo concentrar a análise em causas mais imediatas cuja
esfera de responsabilidade esteja principalmente dentro das empresas, o
desconhecimento de condicionantes mais globais, expresso pelas políticas mais
gerais da sociedade e de gerenciamento das empresas, pode limitar a compreensão
da gênese dos acidentes e enviesar suas análises, relevando excessivamente e
exclusivamente suas causas imediatas (Dwyer, 1991; Paté-Cornell, 1993; Porto,
1994; Machado, 1996; Freitas, 1996). Esta questão torna-se ainda mais relevante
quando se considera que a grande maioria das análises é realizada por instituições
e profissionais que, muitas vezes, se encontram envolvidos na proposição e na
avaliação de políticas públicas e setoriais para a prevenção de acidentes.
Acidentes Industriais Ampliados

A abordagem desenvolvida neste texto emerge da saúde pública,


particularmente no campo da saúde do trabalhador, e como tal destaca a importância
da participação dos trabalhadores no processo de análise de acidentes. Em termos
metodológicos, esta estratégia permite maior aproximação com o trabalho real
que é realizado no dia-a-dia do 'chão-da-fábrica' dos processos produtivos,
valorizando-se a memória e o conhecimento dos trabalhadores e avançando na
perspectiva de um gerenciamento participativo dos riscos de acidentes industriais.
A importância da participação dos trabalhadores na análise dos acidentes e no
gerenciamento dos riscos vem sendo cada vez mais considerada no campo da
acidentologia (Backstr6m & D65s, 1995).
Nossa proposta também destaca a análise do processo de trabalho como
importante elemento contextualizador do acidente, propiciando ampliar a análise
para além das causas imediatas dos acidentes, visando a caracterizar falhas
subjacentes de natureza organizacional e gerencial, bem como as diferentes fases
preventivas a serem perseguidas (Laurell & Noriega, 1989; Porto, 1994; Machado,
1996; Freitas, 1996). Desse modo, é possível estabelecer pontos de contato entre
análises de casos singulares e abordagens coletivas, contribuindo para a construção
de políticas de segurança, tanto no âmbito de empresas particulares como no de
setores econômicos e da sociedade como um todo.

A NECESSIDADE DE SUPEIC4R OS LIMITES DAS ABORDAGENS


CLÁSSICAS DE ANÁLISE DE ACIDENTES

A prevenção de acidentes é fundamental em qualquer indústria, e sua


importância é crescente à medida que os riscos existentes podem provocar graves
conseqüências, como nos acidentes industriais ampliados. No caso das indústrias
químicas e petroquímicas, freqüentemente esses acidentes têm o potencial de afetar
simultaneamente a saúde dos trabalhadores, da população ao redor das fábricas e o
meio ambiente, além de acarretar grandes perdas econômicas (Freitas, Porto &
Minayo Gomez, 1995).
A noção fundamental de prevenção, contudo, pressupõe um entendimento
sobre as origens e as causas que podem levar a um acidente. Nesse sentido, os
acidentes devem ser analisados como o resultado de um amplo processo de
interações sucessivas que ocorrem desde o momento da concepção do projeto
industrial. Passam pelas estratégias de gerenciamento adotadas e, mediante uma
cadeia de eventos específicos que se inter-relacionam, propiciam que determinadas
"situações de riscos' transformem-se em "eventos de riscos', ou seja, situações de
acidentes em potencial gerando acidentes concretos (Perrow, 1984; Paté-Cornell,
1993; Wisner, 1994; Porto & Freitas, 1997).
... Análise Interdisciplinar e Participativa...

Superar as concepções monocausais que limitam o aprendizado das organizações


com suas falhas e que tendem a culpar os trabalhadores (as próprias vítimas) pelos
acidentes torna-se imperativo. Ainda mais quando se considera que esse tipo de
análise monocausal e limitada é empregada freqüentemente no Brasil, encontrando-
se ainda presente em diversas concepções oficiais sobre acidentes de trabalho, como
nas normas da Associação:Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e na Comunicação
de Acidente de Trabalho (CAT) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em
que há um campo específico para o preenchimento do "objeto causador'.
O método empregado em larga escala pelas empresas no Brasil segue a linha da
dicotomia entre ato e condições inseguras, e raros são os casos em que causas
subjacentes de natureza organizacional e gerencial são avaliadas (Porto, 1994;
Machado, 1996; Freitas, 1996). Com isso, impede-se que a análise de acidentes sirva
como possibilidade de as organizações industriais aprenderem com seus próprios
erros - o que recentemente vem sendo denominado de learning organizations -,
inibindo o potencial mobilizador de mudanças e melhorias das condições de
segurança das empresas.
Essa forma restrita de tratar o acidente é articulada com um controle gerencial da
força de trabalho, por meio de uma política de segurança no trabalho com forte
componente simbólico e marcada por práticas de comunicação e decisão não
participativas. Embora varie com a filosofia da empresa e com o grupo a ser atingido
pela informação, há uma ênfase no uso de cartazes e manuais de prevenção do
acidentes, na recomendação ao uso de equipamentos individuais de segurança,
destacando-se a responsabilidade individual do trabalhador. Desta forma, constitui-
se o que Machado (1991) denomina de 'gerenciamento artificial do risco', que visa
tanto a construir uma imagem de que há um efetivo controle e prevenção de acidentes
como à reduzir as estatísticas oficiais de freqüência e gravidade. Dentre as estratégias
d e gerenclamento
s s e . . .do. rosco' podem se mclmr: as iniciativas de terceifização
. .artificial
das afividades perigosas, mediante a substituição sistemática por empreiteiras e,
recentemente, pelas cooperativas; as estratégias de análise de acidentes simplistas e
restritas às causas imediatas que descontextualizam o acidente de suas origens
organiT.acionais e gerenciais; ou mesmo a não-notificação dos eventos'ocorridos.
Se o desejo é superar os limites das atuais abordagens de análises de acidentes,
particularmente no contexto brasileiro, torna-se inevitável vincular os eventos aos
aspectos sociais e gerenciais/organizacionais na sua geração, por meio de abordagens
que integrem a dimensão social à dimensão técnica dos sistemas geradores de riscos
mediante abordagens que podemos denominar de 'sociotécnicas' (Freitàs & Porto,
1997; Porto, Freitas & Machado, 1998). Tais abordagens permitem uma compreensão
mais ampla e efetiva das dinâmicas que propiciam um acidente, ao integrarem a
análise dà rede de fatores causais e imediatos que propiciam a ocorrência dos eventos
dentro dos aspectos gerenciais e organizacionais de uma indústria específica. Esses
Acidentes Industrfais Ampliados

aspectos se relacionam diretamente com o estágio existente das assim denominadas


'relações sociais de trabalho', que por sua vez expressam o estágio de cidadania e
democratização das relações de trabalho em uma sociedade. Essas relações sociais
de trabalho se expressam, entre outros fatores,'no nível de comunicação e
autoritarismo existente entre os diversos níveis hierárquicos da ittdústria e, por sua
vez, influenciam as políticas de gerenciamento de riscos e a forma como os acidentes
são analisados em uma empresa ou um setor econômico particular (Porto, 1994). Isto
significa que, mesmo em uma indústria específica onde existam riscos graves
envolvendo tecnologias complexas e seus acidentes impliquem custos elevados, a
adoção de modemas técnicas de análises de risco e de acidentes se mesclará com as
características sociais daquela organização. Produzirá, como resultado, análises
'socialmente' direcionadas, as quais chegam até a comprometer a qualidade técnica e
as estratégias preventivas a serem adotadas após as análises de acidentes ocorridos,
contribuindo para que os acidentes possam ocorrer com maior freqüência e gravidade.
Em outras palavras, a forma como um acidente industrial ocorre e é analisado
pelos técnicos e instituições envolvidas expressa também o valor - ético, social e
econômico- atribuído à vida dos trabalhadores e cidadãos em uma sociedade. Portanto,
a incorporação de metodologias mais efetivas de análise de acidentes, além de técnica,
é uma questão social, política e econômica, É nesta perspectiva que deve ser entendida
a proposta interdisciplinar e participativa que apresentamos, como contribuição para a
construção e a difusão de modelos alternativos de análise de acidentes.

ENTENDENDO O FENÔMENO "ACIDENTE"

No campo da saúde pública, as análises dos acidentes, ao combinarem


abordagens oriundas da ergonomia contemporânea com as das ciências sociais e
humanas, ganham um contorno epidemiológico, incorporando o entendimento da
relação do impacto sanitário com seus determinantes e identificando novos objetos,
situações e condicionantes como partes integrantes do método complementar de
abordagem das relações entre causas e efeitos (Menckel & Kullinger, 1996). Isto
significa que para a saúde pública em geral - e, mais especificamente, para o campo
da saúde do trabalhador - não se trata de aplicar apenas uma clássica abordagem
epidemiológica de classificação dos acidentes em torno de variáveis gerais e
inespecíficas, como função, sexo e horário que, isoladamente, pouco explicam a
origem dos acidentes. De acordo com Anderson (1991), os acidentes são fenômenos
complexos, e o amplo número de fatores que interagem entre si exige a utilização e
a integração de diversas abordagens específicas, oriundas de diferentes campos do
conhecimento técnico-científico, em um processode construção de modelos e
metodologias integradas de análise adaptadas ao fenômeno do acidente.
... Análise Interdisciplfnar e Participativa...

Em outras palavras, a visão científica do acidente pressupõe compreendê-lo


simultaneamente em suas dimensões de caso único, que é também representativo
de situações comuns, com suas características singulares e gerais, dentro de um
enfoque que considere pelo menos os aspectos sociais, tecnológicos e epidemiológicos
dos acidentes. A idéia do evento 'acidente em geral' é um conceito difuso que
homogeneíza situações díspares (Machado, 1991) e impede análises mais profundas
e contextualizadas, o que é fundamental quando pensamos no necessário aprendizado
que os acidentes devem propiciar para que, a partir deles, possam ser formuladas
estratégias de controle e prevenção da ocorrência de futuros eventos similares.
O Quadro 1 ilustra a importância "de uma visão simultaneamente especffica e
abrangente do fenômeno acidente, a partir de uma classificação geral de quatro
diferentes tipos, de acordo com os prinopais setores envolvidos e exemplos das
características sociais, tecnológicas e epidemiológicas dos acidentes.

Quadro I - Exemplos de tipos de acidentes e características sociais,


"
tecnologlcas e epidemiológicas

SETORES EXEMPLOS DE CARACTERÍSTICAS


TIPOS DE
GERALMENTE
ACIDENTES
ENVOLVIDOS SOCIAIS TECNOI~OGICAS EPIDEMIOLÓGICAS

1- t!abalhos baixa qualificação organização do elevada


manuais e baixo nível de canteiro de
construção civil freqüência;
simples e organização obras, ferramen- gravidade baixa,
quedas sindical tas manuais média e alta

qualificação e
organização máquinas diversas média
2- trabalho com freqüência;
« , metal-mecânico sindical variada, em postos de
maqumas
sendo maior nas trabalho específicos gravidade média
grandes empresas

indústrias de baixa freqüência;


processo elevado nível de sistemas altamente
3 - incêndios, gravidade elevada,
explosões e contínuo, tais qualificação e complexos e (principalmente nos
vazamentos como nuclear, organização fortemente casos de acidentes
químicas e sindical integrados coletivos e
petroquímicas
ambientais)
empresas de
transporte e
4- acidentes de segurança, frotas de elevada
rua (trânsito e i~oliciais, trabalha- abrangente e veículos; vias de freqüência;
criminalidade dores autônomos, variável tráfego; armas de gravidade
pedestres e fogo elevada
cidadãos em geral
Acidentes Industriais Ampliados

: A visão clássica da engenharia de segurança é principalmente adequada aos


dois primeiros tipos de acidentes. Mesmo assim, pode-se verificar 'que somente a
análise técnica isolada não é capazde explicar a elevada incidência de acidentes
graves em processos de trabalho de relativa baixä complexidade técnica na construção
civil. A não-incorporação da dimensão social nesta situação tende a limitar as análises
a possíveis casos de negligência individual, em que os aspectos de baixa qualificação
dos trabalhadores e a organização sindicai nesta área são vitais para se entender a
recorrência de acidentes graves facilmente controláveis, como as quedas em
andaimes, revelando a vulnerabilidade dessa Categoria de trabalhadores,
-Por outro aspecto, a aplicação da visão clássica de segurança encontra-se
especialmente limitada no caso dos acidentes em indústrias de processo coniínuo,
que é o objeto principal de Acidentes Industriais Ampliados: desafios e perspectivas
para o controle e a prevenção. Nessas indústrias, os processos de trabalho envolvem
uma complexidade tecnológica bastante sofisticada, por intermédio do que Perrow
(1984) denomina de 'sistemas complexos fortemente interligados', em que disfunções
em certos subsistemas podem, por meio do chamado 'efeito dominó', levar a
'acidentes sistêmicos', nos quais todo o sistema - ou parte expressiva - é destruída,
implicando prejuízos de enorme valor. Nessas tecnologias, a 'confiabilidade' técnica
e humana do sistema precisa ser profunda e extensamente avaliada e controlada,
ficando patente que a engenharia de segurança dássica não pode dar conta dessa
demanda. Uma série de novas técnicas de análise de riscos vêm sendo desenvolvidas,
particularmente a partir dos anos 50, incluindo as técnicas sistêmicas de árvores e o
cálculo probabilístico de falhas possíveis de componentes a partir da lógica
matemática booleaffa. Posteriormente, essas técnicas foram e vêm sendo disseminadas
para o conjunto dos outros setores industriais de menor complexidade tecnológica,
conformando uma abordagem técnica mais efetiva na compreensão, na análise e no
controle dos acidentes industriais (Porto & Freitas, 1997).
De um ponto de vista mais técnico, os acidentes industriais expressam
simultaneamente a éxistência de riscos (expressos mediante 'situações de risco') e
o descontrole destes (mediante 'eventos de risco'), revelando os limites dos modelos
preventivos em vigor. Em nossa proposta conceitual, o risco do acidente industrial
ampliado, ao ser relacionado à natureza do processo produtivo, pressupõe a
existência contínua, eventual ou extraordinária de energias ou substâncias -fontes
de riscos ou hazards -, materializadas normalmente nas tecnologias utilizadas e
com potenciai de gerar danos à saúde. Esses danos podem ser provocados, por
exemplo, pela presença de temperaturas elevadas, de máquinas perigosas, de
substâncias tóxicas, inflamáveis ou explosivas, fazendo com que certas instalações,
processos e substâncias possam ser classificados de acordo com o potencial de
gerar prejuízos à safide.
... Análise Interdisciplinar e Participativa.,

Uma das características básicas do acidente consiste na ocorrência de uma ou


mais disfunções do processo, em que a característica patológica do sistema tende a se
manifestar de forma imediata e abrupta»em oposição às situações 'normais' de poluição
crônica. Além dos efeitos diretos à saúde decorrentes desses tipos de eventos, deve-se
destacar ainda que o convívio com o risco de acidentes graves pode também se tornar
um gerador de estresse. A isto, são somadas as contínuas exposições às cargas de
trabalho e aos agentes químicos que ampliam os riscos de os trabalhadores deste tipo
de indústria e das demais populações expostas virem a contrair futuramente doenças
graves (Freitas, Porto & Minayo Gomez, 1995).
A crescente importância dos acidentes industriais ampliados vem impulsionando
o desenvolvimento e a aplicação de novas técnicas de análise de riscos no interior das
indústrias de processo contínuo em geral, particularmente nas indústrias químicas.
Segundo Flohtmann & Mjaavatten (1985), os grandes acidentes proporcionaram uma
mudança de paradigma nas técnicas de segurança. Com isso, houve uma passagem
da segurança clássica, pautada em análises de acidentes já ocorridos num processo de
aprendizagem empírico, para uma abordagem sistêmica, de caráter prospectivo, que
busca avaliar e prever quantitativa e qualitativamente a ocorrência de acidentes.
Paralelamente, vem-se notando um grande desenvolvimento na implantação de
programas internos (in-site) e externos (off-site) de emergências às fábricas, para ocaso
de ocorrerem acidentes ampliados.
A incorporação de métodos seqüenciais de análise de eveh~os desencadeadores
de acidentes, como no caso das árvores de causas (Binder, Almeida & Monteau,
1995) e das falhas humanas (Leplat & Terssac, 1990), embora sem hierarquização
dos componentes geradores dos acidentes, traz importantes elementos que-são
reestruturados em uma abordagem interdisciplinar e complexa do acidente como
fenômeno social, técnico e epidemiológico.
As críticas às análises tecnicistas de àcidentes (Perrow, 1984) e à construção de
novas abordagens de análise, que mesmo dentro das engenharias incorporam a
dimensão social (Paté-Cornell, 1993), vêm rompendo com as abordagens ainda
presentes na engenharia de segurança no seu senso estrito, apresentando conceitos
interdisciplinares (utilizados por várias disciplinas) e a base de uma abordagem
que não só combine aspectos sociais e técnicos do acidente, mas que também agregue
uma visão epidemiológica da saúde pública (Anderson, 1991; Blank 1997).
Acidentes Industriais Ampliados

PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR E PARTICIPATIVA NA ANÁLISE DOS


ACIDENTES DAS INDÚSTRIAS DE PROCESSO: ASPECTOS
EPIDEMIOLÓGICOSr TECNOLÓGICOS E SOCIAIS DOS ACIDENTES

A P E R S P E C T I VA I N T E R D I S C I P L I N A R

A perspectiva interdisciplinar busca responder aos limites da ciência normal


clássica em abordar problemas complexos (Funtowicz & Ravetz, 1993; Garcia, 1994).
A divisão do conhecimento científico moderno - notadamente nas chamadas ciências
exatas e biomédicas - está na base da evolução do que Kuhn (i987) denomina de
'ciência normal', cujas visões de mundo ou estruturas mentais se encontram na origem
das disciplinas, formando seus paradigmas, freqüentemente implícitos na objetividade
do discurso cien~fico. Tais disciplinas, no mundo acadêmico, organizam-se ao redor
das grandes áreas profissionais, que mesclam as características da divisão científica
do trabalho com as estruturas corporativas existentes e em criação.
A divisão do trabalho científico e profissional pode artificializara realidade
analisada e as proposições feitas pelas várias disciplinas científicas e os respectivos
grupos profissionais, gerando tensões de vários tipos, tanto na compreensão do
problema como entre as várias profissões envolvidas. No caso dos riscos industriais,
tais tensões podem ser particularmente críticas, envolvendo a fragmentação
disciplinar e profissional em conseqüência dos corpos (ciências biomédicas) e mentes
afetadas (ciências "psi'), do ambiente interno às fábricas (engenharias e demais
profissôes relacionadas ao projeto e à gestão dos processos produtivos) e do ambiente
externo, sendo este novamente recortado em virtude do fenômeno destacado (de
caráter econômico, social, geográfico ou ecológico, por exemplo) (Porto, 1994). O
problema dessa fragmentação não reside tanto no fato de existirem tais
especialidades, indispensáveis para o avanço do conhecimento científico, mas sim
em razão de essas disciplinas ignorarem os fenõmenos externos aos seus paradigmas,
impedindo-os de se comunicarem mais ativamente entre si.
Para Garcia (1994), a investigação interdisciplinar surge como resposta científica
à necessidade de serem estudados sistemas complexos, É neste contexto que se
inserem alguns acidentes industriais dentro de realidades sociotécnicas complexas,
pois. as mesmas envolvem simultaneamente diferentes dimensões de uma mesma
realidade, como o meio físico e biológico, a produção, a tecnologia, a cultura técnica,
a organização social e a economia. Estas situações '... se caracterizam pela confluência
de múltiplos processos cujas inter-relações constituem a estrutura de um sistema
que funciona como uma totalidade...' (Garcia, 1994:86).
A investigação interdisciplinar não seria apenas um simples somatório de
diferentes profissionais e disciplinas científicas em torno de um problema; tampouco
... Análise Interdisciplinar e Participativa...

dispensaria o trabalho de especialistas em prol das sínteses dos generalistas. Segundo


Garcia (1994), o avanço das investigações interdisciplinares se dá justamente no
sucessivo jogo dialético de interações entre as 'fases de cliferenciação' - nas quais
predominam os estudos específicos realizados por especialistas, sejam eles
qualitativos ou quantitativos - e as 'fases de integração' - em que seriam realizadas
as integrações dos resultados obtidos no momento anterior, redefinindo a concepção
do próprio sistema estudado; verificando e reformulando hipóteses de trabalho; e,
finalmente, estabelecendo-se propostas alternativas de solução para os problemas
em diferentes níveis, envolvendo desde novas alternativas tecnológicas de processos
e produtos até programas educativos e políticas públicas de médio e longo prazos.
Tal abrangência faz com que a interdisciptinaridade solitária realizada por um grupo
de indivíduos com a mesma formação seja sempre timitada, tornando indispensável
a formação de uma equipe multiprofissional.

A PERSPECTIVA PARTICIPATIVA
Responsabilizar as Vítimas sugere uma desagradável - e talvez consciente -
classe de vi6s, já que, muitas vezes, o trabalho real requer que os trabalhadores
ignorem as precauções de segurança visando ~ alta produção, ao cumprimento'dos
prazos estabelecidos e à manutenção de seu emprego (Perrow, 1984). Porém, quando
ocorre um acidente e trabalhadores morrem ou são lesionados, considera-se que foi
por falhas suas que o fato aconteceu. Mudar o foco de análise, considerando a
organização real do trabalho e seu papel nesse processo - o que obriga a ir além da
imagem dominante do funcionamento das indústrias -, faz-se urgente e necessário
neste contexto. Esta mudança de foco implica não só parar de responsabilizar os
trabalhadores pelos acidentes em que são vítimas, mas também incorporá-los de
modo efetivo nas análises de acidentes e definição de estratégias de controle e
prevenção dessas ocorrências, já que têm a experiência diária do modo real de
operação e não do prescrito.
Para que o processo de produção seja estudado precisamente-como de fato é, e
não como planejado, devem-se incorporar as e xperiências dos operadores que
diariamente trabalham Com os equipamentos, mediante sua participação nas análises
de riscos e de acidentes, bem como na formulação de estratégias de controle e
prevenção. Essa participação pode contribuir para que ocorram mudanças tanto na
visão dos trabalhadores sobre as causas dos acidentes, já que eles são concretamente
envolvidos no trabalho quotidiano de prevenção, como no aumento das habilidades ~
e oportunidades para maior compreensão de que as questões de segurança podem
ser gerenciadas mediante sua participação na resolução dos" problemas. Nesta
perspectiva, aumentar as habilidades e oportunidades de participação dos
Acidenies Industriais Ampliados

trabalhadores envolvidos na produção (operadores, manutenção, supervisores)


torna-os mais esclarecidos e efeKvos nas questões relevantes para a segurança e no
trabalho de prevenção de acidentes (Backstrúm & D66s, 1995).
i

COMPONENTES SOCIAISr TECNOLÓGICOS E DA SAÚDE NO CONTEXTO DA


ANÁLISE DE ACIDENTES EM INDÚSTRIAS DE PROCESSO CONTÍNUO

A delimitação do objeto acidente é fundamental para que possamos especificar


a análise e estabelecer práticas preventivas voltadas para os principais condicionantes
dos acidentes, já que eles apresentam componentes de níveis diferenciados. Por
exemplo: ao observarmos o nível de determinação mais próximo ao evento, ou seja,
as causasimediatas como objeto para análise dos determinantes, estaremos no campo
das intervenções relacionadas à prescrição de barreiras entre a fonte da lesão e o
trabalhador. Essa conduta freqüentemente privilegia a utilização dos chamados
equipamentos de segurança e tem como paradigma o acidente mecânico, ou seja, os
dois primeiros tipos de acidentes referidos no Quadro I (trabalhos manuais simples
e quedas e trabalhos com máquinas). O sistema montado de registros de acidentes
pelas Comunicações de Acidentes de Trabalho (CATs), e mesmo por muitas
empresas, apresenta ainda esse tipo de enfoque, gerando um registro genérico do
evento e uma especificidade restrita aos condicionantes temporal e espacialmente
imediatos, freqüentemente culpando o trabalhador acidentado.
Portanto, em nossa proposta o acidente passa a ser visto por meio de uma
metodologia múltipla, cuja heterodoxia das ações de investigação é um pressuposto
básico em que cada tipo de acidente implica uma metodologia, por sua vez orientada
por um princípio similar ao da investigação criminal, em que o motivo contextualiza
o crime. No caso dos acidentes, desloca-se o foco das investigações de 'como
aconteceu' para 'por que aconteceu~. Em outras palavras, quais fatores sociais,
técnicos e organizacionais - presentes ou ausentes - propiciaram o agravamento e o
descontrole de uma dada situação de risco.
' Por sua vez, a abordagem interdisciplinar e participativa de acidentes (AIPA),
dentro de um novo paradigma em que os acidentes são vistos como eventos
complexos - simultaneamente múltiplos, singulares e coletiv0s -, estabelece a
necessidade de superação das restrições técnicas das abordagens disciplinares,
abrindo a possibilidade de descrever e analisar as situações complexas- assim como
nelas intervir - em que os componentes sociais, tecnológicos e de saúde interagem e
atuam como mediadores da relação 'processo de trabalho e saúde',
Ao serem levados em consideração esses três componentes estruturais
(Figura 1) e a dinâmica dessa relação, torna-se obrigado apensar e agir de
modo participativo e interdisciplinarmente (Machado, 1996), dado a natureza
/

... Análise Interdisciplinar "e Participativa...

dinâmica, complexa e multidimensional dos acidentes. A Figura 1 ilustra


possíveis disciplinas e relações entre elas.
A interação entre os elementos estruturais tem uma direção que parte dos
condicionantes macroestruturais sociais, políticos'e econômicos, penetrando e
configurando os condicionantes tecnológicos e se expressando epidemiologicamente
nos trabalhadores, por meio dos problemas de saúde conseqüentes aos acidentes.
EntretantO, essa ordem em que a configuração epidemiológica resulta das interações
sociotécnicas pode ser invertida, sendo possível olhar a epidemiologia dos
condicionantes, estudando e avaliando seus movimentos e freqüências. Dessa forma,
a geração histórica dos acidentes configura uma relação hierárquica entre os
elementos interdisciplinares com focos disciplinares múltiplos, dependendo de
setores, empresas e tecnologias analisados, que reorganizam a estrutura de relações
entre os elementos sociais, tecnológicos e da saúde, conforme a Figura 2 apresenta.
Em termos gerais, os componentes sociais podem ser apreendidos, entre outros
aspectos, por meio da análise da situação econômica de um país, região ou setor
econômico, os marcos legais e institucionais existentes, o nível de organização sindical
e a consciência dos trabalhadores. Tais elementos fazem parte da análise do processo
de trabalho tão fortemente quanto a análise das características técnicas de um
p r o c e s s o p r o d u t i v o , q u e f r e q ü e n t e m e n t e d e v e m e n v o l v e r p r o fi s s i o n a i s
especializados, normalmente engenheiros e operadores experientes. Esta combinação
da análise dos condicionantes macroestruturais das causas Subjacentes (incluindo-
se aí os aspectos gerenciais e organizacionais) com análises de situações de risco
concretas deve constituir as avaliações de risco e da tecnologia utilizada em um
determinado processo produtivo. Os componentes sociais e tecnológicos, por sua
vez; configuram-se como fundamentais no entendimento das condições de saúde e~
dos próprios indicadores que serão utilizados para a avaliação epidemiológica, bem
como para a implementação de possíveis medidas preventivas - pois somente por
meio desta análise integrada podemos encontrar os parâmetros para avaliar as falhas
técnicas e organizacionais.
Obviamente, uma falha" alguma decisão ou ação realizada inadequadamente
ou não implementada dentro da organização - somente pode ser considerada como
tal. se existirem condições macroestruturaís e tecnológicas que a viabilizem. Por
exemplo: uma máquina ou instalação pode estar fora não somente das normas
nacionais, freqüentemente incompletas ou limitadas, mas dos padrões internacionais
que expressam o estado da arte mais avançado em termos de segurança daquele
processo produtivo. Pode também deixar de sofrer a necessária mànutenção
preventiva por conta de uma crise internacional no mercado financeiro, de modo
que as empresas mais vulneráveis podem cortar os necessários investimentos de
segurança por conta da retração do mercado mundial e, conseqüentemente, das

59
Acidentes Industriais Ampliados

Figura 1 - Componentes estruturais da Análise Interdisciplinar e Participativa


de Acidentes (AMA) e exemplos de disciplinas envolvidas

Abordagens Sociotécnicas
/ SOCIAL ~ Psicologia Organizacional /TI~CNoI.Óc.IC&
/ sociolog~~ -\ < . . > /-/G~/-,~ã~~~- \

~ . ~ A I P A / E p i d e ~ o s i ç ã o

~ Pslcodinamica do Trabalho

[ Clínica Médica i

ç E To ~ C ° ò l ô i g i a J

Figura 2 - Geração histórica dos acidentes na perspectiva da AIPA

Condicionantes ~~~, GLOBAL


Macroestrumrais ( T ~ V e l d a s o c i e d a ~ )

Causas
/ ~ ~ L O C A L
Subjacentes ( "~" (nível das empresas/v )
(Gerenciais/ ~ ~ . o c a l d e t r a b a l ~
Organizacionais)

1 [ SITUAÇÕES DE RISCOI,
Causas
Imediatas EVENTOS DE RISCO
!

I I

l
Efeitos à Saúde f""~omponentes~"~
~demiológicos ...J
... Análise Interdisciplinar e Participativa..

vendas nesse próprio mercado. No Brasil, principalmente em setores de maior


fragilidade econômica e sindicai, como em várias pequenas e médias empresas, é
freqüente a presença de equipamentos e processos obsoletos, em que a fragilidade
econômica e a vulnerabilidade institucional permitem" a formação de uma 'cultura
técnica do improviso', por intermédio de manutenções inadequadas e modos
operatórios arriscados, nos quais anormalidades são ao longo do tempo
transformadas em normalidades e incorporadas às organizações, constituindo o que
Wynne (1988) denomina de 'anormalidades normais'.
Os componentes sociais são particularmente importantes na realidade brasileira,
dadas as desigualdades sociais que configuram a vulnerabilidade social de diversas
categorias de trabalhadores. Por exemplo: os acidentes tipo I e 2, presentes no Quadro 1,
acontecem em situações de trabalho desqualificado com pouca visibilidade social,
baixo nível, de organização e poder dos trabalhadores, em setores refratários à
implementação de tecnologias e processos mais seguros em países com baixa
disseminação de políticas sociais e de condições precárias de trabalho. Tal contexto
propicia um geren¢iamento artificial de riscos, em que a alta' rotatividade da mão-de-
obra, o baixo nível dí treinamento dos operadores e o baixo valor atribuído à vida e à
saúde dos trabalhadores constituem um cenário de substituição inesgotável da força
de trabalho, no qual as situações de perigo fazem parte do cotidiano e da cultura nos
próprios locais de trabalho. Aqui, os acidentes tendem a ser vistos de forma individual
e culpável pelos métodos de investigação, centrados e limitados ao reforço da
identificação do ato inseguro. A mortalidade por esses acidentes apresenta uma
proporção elevada de vítimas do sexo masculino, revelando uma cul~ra perversa de
exploração do machismo e da força muscular como forma de acumulação.
Os acidentes do tipo 3 do Quadro 1 são os de maior interesse neste text0,
dispondo de um.a expressão epidemiológica relativa, pois freqfientemente não sao
identificados, submersos no sub-registro, aparecendo em alguns casos na forma de
eventos explosivos e catastróficos, como o acidente da Vila Socó ocorrido em Cubatão
(SP) no ano de 1994. Tais acidentes costumam terum duplo perfil, sutil e arrasador,
em que existe um macroperigo potencial e silencioso característico desses processos
produtivos. A força de trabalho envolvida no núcleo central do processo produtivo
é formada por operadores com maior qualificação do que nos casos anteriores e
maior orgalxização em suas reivindicaçõesi Entretanto, se os primeiros encontram-
se espremidos pela elevada rotatividade, os últimos estão limitados em sua
capacidade reivindicativa pelo 'privilégio' de terem um emprego de maior
remuneração, bem como por pressões de redução de efetivos decorrentes de políticas
de modernização e aumento de produtividade, pondo em risco as operações. Outro
aspecto particularmente importante na realidade brasileira refere-se à substituição
de atividades de risco por trabalhadores menos qualificados e organizados, mediante
Acidentes Industriais Am pliados

estratégias de terceirização, que trazem para o setor das indústrias de processo -


especia!mente nas atividades de manutenção e de menor qualificação - um perfil de
situações de risco semelhante aos tipos I e 2 dq Quadro 1.
Em países de industrialização periférica, como o Brasil, existem situações
peculiares de precariedade em que o uso tecnológico convive com baixo índices .de
desenvolvimento social, potencializando situações de risco, encobrindo suas sutilezas
e magnificando suas repercussões catastróficas. Por exemplo: a amplificação
sociopolítica do risco de acidentes industriais ampliados no Brasil (Porto & Freitas,
1996), semelhante a países como fftdia e México, tem como importante condicionante
a forma caótica de urbanização por populações socialmente excluídas em áreas de
risco periféricas dos grandes centros Urbanos. Além disso, agrava o problema a
falta de informação e discussão pública dessas situações de risco - mediante, por
exemplo, a construção de cenários de acidentes, com debates com os grupos locais
potencialmente envol~¿idos. Essas iniciativas são elementos centrais não só no
processo de democratização da sociedade e construção da cidadania, mas também
para a construção de planos de emergência, tal como previsto no programa da
indústria química denominado responsible care ('atuação responsável'), assinado por
diversas empresas, inclusive pelas brasileiras.
Os acidentes do tipo 4 do Quadro I fazem parte do pano de fundo da violência
na sociedade brasileira, não merecendo aqui uma análise mais detalhada. Entretanto,
pode-se destacar a relação do impacto social de um acidente fatal nas famflias dos
acidentados, já que, com amarre de um pai de uma famflia desamparada, ocorre a
desestruturação familiar, e a vulnerabilidade à violência aumenta. Os membros das
famflias dos acidentados têm aumentado seu potencial de se tornarem vítimas da
violência, pois são impulsionados para a periferia do sistema onde se localizam os
focos de violência. A estimativa de anos potenciais perdidos por. ano no Brasil por.
mortes em acidentes de trabalho é de 300 mil anos potencialmente perdidos,
considerando uma expectativa de vida de 65 anos. Essa dimensão não leva em conta
as incapacidades e mortes por doenças relacionadas com o trabalho, nem mesmo as
incapacidades temporárias e permanentes decorrentes dos acidentes.

As FASES DE PREVENÇÃO DA AIPA

A contextualização dos acidentes e suas causas deve estar intrinsecamente


relacionada com possibilidades preventivas. Seguindo o modelo proposta de geração
histórica dos acidentes, podemos apreender três importantes fases de prevenção, quais
sejam: a estrutural, a operacional e a mitigadora ou de recuperação (Porto, 1994)
... Análise Interdis¢iplinar e Participativa...

FASE ESTRUTURAL

A 'fase estrutural' se caracteriza por um tipo de prevençao que extrapola o


nível da empresa e envolve as características da sociedade no qual determinado
processo produtivo se insere, expressando a intekação social com as situações de
trabalho, o território, as instituições, a legislação, os movimentos sociais, o nível
de organização social e cidadania da população em geral e dos trabalhadores
envolvidos em situações de risco.
Talvez seja essa a diferença principal do método desenvolvido neste capítulo,
diante das análises de acidentes que vêm sendo preconizadas em países com situações
de bem'estar social e de elevado nível de cidadania, pois em nosso meio fica Clara a
vulnerabilidade social e institucional que condiciona os acidentes em termos
macroestruturais para além dos muros das empresas.
Se, por um lado, o acidente é ampliado em suas conseqüências pelas
características dos riscos presentes nas indústrias de processo, também a gênese do
evento tem características ampliadas, pois as decisões de gerenciamento social e
iocal expressam freqüentemente um agravamento das situações de risco, por meio
do duplo perfil de utilização de tecnologias; do alto grau de degradação tecnológica;
da falta de participação dos trabalhadores e da sociedade; da falta de mecanismos
democráticos e eficientes de controle institucional; e com um controle territorial
amplo por parte das forças Sociais e econômicas ligadas às empresas, características
do modo de produzir e reproduzir de países em industrialização como o Brasil.

FASE OPERACIONAL

A 'fase operacional" pode ser dividida em dois grandes grupos. O primeiro


constitui-se em uma etapa essencial ao controle dos riscos e diz respeito às principais
características que definem a concepção do projeto tecnológico, o sistema
organizacional e de gerenciamento das empresas, bem como a localização de uma
planta industrial. Os principais mecanismos regularizadores associados a essa fase
deveriam incluir, a partir dos principais riscos existentes e de suas conseqüências
para a saúde e o meio ambiente, uma ampla avaliação do projeto industrial, mediante
a análise das características técnicas e organizacionais da planta industrial a ser
futuramente operada, os padrões básicos de segurança para processos e produtos
perigosos e os critérios para a manutenção da planta em operação. O licenciamento
prévio para a construção da planta em uma dada localização pressupõe a, análise
desses riscos, que passam a fazer parte do processo de negociação para a aceitação
da realização do empreendimento na região. O licenciamento final dependerá da
construção e da aprovação final da instalação concluída, a partir dos parâmetros
definidos legalmente e na fase inicial de licenciamentol
Acidentes Industriais Ampliados

O segundo momento da prevenção operacional se realiza quando a empresa


encontra-se em operação, É o principal momento na monitoração contínua dos riscos
presentes nos processos de trabalho, por intermédio do cumprimento e do
aperfeiçoamento das medidas de segurança previstas, até mesmo porque muitos
dos riscos e da eficiência das medidas preventivas adotadas não podem ser
amplamente avaliados antes do início efetivo da operação da planta industrial,
principalmente com relação às novas tecnologias de processos e produtos.
O período da fase operacional é o momento no qual diversos elementos presentes
no processo de trabalho interagem formando situações de risco, em que as dinâmicas
operacionais geradoras de situações de riscos hibernam em um sono tão leve quanto
mais frágil for o sistema preventivo. Porém, em determinado momento, deflagra-se
uma dinâmica operacional em que um conjunto de fatores constituintes das situações
de risco são desencadeados, atuando'e interagindo de tal modo que resultam na
produção de um evento de risco, gerando uma parada na produção com
conseqüências tais como vítimas, danos ambientais e perdas econômicas.
Antes mesmo dos acidentes, contudo, as situações de risco podem Se expressar por
meio dos chamados incidentes ou 'quase-acidentes', em que uma cadeia de
acontecimentos e falhas é interrompida antes de provocar uma conseqüência mais grave.

FASE MITIGADORA OU DE RECUPERAÇÃO

Esta fase refere-se aos acontecimentos internos e externos às fronteiras do local


de trabalho posteriores aos eventos de risco, de caráter técnico, médico e jurídico-
institucional, com implicações econômicas e políticas. Esses acontecimentos podem
ocorrer nos seguintes níveis:
t das empresas - por intermédio de planos de emergência e contingência, primeiros
socorros, exames médicos, análise de acidentes. (causas, responsabilidades, custos)«
medidas preventivas adotadas, estratégias de relações públicas;
- da rede emergencial, assistencial e de primeiros socorros, pública ou privada, envolvendo
os procedimentos técnicos, médicos e hospitalares para controle e combate a situações
de emergência, o atendimento às vítimas, evacuação de áreas atingidas, entre outros;
. da estrutura previdênciária, envolvendo os procedimentos legais e administrativos para
o afastamento do trabalho e o recebimento de 'benefícios' e indenizações por parte de
todos os afetados - trabalhadores e cidadãos;
- demais instituições do poder público e legislativo, em termos de fiscalização,
avaliação de riscos e danos, reformulação da legislação, aplicação de penalidades
e e v e n t u a i s p r o c e s s o s c i v i s e c r i m i n a i s . E s s a s a ç õ e s p o d e m e n v o l v e r,
eventualmente de forma conflitante, diversas instituições em âmbito federal,
estadual e municipal, como os Ministérios do Trabalho e da Previdência Social,
Saúde, Meio Ambiente, Ministério Público, Secretarias estaduais e municipais da
Saúde, Trabalho e Meio Ambiente, entre outras;
... Análise Interdisciplinar e Participativa...

dos trabalhadores, moradores e cidadãos afetados e suas respectivas organizações que,


como atingidos, se mobilizam a partir de acidentes, doenças, poluições e destruições
ambientais para cobrar de empresas, instituições públicas, partidos políticos e da
sociedade como um todo posturas solidárias aos.afetados e proteção da vida e do meio
ambiente, seja em termos de assistência e benefício, ou por meio de fiscalizações e
punições que impeçam novos acidentes, doenças e problemas ambientais;
- de imprensa e órgãos de comunicação, mediante a importância, a continuidade e a
qualidade das informações veiculadas.

Em termos preventivos, as medidas curativas e reparadoras na fase das


conseqüências são fundamentais para minimizar os efeitos negativos em andamento
nesta fase,~tais como o número de vítimas e a gravidade das lesões. Denominamos a
fase preventiva presente nesta fase de 'prevenção de recuperação ou mitigadora'. As
ações posteriores aos acidentes também poderão influenciar decisivamente a
implementação de novas medidas preventivas nos níveis estrutural e operacional. A
mobilização dos trabalhadores e cidadãos, bem como as ações dos diversos grupos
sociais, forma ao longo do tempo um quadro de pressões que tende a reestruturar, em
maior ou menor grau, de acordo com os interesses e forças em questão, as prevenções
estru~arais e operacionais relacionadas aos riscos industriais. Dessa forma, existe uma
inter-relação dinâmica e histórica entre as três fases preventivas apresentadas
anteriormente. E é justamente a análise desta inter-relação que nos permite
compreender a dinâmica social e histórica dos riscos industriais e seus acidentes.

FASES DE PREVENÇÃO E PRINCIPAIS ÁREAS DO CONHECIMENTO ENVOLVIDAS


A Figura 3 tenta sintetizar nossa concepção interdisciplinar sobre as causas dos
acidentes, relacionando-as com as diferentes fases preventivas no processo de geração
das situações e eventos de risco.
A fase estrutural envolve os níveis mais globais de causalidade, por meio de
condicionantes macroestruturais no nível da sociedade como um todo e do setor
econômico, até se chegar no nível da empresa, em que as causas subjacentes
adquirem o contorno de falhas gerenciais que conformam situações de risco. Em
dado momento, uma situação de risco pode desencadear um acidente, por
intermédio de uma cadeia de eventos específicos que se inter-relacionam. A
seqüência imediatamente próxima ao evento são as causas imediatas do acidente,
que acabam por prejudicar a curto, médio ou longo prazo os trabalhadores, o
meio ambiente e a população nas áreas de risco afetadas.
Na parte inferior da Figura 3, encontram-se as áreas do conhecimento mais relevantes
para a discussão dos elementos presentes em cada uma das fases preventivas, com a
hegemonia respectivamente das ciências sociais e humanas, das disciplinas tecnológicas
e das disciplinas mais diretamente voltadas aos efeitos para a saúde e o meio ambiente.
Acidentes Industriais Ampliados

Figura 3 - Síntese das fases preventivas e principais áreas do conhecimento

ESTRUTURAL OPERACIONAL MPIR


T IEGVAEDNOÇRÃ
AO I
I PREVENÇÃO
II PREVENÇÃO

~ãüSäs-Sübiäcentes'"):!.. (Situações iq iCäüsäs-Ime-d]ätasi~)>


"i....- ......... Iderisco~,d................................................................................ i.-"....
.............7..................
Condicionantes ~ Ãci~;êntés~
'
macroestruturais t/~ "/X/"4r-------~ -
Falhas Gerenciais ~ N N
Falhas Técnicas EFEITOS "~
Ç " ~ e Fatores
,//L,.,-///
~ ~ Humanos AFETADOS ~.N,~
_i ] _ N~í v e li ] Nível , População
Global da I do Setor ~ Meio
.4
Sociedade Economico - - - - - - jf~ ......................_.Ambiente
I I " Nível Nível do ,/7 ........." .........-...~~I....~.Y
Ciências Sociais e da Setor/Local / / ~ , ,
Humanas Empresa de Trabalho
\, ,. . f"" /
Disciplinas Tecnológicas "- "'-- ?:\~"

Trabalhadores
Epidemiologia, Psicologia, Clínicas
Médicas, Toxicologia, Ecologia Aplicada

A CARACTERIZAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO E AS SITUAÇÕES DE


RISCO CRÍTICAS NA ANÁLISE DE ACIDENTES EM INDÚS~S DE PROCESSO

A análise de acidentes industriais em indústrias de processo exige o


aprofundamento do estudo de situações e eventos de risco em suas diferentes fases
e características. Para isso, podem ser desenvolvídas abordagens mais sofisticadas
de qualificação e quantificação da exposição às situações de risco, que especificam o
risco por tipo de operação/atividade e classificam os acidentes segundo as causas
relacionadas às características tecnológicas e organizacionais envolvidas no acidente,
como na classificação desenvolvida na comunidade européia para acidentes em
indústria de processo e que considera, entre as causas subjacentes, diversos fatores
relacionados às falhas gerenciais e organizacionais, bem como a concepção dos
projetos (Drogaris, 1993).
... Análise Interdisciplinar e Participativa...

Tais metodologias tendem a esclarecer as situações de risco e suas variações,


permitindo uma classificação capaz de evidenciar fatores e situações de risco distantes
das causas imediatas ao evento. Abrem, portanto, a possibilidade do desenvolvimento,
de uma epidemiologia da exposição dos acidentes, em que os condicionantes presentes
no processo de trabalho, muitas vezes invisíveis no cenário do acidente, passam a ser
o objeto central da análise e, conseqüentemente, das ações de prevenção.
A categorização das situações de risco na indústria de processo deve distinguir
fases e uma tipologia das atividades mais relevantes na ocorrência dos acidentes
industriais, particularmente em indústrias de processo. Esta tipologia permite
contextualizar, em um primeiro momento de análise, possíveis aspectos gerenciais
e organizacionais relacionados aos acidentes. Um primeiro recorte dessa natureza
separaria as fases de 'construção e ampliação', da 'manutenção em operação e em~
paradas', assim como a 'operação em rotina de produção, em picos e em partidas'.
As atividades e situações de risco existentes nesses períodos devem ser destacadas,
para que se limitem e evidenciem os riscos específicos de cada fase e tipo de atividade,
envolvendo estratégias e medidas preventivas diferenciadas (Quadro 2). Por exemplo:
além das características técnicas das atividades realizadas nessas situações, o tipo
de força de trabalho pode ser diferenciado em termos de qualificação e relações de
trabalho, incluindo a mão-de-obra terceirizada, uma população particularmente
vulnerável aos acidentes na realidade brasileira.

Quadro 2: Situações críticas de risco do processo de trabalho e suas


características

FASE CARACTERÍSTICAS DE SITUAÇÕES CI~TICAS DE RISCO

Manutenção em
Intensificação das atividades de manutenção
paradas

Necessidade de atingir a um novo equil~rio


Partidas
operacional, monitoramento intensificado

Manutenção em Relação entre operação e manutenção. Coordenação


operação de atividades e somatório de situações de risco

Padrão de operação, ritmo, intensidade,


Operação
tarefas cíclicas, risco do processo

Um exemplo concreto dessa categorização das situações de risco na sua relação


com a ocorrência dos acidentes industriais, particularmente em indústrias de
processo, pode ser visualizado na classificação dos fatores causativos de acidentes
adotado na Comunidade Européia (Drogaris, 1993). Nessa classificação, para as
Acidentes Industriais Ampliados

causas imediatas dos acidentés encontramos, por exemplo, itens relacionados aos
fatores humanos (relativos a operação, manutenção, inspeção, testes ou calibração
de equipamentos), às falhas de componentes (tubulações, bombas, válvulas, reatores,
fomos, compressores, agitadores/misturadores, componentes elétricos, instalações
para vapor, água, energia elétrica, resfriamento etç.) e de manutenção (desgaste de
equipamentos, corrosão interna e externa), reações inesperadas e cargas eletrostáticas.
Para as causas subjacentes, as principais encontram-se relacionadàs às omissões
gerenciais e organizacionais, incluindo-se aí a ausência de uma cultura de segurança;
uma organização de segurança inadequada; a não-observância de procedimentos
de segurança predeterminados (por exemplo: reter ou acelerar a produção);
procedimentos relacionados à operação e à manutenção insuficientes ou obscuros;
insuficiente supervisão das atividades de operação e manutenção; baixo nível de
treinamento dos trabalhadores; problemas de segurança em relação aos trabalhadores
terceirizados; e falhas na clarificação de acidentes anteriores e no necessário
aprendizado organizacional e gerencial. Além destes, incluem-se os problemas
relacionados à inadequação do projeto, os quais não consideram a aplicação adequada
de códigos/práticas sustentáveis Para o processo; o processo analisado
inadequadamente do ponto de vista da segurança, de modo que perigos não tenham
sido identificados; erros de projeto (omissões, aplicações impróprias de códigos/
práticas); falhas na aPlicação de princípios ergonômicos no projeto da interface
homem-máquina, entre outros. Estes fatores causativos, imediatos e subjacentes,
são também situados de acordo com os modos de operação (normal, armazenamento,
manutenção/modificação, carregamento/descarregamento, início das atividades,
parada, regeneração, espera, operações intermitentes e não-padronizadas) e as
atividades relacionadas às unidades envolvidas no acidente (operações físicas tais
como centrifugação, resfriamento/aquecimento, destilação, secagem, extração,
filtração, bombeamento de líquidos/compressão de gases, fusão, mistura,
bombeamento, separação de fases, vaporização, entre outros; e operações químicas,
tais como síntese de amônia, reatores, cloração, hidrogenação, nitração, oxidação,
polimerização e pirólise). Além destas, existem duas outras formas de classificação,
sendo uma referente ao tipo de acidente (explosão, incêndio e vazamento nas suas
diversas formas) e outra ao tipo de indústria.
É importante considerar que, além de incluir os fatores técnicos na origem das
causas imediatas, esta classificação permite contextualizar os acidentes por
intermédio das causas subjacentes, predominando entre eles os de origem gerencial
e organizacional. Este tipo de classificação parte do pressuposto de que a
compreensão dos diferentes aspectos organizacionais e gerenciais deve ser realizada
nas análises de acidentes, de modo a permitir capturar profundamente os níveis de
causalidade que conduziram aos eventos básicos do modo de falhas.
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Paté-Cornetl (1993), por exemplo, estrutura a análise de acidentes considerando


primeiramente os eventos básicos (Ei) da seqüência do acidente, identificando-os
sistematicamente e agrupando-os em eventos iniciais, desenvolvimentos
intermediários eas consequenclas"^ " diretas dos eventos iniciais, estados finais do
sistema e, finalmente, asconsequenclas"^ " do acidente" (por exemplo: perdas de vidas
humanas). Cada um dos eventos básicos (Ei) é considerado não como isolado, mas
influenciado por um número de ações e decisões (Ai]) que, do ponto de vista da
segurança, podem claramente ser erros, enquanto outras p6dem ser julgamentos
considerados aceitáveis em determinados momentos, mas que provaram ser
catastróficos quando conjugados com outros eventos. Algumas dessas ações e
decisões são estratégias relacionadas ao gerenciamento e controle da produção,
outras são táticas e realizadas imediatamente, normalmente diante de situações
imprevistas. No fim, decisões, erros humanos e julgamentos questionáveis que
contribuem para um acidente podem ser relacionados a um certo número de fatores
organizacionais e gerenciais básicos (O1). Alguns destes fatores têm origem nas
características da empresa (cultura, estrutura da corporação, procedimentos e seus
objetivos), outros em características específicas do setor industrial e sua relação
com as autoridades governamentais (Figura 4).

Figura 4 - Hierarquia das origens de causas de falhas dos sistemas:


decisões gerenciais, erros humanos e falhas de componentes

META DECISÕES
processos, procedimentos, NÍVEL
estrutura, cultura ORGANIZACIONAL

DECISÕES EM
CASOS ESPECÍ~FICOS
NÍVEL DE
AÇÕES E DECISÕES

EFEITOS sobre a
confiabilidade dos EVENTOS BÁSICOS
(falha de componentes
equipamentos
e fatores humanos)

Legenda:
EI: eventos básicos na seqüência do acidente
decisões e ações que influenciaram a probabilidade do eventoE,
õ~:: fatores organizacionais que influenciaram as decisões e as ações
Fonte: Paté-Cornell, 1993.
Acidentes Industçiais Ampliados

separação versus integração das funções de segurança: as empresas, de modo


geral, enfrentam um problema de estrutura organizacional, separando as funções
relacionadas à segurança das relacionadas ao planejamento e ao controle da produção.
A experiência demonstra que há uma tendência de oposição entre as funções de produção
e de segurança, sendo ainda mais agravada pelo fato de as indústrias recompensarem
bem mais a produção, o que, por seu turno, reduz o poder e a efetividade da função de
segurança. A criação dedepartamentos de segurança fortes na estrutura organizacional
tem sido freqüentemente recomendada e adotada nos casos dè indústrias nucleares e
aeroespaciais, visando a enfrentar problemas críticos de segurança. Porém, isto'ainda
se encontra longe de ser realidade na maior parte dos outros setores industriais,
parrticularmente em países de maior vulnerabilidade como o Brasil;
constrangimentos econômicos e centros de lucro financeiro: o setor de produção
de muitas empresas é pressionado pelas estruturas dos centros de lucro financeiro das
corporações, que por sua vez se relacionam diretamente com o mercado mundial. Isto
significa que, em maior ou menor grau, os lucros financeiros de uma empresa estão
diretamente associados a esta variável externa, que por sua vez afeta diretamente as
operações de produção que devem se ajustar às possíveis flutuações do mercado interno
e externo. Quando as flutuações implicam perda de lucros financeiros, o setor de
produçãO procura absorver esse impacto reduzindo os custos. Normalmente, essa
redução costuma se materializar na redução do número de trabalhadores; na
terceirização de determinadas atividades, inclusive algumàs diretamente relacionadas
à produção; na prevalência das manutenções corretivas em detrimento das preventivas;
na redução dos estoques de peças de reposição, afetando as medidas de segurança ao
preço de, algumas vezes, resultar em riscos de acidentes e grandes perdas financeiras a
longo prazo.

PROBLEMAS DE GERENCIAMENTO DE PESSOAL

A política de redução de custos com pessoal, seja pela redução do efetivo de


trabalhadores - por meio da demissão dos mais experientes e com maiores salários
para a contratação de pessoal com salário mais baixo e menos experiência - seja por
um processo de terceirização indiscriminado, freqüentémente não tem considerado
as implicações deste processo para a segurança das instalações perigosas. Como
muitas das outras questões organizacionais, refletem as estratégias de implementação
de corte dos custos na produção. Outras questões que contribuem para agravar esse
quadro se refletem no fato de o trabalho ser considerado como individual e não
coletivo, da organização do trabalho inadequada, de formação de trabalhadores
deficientes e de falhas no aprendizado com os incidentes e acidentes (Kletz, 1993;
Duarte, 1994; Ferreira & Iguti, 1996; Druck, 1997). A seguir, tais itens são comentados
detalhadamente:
redução de efetivos e suas implicações para a segurança do sistema: a redução de
efetivos, que tem como um dos objetivos a redução dos custos da mão-de-obra e o aumento
da produtividade, são multas vezes nefastas para os trabalhadores, pois, em número
reduzido, podem se encontrar em situações críticas em que não há margem de manobra
Acidentes Industriais Ampliados

e segurança do sistema. Tais causas subjacentes aos acidentes, ao permanecerem ocultas,


impedem que ocorra um efetivo aprendizado para o desenvolvimento de efetivas
estratégias de controle e prevenção.

INSUFICIENTE ATENÇÃO À FORMALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS, MANUTENÇÃO E


INSPEÇÃO

Q u a n d o a p r e o c u p a ç ã o p r i m á r i a é m a n t e r o fl u x o d e p r o d u ç ã o e
simultaneamente reduzir os custos, a conseqüência acaba sendo realizar o menor
número de intervenções de manutenção e formalização de procedimentos
operacionais, de modo que a produção não possa ser interrrompida. Nesta
perspectiva, os procedimentos de segurança tornam-se uma parte rara em toda a
lógica do processo produtivo e apenas paliativos, transformando-se em alvos fáceis -
e vulneráveis às políticas de contenção de recursos das empresas. Isto conduz à
redução de seus efetivos, do tempo de treinamento e à diminuição das possibilidades
de compra de peças ou de produtos de manutenção (Wynne, 1988; Kletz, 1993; Paté-
Cornell, 1993; Wisner, 1996):

a precariedade da manutenção: muitos acidentes têm, como pano de fundo, manutenção


precária em que as manutenções preventivas vão progressivamente cedendo lugar às
corretivas, que passam a ser predominantes nas atividades do pessoal de manutenção,
devido à urgência resultante do modo degradado de operação. Em muitos casos, falhas,
disfunções ou anormalidades não previstas originalmente resultam de uma política
inadequada de manutenção, bem como da diminuição das possibilidades de compra
de peças ou de produtos de manutenção. No desenvolvimento do modo degradado de
produção, os serviços de manutenção preventiva e correfiva são confimdidos, passando
as últimas a predominarem. De início, este processo pode ser discreto, porém tem a
capacidade de aumentar rapidamente, tomando-se de difícil controle;
, deficiências no sistema de permissões de trabalho: as deficiências, muitas vezes,
não ocorrem nos procedimentos formais em si, porém nas suas aplicações práticas.
Geralmente isto se dá por conta de recursos insuficientes (incluindo pessoal e tempo),
falta de treinamento, disciplina e verificação, configurando uma cultura técnica da
insegurança. Numa organização que não desencoraja o encurtamento de procedimentos,
múltiplos trabalhos podem ser realizados com uma única permissão ou até mesmo
sem ela. Isto leva a sérios problemas na comunicação e na formalização, ainda mais
agravados se for considerado que, muitas vezes, as pessoas que realizam o trabalho de
manutenção não parecem compreender claramente as interdependências e o
acoplamento entre os vários componentes, e como a manutenção de tal máquina ou
equipamento afeta os outros. No entanto, pode ser que a formalização de procedimentos
seja bastante burocrática e complicada para os trabalhadores que realizam as tarefas,
de modo que considerem necessário abreviações para aliviar a carga. Se for este o caso,
os procedimentos devem ser tornados mais eficientes e simplificados para remover as
fontes do problema, sem perda para a confiabilidade do sistema;
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"'transformação de anormalidades em normalidades: a análise minuciosa de


documentos referentes à operação e à manutenção - como as permissões de serviço -
revela que as falhas, principalmente as parciais, podem ser bem mais freqüentes do que
se imagina, fazendo parte do funcionamento normal dos processos produtivos.
Descobre-se que a implementação dos projetos ou das atividades de operações são o
resultado contínuo da invenção e da negociação de novas regras, com o objetivo de
adaptar as situações locais às 'necessidades' da produção e dos princípios tecnológicos
gerais. A questão é que, ao longo dos anos, esse processo de contínua adaptação para a
operação dos processos produtivos contribui para sua deterióração, que vai pouco a
pouco constituindo seu 'modo normal de operação'. Neste processo, a segurança vai
gradualmente sendo minada pela banalização de falhas consideradas 'menores',
constituindo a 'anormalidade normal'. A ausência de padronização e formalização
dos procedimentos de registros das falhas e de emissões de ordens de serviços passa,
nesteprocesso, a ser acompanhada de uma transformação das anormalidades das falhas
em normalidades, que passam a ser suportadas até situações-limite que põem em risco
a continuidade da produção.

CONCLUSÃO

No Brasil, as atuais práticas de gestão e flexibilização do trabalho, frutos da


reestruturação produtiva e do processo de globalização, tem implicado um processo
de degradação das condições de trabalho, associada à redução do efetivo de
trabalhadores, à precariedade das atividades de manutenção com predominância
das corretivas ao invés das preventivas, e uma terceirização indiscriminada que se
estende à operação e à manutenção das atividades industriais, agravando ainda
mais os riscos de acidentes que lhes são inerentes (Freitas & Porto, 1997; Druck,
1997). Como observa Druck (1997), este processo tem implicodo um certo manto de
invisibilidade política e social sobre o mundo real do trabalho, ocultando seus
problemas e contradições. Entretanto, mesmo as estatísticas oficiais vêm
demonstrando que os acidentes de trabalho, resultando em óbitos e incapacidades
permanentes, constituem um grave problema a ser ainda resolvido, já que, embora
venham decrescendo nos últimos anos, observa-se que a letalidade, indicada por
óbitos/acidentes, vem crescendo (Machado & Gomez, 1995). Considerando-se que
há um elevado indíce de sub-registro desses acidentes, evidenciando a precariedade
dos seus sistemas de informação e vigilância, o quadro se mostra como ainda mais
grave, fazendo com que os trabalhadores e as populações mais vulneráveis em áreas
de risco paguem com sua saúde e suas vidas o preço de um processo iníquo de
desenvolvimento econômico (Machado & Gomez, 1995).
Neste quadro, as análises de acidentes de trabalho no Brasil, em que predomina
ainda a visão de que as vítimas - no caso, os trabalhadores - são 'culpadas até que
Acidentes hzdustriais Ampliados

se prove o contrário', contribuem ainda mais para ocultar a grave realidade do


problema que insistentemente teima em se revelar, mesmo nas precárias estatísticas
oficiais (Machado & Gomez, 1995). Assim, a necessidade de melhoria dos métodos
de a " " que revelem mais profundamente os fatores causais, tanto os imediatos
nahses
como os subjacentes, torna-se premente e possibilitaria avançar no desenvolvimento
de estratégias mais adequadas de controle e prevenção de acidentes, contribuindo
para a redução dos custos humanos, sociais e econômicos que representam esses
eventos (Freitas & Porto, 1997).
Entretanto, para se avançar na superação dos limites
dos métodos de nahses preséntes na grande maioria
a " " de acidentes em indústrias de processo empregados no
Brasil, devem-se recol~hecer:
«

os inerentes limites, incertezas e vieses das análises técnicas de causas de acidentes


conduzidas por empresas e especialistas e sua relação com o gerenciamento de riscos;
, os limites de cada uma das disciplinas envolvidas na questão das análises de causas de
acidentes (engenharia, sociologia, epidemiologia, psicologia e ergonomia, entre outras)
e a necessidade de sua articulação para a construção de abordagens integradoras;
o conhecimento dos trabalhadores sobre o modo real.de operação e a necessidade de
que eles participem tanto das análises de acidentes corno na discussão e na
implementação das estratégias de gerenciamento de riscos.
Este texto é um esforço neste sentido e resulta do trabalho que pesquisadores
do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CEST~H), da
Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIocm;z), órgão
de pesquisa, ensino e cooperação técnica d " " "
o Mlrusteno da Saúde, vem desenvolvendo
nos últimos anos em relação à investigação de acidentes industriais, notadamente
os da indústria de processos químicos. O objetivo dessas investigações tem sido:
revelar os fatores causais que se encontram por detrás dos acidentes, utilizando-se
de abordagens contemporâneas que vêm sendo empregadas tanto nos EUA e no
Canadá como em países da Comunidade Européia. Tais abordagens têm por objetivo
ir além das causas imediatas, buscando-se as subjacentes, particularmente as
concernentes ao projeto e ao gerenciamento do sistema produtivo;
garantir que o conhecimento dos trabalhadores sobre o modo real de operação seja
incorporado nas investigações, de modo que eles participem tanto das análises de
acidentes como na discussão e na implementação das e " "
strateglascontemporâneas
de riscos. Tal perspectiva se encontra de acordo com s tecrucas de gerenciamento
de
a " "
análise e gerenciamento participativo de riscos, contribuindo para superar as visões
simplistas e cientificamente erradas de que as principais causas de acidentes são os
comportamentos dos próprios trabalhadores, por meio dos chamados atos inseguros.
A participação da saúde pública na análise dos acidentes, mediante a articulação
da epidemiologia com conhecimentos oriundos principalmente das disciplinas
tecnológicas e das ciências sociais, tem tornado mais clara a relação causal sistemática
de condicionantes ligados ao que se denomina de componentes tecnológicos e sociais
... Análise Interdisciplinar e Participativa...

distantes dos fatores causais imediatos.


Essas an$1ises interdisciplinares contextualizam as falhas humanas em um
processo de determinação social em que a tecnologia, a organização do trabalho, as
relações sociais de produção e as respostas sociais se apresentam como fatores
intermediários de causalidade. Esta abordagem busca sistematizar uma hierarquia
causal, apontando condicionantes e variáveis distanciadas dos objetos causadores/
fontes de lesões, em oposição ao modelo dos atos inseguros que culpam os
trabalhadores e restringem as análises ao ambiente próximo tempóral e espacialmente
do evento do acidente. Ou seja, a contextualização proposta parte da análise de por
que acontece um acidente, comparando-o a eventos similares e realizando uma
sistematização das situações condicionantes, apresentando seus perfis e
possibilitand0 intervenções preventivas em raízes condicionantes mais profundas
dos eventos.
A saúde do trabalhador, como disciplina da saúde pública, tem contribuído
com estudos de situações de riscos ou agravos como os acidentes, adicionando a
contextualização em diferentes níveis de complexidade, apresentada neste capítulo
mediante uma abordagem interdisciplinar dos componentes sociais, tecnológicos e
sanitários, recortada por atividades e setor econômico, se constituindo em uma
metodo!ogia característica das investigações recentes, enfocadas na relação processo
de-trabalho e saúde.
A compatibilização conceitual em grupos de causas dos acidentes, por meio
da articulação entre falhas nas fases preventivas e as situações críticas de risco,
visam a articular tanto a lógica da decomposição do processo de trabalho como a
compreensão do acidente como socialmente produzido, integrando simultaneamente
níveis globais e locais, bem como sistemas sociais e técnicos, permitindo compreender
o fenômeno acidente em sua dimensão singular e coletiva.
Sem dúvida, muito ainda há por se fazer para que mudanças mais estruturais
possam ser realizadas no atual quadro brasileiro. A proposta metodológica
apresentada é apenas uma das diversas contribuições que vêm sendo desenvolvídas
recentemente, e sua aplicação pode ser de particular interesse para os profissionais
e instituições responsáveis por políticas públicas e estratégias globais de
gerenciamento de riscos de acidentes, até mesmo dentro das empresas. Nosso esforço
central tem sido o de articular contribuições modernas no campo da acidentologia
desenvolvidas em países industrializados, com as características sociais e
institucionais da realidade brasileira, marcada por Uma grande vulnerabilidade social
e institucional. Com isto, não se quer dizer que os problemas possam ser resolvidos
de forma imediata, mas espera-se que, pelo menos, profissionais e instituições possam
ter maior clareza da complexidade - e das dificuldades - que demarcam o problema
dos acidentes industriais ampliados no País.
Acidentes Industriais Ampliados

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UMA ABORDAGEM ERGONÔMICA DA
CONFIABILIDADE E A NOÇÃO DE MODO
DEGRADADO DE FUNCIONAMENTO

Francisco J. C. M. Duarte & Mario Cesar Vidal

Este capítulo discute a relação entre a confiabilidade e o modo de funcionamento


de sistemas complexos de produção. Particularmente, discute-se a noção de modo
degradado de ftmcionamento como uma falha latente que pode estar na origem de
incidentes e acidentes industriais (Duarte, 1994).
Na primeira parte, faz-se uma crítica às concepções da noção de acidente de
trabalho normalmente utilizadas em segurança do trabalho, para posteriormente
discutir o papel do operador e do coletivo de trabalhadores para a confiabilidade dos
sistemas complexos. Na segunda, apresenta-se a noção de modo degradado de
:onamento, exemplificando-a a partir do levantamento de dados realizado em
~.. unidade de craqueamento catalítico (Duarte, 1994). Essa noção, desenvolvida a
~rtir de estudos antropotecnol6gicos, é útil para compreender que muito dos
disflmcionamentos presentes nas indústrias químicas e petroquímicas brasileiras está
relacionado ao projeto, à implantação e à gestão das usinas que pouco levam em
consideração as particularidades dos tecidos sociais e industriaisI locais.
A noção de modo degradado significa, em geral, um processo de deterioração
gradual dos equipamentos e dispositivos técnicos de uma instalação ou situação de
trabalho caracterizado por um estado de disfuncionamentos e de incidentes constantes.
Os primeiros estudos em antropotecnologia, desenvolvidos sobre transferência
de tecnologia (Wisner,1994), colocaram em evidência a existência do modo
degradado, como uma característica dominante do funcionamento dos dispositivos
técnicos transferidos para os países em vias de desenvolvimento industrial. Esses
estudos mostraram os fracassos, parciais ou totais, de muitas experiências de
transferência de tecnologia, que se exprimem por baixas taxas de utilização dos
equipamentos, uma qualidade medíocre dos produtos, numerosas panes nos
equipamentos e acidentes freqüentes. Esse modo de funcionamento tem impacto

1Os tecidos social e industrial compreendem os suportes sociais e técnicos que contribuem direta ou indi-
retamente ao funcionamento e à manutenção dos dispositivos técnicos e, assim, ao domínio de uma
tecnologia. O tecido social fornece suportes como o aparelho de formação e o contato com grupos profis-
sionais e orientação técnica. O tecido industrial fornece a infra-estrutura técnica, ou seja, a rede rodoviá-
ria, as peças de reposição e as empresas de manutenção e reparos (RuBIO, 1990).
Acidentes Ind.striaJs Amp]indos

importante sobre a atividade dos operadores, que devem compensar a degradação


dos dispositivos técnicos por meio da criação de modos operatórios originais que
são responsáveis por manter a produção e o funcionamento das instalações.
Os estudos de transferência de tecnologia revelam origens das mais diversas para
esse modo de funcionamento, tais como problemas ligados às condições geográficas -
efeitos do clima quente sobre os transportes--, a qualidade ruim dos meios de transporte
(Abrahão, 1986), a instabilidade da distribuição de eletricidade (Aw, 1988), dificuldades
de obtenção de peças de reposição (Sahbbi, 1984). Também há políticas de manutenção
inadequadas e formação insuficiente dos trabalhadores para uso e manuseio dos
artefatos, mentefatos e sociofatos característicos da tecnologia transferida (Santos, 1985),
das regras e práticas de mercado características (Vidal, 1985), das formas de conversa
e entendimentos dentro e fora do processo de trabalho (Langa, 1995). Ainda segundo
Wisner (1994), os processos de transferência de tecnologia são na maior parte das
vezes parciais. Os equipamentos são importados, mas a organização, os serviços de
manutenção, a formação dos operadores ou técnicos e a documentação que acompanha
os dispositivos técnicos são inadequadas ou incompletas.
O domínio de uma tecnologia só é possível, como indica Wisner (1989), quando os
dispositivos técnicos, a organização do trabalho e a formação dos trabalhadores sofrem
um processo global de reconcepção que leva em consideração as dificuldades locais e os
recursos naturais e industriais disponíveis como trunfos para manter a variabilidade
sob controle. Assim, a capacidade do tecido industrial de adaptar, ajustar ou reparar os
equipamentos, bem como de fornecer peças de reposição, a capacidade das instituições
de pesquisa de produzir novos conhecimentos, a competencla ^ " em gestão,
- a organização
do trabalho adotada e as competências dos trabalhadores têm um papel central para o
domínio das tecnologias transferidas.

ACIDENTES E CONFIABILIDADE NA PERSPECTIVA DA ERGONOMIA SITUADA

É sempre útil frisar que o termo ergonomiarecobre vanos" ' significados," " " desde a
formulação de conhecimentos sobre a pessoa humana úteis para o desenvolvimento
de produtos - o que constitui o paradigma clássico da ergonomia - a uma vertente
contemporânea cujo foco se dá na situação de trabalho e que, por isso mesmo, engloba
os conhecimentos clássicos, com a necessidade de compreensão do contexto em que
a atividade humana se concretiza. Nesta última acepção, busca-se entender a
atividade de uma pessoa em situação, construída diante de uma lista de
determinantes que podem ser evidenciados, o que orienta e seleciona o emprego
dos conhecimentos clássicos, ao mesmo tempo em que chama a atenção para outros
constituintes da situação de trabalho que aquela abordagem não pôde ou optou por
não poder considerar (Vidal, 1991).
..Abordagem Ergonômica da Confiabilidade...

MODELOS TEÓRICOS A SUPERAR: AS CONCEPÇÕES ATÁVICAS E A


NOÇÃO DE PROTEÇÃO

No prefácio2 de seu interessante depoimento prático resultante de 16 anos como


gerente de produção e 14"como r esponsavel pela segurança de uma importante
indústria química inglêsa, Kletz (1993), combinando sua e Xpenencla
"^ "
com relatos de
outros acidentes.em indústrias qufrnicas diligentemente colecionados, constata que
acidentes de mesma natureza se repetem em situações análogas e em um período
subseqüente de poucos anos. Para este autor, a maioria dos acidentes é múito simples,
de modo que não são requeridos conhecimentos esotéricos ou estudos detalhados
para preveni-los, bastando saber o que ocorreu no passado (Kletz, 1993).
A idéia geral repisada por este autor é a de que, para uma efetiva prevenção de
acidentes, a memória técnica é necessária - com o que se concorda aqui - e suficiente -
do que se discorda profundamente. Na verdade, as mesmas evidências em que o autor
se baseia levam a crer que as práticas de prevenção têm como fortes limitantes :
um conjunto de concepções atávicas, centradas na vítima como elemento explicativo
dos acidentes;
"um conjunto de concepções em que prevalece a noção de proteção por sobre a de prevenção.

Como já desenvolvido em Vidal (1984), as primeiras modelagens que explicam


a produção de acidentes não levam em consideração o contexto da atividade e menos
ainda seus determinantes. Tais explicações buscam explicar o acidente na pessoa
acidentada por meio da teoria da culpa, ou culpabilidade, da propensão da vítima
ao acidente e da acidentabilidade - a pessoa errada no lugar errado.
De maneira geral, nessas abordagens considerava-se apenas o aspecto localizado
do acidente do trabalho, ou seja, explicava-se o acidente como o resultado de uma
falha gerada e efetivada em que se deu a ocorrência. Com uma forte inspiração
jurídica, considera-se o evento como uma falha cuja responsabilidade recaía sobre
os ombros do "faltoso': via de regra~ o trabalhador. Essa idéia predominava nos
sistemas de trabalho das corporações medievais - encontram-se traços em diversas
pesquisas de campo no Brasil, assim como nos textos de intelectuais orgânicos da
construção civil na França (Vidal, 1983; Maia, 1984). Uma versão hodierna desta
vertente é a chamada corrente do erro humano, ou, mais eufemisticamente, a 'não-
conformidade! aos procedimentos.
A falta profissional pode ser considerada como uma avaliação subjetiva e
ideológica na pressuposição da execução pelo trabalhador de um ato inseguro. Isto
p .
nos permite rejeitá-la como categoria c i entifica, reg~strando apenas seu alor histonco.
V " I "

Na realidade, os conhecimentos já antigos em psicologia de trabalho (Leplat & Cuny,


1977; Faverge, 1972) permitem considerar a conduta de um trabalhador em situação

2 A citação refere-se ao prefácio da edição brasileira de KLETZ (1993).


Acidentes Industriais Ampliados

real de trabalho como o resultado da interação entre o indivíduo e as condições de


execução de suas tarefas. Do ponto de vista puramente teórico, essas mesmas
condições podem justificar a adoção de estratégias comportando riscos. Assim, a
realização de determinadas operações de forma correta do ponto de vista do
profissional podem ser catalogadas como aros inseguros, o que redunda na
possibilidade de acidentes sem a existência de faltas profissionais - o que produziria
acidentes sem causas. Teríamos, assinh, uma situação cuja única explicação seria a
fatalidade. E fatalidade, convenha-se, é uma explicação técnica tto mínimo
decepcionante para um laudo ou como base para estabelecer procedimentos seguros.
As atuações práticas nas empresas e a legislação brasileira em termos de
segurança no trabalho podem ser caracterizadas por um paradigma protecionista
em contradição a um paradigma prevencionista, na medida em que se objetiva a
evitar a ferida e não a prevenir de fato o acidente. Foi assim desenvolvida toda uma
concepção dita de proteção de máquinas. Na literatura, são descritos alguns casos
de proteção em flagrante contradição com a execução das tarefas.
Apesar da evolução teórica da compreensão do acidente que apresenta a proteção
das máquinas, ainda se considera o acidente como um elemento exógeno ao processo
de trabalho e não como um de seus resultados, mesmo que não previstos, É dentro
dessa ótica que está situada a crítica aos regulamentos de segurança e aos
equipamentos de proteção individual (EPI).
Os regulamentos de segurança como medida complementar, muito embora
dêem a impressão de rigor e seriedade no tratamento do problema, o que é válido e
importante em casos extremos, denota muito mais a periculosidade do que a
segurança do sistema. A segurança é evidentemente melhor onde um mínimo de
regras destinadas a assegurá-la sejam necessárias (Leplat & Cuny, 1979). Os
equipamentos de proteção individual são, via de regra, uma solução rudimentar e
de baixíssima eficiência, salvo certas situações particulares como o capacete na
escavação mineira. Na maior parte dos casos, eles são incompatíveis com alguns
princípios propostos por Wisner (1979) para sua avaliação:
Está em conformidade com a exigência da tarefa?
Está de acordo com a necessidade do operador durante a tarefa?
Protege de forma eficaz contra os riscos?
Sua utilização assegura um mínimo de conforto compatível com o tempo de
utilização presumível?
Podem ser citados alguns exemplos constantes da literatura, tais como: luvas
para execução de tarefas exigindo sensibilidade palmar; máscaras de gases cuja vazão
de oxigSnio é incompatível com o nível de oxigenação necessária à tarefa etc. (Vidal,
1984). O mais grave, no entanto, é que o EPI é tão-somente uma proteção que não
...Abordagem Ergonômica da Confiabilidade...

interfere nos elementos causais do acidente. Em outras palavras, a prescrição do


EPI é ao mesmo tempo o reconhecimento do risco e o atestado de que não foi tomada
providência no sentido de prevenção, ou seja, de agir sobre o mecanismo do acidente:
um atestado de produção insegura.
O modelo brasileiro de segurança do trabalho, engendrado a partir da inspiração
da legislação norte-americana, se deu sob o signo da proteção, palavra que veicula
um significante de afeto, de atitude paternal e mais fortemente maternal, mas que
tem como conotação ideológica a impossibilidade de agir na técnica em si mesma.
Na verdade, proteger significa etimologicamente isolar do mal; portanto, proteger
o trabalhador significa resguardá-lo do mal veiculado pelo processo técnico. Ora,
trata-se de um profundo equívoco, pois pode-se pensar legitimamente em um
processo limpo e seguro.
: Neste paradigma protecionista, à engenharia de segurança cabem o estudo e o
delineamento das barreiras; e à segurança do trabalho, a aplicação de EPIs e o Controle
do tempo e dos níveis de exposição da pessoa em ambientes ionizados pela 'energia
acidentária' (Figura 1).

Figura 1 L Modelo prevencionista simplificador, base da legislação


brasileira de prevenção de acidentes

IGNIÇÃO
I , Meio de propagação: O
Processo de Trabalho
~ V Í T I M A ~ .

J \Barreiras
I -
f

Primeira barreira: ltima barreira:


Isolamento na fonte EPI
.._ j ~Interníedlári~
Acidentes Industriais Ampliados

A RUPUTURA PARADIGMÁTICA: A PASSAGEM AO CONTEXTO E À ATIVIDADE


Como em toda estrutura de paradigma teórico, há um momento de pesquisa
que promove o surgimento dos elementos de ruptura com os modelos existentes.
Tal é o caso da Teoria da Ignição de Faverge (1967), segundo a qual o acidente seria
o resultado combinatóri6de um potencial de risco com uma ignição específica. Esta
modelagem (Figura 2) traz um elemento bastante atual no estudo de sistemas, que é
a importância da contextualização e do grau de relevância dos processos internos
ao contexto. O acidente é visto como o restdtado do encontro entre uma situação de
trabalho que cont6m em si um acidente potencial e um evento disparador que
forneceria as condições concretas de passagem do potencial ao real.

Figura 2 - A teoria da ignição de Faverge (1967)

Coatividades

Fronteiras

Pontos críticos]--~ Interseções

Sucessões

Fatores Locais entulhados


Técnicos

Atividades esporáticas

Insegurança ~._~"-" Recuperação


incidental
Acidente Catacrése
potencial
(riscos)

Fatores
F~ Experiência
profissional

J ,[ Atitude em relação
Humanos ao trabalho

~ Estado psicológico
e fisiológico

t Evento
disparador

~
Previsível? ]
(ignição)
I

. Controlável? I

Embora ainda preso a uma repartição dicotômica entre fatores técnicos e fatores
humanos, tendo ao,fundo uma formulação do trabalho corno interação perceptiva
e motora do ser humano com o maquinismo, Faverge (1967) aponta alguns
. . . . A b o r d a g e m E r g o n õ m i c a d a C o n fi a b i l i d a d e . . .

elementos importantes acerca de características dos ambientes, de características


administrativas do local de trabalho (fronteiras, sucessão ou interseção de serviços),
de características da atividade em si (coatividades, atividades esporádicas,
recuperação e catacreses),3 assim.como considerações acerca da natureza da pessoa
envolvida (experiência, estado e atitude).
A conceituação de processo acidentário estabelecida por esse autor pode ser
considerada uma contribuição do tipo fundamental, na medida em que permite
uma formulação de acidente como fenômeno, ou seja, dotado de um mecanismo
que pode ser elucidado (teoria fenomenológica do tipo caixa translúcida). A
observação crítica que pode ser feita a esta formulação se refere à ausência de um
arcabouço teórico mais aprofundado que pudesse retmificar e ordenar os diversos
elementos interessantes por ela desvendada.

A CONFIABILIDADE E A NoçÃo DE ERRO HUMANO

O termo confiabilidade, em seu uso corrente, é caracterizado por uma acepção


técnica e probabilística. A abordagem, aqui, é bastante distinta desse uso corrente.
Primeiramente porque, conforme Leplat & De Terssac (1991), todo estudo de
confiabilidade mostra não só dimensões técnicas como também dimensões humanas,
ambas intimamente ligadas. Em segundo lugar, a confiabilidade não é, aqui, pensada
como disciplina, mas como um problema que pode ser apreendido por enfoques
bastante diferentes em sua concepção teórica e metodológica.
Entre os diferentes estudos que procuram compreender a dimensão humana da
confiabilidade, podem-se disünguir:
"os probabilísticos que procuram quantificar o risco da ocorrência de incidentes e acidentes
tendo por origem uma ação humana, incorrendo na concepção ideológica de que o
acidente teria um faltoso como causa; e
os que buscam explicar os mecanismos de produção dessas ações.
O enfoque probabilístico (Swain, 1974) sugere a aplicação de métodos
desenvolvidos para medir a confiabilidade dos componentes técnicos visando a
avaliar a confiabilidade humana em termos de probabilidades. Além dos limites
dessa transposição, discutidos por Leplat (1985), esse enfoque não tem utilidade
para a concepção dos sistemas de trabalho, uma vez que não se preocupa com
explicações das condutas humanas.
Entre os enfoques explicativos dos mecanismos pelos quais a confiabilidade do
sistema é comprometida, podem-se distinguir os enfoques baseados no estudo dos

3 Trata-se de uma apropriação de uma figura de semântica - usar uma palavra no lugar de outra, em
sentido figurado - feita por WINSEMIUS (1967) e significa o uso de uma ferramenta para outras finalidades
que não as previstas inicialmente (alicates como martelos, facas como chaves de fenda e assim por diante).
Acidentes Industriais Ampliados

incidentes ou acidentes (por exemplo: o método dos incidentes críticos desenvolvido


por Flanagan (1954), as taxonomias de erros humanos (como as desenvolvidas por
Rasmussen, 1987, e Reason, 1991), e a perspectiva da análise ergonômica do trabalho,
A forma de pensar o erro humano e a contribuição humana para a confiabilidade
são centrais para distinguir a perspecti~¿a, oriunda da análise da atividade. De acordo
com Danielou (1989), a Contribuição de um operador para um acidente não é um erro,
mas uma tentativa fracassada de se representar o estado de evolução do processo, o
que põe em xeque a concepção dos dispositivos técnicos de apresentação da informação,
a organização do trabalho e a formação dos operadores. Em outras palavras, no interior
de um sistema complexo, os erros humanos seriam tentativas de regulação que não
tiveram êxito em conter os disfuncionamentos do processo. Em vez de aberrações, os
erros são sintomas reveladores de uma organização do trabalho inadequada, de uma
formação insuficiente e de uma concepção dos meios de trabalho que não leva em
consideração os limites do funcionamento cognitivo do homem.
Não podemos senão concordar com Wisner (1991.) que falar em erro humano
como origem de acidentes é errado de um triplo ponto de vista. Primeiro, porque
todo acidente não tem uma causa única, como já o assinalara a teoria de ignição e
contexto analisada anteriormente. O emprego cada vez mais freqüente do método da
árvore de causas na análise dos acidentes conduz sempre a mostrar um conjunto de
causas. Em segundo lugar, é falso pensar que somente o operador, situado no final da
cadeia hierárquica de um processo produtivo, é o único a cometer erros. Se o erro é
humano, ele não é reservado só aos operadores; é também fato para os projetistas e os
responsáveis pela gestão das empresas. Finalmente, não é só o homem que falha. Os
dispositivos técnicos não são infalíveis e também estão na origem de diversos acidentes.
Segundo Dwyer (1991), as práticas de segurança nas indústrias em geral não
conseguem acabar com os acidentes, porque elas reduzem as causas dos acidentes
aos erros humanos ou às situações inseguras ou de risco tomadas pelos operadores
que não respeitam as regras de segttrança. Dentro de uma perspectiva sociológica,
esse autor conclui que as sociedades produzem os acidentes que elas bem querem.
Insistir sobre o diagnóstico erro humano facilita a ocultação de outros fatores que, se
fossem evidenciados, obrigariam a uma revisão profunda do desenvolvimento e do
futuro dos sistemas complexos (De Keyser, 1989). Segundo Perrow (1984), a
complexidade dos sistemas é tão grande que os operadores não conseguem
compreender os problemas. A concepção e a gestão inapropriadas do ponto de vista
da segurança transformam os acidentes em eventos que devem fatalmente ocorrer. O
surgimento de incidentes que não podem ser controlados pelos operadores acaba
sendo inevitável. Nas situações de trabalho em que a tarefa é essencialmente a de
prevenir, antecipar e recuperar os disfuncionamentos d° processo, o papel do operador
humano e do coletivo de trabalho 6, fundamentalmente, o de assegurar a confiabilidade
do sistema ameaçada pela variabilidade das situações reais (Faverge, 1972).
...Abordagem Ergonômica da Confiabilidade...

O papel positivo dos operadores para a confiabilidade dos sistemas pode ser
claramente identificado quando eles adaptam os procedimentos previstos ao contexto
real de trabalho ou, então, quando eles elaboram procedimentos originais (quando
se trata de situações pouco familiares) em tempo hábil para manter o funcionamento
eficiente e seguro das instalações).
A atividade de controle em uma indústria de processo contínuo não deixa
dúvidas quanto à importância dos operadores para a confiabilidade desses
sistemas. São eles que tomam as decisões finais que conduzem às paradas das
instalações ou a uma posição segura diante das perturbações. A atividade dos
operadores condiciona a confiabilidade ao menos em termos dos objetivos
perseguidos (Leplat & De Terssac, 1991).
Diferentemente dos estudos já tradicionais sobre os aspectos humanos da
confiabilidade ou de confiabilidade humana, a reflexão-sobre confiabilidade, aqui,
não é voltada para a capacidade humana de execução de procedimentos prescritos
ou de erros Sempre de caráter imediato e individual associados a essa atividade dita
de execução. As situações de trabalho em geral, e particularmente nos processos
contínuos, são marcadas por imprevistos e incertezas. Não existe uma relação simples
homem-tarefa, em que a confiabilidade seria assegurada pela obediência restrita às
normas estabelecidas pela organização prescrita do trabalho.
Devido à ineficiência relativa dos procedimentos prescritos e à impossibilidade
de um domínio técnico perfeito do processo, os operadores são levados a elaborar
modos operatórios originais, muitas vezes contraditórios às normas prescritas,
«

constituindo dessa forma a organização real do trabalho. Assim, o que está em jogo
para a segurança e a eficiência do processo é sobretudo a capacidade de mobilização
das iniciativas individuais ante o inesperado, o que implica a efetividade da dimensão
coletiva e a cooperação entre os operadores.
/

E importante chamar a atençâo para o fato de que a organização real do trabalho


pode conhecer orientações diferenciadas em razão do coletivo que a produz. A tal ponto
que usinas construídas a partir do mesmo processo técnico divergem de maneira
significativa após alguns anos. A degradação do funcionamento, a usura dos equipamentos
e os incidentes que se produzem lhes conferem diferenças significativas a ponto de não
serem mais idênticas nem no plano material (Wisner, 1991; Dejours, 1992).
Outro aspecto particular de nossa abordagem acerca da confiabilidade e da
organização do trabalho é o fato de que ela não se situa no âmbito de erros ou falhas
humanas que tenham um efeito desfavorável imediato sobre a integridade do sistema
produtivo. Nosso interesse se situa sobretudo nas decisões e nas ações cujas
conseqüências, nefastas para a segurança do sistema, podem ficar escondidas por
um grande período de tempo e só aparecerem quando ligadas a erros humanos ou
falhas dos dispositivos técnicos de caráter imediato.
Acidentes Industriais Ampliados

Nesse sentido, Reason (1990) considera a contribuição humana nos acidentes


distinguindo 'falhas ativas e falhas latentes' em conseqüência do efeito desfavorável
imediato ou não sobre o sistema. A principal característica dessas últimas é que elas
estão presentes no interior dos sistemas muito tempo antes de um acidente se
declarar, sendo introduzidas por níveis hierárquicos superiores como os projetistas,
os responsáveis pela manutenção e pela gestão do pessoal.
De acordo com esse autor, é provável que a ameaça mais importante para a
confiabilidade dos sistemas complexos não provenha de falhas dos dispositivos
técnicos ou de erros cometidos por um operador isolado,'mas principalmente da
acumulação de falhas humanas latentes inerentes à organização do trabalho,
conforme afirma Reason (1991). Assim, uma atuação fundamental no sentido de
melhorar a confiabilidade de um sistema está na identificação dessas falhas latentes.
Entretanto, raras são as metodologias que as evidenciam convenientemente. Nesse
sentido, a análise ergonômica do trabalho se constitui em uma metodologia capaz
de evidenciar essas falhas e de fornecer elementos importantes para o aprimoramento
da confiabilidade dos sistemas.
Segundo os autores citados anteriormente, acredita-se que as fontes de acidentes
e de ruptura da confiabilidade dos sistemas complexos provêm, na maior parte dos
casos, da concepção e da gestão desses sistemas de trabalho e não de erros humanos.
A oncepção industrial não leva em consideração as capacidades do cérebro humano
e repousa sobre uma visão inexata do trabalho dos operadores.

O MODO DEGRADADO DE FUNCIONAMENTO

O conceito de modo degradado foi apontado por Kerbal (1989) e formalizado


teoricamente por Sagar (1989). O termo apareceu para dar conta de casos de
inadequação antropotecnológica, em que uma tecnologia não corresponde ãs
características de uma dada popuIação de-trabalho, fato freqüente em operações de
transferência de tecnologia. Conforme já mencionado, o modo de degradação verificado
^ . . . . ~ -
i
após os processos de transferencla de tecnologia ocorrem devido a nao-cons deraçao,
nesses processos, de aspectos particulares do tecido industrial e social de cada região
ou país, bem como à não-consideração de aspectos antropológicos, que se constituiriam,
desta forma, em fontes descontroladas e cumulativas de variabilidade.
No caso das indústrias de processo contínuo, a noção de degradação é sempre
presente. Nessa indústria, conforme já mencionado, não existe uma situação normal,
mas uma situação que varia constantemente e se distancia até certo ponto de uma
situação teórica descrita como normal, É raro que todos os aparelhos estejam em
perfeito funcionamento e que todos os alarmes estejaminativos. C0nforme De Keyser
...Abordagem Ergonômica da Confiabilidade...

(1982), são os operadores que fazem a adequação necessária entre as condições


teóricas de funcionamento e as condições reais, desde que o grau de descontrole da
variabilidáde assim o permita.
A deterioração dos equipamentos e, mais genericamente, o modo degradado
de funcionamento das instalações se revela como uma fonte intensificadora da
variabilidade normal das condições de produção, ou seja, a variabilidade que
permanece nos níveis de controle admitidos como aceitáveis. Na prática, os
operadores se deparam com uma intensificação dos incidentes 'normais' (ou que
fazem parte dos eventos correntes nesse tipo de indústria) como aqueles provocados
por indicações falsas ou desregulagens de equipamentos e ainda com outra
categoria de incidentes que são próprios à situação degradada. No atual contexto
da atividade industrial brasileira, dois fatores parecem ser determinantes do modo
de degradação das instalações: o envelhecimento dos equipamentos e as
modernizações e ampliações parciais de capacidade.

MODO DEGRADADO, ENVELHECIMENTO DAS INSTALAÇÕES E


MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA
As panes e os incidentes de usura, conseqüência do envelhecimento
descontrolado dos equipamentos, são possíveis a todo' momento em razão da
desigualdade de vida útil dos diferentes elementos do dispositivo técnico e do fato
de esses dispositivos terem, na maior parte das instalações antigas, uma idade
também diferente. A desigualdade de vida técnica conduz a fenômenos de catacrese
definidos por Faverge (1972) como práticas que consistem em recorrer ao emprego
abusivo ou inapropriado de meios de trabalho visando a suprir as carências, as
insuficiências ou a falta momentânea ou durável dos meios habitualmente utilizados
em uma atividade normal.
As modificações ou os aumentos de capacidade feitos de forma parcial, sobre
certas partes das instalações, conduzem a essa desigualdade de idade e de vida útil
dos equipamentos, bem como ao fenômeno da catacrese. Segundo De Keyser (1989),
as instalações mais antigas são saturadas porque não foram concebidas com previsão
de aumentos de capacidade produtiva. Os aumentos de capacidade feitos de forma
parcial levam a uma utilização de determinados equipamentos acima da capacidade
nominal, fazendo com que os riscos de deterioração sejam elevados. Nessas situações,
o operador se encontra engajado em uma situação de conflito, na qual ele deve
conciliar as exigências de produção e produtividade com as exigências de segurança,
confiabilidade e preservação dos equipamentos. Quando a busca dos resultados
produtivos é a norma, não importando qual sejam os meios, a usura e a degradação
dosequipamentos são inevitáveis.
Acidentes Industriais Ampliados

A unidade de craqueamento catalítico que nos serve de referência empírica


neste capítulo já passara, por três aumentos parciais de capacidade, e o fenômeno de
catacrese é urna constante. Bombas funcionando em paralelo, equipamentos em pane
por serem subdirriensionados para a capacidade atual de produção, utilização de
materiais inapropriados para reparo e equipamentos operando freqüentemente em
más condições de funcionamento são fatos correntes nessa unidade.
Nesse quadro, a introdução das novas tecnologias digitais de controle de processo
pode ser fonte ou contribuir para a degradação, quando o funcionamento desses novos
sistemas de controle ocorre em instalações marcadas por disfuncionamentos do
processo, levando mesmo a um efeito multiplicador das perturbações, resultado da
interdependência crescente das funções que passam a ser assumidas pelo novo sistema,
que vem ao encontro das constatações de Kerbal (1989).
Os disfuncionamentos imprevistos do processo podem acarretar uma parada
das instalações ou reduzir, às vezes de forma não negligenciável, a eficácia das
regulações automáticas; já nos sistemas de controle mais primitivos ou menos
sofisticados, são mais toleráveis às imperfeições. Da mesma forma que os aumentos
de capacidade, as modernizações tecnológicas são também parciais e privilegiam
sobretudo os dispositivos de controle, fato esse comprovado nas diversas situações
~le trabalho estudadas na indústria de refino, nesses últimos quatro anos, pelo Grupo
te Ergonomia e Novas Tecnologias (G~NTE) da Coordenação de Programas de Pós-
Graduação em Engenharia - CoPP~/UFRJ (Vidàl & Duarte, 1992; Duarte, 1994, 1996).
Assim, as diferenças de confiabilidade entre captores, transmissores e sistema
de controle propriamente ditos impedem o funcionamento perfeito, contribuindo
para a degradação das instalações como um todo. Muitas rotinas automatizadas, na
ocasião da implantação dos sistemas digitais, acabam funcionando em manual, uma
vez que o automatismo exige outras condições de operação, tais como: matérias-
primas estáveis, máquinas em bom estado, sensores confiáveis e de alta fidelidade,
condições estas dificilmente reunidas simultaneamente.
O funcionamento em modo degradado pode ter origem, também, na formação
insuficiente que acompanha a introdução das novas tecnologias. Ainda conforme
Kerbal (1989), a degradação pode ser associada à existência de 'conhecimentos
lacunares' nos operadores sobre a utilização ou o funcionamento do novo sistema.
Esses conhecimentos lacunares resultam, em geral, menos de um problema de
competência do que deuma insuficiente consideração do saber fazer operário e da
atividade de trabalho no processo de concepção industrial, em particular no que se
refere ao plano de formação dos operadores. E, é claro, essas lacunas se agravam
em virtude da variabilidade, conduzindo também à degradação.
...Abordagem Ergonômica da Confiabilidade...

MODO DEGRADADO E ATWIDADE COMPENSATÓRIA

« Quais as implicações do funcionamento em modo degradado sobre a atividade

~o s operadores e a demanda de intervenções dos mesmos diante das anormalidades


vocadas por essa degradação? Em estudo sobre a construção industrializada
(Vidal, 1985), foram evídenciadas as estratégias de gestão da variabilidade
empregadas por trabalhadores em diferentes contextos antropotecnológicos.
Mostrou-se, ali, que várias dessas estratégias se relacionavam à g~nese das diferenças
e às fontes de variabilidade:
'atividadès cooperativas' para assegurar a produção diária sem necessidades de extensão
de jornada, o que se articulava com os espaços'da reprodução da força de trabalho dos
trabalhadores na França;
'gestão da penúria e reconstituição do coletivo de trabalho' nas situações do Nordeste
brasileiro, cujos resultados apareciam apenas como mitigadores;
'desenvolvimentos criativos' de adaptação de componentes industrializados nos canteiros
no Sudeste brasileiro, com sucesso relativo em certos canteiros - aqueles em que as
condições organizacionais o permitiram.
Em seu estudo realizado em usinas de fabricação de papel na Tunísia e na França,
Sagar (1989) acentuou que a degradação das fábricas tunisianas era combatida por
um esforço permanente de compensação e de ações variadas realizadas pelos
operadores e técnicos da empresa sobre os meios de produção.
Aqui, essas estratégias são chamadas de construção situada de compensações. Essas
"atividades compensatórias' da degradação são elementos cruciais na compreensão do
funcionamento- ou, simetricamente, dos disfuncionamentos. Por exemplo: a intensidade
das comunicações não-verbais e proximais e a freqüência de tomada de informação
sobre o funcionamento das instalações, a partir de sinais informais, eram de longe
superiores na situação tunisiana do que na situação francesa, o que pode ser
correlacionado com o funcionamento da planta ttmisiana em modo degradado.
Assim, o modo degradado não se traduz somente por uma deterioração do
dispositivo técnico e organizacional da produção ou pelas perdas de produção e
qualidade, mas também por atividades que procuram resistir às perturbações do
sistema, fazendo com que os resultados de produção aparentem ser relativamente
satisfatórios, mascarando a inadequação existente. Em outras palavras, a degradação
seria compensada por atividades dos operadores que, ~mbora pudessem ser
insuficientes, eram permanentes. Essas atividades representavam uma luta contínua
contra as anorma!idades da produção, por meio de ajustes e astúcias utilizadas
para combater a degradação, algumas vezes com sucesso, outras não (Sagar, 1989).
A existência das atividades compensatórias para fazer frente à degradação permite
mostrar que a degradação dos equipamentos e dos sistemas de utilidades é responsável
por uma parte significativa das intervenções realizadas pelos operadores. Desta forma,
o modo degradado de funcionamento repercute na atividade de operação representando
Acidentes Industriais Ampliados

constantes intervenções para assegurar a produção e, portanto, apresentando reflexos


importantes na determinação de efetivos. Na pesquisa realizada por Duarte (1994), ficou
evidenciado que problemas existentes na unidade de craqueamento implicaram grande
quantidade de trabalho imprevisto. Como esse sobretrabalho não foi considerado na
determinação de efetivos, os cálculos conduziram a equipes subdimensionadas,
comprometendo a confiabi[idade global do sistema produtivo.

INDICADORES DO MODO DEGRADADO EM UMA UNIDADE DE'


CRAQUEAMENTO CATALÍTICO

Para a indústria química ou petroquímica, a caracterização do estado de


funcionamento pode ser feita mediante indicadores como: a relação entre as cargas
programada e processada, as perdas de produção e os registros de incidentes ou de
anormalidades vivenciados pelos operadores. A análise realizada a partir desses
dados corresponde ao que Sagar (1989) chama de primeiro nível de análise da
degradação ou macroanálise do modo degradado, em oposição à microanálise feita
exclusivamente a partir dos operadores em diferentes situações de ação características
(paradas, partidas, reduções de carga, emergências).
São apresentados, a seguir, alguns dados levantados para caracterizar o modo
degradado de funcionamento de uma unidade de craqueamento catalítico estudada
na tese de doutorado de Duarte (1994). Essa unidade é uma das mais antigas do
Brasil. No final de 1997, passou por uma grande parada de manutenção com a
substituição de seus constituintes principais como o conversor e outros equipamentos.
Problemas ligados ao uso prolongado dos equipamentos e ao sistema de utilidades
(água, energia elétrica e vapor) eram muito freqüentes e indicadores da degradação
do funcionamento do sistema técnico. Essa degradação estava intimamente ligada à
deficiência na manutenção dos equipamentos e às automações e ampliações parciais
da capacidade produtiva.
As incertezas na operação de unidades de produção, marcadas por freqüentes
disfuncionamentos nos equipamentos e nos sistemas de utilidades, transpareceram
em trechos dos diversos relatórios do setor:
(...) há muito tempo estamos convivendo com o seguinte slogan: 'o equipamento está"
com problema mas dá pra operar'. (Relatório emitido pelo técnico operacional da
unidade e enviado à manutenção em 13/8/92)
(...) é impossível sabermos quando o equipamento falhará em definitivo e as
conseqüências que esta falha poderá provocar, além das esperadas. Conviver com
problemas de vazamentos em selos e sintomas de avarias em rolamentos ou mancais
das bombas oumotores é uma situação incógnita. (Relatório emitido pelo técnico
operacional da unidade e enviado à manutenção em 21/9/92)
...Abordagem Ergonômica da Confiabilidade...

Essas comunicações foram emitidas ap6s falha definitiva e inesperada de um


motor com princípio de incêndio e limitação da carga da unidade. Elas ilustram os
riscos para a segurança dos sistemas que operam em modo degradado.
Um dos principais parâmetros utilizados para avaliar a eficiência de um processo
contínuo é a relação entre a carga efefivamente processada por unidade de tempo.
O Gráfico 1 apresenta as médias, mensais das cargas programada e processada de
1987 a 1992. A carga efetivamente processada sempre esteve abaixo da programada.
Além disso, de 1987 a 1990 as duas cargas se afastaram progressivamente da
capacidade nominal da unidade, que é de 7.500 m3/dia.

Gráfico 1 - Carga programada e carga real da unidade de craqueamento


catalítico de 1987 a 1992

7000
6500
.~ 6000
~~ 5500
2 1 ~ i i
E 5000
4500
4000 .I I i , 1
i
]i
87 88 89 90 91 92

[~ carga programada + carga processada ]

O número de paradas não programadas constitui também um indicador


importante da degradação do sistema técnico. Os dados da Tabela 1 mostram as
paradas ocorridas e o número de dias parados nos anos de 1987 a 1992. O número
de paradas foi verificado mediante os relatórios de ocorrências anormais da unidade
e o número de dias parados estimados a partir da média mensal do fator operacional
(relação entre os dias de operação e os dias do mês) da unidade.
Dados mais precisos sobre disfuncionamentos e anormalidades do processo podem
ser encontrados nos chamados Relatórios de Ocorrências Anormais (ROA), atualmente
chamado de relatório de não-conformidades. Nesses relatórios são registrados, pelos
operadores, os principais incidentes do processo. Eles apresentam uma descrição da
anormalidade com indicação das causas e dos custos das perdas envolvidos.
Com o objetivo de se conhecerem as cäusas principais das anormalidades da
unidade, foi realizada junto aos operadores uma ídentificação dessas causaS para as
ocorrências registradas de 1988a agosto de 1993. O Grãfico 2 apresenta o resultado
dessa investigação.
Acidentes Industriais Ampliados

Tabela 1: Paradas do craqueamento catalítico de 1987 a 1992

NÚMERO DE NÚMERO DE DIAS


ANO PARADAS PARADOS

1987 15
1988 (1) 75
1989 (2) 68
1990 (3) 41
1991 (4) 27
1992 (5) 79

TOTAL

(1) Durante 1988, houve parada programada de 73 dias para introdução do Sistema Digital
de Controle Distribuído (SDCD).
(2) Em 1989, urna greve dos operadores foi responsável por 61 dias parados.
(3) Em 1990, 31 dias de parada devem-se à explosão da caldeira de CO, situada ao lado da
unidade de craqu#amento e operada a partir da mesma sala de controle.
(4) Em 1991, 19 dias de parada foram necessários para sanar perdas de catalisador no
regenerador e recompor as chincanas no fundo da fracionadora principal.
(5) Em 1992, 55 dias de parada corresponderam à parada programada para manutenção.

Gráfico 2 - Causas principais das anormalidades do craqueamento catalítico

6% não identificada
70/0 outra unidade
operação
44%
4% carga
equipamentos

21%
utilidades
10%
instrumentação

Os problemas em equipamentos foram responsáveis por 44% dessas ocorrências


e os. problemas de utilidades por 21%. A perda de qualidade das equipes de
manutenção, em virtude da aposentadoria dos mais experientes e da terceirização,
6 apontada pelos operadores como um dos fatores decisivos para a degradação do
...Abordagem Ergonômica da Confiabilidade..

funcionamento da unidade. A compra e a utilização de materiais inadequados


também são apontadas nos ROA com relação às juntas dos carretéis dos trocadores
de calor e com os selos das bombas que eram trocados freqüentemente.
Um problema crônico da unidade era o arraste e a perda de catalisador, que
provocou, conforme já mencionado, a substituiçâo completa do coração da unidade
- o conversor - em dezembro de 1997. Durante muitos anos se conviveu, na
unidade, com entupimentos de bombas e trocadores de calor devido ao arraste de
catalisador. Diversas manobras eram necessárias, por parte dos operadores, para
a recuperação da estabilidade do processo (troca de bombas ou trocadores,
colocação de bombas em paralelo, operação pelo by-pass).
Os problemas emutilidades estão relacionados à água de refrigeração (oriunda
da Baía de Guanabara, salgada e, portanto, com alto poder de corrosão), eletricidade
(subestações), vapor de 600 ou 150 libras gerado pelas caldeiras e ar de instrumento.
As variações ou quedas de tensão são críticas para a operação, pois podem retirar
de função diversos equipamentos e bombas, tendo sido registradas diversas
ocorrências. No entanto, no período analisado, entre os sistemas de utilidades o sistema
de água de refrigeração foi o responsável pelo maior número deanormalidades. Os
diversos trocadores de calor de grande porte e a necessidade de condensação de
grandes quantidades de produtos fazem da unidade de craqueamento uma das maiores
- se não a maior - consumidoras de água de uma refinaria. Embora a vazão de água
especificada para o funcionamento normal seja de 13 mil m3/dia, a vazão real esteve
sempre abaixo desse valor, de janeiro de 1992 a agosto de 1993, conforme pode ser
visto no Gráfico 3.

Gráfico 3 - Vazão de água de refrigeração da unidade de craqueamento


catalítico, de janeiro de 1992 a agosto de 1993

14000-

12000-

10000-

8000-

6000-
4000-

2000-
C
S O N D
meses do ano
Acidentes Industriais Ampliados

A água da baía é captada por sete bombas de um canal próximo ~ unidade, É


importante dizer que somente parte das unidades de produção da refinaria utiliza
esse sitema de água de refrigeração. Oufras unidades deprodução são alimentadas
por sistema de água tratada e fechado.
Entre os diversos problemas verificados no sistema de refrigeração, pode-se
citar em primeiro lugar o fato de aibombas de captação serem antigas e apresentarem
panes freqüentes. Em algumas situações observadas, somente quatro bombas (das
sete existentes) estavam em operação, o que não era suficiente para garantir vazão
de água para operação da unidade com carga alta (próxima da capacidade nominal).
As manobras de retirada ou' retorno em operação dessas bombas requerem
normalmente a diminuição de carga da unidade. !

Em segundo lugar, como se trata de água da baía, seu nível oscila de acordo
com amaré. Nas marés baixas pode ocorrer a chamada maré 0-0, com a água do
canal ficando no limite de sucção das bombas, o que pode acarretar a diminuição
do envio de água para as unidades de produção; Essas marés são previstas com
antecedência pela Marinha e representam dificuldades importantes para a operação
da unidade com altos níveis de carga.
Durante as marés 0-0, além da queda da pressão de água, outro fenômeno
perturbador é a obstrução das telas dos filtros de água da unidade devido a
peixes e crustáceos oriundos da baía. Essa obstrução também ocorre,
independentemente da maré 0-0, quando há grande mortalidade de peixes em
conseqüência da poluição da baía.
Além dos filtros de ~gua, outro equipamento freqüentemente obstruído pelas
impurezas da água são os trocadores de calor que, nessas situações, perdem muito
rendimento, ou seja, diminuem a capacidade de condensação, É necessário, quando
isso ocorre, a injeção de água no sentido contrário para desobstrução dos tubos dos
trocadores. Esse procedimento, constantemente realizado "pelos operadores, é
conhecido como back-wash (BW). No mês de janeiro de 1992, foram registrados nos
relatórios de turno até 10 BW por turno, com um total mensal de 125 BW (em média
quatro por dia). Nos meses de inverno, a freqüência é menor.
Além do procedimento de BW, outra manobra normalmente utilizada para fazer
face à baixa pressão de água de refrigeração é a utilização da água do sistema de
incêndio da refinaria. Diversas mangueiras de incêndio são conectadas nos hidrantes
e nos trocadores de calor para aumentar a vazão de água e, portanto, melhorar o
rendimento dos trocadores. A conexão das diversas mangueiras nos diversos hidrantes
e trocadores de calor demanda um trabalho considerável dos operadores de campo.
A degradação dos equipamentos é tambêm compensada pelos operadores do
Sistema Digital de Control'e Distribuído (SDCD) na sala de controle. Diversas
intervenções são realizadas com o objetivo de recuperar a normalidade e a
..Abordagem Ergonômica da Confiabilidade...

estabilidade do processo. As crônicas da atividade desses operadores, apresentadas


nos Gráficos 4 e 5, fornecem uma idéia da dinâmica de uma situação marcada pela
degradação e de uma situação calma. Essas crônicas foram construídas por
intermédio do programa Kronos (Kerguelen, 1986).

Gráfico 4 - Crônica da atividade do operador de SDCD - S!tuação degradada

Forno

Conversor

Torre dest.

Comp. t. dest.

P. fria

Dea

Util. "

Intervenções
[ lOhlOm
i l

lOh20m
|

lOh30m
l

lOh40m
l

lOh50m
l

llhOOm
l

llhlOm

A situação do Gráfico 4 é marcada por corrosão, vazamento e reparo do dreno


de um trocador de calor e por uma variação na vazão de GLP (gás liquefeito de petróleo)
enviado pela unidade de destilação para ser tratado na unidade de craqueamento
catalítico. No eixo das ordenadas estão indicadas as principais partes da unidade de
craqueamento: forno, conversor, torres de destilação, compressores da torre, parte
fria, DEA (tratamento de produtos finais com dietileno amina) e utilidades. O gráfico
apresenta a mudança de telas do SDCD entre esses subsistemas da unidade e as
intervenções realizadas pelos operadores.
No Gráfico 5, está apresentada uma situação calma (sem disfuncionamentos)
em que o operador pode percorrer com mais tempo as diferentes telas do sistema
de controle, supervisionando os subsistemas da unidade.
Acidentes Industriais Ampliados

Gráfico 5 - Crônica da atividade do operador de SDCD - Situação calma

Forno

Conversor

Torre dest,

Comp. t. dest..

P. fria

Dea

Util.

Intervenções
'
8h
I

8hl0m
I

8h20m
I

8h30m
I

4h40m
I

8h50m
I
9h
|

OPERADQR COMO. AGENTE DE CONFIABILIDADE E


NÃO-CONFIABILIDADE

As atividades de compensação e recuperação dos disfuncionamentos crônicos


que caracterizam o modo degradado de funcionamento da unidade de craqueamento
estudada, como se viu neste capítulo, leva à conclusão de que o coletivo de operadores
desempenha papel fundamental para assegurar a confiabilidade desses sistemas
Complexos de produção. No entanto, 6 falso pensar que é possível conviver com a
degradação dos sistemas técnicos, em especial no atual contexto de globalização da
economia que vem levando as empresas a reduzirem seus efetivos de maneira
acentuada, em curto espaço de tempo e com a perda de contigentes importantes de
operadores experientes. Como compensar a degradação sem a experiência, Sem os
saberes práticos essenciais para a construção dos modos operat6rios capazes de
recuperar as anormalidades inerentes aos sistemas degradados?
A degradação do funcionamento das instalações pode ser considerada uma
falha latente. Basta que os operadores não consigam realizar as atividades de
compensação para que ocorram paradas, perdas de produção e até mesmo acidentes
maiores, Isso não significa dizer que em todo sistema degradado .irão ocorrer
acidentes ou catástrofes. A degradação é uma condição necessária mas não suficiente
para que o acidente se declare.
No entanto, não é necessário esperar os acidentes para se evidenciarem falhas
latentes e se atuar na prevenção desses eventos A análise ergonômica do trabalho
(Wisner, 1972) permite uma modelagem do funcionamento das instalações capaz
de levar a uma compreensão de mecanismos que podem levar aos acidentes.
A prevenção efetiva está no âmbito das decisões de projeto e de gestão das
instalações, decisões essas tomadas pelos níveis hierárquicos mais altos de uma
empresa Neste sentido, a análise ergonômica do trabalho, realizada nas situações
reais de trabalho, poderia se constituir em importante metodologia de apoio ao
projeto de sistemas de produção mais seguros.
O número de ocorrências anormais existentes em algumas unidades produtivas
- " " " a
da mdustna qmmica ou petroquLrmc , como a unidade de craqueamento estudada,
leva a pensar, de acordo com Guy (1988), que o conceito de degradação deve ser
pensado de maneira mais ampla, ligado a um modo de desenvolvimento industrial
que se traduziria no nível da história das instalações pelas seguintes fases sucessivas:
- longas fases de partida, antes da estabilização do processo;
« fases relativamente curtas de funcionamento estabilizado;
fases de degradação de performances relativamente longas.
Em outras palavras, a noção de degradação não é somente conjuntural, mas
uma característica estrutural de um modo de desenvolvimento industrial. A
transformação desse estado demanda tempo e mudanças no âmbito das políticas
de investimento e de projeto das empresas Para efetivamente se superar o paradigma
protecionista e se atuar preventivamente, torna-se necessária uma construção social
dos projetos de engenharia voltada para a prevenção de acidentes em estágios
bastante precoces do projetar.
Acidentes Industriais Ampliados

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A PRODUÇÃO SOCIAL DO ERRO - O CASO DOS
ACIDENTES AMPLIADOS

Tom Dwyer

Riscos de acidentes ampliados em diversos setores, inclusive o setor químico,


têm sido objetos de intensos estudos e reflexões nas ciências sociais ao longo dos
últimos 15 anos. A freqüência desses acidentes e a generalização de fatores de risco
por toda parte nas sociedades industrializadas vêm levando alguns importantes
sociólogos a falar em "sociedade de risco'.
Beck (1992) lança a idéia de que o acelerado desenvolvimento da modernidade
levou à formação desse novo tipo de sociedade. (Giddens, 1991:191) fala da produção
de "um mundo de riscos de grandes conseqüências'. Na perspectiva de Beck, uma
parte importante do processo de tomada de decisões a respeito de risco nessas
sociedades foge do controle político:
Apenas uma parte das competências nas quais são baseadas as tomadas de decisões se
juntam no sistema político e estão sujeitas aos princípios da democracia parlamentar.
Uma outra parte é removida das regras de fiscalização e aprovação pública e delegada
às empresas em nome da liberdade de investimento e da liberdade de pesquisa na
ciência. (Beck, !992:184)
Em outras palavras: para Beck, uma parte do processo de tomada de decisões
foge do controle político.
Bem antes da onda intelectual criada em torno da 'sociedade de risco', autores
de orientação marxista, tais como Castleman, elaboraram uma idéia bastante
poderosa de que os países de terceiro mundo passarão a sofrer maiores níveis de
risco relativo aos desenvolvidos por causa da transferência de tecnologias perigosas
destes últimos para os primeiros. "A classe de problemas contidos na exportação de
perigos constitui uma ameaça crescente ao meio ambiente mundial, saúde e relações
internacionais" (Castleman, 1983:301). A hipótese central desta abordagem é: por
razões ligadas à sua posição na estrutura de uma economia capitalista cada vez
mais mundial, os países em desenvolvimento seriam condenados a maiores níveis
de degradação ambiental, doenças causadas por novos processos industriais e danos
produzidos por acidentes ampliados.
Numa primeira impressão, esta hipóteseparece se verificar quando se lembra de
alguns dos acidentes ampliados produzidos ao longo destes últimos anos: Bhopal,
Acidentes Industriais Ampliados

Vila Socó, San Juan Ixhuatepec. Os dados estatísticos parecem fortalecer ainda mais
esta primeira impressão. No período de 1974 a 1987, dois terços dos acidentes
químicos ampliados se produziram em países de primeiro mundo, mas apenas 8%
das mortes ocorreram nestes países, em que cada acidente resultou em uma média
de nove mortes, enquanto nos países de periferia a média gira em torno de 190
mortes (Freitas, 1996). A partir desta última observação, uma hipótese suplementar
se sugere. Por causa da maior eficácia de arranjos feitos 15ara conter os efeitos de
acidentes e por causa da eficácia de políticas de remoção de populações ameaçadas
e de tratamento de vítimas, acidentes idênticos terão conseqüências sobre a vida
humana e o sistema ecológico menores no primeiro do que no ierceiro mundo. A
tese de doutoramento de Freiras (1996) trata de maneira muito competente aspectos
desses arranjos e políticas, prestando atenção especial ao caso brasileiro.

ACIDENTES AMPLIADOS COMO FONTE DE MORTE

Na civilização industrial, os grandes acidentes foram produzidos no processo


de mineração de carvão e a grande parte de suas vítimas era de trabalhadores. Os
acidentes de Courrières, Monoongha e Senghenydd são exemplos bastante "
conhecidosJ A ocorrência destes desastres contribui para acelerar processos políticos,
científicos e profissionais que levaram a profundas transformações em técnicas, normas,
conhecimentos e poderes de trabalhadores e, mediante isso, ao controle e à redução
das conseqüências desse tipo de acidente nos países desenvolvidos.
Embora esses grandes acidentes tenham matado muito menos trabalhadores
do que os rotineiros acidentes do dia-a-dia, eles chamavam muito mais a atenção.
Hoje, além dos trabalhadores, os acidentes ampliados ameaçam populações civis,
futuras gerações e o sistema ecológico. Por enquanto, ninguém imagina que esse
tipo de acidente mate tantas pessoas quanto outras formas daquilo que os
epidemiologistas chamam de 'morte por causas externas'. A importância dos
acidentes ampliados está contida no fato, amplamente demostrado no caso de
Chernobyl, de que pela primeira vez o homem, por meio de atividades concebidas
para garantir seu próprio progresso e nível de vida, pode produzir um nível de
destruição capaz de matar grandes números de civis; abalar os alicerces da estrutura
econômica e política não apenas do país onde o acidente foi produzido mas também
de seus vizinhos; ameaçar em uma escala massiva as capacidades reprodutivas
humanas e resultar em enormes danos ao meio ambiente.

10 acidente de Courrières, França, resultou na morte de 1.101 mineiros em 1906: o de Monongha, EUA, matou 361 em
1907: e o da Universal Colliery em Senghenydd. Grã-Bretanha, matou 439 pessoas em 1913.
A Produção Soc&l do Erro...

As conseqüências tanto desastrosas quanto imprevisíveis de acidentes ampliados


levam o fenômeno a merecer atenção especial tanto da parte dos poderes públicos
quanto na academia. A sociedade passa a delegar responsabilidades a diversas
instituições para garantir a prevenção, assegurar a redução das conseqfiências de
eventuais acidentes por meio de medidas de contenção - e, eventualmente, de remoção
e tratamento - e para garantir a indenização das vítimas e de seus dependentes.
A história dos acidentes do trabalho demonstra que, na medida em que a
importãncia de certos tipos empíricos de acidente é reduzida, novos tipos aparecem.
Ou seja, uma parte dos ensinamentos derivados da nahse de acidentes qmmlcos p
a I "
ampliados pode ser aplicada para examinar e controlar novos riscos. No Brasil,
vejam-se casos de verdadeiros desastres provocados por 'processos produtivos' em
outras áreas. Na área hospitalar, por exemplo, 126 pacientes foram intoxicados e
pelo menos 64 morreram no Instituto de Doenças Renais em Caruaru (PE), em 1996.
Este exemplo - e a incapacidade das associações profissionais médicas de enfrentar
questões relacionadas às respons~bilidades, tanto do ponto de vista técnico quanto
ético, dos profissionais envolvidos no processo e em outros processos parecidos -
levanta uma dúvida de natureza mais geral. Quais são as capacidades das instituições
brasileiras às quais a responsabilidade do gerenciamento da segurança é confiada?
Será que essas instituições têm a capacidade de garantir m'veis aceitáveis de segurança
mediante o uso de poder para disciplinar e dirigir as ações de seus membros?
Sabe-se que o desenvolvimento de certos processos de biotecnologia e de engenharia
genética no País envolverá membros da profissão médica e outras profissões
especializadas na prevenção de riscos, É fundamental perguntar se essas profissões são
equipadas para responder à altura os desafios que o desenvolvimento desses
processos propõe (Doyle & Persley, 1996).

DA ESTRUTURA DO CAPITALISMO MUNDIAL AO LOCAL DE TRABALHO


Os dados citados sobre acidentes ampliados parecem sustentar a hipótese de
que os países de terceiro mundo, por causa de sua posição subalterna e dominada
na divisão internacional do trabalho, assumem riscos fora de seu controle. Seus
líderes empresariais e políticos escolhem estratégias de investimento em que elevados
riscos são aceitos em troca de desenvolvimento econômico ou empresarial. Na
medida em que esses riscos acabam afetando a saúde financeira e política de
empresas, do país ou de seus vizinhos, na proporção em que os movimentos sociais
e políticos mobilizam para contestar os riscos, criam-se forças capazes de transformar
políticas de investimento, e assim tipos empíricos de risco passarão a ser controlados.
Ou seja: países têm escolhas.
Acidentes Industriais Ampliados

Embora o modelo de controle direto de processos produtivos por agentes do


Estado não garanta a ausência de acidentes ampliados nem no mundo desenvolvido
nem no subdesenvolvido, o visível fracasso que cada acidente representa indica a
necessidade de desenvolver novos modelos de análise de causa e estratégias de
prevenção. Modelos em que as responsabilidades daqueles que lidam com a
produção e prevenção de acidentes em uma base diária serão definidos. Mas será
preciso falar apenas em termos de governos, profissões e empresas? Será que estes
não são compostos de pessoas que têm conhecimentos, pensam, agem e refletem
sobre as conseqüências de suas ações? Ou será que, conforme o modelo de explicação
estrutural de origem marxista, membros dessas instituições apenas aceitam de
maneira passiva os riscos que lhes são impostos?
Para responder a estas interrogações é preciso entender o que acontece nos
locais onde se produz aqueles acidentes do trabalho que se transformam em acidentes
ampliados. Na França, o engenheiro de segurança na área de energia nuclear, Llory
(1996), fez três perguntas: Qual é a origem das pressões que levam à tomada de
riscos em organizações complexas? Como é que estas são passadas para o conjunto
dos quadros das organizações? Qual é seu impacto sobre as ações do conjunto de
trabalhadores no dia-a±dia? (Llory, 1996).
A resposta à primeira pergunta, na ótica de Nichols (1997), deve ser buscada
em uma teorização sofisticada a respeito do papel dos meios de acumulação em
uma sociedade capitalista. Para responder à segunda pergunta, Berman (1978) fez
um estudo de inspiração marxista sobre as profissões de segurança do trabalho nos
Estudos Unidos, no qual demonstrou como elas se estruturaram para servir aos
interesses de capital. Seu estudo traça a maneira como essas instituições se formaram
de modo a responder a demandas de segurança como se estas fossem apenas técnicas,
de culpar as vítimas dos acidentes e de garantir uma certa percepção de redução e,
assim, uma aceitação do perigo. Berman I1978) também demonstrou que nem todos
os profissionais de segurança aceitaram esse processo por entender que ele servia a
interesses contraditórios ao bem-estar do trabalhador. Mais tarde, Walsh (1987),
Duclos (1989) e outros autores passaram a estudar essas profissões em maior
profundidade. Em resposta à terceira pergunta, Nelkin & Brown (1984) demostraram
que aqueles trabalhadores americanos que vivem sujeitos a múltiplos perigos se
sentem, grosso modo, incapazes de transformá-los.
Em outras palavras: estes três grupos de autores retratam um mundo onde o
poder de uns sobre os outros se manifesta de várias formas. As profissões de
segurança se formam de modo a fazer que, de um lado, riscos sejam gerenciados
como se fossem meramente técnicos e, de outro, a vasta maioria dos acidentes que
acontecem é considerada resultado de atos falhos dos trabalhadores. Neste texto,
outro referencial será buscado, um que tenha respaldo na sociologia e que seja capaz
de explicar as causas dos acidentes de modo a.levar à identificação de meios de
A Produção Social doErro...

prevenção. O referencial usado é derivado da sociologia do trabalho clássico e é


reconstruí4o dentro da fenomenologia, É uma teoria que busca investigar a
causalidade do acidente a partir do exame da vida como ela é realmente vivida
pelos at~res sociais envolvidos em processos produtivos, atores que convivem no
seu dia-a-dia com riscos, entre os quais alguns levam ao acidente. Esta teorização
requer que os conhecimentos e as capacidades dos trabalhadores perante o mundo
do trabalho Sejam examinados, assim como as motivações que levam à ação.

PODER -- UM CONCEITO CENTRAL

O poder é um dos conceitos mais clássicos das ciências sociais. Segundo o


Dicionário de Ciência Política, de Bobbio et al. (1991): "Num primeiro momento se
pode dizer que o comportamento de A visa modifiçar a conduta de B: A exerce
Poder quando provoca 'intencionalmente' o comportamento de B" (Bobbio et ai.,
1991:935). Em situações de trabalho, A opera de manei.ra a fazer que o trabalho de B
se efetue da maneira desejada por ele. Em situações de risco, A age de modo a fazer
que B trabalhe na presença de riscos - assim o trabalho é cumprido. Fazendo assim,
A exerce poder e um efeito previsível, mas não desejado, deste exercício de poder -
é o acidente do trabalho produzido segundo a ação de B.
A bibliografia define diversos tipos de poder, cada um vivido de maneira distinta
pelos atores superiores e os subalternos. Galbraith (1989) distingue três tipos distintos
de poder no seu livro Anatomia do Poder: compensatório, condigno e condicionado.
Etzioni (1961) traz o conceito de poder para dentro da área da sociologia das
organizações, sugerindo que três tipos operam dentro de organizações: coercitivo,
remunerativo e normativo. Os dois primeiros são compatíveis com os dois primeiros
de Galbraith (1989), enquanto o poder normativo de Etzioni tem, conforme sua
aplicação, um caráter de poder coercitivo ou condigno. O poder condicionado de
Galbraith é descrito da seguinte maneira:
Enquanto o poder condigno e compensatório são msíveis e objetivos, o poder
condicionado, em contraste, é subjetivo; nem os que o exercem, nem os que se sujeitam
a ele estão necessarzamente sempre cientes de que ele está sendo exercido. A aceitação
da autoridade, a submissão à vontade alheia, torna-se a preferência mais alta daqueles
que se submetem. (Galbraith, 1989:25)

Em uma sociedade moderna, este último tipo de poder corresponde, pelo menos
em parte, ao poder disciplinar Sobre o qual Foucault (1986) escreveu. O exercício
deste poder na área de segurança em locais de trabalho concretos é identificado ao
trabalho daqueles profissionais que agem em torno da questão: engenheiros, mé¿icos,
técnicos, psicólogos, ergonomistas.
Acidentes Industriais Ampliados

Uma idéia básica pode ser derivada de Etzioni (1961) e Galbraith (1989): na sua
vida em sociedade, as pessoas mantêm diversos papéis; agindo dentro destes, elas
entram em relacionamentos interdependentes mas desiguais com outras. Na medida
em que um ator inferior recusa.se a agir conforme os desejos do ator superior, este
último recorre ao recurso de poder, empregando incentivos e punições, para
'provocar intencionalmente o comportamento desejado', Os atores superiores
também buscam organizar o mundo material e social para que ele seja aceito pelos
atores inferiores como é apresentado a eles, desta forma exercem poder
(condicionado.) sem se sentir necessidade de recorrer aos dõis outros tipos.
Do mesmo modo em que os diversos tipos de poder são exercidos na sociedade
como um todo, eles também se exercem dentro de instituições e grandes organizações
e na vida do dia-a-dia, É justamente na vida, no trabalho cotidiano, que acidentes
são produzidos e prevenidos. Para prevenir um importante número entre eles não é
necessário abolir o capitalismo nem fortalecer o aparelho do Estado, mas estimular
tuna inversão de relações de poder no m'vel micro e, no caso examinado neste capítulo,
em locais de trabalho onde os riscos de acidentes ampliados
p
se apresentam: Para
*

poder falar de maneira concreta dos locais de trabalho, e preclso recorrer a estudos
que permitam 'ver' as relações sociais qúe produzem os erros que:podem resultar
em acidentes ampliados, pouco freqüentes mas muito destrutivos.
Na matriz teórica a ser empregada neste texto, amplamente divulgada em outras
publicações (Dwyer, 1989, 1991), três tipos de poder são conceitualizados em locais
de trabalho, e estes se ar ticulam em três níveis de relações sociais: recompensa, comando
e organização, e em um nível não-social - o do indivíduo-membro. A relação social é
a maneira na qual o relacionamento entre pessoas e seu trabalho é gerenciada.

O CONTEXTO INSTITUCIONAL QUE REGULAMENTÁ A


SEGURANÇA EM INDÚSTRIAS DE ALTO RISCO

Indústrias onde se fabricam e manipulam produtos de alto risco normalmente


são cercadas por dois quadros legais: de um lado, pela regulamentação das
condições de trabalho, o do outro, da relação com o meio ambiente. Profissionais
de segurança do trabalho e do meio ambiente são encarregados pelas empresas de
responder às exigências legais e garantir a segurança no plano interno. Esses
Profissi0nais empregam sofisticados programas, métodos e técnicas de análise nas
quais se baseiam suas intervenções, que incluem árvores de causas, segurança
sistêmica, Hazard and Operability Study (HAzoP), Preliminary Hazard Analysis
(PHA) e Atuação Responsável.
A Produção Social do Erro...

No geral, sabe-se muito pouco sobre como o quadro legal influencia o tratamento
dado à segurança dentro das empresas e como elas respondem a exigências internas
para enfrentar os desafios propostos. Galli (1997) analisa questões de segurança do
trabalho e do meio ambiente no pólo petroquímico de Cubatão (SP) e, mesmo sendo
um estudo locàl, traz uma luz a respeito da situação mais geral; Ele relata que a
partir de 1991 tentou-se, com a assessoria da Organização Internaeional de Trabalho
(OIT), instalar um sistema de controle de riscos de acidentes ampliados neste pólo
petroquímico. Membros de várias empresas da região participaram do I Simpósio
Internacional para Prevenção de Riscos de Acidentes Maiores (SIPRAM). O objetivo
foi cumprir aConvenção n° 170 da OIT "que estabelece regras para o uso de produtos
químicos no trabalho" (Galli, 1997:109). A partir desse evento formou-se uma
comissão cOmposta de membros dos governos estadual e municipal, engenheiros
das indústrias e um representante dos trabalhadores. Galli descreve o processo:
As reuniões contaram principalmente com a presença dos representantes da indústria
e do governo. A participação do representante dos trabalhadores foi muito pequena,
restringindo-se apenas às primeiras reuniões. Após dois anòs de reuniões e de muitos
esforços, as reuniões foram se rareando, e essa iniciativa foi dando lugar a vários
programas, principalmente programas de mitigação, já existentes no pólo, até se acabar
por completo em 1993. (Galli, 1997:110)
Em seu estudo, Galli (1997) levantou dados iniciais em quatro plantas, em 1996,
e observou a adesão ao programa desenvolvido a partir do SIPRAM em apenas duas
delas. Das duas que não aderiram, uma não tinha "iniciado nenhum estudo de análise
de risco como havia sido requisitado pelo governo municipal através do programa
Sn~RAM" (Gal!i, 1997:115). Na outra, uma série de exigências do governo municipal
tinha levado a empresa a fazer suas primeiras análises de risco. O poder público,
porém, nunca chegou a verificá-las nem a exigir a implementação de planos de ação.
Dessas primeiras observações, já é possível levantar a hipótese de que tais locais
de trabalho seriam estruturados de tal maneira a apresentar maior nível de
descontrole de riscos do que aqueles locais de trabalho que respondem às exigências
do governo, Na medida em que no terceiro mundo o Estado é menos a ,tuante como
controlador de riscos industrias e ambientais do que no primeiro mundo, poder-se-
ia esperar que, comparando a mesma indústria no primeiro mundo e no terceiro
mundo, maiores-danos seriam produzidos neste último. É interessante notar qué na
segunda planta, filial de uma empresa multinacional, a decisão de implantar a
segurança sistêmica foi tomada na matriz. Uma pergunta se impõe: este tipo de
iniciativa poderia ser mais eficaz do que a eventual adesão ao projeto envolvendo
análises de risco e ações preventivas patrocinado pelo governo?
É preciso observar que as análises de risco são normalmente conduzidas na
base de padrões calcuiados no primeiro mundo. Por exemplo: os padrões para
resistência e vida útil de tubulações são desenvolvidos na base do pressuposto de que
Acidentes Industriais Ampliados

existe uma continuidade no fornecimento de eletricidade à planta. Pressuposto que, na


região de Cubatã0, é falso. Cortes de luz acontecem em média mais de uma vez por
mês, e isto produz o resfriamento e subseqüente aquecimento de tubulações,
sujeitando-as assim a tensões cujas conseqüências nunca foram contempladas quando
as probabilidades de seu rompimento foram calculadas. Este exemplo pode ser
reproduzido por vários outros cálculos cruciais. O fato de que tecnologias não operam
de modo idêntico em países diferentes é bastante conhecidot e Wisner (1985, 1993)
chega a _formular a idéia de 'antropotecnologia' (Wisner, 1985, 1993). Ao que tudo
indica, os analistas de risco não dão a devida atenção a este fato.
Existe grande controvérsia científica em torno dos cálculos de risco feitos por
profissionais. Freitas (1996) discute um acidente em uma indústria de polímeros, no
estado de Rio de Janeiro, que matou dois trabalhadores e resultou em lesões a mais
cinco. Usando as probabilidades de acidente fornecidos pela empresa, ele calculou
que "seriam necessários cerca de 2.222 anos para que se chegasse a uma vítima
fatal" (Freitas, 1996:98).

A SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL E A TRANSFORMAÇÃO DO


CAMPO DE ANÁLISE DOS ACIDENTES

Uma característica central do sistema econômico da' sociedade pós-industrial é


queo conhecimento vira força de produção. Não é à-toa que o estatuto de conhecimento
de profissionais sobre o mundo que eles imaginavam dominar se tornou um dos
principais desafios das disciplinas e profissões (inclusive na área de segurança do
trabalho) hoje em dia. No campo intelectual, os fracassos de uma disciplina levam a
uma busca de conhecimentos de outras e assim à busca da interdisciplinaridade. Um
gerente com longa experiência na área de análise de riscos citado por Freitas (1996)
observa: "por mais que as análises de riscos procurem fechar o cerco em torno das
falhas possíveis, parece que sempre existem algumas que não são aprendidas e
previstas, escapando pelas bordas" (Freitas, 1996:98).
Está acontecendo hoje em dia aquilo que Llory define como uma mudança radical
de paradigma que acontece a partir do momento em que dermos prioridade aos
fenômenos sociais e culturais em vez do comportamento individual, na medida em
que são distintos os processos e levam à busca de dados e informações diferentes, à
análise e processamento diferente destes dados e informações e uma articulação e
interpretação diferente destes dados e informações. (Llory, 1996:06).
Agora, então, retoma-se o tema de como se processam as questões de segurança
em locais de trabalho.
A Produção Social do Erro...

O LOCAL DE TRABALHO NO DIA-A-DIA

No dia-a-dia os trabalhadores se engajam em suas tarefas, entram em contato


com os resultados dos trabalhos de outros e assim produzem prédios, litros de leite,
pacientes saudáveis, carros, aulas, produtos químicos etc. Em locais de trabalho
onde se empregam, por exemplo, processos envolvendo a manipulação de produtos
químicos perigosos, erros se produzem de maneira rotineira. Além de problemas
de produção e qualidade, produzem-se pequenos incidentes, acidentes do trabalho
com ou sem perda de tempo e, muito raramente, acidentes ampliados, É no local de
trabalho que os acidentes tanto de conseqüências limitadas quanto ampliados são
produzidos - e é aqui, em última análise, que as reponsabilidades para sua produção
têm de ser atribuídas e as técnicas de prevenção precisam ser elaboradas e aplicadas.
A relação social é a maneira pela qual o relacionamento entre o trabalhador e
seu trabalho é gerenciada. A produção de erros cujas conseqüências são limitadas
assinala, com f ~:equencla,
..A ,
a existência de relaç6es sociais capazes de produzir
acidentes de proporções maiores.
Agora será feita uma breve exposição de elementos da teoria sociológica,
ilustrando sua utilidade com algumas pequenas referências à bibliografia sobre
acidentes industriais e com elementos do estudo que Galli (1997) realizou em
profundidade em uma planta no setor petroquímico em Cubatão. A teoria da
produção social do erro teoriza que acidentes do trabalho são produzidos em três
m'veis de relações sociais: recompensa, comando e organização e em um nível não-
social de indivíduo-membro.

NíVEL DE ORGANIZAÇÃO

Quando Galbraith (1989) investiga o conceito 'poder condicionado', passa ionge


dos processos do dia-a-dia em locais de trabalho. Antes de entrar no exame do nível
de organização, é preciso dizer que uma parte daquilo que Galbraith (1989) chama de
"poder condicionado' se constitui no nível de comando, em que pessoas aceitam os
perigos de suas tarefas como se fossem naturais, abordando-se a operação da relação
social de servidão voluntária. Pessoas agem dentro de uma divisão do trabalho em
que elas se identificam em relação às outras em virtude dos postos que preenchem,
das qualificações que detêm e das tarefas que executam. Elas próprias definem seu
"poder de fazer' como um atributo próprio, assim mascarando o fato de que o atributo
foi construído pelo sistema social dentro do qual trabalham. No 'nível de organização',
o trabalho é produzido por meio do controle exercido sobre a divisão do trabalho. A
maioria dos acidentes do trabalho nos países industriais avançados é produzida neste
nível, e duas relações sociais podem ser destacadas: desorganização e falta de
qualificação. Também existe uma terceira relação: o trabalho rotineiro.
Acidentes Industriais Ampliados

Treinamento de pessoal foi desde sempre considerado uma maneira para reduzir
a falta de qualificação. Para um empresário do setor de construção civil, colocava-se a
questão da diminuição dos índices de acidentes através do treinamento e da educação
dos operários. Para este empresário, entretanto, em um ramo em que se constroem
estradas, metrôs, túneis, barragens elétricas e outras grandes estruturas, isto era
praticamente impra~cável pelas dificuldades de motivá-los e treiná-los (Costa, 1976).
As conseqüências da falta de qualificação sobre a produção de acidentes são
bem conhecidas em todos os setores da economia. Um relato de clássico livro sobre
acidentes do trabalho no País é bastante ilustrativo:
Era meu primeiro dia de serviço... Fui limpar a máquina que estava operando. Era
uma descaroçadora de algodão. Caiu a trava, e a garra desceu e pegou meu braço
direito. No hospital me amputaram embaixo do cotovelo. Depois me disseram que a
trava costuma cair sozinha. (Cohn et al., 1985:01)
Galli (1997) destacou a importância da falta de qualificação na planta principal
de sua investigação. Trabalhadores mais experientes estavam se aposentando e seus
substitutos eram trabalhadores mais novos. Sobretudo em situações de emergência,
havia uma reduçâo no nível médio de qualificações para as tarefas a serem
executadas. Além do mais, 'Era previsto um treinamento de área mais longo, mas
com a necessidade de pessoal para completar o quadro da operação o treinamento
foi encurtado'. Uma Outra fonte de falta de qualificação tinha sido introduzida em
tempos recentes, a política gerencial estava substituindo operadores especialistas
por operadores generalistas. Os operadores perceberam que essa política estava
reduzindo qualificações de maneira perigosa, 'há grande rotatividade de tarefas,
todos têm que conhecer a planta toda, então quando alguma parte do processo é
modificada e as pessoas não tomam conhecimento, pode gerar uma situação de
risco (Galli, 1997:145).'
Sujeitos à relação social de falta de qualificação, trabalhadores acabam
ignorando ou subestimando riscos, tratando-os de maneira inadequada e assim
introduzindo novos perigos no local de trabalho. Um acidente que provocou
ferimentos sérios em um operador teve a seguinte análise, de acordo com Galli (1997):
O relatório oficial desse acidente apontou a falta de quaI~'cação do operador.., e também
deseu par e instrutor... A recomendação de segurança foi aumentar o treinamento de
ambos os operadores, o que faz sentido, mas somando-a aos comentários do chefe do
departamento pode-se supor que a estratégia de treinamento não é geral e sim pontual,
concentrando-se após a ocorrência de acidentes, enquanto por outro lado há uma
estratégia geral de redução de qualificação. (Galli, 1997:137)
Além de resultar em perigos específicos, a falta de qualificações leva também à
produção de desorganização no local de trabalho. Por falta de conhecimentos, um
trabalhador não completa sua tarefa de maneira adequada, e um próximo
A Produção Social do Erro...

trabalhador, por ignorar este fato, acaba produzindo um acidente. Observa-se que o
emprego de tecnologias pós-industriais em indústrias está associado à produção
sistemática de desorganização porque o nível de complexidade e interligação de
sistemas é de tal ordem que os operadores não conseguem ter acesso às informações
das quais precisam para trabalhar em segurança. As origens de desorganização
podem ser organizacionais, como aconteceu no acidente da nave espaciat Challenger,
ou sistêmicas, como no caso do acidente de Three Mile Island, em que conhecimentos
adequados a respeito dos processos não estavam disponíveis, de modo a permitir
uma compreensão adequada, em tempo real, da série de eventos que provocaram o
acidente. Na planta investigada por Galli (1997), um tipo extremamente perigoso de
desorganização era visto como sendo causado pelo enxugamento de quadros. De
acordo com Galli, um operador diz: "Eles enxugaram o quadro de operadores e o
serviço aumentou, então os operadores têm que se virar. Se o cara está apressado
não dá para fazer o controle fino dos computadores, e então o tanque fica
transbordando" (Galli, 1997:143).
Nesta situação, qualquer faísca poderia levar a um acidente ampliado. O
operador acrescenta: "Eles falam que foi erro operacional" (Galli, 1997:143). Os chefes,
responsáveis pela coordenação das atividades de vários grupos de trabalhadores e
do relacionamento entre o sistema técnico e os diversos sistemas sociais operando,
não se dão conta da desorganização reinante. "Outro dia, o chefe de operação me
perguntou por que eu,ta fazer a medição manual se tinha medição eletrônica; ora,
Porque a medição eletrônica não funciona, ele nem estava-a par" (Galli, 1997:144).
No estudo de Galli (1997), um acidente devido à desorganização tinha ferido
gravemente três operadores e resultado em um vazamento. A autora
entrevistou os colegas das vítimas e descobriu um estado de desorganização
crônica. Porém, nesse caso, contrastando com o anterior, o relatório oficial da
empresa ignorou o papel dessa reIação social na produção do acidente. O
equipamento não tinha o necessário dreno, o serviço era urgente e havia muita
pressa, os membros do grupo de trabalho não tinham conhecimentos das ações de
seüs colegas, não existia um instrumento capaz de verificar se o filtro estava
pressurizado. O acidente foi identificado pelo Departamento de Segurança como
sendo falha do operador, no que um trabalhador respondeu: "as investigações
dos acidentes vão até onde dá paraculpar o operador" (Galli, 1997:140).
Trabalho rotineiro também foi identificado como produtor de perigos. Assim,
certas tarefas foram vistas como não tendo a variedade necessária para que o ser
humano possa trabalhar em segurança. No estudo de Galli (1997), muitos operadores
entrevistados identificaram os perigos dessa relação social: "quando tudo está normal
o operador perde a concentração, fica menos observador dos procedimentos e percebe
menos o risco" (Galli, 1997:144). Os profissionais de segurança também identificaram
Acidentes Industriais Ampliados

aimportância do trabalho rotineiro. Palavras de um deles: "Na situação de rotina,


os operadores pulam etapas dos procedimentos e provocam acidentes" (Galli,
1997:144), Apesar do amplo reconhecimento dos perigos de trabalho rotineiro, ele
não é identificado como causa de nenhum acidente.
Três relações sociais foram identificadas com a produção de perigos e eventuais
acidentes. Estas se mostraram inter-relacionadas no dia-a-dia do local de trabalho.
O trabalho rotineiro, por exemplo, amplamente visto como produtor de perigos,
estava tendo seu peso reduzido por uma estratégia gerencial de tornar os
trabalhadores polivalentes. Os trabalhadores passaram a identificar essa estratégia
com a produção de uma perigosa falta de qualificação! Ou seja: controla-se uma
velha fonte de possíveis acidentes e abre-se uma nova! Galli, cuja formação
profissional é em engenharia, salientou a importância desses inter-relacionamentos
e a natureza dinâmica do nível de organização, assim fornecendo uma poderosa
demonstração da validade do argumento daqueles investigadores - tais como Llory
(1996) - que são convictos de que a prevenção de acidentes pode alcançar 8xito
apenas Com a participação daqueles que vivem no dia-a-dia os riscos e perigos de
trabalho, É importante destacar que a validade deste argumento tem sido
demonstrada até agora principalmente em pesquisas feitas em indústrias complexas
que exibem características pós-industriais.

NIVEIS DE RECOMPENSA E DE COMANDO


Quando Galbraith (1989) fala de poder compensatório, ele o diferencia do poder
condigno da seguinte maneira:
é a diferença entre a recompensa negativa e a positiva. O poder condigno'esmaga o
indivíduo com algo suficientemente doloroso, física ou emocionalmente, para fazê-lo
renunciar à sua própria vontade ou preferência a fim de evitar o sofrimento. O poder
compensátorio oferece ao indivíduo uma recompensa ou um pagamento suficientemente
vantajoso ou agradável para que renuncie à sua própria preferência e, em troca, busque
a recompensa. (Galbraith, 1989:15-16)

NíVEL DE RECOMPENSA

Dizemos que o "nível de recompensa' produz acidentes por meio de fatores como
incentivos financeiros e simbólicos, excesso de carga horária e incapacidade de
trabalhadores malnutridos de executar tarefas com segurança. Estes fatores acabam
motivando os trabalhadores a se expor ao perigo porque intensificam ou porque
'extensificam" (aumentam horários além de suas capaçidades, por exemplo) seu
relacionamento com o trabalho. Para exemplificar, na sociedade pré-industrial, o dia
trabalhado - sobretudo em época de colheita - era com freqüência muito longo e em
A Produção Social do Erro...

certas épocas trabalhava-se sem ter nutrição adequada. Vários estudos atestam a
importância geral da relação social de extensão de trabalho. (Possas, 1981:170), por
exemplo, observou uma "elevada correlação entre freqüência dos acidentes e o número
de horas trabalhadas, de 0,70 ao nível de significância de 0,5%... o que aponta para a
importância da fadiga na determinação do acidente do trabalho". Em seguida, ela
chama a atenção para "a necessidade de uma análise em maior profundidade do
problema das horas extras na determinação do acidente do trabalho" (Possas, 1981:174).
Melhado et al. (1983) constataram um relacionamento entre o fato de que operários na
construção civil excedem suas capacidades físicas por trabalharem sem tomar o café-
da-manhã e o aumento significativo de acidentes entre 9 e 11 horas da manhã.
Galli (1997) observou que o nível de recompensa tinha pouco peso na planta
em que se aprofundou seu estudo. Ela constatou a importância da relação de
trabalho extra, relação que se manifestou na forma de um excessivo horário de trabalho.
Em todos os turnos investigados, a autora observou este fenômeno. Nas palavras
de um operador: "Se faltar alguém, a gente tem que dobrar o turno, não tem opção...
Na dobra de turno a gente se sente muito mais cansado, numa situação de
emergência isto pode ser perigoso" (Galli, 1997:129). Os perigos de dobrar o turno
são amplamente reconhecidos pelos trabalhadores que, no entanto, aceitam
trabalhar para poder perseguir seus interesses financeiros, como pode se verificar
na seguinte fala: "Quando falta um operador, você é obrigado a dobrar o turno, o
que você acaba aceitando porque ganha mais, mesmo se muitas vezes você está
cansado" (Galli, 1997:~48). Quando se consultam manuais de segurança, poucas
referências são feitas à extensão de trabalho como produtora de acidentes, e
raramente ela consta de maneira explícita em formulários que visem a analisar as
causas de acidentes.

NÍVEL DE COMANDO

No nível de comando três relações sociais distintas existem: desintegração do


grupo de trabalho, autoritarismo e servidão voluntária. O estudo de Galli demostrou
a existência de uma percepção aguda da importância de relações sociais neste nível
na produção de riscos. Aliás, a importância do poder patronal autoritário já foi
observada em Cubatão por Medrado-Faria et al. (1983) durante a década de 80. Nas
palavras de um trabalhador; "o trabalhador agüenta e fica calado e aí dá crise de
nervo.., muitas vezes o culpado do AT (acidente do trabalho) é a chefia e o
. engenheiro" (Medrado-Faria et al., 1983:32).
Na planta industrial pesquisada por Galli (1997), as paradas produzidas pelas
quedas constantes de força levam os trabalhadores a serem pressionados para poder
garantir a rápida retomada de produção. "Os operadores afirmam que burlam os
Acidentes Industriais Ampliados

procedimentos, mas apenas quando existe pressão da chefia para retomar


rapidamente a produção após a queda de energia ou na troca de equipamento"
(Galli, 1997:127).
Equipamentos malconcebidos levam trabalhadores a completar tarefas que eles
reconhecem como arriscadas. Vãlvulas são colocadas em locais inadequados, por
exemplo, e isto gera riscos...
principaimenteem emergências quando é necessário abrir ou fechar válvulas
rapidamente. Em situações de normalidade, a falta de iluminação adequada na área de
produção também gera situações de risco, por exemplo, quando os operadores têm que
subir nas tubulações para fazer leitura de instrumentos. (Oalli, 1997:143)
Por que os trabalhadores trabalham em tais circunstâncias? A relação social do
autoritarismo produz trabalhos perigosos quando os trabalhadores são levados por
medo de punição a executar tarefas .que julgam perigosas, como pode ser verificado
na fala de um trabalhador entrevistado: "Tem tarefa que é perigosa, todo mundo
sabe, mas tem que ser feita, senão você é mandado embora!" (Galli, 1997:140).
Enquanto os trabalhadores novatos são vistos como sendo 'mais sensíveis ao perigo'
e por esta razão trabalham a contragosto, os trabalhadores mais velhos já não se
opõem mais. Na linguagem teórica, o relacionamento deles com o perigo é gerenciado
através da servidão voluntária, isto é, refletido nas palavrasa respeito dos
trabalhadores mais velhos: "com o tempo eles se acostumam e entendem que é
normal trabalhar numa planta como essa" (Galli, 1997:140). A pesquisadora observou
que outros trabalhadores compartilham a mesma visão.
O autoritarismo e a servidão voluntária são relações sociais combatidas de
maneira explícita ou mediante a ação educativa e repressiva do Estado ou por meio
da formação de contrapoderes e mobilização. Ao longo do desenvolvimento da
sociedade industrial, a principal força para combater o autoritarismo tem sido, em
termos históricos, um movimento sindical forte. Este mesmo movimento contribui
junto com um movimento de natureza cultural, o da secularização, para combater a
'naturalidade' dos riscos refletida na servidão voluntária. Medrado-Faria et al.,
escrevendo sobre Cubatão, analisam:
no Brasil, não se permite, do ponto de vista formal, legal e muito menos na prática, a
presença de comissões de fábrica e de delegados sindicais. Estes têm sido instrumentos
utilizados pelo trabalhador nos países capitalistas avançados para reivindicar melhores
condições de vida. (Medrado-Faria et al., 1983:32)
A planta investigada por Galli (1997) tinha uma presença sindicai, mas esta se
demostrou ausente em relação à segurança. Na ausência de pressões õriundas do
movimento sindicai, dos profissionais de segurança e do Estado, o que prevalece é
uma lógica empresarial que fixa as prioridades. O engenheiro responsável pela
preservação do meio ambiente aceitou a aplicação desta lógica em relação a certos
A Produção Social do Erro...

riscos: "A postura da empresa em relação à produção e à segurança é normal, eu


faria o mesmo se fosse empresário... Primeiro deve-se pensar na melhoria de
produção e depois nos fatores de segurança" (Galli, 1997:142).

NÍVEL DE INDIVíDUO=MEMBRO

O nível de indivíduo-membro se constrói no espaço no qual o trabalhador age


livre dos níveis de recompensa, comando e organização. Ele pode usar essa liberdade
para agir em oposição ao exercício de poder a esses níveis; assim, o trabalhador sai
da rotina em suas tarefas monótonas, 'metralha' seu chefe autoritário ou engana os
contadores automatizados- aumentando desta forma o número de peças registradas
em seu nome e, em conseqüência, seu salário. Estudos em psicopatologia revelam
que trabalhadores sublimam os medos dos riscos que vivem. A sublimação pode,
por sua vez, pr0vocar reações patológicas cujas conseqüências são imprevisíveis. O
aparelho conceitual necessário para analisar o funcionamento desse nível não é do
domínio da sociologia. Uma teorização sociológica atribui a grande maioria de
acidentes do trabalho a relações sociais.
No seu estudo, Galli (1997) não atribui acidentes ou ações perigosas a este
nível, opostamente à conclusão da grande maioria dos profissionais de segurança,
chefes e gerentes.

PROCESSOS DE INVESTIGAÇÃO DE ACIDENTES

Análises de risco não contemplam, de modo sistemático, relações sociais como


causas de acidentes. Dada a suposta infalibilidade dos sistemas de segurança, os
f . ,
profisszona:s e gerentes responsabilizam pelos acidentes aquele fator que eles não
controlam: os trabalhadores. Palavras de um trabalhador: "A negligência, a
indisciplina, o esquecimento e até a falta de conhecimento dos procedimentos são as
causas mais corriqueiras de ocorrência dos acidentes" (Galli, 1997:120).
Trabalhadores identificam os perigos, convivem com eles no dia-a-dia e são
normalmente suas primeiras vítimas. Assim, quando são excluídos de participar
das análises, se reduz a capacidade da organização de se conhecer e agir com base
no conhecimento daqueles que vivenciam o dia-a-dia dos locais de trabalho. Esta
exclusão passa a parecer irracional tanto do ponto de vista econômico (porque
favorece a existência de riscos que são potencialmente custosos) quanto social
(porque favorece a produção de acidentes). Do ponto de vista político, porém, a
exclusão parece ter sua racionalidade. Ela permite aos profissionais manterem seu
poder porque reconhecer o valor dos conhecimentos e percepções "do outro" é
reconhecer as limitações de seus próprios conhecimentos e percepções. :
Acidentes Industriais Ampliados

A PRODUÇÃO DE ACIDENTES NO DIA-A-DIA

A hipótese central da teorização traçada é de que o gerenciamento do


relacionamento entre o trabalhador e os perigos de seu trabalho em cada nível
está associado à produção de acidentes naquele nível. Conseqüentemente, uma
mudança nesse gerenciamento seria associada com uma mudança na produção
de acidentes. Na planta industrial investigada por Galli (1997), foi possível ver
como as relações sociais produzem acidentes concretos e são reconhecidas como
produzindo trabalho em situações de risco. O trabalho em situações de risco é
reconhecido tanto por chefes quanto por trabalhadores, e nele repousa a faísca
que pode acender o acidente ampliado.
Traçar um paralelo entre as observações de Galli (1997) e as de Llory (1996) é
pertinente. Como observa Llory:
A Bhopal, na empresa Morton Thiokol (empresa contrata& pela NASA, antes do acidente
da Challenger), a Three Mile Island e, nos casos de outros acidentes, as pessoas assumem
a responsabilidade de prevenir seus superiores: através de cartas, às vezes repetidas,
ofícios confidenciais, às vezes mesmo através de campanhas de cartaz... Eles tentam
prevenir seus superiores empregando os últimos meios dos quais se dispõem.., antes
que a catástrofe se produza. (Llory, 1996:337)

INFLEXÃO NO CAMPO DE ANÁLISE

O reconhecimento a partir do final dos anos 70 de um novo objeto, os acidentes


de conseqüências ampliadas, levou a uma importante renovação no pensamento a
respeito de acidentes no mundo inteiro. Hoje existe uma luta no mundo das idéias
entre duas perspectivas que podem ser chamadas de técnica e social.
A perspectiva técnica fortalece o poder dos profissionais de criar e gerenciar o
risco. Assim, o trabalhador que vive o risco no dia-a-dia não é considerado o 'homem
bem informado'; pelo contrário, ele é tratado como se tivesse cedido o controle de
seu destino a representantes da ciência e sua disciplina, embevecidos com sua
capacidade de se impor ao mundo (poder) e de render dividendos para seus mestres
(grande capital e estados). A cada vez que ocorre um acidente, esses representantes
lavam suas mãos, quase sempre buscando culpar os trabalhadore~ pelas suas ações.
A segunda perspectiva, de natureza social, complementa a perspectiva técnica
por meio da referência àquilo que a primeira ignora, É uma perspectiva de origem
recente, e uma versão foi esboçada neste capítulo. Ela exige que os profissionais
reflitam sobre como as relações sociais do dia-a-dia geram riscos e como seu próprio
trabalhoj também inserido em sistemas de relações sociais, é um produto não apenas
técnico mas também social.
A Produção Social do Erro...

A coexistência das duas perspectivas é visível entre membros do meio


profissional entrevistados por Galli (1997). Contradizendo a posição dominante,
um profissional diz que "os acidentes não ocorrem por falha humana, existem sempre
outras causas para serem descobertas se a análise for feita com menos preconceito"
(Galli, 1997:120). Este profissional é da opinião, para usar a terminologia empregada
neste texto, de que o nível de organização é responsável para a produção da maioria
dos acidentes em indústrias de processo contínuo. "Isso é muito fácil de ser
verificado", ele sustenta, "principalmente depois de18 anos de companhia, atuando
na prevenção dos acidentes" (Galli, 1997:120). Ele comenta as dificuldades tidas em
manter esta perspectiva diante do peso da perspectiva técni¿a dominante:
é muito fácil se deixar influenciar pelos engenheiros, pois a idéia de que a falha humana
explica a maioria dos acidentes é tão corriqueira entre eles que acaba fisgando a gente.
Eu estou sempre caindo nessa armadilha, mas estou sempre saindo dela também, só
que leva um certo tempo. (Galli, 1997:121)
A força da perspectiva técnica se revela nas definições de causas de acidentes.
Na primeira parte da década de 80, Perrow (1984) notou que entre 60% e 80% das
análises de acidentes identificaram falhas do trabalhador como causa. No começo
da década de 90, em uma grande multinacional do se[or químico no estado do Rio
de Janeiro, falhas dos trabalhadores eram vistas como causa de 77% (10 entre 13)
dos acidentes investigados pela empresa (Freitas, 1996).
Freitas (1997) cita Drogaris (1993), que mostra outro perfil na definição de causas:
de 121 acidentes químicos ampliados registrados no Major Accident Reporting
System da Comunidade Européia entre 1980 e 1991, 23% tiveram suas causas
imediatas atribuídas a falhas dos operadores e 43% a falhas de componentes.
Omissões gerenciais e organizacionais como causas subjacentes identificadas para
os acidentes com falhas de componentes como causas imediatas corresponderam a
81%, e para os que tiveram como causas imediatas falhas dos operadores,
corresponderam a 100%.
Para que haja uma atuação mais eficaz, é preciso romper com a perspectiva
técnica e sua idéia de causalidade para reconhecer a importância de relações de
poder, que se cristalizam em relações sociais, na produção de erros, acidentes do
trabalho e os acidentes ampliados.

CONCLUSÃO

A perspectiva de que acidentes são socialmente produzidos tem respaldo na


bibliografia sociológica, em uma parte da bibliografia especializada sobre acidentes
e, também, nas percepções e nas palavras dos que trabalham. Esta bibliografia tem
na perspectiva técnica um contraponto: ela atribui a maioria dos acidentes aos erros
Acidentes Industriais Ampliados

dos indivíduos. Como se viu, a perspectiva técnica é incapaz de enxergar a


importância de relações sociais na produção de acidentes, e esta incapacidade
aumenta os riscos de acidentes ampliados. No futuro, o reconhecimento crescente
da natureza social da produção dos acidentes na literatura científica e especializada
terá seus efeitos sobre a formação de profissionais, sobre a maneira de analisar as
causas e de perceber a prevenção dos acidentes e sobre as concepções que os
profissionais terão de süas responsabilidades (Dwyer, 1992).
Llory chegou a uma conclusão análoga:
É necessário então desenvolver as formas de inquérito que permitam detectar realmente
certos t~pos de causa de comportamentos no trabalho, demonstrar a dinâmica da
distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real, as maneiras de regulamentar esta
distância... (Llory, 1996:319).
Ele reconhece que a engenharia (sua disciplina de origem) não está sozinha
no campo, é necessário buscar apoio de diferentes disciplinas que estudam o
homem no trabalho, entre as quais ergonomia, psicologia e sociologia do trabalho
- e de maneira diferente de hoje, quando os inquéritos buscam culpar o indivíduo.
Finalmente, devem-se conduzir "inquéritos que respeitam as regras fundamentais
da ética e deontologia habituais (e sejam) capazes.., de verificação a validação"
(Llory, 1996:319)
Beck (1992) examina a questão da produção de novos riscos nos laboratórios
que são tão importantes para o desenvolvimento da sociedade pós-industrial quanto
eram as fábricas para a sociedade industrial. Nesses locais de trabalho, as relações
sociais, já vistas como tendo tanta importância na produção de acidentes clássicos
de trabalho e de acidentes ampliados, também desempenham papel fundamental.
Muitos defendem a capacidade de auto-regulação das novas indústrias que nascerão
a partir das experiências conduzidas em biotecnologia, inteligência artificial,
medicina, engenharia genética e outras áreas em expansão. Para Beck, é fundamental
que as vozes daqueles que lidam, no dia-a-dia, com os novos processos sejam ouvidas
e que se estimule o debate:
É preciso proteger institucionalmente as avaliações alternativas, as práticas
profíssionais alternativas, &bates dentro de organizações e profissões sobre as
conseqüências de seu próprio desenvolvimento e proteger a desconfiança reprimida...
Apenas quando a medicina se op& à medicina, a física nuclear se opõe à física nuclear,
a genética humana se opõe à genética humana ou a tecnologia de informação se opõe à
tecnologia de informação que o futuro que está senda hoje incubado nos tubos de ensaio
passará a ser inteligível e capaz de ser avaliado no mundo externo. Permitir autocrítica
em todas as suas formas não representa um perigo, é provavelmente a única maneira
através da qual os erros que mais cedo ou mais tarde destruirão nosso mundo poderiam
ser detectados de antemão. (Beck, 1992:234)
A Produção Social do Erro...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PARTE li

CENARIOS
O ACIDENTE INDUSTRIAL AMPLIADO DE SEVESO:
PARADIGMA E PARADOXO

Bruna De Marchi, Silvio Funtowicz & Jeromy Ravetz

'SEVESO"

O acidente de 'Seveso" apresenta uma qualidade simbólica e sua história tem


sido contada muitas vezes (Hay, 1982; Roche Magazin, 1986; Làgadec, s.d.; Pocchiari,
Silano & Zapponi, 1987; Bertazzi & Di Domenico, 1994; De Marchi, Funtowicz &
Ravetz, 1996)i Por volta do meio-dia de um sábado, 10 de julho de 1976, ocorreu
uma explosão em um reator TCP (2,4,5-triclofofenol), na unidade B da planta
industrial da Industrie Chimiche Meda SocietàAzionaria ( ICMESA),. situada na r~°r~f'~~~~ .......
da municipalidade de Meda, na Itália. Uma nuvem tóxica contendo TCDD (2,3,7,8-
tetraclorodibenzeno-p-dioxina), geralmente aceita como uma das substâncias
químicas mais tóxicas produzidas pelo homem (Mocarelli et al., 1991), foi
acidentalmente emitida no meio ambiente, contaminando seriamente uma área
densamente povoada até seis quilômetros além do ponto do acidente, de acordo
com a direção dos ventos, e com uma largura de um quilômetro. As municipalidades
mais envolvidas no acidente foram a Própria Seveso (17 mil habitantes), Meda (19
mil habitantes), Desio (33 mil habitantes) e Cesano Maderno (34 mil habitantes).
Outras municipalidades menos envolvidas foram Barlassina (6 mil 'habitantes) e
Bovisio Masciago (11 mil habitantes). Os programas de monitoramento para os efeitos
à:safide a longo prazo, os quais foram implementados após o acidente, estenderam-
se depois a mais cinco municipalidades.
A economia da região, oríginalmente baseada na agricultura, foi sendo
desenvolvida em grupos de pequenas manufaturas e principalmente indústrias de
móveis. Tais indústrias são típicas de Brianza, uma área na província de Milão.
Estão ligadas ao norte da cidade, através do Lago de Como. Brianza é uma parte
próspera da Lombardia, região das mais ricas e industrializadas da Itália.
Pelo fato de a seriedade do acidente tornar-se conhecida somente por meio de
vários estágios, os primeiros efeitos sobre o público exposto foi o mais traumático
de todosi Este evento ficou conhecido internacionalmente como o 'desastre de
Seveso', por conta do nome da municipalidade vizinha (Seveso) que foi a mais
severamente afetada. O acidente contribuiu dramaticamente para o crescimento da
Aci~tentes Industriais Ampliados

preocupação pública acerca dos riscos industriais e acelerou a resposta


regulamentadora acerca da segurança de instalações químicas. Junto com Bhopal
(1984) e Chemobyl (1986), Seveso tornou-se símbolo das patologias de nossa
civilização tecnológica.
A principal lição de 'Seveso' (em contraste com Bhopal e Chemobyl, por
exemplo) foi demonstrar que uma resposta razoavelmente rápida e efetiva é a chave
para o restabelecimento da comunidade. Entretanto, deve-se observar que parte
deste restabelecimento foi atingido exportando-se partes do problema. A disposição
final do material seriamente contaminado em outras localidades fora da Itália
envolveu confusão e escândalo, encontrando-se ainda obscuro (Gambino, Gfimpel
& Novelli, 1993). Neste sentido, 'Seveso' também simboliza o estilo adotado pela
indústria de alta tecnologia, em que o sucesso da satisfação do consumidor tem sido
injustamente sustentado pela 'externalização' de seus custos e também de seus
problemas sociais. Isto significa que os problemas são transferidos para algum lugar
fora da cultura do seu consumidor-alvo,_podendo ser um ambiente natural
desprotegido ou que é habitado por pessoas de baixa renda, sendo nestes casos
utilizados como local de exploração da mão-de-obra ou depósito de resíduos,
ocorrendo isto em âmbito local ou mesmo em países da América Latina e da África.
Nesta perspectiva, pretende-se recolocar nossa noção do significado 'desenvolvido'.
Para ós Iautores deste texto, o critério básico para se considerar desenvolvido é poder,

de vários modos, internalizar os custos de 'descontaminação' ambiental e também dar


suporte à recuperação da área afetada. O contraste com Chernobyl e Bhopal (admitindo-
se ambos em larga escala) é instrutivo. Pelo mesmo princípio, o problema em larga
escala do gerenciamento dos resíduos, incluindo o doméstico, o industrial, o tóxico e o
nuclear, pode tornar-se um teste de como economias mundiais de alta tecnologia são
verdadeiramente 'desenvolvidas' ou ainda são dependerítes de uma exploração
destrutiva da natureza e de suas populações vulneráveis.
'Seveso' girou essencialmente em torno do medo por conta do envolvimento
da dioxina. Deve-se lembrar que a dioxina tornou-se pela primeira vez notícia
amplamente divulgada durante a Guerra do Vietnã, quando foi identificada como
um dos componentes do notório 'agente laranja' (Hay, 1982). Previamente a isto,
houve as campanhas em favor dos trabalhadores agrícolas e de florestas, banindo o
herbicida 2,4,5-T (ácido triclofenolacético) por conta de seus efeitos tóxicos em seres
humanos. Porém, tais movimentos freqüentemente encontraram a desaprovação
científica, devendo-se isto, parcialmente, ao fato de que as evidências disponíveis
na época eram consideradas insuficientes, sendo o sistema regulamentador do Reino
Unido particularmente antipático a esta causa (Wyrme, 1989).
Anteriormente ao acidente de Seveso, diversos acidentes industriais envolvendo
TCP (triclorofenol) foram amplamente conhecidos. Estes primeiros acidentes
causaram severas doenças entre os trabalhadores afetados, s endo estes danos
O Acidente h~du~trial Arapliado de Seveso...

adicionais às doenças crônicas resultantes da prolongada exposição sob condições


de trabalho insalubres (Hay, 1982). Após um acidente ocorrido na BASF (Alemanha,
1953), a produção de TCP foi interrompida na planta industrial. O mesmo ocorreu
na planta industrial da Philips Duphar (Holanda, 1963), fechada após o acidente e
desmantelada, sendo suas peças cobertas por concreto e depositadas no Oceano
Atlântico. Procedimentos similares foram adotados no sítio industrial da Coalite,
uma empresa da Bolsover Coalite Chemical Productions (Reino Unido, 1968). Após
o acidente da Dow Chemical (EUA, 1960), a empresa construiu novas instalações,
adicionando como instrumento suplementar de segurança, um vaso especial
(denominado de reservatório Blow-Dow) para conter o reator químico. Seu propósito
era coletar e resfriar o material tóxico em caso de uma ruptura na válvula de
segurança do reator (Otway & Amendola, 1989). Este vaso é análogo aos bem
conhecidos 'vasos de contenção' dos reatores nucleares PWR. Houvesse um vaso
similar na ICMESA, não teria ocorrido o acidente de Seveso.
dioxina foi percebida como sendo uma substância extremamente perigosa,
parcialmente por conta dessas experiências industriais e parcialmente por conta das
numerosas evidências experimentais de toxicidade entre algumas espécies de animais
de laboratório. Sob vários aspectos, sua imagem era similar à da radioatividade: invisível,
venenosa em níveis de doses microscópicas, e implicada em uso bélico. Além disso, ao
contaminar pessoas e coisas, era vista como uma espécie de praga, uma doença
ameaçadora, e esse modo de contaminação aumentava a angústia pessoal, social e
econômica da população. Produtos da área afetada foram rejeitados por conta do medo
da contaminação, impondo urn estigma sobre toda a comunidade (Edelstein, 1988).

A JDIRETWA SEVESO'

A mais bem conhecida conseqüência do acidente de Seveso foi o impulso para


ser criado um novo sistema regulamentador, denominado 'Diretiva Seveso'. Dentro
da Comunidade Européia (agora União Européia), cada país possuía previamente
sua própria tradição para gerenciar a segurança industrial. Urgentes discussões acerca
de uma nova estrutura regulamentadora para a segurança de instalações perigosas,
a ser compartilhada por todos os Estados-membros, foram iniciadas após a explosão
de ciclohexano na planta industrial da Nypro Ltd., em Flixoborough (Reino Unido,
1974). A explosão (em uma localidade rural) produziu 28 óbitos e 36 lesionados
entre trabalhadores, além do registro, pela polícia, de 53 membros da comunidade
como sofrendo algum dano à saúde, enquanto centenas de outros tiveram problemas
menores. A planta industrial foi destruída, havendo no mínimo algum grau de
prejuízo em 1.821 habitações, 167 lojas e fábricas (Perrow, 1984). Nos dois anos
Acidentes Industriais Ampliados

seguintes, mais três addentes químicos sérios ocorreram na Comunidade Européia,


sendo eles: Beek (Holanda, 1975), Manfredonia e finalmente Seveso (Itália, 1976)
(Otway & Amendola, 1989).
Esses acidentes demonstraram a necessidade de uma nova legislação para a
melhoria da segurança de sítios industriais, de enfrentar os problemas com
caraterísticas regionaiS e 'transfronteiriças', bem como de implementar planos
externos de emergências. A denominada 'Diretiva Seveso', adotada pelo Conselho
de Ministros da Comunidade Européia em junho de 1982 (Council Directive 82/
501/EEC), é o resultado desses esforços. Uma peça central da legislação é o
requerimento de informação para público acerca dos perigos de acidentes ampliados,
medidas de segurança e ações a serem tomadas no caso de um acidente. Foi a primeira
vez que um princípio de 'necessidade de se conhecer' (need to know) foi sacramentado
na legislação das Comunidades Européias. Não é tão consistente como o "Direito ao
Conhecimento' (Right to Know) americano, desde que o status de 'necessidade' é
fornecido pelas autoridades, e não um direito dos cidadãos (Barato, 1991; Royal
Society Study Group, 1992).
A 'Diretiva Seveso' foi, assim, um crescimento orgânico, em resposta às
necessidades para a regulamentação dos riscos que se tornaram 'transfronteiriços'
em uma Europa integrada. A regulamentação é complementar à produção e não
provê meramente proteção contra perigos, mas também assegura um 'nível de
atuação no campo" para o livre comércio dentro da área da União Européia, privando
os operadores menos escrupulosos de uma vantagem competitiva. Dentro da
regulamentação, há também outra função complementar e mais complexa, entre os
que estão no centro e os que estão na periferia dos processos decisórios acerca dos
riscos industriais, sendo isto mais altamente desenvolvido nos EUA. Isto é
implicitamente reconhecido no princípio do 'direito (ou necessidade) ao saber', o
qual não é meramente uma questão de justiça dentro da organização política, mas
também um processo regulamentador bastante proveitoso.
O desastre de Seveso e os outros acidentes ampliados mencionados
anteriormente, que ocorreram no mesmo período, demonstraram dramaticamente
a inadequação das regulamentações e das práticas correntes para o gerenciamento
de riscos. A vulnerabilidade das comunidades afetadas localmente começou a ser
percebida como um reflexo de uma ampla vulnerabilidade dassociedades como
um todo. Independentemente de suas caraterísticas e dinâmicas específicas, esses
acidentes surgiram como sintomas de uma falha global das políticas de gerenciamento
de riscos industriais. Em particular, a ausência comum de informações completas
acerca das instalações industriais, às vezes até de sua existência, foi sentida como
uma grande fraqueza, o que impedia medidas preventivas e um planejamento de
emergências adequado.
O Acidente Industrial Ampliado de Seveso...

Uma das características mais marcantes do caso de Seveso foi que nem os
residentes, nem as autoridades locais e regionais tinham qualquer suspeita de que a
planta industrial estava tornando-se uma fonte de riscos. Não dispunham ainda de
nenhuma informação precisa acerca do tipo de processo produtivo e das substâncias
químicas envolvidas. Como registrou o prefeito (Rocca, 1992), a indústria foi, durante
30 anos, apenas fonte de reclamações ocasionais por parte dos moraclores vizinhos
preocupados com aromas desagradáreis- Além disto, em Seveso, assim como em
Flixborough, mudanças no processo industrial da planta foram realizadas
comprometendo a segurança, porém não foram comunicadas às autoridades
responsáveis pela segurança e saúde pública (Otway & Amendola, 1989:).
Quando a Diretiva Seveso estava sendo esboçada, o processo para se chegar a
uma proposta de Diretiva relacionada aos perigos de acidentes ampliados foi longo
e complexo, envolvendo problemas técnicos e políticos. Estes foram resolvidos
mediante a extensão de consultas entre as diferentes partes e instituições. Uma
proposta final foi finalmente apresentada pela Comissão ao Conselho em julho de
1979. As opiniões requeridas do Parlamento Europeu e do Comitê Econômico e
Social foram expressas em 1980 e duraram mais de dois anos de posteriores consultas
ediscussões, antes que a Diretiva fosse finalmente adotada em 24 de junho de 1982.
O prazo final para a implementação pelos Estados membros (15 na época) daquele
período foi em 8 de janeiro de 1984.
A Diretiva 82/501/EEC, adotada pelo Conselho em 24 de junhode 1982, logo
tornou-se amplamente conhecida como a 'Diretiva Seveso, a despeito da Oposição
dos residentes de Sevèso, os quais reclamaram formalmente às autoridades em
Bruxeias. Embora o acidente na ICMESA, em 1976, seja considerado o evento iniciador
para a Legislação da União Européia, deve-se ter em conta que, conforme observam
Myers & Read (1992),
... o desastre de 1974, em Flixborough, iniciou as reações para este mesmo fim.
Atualmente, a estrutura legal para a implementação desta Diretiva no Reino Unido
( a denominada regulamentação Control of lndustrial Major Hazards - CIMAH) é baseada
em atos e ações que seguem as recomendações das investigações dó acidente de
Flixborough. (Myers & Read, 1992)
Antes da Diretiva, as mdustnas "
noS diferentes Estados membros eram sujeitas
a obrigações de vários níveis de severidade. A submissão do relatório de segurança
por parte da empresa responsável pela instalação perigosa, por exemplo, não era
obrigatória em todos os países. Como foi expresso no Preâmbulo da Diretiva,
disparidades na provisão de informações já aplicáveis ou sendo preparadas nos
Estados membros poderiam criar condições desiguais de competição e ainda afetar
o funcionamento do mercado comum. Por esta razão, foi enunciado que o propósito
..A
global da intervenção da Comunidade Européia era prevenir acidentes " ampliados
S

que poderiam resultar de certas atividades e limitar suas consequencla para os


133
Acidentes Industriais Ampliados

seres humanos e o meio ambiente, por intermédio da harmonização de


regulamentações em todos os Estados membros. A preocupação com a prevenção
conformou toda a Diretiva, sendo apresentada ainda nessas partes questões
relacionadas com as conseqüências de um acidente. Os procedimentos consideravam
que uma resposta de emergência adequada incluía a troca de informações entre as
diferentes partes, que deveriam trabalhar ¢onjuntamente para construir uma
experiência comum para gerenciamento de efetivos riscos futuros.
A Diretiva Seveso é endereçada aos Estados membros, de modo que estes são
os responsáveis, em primeiro lugar, por assegurar que ãs instituições internas
relacionadas ao tema obedeçam aos requerimentos para um gerenciamento de risco
adequado. Quanto à preocupação com a informação pública, os Estados membros
têm a responsabilidade de assegurar que "as pessoas sujeitas a serem afetadas por
um acidente ampliado.., sejam informadas, de um modo apropriado, acerca das
medidas de segurança e sobre o comportamento correto a ser adotado no evento f
de
um acidente" (art. 8).
O artigo 8 possui características bastante inovadoras na legislação de segurança.
Pela primeira vez, as pessoas externas às instalações São levadas em consideração,
indo além da idéia de que somente os trabalhadores (na melhor das hipóteses) têm o
direito de serem informados. A total ausência de informações preventivas e
planejamento de emergências contribuiu para atrasar a resposta apropriada no caso
do acidente de Seveso, possivelmente piorando suas conseqüências negativas. Essa
ausência de informações vem desencadeando protestos populares e diminuindo a
credibilidade da indústria química e das instituições do governo. No artigo 8, o direito
do público ao conhecimento foi reconhecido em bases éticas e pragmáticas. Não
surpreendentemente, este artigo teve fortes resistências e foi sujeito a uma longa demora
na sua implementação (De Marchi, 1991). A despeito dessas dificuldades iniciais, este
artigo foi um ponto de mudança na tradição de comunicar ao público temas que
anteriormente haviam sido considerados exclusivos somente para os especialistas.
Para a fase pós-acidente, a Diretiva estabelece que os Estados membrosdevem
tomar as medidas necessárias para assegurar que a indústria provenha
imediatamente completa e dètalhada informação às autoridades competentes. Por
sua vez, essas informações devem assegurar que todas as medidas necessárias serão
tomadas e que uma completa análise do acidente seja acompanhada sempre que
possível. Esta é uma obrigação especffica para os Estados membros! registrarem
qualquer acidente para a Comissão Européia. A Comissão é encarregada de preparar
um registro contendo um sumário dos acidentes ampliados que tenham oCorrido
dentro da União Européia, incluindo as análises das causas, as experiências
adquiridas e as medidas tomadas para assegurar que os Estados membros usem
essa informação com propósitos preventivos (Rasmussen, 1996).
O Acidente Industrial Ampliado de Seveso...

A Diretiva Seveso inclui provisões que asseguram sua efetiva implementação,


assim como sua adaptação aos progressos técnicos. Prevê-se que os Estados membros
e a Comissão devam trocar informações sobre as experiências adquiridas, visando à
prevenção de acidentes ampliados e à limitação de suas conseqfiências. Tais
informações dizem respeito à operação das medidas estipuladas na Diretiva. A Diretiva
também estipulou procedimentos para sua contínua atualização e revisão. Com este
fim, a Comissão realiza reuniões regulares do Comitê de Autoridades Competentes.
Este processo resultou em duas emendas à Diretiva original, que foram concebidas
como resultado das experiências adquiridas com outros c~esastres industriais
ampliados, em particular Bhopal (1984), Cidade do México (1984) e Basel (1986).
A primeira emenda, infitulada Diretiva 87/216/EEC, foi adotada pelo Conselho
em 19 de março de 1987. A segunda emenda, a Diretiva 88/610/EEC, foi lançada pelo
Conselho em 24 de novembro de 1988. Entre outras, a última emenda revisa
substancialmente o artigo 8, sobre a informação pública, enunciando que esta deve
ser publicamente disponível, assim como fornecida ativamente e de modo apropriado.
Adiciona que a informação deve ser periodicamente repetida e atualizada sempre
que necessário. Um novo anexo, de número VII, foi adicionado à Diretiva, em que os
itens sobre a informação a ser fornecida para o público são especificados em maiores
detalhes. Em 1994, a Comissão Européia publicou as diretrizes gerais para a correta
interpretação e implementação do Anexo VII (De Marchi & Funtowicz, 1994).
Em 1996, uma nova diretiva foi lançada sobre o 'Controle de Perigos de Acidentes
Ampliados Envolvendo Substâncias Perigosas', a qual substituiu a Diretiva de 1982.
Em termos de comünicação de riscos, as inovações substanciais são o acesso do público
a partes dos relatórios de segurança das empresas e maior participação do público no
assentamento de novas plantas industriais e nos planejamentos de emergências.

GERENCIAMENTO DA INFORMAÇÃO E TIPOS DE INCERTEZAS

A resposta ao acidente de Seveso e o restabelecimento da comunidade não


ocorreram de forma suave e imediata. Alguns dias se passaram antes que a completa
seriedade do incidente fosse percebida, e houve certa demora até que medidas
apropriadas fossem adotadas. Durante o intervalo, houve muita confusão, aflição e
ressentimento. Mesmo quando as medidas de remediação foram implementadas,
problemas de falta de credibilidade e comunicação precária levaram algum tempo
para serem superados (Hay, 1982). O eventual processo de restabelecimento, que só
pode ser inicíado quando o medo de nascimento de crianças com malformações
diminuiu e quando os últimos casos de cloroacne desapareceram, permitiram à
comunidade apresentar os problemas de Comunicação anteriores. Histórias de
Acidentes b~dustriais Ampliados

restabelecimento de outros desastres, naturais e tecnológicos, demonstram como é


importante a solidariedade" interna e externa nas esferas política e moral (Barton,
1969; Erikson, 1976; Couch and KroU-Smith, 1991).
Estudos sobre gerenciamento de desastres têm confirmado que problemas
relacionados às incertezas e à comunicação (ainda que entre as agências responsáveis)
podem ser completamente críticos e afetar o sucesso do gerenciamento de uma
emergência, ou a fase aguda de um perigo (De Marchi & Ungaro, 1987). Parte do
problema é que, sob tais condições de novidade, fluxo de informações e incertezas,
tornam-se mais frágeis os limites que as pessoas normalmente apresentam em direção
a uma visão consensual do problema e das soluções. As diferentes partes envolvidas
não somente avaliam as evidências de modo diferente como também tendem a
perceber diferentes espécies de evidências, que são filtradas por suas necessidades
e pressuposições particulares. Tais divergências criam antagonismos e confusões,
as quais persistem apõs a conclusão da fase aguda da emergência e tornam as tarefas
de restabelecimento mais difíceis. Nosso estudo sobre "Seveso' e outros desastres
(De Marchi, Funtowicz & Ravetz, 1993) conduziu-nos a um modelo para os tipos de
incertezas e estratégias para sua comunicação, as quais são importantes para o
gerenciamento de desastres durante todas as fases, incluindo a de incubação, a aguda
e a de restabelecimento. Isto pode ser fornecido em duas listas, uma sobre os tipos
de incertezas e outra sobre as estratégias de gerenciamento para elas. A lista de
incertezas é demonstrada a seguir:

Checklist sol~re os Tipos de Incertezas

Ranking de Incertezas Nível de Severidade

Alto Médio Baixo

I Científico I
I ILegal

[ Morai

Social

[__ Institucional

[ _ Propriedade

[ _ Situacional
O Acidente Industrial Ampliado de Seveso...

As incertezas científicas referem-se às dificuldades da avaliação de riscos ou


das previsões de emergências. Nesta fase latente do perigo são feitas as avaliações
de riscos, baseadas em técnicas que são bem desenvolvidas para certos tópicos,
como plantas industriais fixas, porém menos desenvolvidas para outros aspectos, como
transportes de cargas perigosas e os poluentes ambientais. Mesmo assim, pode
ocorrer uma ampla variação no grau de incerteza já na avaliação científica da fase
latente (Funtowicz & Ravetz, 1990). Quando o perigo se encontra em sua fase aguda,
isto é, durante a emergência, a possibilidade de uma previsão efetiva de seu futuro
desenvolvimento pode ser tanto completamente boa quanto completamente
insuficiente, dependendo de circunstâncias especiais (as quais, em si mesmas, não
podem ser previstas). Assim, a severidade das incertezas do tipo científico podem
variar de baixas para muito altas.
As incertezas legais referem-se às possibilidade futuras de responsabilidade
ante ações judiciais ou não. Em um mundo ideal isto não seria levado em
consideração, porém no mundo real seria ínenos do que prudente ignorar isto. Os
resultados gerais deste tipo de incerteza são atos defensivos, tanto no que diz respeito
aos processos decisórios como no que se relaciona à emissão de informações.
Incertezas morais são similares às anteriores, porém referem-se mais aos critérios
relacionados às éticas pessoais e comunitárias do que às normas judiciais. Assim,
consistem na possibilidade de uma futura responsabilidade social ou da experiência
de culpabilidade ante ações na Justiça, considerando-se a possibilidade de um futuro
culpado ou ostracismo da comunidade para essas ações. Ao realizarem ações, os atores
podem vivenciar uma contradição entre a necessidade de ser efetivo e a de ser justo.
A severidade das incertezas morais e legais tenderá a se correlacionar com as
incertezas societais, referindo-se à ausência ou escassez de integração do público e
dás instituições. Isto é mais marcante em sociedades em que cada ação é mediada
por advogados representando outros interesses em jogo. A incerteza societária,
porém, pode ser manifestada em outros caminhos. Assim, o respeito em relação às
agências do governo pode ser baixo, ou o indivídualismo pode ser carregado de
extremos entre o público ou, ainda, entre as pessoas responsáveis.
As incertezas institucionais referem-se à colaboração inadequada e/ou à
credibilidade entre as instituições. Em circunstâncias como as mencionadas
anteriormente, essas incertezas serão altas, como nas comunicações informais, em
que o intercâmbio do Conhecimento e a credibilidade entre o pessoal de agências
com diferentes tradições e missões torna-se difícil. Então, quando chega o tempo
em que a comunicação rápida e segura é importante, os canais necessários de
compreensão e confiança se encontram ausentes. As incertezas institucionais podem
ser altas ainda em sociedades relativamente consensuais, se há nestas uma tradição
de segredos da burocracia.
Acidentes Industriais Ampliados

As incertezas relacionadas à propriedade indicam direitos ao saber contestados,


seja para alertar ou para dissimular. Quando os parâmetros de "confidencialidade'
tornam-se exauridos ou incertos, então as incertezas relacionadas à propriedade
tornam-se salientes. Em diversos casos, no meio da emergência, ocorre um debate
sobre Os direitos das pessoas de conhecer, de alertar ou de dissimular. Isto remete
ao caráter complexo e particular das respostas de emergências, em que de algum
modo é necessário estabelecerem-se regras à medida que as coisas acontecem.
Incertezas situacionais são resultantes das incertezas previamente definidas e
indicam a condição das pessoas responsáveis nas situações de crise, ainda que na
fase de preparação e planejamento, ou na de emergência. As incertezas situacionais,
em último plano, referem-se à inadequação das informações disponíveis em relação
às decisões necessárias. Elas, as incertezas situacionais, são bastante comuns, já que
somente em casos completamente excepcionais existem informações científicas
suficientes é de alta qualidade subsidiando as decisões a serem tomadas. Assim, o
gerenciamento do perigo envolve a colaboração de diversas agências e de seu pessoal,
eo conhecimento de suas capacidades é parte do raciocínio que conduz à decisão.
Passando agora para as estratégias para comunicação de incertezas, temos duas
escalas, uma representando interpretações e outr~ envolvendo políticas públicas:

Reconheciment° Amplificaçã°
Publicidade Compartilhamento t
I Segredo
R e c u s a Confidencialidade
Desprezo
1
Assim, a recusa refere-se não a um ato de manutenção do segredo, porém à forma
mais extrema de desprezo de uma possibilidade, nomeadamente a recusa a admitir que os
problemas decorrentes de um acidente possam existir, ou ainda a dar alguma notícia a
respeito disto, O desprezo ordinário reconhecerá essa possibilidade, porém (assim como
para muitos eventos no futuro distante) assinalará para tal um baixo valor, de modo a não
lhe dar proeminência, considerando que isto pode ser negligenciado para os propósitos de
políticas públicas. Referimo-nos ao reconhecimento de uma incerteza contingente como
uma apreciação balanceada; e, por contraste, a amplificação é uma ênfase, talvez ainda
uma ênfase acentuada da significância do problema.
Correspondente às interpretações, têm-se as políticas relacionadas à
comunicação. Em um extremo, encontra-se o segredo, o caso extremo da
'confidencialidade'; no meio, então, tem-se a publicidade, com sua forma extrema
sendo o compartilhamento. Naturalmente, existem muitas variações e nuanças em
qualquer política de comunicação.
No acidente de Seveso, a complexidade dos problemas de comunicação no
contexto de uma incerteza severa foi reconhecida, se não completamente gerenciada,
somente no início das últimas semanas da fase aguda. Antes do acidente, ninguém
do lado de fora da planta industrial, nem os residentes, nem ãs autoridades públicas e
O Acidente Industrial Amplfado de Seveso...

da saúde, tinham alguma idéia de que havia um perigo de tal magnitude. O acidente
e o vazamento causaram incredulidade, seguida por alarme e espanto. O
comportamento inicial da empresa conduziu a uma subseqüente suspeição acerca
de seus motivos: enquanto quase imediatamente foram lançadas várias instruções
sobre medidas de precaução, ao mesmo tempo encobriam oconhecimento da
substância tóxica envolvida (Rocha, 1980, 1992) Somente cerca de 10 dias depois,
quando a empresa confirmou que o vazamento incluía dioxina (Pocchiari, Silano &
Zapponi, 1987), as autoridades e também o público tomaram consciência de que
havia um risco realmente grave. Ainda assim, era impossível avaliar o perigo com
qualquer precisão Houve um conjunto de temores genuínos, acerca de doenças em
geral e, em particular, acerca de crianças com malformações. A amplitude de doenças
e óbitos de ar6mais de muitas espécies era um funesto sinal. As autoridades tiveram
seus próprios e severos problemas para tomada de decisão sob incercetezas, incluindo
a definição dè diferentes zonas poluídas, dos programas de evacuação dos residentes
ameaçados e da disposição final domaterial contaminado.
Desde o início do acidente as incertezas situacionais eram salientes; decisões
tiveram de ser tomadas, algumas vezes sob condiç5es de grande urgência, diante
da completa ausência de informações científicas, as quais poderiam orientar e
distinguir entre as corretas e as erradas. Agindo com precaução, os investigadores
da magistratura local fecharam o local oito dias após o acidente. Este era um caso
¢ .
em que a incerteza ci entlhca, sendo mmto grande, era completamente proeminente.
Também, na ausência de uma preparação prévia ou consulta, era natural que uma
incerteza societal fosse também severa Como conseqüência, as incertezas legais e
morais foram também severas; assim, o diretor-técnico (de nacionalidade Suíça) da
ICMESA foi preso quando se encontrava em uma reunião de trabalhadores 20 dias
após o acidente, junto com o diretor de produção (o último foi também preso, e
cerca de quatro anos depois assassinado por terroristas).
Um dos aspectos incomuns desse acidente foi o aparente baixo nível de incertezas
relacionadas à propriedade. Embora a provisão de informações relevantes tenha
sido completamente retardada, não houve no início a necessidade de as autoridades
governamentais utilizarem meios legais para forçar a empresa a divulgar a
informação O fato de a fábrica da ICMESA já ter sido confiscada -teria tornado
claramente imprudente para as autoridades da região de Givaudan reter informações
sobre os contaminantes, e isto foi observado na época que a ameaça da di0xina já
p .
h
avia sldo tornada pubhca pela imprensa antes de ser oficia lmente confirmada. Mais
tarde, e fora do sítio contaminado de Seveso, as incertezas envolvendo a propriedade
foram importantes, particularmente em conexão com a disposição dos barris
contendo materiais tóxicos coletados durante a operação de limpeza De 1982 em
diante, histórias sobre ocultamento e erros na disposição dos resíduos começaram a
circular, e ainda não terminaram.
Acidentes Industriais Ampliados

Nosso modelo de gerenciamento de incertezas pode ser aplicado em outros


casos relevantes, nomeadamente envolvendo regulamentação acerca do
gerenciamento e da comunicação de perigos, que se encontram contidas na legislação
da Comunidade Européia, conhecida como 'Diretiva Seveso'. Nossa preocupação
aqui é com a comunicaçã% e para isto uma relevante passagem (do artigo 8 da
Diretiva 88/610/EEC, emenda Diretiva 82/501/EEC) é a seguinte:
Os Estados-membros devem assegurar que a informação sobre as medidas de segurança
e sobre os comportamentos corretos a serem adotados no caso de um acidente devem
ser fornecidos de modo apropriado, sem que haja a requisição para tal, para as pessoas
que poderão ser afetadas por acidentes ampliados originários em atividades industriais
notificadas de acordo com o que se encontra no Artigo 5. A informação deve ser repeti&
e atualizada em intervalos apropriados. Deve também ser ~ornada publicamente
disponível. Tal informação deve conter aquilo que se encontra definido no Anexo VI1.
Existem dois aspectos salientes nesta parte da Diretiva. Menos surpreendente
é a preocupação para a constante redução da incerteza cientffica, no requerimento
para atualização. Porém, a variedade de frases assegurando que o direito público
à informação deve ser efetivamente implementado demonstra uma clara consciência
dos problemas relacionados às incertezas institucionais e às incertezas sobre
propriedade (naturalmente a natureza da informação da propriedade coletada
pelas autoridades é reconhecida e protegida no texto da Diretiva; ver o artigo 13).
"Grande parte da Diretiva, particularmente o artigo 8, reflete também um aumento
da consciência das incertezas legais e morais em qualquer perigo: o evento de
Seveso demonstrou que simples 'acidentes' ou 'atos de Deus" não são as questões
reais na segurança das instalações e de suas comunidades. Para Seveso, o lugar
que deu seu nome a um acidente, e posteriormente a uma nova regulamentação,
poderia permanecer em uma tranqüila obscuridade, tivesse o acidente sido
prevenido pela implementação de um rigoroso critério de segurança,
posteriormente prescrito pela Diretiva.
Quando consideramos a implementação dos requerimentos do artigo 8 sobre a
comunicação de perigos, percebemos que a atual prática pode ser mais bem entendida
pelo nosso modelo de tipos de incertezas. Em primeiro lugar, parece ser
implicitamente assumido que hs incertezas relacionadas ao contexto social não são
salientes ou severas. Normalmente não se espera que determinados problemas, os
quais podemos denominar de incertezas sociais Ou institucionais, sejam explicitados
na base de tais regulamentações ou diretrizes. Nenhuma de tais regulamentações
enfrenta a possibilidade de incertezas situacionais, que estão relacionadas à
impossibilidade de uma completa competência da expertise oficial disponível para
predição, prevenção e controle. Isto contrasta com a prática americana, em que a
legislação ambiental prevê a disponibilidade de fundos públicos para grupos de
cidadãos locais poderem financiar análises técnicas de especialistas que consideram
O Acidente Industrial Ampliado de Seveso...

confiáveis. Tal premissa está baseada na concepção de justiça entre os cidadãos, o


que requer que seus conhecimentos complementares sejam efetivamente
incorporados no discurso das políticas públicas.

O PARADOXO DE 'SEVESO'

No seu último desenvolvimento, 'Seveso' produziu um paradoxo acerca do


conhecimento no processo de políticas públicas (Funtowicz & Ravetz, 1985, 1993).
Embora as pessoas tenham tido sua saúde indubitavelmente afetada (algumas severas,
como os casos de cloroacne) e surgido severas doenças e óbitos entre animais, em
conjunto com o estresse psicológico e a ruptura social, até o momento qualquer ameaça
de conseqüência mais grave para a saúde humana, como os casos de câncer que se
podiam esperar surgir, tem sido bastante difícil de se comprovar (Mastroíacovo et al.,
1988; Regiona Lombardia, 1989; Mocarelli et al., 1991). Neste sentido, Seveso forma
um caso extremo, um desastre sem produzir conseqfiências desastrosas claramente
identificáveis. Mesmo os estudos epidemiológicos mais recentes, se demonstram um
crescimento de alguns tipos de casos raros de câncer, ainda não revetam qualquer
eVidência firme para um crescimento generalizado de casos de risco de câncer na
população monitorada (Bertazzi et al., 1993; Bertazzi & Di Domerfico, 1994).
O aspecto científico central do caráter ameaçador do desastre de Seveso é a
toxicidade da dioxina. Logo que se tomou consciência disto, em efeito, a população
já havia sído submetida à contaminação por dioxina, e o incidente, por definição,
tornou-se um desastre; os efeitos psicológicos, sociais e econômicos desta tomada
de consciência foram severos para muitas pessoas e sobre toda a comunidade.
Entretanto, neste caso, a certeza científica acerca da extrema toxicidade da dioxina
(baseada em estudos animais e casos anteriores de contaminação) foi sendo
gradualmente dissipada. Após alguns anos, especia~mente quando técnicas de
medições confiáveis e estatísticas epidemiológicas foram desenvolvidas, a situação
tornou-se um quebra-cabeça ainda maior. Embora os efeitos à saúde humana nos
homens americanos que manusearam o 'Agente Laranja' sejam ainda debatidos, no
presente não há nenhum cientista estabelecido argumentando acerca das evidências
clínicas dos efeitos continuados à saúde na população de Seveso. As recentes
acusações de diferentes fontes de que a fábrica tinha dioxina como um componente
significativo de sua produção irão, de novo paradoxalmente, contabilizar as
evidências de uma menor relação dose-resposta para os seres humanos.
"Seveso' agora funciona parcialmente como um experimento, assim como outras.
áreas de desastres que vêm sendo monitoradas, como Hiroshima. Dados provenientes
Acidentes Industriais Ampliados

da população afetada são utilizados como evidências em outros casos menos diretos de
poluição e também para uma revisão em andamento da regulamentação (Schneider,
1992). Dessa forma, 'Seveso' continua a ser estendido, com seu único evento de
contaminação atmosférica (em conjunto com o último contato cbm objetos contaminados),
como um modelo apropriado para situações de longa e contínua contaminação, a ser
debatido entre cientistas e tomadores de decisões.
A toxicologia, necessariamente, faz diversas extrapolações em suas inferências:
de animais para seres humanos, de altas doses para baixas doses, de doses agudas
para crônicas. Em qualquer caso dado, tais inferências resultam deuma derivação
do modelo dose-resposta, sobre o qual as bases do 'limite seguro' são definidas.
Existem largas incertezas inerentes a qualquer avaliação deste tipo, embora o debate
crítico e o desenvolvimento de metodologias sejam realizados em torno do progresso
real na ciência (Vineis, 1990). Acidentes em larga escala, com bons monitoramentos
s~bseqüentes, são muito úteis para a ciência, porque constituem um fonte mais
realística de dados. Entretanto, sua interpretação não é destituída de problemas; a
história dos dados de Hiroshima é um exemplo de séria reavaliação dos parâmetros
básicos (Marshall, 1992).
O status de 'Seveso' como um desastre de dioxina pode possivelmente conduzir
ao uso dos dados em um çaminho paradoxal. Como vimos, 'Seveso' foi
imediatamente percebido como um desastre, porém está longe de ser aceito como
tal se consideramos as conseqüências para a saúde a longo prazo. Pode haver uma
tendência de se fazer uma inferência simplista: "Seveso' foi um inofensivo desastre
de dioxina, portanto outras emissões de dioxina não são necessariamente danosas.
Tal argumento tem sido colocado em jogo em Arkansas, onde a evidência de 'Seveso'
foi utilizada para justificar a segurança de um proposto incinerador de resíduos
tóxicos, o qual iria emitir dioxina em quantidades similares às estimadas em Seveso
(Schneider, 1992). Assim, tem-se o paradoxo científico de "Se'¢eso': um evento
primeiramente aceito como um desastre (com grandes conseqüências para as políticas
públicas regulamentadoras) é utilizado como suposta evidência para segurança.
'Seveso', como um símbolo, pode tornar-se crescentemente complexo: sua conotação
original de ameaça é agora desafiada por uma de tranqiiilização. Paradoxalmente,
a recuperação de 'Seveso' pode ser utilizada como asserção de uma limitada
responsabilidade, com suas possíveis conseqüências para ações na Justiça e como
empecilho à necessária recuperação em qualquer outro lugar contaminado.
Entretanto, como os cientistas sabem, é necessário aparecer somente uma única
patologia longamente retardada no processo de monitoramento para que a
ressonância negativa original de 'Seveso'possa ser restaurada . E então a recuperação
de 'Seveso', aparentemente bastante completa hoje, pode imediatamente ser posta
em questão. Mesmo no presente, a ausência de evidências conclusivas de câncer,
O Acidente Industrial Ampliado de Seveso...

seja entre as vítimas que tiveram cloroacne como efeito imediato ou as outras vitimas,
pode ser explicada em termos do 'pequeno tamanho da população, com outros
aspectos do curto período de acompanhamento' (Bertazzi et al., 1993).

SOCIEDADE INDUSTRIAL E RECUPERAÇÃO

Ao confrontar-se com problemas como o do TCP e da dioxina, a sociedade


passou de uma concepção reduciomsta e atomista dos efeitos danosos do processo
industrial para uma corrente de entendimento ecológico, ~m que a indústria é
percebida como parte da sociedade e da natureza. Sérios acidentes em instalações
químicas e petroquímicas durante o início dos anos 70 geraram o interesse social na
segurança dos sítios industriais. Embora não envolvendo dioxina, eles deram
visibilidade aos riscos relacionados à produção, ao transporte e à armazenagem de
substâncias perigosas. Até então, os perigos que chamavam a atenção do público
eram os dos locais de trabalho; para o público mais geral afetado, a crítica sobre as
instalações industriais era focalizada nas suas perturbações ambientais (odores,
tráfego, fumaças, efluentes etc.). Tudo isto se transformou nos anos 70, com a
ocorrência de todos os simbólicos desastres industriais e ambientais.
Mais tarde, deu-se conta de que ainda que todo desastre possui causas regulares,
todos eles são "produzidos pelo homem" (Turner, 1978) e ocorrem por conta de
falhas no sistema de prevenção. Uma interpretação mais radical, derivada de um
estudo de Three Mile Island, é a de que eles são "acidentes normais" (Perrow, 1984);
ainda que as indústrias se preocupem, acabam por não planejar ações adequadas em
razão de possíveis ocorrências futuras, aceitando-as como aspectos normais da
operação. Os sistemas industriais podem ainda ser considerados como "sistemas
geradores de acidentes" (Haastrup & Funtowicz, 1992), rotineiramente produzindo
outputs não desejados, assim como seus produtos intencionados- o que inclui a poluição
contínua e rejeitos, junto com os incidente~ ocasionais de diferentes intensidades.
Quando um incidente vai além de certo limite (definido convencionalmente por termos
de regulamentações relevantes), é julgado como sendo um 'acidente'. O caso de Seveso
é outro exemplo do que tem sido reconhecido na literatura (Susman, O'Keefe & Wisner,
1983; Quarantelli, 1987) como sendo um "desastre", tendo ainda elementos fortemente
convencionais na sua definição e na sua resposta de emergência. Assim, nossa
compreensão dos riscos industriais tem-se movido completamente para longe de uma
abordagem unicausal ou de "atos de Deus'; eles são criações dos sistemas industriais,
tanto quanto os seus produtos intencionados.
Esta nova consciência acerca dos riscos industriais tem coincidido com uma
crescente preocupação para com a percebida perda de qualidade ambiental, dados
os efeitos sinérgicos do desenvolvimento tecnológico e do processo ambiental, como
Acidentes Industriais Ampliados

nos casos da chuva ácida e das mudanças climáticas globais. Atualmente, considera-
se que o sistema tecnol6gico é global, complexo e até certo ponto altamente inter-
relacionado. A linha que separa as 'boas' e as 'm~s' coisasproduzidas pelo sistema
é agora sinuosa e indistinta. A implementação dessa consciência ecológica nas práticas
industriais e regulamentadoras se encontra agora a caminho. Esta nova consciência
ecológica inclui não somente a interconexão dos 'maus' efeitos do sistema industrial,
mas também o caráter convencional da distinção tradicional entre o que é 'produzido
pelo homem" e o que é "natural'. Em algumas partes do sistema total, a entropia
decresceu drasticamente no nível local (como na manufatura de artefatos), enquanto
ainda vem crescendo mais drasticamente em nível global (mediánte a poluição e os
rejeitos). Os acidentes industriais e a recuperação a partir deles não podem ser vistos
de modo isolado daspatologias do sistema industrial total, que é em si mesmo um
subsistema do planeta. Contradições dentro dos subsistemas, e entre estes e outros
componentes do sistema total, constituem a chave para sua compreensão. Assim,
fomes e enchentes, por exemplo, podem ser agora não mais diferentes em qualidade
dos súbitos eventos denominados 'acidentes industriais'.
Para o entendimento do processo de 'recuperação' proveniente desses eventos
não desejados, eles devem ser concebidos como ocorrendo'dentro do sistema total.
Assim, usualmente não existe um absoluto corte de alimentos, mesmo nas áreas de
'fome', o que levanta a questão de até que ponto uma sociedade pode sofrer rupturas
sem que tenha meios minimamente adequados para lidar com o problema. Agora, é
conhecido que 'socorros para a fome' simplistas podem, em algumas ocasiões,
contribuir mais para impedir a recuperação de uma situação de fome do que
promovê-la. Similarmente, no caso dos desastres industriais, a recuperação de uma
comunidade toma lugar não somente na esfera societal, mas também (como tem-se
visto) na sua dimensão moral, e eqüitativamente importante nos seus aspectos
ecológicos como um todo. Assim, a recuperação da comunidade existe como parte
de um amplo processo, envolvendo todos os elementos do ecossistema total.

O SÍMBOLO PARADOXAL

Como qualquer poderoso símbolo, "Seveso' contém paradoxos e contradições.


No início, o fator dominante era o medo, por causa da possibilidade de devastação
(econômica e pessoal) causada por um agente invlslvel
, e obscuro, a dioxina que
havia envenenado o Vietnã. Porém, assim que a possibilidade de bebês
malformados diminuiu, o medo eventualmente deu lugar à reafirmação da
comunidade. A despeito do seu sucesso local, 'Seveso" permanece como símbolo
de uma calamidade: a Diretiva da Comunidade Européia é conhecida por ísto, e
O Acidente Industrial Ampliado de Seveso,..

os sítios industriais perigosos considerados notificáveis são assim informalmente


nomeados. Desta forma, o símbolo permanece potente, em termos figurativos e
legais, para além dos limites de Seveso em si mesmo, enquanto internamente os
traços visíveis do acidente vêm desaparecendo.
O paradoxo continua a ter seus efeitos pela incerteza acerca dos efeitos da
dioxina. Com a contínua ausência de evidências conclusivas de doença, cerca de 20
anos após, a lição do desastre de Seveso tem sido invertida. Agora, uma nova
mensagem é conduzida por 'Seveso', buscando reassegurar que o baixo nível de
contaminação por dioSdna é, após tudo, inócuo. Naturalmente, çsse otimismo resistirá
por tanto tempo permaneça a ausência de registros mais concretos de efeitos à saúde.
Será incorreto interpretar esse paradoxo de forma simplista e então concluir que
'Seveso' é outro desastre notório que realmente não aconteceu. Existe agora uma
poderosa reação aos profetas da iminente ruína ecológica, utilizando-se tal alarme
aparente falso como prova de que nossa cultura de alta tecnologia pode absorver e se
recuperar dos impactos dos desastres, tanto industriais quanto naturais. Como tem-
se visto, o sucesso da recuperação de Seveso dependeu somente parcialmente da
'internalização' dos custos, por meio de uma positiva resposta das estruturas
institucionais e políticas. Na prática (incluindo Seveso), há também uma
"externalização',. em que os problemas que são localmente insolúveis (notavelmente
rejeitos tóxicos) são exportados. Este último aspecto não é geralmente considerado
como regular ou intrínseco ao sistema, porém é questionável quer possamos realmente
produzir tantos "bens' sem ser envolvidos com os seus correspondentes 'malefícios'.
Uma consciência ecológica, a qual conecta indústria com seu meio ambiente,
social e natural, ensina que 'desastres' e 'recuperação' são eventos totais. A
'externalização' dos custos de uma sociedade de consumo não ocorre suavemente:
os várias 'depósitos' tradicionais têm se tornado finitos e reativos. Não há agora
nada "fora' do sistema que sirva à fração afortunada das pessoas no mundo. 'Seveso'
é realmente um símbolo paradoxal e contraditório, e interpretá-lo de forma simplista,
seja para o alarme ou para reassegurar que tudo está bem, será um sério erro, para
a história e para as políticas públicas.

CRONOLOGIA DO DESASTRE DE SEVESO E DA RECUPERAÇÃO


,10 de julho de 1976: vazamento acidental de uma nuvem tóxica na propriedade da ICM~Sa.
- 14 de julho: primeiros sintomas na pele de crianças e morte de pequenos animais.
15 de julho: sinais de alarme e erguimento de barreiras protetoras.
16 de julho: aumento das reações na pele de crianças - 13 foram hospitalizadas.
19 de julho: pela primeira vez as autoridades da região de Givaudan admitem que
TCDD foi encontrado.
- 22 de julho: foi ordenado um censo de todos os animais mortos. Uma clínica
dermatológica foi aberta em Seveso para monitorar as pessoas expostas.
Acidentes Industriais Ampliados

A denominada Zona A (com mais de 50 microgramas de TCDD por metro quadrado),


cerca de 15 hectares, é definida para evacuação, são erguidas cercas e a entrada de
pessoas é proibida.
26 de julho: autoridades locais, com a ajuda das Forças Armadas, efetuam a evacuação
de 225 pessoas (177 de Seveso, 55 de Meda). A partir de novos resultados de laboratórios,
é decidido estender a zona de evacuação, aumentando a área para 71,8 hectares.
Aproximadamente 3.300 animais morreram. Muitas outros foram eventualmente
abatidos, totalizando 81 mil.
28 de julho: o Departamento Geral de Saúde estabelece quatro comitês de especialistas
cientfficos e técnicos para investigar diferentes aspectos do acidente.
29 de julho: a zona de contaminação é estendida para 108 hectares e 730 pessoas são
evacuadas.
2 de agosto: as autoridades da saúde dão permissão para abortos, a despeito de ser
ilegal na Itália.
11 de agosto: em uma conferência para a imprensa, em Genebra, a Roche compromete-
se a cobrir os custos dos danos.
15 de agosto: um monitoramento epidemiológico é estendido para cinco outras
municipalidades: Lentate, no sul de Seveso, Seregno, Varedo, Muggio e Nova Milanese,
totalizando 220 mil pessoas. Primeiros casos de cloroacne (posteriormente ocorreram
193 casos, alguns muito sérios, demorando anos para sumir, com permanentes
cicratizes).
Agosto-dezembro de 1976: um acordo entre a região da Lombardia e Givaudan foi
concluído para remoção e disposição de produtos e matérias-primas provenientes da
fábrica longe de Seveso. Os trabalhadores da ICMESA são readmitidos na área.
Janeiro de 1977: trabalho de descontaminação é iniciado, para capacitar o reinício das
atividades produtivas: remoção de folhas, gramas e produtos agrícolas.
Descontaminação de escolas. Estudos hidrológicos; estudos sobre a incineração da planta.
Estudos experimentais para reabilitação das construções nas zonas mais afastadas da
ICMESA.
Julho de 1977: programas de monitoramento epidemiológico na seguinte seqüência
(com prazo para encerramento): abortos (1982); malformações (1997); tumores (1997);
óbitos (1997). Monitoramento da saúde dos trabalhos da ICMESA, dos projetos de
descontaminação e dos afetados por cloroacne (1985).
1981-1983: incineração na Suíça de barris contendo material contaminado.
1981-1983: em diferentes períodos de tempo, ações foram tomadas e se encontravam
fora do que havia sido estabelecido pela legislação das municipalidades locais.
1984: Relatório de Saúde do Comitê Internacional de Regulamentação não apontou
nenhum efeito humano além dos 193 casos de cloroacne. Incineração dos barris contendo
materiais tóxicos da descontaminação se iniciam na Suíça, sendo oficialmente dito que
no ano seguinte seriam completados.
1985: demolição da propriedade da tCMESA, convertida em um parque público e locais
comunitários.
1993: um membro verde do Parlamento Europeu anuncia que os barris não foram
disposto em Basel, na Suíça, porém enviados para uma área de deposição ilegal na
antiga Alemanha Oriental.
O Acidente Industrial Ampliado de Seveso...

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A EXPERIÊNCIA DO MOVIMENTO SINDICAL NA
ANÁLISE DE ACIDENTES QUíMIcos AMPLIADOS

Nilton Benedito Branco Freitas

A partir da organização e da estruturação nacional das centrais sindicais, o


movimento sindical brasileiro vem desenvolvendo importantes experiências na área
da saúde do trabalhador e do meio ambiente, nos últimos 15 anos. Particularmente
a partir do início dos anos 90, novas questões foram incorporadas à agenda sindicai;
como a problemática ambiental e a questão dos acidentes químicos ampliados.1 No
campo da Central Única dos Trabalhadores (CUT), maior e mais importante central
sindical da história do País,2 das ações isoladas e desarticuladas dos sindicatos
passou-se às ações centralizadas nacionalmente,3 que permitiram saltos de qualidade
no aspecto conceitual e de elaboração de propostas temáticas, conduzidas de forma
articulada desde a intervenção no local de trabalho até a defesa de posições junto a
governos, confederações empresariais e instituições públicas e de pesquisa, no âmbito
nacional e internacional.40 caso escolhido para ser relatado neste texto incorpora
algumas dessas experiências sindicais e evidencia bastante a abrangência que os
sindicatos brasileiros procuram remeter ao tema dos acidentes químicos ampliados,
que por sua própria natureza e suas características se insere naquilo que a CUT
definiu como ternário de sua intervenção na opção por uma prática sindicai.não-
corporativa e voltada para a busca da cidadania.5

1 A intensificação da reestruturação produtiva no País e os efeitos da globalização da economia influenci-


aram fortemente a inclusão da problemática ambiental na agenda sindicai, entre outras questões.
2 A CUT, fundada em agosto de 1983, possui atualmente cerca de 3 mil sindicatos filiados, com mais de 19
milhões de trabalhadores na base.
3 Em 1990, foram fundados o Instituto Nacional de Saúde no Trabalho (INST) e a Comissão Nacional de
Meio Ambiente (CNMA). Nesta época estruturavam-se ainda os departamentos e confederações por
ramo de atividade. Em 1994, foi formado o Coletivo Nacional de Saúde, Trabalho e Meio Ambiente
(CNSTMA).
4 Alguns acidentes ampliados ocorridos no País recentemente (Enchova, Namorado I, Duque de Caxias e
Petroquímica União, por exemplo) já registraram elementos de resposta sindicai. A CUT também parti-
cipou do Seminário Latino-Americano sobre o assunto realizado em 1994 pela OIT, em São Paulo. Em
1995, a CUT organizou em São Paulo um seminário nacional sobre o tema, com o apoio da OIT.
5 Definição política do seu 4a Congresso Nacional (Concut), realizado em 1991.
Acidentes Industriais Ampliados

UM CASO DE EXPLOSÃÓ E MORTE NO COMPLEXO


PETROQUÍMICO DE SÃO PAULO

No dia 15 de julho de 1992, uma explosão seguida de incêndio iria tornar público
um processo que vinha se delineando há algum tempo na indústria Petroquímica
União S.A~ (PQU), primeira central de matérias-primas petroquímicas do País: o
sucateamento dos equipamentos e a diminuição do quadro de pessoal - reflexo
imediato e concreto do Programa Nacional de Desestatização (PND) iniciado no
Governo Collor de Mello.
O rompimento de uma linha na saída de'um Forno de Preaquecffnento da Unidade
de Hidrodessulfurização de Nafta e Reforma Catalítica, por onde circulavam nafta e
hidrogênio aquecidos e sob pressão, foi a causa da explosão seguida de incêndio: "O
produto em combustão atingiu a plataforma dos equipamentos vizinhos (...) onde
estavam sendo efetuados trabalhos de manutenção elétrica, pintura e refratamento de
linhas do sistema de preaquecimento de ar" (Galli, Possebom & Olle, 1992:05).
Dez pessoas foram atingidas. O acidente custou a vida de um trabalhador de 26
anos que exercia a função de eletricista de manutenção e veio a falecer um dia após
o acidente. Outros dois trabalhadores-de firmas empreiteiras também sofreram
queimaduras graves no corpo. Os demais, sete trabalhadores de firmas empreiteiras,
sofreram luxaç6es após saltarem dos andaimes e plataformas em que se encontravam
no momento do acidente. Além disso, os custos da interdição determinada pelo juiz
resultaram em prejuízos de cerca de US$ 30 milhões declarados pela empresa e
US$16,5 milhões declarados pelos seus principais clientes - resultado da imprevista
falta de suprimento de matérias-primas.
Tinha início também um dos mais vigorosos processos de intervenção social e
do Estado em uma empresa petroquímica no Brasil, materializado em iniciativas
como: ação civil pública movida pelo Sindicato dos Químicos e Petroquímicos do
ABC e a Promotoria de Justiça de Acidentes do Trabalho de Santo André; fiscalização
e interdição de áreas pela Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo (DRT/SP) e
Justiça Cível; forte mobilização dos trabalhadores da empresa, em conjunto com as
entidades ecológicas e de moradores da região; investigações internas pelos membros
da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CruA), da Comissão Especial de
Investigação das Causas do Acidente (constituída pela direção da empresa), das
seguradoras da empresa, da Polícia Técnica, do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar
e outros - tudo com o mais completo e rigoroso acompanhament0 da imprensa
local e regional.
A Petroquímica União S.A. (PQU), cenário deste processo, localiza-se na região
do ABC paulista. Com menos de 600 empregados atualmente e 1.210 na época do
A Experiência do Movimento Sindicai.,.

acidente relatado, produz etileno (460 mil toneladas/ano atualmente), benzeno,


propeno, butadieno, tolueno, xilenos mistos, ortoxileno, resíduos aromáticos,
alquilbenzeno, resinas de petróleo e diversos outros produtos a partir do
recebimento de nafta de três refinarias da PETROBRAS localizadas no estado de São
Paulo (Refinaria do Vale do Parada - REVAP; Refinaria de Paulínia - REPLAN; e
Refinaria Presidente Bernardes - RPBC), por meio de sistema de dutos. Constituída
em 1966, a PQU, como é mais conhecida, iniciou suas atividades produtivas em
1972, consagrando-se como a primeira central de matérias-primas petroquímicas
do País, constituindo-se como modelo de empreendimento pára suas sucessoras:
a Companhia Petroquímica do Nordeste ( C o P E N E ) , e m Camaçari .(Bahia), e a
Companhia Petroquímica do Rio Grande do Sul (CoPESUL), em Triunfo, que
iniciaram sua produção em 1978 e 1982, respectivamente.

As CAUSAS DO ACIDENTE

O rompimento da tubulação de saída dos vapores do forno ocorreu devido a


uma elevação abrupta de temperatura do produto no trecho, chegando a patamares
estimados da ordem de 775 °C," quetevaram a um 'escoamento" do material do tubo
cerca de 15 minutos após o alinhamento da nafta, com o sistema já pressurizado
com gás. Segundo laudo técnico elaborado pelos peritos judiciais e assistentes técnicos
que analisaram o ocorrido,
poderia se pensar que as reações exotérmicas responsáveis pelo aquecimento das
tubulações de saída do Forno BA 401 teriam sido provocadas pela presença de produtos
não-especificados no processo (o oxigênio, entre outros), na mistura nafta e hidrogênio,
como foi verifica& na análise de matéria-prima realizada logo após o acidente. (Galli,
Possebom & Olle, 1992:05-06)
Laudo elaborado pela pQu, em conjunto com a Universidade de Campinas e
a FUNDET (PQU, UNICAMP ~ FUNDET, 1992), descarta essa hipótese ao deduzir que a
quantidade de oxigênio encontrada no material analisado não era suficiente para
justificar a elevação de temperatura, apontando outros fatores como responsáveis
pelas reações exotérmicas ocorridas:
Sob condições apropriadas de temperatura, pressão, tipo de catalisador etc., mistura
de nafta e hidrogênio pode dar origem a reações de hidrogenação, craqueamento e
hidrocraqueamento, incluindo hidrodesalqu~lação. Hidrocraqueamento e hidrogenação
são reações altamente exotérmicas; o craqueamento em si é endotérmico mas, na presença
de hidrogênio, a subseqüente etapa de hidrogenação torna o processo igualmente
exot&mico; as reações catalíticas de hidrogenação e hidrocraqueamento ocorrem na
presença de metais e sulfetos metálicos; esses compostos foram encontrádos nas
serpentinas dos fornos. (Galli, Possebom & Olle, 1992:06)
Acidentes Industriais Ampliados

A análise do relatório do acidente realizado pela própria empresa permite ainda


constatar que o alinhamento de nafta no sistema foi implementado sem aguardar o
resultado da análise de composição feita pelo laboratório, evidenciando a pressa em
operar a planta e diminuir o seu tempo de parada (Galli, Possebom & Olle, 1992).
Esta mudança de um procedimento de fabricação original não é prática
exclusiva da Petroquímica União e, com certeza, não era a única na empresa até
então. Outras mudanças ao longo do tempo foram acontecendo de acordo com a
cultura, os conhecimentos e a necessidade da empresa. No caso específico desse
acidente, evidenciou-se a ausência de um roteiro formal de operação da partida
da unidade que fosse do domínio e do conhecimento de todos os envolvidos
(operação e áreas de apoio). A existência de serviços de manutenção em andamento
no momento da partida é o reflexo claro dessa descoordenação - além da causa
direta da existência de vítimas humanas.

MORTE ANUNCIADA: SÉRIE DE ACIDENTES ANUNCIAVA O PIOR

O acidente de 15 de julho de 1992 foi precedido de dois outros: o primeiro


ocorrido em 16 de maio e o outro em 10 de julho do mesmo ano. O primeiro obrigou
a antecipação da Parada Geral XII da empresa em pelo menos uma semana e se
deveu ao vazamento em um dos tubos da serpentina do Forno da Área 600, sem que
isso desencadeasse um processo catastrófico apesar de a operação envolver
hidrocarbonetos misturados com hidrogênio.
O segundo adquiriu caráter de maior gravidade e não se constituiu em catástrofe
por uma casualidade. Neste evento, um vazamento de hidrogênio pela junta de um
trocador de calor resultou em violenta explosão às cinco horas da madrugada,
seguida de incêndio rapidamente debelado e que deixou para trás um rastro de
destruição que atingiu diversas residências próximas à empresa.
As 'causas destes dois acidentes estão associadas às más condições de
manutenção dos equipamentos'. No primeiro, a serpentina encontrava-se seriamente
comprometida pelo tempo e pelas condições de uso, levando inclusive à interdição
do equipamento pela DRT/SP e sua completa substi0aição em dezembro de 1992.
No segundo, constatou-se que a referida junta estava 'mordida', denotando
problemas com a montagem executada por firma empreiteira na Parada XII, sem
que os serviços de acompanhamento e fiscalização da PQU tivessem capacidade de
detectá-lo. Além disso, a inexistência de equipe noturna de manutenção mecânica e
caldeiraria impossibilitou que o vazamento, detectado na primeira hora da
madrugada, fosse sanado até as cinco horas, quando evoluiu para a explosão.
A Experiência do Movimento Sindica&.

A INTERDIÇÃO DA FÁBRICA E O DIREITO DE RECUSA


Todos esses acidentes foram acompanhados de perto pelo Sindicato dos
Químicos e Petroquímicos do ABC, que tinha na época um dirigente trabalhando na
empresa, além de militantes na CruA. Estes já vinham se reunindo com o objetivo de
reunir evidências das más condições de manutenção da planta, quando ocorreu o
acidente de 15 de julho de 19921 Com a morte do trabalhador, o sindicato tomou a
frente das ações e conseguiu sensibilizar um grande número de trabalhadores a apontar,
nas suas respectivos áreas, os riscos existentes. Essas informações foram levadas à
Promotoria de Acidentes do Trabalho do município que, junto com o ~indicato,

,.pr°m°veu. _ , uma ação civil pública contra a empresa. O sindicato reivindicava a


mterdiçao da empresa, que também foi requerida à Subdelegacia Regional do Trabalho
de Santo André (DRT/SA) e à Procuradoria Regional do Trabalho em São Paulo, por
meio da Coordenadoria de Inquéritos Administrativos e Assuntos Especiais (CIAE).
Além disso, os trabalhadores decidiram "não reiniciar a produção' das áreas que
julgavam representar risco para eles próprios e para os moradores vi "
Esta decisão se bas ,, ,~,~
,-~,L~1~-__.,
uau~u,a 1cta
,-,convenção Coletiva de Trabalho
zinhosreferente
da empresa.
eou ao
' Dlrelto
" " de Recusa ao Trabalho em Condições de Risco Grave e Iminente'
A DRT/SA também 'interditou' imediatamente após o acidente o local em que
este ocorreu e as áreas circtmvizinhas, deterrmnando ampla análise por técnicos da
DRT/SP e da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do
Trabalho (FUNDACENTRo) nas demais áreas da planta. A direção da empresa tentou
impedir a participação de assessorest'ecmcos e dirigentes do sindicato nesses
levantamentos, porém o procurador da Promotoria de Justiça do Centro de Apoio
Operacional das Promotorias de Acidentes do Trabalho garantiu a ação, ameaçando
de prisão os dirigentes da empresa. A participação dos trabalhadores era de grande
importância, uma vez que eram eles próprios que realmente conheciam os
equipamentos que apresentavam problemas de manutenção. Concornitantemente,
diversos trabalhadores operacionais,t'ecrucos" de inspeção e manutenção e membros
da Crua foram chamados para depor no Ministério Público, com o objetivo de instruir
a Ação Civil Pública.
No entanto, na noite de 23 de julho de 1992, foi detectado um furo em um
trocador de calor que contaminava a água das caldeiras, ocasionando mais uma vez
a paralisação da fábrica. Durante o processo de parada, a ruptura de um seio
mecânico de uma bomba de propileno ocasionou grande vazamento do produto,
além do rompimento de uma serpentina de um dos fornos de aquecimento de
utilidades. Por pouco mais uma tragédia não aconteceu.
Na manhâ seguinte, horas depois deste quarto acidente, centenas de pessoas
participaram de um ato ecumênico em homenagem ao sétimo dia da morte do
Acidentes Industriais Ampliados

trabalhador, realizado na portaria principal da empresa. O ato foi organizado e


amplamente convocado pelo sindicato, contando com a presença do prefeito de Santo
André, dois padres, um pastor metodista, uma pastora luterana, vereadores, entidades
ambientalistas, associações de moradores, grupos de mulheres e até um grupo punk,
além de familiares da vítima e dos demais trabalhadores da empresa. Neste evento,
Os trabalhadores de empreiteiras paralisaram suas atividades dentro da empresa.
Este quarto acidente foi decisivo para que o juiz da 7~- Vara Cível de Santo
André concedesse, no dia 31 de julho daquele ano, medida liminar na Ação Civil
Pública m0vida pelo Ministério Público e Sindicato, determinando a interdição da
fábrica "por representar risco concreto e iminente à vida e incolumidade física dos
operários e dos residentes nas proximidades das instalações da indústria". Em sua
histórica decisão, o juiz argumentou ainda que "a questão transcendia as normas de
proteção ao trabalho; sendo algo mais amplo e caro, a segurança pública [grifos do
autor] (...) sobretudo quando esteja em jogo o mais precioso dos bens, a vida humana
(Constituição Federal, art. 5~)". E concluiu: "Lícito exigir, portanto, que a empresa
demonstre ao Poder Público a efetiva segurança de suas instalações antes de iniciar
as atividades". No ato da interdição, o juiz nomeou três peritos judiciais (um
autônomo e dois técnicos da FUNDACENTRO) para avaliar tecnicamente as medidas a
serem adotadas pela empresa.
Interessante frisar que o conceito de 'amplo' foi utilizado pelo magistrado para
justificar a tese e a necessidade da interdição, fazendo clara referência ao risco de acidente
ampliado (a 'segurança pública') que as instalações petroqtuínicas representavam naquele
momento para os trabalhadores e os moradores vizinhos da empresa.
A empresa tentou derrubar a interdição de todas as formas possíveis.
Inicialmente, interpôs um agravo de instrumento. Negado este, tentou impetrar um
mandado de segurança junto ao Tribunal de Justiça do Estado, que também foi
rejeitado. Passou então a pressionar os trabalhadores, ameaçando inclusive de não
lhes pagar o salário. Iniciaram-se então as pressões de outras empresas,
particularmente aquelas da segunda geração petroquímica, localizadas na Baixada
Santista (a maior parte delas, localizada no ABC, não ousou fazê-lo): Centro das
Indústrias do Estado de São Paulo (QESP), de Cubatão, Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (FIESP), Sindicato das Indústrias de Produtos Químicos e Afins
do Estado de São Paulo (SINPROQUIM) e até o Sindicato dos Trabalhadores Químicos
da Baixada Santista (ligado à Força Sindicai). Todos estavam preocupados com a
paralisação de diversas empresas devido à falta de suprimento de matérias-primas,
seguida da ameaça de demissões nessas mesmas empresas (preocupação expressada
pelo sindicato de trabalhadores citado).
A ocorrência de um acidente similar na COPESUL nesta mesma época contribuiu
também para a falta de matérias-primas no mercado. Neste acidente, seis
A Experiência do Movimento Sindicai...

trabalhadores sofreram queimaduras graves. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores


do Pólo Petroquímico de Triunfo (SINDIPOLO/RS), Rio Grande do Sul, as causas
foram as mesmas apontadas na PQU: número reduzido de pessoal e a existência de
uma política de falta de investimentos em manutenção e segurança.
Porém, a desinterdição provisória da PQU determinada pelo juiz, ainda que
temporária, só veio a ocorrer no dia 14 de agosto de 1992, após sucessivas reuniões
entre empresa, sindicato e Ministério Público e diversas assembléias dos
trabalhadores - que 'se recusavam a voltar a operar a planta sem a adoção de plenas
medidas de segurança' -, o que implicava maior transparência da gerência da fábrica
quanto às reais condições de operação dos equipamentos.
A 'decisão judicial' veio acompanhada de exigências, tais como:
- a determinação de ampliação da equipe de manutenção de turno, que passou a ser
constituída por dois mecânicos, dois caldeireiros, dois eletricistas e dois instrumentistas,
além de um Corpo de Bombeiros profissional constituído minimamente por um
supervisor e oito auxiliares;
- a prestação de informações necessárias a um 'periciamento" da fábrica a ser realizado
por técnicos indicados pela Justiça, pelo sindicato, o Ministério Público e a própria
empresa;
, a determinação de prazo de 90 dias para elaboração de laudo técnico por esses técnicos,
contendo as medidas de segurança necessárias que, se não cumpridas nos prazos
determinados, poderiam implicar nova interdição.
Um acordo firmado entre empresa e sindicato no dia 13 de agosto de 1992
(PQU & SINDIQUIM ABCD, 1992) e um "laudo preliIninar" assinado pelos peritos
judiciais nomeados após a interdição (Olle, Possebom & Rossi, 1992), atestando
condições seguras de operação da planta, viab'flizaram a citada decisão judicial. No
acordo com o sindicato, a empresa, "após profunda avaliação das condições da
planta, conclui pela inexistência de risco grave e iminente (...) assumindo a
responsabilidade da retomada imediata das suas atividades operacionais" (Oile,
Possebom & Rossi, 1992:20).
Reunidos em assembléia no interior da fábrica, os trabalhadores resolveram
então reiniciar o trabalho, depois de terem exercido seu legítimo direito de recusa,
garantido pela Constituição estadual e a Convenção Coletiva da categoria.

O LEVANTAMENTO DAS CONDIÇÕES DE SEGUILANÇA NA FÁBRICA

Em 18 de janeiro de 1993, terminou o prazo concedido pelo juiz para que os


técnicos se manifestassem. Coincidentemente, no dia seguinte um acidente de grande
proporções provocou pela primeira vez a decretação do "estado de emergência' do
pólo petroquímico de Camaçari, Bahia. Um incêndio nas tubovias que interligam as
Acidentes Industriais Arnpliados

empresas do complexo industrial quase repete os acidentes dos pólos paulista e do


sul (Química Industrial,
,
1993), evxdenclando
° por completo que a situação de degradação
das plantas Petroquímicas em vias de privatização era generalizada no País.
O laudo técnico de três peritos (Galli, Possebom & Olle, 1992), após investigar
as causas dos acidentes ocorridos e tecer considerações fundamentadas sobre
'Familiaridade, Treinamento Específico, Treinamento de Segurança, Trabalhos com
Empreiteiras e Equipamentos (Vida Util),P i apresentou a seguinte conclusão:

(...) está ocorrendo redução de efetivo e de treinamento, acompanhada de elevada


familiaridade com os processos, procedimentos e equzpamentos e de envelhecimento
das instalações, que s~o todos fatores de risco de acidentes, internacionalmente
reconhecidos. (Galli, Possebom & Olle, 1992:20)
O assistente técnico do sindicato utilizou como método de investigação a
aplicação de questionários com perguntas sobre: segurança de processo; manutenção
e inspeção técnica de equipamentos; treinarnento e preparação para emergências;
organização de emergência; segurança das instalações; procedimentos operacionais
ede manutenção; recursos humanos e materiais disponíveis. Estes 'requerimentos
de informações' foram dirigidos aos representantes da empresa e, ao mesmo tempo,
juntados aos autos, conferindo-lhes o caráter de" ,
quesitos processuais
procedimento garantiu maior confiabilidade às respostas, Este
visto que eram
apresentadas simultaneamente ao assistente técnico do sindicato e ao juiz.
A apresentação das respostas dos questionários foi seguida de inspeções nos
locais de trabalho; verificação dos prontuários de equipamentos; reuniões com os
técnicos da empresa; solicitações de informações complementares; análise de
documentos, e, evidentemente, reuniões com os trabalhadores. Esta 'etapa cio método
mvestigativo" adotado tinha como objetivos: obter os esclarecimentos que se fizessem
necessários; testar a confiabilidade das informações prestadas; aumentar o nível de
conhecimento e informação do sindicato sobre o processo de produção e as condições
de trabalho na empresa, ampliando assim o leque de assuntos a serem investigados.
O resultado deste trabalho foi consubstanciado no laudo técnico do assistente
técnico do sindicato (Freiras, 1993) e dividido em quatro partes:
quanto aos equipamentos e instalações industriais, apontando que a empresa não cmnpria
uma série de dispositivos legais, particularmente os referentes às Normas
Regulamentacloras 10, 12 e 13 do Ministério do Trabalho, além de equipamentos e
instalações físicas da empresa encontrarem-se desgastados, não oferecendo segurança
adequada aos seus operadores;
" quanto aos recursos humanos existentes, apontando falta de rotinas programadas para
treinamento de segurança para os trabalhadores da empresa e empreiteiras, bem como
para os integrantes da Organização de Emergência, além de
gerando grande quantidade de" horas extras ......... falta depessoal na operaçao,
contribuindo estes fatores para urna situação de ,~~,~ «~,~rreram
risco alarmanteaesgaste
que podeexcessivo
adquirir -
proporções catastróficas;
A Experiência do Movimento Sindicai.,

i quanto aos procedimentos operacionais, destacando que:


As paradas e partidas das unidades eram executadas sem ciência do S~sIN (Setor de
Segurança Industrial), que continuava a emitir "PPS" (Permissão para Serviço) em
áreas potencialmente perigosas; As áreas em Partida ou Parada não eram isoladas,
desobstruídas, limpas (...); Os andaimes de madeira e outras estruturas metálicas não
eram desmontados (.....) as pessoas continuavam trabalhando sobre eles em serviços
não relacionados às operações; A hierarquia da Unidade não dispunha de um roteiro
único de operação que. garantisse uniformidade das açòes de Partida ou Parada; As
informações originárias dos Relatórios de Inspeção não são devidamente repassadas
(.....) aos operadores (...); xzste uma pratzca de se utdzzar a Rede de Água vara Incêndio
para a lavagem de tanques e equipamentos (..) (Freitas, 1993:59-60);
" quanto aos sistemas de proteção existentes que revelavam a falta de'investimentos nos
últimos anos na segurança da fábrica e em contratação e treinamento de pessoat,
particularmente aos vinculados à Organização de mergencla, ^ '
havendo inclusive falta
E
de pessoal qualificado e experiente principalmente nos períodos de turno fora do
expediente administrativo. Falta de sinalização adequada de segurança, a não-
consideração da necessidade de comunicação de correnclas^ '
ao poder executivo local e
O
a comunicação de emergências aos moradores vizinhos à empresa e sua eventual
evacuação não eram previstas no Plano de uxlho "
Mútuo (PAM). Ambulâncias
A
inadequadas e em estado precário ea ausencla^ " de me&das preventivas que tornavam o
Centro de Controle de Processo propício à formação de atmosferas explosivas m area
de painéis elétricos, devido à infiltração de aromáticos pelos dutos e canaletas,e também
"

foram apontadas. Todas essas falhas caracterizavam uma situação grave de risco,
principalmente para os trabalhadores da empresa e os das empreiteiras.
Os dois laudos técnicos juntados aos autos apresentaram recomendações que
tinham por objetivo corrigir as irregularidades e desconformidades apontadas, e
muitas delas foram executadas imediatamente, outras no decorrer de prazos
definidos conjuntamente pelas partes (sindicato, empresa e Mlrusteno
. . p - ubhco),
. na
forma de acordo.
Além destes, outro processo de investigação foi conduzido por engenheiros da
Divisão de Segurança e Saúde no Trabalho (DSST) da DRT/SP, acompanhado pelo
d i r i g e n t eod sindicato
" " "
na fabrica e o engenheiro do sindicato. O roteiro de investigação
adotado pelo órgão fiscalizador foi baseado nas numerosas irregularidades apontadas
nos depoimentos dos trabalhadores no Ministério Público Cada uma das enuncias
d " "
foi investigada e diversas recomendações foram feitas com o sentido de corrigir as
falhas existentes
Desta maneira, a pauta de investigaçãodos tecmcos
" " da DRT/SP se diferenciava
daquela mais ampla, empreendida pelos peritos judiciais e assistentes técnicos nos
autos da Ação Civil Pública do Ministério Público. A participação do sindicato nas
duas instâncias capacitou-o a negociar de forma global um conjunto de medidas de
engenharia e organizacionais que garantissem o retorno da segurança na fábrica.
Acidentes Industriais Ampliados

Os ACORDOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

O primeiro acordo firmado sobre os levantamentos efetuados na PQU ocorreu


no âmbito da DRT/SP em 3 de novembro de 1993, tendo como principais aspectos:
" reconhecimento das condições operacionais satisfatórias de numerosos equipamentos
(trocadores de calor, vasos, torres, bombas etc.);
organização e dimensionamento dos treinamentos de segurança das Brigadas de
Emergência, de empregados próprios e de terceiros;
i aquisição de duas novas ambulâncias tipo Furgoline e programa de treinamento periódico
para os motoristas;
regularização das inspeções da malha de aterramento elétrico e substituição de pára-
raios obsoletos (tipo radioativo);
adequação de plataformas, sistema de sinalização por cores e sistema de inspeção
de caldeiras e vasos sob pressão (NR-13), carros de bombeiros e sistemas automáticos de
alarme e combate a incêndio;
definição de soluções para infiltração de hidrocarbonetos no subsolo da sala do Centro
de Controle de Processo e para o tratamento biológico da água de incêndio da lagoa;
"instalação de um Sistema Supervisor de Segurança Industrial, com 270 detectores de gases
e vapores e 30 telefones de emergência, além de 13 consoles para operação de rádios com
duas faixas adicionais de freqüência;
finalmente, a realização de reuniões mensais entre empresa e sindicato para a verificação
da existência de vazamentos que pudessem oferecer risco à segurança.

Em14 de abril de 1994, um segundo acordo, de caráter complementar, foi


estabelecido no âmbito da Ação Civil Pública do Ministério Público Estadual,
acrescentando novos temas à agenda de compromissos firmados anteriormente, como:

. garantia de acesso dos trabalhadores e seus representantes na CIPA aos resultados das
inspeções dos equipamentos;
" publicação trimestral do direito previsto na alínea a, no boletim Acontece, editado e
distribuído pela empresa;
permanência de equipes de manutenção e bombeiros nos turnos, na forma apontada
pelos peritos judiciais em agosto de 1992, na época da desinterdição da fábrica;
ampliação da pauta das reuniões mensais para quaisquer assuntos relacionados à
segurança e à saúde dos trabalhadores;
manutenção de nível elevado de treinamento para empregados próprios e de terceiros,
com especial ênfase para as Paradas Gerais;
execução de 55 Recomendações de Inspeção de Equipamentos, remanescentes de 1992,
até o término da Parada Geral XIII, em 31/5/94;
" realização da pintura de todos os eqmpamentos e instalações de acordo com a NR-26,
em 36 meses;
garantia de visita mensal de técnico e dirigentes do sindicato à empresa, desde que esta
seja informada previamente em até cinco dias;
informação sobre os riscos do parque industrial, do lado de fora dos muros da empresa,
voltado para as ruas do Jardim Sônia Maria;
estipulação de multa no valor de 20% de cada item descumprido.
A Experiência do Movimento Sindicai.,.

As reuniões mensais de segurança realizadas na forma dos acordos fizeram


com que uma série de novos assuntos fossem acrescentados à pauta de discussões,
além daqueles previamente firmados, como por exemplo:
acionamento e motorização das válvulas Rhefia;
mudança no projeto de água de alimentação de caldeiras;
acendimento dos fornos cilíndricos, com instalação de ignitores;
procedimento de drenagem dos lastros de tanques;
acidente na Ärea 900; vazamentos nas Áreas 400, 300 e 200;
adequação dos vãos de guarda-corpos e escadas;
dobras e coberturas de pessoal e efetivo mímmo nos turnos;
acidente de 28 de novembro de 1995 com Parada de Emergência da Fábrica;"
I adequação das condições de segurança da estação da CONCÁS;
inspeção e recomendações de segurança e sobre benzeno no SEL II.
A dinâmica adotada com essas reuniões mensais permitiu que o sindicato
passasse a ter maior controle sobre as condições de segurança na empresa. Porém,
essa rotina de reuniões sobre segurança não ficou totalmente imune aos demais
assuntos que caracterizam as relações sindicato versus empresa no Brasil, sofrendo
por diversas ocasiões as influúncias dessas demais questões (greves; demissões;
participação nos lucros e resultados; eleições para a Diretoria de Representação dos
Empregados - vencida pelo diretor do sindicato na fábrica sem que tenha conseguido
tomar posse - etc.). Por estes e outros motivos, as reuniões não chegaram a ter uma
rígida periodicidade mensal, sofrendo inclusive interrupções.

A REvisÃo TRIPARTITE DA NR-13: INTRODUZINDO A PREVENÇÃO


DE ACIDENTES QUíMICOS AMPLIADOS NA LEGISLAÇÃO VIGENTE

Em fevereiro de 1994, a Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho do


Ministério do Trabalho (SSST/MTb) deu início ao processo de revisão e atualização
da NR-13 da Portaria 3.214/78, que trata da Segurança de Caldeiras e Vasos de
Pressão. Este processo foi iniciado como resposta da SSST/MTb a uma movimentação
em curso no meio empresarial - coordenado pelo Institu.to Brasileiro do Petróleo
(IBP) - em conjunto com o Instituto Nacional de Metrologia (INMETRO), que tinha por
objetivo apresentar ao governo uma nova versão da NR. O argumento empresarial
- entendido como válido nas áreas de governo e trabalhadores- era que a NR vigente
estava ultrapassada em conceitos e era pouco operacional, dificultando seu pleno
cumprimento pelas empresas. Sua última atualização datava de 1984 e fora realizada
nos moldes da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Segundo (Magrini,
1994:13), "compreendia somente empresas fabricantes, usuários e instituições
Acidentes h~dustriais Ampliados

governamentais e não dispunha de estrutura adequada para a melhor administração


do saber técnico-científico" A estratégia definida pela SSST/MTb foi organizar um
Grupo Técnico Tripartite (GTT) para proceder essa revisão, tendo sido chamados
inicialmente para compô-lo pessoas com reconhecida atuação no assunto (esta foi
u m a d a s p r i m e i r a sxpenen«as
e '^ tripartites de revisão das NRs, não existindo na
é p o c a f ó r u n s e p r o c e d i m e n t o s a t u a i s c o m o a C o m i s s ã o Tr i p a r t i t e P a r i t á r i a
Permanente - CTPP - e a chamada 'NR Zero', que define a forma de revisão e
atualização de NRs). Essas pessoas foram:
pelo governo: representante da DRT/SP; representante do INMETRO; representante da
SSST/MTb;
pelos trabalhadores: representante do Sindicato dos Químicos e Petroquím'icos do ABC/
Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e Ambientes de Trabalho
(DIESAT) e representante do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro/CUT;
pelas empresas: representante da PQU/AssOciação Brasileira da Indústria Química/
ABIQUIM e do IBP.

A composição das partes refletia naquele momento e trazia para o cenário


nacional os mesmos atores sociais envolvidos no processo de intervenção da
Petroquímica União, motivo pelo qual os entendimentos acordados no âmbito
daquela empresa foram absorvidos sem grandes dificuldades e transformados em
legislação normativa de âmbito nacional.
A s s i m s e n d o , o s c o n c e i t o s d e fi n i d o s n a r e d a ç ã o d a n o v a n o r m a r e fl e t e m
exatamente aqueles que foram'adotados no processo de investigação do acidente
da PQU e no encaminhamento das medidas corretivas implementadas, como:
ampliação e definição clara das situações de risco grave e iminente;
" valorização dos serviços próprios de inspeção de equipamentos nas empresas, em
detrimento dos serviços terceirizados;
melhorias no processo de qualificação dos operadores, com treinamentos e atualizações
permanentes;
livre acesso de operadores, pessoal de manutenção e inspeção, membros da Crua e dos
Sindicatos aos prontuários dos equipamentos;
poder de fiscalização aos sindicatos sobre os cursos e estágios de Operadores de caldeira;
maior controle dos operadores sobre as inspeções de equipamentos;
eliminação do papel cartorial do Ministério do Trabalho, transferindo aos sindicatos
maior poder de fiscalização e negociação de Projetos Alternativos de Instalação de
caldeiras e vasos de pressão;
" exigência-de maior qualificação do papel do Estado na fiscalização de caldeiras e vasos
de pressão;
t maior flexibilidade quanto aos prazos e ecmcas de inspeção;
i introdução de conceitos de segurança na operação e manutenção de caldeiras e vasos de
pressão, além da melhor especificação do papel da Inspeção desses equipamentos;
" menos burocracia e maior racionalização na emissão e na circulação de documentos;
I introdução de critérios de risco na classificação de caldeiras e vasos de pressão, como
inflamabilidade, toxicidade, temperatura e pressão de fluidos.
A Lxperiênda do Movimento Sindicai...

Essas medidas representam, de modo geral, maior responsabilidade das


empresas, dos sindicatos e do poder público, uma vez que a todos foram definidas
atribuições importantes no controle do risco. Representam também rigorosas medidas
de prevenção da ocorrência de acidentes industriais de grandes proporções, visto
serem aplicáveis em instatações, equipamentos e processos existentes principalmente
em indústrias do ramo químico, petroquímico, de extração e refino de petróleo,
fabricação de celulose e papel, geração e distribuição de gases, fabricação de produtos
farmacêuticos e farmacoqm'micos, geração e distribuição de energia, fabricação de
produtos alimentares e muitos outros, inclusive do setor de serviços, como hospitais,
restaurantes, borracharias, oficinas, hotéis, motéis e saunas.
Diversos representantes técnicos de empresas e sindicatos de~sas atividades
econômicas participaram indiretamente dos trabalhos do GTT responsável pela
revisão e atualização da NR, assim como numerosos agentes de inspeção (médicos
e engenheiros) de DRTs de diversos estados. No campo empresarial, isto foi possível
devido principalmente aos esforços pessoais do representante da PQU que, com
apoio da empresa (a quem interessava 'universalizar' as novas exigências),
implementou uma rede nacional de informações composta por mais de uma centena
de especialistas na área, que permitiu-lhes opinar e intervir com seus conhecimentos
nas diversas etapas da redação elaborada pelos membros do GTT.
Os trabalhos do Grupo Técnico Tripartite foram encerrados em dezembro de
1994, com a publicação no Diário Oficial da União da Portaria 23, republicada por
motivos de impressão técnica em 26/4/95.
A etapa seguinte desta longa jornada de ampliação da ação sindicai no campo
dos acidentes ampliados foi a organização de um seminário nacional em que outras
experiências sindicais se somaram a estas, como relatado a seguir.

O SEMINÁRIO DE ATIBAIA SOBRE OS ACIDENTES AMPLIADOS --


SISTEMATIZANDO A EXPERIÊNCIA SINDICAL

No final de novembro de 1995, a Confederação Nacional dos Químicos da Central


Única dos Trabalhadores (CNQ/CUT) organizou, com o apoio da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), no município de Atibaia (São Paulo), o Seminário
Nacional sobre os Riscos de Acidentes Maiores, do qual participaram sindicalistas
petroleiros, petroquímicos e químicos de todo o País.
O seminário foi organizado com o objetivo de difundir no meio sindicai os
conceitos, informações e técnicas de análises de risco sobre os acidentes 'maiores'
ou 'ampliados' (a partir do seminário, o termo 'maiores' foi substituído por
'ampliado'). O evento contou também com a presença de representantes da área
governamental e empresariai.
Acidentes Industriais Ampliados

O diagnóstico levado pelos participantes ao seminário registrava que as ações


das empresas quanto à prevenção e à preparação para acidentes industriais ampliados
encontrava-se, até aquele momento, restrito a:
formação de Brigadas de Incêndio e Emergências;
realização de exercícios simulados de situações de emergência;
- participação em Planos de Auxilio Mútuo (PAM) e Defesa Civil.
Relataram também perceber um incremento no risco de acidentes ampliados devido
principalmente a:
diminuiçào dos efetivos de-turnos (com perdas de membros nas brigadas, inclusive),
acompanhada do aumento da polivalência profissional;
aumento de terceirização e quarteirização da mão-de-obra (manutenção, segurança,
produção etc.);
manutenção precária de equipamentos;
- automação acelerada de processos, desacompanhada de níveis satisfatórios de preparação
e treinamento.
Além disso, os sindicalistas apontaram as dificuldades que enfrentavam para poder
atuar na prevenção e na investigação de ácidentes ampliados em relação a:
- empresas: prática autoritária nas relações de trabalho; perseguições e punições aos
trabalhadores; impedimento da participação dos sindicatos nas investigações de
acidentes e fiscalizações de órgãos públicos; tentativa de desqualificação dos
trabalhadores para essa discussão;
serviços públicos: omissão; despreparo; desinteresse; impunidade às empresas; sucateados.
A partir dessas impressões e das informações técnicas recebidas, os sindicalistas
elaboraram um documento que representa a. síntese desse diagnóstico e de suas
propostas de ação neste campo, como pode se deduzir pelo seu título: Carta de Atibaia
sobre os Acidentes Qufmidos Ampliados: a visão dos trabalhadores (no final deste capítulo).

ANÁLISES E REFLEXÕES

Neste capítulo, procurou-se sistematizar uma rica experiência do movimento


sindical brasileiro na análise de acidentes químicos ampliados. Mais do que isso,
procurou-se também enfatizar os aspectos preventivos e as estratégias utilizadas
pelos trabalhadores neste campo; descrevendo ainda as premissas teórico-
metodológicas empregadas.
Situando o contexto social e político para o caso do acidente em questão e
utilizado como exemplo, primeiramente cabe alertar que não é por acaso que este
processo se desenvolve na região do ABC paulista, um dos mais importantes e
tradicionais cenários de luta operária no Pais - especialmente se levarmos em conta
que o momento político vivenciado era marcado pelo início do processo de
A Experiência do Movim, ento Sindicai...

privatização de estatais e pelas primeiras denúncias de corrupção do Governo Collor


de Mello, gerando grande apelo e mobilização popular. Ademais, a principal força
motriz do processo - o Sindicatodos Químicos e Petroquímicos do ABC -- é
reconhecida no meio sindicai e acadêmico como um dos mais preparados e atuantes
nas questões da saúde do trabalhador, no Brasil.
Situando o acidente no contexto do atual modo de operação da maioria das
indústrias químicas e petroquímicas do País, deve-se chamar a atenção para a
evidenciação do modo degradado de operação, caracterizando situações de riscos
de acidentes ampliados. Duarte (1994:33) faz réferência ao modo de operação
degradado das refinarias brasileiras para explicitar a sobrecarga de trabalho dos
operadores de turno. Assim, diz que o modo degradado ;'significa, em geral, um
processo de deterioração gradual dos equipamentos e dispositivos técnicos de uma
instalação ou situação de trabalho caracterizado por um estado de disfuncionamentos
e de incidentes constantes".
O caso em estudo apresenta exatamente essas características, e o fato de a
empresa encontrar-se, naquela época, na iminência de ser privatizada contribuiu
ainda mais para esse processo. Projetos ambiciosos de modernização e aumento da
capacidade de produção encontravam-se paralisados por esse motivo, aguardando
um desfecho dos entraves políticos, burocráticos e judiciais que se desenvolviam
paralelamente à continuidade das atividades produtivas. Não houve uma explicitação
formal da retenção dos investimentos necessários à manutenção dos equipamentos
e dos níveis de qualificação dos operadores. Entretanto, essas condições foram
apontadas pelos especialistas que elaboraram os laudos.
A intervenção social verificada no caso em estudo reveste-se, assím, de um
caráter ainda mais amplo, por tratar-se de uma ação de confronto com dada
tecnologia e dado processo de trabalho, determinados historicamente pelo contexto
social no qual estavam inseridos trabalhadores e empresa.
Situados o contexto social e político, bem como o do atual modo de operação das
indústrias de processo do País, deve-se situar o referencial teórico que serviu de base
para a atuação sindicai. Adotando Laurell & Noriega (1989) como referencial teórico,
podemos afirmar que a atuação do sindicato no caso em estudo perpassa por duas
das quatro propostas metodológicas enfocadas pelos autores: o modelo de inspeção
estatal e o modelo operário. Tomando como referência osautores, pode-se considerar
que no modelo de inspeção estatal, caracterizado pelas ações de fiscalização do
Ministério dó Trabalho, Secretaria de Estado das Relações do Trabalho (SERT) e Centro
de Referência em Saúde do Trabalhador (CRST) de Santo André, não se conseguiu
evitar a ocorrência dos acidentes descritos e tampouco sua repetição. Necessárias
foram a intervenção decisiva da Justiça, 'cutucada' por um Ministério Público recém-
iniciado neste campo, e as sucessivas argüições do sindicato dos trabalhadores.
Acidentes Industriais Ampliados

Entretanto, ainda que dentro dos seus limites metodológicos - ação pontual
sobre questões específicas levantadas pelos trabalhadores - o Ministério do Trabalho
atuou em conjunto com os representantes dos trabalhadores e sua assessoria técnica
e, refletindo um momento político histórico que se construía, dèterminou a
continuidade do processo investigativo por meio das 'visitas' mensais do sindicato
à empresa - repassando parte de suas atribuições aos afores sociais envolvidos.
No caso estudado, é possível identificar ainda uma ação sindical coordenada e
em sintonia com os princípios conceituais que caracterizam o modelo operário
italiano, segundo Oddone et al. (1986): " " ~ consensual ', a "não-defegação"
a vahdaçao
e a noção de "grupo homogêneo". Em primeiro lugar, c be a aqm destacar o papel de
vanguarda que o conjunto dos operadores de processo adquiriu no movimento.
Este grupo era constituído em sua maior parte por operários experientes,
conhecedores do processo e da fábrica - que ajudaram a "partir' (colocar em operação)
em 1972 e acompanharam sua evolução tecnológica e degradação por todos estes
anos.Constitun:am-se,
" " assim, um verdadeiro 'grupo homogêneo' que distinguia seus
interesses dos demais trabalhadores da empresa - em determinado momento do
processo, intervinham como grupo de interesse nas assembléias, em contraposição
aos seus colegas da manutenção e das áreas administrativas (estes últimos mais
.
suscetíveis aos argumentos da empresa quanto à confiabilidade das me&das tomadas
. .

" " ~ As ações deste "grupo' caracterizaram-se pelo extremo sentimento


pr o-desmterdlçao).
"
de solidariedade. Todas as suas decisões foram tomadas em caráter de 'consenso'. Foi
também_ o grupo mais refratário às informações dos engenheiros da fábrica (princípio
da 'não-delegação') de que a pianta apresentava condições seguras de operação.
Conseqüentemente, foi o último - e decisivo - grupo a aderir à idéia de 're-partida'
operacional, após a adoção de medidas técnicas pela engenharia e manutenção da
fábrica, corroboradas pelo 'laudo pretiminar' dos peritos judiciais, não assumidas
»ela assessoria técnica do sindicato devido à inexistência de um estudo mais abrangente
sobre "todos os f atores ] que influenciam
.
a segurança operaci0nal.
O termo 'todos os fatores" foi utilizado para expressar o conceito mais amplo
que diz respeito a todos os elementos do processo de trabalho que, segundo Laurell
& Noriega (1989):
são o objeto de trabalho, os instrumentos de trabalho e õ próprio tràbalho. A sua
análise tem duas vertentes: uma técnica e outra social. Ou seja, é preciso analisar não
somente as características físicas, químicas e mecânicas do objeto de trabalho, mas
também por que e como chega a sê-lo, isto e, sua vertente social. Da mesma forma, os
instrumentos de trabalho ou a tecnologia devem ser compreendidos« de um lado, no
que diz respeito a sua conformação técnica e, de outro, como a materialização de uma
determinada relação entre capital e trabalho. O trabalho, finalmente, tem que ser
entendido como processos corporais, mas também como uma expressão concreta da
relação de exploração a traves de sua organização e divisão. Uma vez e "
xtrmdas as
A Experiência do Movimento Sindicai...

características bdsicas dos objetos e instrumentos de trabalho e do trabalho, é preciso


analisar a relação entre eles para reconstruir a dinâmica do processo de trabalho. E
somente assim se pode chegar a uma reconstrução significativa do processo de trabalho.
(Laurell & Noriega, 1989)
Esta argumentação permitiu e possibilitou o desenvolvimento de um processo
de levantamento das condições de segurança na fábrica - realizado por sindicato e
serviço público - até então nttnca experimentado por empresa do ramo. Os resultados
imediatos são aqueles expressos nos laudos técnicos mencionados. As conseqüênclas
posteriores são concretizadas na revisão e na atualização da NR-13, acrescidas da
contribuição que todo esse processo concedeu à implementação definitiva da prática
de revisão das normas técnicas de segurança e saúde no trabalho, de forma tripartite.
Além disso, há a sua contribuição inequívoca para a construção de um 'saber
operário" nesse campo, materializado no Seminário de Atibaia, em que foram
relacionadas diversas propostas de rico conteúdo técnico e social, oferecidas não
apenas aos trabalhadores mas a toda a sociedade, em especial aos moradores de
instalações industriais que representam riscos de acidentes ampliados.
Os trabalhadores confirmam assim a teoria de Oddone et al. (1986), que parece
ter sido escrita para resumir o caso em estudo:
Para que o ambiente de trabalho fique livre da nocividade que sempre o acompanhou, é
necessário que as descobertas científicas neste campo sejam socializadas, isto é. trazidas ao
conhecimento dos trabalhadores de uma forma eficaz; é necessário que a classe operária se
aproprie delas e se posicione como protagonista na luta contra as doenças, as incapacidades
e as mortes no trabalho. Somente uma real posição de hegemonia da classe operária diante
dos problemas da nocividadepode garantir as transformações quepodem e devem determinar
um ambiente de trabalho adequado para o homem. Somente a luta, com uma ação sindical
conduzida com precisos objetivos reivindicatórios, com a conquista de um poder real dos
trabalhadores e do sindicato, é possível impor as modificações, sejam tecnológicas, técnicas
ou normativas, que possam anular ou reduzir ao mínimo os riscos a que o trabalhador está
exposto no local e trabalho. (Oddone et ai., 1986:17)
A seguir, apresentamos a íntegra do documento elaborado pelos sindicalistas e
referido neste capítulo.

CARTADE ATmAIA SOBRE OS ACX)ENTES AMPLtaZX~: AVISÃO DOS TRAB~RES

"Nós, sindicalistas representantes dos trabalhadores petroleiros, petroquímicos


e químicos brasileiros, reunidos no Seminário Nacional sobre os Riscos de Acidentes
Maiores, realizado com apoio da OIT, na cidade de Atibaia, São Paulo, entre os dias
29/11 e 01/12 de 1995, vimos através desta apresentar à sociedade brasileira as
seguintes considerações e propostas:
Acidentes Industriais Ampliados

Considerando que acidentes ampliados tais como incêndios, vazamentos e


° I

explosões têm ocorrido nas indústrias brasileiras atingindo primeiramente os


trabalhadores e, em muitos casos, as comunidades vizinhas e o meio ambiente, com
riscos de atingir inclusive as gerações futuras;
Considerando que as causas dos acidentes ampliados têm como raiz o modo
como a grande maioria das empresas vem organizando o trabalho e gerenciando a
operação das plantas industriais, combinando forte terceirização; ausência de efetivos
investimentos em segurança, çesultando na precariedade da manutenção dos
equipamentos; pressões das gerências em favor da produção, levando
freqüentemente à desconsideração dos procedimentos de segurança; grande redução
do efetivo de trabalhadores e exigência de polivalência, o qual tem gerado uma
sobrecarga de trabalho; automação acelerada sem discussão com os sindicatos - ao
contrário do que ocorre na Europa - e sem preparação dos trabalhadores,
contribuindo para agravar as situações de riscos; e, finalmente, a forte cultura
autoritária que permeia as relações de trabalho nas indústrias, contribuindo ainda
mais para a geração de situações perigosas;
Considerando que as conseqüências dos acidentes ampliados têm sido graves e
resultado em mortes, lesões, queimaduras e intoxicações entre os trabalhadores e as
comunidades vizinhas, além de sérios danos ao meio ambiente, sendo agravadas
pelo completo despreparo dos serviços públicos de saúde, trabalho e meio ambiente,
inexistindo no Brasil uma política de registro, prevenção e controle destes eventos;
Considerando a postura das empresas em nãQ permitir o livre acesso dos
sindicatos às investigações sobre os acidentes ampliados ocorridos e, em alguns
casos, alterarem signficativamente os vestígios; associado ao completo equívoco
técnico e deformaçâo ética de se atribuírem aos trabalhadores a culpa e os punir, o
que é muitas vezes agravado pela omissão e despreparo dos órgãos públicos em
atuar nestas situações;
Propomos:
1) Que se assuma como prioridade a implementação de uma Política Nacional de Prevenção
e Controle dos Acidentes Ampliados, através da implementação de comissões envolvendo
trabalhadores, empresários, universidades, centros de pesquisa e governo nas áreas de
Trabalho, Saúde e Meio Ambiente, incluindo a elaboração de normas e portarias específicas;
2) Que o Executivo e o Legislativo agilizem a ratificação, pelo Brasil, da Convenção 174
da Organização Internacional do Trabalho, voltada ao controle e prevenção dos
acidentes ampliados;
3) Que as empresas mudem suas posturas e práticas de gerenciamento e relações trabalhistas,
assum'mdo um diálogo efetivo com os trabalhadores e seus sindicatos mediante a efetiva
implementação da orgamzação nos locais de trabalho;
A Experiência do Movimento Sindicai...

4 ) Que as estratégias de reestruturação produtiva, introdução de novas tecnologias e


implementação de programas de competitividade e qualidade nas empresas observem
rigidamente os crit6rios de saúde, segurança e meio ambiente, incorporando os
trabalhadores e suas representações sindicais na negociação destas mudanças;
5 ) Que o Governo Brasileiro implemente um Sistema Nacional de Registro e Notificação de
Instalações Perigosas eAcidentes Ampliad0s no País;
6 ) Que seja garantido o acesso às informações sobre os riscos das instalações perigosas para
os trabalhadores, sindicatos e comunidades vizinhas às plantas industriais, bem como a
participação na elaboração e implementação dos planos de emergências;
7 ) Que as universidades e instituições públicas, articuladas com a sociedade civil organizada,
contribuam ativamente no desenvolvimento de pesquisas voltadas à análise e ao controle
das causas e conseqüências dos acidentes ampliados, inclusive através dé programas de
formação e informação para os trabalhadores e comunidades próximas às áreas de riscos;
8 ) Que sejam implementadas as propostas da delegação tripartite brasileira (CUT, CNI e MTb),
discutidas e consensuadas no Seminário Latino-Americano sobre a Prevenção de Acidentes
Industriais Maiores, realizado em agosto de 1994 e promovido pela OIT e o MTb..

Atibaia, 01 dedezembro de 1995.

Central Única dos Trabalhadores (CUT)


Confederação Nacional dos Químicos da CUT (CNQ/CUT)
Federação Única dos Petroleiros (FUP)
Sindicatos filiados participantes"
Acidentes Industriais Ampliados

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DUARTE, F. J. C. M. A Análise Ergonômica do Trabalho e a Determinação de Efetivos: estudo da


modernização tecnológica de uma refinaria de petróleo no Brasil, 1994. Tese de Doutorado,
Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Coppe.
FREITAS, N. B. B. Laudo Técnico Pericial Petroquímica União S. A. Santo André: Sindicato dos
Químicos e Petroquímicos.do ABC, 1993. 76 p.
GALLI, E.; POSSEBOM, J. & OLLE, R. D. Laudo PericiaI Petroquímica União S.A. São Paulo,
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LAURELL, A. C. & NORIEGA, M. Processo de Produção e Saúde: trabalho e desgaste operário.
São Paulo: Hucitec, 1989.
MAGRINI, R. Legislação: uma nova NR-13. Revista Trabalho & Saúde, 37:13, 1994.
ODDONE, I. et ai. Ambiente de Trabalho: a luta dos trabalhadores pela saúde. São Paulo: Hucitec,
1986.
OLLE, R. D.; POSSEBOM, J. & ROSSI, P. R. O. Laudo Preliminar. São Paulo, 1992. 4 p.
PETROQUÍMICA UNIÃO (PQU) e SINDICATO DOS QUÍMICOS DO ABCD (SINDIQLJIM),
1992. Termo de Acordo a que Chegam a Petroquímica União S/A e o Sindicato dos Trabalhadores
das Indústrias Químicas, Petroquím~cas, Farmacêuticas, Tintas e Vernizes, Plásticos, Resinas
Sintéticas, Explosivos e Similares do ABCDMRPRGS. Santo André, 1992. 2 p.
PETROQUÍMICA UNIÃO S. A. (PQU); UNIVERSIDADE DE CAMPINAS ( U N I C A M P ) &
FUNDET. Relatório do Forno BA-401. Campinas: Unicamp, 1992.
QUÍMICA INDUSTRIAL. Acidente não afeta bons resultados: ação rápida evitou o pior.
Revista Química Industrial, 47:16-22, 1993.
'SEGUUURA, PEÃO[' ALERTAS SOBRE O RISCO
TÉCNICO COLETIVO CRESCENTE NA INDÚSTRIA
PETROLÍFERA (BRASIL, ANOS 90)

Arsênio Oswaldo Sevá Filho

Este capítulo sobre acidentes industriais de grande porte resultou de


intensos anos de pesquisas sobre a indústria petrolífera, com inspeções, visitas,
levantamentos, reuniões, depoimentos nas refinarias de Paulínia, São José dos
Campos e Cubatão (SP), nos terminais de São Sebastião, da Alemoa e do
Barnabé, Santos (SP), na base de Cabiúnas, Macaé (RJ), e em uma plataforma
de perfuração no campo marítimo de Bonito/Piraúna, litoral do Rio de Janeiro.
E também de um acompanhamento sistemático das atividades das Comissões
Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAS) e de várias iniciativas sindicais
dos petroleiros e outras categorias, de seus congressos e teses aprovadas em
plenário, de seus acordos coletivos com a P E T R O B R A S , dos procedimentos,
inquéritos e ações iniciadas pelos promotores e procuradores. Também foram
examinadas as etapas de instrução, vistoria, perícia e pareceres em algumas
dessas ocasiões, além de várias denúncias e demandas junto às Delegacias
Regionais do Trabalho e às juntas e aos juízes da Justiça do Trabalho.
O texto inicia-se com um roteiro técnico e geográfico dessa indústria no País,
depois se deterá na vida cotidiana de trabalhadores, técnicos e engenheiros, fazendo
um pequeno glossário de seu jargão técnico, suas gírias, suas percepções do risço
e das falhas de organização e de manutenção. Para fornecer também aos leitores
uma ferramenta conceitual e suas implicações concretas na atualidade do País,
será definido o risco como sendo técnico, coletivo e ambiental, ao mesmo tempo;
e será montada uma hierarquia das 10 principais situações regionais no Brasil,
sob os efeitos dos riscos e dos pr ejmzos
"" associados à indústria petrolífera. Em
seguida, vai-se entrar em uma pequena parte do intenso e variado dia-a-dia dos
trabalhadores expostos aos riscos, suas vítimas reais ou potenciais, e na imensa
disputa filigranada e recorrente que existe nas empresas e na administração pública
sobre as informações relevantes de saúde, meio ambiente e os próprios acidentes
havidos e presenciados. Então será dado o recado do capítulo, na esperança de
que tal correlação de forças, no momento tão desfavorável, possa ser revertida,
em busca da integridade humana de quem trabalha, de todos que vivem por perto, em
busca da sua valorização como sujeitos na produção, na economia e na política da
empresa, e como cidadãos, dentro e fora do trabalho.
Acidentes Industriais Ampliados

ATIVIDADEs Tt~CNICAS E TIPOS DE RISCOS NA INDÚSTRIA PETROLÍFERA

A indústria do petróleo e do gás natural é uma evidência contemporânea dos


riscos de acidentes de grande porte, dos riscos de acidentes de trabalho em geral e
dos mecanismos de contaminação humana e da vida animal, pesando cada vez mais
nas alterações ambientais locais e planetárias. Uma das atividades mais recentes na
história humana vem se mostrando um foco primordial de disputas por rendas, por
territórios e por rotas de passagem, incluindo-se aí várias das guerras dos últimos
140 anos (Yergin, 1993).
Destaca-se também a indústria petrolífera por ser um terreno de criação e aplicação
de alguns esforços tecnolúgicos típicos de nossa era: a moderna tecnologia de
instrumentação e sistemas de controle dos numerosos processos físicos e químicos
que compõem a lógica industrial petrolífera. Tudo para se obter grandes volumes de
hidrocarbonetos líquidos e gasosos extraídos do subsolo e, a partir deles, fabricar e
despachar vários tipos de "derivados' de petróleo e de gás, quase todos para o uso
posterior como combustíveis e os demais como insumos para a indústria química e de
sintéticos em geral e para a construção (Shreve, 1945; Austin, 1984).
Assim, na avaliação de quaisquer eventos na indústria petrolífera, é conveniente
manter em primeiro plano o pressuposto de que todas as suas atividades, em todas
as etapas, contêm 'riscos intrínsecos e variados', resultantes de uma estreita correlação
e de uma freqüente potencialização recíproca entre os fatores técnicos, as condições
humanas e as variações do ambiente nah,u:al. Seus impactos ambientais em todo o
circuito, desde o poço até os motores e caldeiras que queimam combustíveis, bem
como suas atividades de transporte e de produção no mar, seus equipamentos especiais
de perfuração e de escoamento vêm sendo objeto de vários estudos (Barcelos, 1986;
Oliveira, 1993; Faertes, 1994; Dutra, 1996; Sevá Filho, 1996; Sevá Filho, 1997a e 1997b).
Para facilitar o discernimento dos tipos de riscos de acidentes e de episódios de
poluição ambiental em diferentes localidades, faz-se, a seguir, uma sinopse desta
indústria no Brasil, com uma recapitulação técnica, em 10 etapas, e uma referenciação
geográfica em municípios de quase todos os estados.

RECAPITULAÇÃO TÉCNICA E GEOGRÁFICA DO PETRÓLEO NO BRASIL


, Perfurar: trata-se de 'perfurar o solo terrestre' no Espírito Santo, na Bahia, em Sergipe,
no Rio Grande do Norte e no Amazonas e 'perfurar o solo marinho sob lâminas d'água'
pequenas (com poucos metros de profundidade, no Recôncavo Baiano), médias (dezenas
de metros até duzentos metros, em Sergipe, no Ceará e Rio Grande do Norte) e grandes
(até profundidades de mil metros e mais, como no litoral fluminense, e ao Sul, na Bacia
de Santos e na de Paranaguá).
" Atingir camadas profundas: perfurar para 'atingir camadas profundas, do subsolo. No
Brasil, os 'reservatórios' de óleo cru e gás estão em lajes de arenito a dois mil metros, às
... Alertas Sobre o Risco Técnico Coletivo...

vezes três mil metros abaixo do solo, ou abaixo do piso do mar. Em seguida,
comprovar ou í~ão a existência dos hidrocarbonetos. Depois decidir entre 'tampar',
abandonando os pOços ou deixando em stand by, ou 'completar' tais poços, neste
caso imobilizando na rocha, com cimento, as tubulações de aço concêntricas por
onde o poço será posteriormente manobrado - com passagens para água, vapor,
" cabos elétricos, injeção de gás - e por onde escoará a mistura multifásica de
hidrocarbonetos líquidos e gasosos, de água com sais e de cascalho. Para completar
os poços é necessário ainda empregar explosivos para 'canhonear a rocha' no entorno
da seção final do poço e induzir o escoamento da mistura.
Montar conexões: montar as 'conexões' de cada poço com suas instalações terrestres ou
subaquáticas: árvores de natal, conjuntos de válvulas de cabeça de poço, manifolds
(conjuntos de válvulas controlando vários poços); assentar, montar e alinhar tubulações,
com trechos flexíveis (sob o mar) e trechos rígidos, com bitolas de até 24 polegadas, no
mar, e de até 40 polegadas, em terra. Estes tipos de trabalho são feitos por 'navios
especiais" (pipe-layers, equipados com robôs de filmagem e de intervenção, ROVs e RCVs)
e em geral recorrendo a aquanautas, petroleiros subaquáticos ou 'mergulhadores
profissionais', os quais por sua vez também farão os consertos, as trocas e algumas das
manobras operacionais de toda essa rede submarina, ano após anos, durante sua 'vida
útil' - e a vida do mergulhador é bem mais curta que a vida da rede submarina de
escoamento, por exemplo, no litoral Norte Fluminense.
Instalar unidades marítimas industriais de produção e processamento: no caso do off-
shore, deve-se construir,r ebocar ate o local definitivo e instalar as urudades
i - mantimas
,

industriais de produção e processamento' de óleo cru e de gás natural apoiadas no piso


do mar (as plataformas fixas) ou ancoradas (os navios-sonda), ou ancoradas e estabilizadas
por submarinos (as plataformas semi-submersíveis); e fazer as conexões de cada
plataforma, corrente acima, com um ou mais poços produtores, e corrente abaixo, com o
continente; ou, nos casos do Norte Fluminense e da bacia de Sántos, as conexões com
algumas monobóias, para transferir a carga para os navios-tanque em alto-mar.
É importante fazer um comentário conceitual, já que aqui temos um caso de
multiplicação e simultaneidade de riscos. Nestas quatro etapas, atuam os fatores
típicos da 'mineração subterrânea', especialmente os eventos ocorridos no subsolo
com repercussões nas instalações deS uperhcm.
J " Sabendo-se também que cerca
de dois terços do gás natural e do.óleo cru extraídos no País são provenientes do
off-shore (instalaçSes marítimas e submarinas) e que materiais e pessoas para
prospecção, perfuração e operação, além do óleo Cru e dos derivados, são
t r a n s p o r t a d o s p o r v i a m a r í t i m a e fl u v i a l , e s t ã o p r e s e n t e s t a m b é m o s ' r i s c o s
milenare~ da navegação', além dos 'riscos recentes da atividade subaquática'. Já
que o outro acesso possível ao off-shore, além das embarcações, é por meio de
helicópteros, estão também presentes os 'riscos da aviação', sobre o mar e sobre
os demais focos e trajetos de riscos (Marinho et al., 1997).
: " Transferência e estocagem: até esta etapa da cadeia produtiva do petróleo e do gás
natural, tudo foi feito para que se consiga colocar as instalações produtoras em condições
de partir:e de operar; o que, tratando-se de um processamento de fluxos e estoques em
regime contínuo, somente se concretiza com o acionamento 'de toda a infra-estrutura
Acidentes Industriais Ampliados

de transferência e de estocagem', o que exige, por sua vez, a montagem e a operação de


bases terrestres e/ou terminais marítimos de recepção, beneficiamento e despacho
de óleo cru e de gás natural. Isto é o que se passa e o que movimenta a vida das
pessoas e a economia local em:
- Porto Urucu (AM), Fortaleza (CE), Guamaré (RN), Carmópolis (SE), Madre de
Deus e Candeias (BA), São Mateus (ES);
- vários pontos no Rio de Janeiro: Cabiúnas, distrito de Macaé; Duque de Caxias; e
em duas ilhas na Baía de Guanabara, no TEBIG, na Baía da Ilha Grande;
nas várias bases da PETROBRAS em São Paulo: o Tebar em São Sebastião, em Santos,
Cubatão, Utinga, Barueri, Guarulhos, Suzano, Guararema; e mais: em São
Francisco do Sul (SC) e em Tramandaí (SC), no TEDUT.
Todas estas bases e/ou terminais estão conectados diretamente; muitas vezes,
em instalações contíguas às bases de estocagem e distribuição das distribuidoras de
derivados de petróleo. Recebem e despacham por meio de dutos, por via marítima
(cabotagem) e fluvial, por via férrea e por rodovia.
* Unidades de processamento de gás natural: algumas delas incluem 'unidades de
processamento de gás natural' (UPGNs), nas quais se retira a umidade e algum enxofre
das correntes gasosas, se condensam e se separam as frações úmidas (propano, butano
e naftas) e se normalizam as características do combustível gasoso (gás 'seco') para os
clientes seguintes, as companhias de gás e indústrias. Estão situadas em: Urucu (AM),
Fortaleza (CE), Guamaré (RN). As demais em Sergipe e na Bahia; Macaé e Duque de
Caxias (RJ); e Cubatão (SP).
Parque de refinarias: o 'miolo' da indústria do petróleo é o 'parque de refinarias', no
caso brasileiro, representado por 14 complexos de instalações:
as maiores estão em: Paulínia, SP (REPCAN), Duque de Caxias, RJ (I~DuC); São José
dos Campos (REvAP) e Cubatão (RPBC), ambas em SP; Araucária, PR (REP~¿R),
Betim, MG (REGAP), Mataripe, BA (RLAM); e Canoas, RS (REFAP);
as menores estão em: Manaus, AM (RMAN), Capuava, SP (REcAP), Fortaleza, CE
(ASFOR), todas da PETROBRAS; e mais: no Rio Grande, RS, a refinaria Ipiranga; e na
cidade do Rio de Janeiro, a refinaria Manguinhos, do grupo Peixoto de Castro.
- há ainda a unidade de processamento de xisto betuminoso, a PETROSIX, de São
Mateus do Sul (PR)çcuja matéria-prima não é o óleo cru e sim a rocha betuminosa,
impregnada de óleo, mas que funciona no essencial como uma grande mina e
uma pequena refinaria.
Articulação entre unidades: em todos esses complexos industriais, além das funções de
transferência e estocagem já ¢omentadas, articulam-se e dependem uns dos outros:
-um conjunto de 'plantas industriais de processamento e fabricação', tais como unidades
de fracionamento de óleo cru ('pré-flashes', destilações atmosféricas e a vácuo);
unidades de fracionamento e reciclagem de resíduos" (craqueamento de gasóleo,
coqueamento de resíduo viscoso) e 'unidades de tratamento químico de derivados'
(soda, dietaniolamina, merox, hidrogênio) e de recuperação de enxofre;
um parque de 'utilidades industriais convencionais' (instalações de captação e
tratamento de água, circuitos de combate a incêndio, produção e distribuição de
vapor, eletricidade e ar comprimido, sistemas de coleta e tratamentos de efluentes).
... Alertas Sobre o Risco Técnico Coletivo...

Os riscos dos hidrocarbonetos: em todas as etapas aqui descritas, estão presentes os


'riscos dos hidrocarbonetos', que são voláteis, inflamáveis e tóxicos, estando dentre
eles os aromáticos, como benzeno e similares, que são cancerígenos. Além disto, os
riscos da indústria petrolífera devem incluir 'todo o circuito da distribuição final dos
derivados', o que abrange tanto os trajetos de cargas de combustíveis, estocagens
intermediárias e redes de postos de combusti'veis como os próprios equipamentos onde
os derivados são queimados, motores, caldeiras, fornos, maçaricos, turbinas. Estes riscos
começam pelas 'próprias operações das plataformas, dos navios, das refinarias e das
demais instalações, induindo-se todo o transporte necessário' de materiais e pessoas
na própria atividade petrolífera, em que se gasta bastante combustível.
- Riscos e as alterações ambientais: enfim, no âmbito mais gèral possível, devem-se
contabilizar também 'os riscos e as alterações ambientais decorrentes de todas as
emanações e operações de queima' de petróleo, gás e seus derivados em todas as demais
atividades produtivas e humanas. Os produtos de combustão sempre incluem gases
carbomcos
" (CO2 eCO ), sulfurosos, nitrogenados e material~particulado, fuligens e cinzas-
O poder contaminante e de alteração ambiental da indústria petrolífera, em cada região,
"
depende do volume processado e queimado e das qualidades destes combustivels, cuj
" a

composição química é extensa e diversificada, incluindo-se metais pesados e seus


compostos, além de ser determinado pelos procedimentos gerais de transferência,
estocagem, queima e tratamento dos resíduos de todo o processo'

ALARMES, BY-PASS, EMERGÊNCIAS, OUTROS CÓDIGOS DA TÉCNICA E


G~RIAS DO TRABALHO NO PETRÓLEO

No contexto anteriormente descrito, milhares de trabalhadores d0 petróleo


percebem e sabem que o risco e as condições gerais de produção são completamente
intrincados no seu cotidiano, ano após ano, no seu aprendizado e na degradação de
máquinas e instalações. Por isto, uma de nossas pistas preferidas de investigação foi
'o próprio linguajar dos operadores de plataformas de óleo e gás, de terminais, de
refinarias'. Seus códigos e. suas gírias incluem nomear e tratar as situações de atenção,
anormalidade, alertas e riscos conforme a compilação que é apresentada a seguir,
com as expressões típicas em destaque.
São os operadores, antes dos demais, que Sabem muito bem que os alarmes dos
sensores, dos painéis de instrumentos e das telas de computador, a cada dia, a cada
~arno, continuam disparando, desde que não estejam com 'gambi~ras', nem by-passados.
Os operadores e alguns engenheiros sabem também que o by-pass desses instrumentos
foi executado justamente para que os sensores e acionadores não atuem da forma prevista
- ou porque estavam atuando indevidamente, atrapalhando o andamento do serviço
ou, até, porque estavam emitindo informações falsas, enviezadas.
Sabe-se também que muitos desses instrumentos e sensores estão 'descalibrados',
porque assim ficaram e não foram recalibrados, porque alguém se descuidou das
Acidentes Industriais Ampliados

'certificações' periódicas ou porque alguém achou por bem alterar o ser poínt,
colocando-o acima ou abaixo do especificado. São os operadores, muito mais do ~
que os engenheiros, que se desdobram e se esforçam quando ocorrem e se
multiplicam as 'emergências', chamadas, pela empresa, de 'ocorrências anormais'
e, em alguns casos, de 'não-conformidades'. Por exemplo: os episódios de alteração
geométrica, estrutural ou de descontrole de máquinas motrizes, térmicas,
termoquímicas e elétricas.
Tais tipos de eventos - ou melhor, de mecanismos de risco - envolvem alterações
bruscas em geral, ou de muita amplitude, nos fltt,xos de vazão ou na densidade, na
viscosidade dos fluidos, e também variações signifícativas nas pressões e nas
temperaturas dos materiais em processo, nos recipientes e nas máquinas. Há
probabilidade de ocorrerem rompimentos de linhas, conexões, vasos, reservatórios,
travamentos de válvulas, cavitação e perda de potência de bombas.
A m a i o r i a d a s p l a t a f o r m a s , d a s U P G N s e d a s r e fi n a r i a s b r a s i l e i r a s t e m
[ [

problemas de desbalanceamento (desequil~rios entre a disponibilidade e o


c o n s u m o d a s c a r g a s a p r o c e s s a r, e n t r e o s fl u x o s d e m a t e r i a i s e d e e n e r g i a
produzidos e consumidos em suas várias 'fábricas'). Por isso, dentre outros
sintomas visíveis, o fato freqüente de os 'flares' ou tochas estarem acesos, com
chamas altas, e/ou 'fumaceando', além de ser uma evidência de desperdício
energético, atesta que está ocorrendo alguma emergência operacional.
Outra expressão que também é típica dos sistemas elétricos e dos computadores é o
shut down, que corresponde a uma interrupção brusca de uma unidade operacional que se
articula com outras. O shut down muitas vezes se associa com um corte no suprimento de
utilidades (água, vapor, eletricidade, ar comprimido) e envolve o mau funcionamento e o
desligamento de um e depois de vários outros equipamentos, É quando dizem que as
turbinas, os geradores, os compressores, as bombas 'caíram'. Uma variante é o caso da
trip das caldeiras imensas, quando se apagam sozinhas, se asfixiam por falta de sopradores
de ar ou têm a água cortada por causa de bombas que cavitam.
Outras ocorrências se formam na propagação das panes: unidades 'caem em
cascata' ou, então, atuam os 'intertravamentos', recursos eletromecânicos que vêm
sendo adotados desde o tempo dos painéis analógicos convencionais.
A instalação recente dos Sistemas Digitais de Controle Distribuído (SDCDs) e dos
Controladores Lógicos Programáveis (CLPs) não soluciona ainda o problema, já que
por vezes é a automação que provoca as propagações das panes, e em alguns casos o
software permite pilotar melhor durante as emergências. Mas este melhor desempenho,
se comparado aos comandos e painéis convencionais da geração anterior, somente é
,o,
possível se houver paO~nels e acionadores próprios para 'parar com segurança', se as
equipes forem treinadas para isto e se o hardware, as máquinas térmicas, mecânicas e
elétricas não estiverem muito degradadas e possam responder bem.
... Alertas Sobre o Risco Técnico Coletivo...

Um jargão cada vez mais freqüente nas refinarias é a 'reversão das Fluid Cathalytic
Cracking (FCC)' ou Unidades de Craqueamento Catalítico de gasóleo em leito
fluidizado. Os vários episódios a cada ano de operação são típicos de uma instalação
que 'balança', cujos parâmetros operacionais oscilam bruscamente, ou saem das
faixas habituais. A situação exige a disposição das equipes para pilotar 0
desbalanceamento dos diferenciais de pressão, as variações bruscas das temperaturas,
dos fluxos de água e vapor, É preciso também modular e adequar as variações de
carga a ser processada, assim como do ar soprado e da água bombeada para as
caldeiras acopladas a essas FCCs. Dentre os efeitos da reversão, tem-se o conhecido
fumaceamento das cham'més (que é um dos itens de observação prioritária para os
operadores dessas unidades e os do painel de vapor das casas de força)com a emissão
de nuvens de pó catalisador gasto na atmosfera, fenômeno conhecido dos bairros
vizinhos das refinarias.
Nas atividades de exploração e produção, os kicks de sobrepressão (bolhas de gás)
perturbam e ameaçam a perfuração de poços. Os blow outs (bolhas ainda mais perigosas,
quase uma erupção) podem ser em parte neutralizados pelos robôs de boca de poço, os
Blow Out Preventers (BOPs); isto se estes, por sua vez, tiverein um bom projeto e se
funcionarem corretamente. Por exemplo: nos dois maiores acidentes no off-shore brasileiro,
na Plataforma Central de Enchova, Bacia de Campos (RJ) - o primeiro em 1984, resultando
no óbito de cerca de 40 trabalhadores e o segundo em 1988, resultando na destruição
completa da plataforma --, o BOP não funcionou como deveria.
O 'atolamento' das redes coletoras de águas servidas e das bacias e dos
separadores das Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs) e das Estações de
Tratamento de Despejos Industriais (ETDIs) é o jargão usado quando estas estações
não conseguem dar conta de sua função. Isto'porque precisam tratar águas de
drenagem de petróleos com carga maior de fenóis ou de sulfetos, ou águas mais
ácidas; ou quando têm de receber também os volumes extras de águas pluviais em
dias muito chuvosos, ou volumes extras resultantes das demais emergências, como
o fato de atolar por excesso de espuma ou de água de incêndio.
A desmontagem, quase uma substituição geral das partes das grandes unidades
industriais, após o período previsto de campanha operacional, em gerai de dois a
três anos, é chamada de 'parada de manutenção'. Se, nesta parada, os gerentes e
fOrnecedores decidem fazer alguma modificação relevante na configuração anterior
- por exemplo, aumentando-se os diâmetros das tubulações, ou alterando-se geometrias
ou calibres dos vasos, das tubulações, dos risers de ligação entre vasos -, aí a parada é
chamada de revamp. O fato de as paradas e revamps ocorrerem em uma ou algumas
unidades de uma refinaria - que é uma instalação multifábricas - simultaneamente
com a continuidade da operação das demais unidades é determinante no risco global
da indústria petrolífera. Muitas linhas e ligações entre as partes que funcionam e as
partes que vão ser mexidas devem ser raqueteadas, ou seja, bloqueadas; e depois de
Acidentes Industriais Ampliados

'liberados' os serviços de manutenção, diz-se que as linhas e os vasos devem ser


corretamente 're-alinhados'. Obviamente, toda a segurança de uma instalação depende
de como foi executada a filtima parada ou revamp.
A qualidade técnica e o estado de degradação dos equipamentos também merecem
apelidos próprios. Para exemplificar, uma das duas unidades de crãqueamento de
gasóleo da refinaria REPLaN, a U-220-A, quando começou a operar em 1992, era chamada
de "a paraguaia', por causa da heterogeneidade de fornecedores e subfornecedores de
suas peças, mas principalmente por causa da qualidade discutível dessas peças.
Na mesma linha do apelido das instalações, os trabalhadores chamam a PCE-1,
Plataforma Central de Enchova, de 'rainha da sucata'. A PCE-1 é uma das instalações
cruciais de todo o sistema off-shore no litoral fluminense, cenário de dois acidentes muito
graves, iniciados com blow-outs nos poços submarinos, um incêndio parcial do convés
em 1984 e um incêndio total em 1988,já anteriormente citados. Ela foi reativada e continua
operando até hoje. Passou mais de um ano, no período de 1996 a 1997, em obras de
ampliação, com mais de 300 trabalhadores (além da tripulação usual de cento e poucos
homens) que residem no flotel ou floating hotel - trata-se de outra plataforma chamada
Safe Jasminia, que funciona somente para hospedagem e se encontra ancorada ao lado
da 'sucata', a ela ligada por uma passarela situada mais de 20 metros acima do oceano.
Na linguagem do off-shore no Rio de Janeiro, quando o trabalhador viaja de
Macaé para as instalações em alto-mar, por helicóptero ou por embarcação, ele está
'subindo ou embarcando'. Quando volta, está 'descendo ou desembarcando'. Os
homens de algumas empreiteiras e subempreiteiras sofrem no trajeto marítimo de
aproximadamente 67 milhas em lanchas de 200 passageiros, as quais são chamadas
de "navios negreiros'. São inadequadas e contribuem para que muitos desses
trabalhadores passem mal durante três ou quatro horas. Quando chegam ao destino,
entre o convés da lancha e o convés da plataforma, os homens são içados na 'cestinha'
pelos guindastes diretamente para o trabalho a bordo ou para a enfermaria, quando
sofrem algum tipo de acidente nesta operação.
Os locais de moradia também têm suas nomenclaturas: lá nas plataformas, muitos
deles, em vez de residir nas cabines, que são consideradas como alojamentos normais,
precisam residir na'favela'. Esta é um conjunto de três ou quatro contêineres e um banheiro
colocados sobre o convés, ao relento, que a PETROBRAS designa como Módulo Temporário
de Alojamento (MTA). Tanto as cabines como as favelas sofrem diretamente os efeitos do
barulho e da vibração das máquinas. Há pelo menos um caso recente de contaminação do
sistema de ar refrigerado por gases de combustão (Marinho et al., 1997).
Há todo um universo de siglas de cargos, níveis salariais, setores da empresa,
das próprias refinarias, plataformas, seus dutos e terminais, dos milhares de tipos de
documentos emitidos. Quando o assunto é acidente, os documentos mais usuais são
os Relatórios de Ocorrências Anormais (ROAs), os Relatórios de Acidentes com Lesão
( R A L s ) , a s C o m u n i c a ç õ e s d e A c i d e n t e d e . Tr a b a l h o ( C ATs ) , a s N o r m a s
._Alertas Sobre o Risco Técnico Coletivo...

Regulamentadoras (NRs) sobre riscos e condições de trabalho, baixadas pelo Ministério


do Trabalho, e as Organizações de Controle de Emergências (OCE) ou 'brigadas'.
Além disto, é óbvio que também as pessoas e os grupos de pessoas têm seus
apelidos, seus nomes de guerra. O trabalhador mais novato, que acabou de entrar, é
um 'borracho'; um estagiário é um 'bolsa', e assim serão chamados enquanto tiverem
que ficar próximos aos mais experientes, para aprender. Até que cada um perca o
medo e que possa 'ser certificado', só então tornando-se operador, instrumentista,
eletricista, caldeireiro. Enfim, Cada um será forjado como um técnico que pode atuar
sozinho e com seus iguais, se comportará e será visto como uma pessoa que sabe
como agir em várias situações de perigo, de risco, de sobrecarga. Enfir~, alguém a
ser respeitado porque 'conhece a área'.

O C O N C E I TO D E R I S C O T É C N I C O C O L E T I V O E U M A H I E R A R Q U I Z A Ç Ã O D A S
SITUAÇÕES DE Risco ASSOCIADAS A INDÚSTRIA PETROLÍFERA NO BRASIL

O risco técnico coletivo é para nós uma expressão conce!tual, uma ferramenta
de análise desta e de outras situações tecnológicas, industriais e também em âmbito
regional (Sevá Filho, 1988, 1989, 1997; Barbosa & Sevá Filho, 1992). É de 'origem
tecnológica' para diferenciá-lo de um risco natural típico (uma erupção vulcânica
ou um tufão, por exemplo), Mesmo quando um raio atinge um tanque de combustível
e provoca um incêndio, alguma falha técnica ou organizacional houve.
Por diversos fatores, o 'risco técnico' é intrínseco e muito característico da
indústria do petróleo:
porque é atacada a epiderme da terra, interferindo na geomorfologia e na mecânica do
subsolo, inclusive do subsolo marinho;
" porque se trabalha com hidrocarbonetos que evaporam, se incendeiam ou explodem e
com compostos químicos que contêm ou se transformam em substâncias tóxicas para
os homens, sua água, seus alimentos;
porque são operados sistemas e máquinas que podem desencadear acidentes poderosos,
os quais chegam a matar e ferir várias pessoas ao mesmo tempo.
Justamente por serem sistemas complexos, materializações de tecnologias de
alto risco, sabe-se que a ocorrência ou não de acidentes e a sua gravidade dependem
diretamente dos seus padrões reais de funcionamento e do preparo de seus
trabalhadores, além do estágio preciso de depreciação técnica. E justamente por
serem 'intrínsecos', tais eventos de risco são 'probabilísticos' e sempre acontecem
em alguma instalação. Deviam estar sendo previstos e combatidos sem trégua e não
tolerados, muito menos induzidos pelas próprias empresas, que deveriam ser
responsáveis pela totalidade dos efeitos dos seus empreendimentos. Também chega-
se até esta situação por causa das relações sociais e hierárquicas de produção, que
excluem os operadores e mantenedores do equipamento de uma participação efetiva
Acidentes Industriais Ampliaãos

nas fases de concepção e projeto de equipamentos e sistemas. Essas mesmas relações


os constrangem ou os obrigam a executar instruções operacionais claramente
equivocadas ou bastante arriscadas.
Infelizmente chegou-se até esse ponto de menosprezar e até de favorecer a
eclosão dos riscos. Depois das ocorrências, dos prejuízos e das vítimas, sempre se
pode dizer que foi por causa de alguma negligência real ou aparente de alguém, até
mesmo das próprias vítimas (Choueri Jr., 1991; Duarte, 1994; Ferreira & Iguti, 1996;
Goldenstein, 1997; Pessanha, 1994; Signorini, 1996).
. São riscos cada vez mais 'coletivos' porque se ampliam os efeitos acidentais,
poluidores e patológicos da atividade, atingindo não somente os próprios
trabalhadores diretos, mas p or vezes também na. .aC]rnini¢~-r~~i~ra~"
. . . . . . . . . . . . . . . . ,~~ população vizinha
e os transeuntes. Além disto, nas regiões próximas vão se acumulando seqüelas; e,
em todo o País, são afetados de alguma forma todos os usuários de combustíveis
derivados de petróleo e de gás natural.
No item 'Atividades técnicas e tipos de riscos na indústria petrolífera',
mencionou-se quase uma centena de localidades no Brasil onde funcionam instalações
petrolíferas. Destas, selecionamos aqui as 10 principais coletividades regionais,
hierarquizadas conforme as diversas respostas que se pode dar à mesma interrogação
que nos guiou: "Quais as coletividades humanas, as cidades ou as regiões atualmente
mais afetadas pelo funcionamento da indústria petrolffera?'
Primeiramente, são as coletividades das duas principais concentrações urbanas,
nas Regiões Metropolitanas d~ Rio de Janeiro e de São Paulo, e em suas imediações.
Depois, as duas cotetividades litorâneas, urbanas e rurais nas maiores regiões produtoras
de óleo e gás - a mais antiga no Recôncavo Baiano, praticamente dentro ou em torno da
Região Metropolitana de Salvador, e a mais recente no litoral Norte Fluminense.
Em seguida, viriam quatro coletividades urbanas de médio e grande porte.
As conurbações dos vales do Parada e do Alto Tietê e da região de Campinas
(SP), mais as duas Regiões Metropolitanas de Belo Horizonte e de Porto Alegre,
cujas condições de vida e riscos gerais são bastante afetados por refinarias,
indústrias químicas e seus oleodutos e terminais. No quarto patamar, estão as
duas coletividades litorâneas e os contingentes turísticos afetados pelos maiores
terminais de petróleo: o Canal de São Sebastião (SP) e a Baía da Ilha Grande (RJ).
Os Quadros Sinóticos1 e os Mapas (ao final deste capítulo) trazem detalhes sobre
as principais coletividades humanas afetadas pela indústriapetrolífera no Brasil.

Nos quadros sinóticos, são citadas as instalações e as vizinhanças sob efeitos e riscos da atividade
petrolífera; e após três asteriscos (***) alguns eventos marcantes ou típicos ali ocorridos, É importante
observar que não foram avaliadas, por falta de informações mais precisas, as demais situações já
mencionadas no item 'Atividades técnicas e tipos de riscos na indústria petrolffera'. Estas, igualmente,
incluem riscos técnicos afetando trabalhadores e vizinhos de regiões produtoras e de dutos e refinarias
em estados do Nordeste (do Ceará até Sergipe), no Amazonas, no Espírito Santo, no Paraná em Santa
Catarina e no Rio Grande do Sul.
'... Alertas Sobre o Risco Técnico Coletivo...

Quadro Sinótico 1 - Região metropolitana do Rio de Janeiro- Baia


de Guanabara

" Gasômetro, Rodoviária, São Cristóvão, Zona Portuária.


Refinaria de Mangui~fls, ***Explosão de cilindros de amônia resultando na morte
de trabalhadores e pânico entre os moradores da favela ao lado, 1992.
Avenida Brasil, Bairros do Caju, de Benfica e Bonsucesso, Fundação Oswaldo Cruz,
Ilha do Fundão (UFRJ, Hospital, Centros de Pesquisa).
" Aeroporto do Galeão, tancagens e terminais marítimos: Torguá, DTSE - ligação
Ilhas Redonda e d'Água via Ilha do Governador com Caxias e com Macaé; navios-
tanque. ***Média de 8 a 12 derramamentos de óleo por ano na Baia de Guanabara,
nos últimos 15 anos.
Refinaria Reduc, Duque de Caxias. ***Incêndio e explosão de esfera GL1~, com
lançamento de fragmentos nas vizinhanças, mais de 30 mortos, incluindo brigadistas,
em 1972. ***Incêndio da caldeira SG 2002, em janeiro de 1996. ***Explosão no forno
da unidade de parafina U-1530 em abril de 1997.
Indústrias petroquímicas de Duque de Caxias. ***Incêndio em tanque de butadieno
na Petroflex, abril de 1998, bairro Campos Elíseos, rodovia Rio-Petrópolis.
Gasodutos vindo do Norte Flttminense e indo para a Região Metropolitana do Rio
de Janeiro, MG e SP, dutos de derivados e de crus ligando com o Sul Ftuminense,
MG e Vaie do Parada.

Quadro Sinótico 2 - Macrorregião metropolitana de São Paulo, eixo da Baixada


Santista ao ABC

Terminais marítimos e tancagens, Porto e Centro Comercial de Santos, bairro Alemoa


(Tedep, DTCS), Ilha Barnabé. ***Nuvem de etileno após acidente de navegação no
canal da Ilha Barnabé, fevereiro de 1995.
Faixa de dutos de derivados na ilha, sobre o Canal do Mosqueiro e pelo manguezal
até a Refinaria em Cubatão. ***Vila Socó, vazamento de gasolina em duto, incêndio
em manguezal e favela, centenas de mortos e desaparecidos, fevereiro de 1984,
Cubatão. ***Dutos de óleo cru entre Bertioga e Cubatão, gasoduto submarino da
plataforma de Merluza até Praia Grande e daí até a UPGN de Cubatão
Refinaria RPBC, Cubatão. ***Nuvem tóxica contendo sulfetos e I-I2S, emanação da
ETDI, janeiro de 1996: ***Indústrias vizinhas e próximas: fertilizantes, petroquímicas,
Petrocoque, Carbocloro, Cosipa e outras.
Dutos de gás, óleo cru e derivados pela Serra do Mar, bairros da via Anchieta, travessia
da represa Billings, até Capuava e Utinga.***Morte de trabalhadores de empreiteiras
da Petrobras, 1996~
Refinaria Recap, em Capuava; Pólo Petroquímico (PQU). ***Morte de trabalhador
em 1993.
Bacia do Rio Tamanduateí. ***Poluição permanente por carga orgânica e efluentes
de refinaria e petroquímica.
L a w

A¢~ent~~ industriai~ Aml~iad~~~

Quadro Sinótico 3 - Rec6ncavo baiano e litoral até Aracaju (SE)

Fa~tomo da Baía de Todos os Santos: poços produtores de 61eo e g6s em terra, em


águas rasas; redes de duros, tancagens e linhas f-4rreas em Candeias, Alagoinhas,
Catu. ***Descarrilamento de comboio de vag6es-tanque, ferrovia atravessando bairro
de Pojuca, com incêndio e mais de 90 mortos, em 1982.
Instalações de grande porte nos terminais marítimos de Madre de Deus. *** Incêndio
nos tanques de derivados, no Temadre, em 1967, dezenas de mortos e centenas de
feridos.
Terminal de Aratu. ***Dois vazamentos de am6nia, dos dutos entre Camaçari e
Aratu, entre 1988 e 1991, próximo de povoados.
Terminais interligados à Refinaria RLAM e ao Pólo Petroqufmico de Camaçari.
**Mortes de trabalhadores na Metanor e nä Pronor, vários casos fatais de leucopenia
entre 1989 e 1992.

Q u a d r o S i n ó t i c o 4 - M a c a é e l i t o r a l n o r t e fl u m i n e n s e ( R J )

Meia centena de plataformas de perfuração e de produção no alto-mar. ***De 80 a


130 km da costa, entre a ponta de Búzios e o Cabo de São Tom6; embarque de óleo
cru no mar (monobóias); óleo e gás por duros para a terra, via Maca~, e dai dutos de
óleo para a Reduc e de gás para Reduc, Campos, Cabo Frio e Arraial do Cabo.
***Acidentes de grande porte, iniciados por blow-out em poços da plataforma PCE-1
Enchova - mais de 37 mortos no pânico de abandono da plataforma, em 1984;
incêndio por um mês e perda total em 1988, ***explosão de vaso de torcha, morte de
técnico de segurança em PNA-1, 1991, ***várias mortes de operários subaquáticos,
a mais recente em manutenção da P-15, mergulhador da STOLT Comex, a 297 metros
de profundidade, ***estimativas de mais de 140 mortes de trabalhadores em 20 anos de
operação off-shore.
" Instalações em Macaé: UPGN e tancagem na Base de Cabitínas. ***Nuvem de GLP
na rodovia Macaé-BR101, em 1996.
" Heliporto das frotas operadores do off-shore ***Várias quedas de helicópteros; em
outubro 1996, dois mortos.
Porto de Imbetiba, da Petrobras. ***Intoxicação de dois trabalhadores e morte de um
(chileno) no silo de cimento de navio rebocador arrecado no porto, em 1996; alteração
das correntes e da formação das praias de Imbetiba e da Barra, ***abandono de
foguete de sinalização, encontrado na praia da Barra de Macaé por crianças; explosão,
um morto, dois mutilados, três feridos, em 1988.
" Canteiros de montagem e manutenção de empreiteiras e Parque de Tubos em
Imboacica. ***Pátios de tambores com resíduos perigosos; algumas borras e sucatas
com radioatividade constatada em fins de 1996, início de 1997, material proveniente
das áreas das plataformas de Cherne e Namorado.
... Alertas Sobre o Risco Técnico Coletivo..,

Quadro Sinótico 5 - Trechos dos vales do ParaSa do Sul e do Alto Tietê (SP)

Dutos de derivados e gás interligando Rio de Janeiro-São José dos Campos-São


Paulo; dutos de cru e derivados entre litoral norte de SP, Guararema, região
metropolitana e Paulínia.
E
Refinaria Revap. ***Vazamento de H2S com morte de 10 trabalhadores, em 1982,
**episódios recorrentes de nuvens de inflamáveis e de catalisador sobre bairros
vizinhos, em 1991 e 1992, ***derramamento de óleo em córrego cruzando rodõvia e
bairros, 1993.
Bairros Vista Verde, J. Americano, proximidade CTA - Aeronáutica e Embraer, INPE;
indústrias próximas, no eixo da Via Dutra: montadoras de veículos e máquinas,
químicas, celulose, vidro e cerâmica, de grande porte.

Quadro Sinótico 6 - Região metropolitana de Porto Alegre e litoral norte


gaúcho (RS)

Terminal marítimo em TramandaL dutos de cru e derivados até Canoas - ligação


com a refinaria Refap. ***Contaminação cumulativa dos efluentes de drenagem de
tanques de óleo cru importado da Argentina e de todo o circuito de refino e efluentes
de refinaria, com alto teor de mercúrio, entre 1992 e 1997.
Conexões e proximidade com Triunfo, Pólo Petroquímico. ***Poluição e riscos
afetando toda a Região Metropolitana de Porto Alegre, trechos das rodovias BR-116
e bacias dos rios dos Sinos, Caí e GuaPa, e BR-101 até o litoral; além da Lagoa dos
Patos e Rio Grande.

Quadro Sin6tico 7 - Região Metropolitana de Belo Horizonte e trecho do


Vale do Paraopeba (MG)

Dutos de cru e de gás natural no eixo Juiz de Fora-Vale do Paraupebas-setor Oeste


da Região Metropolitana de BH.
Ligação com a refinaria Refap, em Betim, e ligações de gasoduto com indústrias
próximas, de grande porte, no eixo da Rodovia Fernão Dias e no distrito industrial
de BH - Barreiro; suprimento de óleo para usina termoelétrica em Igarapé:*** Obs.:
sem referência sobre acidentes graves no setor de petróleo.
Acidentes Industriais Ampliados

Quadro Sinótico 8 - Região de Cãmpinas (SP) e Bacia do Rio Piraeicab~a-

, Dutos de cru e derivados vindos de Guararema, -pela Serra da Mantiqueira e pelo


Vale do Rio Atibaia, até Paulínia, ligação com a refinaria Replan. ***Ií~cêndiO em
tanque de diesel, em 1993, explosão de caldeira, 1994.
- Dutos para Região Metropbli.tana de SP; Barueri, e para Brasília, via Ribeirão Preto (SP).
***Falta de qualidade na montagem de tubos; rompimentos na faSe'de testes; vazamentos
recorrentes logo após ò pdmeiro hmcionament0 do duro, em fins de 1996.

Quadro Sinótico 9 - Litoral norte paulista, Canal de São Sebastião e


Ilhabela (SP)

- Terminal Tebar, área urbana de São Sebastião; calado de 25 m para navios-tanque de


até 250 mil toneladas, tancagem de cru e derivados, bombeio para Guararema~e
para Cubatão. ***Marés negras atingindo faixa de/ praias desde Gaecá, ao sul, até
Ubatuba, ao norte, várias vezes ao ano; incêndio no cõrrego que drena o-terminal,
em área urbana.

Quadro Sinótico 10 ~ Litoral sul fluminense, canal leste da Baía da Ilha


Grande

Terminal Tebig, entre Angra dos Reis e Mangaratiba, calado de 25 m, bombeio para
Reduc e Regap. ***Dezenas de marés negras, algumas explosões, incêndios e
naufrágios de embarcações.

A DISPUTA POLÍTICA EM TORNO DOS NEXOS ENTRE O RISCO, A


DITADURA GERENCIAL E A SUA.IMPUNIDADE

É difícil caracterizar na PETROBRAS e nas demais empresas uma verdadeira política


de segurança industrial, ou uma verdadeira política de saúde e meio ambiente. A
começar pela incompatibilidade entre esta possível prioridade e os outros
investimentos e as despesas correntes, em uma época em que a redução cega de
custos tudo justifica.
... Alertas Sobre o Risco Técnica Coletivo:..

Alem do- ma.~s, a manutençao-tecmca tambem vem sendo "racionalizada'. Em


geral, istoquer dizer uma redução real da carga total de trabalho nas tarefas d'e
manutenção periódica e preventiva. E o que é determinante em muitos acidentes:
na prescrição formal de trabalho, nas instruções operacionais, nas pr0gramações de
produção, o fato é que os engenheiros e os gerentes também se equivocam, oupior,
"forçam a barra', obrigando outros cidadãosa operar com: fluxo max~mo i . de
processamento, instalações q~e estão com problemas de desgaste e Com gambiarras.
Há pressões, insinuações, ameaças veladas ne eghgenclas ^
° visíveis justamente
/ ,
em alguns procedimentos cruciais para o rigor na prevenção de acidentes e , riscos,
tais como: vistorias e inspeçÕes; certificação e calibração de equipamentos e
instrumentos; medições de corrosão, de integridade de materiais e da geometria de
peças; perícias após deformação, fratura ou rompimento de peças; mensurações
qufrnicas, físicas e ambientais, É evidente que tais procedimentos muito revelariam
se feitos em momentos e condições adequados, e as coisas melhorariam se seus
resultados fossem divulgados e as recomendações fossem consideradas.
Já com essas pistas mencionadas, lançamos mais -
perguntas: Os problemas do
alto risco da inddstria, os problemas de safide, aparecem~' 'N~ ;
ao estarmm sendo
resolvidos pelas novas tecnologias, pelas reengenharias?"
O assunto quase sempre vai e volta na imprensa sindicai, nos boletinS. De uns
anos para cá, os sindicatos têm trocado mais informações, elaborado cartilhas, ossms
e colaborado com a edição de livros (Brant,1990; Ferreira & Iguti, 1996; Lucena, 1997;
Todeschini, 1995; CÓNFUP, 1997) OS mesmos sindicatos são formados quase
exclusivamente por pessoal técnico de nível rhédio, e poucas entidades chegam a ter
boas assessorias jurídicas e de imprensa; mais raramente, ainda têm ou contratam
assessores médicos ou engenheiros para cuidar de tais questões.
O assunto chega também à opinião pública local e até internacional, quando os
eventos são muito graves - explosões, incêndios, nuvens t~xicas - provocando mortes,
mutilados, feridos e doentes. E mais ainda: quando extrapolam unidades produtivas,
instalações e rotas, atingem vizinhos, poluem de forma muito visível ou duradoura,
provocam marés negras nas baías e nas praias Sem falar nas nuvens de poeira de
catalisador ou no cheiro ruim dos sulfetos nas imediações das refinarias.
Mesmo assim, alguns desses casos são abafados As empresas e a própria Justiça
tentam circunscrevê-los a um âmbito bastante restrito. Se houver laudos e sentenças
condenando empresas ou gerentes, vai-se tentar revertê-los em segunda ou em última
mstancla. Já Os problemas de saúde, os afastamentos, as lesões, são individualizados
- . ,
e afetam a privacidade de cada um. Vários desses problemas mereceriam o nome
de epidemias, pois são patologias coletivas com nexos causaiscomuns, decorrentes
da cadeia produtiva do p etroleo,
" :sendo as mais comuns as listadas a seguir:
Acidentes Industriais Ampliados

surdez: chega a ser comprovada em proporçõesde 20% a 30% de alguns contingentes,


principalmente nas refinarias e nas plataformas, nas casãs de força, nos mergulhadores;
doenças gastrointestinais: muitas de origem nervosa emocional, outras relacionadas
com alterações de ritmo circadiano e deslocamentos casa-trabalho, terra firme-off-shore;
' " " pela exposição a fuligem, gases de combustão, sulfídricos e
doenças esplratonas:
r
sulfurosos;
" leucemias, leucopenias e aplasias medulares: pela exposição a hidrocarbonetos, casos
de cirrose e hepatites por motivos provavelmente similares;
tendini,tes e tenossiriuvites: resultantes de esforços repetitivos, al6m de muitos casos
osteomusculares por efeito de trabalho pesado e/ou em posições forçadas;
doenças hiperbáricas e paralisias: por efeito de compressão/mergulho/descompressão
dos operários subaquáticos (profissionais do mergulho comercial);
" transtornos mentais: incluem alterações do ritmo circadiano (sõno, sonho, vigflia,
" suscetibilidade a fármacos, alteração de metabolismo) e síndromes fàmiliares de
embarque/desembarque; proporção relevante de práticas de automedicação e
dependência química, com destaque para o alcoolismo; incluem ainda vários
adoecimentos reconhecidos no Código Internacional de Doenças.

Apesar da gravidade dessas epidemias profissionais, que podem chegar ao


patamar de mortandades coletivas, o fato é que tais casos são ainda escondidos, ou
divulgados apenas informalmente. Quando são de maneira formal, registrada,
diagnosticada, aí as empresas contratam experts médicos, legistas e engenheiros para
rebater cientificamente, perante autoridades e jufzes, os argumentos e as evidências
trazidas pelas vítimas, se ainda sobrevivem, ou por seus representantes.
O quadro de transtornos mentais (item 7 da lista) é infelizmente bastante
conhecido pelo pessoal de Macaé, Campos e também de muitas outras cidades
brasi!eiras, de onde saem - à cada duas ou três semanas - petroleiros, aviadores,
marítimos e mergulhadores para embarcar no off-shore do litoral norte fluminense.
Os familiares, bem como os médicos e os psicólogos que selecionam esses
trabalhadores, também conhecem bem esses transtornos; os dois últimos depois os
atendem e examinam, para posteriormente tratá-los ou justificar sua transferência
ou sua dispensa. Esses dramas crescentes dos petroleiros, inclusive dos técnicos de
nível superior embarcados e dos gerentes e de seús familiares em Macaé, já foram
sistematizados e analisados durante um longo tempo (Siqueira, 1997)i
Diante de tanta~ seqüelas e w'fimas, é compreensível que seja feita, mais uma vez,
a pergunta recorrente: 'Mas a tecnologia moderna e os novos investimentos não resolvem
tais problemas?' E cabem novamente algumas reflexões necessárias para se conseguir
ao menos entender o que vem sendo feito, pois tais investimentos nem sempre são os
mais interessantes do ponto de vista energético e ambiental. Dito de Outra forma: para
os trabalhadores e vizinhos, e até mesmo para os usuários de derivados de petróleo,
nem sempre as inovações minimizam riscos, acidentes, doenças e poluição.
Enfim, podemos formular uma interrogação central para esta análise: 'Afinal,
qual o objetivo real, a meta central dessa gestão?'
... Alertas Sobre o Risco Técnico Coletivo...

Acredita-se ser a desorganização 'do trabalho' uma estratégia direcionada pela


empresa prmapalmente para uma desorgamzaçao dos trabalhadores. Sitúaçao delicada
" - ' da produçã o.' O sistema
para todos, pois isto não deve resultar em uma desorgaruzaçao
não almeja isto, pelo contrário: quer racionalizar, fluidizar a produção, mas é capaz de
suportar muitos desarranjos, crises mesmo - isto desde que, a médio prazo, progrida
na correlação essencial de forças entre capital e trabalho, mais amplamente entre o poder
econ6mico financeiro e os grupos humanos da sociedade (Sevá Filho, 1988).
Essa disposição de desorganizar o trabalho e a entidade sindicai, que supõe-se
¥igorar aqui e alhures, faz parte integrante de uma época de sobressaltos e de muito
" "
discurso supostamente justificador. "E umae s p é c i e d, oe transe
t r ada
n mundializaçao,
s e . . . .
e o transe particular pelo qual vão passando a PETROBRAS e suas demais parceiras e
"" " " " ra.
consorciadas dessa grande fonte de lucros e de problemas que e a mdustrla petrolífe
As elites internacionais, desde os tempos de Reagan, Thatcher e do milagre
japonês, cunharam o termo vertido para o português como 'globalização'. Hoje,
somos obrigados a entronizar a palavra e aceitar como contingência o processo que
nos comanda. Prefere-se aqui entender esta como uma etapa de crises que se
desdobram desde meados da década de 70, ao longo de um processo histórico de
mundialização capitalista, o qual por sua vez delineia a história humana há pelo
menos 300 anos. Prefere-se também admitir que o período não é de auge de
acumulação de capital, que o desemprego é muito alto. Mas a crise é distinta da
grande crise dos anos 30.
Enfim, para não se ter que tomar um grande desvio de rota, se aqui se fala de
petróleo e gás, é preciso falar nas guerras e nos blocos político-ideológicos deste
século; reconhecer que as mudanças nos países. 'do Leste' que antes puderam ter
uma organização de tipo coletivista estatal resultam de suas próprias crises e de
suas relações com a crise capitalista - simultânea, aliás (Hobsbawm, 1995; Beaud,
1993, 1994; Kurz, 1993; Negri, 1988).
Pela interpretação hoje dominante, tudo estaria funcionando perfeitamente e a
tecnologia tudo resolveria, principalmente porque estamos em plena era das
certificações de qualidade (as ISOs 9000 e agora as 14000) e das reengenharias
(downsizings, indicadores de desempenho).
Tudo funcionará ainda melhor no reinado alegre da desregulamentação,
principalmente se forem alteradas as jornadas de trabalho, desmontadas as gm:antias
contratuais das relações de trabalho, se possível 'des-sindicalizando' os trabalhadores
ou, senão, amarrando suas entidades a um pacto desigual, entre partenaires sociaux.
Nesse enredo, vaificando assim mais claro quem são os agentes executores dessa
modernização instrumental e ideológica das empresas: as novidades técnicas são
estimuladas e sua compra decidida pelos mesmos grupos e pessoas que, dentro das
empresas, alimentam a competição entre subordinados.

185
Aczdentes Industriais Ampliados

Além dos »que fazem isto civilizadamente, acreditando nesta forma de


darwinismo, em que a própria luta pela vida selecionaria os mais aptos, outros
traçam sua própria carreira em cima da perseguição e da opressão de muitos outros,
" O ~ -
destilando à sua vo!ta o repu&o, mal-estar, chegando a favorecer o adoecimento
mental das vítimas- por vezes, a insanidade constituindo um traço tfpico
r outra" do próprio
'Quais são,
opressor. Diante disto,' a interrogação que guia este texto pode se ....
" dos acidentes e
enfim, as razões profundas dos agravamentos dos riscos, dos efeitos
cios adoecimentos?" Para não responder tal pergunta de uma forma única, mecanicista
ou fatalista, delineia-se_ uma argumentação heterodoxa, em cinco etapas:
As coisas se agravam porque a prevençào dos eventos de risco e os probleràas das
v l"t "l m
as não estão na pauta visível e pesam pouconas negociaçòes abertas; as cúpulas
políticas e empresariais não consideram prioritário tratar publicamente tais temas.
Sabem, todavia, que os problemas ocorrem e podem custar caro;
Portanto, na 'escala de valores éticos de °
tantos gerentes e diretores', o melhor é
" ^ ' S

descarregar ~esponsabilidades em outras mstancla,


^ fazer
" lobbies
s persistentes para
de medida
alterar classificações e limites legais de tolerancla, munero e unidades
das exposições aos fatores de risco. rências, rnrestando contas
Com honrosas exceções, tudo e "teito-so para
. . .smvar
. . .a~. ~t'~
.
formalmente à !egisIação, e por aí decidem, cada vez mais subcontratar os serviços
necessários, lnspeções e até mesmo fiscalizações e emissões de laudos, como por
exemplo terceirizando os Serviços de Segurança e- Medicina do Trabalho (SESMT).
,. , é policiada para os
Também as coisas se agravam porque a informaçao bloqueada e
trabalhadores e para o público em gera, sendo multas vezes punida a divulgação dos
fatos por quem os
. conhece ou presenclou. li
O

De forma cumulativa, introjetada, sibilina, resulta um estad emocional


dominado pela lgnorancl e pelo despreparo", o que só pode ampliar ou prolongar
o pânico, agravar as conseqüências e prejudicar o combate às novas situaqões de
risco (Lagadec, 1988).
. Agravam-se ainda porque, se houvesse apurações rigorosas, independentes, com as
devidas quebras de sigilo e os devidos contraditórios a respeito dos eventos graves e
prejudiciais, isto exigiria a identlflcaçao das neghgênclas de manutenção, das deficiências
técnicas e organizacionais, além do detalhamento dos erros de programação e de
prescrição de tarefas.
Em síntese, destas três primeiras razões, as coisas se agravam pois tudo é feito
para evitar que se estabeIeça 'o nexo entre o acidente, o adoecimentoe a organização
da produção'.
Numa eventual hipótese saneadora, no futuro tão distinto do nosso presente, as
apurações certamente levariam 'à qualificação e à punição de funcionários de nível
superior~ e, especialmente, de gerentes e dirigentes das empresas, por
responsabilidades civis e criminais.
... Alertas Sobre o Risco Técriico Coletivo...

Na seqfiência, tais apurações levari-am com freqüência à ;incriminação dos


supervisores e chefes que pressionam seus s~abordinados por causa de metas de
produção muitas vezes .forçadas, freqüentemente atropelando normas e
procedimentos de-segurança em situações de risco. Claro, estaria feito 'o:nexo entre
o risco e a ditadura gerencial impune'. ~ ....
Esta hipótese, oposta à- omissão e à manipulação de hoje em dia, talnb~m levaria à
revelação ou confirmação do '¿uncionamento das redes de favórecimento' d.e firmas e
pessoas a contratar e co~tratadas, formadas por engenheiros e= administradores qtte
fazem o contato estreito com fornecedores de equipamentos, soflwares e projetos
detalhados de engenharia. Essas redes compõem-se de funcionários graduados e
diretores ou superintendentes que influem na elaboração ou fiscalizam, por exemplo,
os cOntratos das empreiteiras e das operadoras com a PETROBRAS. Estaria feito 'o nexo
entre o'risco e a corrupção'.
Estas cinco razões, articuladas entre si, podem não ser inte{ramente vãlidas em
um ou outro caso concreto que se conheça, mas são razões comprováveis como
fatos estruturais/estrut~rantes da situação de risco em toda a atividáde petrolffera
no País - e certamente em vários outros tipos de indústrias.
Por mais incômoda que seja a realidade dos homens e de suas organizações,
não cabe seriamente considerar as atitudes e decisões envolvidas nestas cinco razões
de uma forma isolada, como se fossem apenas desvios de comportamento,
favorecidos por imperfeições e chances de falsificação dos sistemas de contròlè
Contábil ou auditoria. Sem falar na existência de brechas no sistema de pOderes de
assinatura ede despesa na hierarquia das emprésas (S~DIPETRo-Caxias, 1997).
São essas conexões entre vítimas, prejm'zos, riscos e a impunidade da ditadura
gerencial que devem ser abertas e dissecadas pelos seus próprios agentés e pelos
que estudam o assunto. Trata-se de um campo reinado, t~ma crise social recOrrente,
muita justiça a Ser feita.

PODERÃO OS CIDADÃOS FRAGILIZADOS, TORNADOS :COBAIAS~


ALTERAR A CORRELAÇÃO DE FORÇAS?

Dois temas aqui enfatizados são pouco divulgados, pouco debatidos fora das
corporaçôes produtivas e fora de algumas instâncias parlamentares e jurídicas. No
entanto, estão no 'centro da luta política na indústria do petróleo':
- os riscos intrínsecos e variados da cadeia produtiva petrolffera;
" toda a estrUtura de organizaçao e de segurança da produção com a participação dos
trabathadóres.
O que se comprova, sobretudo nas instalações off-shore mais recentes, é uma
estratégia de dificultar a filiação sindical às entidades regionais em terra e nacionais
Acidentes Industriais Ampliados

já existentes. Nesta estratégia, empresas do porte da Shell, da British Petroleum


(BP), da Chevron, da Occidental e autoridades inglesas se esmeram em bloquear e
desqualificar qualquer movimento organizado reunindo as várias categorias que
operam no off-shore. E isto até mesmo na primeira pátria do capitalismo, a Grã,
Bretanha (Woolfson, Foster & Beck, 1997).
Lá como cá, o risco se agrava conforme se dissemina e se aprofunda a
'fragilização humana': o¿ homens com o ritmo circadiano alterado pelo regime de
~~rnos, de plantão e de sobreaviso, com tempos dè sono e vigflia desencontrados,
vão sendo vitimados por surtos epidêmicos de adoecimentos e por ciclos de desgastes
pessoais. Isto rebaixa o seu grau de atenção, embaralha a percepção do próprio
risco e atrapalha a disposição humana e coletiva que se requer para a correção do
incidente, para o combate à seqüência acidental - e também para a delimitação e
diminuição dos seus efeitQs.
Por aqui, além da 'experimentação humana', especialmente o que se faz com os
embarcados no mar, com os operadores de turno, com os aquanautas e os aeroviários,
registra-se uma 'experimentação tecnológica' bem localizada, restrita mesmo. Cada
vez mais as instalações petrolíferas no País são 'camadas tecnológicas' de duas, três
ou quatro gerações se superpondo, se interconectando.
A degradação média das instalações físicas avança em ritmo mais intenso do
que a depreciação pr0jetada de tais equipamentos e sistemas, pois a Onda da
reengenharia não priorizou manutenção técnica nem reforma estrutural de instalações
de alto risco. Vários casos podem ser descritos como se fossem a instalação de
computadores de bordo em veículos fabricados há 30 anos e bastante usados e';:
exigidos desde então.
A disseminação de redes eletrônicas e óticas nas instalações, os SDCDs, a
robotização de algumas operações, o reagrupamento de atividades por critério de
agregação de valor e centralidade de informações, as tentativas de individualização
de desempenhos e de competição intergrupos: toda essa inovação tecnológica e
organizacional vem necessariamente jun, to. Obviamente, exige também uma
engenharia social em que, além da natureza, homens são cobaias quase sempre
desinformadas. Caso contrário, podem ser comprados.
'A indústria petrolífera no Brasil como cobaia da inovação técnica e
organizacional internacional' é algo que está também na raiz do agravamento dos
riscos. Destacam-se, em mídias caríssimas, os feitos técnicos - são entronizados como
benefício geral os recordes de profundidade de mergulho, escondendo-se os recordes
de mortes e de doenças graves na categoria dos operários subaquáticos. Põe-se nas
manchetes a performance da extração de óleo off-shore, sonegando-se qualquer menção
à intensidade da exploração do trabalho e à extensão crescente dos agravos à
integridade e à saúde das pessoas.
... Alertas Sobre o Risco Técnico Coletivo...

Mas outras avaliações sobre o mesmo problema aqui tratado, e que possam ser
não aderentes a tais operações ideológicas refinadas da indústria petrolffera,
apontarão cada vez mais claramente a demonstração aqui apenas demonstrada. A
indústria internacional do petróleo e do gás, suprindo 60% da energia primária
comercial de todos os tipos, e ainda em fase de expansão, vai escalando patamares
sucessivos, mais altos, de risco técnico coletivo.
No Brasil, coletividades humanas já foram vítimas de alguns dos maiores
acidentes industriais no ranking internacional e no circuito do petróleo: REDU (RJ),
em 1.972, com 38 trabalhadores mortos em uma explosão em uma esfera de GLP;
Pojuca (BA), em 1982, com número de mortos variando entre dezenas a uma centena
por conta do incêndio e explosão em um comboio de trerh que tranportava
combustíveis e descarrilou; Plataforma de Enchova (RJ), em 1984 e 1988, resultando
o primeiro acidente na morte de aproximadamente 40 trabalhadores e o segundo na
destruição da plataforma; Vila Socó (SP), em 1984, com um número de cerca de 500
óbitos resultantes do incêndio que teve seu foco em um oleoduto que vazava,
atingindo toda uma favela. Além destes acidentes, conhecidos e noticiados pela
grande imprensa, deve-se lembrar que na indústria .do petróleo vivem '150 mil
petroleiros' na ativa, que se acidentam, adoecem e se desgastam cada vez mais.
Menos de terça parte desses petroleiros são assalariados da maior empresa, a
PETROBRAS; metade provavelmente nem é sindicalizada. Os sindicatos de petroleiros,

mesmo os poucos não filiados à Central Única dos Trabalhadores, se transformaram


em alvo político preferencial do Governo Fernando Henrique Cardoso-Marco Maciel
desde sua greve de maio de 1995. Nesta estratégia, o governo contou com a
prestimosa subserviência do Tribunal Superior do Trabalho e até do Ministério do
Trabalho, de modo que os petroleiros estão e ncurralados, com quase todas as
entidades sindicais descapitalizadas, pagando multas, com bens penhorados, e vendo
reduzir sua base de associados.
No momento, nem mesmo uma tragédia como foram as de Enchova, Vila Socó
ou a do off-shore britânico, com incêndio e destruição da plataforma Piper Alpha com
167 mortos, seria capaz de bloquear e até derrotar essa lógica perversa da
desestruturação do trabalho e da 'desresponsabilização' pelas condições de trabalho.
Diante do desafio, somente uma ação coletiva- sustentada durante algum tempo
por parte desses mesmos trabalhadores e por parte das vizinhanças e dos cidadãos
difusos afetados por tais ameaças e prejuízos - poderia levar a uma 'alteração na
correlação de forças' entre trabalho e'capital, dentro da produção, e entre cidadãos
e grandes empresas, no conjunto mais amplo da sociedade.
Se essa alteração não se forjar nas empresas, na sociedade e na vida política de
nosso país, a curto prazo talvez seja impossível reverter a escalada do risco técnico
coletivo na indústria petrolífera.
PAULiNIA INDÚSTRIA DO PETRÓ
croquis indicativo da dre
dos naviosCtanque [ ......
das instalações de proc{
~PlRACICABA fontes: "Esquema simptificado

, terminais e redes de dutos:


REPLAN, em Paulinia, maior cap. processam, paLs; recebe óleo
cru do terminal marítimo de S, Sebasttão -TEBAR [ ~~ l
o [ ~ | duros de derivados Replan dir. Norte p/Ribeirão, UEerabá GO DF
d ir~ S~ para Barued [ ~] e dír~Sudeste para Guarar~"na [~í~j ' ' ~ :~
| [j~] RECAP, em Capuava, rec. oleo cru Tebar via Cubptão, intedig. ~
| ~ base Utinga (S.Caetano + derivação p/Barued via [~1~ ] us.térmica
~~ratlnmga, Interlagos), e c/base Guararema via Guarulhos e Suzano.
J ~ RPBC, em Cubano, rec. TEBAR, intertigada cJ base de Utinga e
com terminal marítimo TEDEP, Aiemoa, zona portuária Santos [~~ ]
| ~ importação (diese|, GLP, metanol) exportação ( óleo comb., gasõlina).

d~ derivados com Guararema e com Reduc, RJ via V. Redonda.


í,~ Indtístdas grandes onsumidoras derivados petrõleo:químicas
nTetalurgicas, têxteis e sintéticos, cerâmicas e cimenteiras em Cubatão,
| ABC: Zonas Oeste e Leste SP, Sorocaba, itu/Satto,Jundiaí, Campinas,
Jacarei Taubaté. Guará, Pinda
~,S NO LITORAL F~ TERRITÓRIO DE SÃO PAULO, BRASIL
~ra "off-shore" [~ ~/ ~], das redes de dutos [~:~ ] [ ~ ], das rotas
~erminais mari!imo~ e principais bases terrestres e tancagens [ ~ t~l
',o[ ~ ][ ~ ] e indústrias grandes consumidoras de combustíveis I~
s e oleodutos» Depin / Petrobrás, 1996. "Projeto Saude Segurança Ambiente"- Sindipetros SP

GUARAREMA \
"~«~

ILHABELA

~í~~
SÃO SEBASTIÃO-"

~
~Gãs Natural, produção, suprimento atual e previsto:
[-~~] gasoduto vindo da Reduc, RJ via V.Redonda. RJ e Vaie Paraiba SP até Guararema,
~',] gasoduto em obras, lig.Guararema-Paulinia; gasoduto Bolívia. trecho Bauru-S.Carlos
*Paulinia; + [ ,,'] derivação projetada p/Cudtiba via região Sorocaba.
Plataforma produtora de GN, Me rluza, 80 km.sul Santos, [ ]gasoduto submartngL
atéPr.ala Grande + t~ho terrestrç -[~] UPGN Cubatão,dai pt i~ds. cons. GN Cubatâo[ ~~
+ P'Mu, petroquimí ,ca, s, L;apuava L~]~ P,/cítygate COMGAS + [~_] gasômetro ( centro SP)
irl i ilrr i ] I I

INDÚSTRIA DO PETRÓLEO / GÃS NO RIO DE JANEI!


c~oquis indicativo da área produtora "off-shore" das redes de dutos [~ [ ~,.-~~"],
dos naves-tanque [,o,.~~1i ] e das e [.~o-,] dOS terminais e tancaç
das instalações de ] e indústrias grani:les consumidoras de comi:

V.REDONDA

REZENDE

[~] Refinaria REDUC ( Petrobrás), Duque de Caxias, recebe óleo cru pelo duto vindo [ ~ ] Uni
de Macaé, e pe!ò duro vindo do terminal marítimo TEBIG, Mõnsuaba, canal Leste, I, Grande, [ i] Indl
Ugada à Ilha do Governador, e terminais da Ilha ri'Agua [{~l] ,ilha redonda ~ ,Galeão [ ]; Pirahy pap
dt,~0 de petróleo para MG, duros de derivados ligando MG via J, Fora, com V.RedondaíSP Alcalis e S«
[-Çr~J city-g«
[ .~] Refinar~ MANGUINHOS ( Peixoto de Castro/Wal) rec. óleo cru no porto RJ / duto.
] Construção t montagem plataformas, Vedome, Jäcuecanga, pro×. Angra dos Reis, [ t ] Ind
Pia-['afÕrmas e navios sonda em manutenção/montagens, fundeados Baía de Guanabãra, CSN, V. Rt~
prox. ilhas oceânicas ( do Pai, da Mãe, Rãsa). [ ] Outros portos prox. BH; e
(MBR, Manga~iba), containeres e carga geral ( Sepetiba~ e centro do Rio) us. térmica
fontes; "Esq~
Centrais nucleares Angra-I e li, prox. Frade e Mambucaba, Baía da Ilha Grande. "Balanço ene
Área produtora litoral Norte Ftuminense,

~]35 plataformas produtoras fixas / flutuantes


( represent, oito: campos Enchova, Bonito, Pampo )
[~~ 10 monobóias p/embarque petróleo em navios-
~anque em alto-mar ( rep~esentadas t~ês na área Sul)
» plataf, perfuração e navios-sonda( não represenL)
~.] gasodutos submarinos Enchova -- Cabiúnas
apr30 km) e Garoupa - B. Furado+trecho terrestre
Processamento Gás Natural, Cabiúnas(Macaé); e REDUC p/Cabiúnas + [---] oleodutos submarinos Enchova
nsumidoras de GN ( ; gasodüto p/SP, via V.Red- e Garoupa -- B.Furado+ trecho terrestre p/Cabiúnas
lção ptRezende ; derivagão para Sta. Cruz, Valesul; [~] tancagem de cru e despacho p/REDUC
'ox. Cabo Frio gasoduto de Cabiúnas; ampLplCampós. [~.] plataformas e navios-sonda fundeados no
linha tronco p/Manguinhos e Gasômetro ( Rodoviária RJ) ~~uipeloSantana, Macaé, p/manut./montagens "
ns.GN / deriv.petróleo: Bayer,Belford Roxo;Cosigua, S.Cruz porto de suprimento off-shore, ImbetibatMacaé
Juiz de FQra no eixo gasoduto Ê oleoduto Reduc-Regap, tancagem combustíveis(embarcações,aeronaves)
: Petroflex, Prosint, Braspol ; [ ~] Ind, cons. der. petróleo: + ~] Parque de Tubos. canteiros obras/montagens,
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PARTE III

PLANE3AMENTO
PRINCIPAIS CRITÉRIOS PARA JULGAMENTO DA
GESTÃO DE DESASTRE E APLICAÇÃO NAS
SOCIEDADES EM DESENVOLVIMENTO*

E. L. Quarantelli

Neste capítulo) levanta-se o que se considera importante na gestão das


ocorrências de desastre. O ponto de partida situa-se no fato de que o fundamental
não é a gestão, mas a %oa' gestão- afinal, é possível se ter maus exemplos da mesma.
Assim, para que de forma inteligente se avalie o grau de prontidão no que diz respeito
à gestão de desastres, impõe-se a seguinte pergunta: 'o que é a boa gestão?'
Seria possível passar logo para a versão ideal, mas é preferível enraizar a resposta
à pergunta na pesquisa empffica já empreendida pelos cientistas sociais e
comportamentais. Embora se usem multas das descobertas feitas no Centro de Pesquisa
de Desastre (Disaster Research Center- DRC) desde que este iniciou seus estudos em
1963, as observações e conclusões gerais provêm, essencialmente, do corpo mais amplo
de conhecimentos científicos acumulados há cerca de quatro décadas de pesquisa
(para obter resumos de ordem geral da bibliografia, Auf der Heide, 1989; Clarke &
James, 1993; Cutter, 1994; Drabek, 1986; Drabek & Hoetmer, 1991; Dynes, De Marchi
& Pelanda, 1987; Dynes & Tiemey 1994; Kreps, 1984, 1991; Lagadec, 1990; Oliver-
Smith, 1993; Quarantelli & Pelandá, 1989; Quarantelli & Popov« 1993).
Esta pesquisa trata de desastres naturais e.tecnológicos e, posto que demonstra
essencialmente não haver diferenças significativas de comportamento nos dois tipos
de crise, não se discute qualquer distinção nas duas ocorrências. No entanto, a
literatura é mais abundante em pesquisas empreendidas em países desenvolvidos,
não em países em desenvolvimento. Com isso, levanta-se posteriormente uma
pergunta: as descobertas levantadas pela pesquisa seriam significativas para uso e
aplicação em ambos os tipos de sociedade? Da mesma forma, neste trabalho,
discutem-se sobretudo desastres, não catástrofes; essas ocasiões são qualitativamente

* Tradução: Maria ~lizabeth Cabral Melo.


IEste paper foi preparado como base para o Seminário Internacional sobre Qualidade de Vida e Riscos Ambientais ,
realizado no Rio de Janeiro em 10 e 11 de outubro de 1996. É tuna versão revista do paper preliminar do
Centro de Pesquisa de Desastres de número 199, que foi a versão redigida e ampliada das observações
verbais feitas no II Congresso Nacional de Universidades sobre Proteção Civil realizada na Universidade
de Colima, na Cidade de Colima, México, de 27 a 29 de junho de 1994. Parte do material já foi publicado
(Qt;ARAn~LIa & PoPov, 1993). .
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diferentes dos desastres, tal como estes o são das emergências do dia-a-dia, e de
várias maneiras exigem uma gestão um tanto diferente (Quarantelli, 1994).
Os 10 princípios gerais de gestão de desastre serão apresentados, pois considera-
se que a avaliação da gestão de um desastre tem de usar vários critérios além daqueles
aplicados no planejamento da prontidão.

A GESTÃO DE DESASTRES

Por razões que não parecem totalmente claras, nem sempre é explicitamente
reconhecido ou aceito que o planejamento e a gestão dos desastres comunitários são
dois processos diferentes. Talvez isto se deva ao fato de que os mesmos funcionários
públicos da comunidade em geral estejam envolvidos em ambas as atividades. Ainda
assim, em certas linhas, a diferença seria óbvia. Os pesquisadores, por exemplo, em
geral reconheçem que o planejamento de uma pesquisa é diferente da gestão de um
projeto que se apóie naquela pesquisa. Sob outro aspecto, só recentemente a Agência
Federal de Gestão de Emergência (Federal Emergency Management Agency - FEMA)
nos Estados Unidos começou a enfatizar o desempenho sobre os critérios do
planejamento na avaliação das repartições de gestão de emergências regionais.
Aparentemente, a diferença não é óbvia para todos.
Deixando esse problema de lado, a boa gestão de desastres comunitários pode ser
avaliada fundamentalmente em termos de determinados critérios derivados da pesquisa.
Muita da referência bibliográfica relevante no que tange a esses tópicos é mais implícita
do que explícita, embora bastante extensa. Coletivamente, indica que a gestão é boa se
forem atendidos os 10 critérios a seguir, os quais se relacionam seqüencialmente um ao
outro. Deve-se observar, também, que embora parte do planejamento possa, de forma
geral, ser avaliado antecipadamente, um julgamento específico sobre a gestão só poderá
ser feito após o impacto do desastre. Contudo, saber o que constitui uma boa gestão
pode ser útil até para os funcionários operacionais no meio de uma crise gerada por
desastre - e naturalmente, finda a ocasião, esse conhecimento pode ser usado para fazer
as mudanças para enfrentar os futuros desastres.
A seguir, apresentam-se os 10 critérios para uma boa gestão de desastres.

RECONHECER CORRETAMENTE A DIFERENÇA ENTRE NECESSIDADES E DEMANDAS


GERADAS PELO AGENTE E PELA REAÇÃO

Há muito a bibliografia da pesquisa no DRC parte da premissa de que existem


sempre dois tipos diferentes de necessidades ou demandas que devem ser levantados
na reação a um desastrè (Dynes, Quarantelli & Kreps, 1981, primeira edição publicada
..Critérios para Julgamento da Gestão de Desastre...

em 1972). Há necessidades que resultam diretamente do agente de desastre em


questão. A seguir há também as demandas que resultam da reação em si das
organizações à crise. Falando de outra forma, há problemas criados pelo desastre
em si e há problemas gerados pelo esforço organizado no atendimento ao desastre.
Os primeiros, as demandas 'geradas pelo agente', derivam do agente específico
do desastre. Por exemplo: uma ira_inalação pode criar uma necessidade de prontidão
anterior ao impacto relativa a sacos de areia de proteção contra elevaçao das aguas,
a ~ "
ou a exposição potencial à radiação pode criar uma demanda de exames médicos às
possíveis vítimas. As necessidades geradas pelo agente vão variar consideravelmente,
em conseqüência do impacto do desastre e da natureza especffica do agente (embora,
como será discutido no segundo critério, as demandas possam ser atendidas pela
realização de determinadas funções genéricas).
No entanto, as demandas 'geradas pela reação' são comuns a todos os desastres,
porque produzidas pelo próprio esforço das organizações de resposta na gestão de
um desastre comunitário. O período de crise de uma ocasião calamitosa
inevitavelmente leva a um 'ataque em massa" pelas organizações a agirem na ocasião.
Isto implica a necessidade de uma mobilização eficaz de pessoal e recursos, delegação
de tarefas adequada e divisão de trabalho, fluxo de informações adequado, um
considerável exercício de tomada de decisões e, acima de tudo, esforços bem-sucedidos
na coordenação de tudo o que está se passando (todos estes aspectos serão discutidos
do terceiro ao sétimo critério). Essas demandas existem em todos os desastres e são
um tanto independentes de qualquer agente especffico que os cause.
A boa gestão do desastre reconhece diferenças entre as necessidades e as
demandas geradas pelo agente e pela reação. As primeiras, como são mais especfficas
do agente do desastre em questão, necessitam de uma abordagem mais tática ou
situacional, e uma resposta a elas só pode ser planejada antes do impacto até certo
ponto. As últimas, as demandas geradas pela reação, podem ser abordadas de forma
mais estratégica e planejadas antecipadamente. Embora compreender o que está
envolvido não possa alterar o aparecimento dos dois tipos de demandas, possibilita
um planejamento melhor, uma resposta operacional melhor e melhor aprendizado
com o desastre. Na realidade, deixar de reconhecer que os dois processos são
diferentes pode ser tomado como indicativo de uma gestão fraca ante desastres.
Havendo maior enfoque sobre os efeitos de um agente de desastre, deixa-se de lado
o ponto de que problemas ainda mais import~antes podem e certamente surgirão, na
gestão da reação. Por exemplo: havendo problemas de saúde mental, eles resultam
muito mais das demandas de reação que do agente (Quarantelli, 1985a).
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EMPREENDER FUNÇÕES GENÉRICAS DE FORMA ADEQUADA


Embora desastres diferentes possam variar largamente em seus impactos e
efeitos, com alguns deles diretamente vinculados ao agente envolvido, ainda assim
é possível visualizar funções comuns que tenham de ser empreendidas na gestão
dessas ocasiões. Falando de outra forma, as necessidades ou demandas específicas
podem diferenciar bastante em ocasiões separadas, mas alguns padrões ou funções
de resposta, contudo, ainda assim terão de ser realizados em todos os casos. Por
exemplo: em um terremoto ou furacão específico, pode haver milhares de pessoas
sem teto a abrigar, enquanto em outros acontecimentos poderá haver apenas um
pequeno número. Contudo, é extremamente raro que um desastrè comunitário
importante não crie uma certa necessidade de abrigo para os desabrigados
(Quarantelli, 1984).
Assim, embora as questões específicas tanto em termos de necessidades como de
respostas variem de um desastre para outro, alguns pesquisadores discutem -
corretamente, diga-se - que há funções comuns ou genéricas em todos os desastres. A
saber, determinadas atividades terão de ser empreendidas, em um sentido geral, embora
suas necessidades ou demandas variem de caso a caso. Perry, por exemplo, escreveu:
As funções genéricas são ações ou atividades que podem ser úteis em diversos eventos
desastrosos. A evacuação, por exemplo, será necessária em inundações, furacões,
erupções vulcânicas, acidentes em fábricas de energia nuclear ou acidentes com materiais
perigosos. As funções genéricas são desenvolvidas e planejadas na fase anterior ao
impacto, 'embora algumas decisões tenham de ser ~daptadas às demandas da si'tuação'.
(Perry, 1991:218)
Ele parte para a discussão de seis funções genéricas: alertas, evacuação, abrigo,
assistência médica emergencial, busca e resgate e proteção da propriedade. Seria
raro o desastre em que quaisquer dessas atividades estivessem ausentes (embora os
alertas pudessem não ocorrer nos desastres repentinos, coffto a maioria dos abalos
sísmicos e grande parte das explosões de material químico tóxico). Possivelmente
há outras ações que possam ser acrescentadas, como avaliação dos danos ou
restauração dos serviços públicos essenciais (discussão em Kreps, 1991:41-42), mas
poucos pesquisadores discutiriam que há determinadas funções genéricas e, pelo
menos, as seis mencionadas.
Dada a natureza genérica, uma avaliação sempre deveria ser possível em relação
ao empreendimento das funções, especialmente quanto a sua adequação. Como
exemplos de importantes questões que possam ser levantadas, apresentamos as
seguintes: a necessidade da função foi logo reconhecida? A função foi empreendida
sem muitos problemas? As pessoas às quais elas se dirigiam (isto é, as vítimas do
desastre) ficaram satisfeitas com a função oferecida? Se a resposta for sempre um
sim, é provável que houve pelo menos uma gestão adequada das funções genéricas.

2O2
..Critérios para Julgamento da Gestão de Desastre...

MOBILIZAR PESSOAL E RECURSOS DE FORMA EFICIENTE

Na maioria dos desastres não há ausência ou carência de pessoal ou recursos


necessários. O número e os tipos de pessoas que podem ser úteis no momento de crise
das ocasiões desastrosas em geral estão disponíveis tanto em termos de
proximidade espacial como temporal. Da mesma forma, salvo ocasionaimente no
que diz respeito à necessidade de determinado equipamento muito especiàlizado,
os materiais e as Coisas que podem ser usados de forma apropriada na situação
e ah, "ou prox~mo
costumam star " ao local do desastre. Na realidade, em todo desastre,
mais cedo ou mais tarde, a mais ou a menos, mesmo que não tenha havido
planejamento, o pessoal e os recursos necessários para lidar com a crise' aparecem
na cena (embora nas ocasiões verdadeiramente catastróficas a assistência em geral
venha de fora da comunidade afetada).
Naturalmente, pode haver uma superabundância de algo que não é necessário.
Por exemplo: um problema que freqüentemente é levantado tem a ver com a presença
e o uso de muitos voluntários. Muitos voluntários bem motivados com uma ampla
variedade de capacitações não são necessariamente um bom recurso em uma ocasião
,desastrosa. Na realidade, sem um planejamento prévio muito bom quanto a quem
usará os voluntários - onde eles serão enviados, como serão supervisionados, quando
serao usados e assim por diante - a diáfana presença de massas de voluntários
simplesmente criará outro problema de gestão do desastre. Em geral, membros do
staffregular das organizações, dos quais se tem uma necessidade vital, terão de ser
usados para tentar determinado planejamento e/ou treinar para determinadas tarefas
concebidas às pressas. Em conseqüência, os oluntanos mais embaraçam do que
ajudam na mobilização das organizações.
Desta forma, a boa gestão de desastre não envolve a mobilização per se de pessoal
e recursos -isto ocorrerá, de qualquer forma. O importante reside na "eficácia' da
mobilização. Eficácia significa, essencialmente, que houve a produção desejada do
resultado em mente, esta avaliação diferindo daquela de eficiência em que os
resultados são obtidos da melhor maneira. Por exemplo: uma evacuação pode levar
a população para fora de uma área perigosa e ser eficaz, mas poderá não ser muito
eficiente em termos de uso de recursos desnecessários, do tempo consumido ou dos
problemas gerados, É possível julgar a eficácia de várias maneiras, incluindo as
seguintes: o pessoal e os recursos necessários foram bem identificados na crise?
Foram eles localizados rapidamente e trazidos para prestar suporte corretamente?

Eram eles apropriados para os problemas de urgência da crise? As respostas positivas


a estas perguntas sugeririam que não apenas houve uma mobilização do pessoal e
d os recursos necessanos,
" como foi ela eficaz.
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ENVOLVER DELEGAÇÃO DE TAREFAS E DrvisÃo DO TRABALHO APROPRIADAS

Uma das principais conseqüências de qualquer desastre é a criação de várias


tarefas antigas e novas a que as organizações da comunidade precisam recorrer.
Pessoas são mortas e feridas; casas e outras construções são avariadas ou destruídas;
sobreviventes têm de ser evacuados, em seguida abrigados e alimentados; os serviços
públicos necessitam ser restaurados; os incêndios precisam ser apagados e as
rodovias, reparadas. A lista é bem longa. Porém, imediatamente após o impacto e
logo no início do período de crise, a natureza das tarefas requeridas e o escopo do
envolvimento organizacional normalmente são desconhecidos, pouco claros e/ou
confusos. Matgrado esta incerteza, há uma grande urgência de agir que traz várias
conseqüências para as atividades organizacionais.
Algumas das tarefas costumam ser empreendidas por organizações especfficas,
posto que fazem parte da responsabilidade daquele grupo já antes do impacto (os
bombeiros combatem o incêndio~ por exemplo). Mas até isso pode ser complicado,
devido à "convergência de várias organizações de fora da comunidade impactada.
Para exemplificar, em um desastre estudado pelo DRC, um total de 68 corpos de
bombeiros diferentes apareceu em cena. E, tão importante quanto, há tarefas que,
antes do impacto, não são responsabilidade de ninguém, como busca e resgate de
larga escala de acidentados em massa, o estabelecimento de quem estará nas listas
de pessoas perdidas, a instituição e o uso de um sistema de passe para impedir a
entrada em determinadas áreas afetadas, descobrir e prestar assistências a muitos
animais abandonados etc. Como será discutido mais adiante, muitas dessas tarefas
são assurnidas por grupos novos ou emergentes.
Outra resposta comum das organizações é iniciar as atividades para os problemas
imediatos e visíveis, que podem 'não' ser parte de sua responsabilidade subseqüente,

Ou.tra resposta é mobilizar recursos que chegam, inclusive pessoal, prevendo-se tarefas
maiores. Estas ações alteram o padrão das tarefas; modificam os padrões previamente
estabelecidos de tomada de decisão, relacionamento de autoridades e canais de fluxo
de informações; criam novas fronteiras organizacionais. Além de criar mudanças internas,
o escopo das tarefas e as suas incertezas levam as organizações a se envolverem com
outras organizações com as quais não estavam familiarizadas (Quarantelli, 1985b; para
outros aspectos, vide Dynes, Quarantetli & Kreps, 1981:41-43).
Na realidade, todos os grupos que aparecem em uma crise comunitária podem
ser classificados como umdos quatro tipos possíveis. Eles estão indicados na página
a seguir:
As quatro possibilidades demonstradas derivam da consideração do fato de
que algumas organizações comunitárias têm tarefas dentro do período de crise que
são essencialmente as mesmas que empreendem durante os períodos de rotina ou
...Critérios para Julgamento da Gestão de Desastre...

antes do impacto. Outros grupos, porém, têm basicamente tarefas novas. Além disso,
algumas organizações mantêm um conjunto similar de relacionamento social interno
do dia-a-dia na ocasião do desastre, enquanto outras desenvolvem um conjunto
completamente novo. Uma classificação cruzada dessas dimensões de tarefas e
relacionamentos fornece a tipologia apresentada anteriormente (Quarantelli, 1967).

Quadro 1 - Tipos de Organizações

TAREFAS

NÃO I~EGULARES
REGULARES

Tipo I Tipo III


ANTIGOS Organizações Organizações
Estabelecidas Estendidas

Tipo II Tipo IV
NOVOS Organizações Grupos
Expandidas Emergentes

Tudo o que foi visto mostra a complexidade da divisão do trabalho e da


delegação de tarefa que surgirá em qualquer desastre de qualquer magnitude.
Claramente, a boa gestão de desastre é aquela que envolve a gestão adequada de
tarefa e divisão do trabalho. Adequado, neste contexto, significa que todas as tarefas
necessárias são empreendidas de forma relativamente rápida e com poucos
problemas, e que há alguma divisão de trabalho dentre as organizações a reagir ao
problema. Em segundo lugar, dentre outras coisas, implica o reconhecimento de
que haverá grupos do Tipo 4 operando, tanto quanto grupos já estabelecidos, usando
a estrutura social regular para empreender antigas tarefas (por exemplo: o corpo
policial direcionando o tráfego e mantendo a segurança na comunidade). Uma
resposta que tente envolver apenas as organizações estabelecidas é uma clara
indicação de que houve uma gestão de desastre de baixa qualidade.
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PERMITIR O PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÕES ADEQUADO

Tanto na literatura' especializada como na pesquisa sobre a gestão em desastre,


diz-se com freqüência que há problemas de "comunicação" no momento da crise dos
desastres. Esta formulação, porém, enfatiza a tecnologia da comunicação, os meios
usados, e não aquilo que é comunidade. Desta forma, por exemplo, há declarações~de
que são ou foram necessárias 'mais rádios'. A pesquisa indica, porém, que a maioria
dos problemas decorre do 'que' é comunicado, não de como ocorrem as comunicações.
Na maioria das vezes, os problemas do fluxo de informações não vêm da escassez de
equipamento, das instalações avariadas nem de outras formas de destruição que
resultem na inoperância da tecnologia da comunicação. Eles decorrem mais de
problemas no processo de comunicação em si, do próprio fluxo de irfformação.
Há, necessariamente, várias correntes de informações fluindo durante o período
de crise de um desastre. O fluxo de informações é o seguinte:
- dentro de cada organização a atuar;
entre as organizações;
dos cidadãos às orgarüzações; e
das organizações aos cidadãos.
Este fluxo de informações pode se tornar problemático por ocasião de desastres.
Vamos apenas ilustrar a partir de um fluxo de informação 'intra-organizacional'.
Nas condições do dia-a-dia, o sistema é concebido para processar e trocar tipos e
quantidades de informação predeterminados. Durante o desastre, porém, o número
de staffusando o sistema pode aumentar muito, devido a mudanças no staffinterno
feitas pela organização para atender às demandas da ocasião de crise. Por exemplo:
o uso de dois turnos ou a incorporação de voluntários na mão-de-obra. Também é
comum que o sistema existente não possa acomodar o volume de informações
requeridas pelos usuários do sistema. Quando as demandas extras sobre,o sistema
interno excedem a capacidade, há uma 'sobrecarga', com o resultado líquido levando
o sistema a falhar ou à perda e à demora de informações para, de/e entre os membros
do staff. Da mesma forma, em épocas normais, o fluxo vai até determinados canais,
em geral seguindo o padrão de cadeia de comando da organização. Assim, as
necessidades de informação do usuário, as condições sob as quais as informações
serão trocadas e o fluxo de informações de alto a baixo e vice-versa são definidos e
estruturados de forma relativamente clara. Durante um desastre, porém, o canal de
informações na organização é mais complexo. Para exemplificar, é normal que:
várias pessoas ocupem uma posição de trabalho previamente mantida por uma s~ pessoa;
funcionários públicos assumam tarefas não rotineiras; e/ou
funcionários públicos sejam transferidos para trabalhar em posições de emergência
temporárias na organização.
...Critérios para Julgamento da Gestão de Desastre...

Estes e outros fatores podem levar à criação de situações em que os canais


normais de fluxo de informação sejam insuficientes para assegurar a chegada de
todas as informações relevantes aos membros do grupo que deveriam ser informados
das atividades do grupo. Há aspectos problemáticos similares no fluxo de
informações entre as organizações, dó cidadão para a organização e da organização
para o cidadão (Drabek, 1985; Quarantelli, 1985b).
Dada essa condição, é possível avaliar a adequação do fluxo de informações
em um desastre. Se organizações e/ou cidadãos não obtiverem as informações de
que necessitam, claramente a gestão do desastre não foi o que deveria ter sido.
Naturalmente pode haver informações adequadas em qualquer dos quatro canais
anteriores, de forma que devem ser julgados independentemente um' do outro.

PERMITIR O EXERdCIO ADEQUADO DE TOMADA DE DEC~SAO

Em desastres, é necessário haver tomada de decisâo adequada. Vários problemas


assumidos nessa área raramente surgem nas ocasiões de desastres. Raramente, por
exemplo, a cadeia de comando e as linhas de autoridade normais entrarão em colapso
durante um período de crise. Da mesma forma, contrariamente ao mito relacionado
à questão, os funcionários públicos nas posições de responsabilidade não
abandonarão nem deixarão de assumir suas funções porque dão maior prioridade
às suas responsabilidades familiares (Rogers, 1986). Da mesma forma, raramente há
qualquer desafio quanto ao grupo com autoridade para assumir as tarefas tradicionais
(há raras disputas sobre quem vai apagar os incêndios, reparar as linhas telefônicas,
realizar as cirurgias etc.).
De outro lado, á tomada de decisão tem chances de ser afetada de forma negativa
por determinados acontecimentos ffpicos no período de crise dos desastres. Os quatro
problemas comuns são os seguintes:
perda do pessoal de alto escalão devido ao trabalho em excesso;
" conflito sobre a responsabilidade relativa às novas tarefas relacionadas ao desastre;
choques sobre domínios orgamzacionais entre grupos estabelecidos e emergentes; e
manifestação das diferenças jurisdicionais organizacionais.
O primeiro problema decorre da forte tendência dos funcionários-chave de
continuarem a trabalhar demais em uma crise. Mas o pessoal que fica trabalhando
horas a fio vai eventualmente entrar em colapso por exaustão ou ineficiência na
tomada de decisão. E, mais importante ainda, quando esses funcionários são,
eventualmente, substituídos por outros, seus sucessores carecerão das informações
necessárias para a tomada de decisão adequada, em parte porque os dados
fundamentais não terão sido registrados formalmente. Uma tomada de decisão
adequada requer conhecimentos relevantes. Os funcionários com as informações
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apropriadas nem sempre estarão fisicamente capazes de trabalhar além de um


determinado ponto. Se esses funcionários ocuparem posições fundamentais de
tomada de decisão, a capacidade de resposta ao desastre da organização poderá
ficar seriamente prejudicada.
Determinar quem detém a autoridade organizacional para tomar decisões sobre
o desempenho das novas tarefas relacionadas ao desastre pode ser outro problema
grave. Quando há tarefas novas a serem empreendidas, é inevitável que se levantem
questões sobre as organizações que devem estabelecer as determinações para elas.
Por exemplo: a responsabilidade de decidir e realizar busca e resgate de larga escala
ou sepultamento em massa dos mortos não é, normalmente, padrão do cotidiano
das organizações estabelecidas, o que leva a não haver decisões ou a uma tomada
de decisão infeliz.
Os problemas de tomada de decisão que envolvem o desempenho das tarefas
tradicionais levantam-se, por vezes, entre as organizações estabelecidas e grupos de
fora ou emergentes. Para exemplificar, a 'área de segurança', em sua maior parte, é
considerada uma função tradicional da polícia regional. Podem, pois, surgir conflitos
quando uma polícia de outra região ou pessoal militar se desloca para a área do
desastre e também trabalha na segurança. Ações desta ordem são tidas, pela polícia
local, como uma tentativa de usurpar sua autoridade. Esta questão às vezes se
manifesta em discussões sobre quem tem o direito de tomar decisões na questão da
emissão de passes de entrada em uma área restrita. A situação torna-se ainda mais
complexa quando a organização rival é um grupo de fora da comunidade ou
emergente. Repartições de socorro ou assistência, por exemplo, podem prestar
serviços durante um desastre comunitário. Embora possam estar exercendo sua
função legal ao fornecer os referidos serviços, elas em geral são vistas como intrusas
no território das agências locais. Se o grupo de socorro externo estiver empreendendo
as mesmas tarefas no desastre, há probabilidades de se levantarem questões sobre
sua legitimidade, autoridade e tomada de decisão.
Da mesma forma, os desastres comunitários costumam cortar fronteiras
jurisdicionais das organizações locais, o que cria um grande potencial de conflitos.
Durante períodos em que não há crises, a autoridade e a responsabilidade vagas,
não claras ou coincidentes podem, em geral, ser ignoradas. Durante os desastres, já não
é o caso. Como as situações calamitosas por vezes necessitam de decisões firmes, as
questões jurisdicionais não resolvidas vêm à tona no período de emergência.
Um aspecto da boa gestão de desastre é a tomada de decisão adequada; outro é
que os problemas indicados acima são evitados. Questões como essas são importantes
na avaliação de uma reação, muito mais do que se as decisões são tomadas pelos
indivíduos nas posições de autoridades designadas formalmente.
...Critérios para Julgamento da Gestão de Desastre...

ENFATIZAR O DESENVOLVIMENTO DA COORDENAÇÃO COMO UM TODO


Diante da convergência de vários grupos, uma diversidade de tarefas, assim
como novas, um fluxo de informação maciço, porém errático, e por vezes tomada
de decisão irresoluta ou incorreta, levanta-se quase sempre a pergunta: quem é
responsável? Aqueles que a fazem partem do princípio de que se trata de uma
pergunta importante e que uma boa gestão de desastre exige tuna resposta definida
no sentido de que uma organização especffica está no controle da situação. Porém, a
pesquisa seriamente duvida se a pergunta é sequer relevante para as ocasiões de
calamidades e se, de algum modo, um funcionário público ou repartição deveria
estar no controle. Na realidade, as pesquisas (Dynes, 1993) mostram que é i/npossível
impor tal controle e, mesmo que fosse possível, ainda assim não seria o melhor
modelo de resposta a adorar.
Controle não é coordenação. As organizações dedicadas às emergências que
operam com um modelo de 'comando e controle' sobre como deveria ser tratada a
reação a umdesastre são particularmente vulneráveis na equiparação das duas. Ao
formular a partir de um modelo militar inadequado, faz-se um pressuposto incorreto
de que a integração da reação comunitária como um todo pode ser mais bem alcançada
impondo-se uma estru~,rra autoritária e centralizada na situação de crise. A difusão
do Sistema de Comando de Ocorrência (Incident Command System - ICS) como
modelo a ser usado na gestão de desastres é uma manifestação contemporânea do
pensamento segundo o qual tais ocasiões devem ser "controladas'. Ainda assim,
indicam as pesquisas que o ICS não é um bom meio de tentar administrar a situação,
malgrado sua recente e maníaca adoção por certas organizações americanas voltadas
às emergências (Wenger, Quarantelli & Dynes, 1990).
O desenvolvimento da coordenação organizacional é seríssimo, se não há boa
gestão. Poucas organizações deixam de concordar, em princípio, que a coordenação
é necessária durante desastres. Porém, o termo 'coordenação" nem é auto-explicativo
nem uma questão de consenso. Dentre certas linhas, há grupos que consideram a
coordenação como, no máximo, a informação a outros grupos daquilo que estarão
fazendo. Em outra linha, algumas organizações vêem a coordenação como a
centralização da tomada de decisão por uma repartição especffica ou por uns poucos
funcionários-chave, em geral envolvendo os próprios. Já outros encaram a
coordenação, entende-se corretamente, como tuna cooperação mutuamente acordada
quanto à forma de tratar determinadas tarefas. Consideradas estas diversas
percepções, é de se esperar que, mesmo quando existe um acordo formal anterior
ao impacto quanto a 'coordenar' a reação, costumam surgir acusações mútuas de
que uma ou ambas as partes deixaram de honrar o acordo.
Há, ainda, problemas de coordenação das entidades sociais dos setores público
e privado. O governo e os grupos privados em geral têm interesses, tarefas e
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objetivos diferentes. Por exemplo: as repartições públicas, por lei e por tradição,
precisam considerar uma ocasião de desastre e as demandas que cria a partir da
perspectiva da comunidade maior. As organizações do setor privado têm,
necessariamente, uma perspectiva bem mais estreita, avaliando o próprio
envolvimento sobretudo do ponto de vista de colidir a ocasião com seu
funcionamento e lucratividade ~e têm muito menos flexibilidade no uso de
seu pessoal e recursos do que as repartições governamentais.
Finalmente, a coordenação também é difícil entre organizações que trabalham
em tarefas comuns, porém novas. Mesmos as repartições locais, acostumadas a
trabalhar juntas, como a polícia e o corpo de bombeiros, podem encontrar
dificuldades quando, de repente, tentam integrar suas atividades na realização de
tarefas novas relacionadas a desastres, como feridos em massa. Embora policiais e
bombeiros possam estar acostumados a recolher alguns corpos em acidentes de
trânsito ou incêndio, um número maior, em um desastre de grande porte, colocará
problemas de coordenação. Em parte é a novidade de muitas tarefas relacionadas
ao desastre que gera relacionamentos tensos entre organizações que, antes,
trabalharam juntas em harmonia. Da mesma forma, nas operações diárias, pode
haver um desenvolvimento gradual, quase sempre na base do erro e do acerto, de
um relacionamento de trabalho cooperativo entre dois grupos envolvidos na
realização de um objetivo comum. Mas esses desenvolvimentos calmos de
relacionamentos cooperativos são uma impossibilidade, dadas as demandas
imediatas durante a fase de crise de um desastre comunitário.
Muitas outras questões na gestão de desastre discutidas anteriormente
dependem, em grande parte, de como lidam os funcionários-chave com o problema
geral de integração das reações organizacionais e comunitárias a um desastre. Um
bom começo está na ênfase à cooperação, em oposição ao controle ou em insistir
que 'alguém tem de estar no comando'. As três áreas específicas de problema que
mencionamos só podem ser parcialmente tratadas mediante um planejamento
anterior ao impacto. Grande i~arte vai depender não .apenas do exercício de tato e
sensibilidade dos ftmcionários-chave envolvidos, mas dadisposição de não enfatizar
as reivindicações organizacionais de liderança nem as demandas territoriais,
acentuando as ações necessárias para o bem maior da comunidade. Apelo a símboJos
maiores e a interesses humanitários são capazes de levar pessoas e grupos a
cooperarem, em especial na ocorrência de um desastre comunitário de altas
proporções. A boa gestão de desastre pode ser julgada a partir dos tipos de esforços
empreendidos na coordenação e na relativa ausência dos problemas mencionados.
...Critérios para Julgamento da Gestão de Desastre,.,

MISTURAR OS ASPECTOS EMERGENTES COM AQUELES ESTABELECIDOS

Qualquer desastre, mesmo de magnitude moderada, será marcado pela presença


de fenômenos emergentes, por vezes de grupos, por vezes de comportamentos, ou
ambos. Haverá grupos emergentes que vão se empenhar na busca e no resgate,
avaliar as avarias, tratar dos mortos, distribuir suprimentos e apresentar as queixas
dos sobreviventes quanto a moradia e reconstrução (Drabek, 1986:132-149). Assim,
Aguirre et al. (1993) descobriram que a busca e o resgate em uma explosão de gasolina,
embora influenciados por vínculos e laços sociais informais anteriores ao impacto,
foram essencialmente empreendidos por grupos emergentes. Comportamentos
novos, temporários, ocorrem inclusive em organizações bastante tradicionais como
polícia e igrejas (Quarantelli, 1983). Assim, embora existam várias 'questões não
pesquisadas sobre origens, natureza intrínseca, fronteiras, carreiras, diferenças sociais
e tipos de emergência (Drabek, 1987), os fenômenos, especialmente no momento de
crise dos desastres, são onipresentes.
Contudo, as referidas improvisações aborrecem muitos na área de gestão de
desastre, posto que, basicamente, trata-se de organizações burocráticas. Ainda assim:
Qualquer busca no sentido de aperfeiçoar a qualidade da 'gestão da emergência,
especialmente naqueles aspectos relevantes durante a fase de reação, deve reconhecer a
aplicabilidade limita& dos elementos com raízes no modelo burocrático. Embora seja?
um instrumento importante para a realização de tarefas caracterizadas pela repetiç~ao e
uniformidade, os esforços baseados nesse modelo para uso em desastre (...) reduziram a
capacidade de resposta de vdrias (...) comunidades. Foi somente através de documentações
recentes de inúmeros sistemas emergentes que esta conclusão foi aceita por um pequeno
número de responsáveis pela gestão da emergência. Hoje se trabalha para construir
modelos que re~litam as qualidades a definir este problema gerenciaI. (Drabek, 1987:290)
Porém, mesmo que o conhecimento da pesquisa seja limitado, o problema não
pode ser evitado nos desastres reais. Esta noção é consistente com a visão expressa
com freqüência na bibliografia referente a desastre de que, se algo deve ser feito,
especialmente na ocasião da crise, pessoas e organizações tentarão fazer alguma
coisa. Se não puderem pelos meios tradicionais ou usuais, farão um esforço para
desenvolver novas maneiras. Assim, se a polícia não puder lidar com o problema
da forma como o faz normalmente, organizar-se-á a si própria, para agir de outro
modo (como chamar todos os turnos, mobilizar reservas, delegar civis etc.). Da
mesma forma, se surgirem problemas não rotineiros será feito um esforço para tratar
deles. Desse modo, se a vizinhança afetada se vê diante da possibilidade de que
vários feridos possam estar soterrados, os cidadãos das imediações irão se organizar
informalmente em equipes para realizar uma tarefa nada rotineira: a busca e-o resgate
das vítimas. Esses tipos de ação, seja por organizações e/ou cidadãos, pode não ser
muito eficiente, mas ainda serão tuna realização.
Acidentes Industriais Ampliados

Os fenômenos emergentes, isto é, novos acordos e atividades sociais, São uma


característica universal das reações a desastres, embora a manifestação possa se situar
em uma faixa de comportamento dos pequenos aos grandes empreendimentos em
grupo. Assim, os administradores do desastre devem considerar o surgimento dos
fenômenos como certo e incorporar a probabilidade desta ocorrência em seu
pensamento e ação. Apenas partir do princípio de que isso vai ocorrer já é útil, pois a
pesquisa mostrou claramente ciue um dos aspectos mais perturbadores para as pessoas
que atendem uma emergência em desastres é" o aparecimento de fenômenos que não
- " - . há
mas nao " nenhum a
haviam previsto em seu planejamento. E lrnposslvel antever tudo, ^

1
boa razão para se deixar de prever o provave, tal como o aparecimento da emergencla.
Naturalmente 6 deveras importante não partir do princfpio de que os fenômenos
emergentes sejam necessariamente disfuncionais, ruins ou de qualquer forma
inadequados para a ocasião de crise. Há uma forte tendência entre os administradores
de desastre no sentido de pensar que, como não planejaram ou não estão controlando
alguns fenômenos, isso pode não ser bom. Raramente é assim. No geral, o novo
comportamento ou grupo pode representar a forma mais eficiente de lidar com um
problema, o que não equivale a dizer que a emergência sempre represente a melhor
solução; mas ela representa, sim, um esforço para solucionar problemas e, na pior
das hipóteses, costuma ser um tanto eficaz.
Na realidade, os planejadores e atendentes podem considerar as circunstâncias
e para que fins, na realidade, desejam facilitar determinados tipos de emergência.
Um caso é o uso de vòluntários individuais que, como já observamos, em geral são
mais um problema do que uma ajuda. Apresentar-se como voluntário é um
comportamento emergente de pessoas. Mas pode ser interessante tentar facilitar a
apresentação de voluntários emergentes por grupos (a saber: clubes, associações de
bairros, grupos religiosos etc.). A vantagem estaria em que os membros de referidos
grupos operariam com pessoas conhecidas, com as quais compartilham determinadas
normas e valores (Dynes & Quarantelli, 1980). Assim, os responsáveis pela gestão
do desastre poderiam tratar com 'líderes' já existentes de referidos grupos e deixar
que eles proprlo " S
liderem os participantes.
Nosso ponto gerai é que haverá emergência nos desastres. Assim, o
comportamento precisa se mesclar, da melhor maneira possível, com outras
atividades relevantes. Se isto for feito, a gestão do desastre na situação provavelmente
será boa pelas razões indicadas.

PROVER UM SISTEMA DE COMUNICAÇÃO DE MASSA COM


INFOR_MAÇÒES ADEQUADAS

Uma das características notórias das sociedades modernas é que elas dispõem
de sistemas de comunicação de massa complexos, com diversos meios de divulgação.
...Critérios para Julgamento da Gestão äe Desastre...

Pode-se afirmar, Com certeza, que sociedades desenvolvidas, aquelas que são
altamente industrializadas e urbanizadas, não poderiam existir sem as informações
fornecidas por referidos sistemas. Porém, para nossos objetivos, a importância dos
sistemas de comunicação de massa modernos é que afeta qualquer desastre
comunitário, inclusive seus efeitos - e o que será necessário na ocasião é cada vez
mais dependente daquiloque fornece este sistema. Em muitos aspectos, a visão que
todos - incluindo os responsáveis pela gestão da emergência - têm de um desastre
é cada vez mais a "realidade', conforme apresentada por televisão, rádio e jornais. O
que sabem os cidadãos sobre um desastre, seus efeitos e problemas depende muito
do teor das notícias divulgadas pelos meios de comunicação.
Assim, uma boa gestão do desastre encoraja o desenvolvimento de padrões
de relacionamentos que sejam aceitáveis e benéficos às organizações presentes,
aos grupos da mídia e aos cidadãos em geral. Um indicador desse relacionamento
é o padrão cooperativo da interação entre os funcionários de organizações e da
comunidade e os representantes da mídia. Uma indicação adicional é que os
cidadãos acreditam que estão recebendo do sistema de comunicação de massa
local um quadro relativamente correto daquilo que está acontecendo. Ademais,
onde esses relacionamentos são bons, a imprensa fica satisfeita com a qualidade
de informações que são tansmitidas pelos responsáveis que, por sua vez, desejam
difundir determinadas informações relevantes sobre o desastre. Naturalmente,
como é responsabilidade deles, a reunião inicial dos dados do que está ocorrendo
depende dos responsáveis pela gestão das diversas organizações a agirem na
emergência. Se não fornecerem informações relevantes, a mídia poderá divulgar,
não intencionalmente, notícias que não sejam corretas e informativas o suficiente.
Se não houver satisfação de todos os três setores - funcionários, imprensa e
cidadãos - a gestão do desastre não é tão boa quanto deveria ser. E, ainda mais
importante do que a satisfação, é que todos os três segmentos da comunidade estejam
obtendo as informações de que necessitam, de forma que todos possam agir
adequadamentè. Parte disto resulta do fato de que, em muitas sociedades ocidentais,
as normas no mundo do jornalismo praticamente ditam um relacionamento adverso
entre imprensa e funcionários do governo.
Além disso, há a necessidade de considerar o futuro com relação à área dos
meios de comunicação. Ela encontra-se em estado de extremo' fluxo e mudança.
Quais são as implicações para o planejamento e a gestão do desastre, por exemplo,
de se trazer estações remotas via cabo à comunidade local? Têm-se observado casos
de audiências em uma região dos Estados Unidos a receber alertas de tornado 0u de
inundação para uma área em torno da estação transmissora original, em outra parte
do país e, de forma contrária, deixando de receber o próprio alerta para a comtmidade
local, porque estão ligados com uma estação remota.
Acidentes Industriais Ampliados

Algumas histórias são exemplos que levantam questões ainda mais interessantes.
Em um caso recentemente estudado no local pelo DRC, a reportagem em campo sobre
um incidente de emissão de tóxico perigoso pelo canal de televisão local foi utilizado
pelo chefe de ocorrências do corpo de bombeiros para tomar decisões sobre o fato. Ao
mesmo tempo, aquele funcionário era entrevistado por um repórter sobre o que estava
acontecendo. E ainda em um outro desastre, hóspedes presos em seus quartos durante
um incêndio em umprédio alto de hotel eram informados do andamento do incêndio
e instruídos quanto ao que deveriam fazer (incluindo a evacuação) pela reportagem
local feita por canais de televisão.
Muitas das tecnologias mais novas, dos telefones celuIares aos satélites diretos
e aos videocassetes intervêm de novas manéiras na transmissão do comunicador
inicial aos destinatários da informação. Claramente temos o fenômeno aqui diferente
do que normalmente é tido como certo na visão tradicional do uso dos meios de
comunicação em desastres. Assim, apesar de os critérios de nosso avanço no sistema
de comunicação de massa serem, sem dúvida, válidos como medida de uma boa
gestão de desastre, claro está que referida gestão no futuro (é preciso pensar aqui
em termos de anos e não de décadas) terá de levar em conta a revolução da
comunicação de massa que está ocorrendo.

TER UM CENTRO DE OPERAÇÕES DE EMERGÊNCIA (EOC - EMERGENCY


OPERATIONS CENTER) QUE FUNCIONE BEM
Foram discutidas várias atividades de um momenío de crise que, se feitas
corretamente, representariam uma boa gestão de desastre. Assim, deve haver uma
mobilização eficiente de pessoas e recursos, a realização de funções genéricas,
uma delegação de tarefa e uma divisão de trabalho apropriada, um processamento
de informações adequado, o exercício correto de tomada de decisão, um enfoque
sobre a coordenação geral, uma boa mescla de aspectos emergentes e estabelecidos,
além do fornecimento adequado de informações ao sistema de comunicação de massa
local. Consideradas, porém, a multiplicidade de grupos e as diversas ações
envolvidas, muitas coisas há que podem dar errado.
Assim, para alguns pesquisadores, o fundamental de uma boa resposta a uma
crise, como um todo, é um Centro de Operações de Emergência (Emergency
Operations Center - EOC) que funcione bem. Como observa Perry, "o EOC atua
como a coordenação máxima (...) aponta para todos os trabalhos da reação". Tão
importante quanto; segundo observa, "O EOC é uma função, um local e uma
estrutura" (Perry, 1991:204).
A reação organizada no morffento da crise em um desastre é claramente auxiliada
se as organizações, locais ou outras, que atuarem, estiverem conscientes e
representadas em um local comum, tal como um EOC com pessoal e equipamentos
...Critérios para Julgamento da Gestão de Desastre...

adequados. O fluxo de informações necessário será bastante facilitad0 para a


atividade de coordenação. Em um nível, o local - em especial as instalações físicas
em si mesmas - é de importância relativa. No mínimo, modos~ de comunicação
adequados, microcomputadores, espaço de trabalho adequado edeterminados
recursos, como mapas e estoque, são necessidades. Porém, as instalações físicas em
si não podem substituir nem compensar fatores sociais inadequados. Por exemplo:
um EOC equipado com alta tecnologia é inútil se as organizações não enviarem
pessoal de ligação para ele,
A pesquisa indica que a estrutura social específica, a organização social do EOC,
pode variar bastante. Ademais, nãohá nenhum acordo social específico nem rnodo
que seja muito melhor que outro, embora alguns possam funcionar melhor em
determinados contextos. Nos Estados Unidos, por exemplo, há atualmente pelo
menos oito tipos de repartições de gestão de emergência local que, tipicamente,
atuam como EOCs. Dentre outras coisas, isto sugere que, na gestão (e no planejamento
prévio) a maior das atenções deve ser dedicada à realização das funções, e não às
estruturas envolvidas.
Um EOC é um sistema social; se as funções relevantes e genéricas estiverem
sendo realizadas, o local e as instalações físicas são relativamente pouco importantes.
O que realmente importa é que o pessoal de ligação organizacional tenha
conhecimentos e certas responsabilidades de tomada de decisão em suas próprias
organizações. Para exemplificar, uma reação coordenada em geral é limitada e
prejudicada pelos funcionários de escalão inferior que representam díversas
repartições no EOC. Tais pessoas normalmente teriam um conhecimento inadequado
de domínio, capacidades e recursos de suas próprias organizações, mas em geral
também sofreriam da falta de integração no processo de tomada de decisão de seus
próprios grupos.
No entanto, se houver uma representação apropriada,o EOC poderá reunir e
distribuir toda informação relevante necessária para a realização de qualquer tarefa.
Não apenas cada organização deveria ter um certo conhecimento do que as outras
estão fazendo, mas há também a necessidade de haver uma coordenação geral das
atividades de reação. Malgrado os relacionamentos problemáticos entre os grupos
locais, poderá haver dificuldades nos relacionamentos entre as organizações e
repartições locais e de fora. Alguns desses relacionamentos são horizontais, como
aqueles entre repartições governamentais locais e determinadas unidades da
comunidade local no setor privado, como hospitais, grupos religiosos ou
empreiteiros. Os problemas nos relacionamentos verticais, porém, também são
comuns: Podem existir relacionamentos conflitivos entre as repartições locais e
governamentais, acima delas em níveis estaduais ou federais. Para uma resposta
eficiente, como um todo, há minimização do grau do conflito nos relacionamentos
Acidentes Industriais ¿~mpliados

horizontais e verticais. Embora, em princípio, referidos problemas potenciais possam


ocorrer em qualquer lugar, um EOC torna:se, em si mesmo, um local onde
representantes de diferentes grupos podem desenvolver problemas.
No todo, um EOC funcionando das maneiras indicadas acima,é, em geral, outra
indicação da boa gestão pró-desastre. Não vale dizer que tudo vai se passar em
harmonia. O clima social de um EOC é bastante estressante: há pressão no sentido
de agir, informações limitadas e incertas, mudança de prioridades e sobreposição
de linhas de autoridade e responsabilidade (Perry, 1991:210).
Se todos os 10 critérios discutidos anteriormente forem alcançados, é muito
provável que haja uma boa gestão de um desastre. Mas, no máximo, pelas razões
indicadas, haverá apenas uma correlação parcial, qualquer que fosse o plano de
prontidão. Contudo, se todos os 20 critérios discutidos aqui forem bem conduzidos,
haverá provavelmente bom planejamento e boa gestão do desastre.
Porém, as pesquisas sobre desastre dos últimos 30 anos indicam que há limites
no alcance de um bom planejamento e uma boa gestão. Os limites, que teriam de ser
objeto de outro texto para serem discutidos em detalhes, são criados por fatores
com custos econômicos e sociais, prioridades humanas e da sociedade como um
todo, implementações infelizes e considerações políticas. Abordando a questão de
outra maneira, como deve haver conhecimento e compreensão do que constitui um
bom planejamento e uma boa gestão não significa que é o que será implementado
em dado lugar e em dado momento. Fazendo um paralelo, sabe-se que, em certo
sentido do termo, a difusão futura da AIDS poderia ser completamente prevenida;
sabe-se, da mesma forma, que isso nâo ocorrerá. Também pode-se saber qual é o
melhor planejamento e a melhor gestão diante das calamidades, mas também sabe-
se que, na realidade, não existirá.
Mencionamos este aspecto para acentuar que qualquer avaliação da prontidão
ante desastres, o planejamento e a gestão devem funcionar em um mundo real, não
ideal. Os conceitos idealistas fornecem as metas. Se o desejo é aperfeiçoar o
planejamento e a gestão de desastres, é preciso ser realista, tanto em termos de
reconhecimento do que realmente existe como daquilo que, realisticamente, pode
ser alcançado. Assim, tenta-se estabélecer parte desta realidade, tal como tem sido
descrita e analisada pelos pesquisadores da ciência social na área de desastres.

TRANSFERI~NCIA DE TECNOLOGIA SOCIAL: DE SOCIEDADES DESENVOLVIDAS


PARA SOCIEDADES EM DESENVOLVIMENTO

No geral, a pesquisa da qual derivam os 10 princípios gerais de gestão de desastre


apresentados foi realizada em sociedades altamente urbanizadas e industrializadas.
..Critérios para Julgamento da Gestão de Desastre...

Poderiam os critérios se aplicar igualmente à gestão de prontidão dos países em


desenvolvimento~ Até que ponto são phcavels"os critérios estabelecidos acima a
. a " "
todos os sistemas sociais~
Os países desenvolvidos, em relação àqueles em desenvolvimento, do ponto de
vista organizacional podem ser vistos como diferentes em termos das seguintes ]inhas:

" as sociedades em desenvolvimento não dispõem de estruturas organizacionais tão


complexas como os sistemas desenvolvidos; simplesmente há menos infra-estruttara
em muitos desses países;
" muitos dos funcionários públicos de alto escalão fazem seu estudo e treinamento nas
sociedades desenvolvidas; assim, socializaram-se aos ideais profissionais dessas
sociedades, apegando-se menos a seus contextos e normas locais;
" essas estruturas organizacionais complexas, tal como existem, tendem a funcionar do alto
para baixo; embora a maioria das organizações seja mais reativa do que 'proativa', este
aspectoéespeclalmente
" válido nos países em desenvolvimento com forte tendência no
sentido de que as iniciativas venham somente do escalão mais alto;
" em muitas organizações nos países em desenvolvimento há uma forte ênfase das
estruturas ou formas sobre as funções ou tarefas; assim, o " .. ^
se fins, o que e. visto na proliferação de papelada
s meios com frequenc~a tornam-
e planos;
" existe relativamente pouca prontidão para desastre e organizações de gestão para este
fim distintas e separadas; ao lado da falta de grupos com responsabilidades relevantes,
há também a falta de constituição legal, que ofereceria certa pressão e apoio político;
e, quanto mais afastadas da sede nacional das sociedades em desenvolvimento, tanto
mais rara a existência de repartições speclficas
" para desastre; ainda que, de vanos
e .
sentidos, o bom planejamento e a boa gestão de desastre precisem ter rm'zes no âmbito
da comunidade local.

Se esta é a estrutura organizacional nos países em desenvolvimento, quais seriam


algumas de suas implicações no que tange à prontidão para desastre?
O que se pode concluir? Sabe-se que as dimensões discutidas são importantes no
contexto das sociedades mais modernas, do Japão à Itália, mas realmente não se sabe
quais, especificamente, são importantes da mesma maneira em outros lugares. Esta
visão não parece muito útil. Contudo, é um passo à frente sobre aquele que parte do
princípio de que o que se aplica às sociedades desenvolvidas é totalmente válido para
os países em desenvolvimento, ou que afirma, como às vezes faz, que as lições das
sociedades do tipo ocidental não teriam maiores aplicações nos sistemas não-ocidentais.
Entende-se que não é uma questão de ou/ou, mas do que pode ou não ser extrapolado
de um tipo de sociedade para outro.
Concluindo, pode-se dizer que são critérios de avaliação de planejamento e
gestão de desastre. Sem dúvida, até o ponto em que se aplicam às sociedades em
desenvolvimento. Neste sentido, esta discussão teórica também pode ter algum valor
de ordem p r"
atica.
"
Acidentes Industriais Ampliados

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IMPLANTAÇÃO DE SISTEMAS DE RESPOSTA P

PARA EMERGÊNCIAS EXTERNAS EM AREAS


INDUSTRIAIS NO BRASIL

Alvaro Bezerra de SOuza Júnior & Marlúcia Santos Souza

A indústria química e petroqu~ca~ principalmente a partir da década de 80,


vem atentando para a necessidade da implantação de sistemas de resposta para
emergências que permitam reduzir as conseqüências de acidentes com alcance além
dos limites da área industrial, atingindo a comunidade externa. Isto acontece em
razão de diversos fatores que determinaram uma nova condição de risco oferecido
por essas indústrias e, principalmente, como resultado da pressão que a indfistria
passa a sofrer por parte da sociedade em geral e dos governos em particular.
O objetivo deste capítulo é apresentar e discutir á experiência de implantação
de um sistema de resposta para emergências externas no Pélo Industrial de Campos
Elíseos, situado no município de Duque de Caxias (RJ). Esta experiência é, de maneira
geral, bastante ilustrativa das dificuldades inerentes à implantação de processos
semelhantes no Brasil, e seus resultados podem servir de orientação para novas
iniciativas desse tipo.

A IMPLANTAÇÃO DE SISTEMAS DE RESPOSTA PARA


EMERGÊNCIAS EXTERNAS

Algumas características importantes acompanharam o desenvolvimento


industrial moderno, notadamente a partir da segunda metade deste século. Do ponto
de vista tecnológico, ocorreram o desenvolvimento de processos cada vez mais
complexos, o surgimento e o uso de um grande número de novos materiais e
substâncias e o emprego de condições operacionais cada vez mais severas. Por razões
econômicas, durante algumas décadas também foi bastante acentuado o aumento
de escala das plantas industriais químicas e petroquímicas. Entre¢anto, diversos
fatores socioeconômicos acarretaram a tendência a maior concentração demográfica
próximo a áreas industriais (Lees, 1980).
Como conseqüência desse conjunto de circunstâncias, apesar da busca por parte
da indústria de técnicas mais sofisticadas para o gerenciamento de risco de suas
Acidentes Industriais Ampliados

instalações, o mundo assistiu à ocorrência de grandes acidentes com gravíssimos


efeitos externos, tais como aqueles registrados em Bhopal (Índia), San Juan de
Ixhuatepec (México) e Cubatão (Brasil). Em cada um deles, contou-se às centenas o
número de vítimas fatais (Freiras, Porto & Gomez, 1995).
Esses acidentes vieram reforçar a preocupação quanto aos riscos industriais,
gerando diversas ações no sentido do seu maior controle social, tais como legislações
específicas e pressões de grupos organizados, É dentro deste contexto que surgem o
reconhecimento da necessidade e o incentivo ao planejamento para emergências
extemas por parte da indústria, como resposta às pressões sofridas e, paralelamente,
como estratégia política, visando a amortecer os conflitos sociais resultantes da
ocorrência de diversos acidentes com notável repercussão mundial (~reitas, 1996).
Além dos aspectos políticos e legais, deve-se considerar a preocupação que a
indústria passou a manifestar com relação à própria sobrevivência financeira e à
ameaça de perda de mercado que a exposição ao marketing negativo de um acidente
com sérias repercussões externas pode significar (Romanow-Garcia, 1996).
Como conseqüência, a elaboração e a implantação de sistemas de resposta para
emergências extemas, como parte integrante'de uma ampla reformulação nas práticas
de gerenciamento de risco industrial, vêm se tornando, mais que uma obrigação,
uma necessidade para as indústrias. Isto transparece claramente nas diretrizes
formuladas pelas associações de indústrias químicas americanas e européias e
difundidas no Brasil principalmente pela Associação Brasileira da Indústria Química
e de Produtos Derivados (ABIQUIM), tais como o Programa 'Atuação Responsável'
(Responsible Care) e o Processo de Alerta e Preparação de Comunidades para
Emergências Locais (APELE).
Situação especialmente delicada ante à ocorrência de acidentes químicos é vivida
pelos países em desenvolvimento ou de economia periférica. Em virtude de diversos
fatores, tais países encontram-se em condição de maior vulnerabilidade tanto no
que diz respeito à freqüência relativa quanto às conseqfiências desses acidentes
(Freitas, Porto & Gomez, 1995; Quarantelli, 1992).
No Brasil, em particular, além de problemas relacionados à má gestão da
tecnologia química que teve seu uso intensificado nas últimas décadas, a falta de
políticas eficazes de organização espacial e ocupação do solo propiciou a existência
de várias situações em que é delicada a proximidade de comunidades em relação a
indústrias ou pólos industriais que configuram áreas de risco. O risco existente nessas
áreas se apresenta não somente do ponto de vista dos acidentes com efeitos externos,
mas também- e talvez principalmente - associado à carga polui¢lora cotidianamente
emitida e à conseqüente degradação ambiental gerada, com seus efeitos deletérios
sobre a saúde da população. Somente os pólos industriais mais recentes, como
Camaçari, na Bahia, e Triunfo, no Rio Grande do Sul, buscam preservar um relativo
afastamento de áreas mais densamente habitadas.
...Sistemas de Resposta para Emergéncias...

Diante dessa situação, algumas iniciativas vêm sendo tomadas por indústrias
do setor químico e petroquímico brasileiro no sentido da estruturação de planos de
atendimento a emergências extemas. Uma dessas iniciativas, bastante ilustrativa
das dificuldades inerentes à implantação de processos semelhantes no Brasil,
encontra-se em andamento no Pólo, Industrial de Campos Elíseos, situado no
município de Duque de Caxias (RJ).

SISTEMA DE RESPOSTA PARA EMERGÊNCIAS EXTERNAS DO PÓLO


INDUSTRIAL DE CAMPOS ELÍSEOS (DUQUE DE CAXIAS -- 'RJ)

O PÓLO INDUSTRIAL DE CAMPOS ELÍSEOS

O Pólo Industrial de Campos Elíseos está situado no 2° distrito do município de


Duque de Caxias, no estado do Rio dé Janèiro, a noroeste da Baía de Guanabara. É
formado por cerca de 200 empresas, a maioria ligada ao setor de petróleo e derivados,
sendo a maior delas a Refinaria Duque de Caxias - REDuC/PETROBRAS.
Por'ramo de atividade, d.estacam-se ainda:
- as distribuidoras de derivados líquidos do petróleo: TEXACO, Esso, BR, IPIRANGA, SHELL;
* as distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP): SUPERGASBRAS, COPAGAZ, MINASGÁS,
BUTANO;
" as petroquímicas: PETROFLEX, NITRIFLEX, POLIBRASIL.
As característicaS operacionais dessas empresas implicam a existência de risco
de acidentes que podem, dependendo das circunstâncias, atingir a sua área externa.
As tipologias acidentais mais críticas sob este aspecto são aquelas relacionadas a
vazamentos de gás (tóxico ou inflamável) e explosões.
Nas adjacências do pólo industrial habitam comunidades de baixa renda que
convivem com todo tipo de carência: saneamento básico, seryiço médico-hospitalar,
transporte e segurança pública, entre outras. Soma-se a isto a degradação ambiental
causada pela intensa atividade industrial, que provoca, entre outros efeitos, a redução
da qualidade do ar em razão da emissão de diversos tipos de poluentes.

O INÍCIO DO PROCESSO APPEL - CAMPOS ELÍSEOS

O sistema de resposta para emergências externas do Pólo Industrial de Campos


Elíseos começou a ser implantado no ano de 1991, com base no Processo APELL
(Awareness and Preparedness for Emergencies at Local Level). O APELL é constituído
por uma série de diretrizes elaboradas pelo Departamento de Indústria e Meio
Ambiente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em cooperação
Acidentes Industriais Ampliados

com a Associação das Indústrias Químicas dos Estados Unidos e o Conseltio Europeu
das Federações da Indústria Química, com o objetivo de alertar e preparar as
comunidades residentes próximo a áreas industriais para possfveis acidentes com
conseqüências externas.
O Processo APELL, tal como formulado originalmente, tem dois objetivos básicos
(ABIQUIM, 1990):
criar e/ou aumentar a conscientização da comunidade quanto aos possíveis perigos existentes
na fabricação~ no manuseio e na utilização de materiais perigosos e quanto às medidas
tomadas pelas autoridades e a indústria no sentido de proteger a comunidade local;
"desenvolver, com base nessas informações, e em cooperação com as comunidades locais,
planos de atendimento para situações de emergência que possam ameaçar a segurança
da coletividade.
Envolvendo e integrando representantes da indústria, do poder público e
da comunidade local, o APELL enfatiza nas suas diretrizes a necessidade de uma
forte ligação entre as responsabilidades do governo local e aquelas da indústria
(ABIQUIM, 1990). Para isso, é proposta a formação de um Grupo Coordenador, no
qual devem ter assento representantes dos diferentes grupos (indústria, poder público
e comunidade local), cuja finalidade él i esenvolver
d 1 uma proposta unificada e
coordenada para o planejamento do atendimento a situações de emergência e troca
de informações com a comunidade local" (ABIQUIM, 1990).
Capitaneado desde o seu início pela REDÜC/PETROBRAS, O Processo APELL-Campos
Elíseos buscou, no seu princípio, seguir essas diretrizes, estabelecendo um Grupo
Coordenador e subordinando a ele várias subcomissões responsáveis pelo tratamento
das questões técnicas relacionadas ao desenvolvimento do processo, tais como análise
de risco, meio ambiente, transportes, intercomunicações, serviço social e saúde,
relações coma comunidade etc. Esta estrutura baseava-se na estrutura funcional
proposta para a implantação do Processo APELL em Ctibatão (SP), cujo lançamento
havia se dado em 1989.
A iniciativa da REDuC/PETROBRAS, acompanhada por algumas outras empresas
do pólo, de implantar um sistema de resposta para emergências externas na sua
^ . integrava um cenário em que o disaarso predominante era o do
área de influencla
resgate da 'dívida social' com as comunidades locais, incluindo aspectos relacionados
à segurança e ao meio ambiente. Dentro deste contexto, outros projetos foram
alavancados pela refinaria na mesma época: reforma e ampliação de escolas;
instalação de cursos profissionalizantes; arborização de áreas internas e externas à
refinaria; atividades de recreação para crianças; incentivo à integração dos
funcionários com a comunidade local. Além destes projetos, a PETROBRAS, por
intermédio da sua subsidiária BR Distribuidora, financiou a construção do posto de
saúde de Campos Elíseos como parte de um acordo firmado com o governo estadual,
que previa a construção de cinco postos de saúde na Baixada Fluminense em troca
da cessão de terrenos no município do Rio de Janeiro.
..Sistemas de Resposta para Emergências...

O Processo AP~LL'Campos Elíseos era então diretamente conduzido pela


Superintendência da REDuC/PETROBKAS e conseguiu, num primeiro momento, reunir
no seu Grupo Coordenador representantes da refinaria e de outras empresas do
pólo, membros do poder público municipal e estadual (Corpo de Bombeiros, Polícia
Militar, Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA1) e das
associações de moradores de Campos Elíseos e Jardim Ideal:
As reuniões do Grupo C0ordenador ocorriam mensalmente e, após um certo
tempo, a partir da sOlicitação de inclusão de outras comunidades no processo, a
Federação das Associações de Moradores de Duque de Caxias (MUB) foi indicada
como representante dessas comunidades no APELL. Com isso, a área de abrangência
do processo foi si~ficativamente arnptiada, passando a incluir não somente a região
sujeita aos efeitos diretos dos posslveis
" "
aexdentes, mas tambem as localidades situadas
fora do perímetro de risco imediato que, no entanto, pudessem ter alguma percepção
do acidente ou ser capazes de funcionar como áreas receptoras de população em
caso de necessidade de evacuação.

A INCORPORAÇAO DA COPPE E A MUDANÇA NOS RUMOS Do PROCESSO


" tecmca
Com o objetivo de p restar assessona - ao processo, a equipe do Grupo de
A " "
nahse de Risco Tecnológico da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação
em Engenharia (CoPPE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi
contratada pela REDuC/PETROBRAS e iniciou sua participação no Processo APELL--
Campos Elíseos em janeiro de 1992.
Apesar de mantida a estrutura inicialmente concebida, a entrada da equipe da
COPPE marcou uma nova etapa no processo, notadamente no tocante à relação com
a comunidade. O fato de ser apresentada como uma instituição de pesquisa autônoma
- apesar de contratada pela refinaria - com um discurso político articulado, além da
pr opna
" personalidade e a forma de atuação da equipe, proporcionou uma boa
receptividade entre as comunidades e, principalmente, entre os representantes das
associações de moradores e do MUB.
Como conseqüência, a equipe da COPPE passou a ficar responsável por
praticamente todas as atividades de articulação comunitária do Processo APELL,
realizando visitas às comunidades e reuniões rotineiras com elas e com a diretoria
do MUB. Essas reuniões com as comunidades tinham como objetivo promover a
difusão do APELL entre os moradores da região, por meio da apresentação do processo
e de outras atividades correlatas (identificação e registro dos problemas de cada
comunidade, discussão sobre os riscos de acidentes, fornecimento de noções sobre
orientação espacial e leitura de mapasetc.).

Órgão de controle ambiental do estado do Rio de Janeiro.


Acidentes Industriais Ampliados

A partir da incorporação de um médico à equipe da COPPE, esta tendência ficou


ainda mais reforçada. Sob sua coordenação foi realizada uma pesquisa para
levantamento de algumas condições socioeconômicas e sanitárias das comunidades
envolvidas no processo e, posteriormente, organizada uma Semana de Ações
Integradas de Saúde cujo objetivo, além da divulgação do processo, era fornecer
orientações sobre aspectos.de saúde à população.

A DESARTICULAÇÃO DA ESTRUTURA INICIAL E O OCASO DO APELL


A esta altura, entretanto, a estrutura inicial do APELL encontrava-se já quase
completamente desarticulada, sendo escassas as reuniões do Grupo Coordenador e
praticamente inexistente o funcionamento das subcomissões técnicas. Um fator
determinante desta situação, além do papel centralizador que a equipe da COPPE
passou a desempenhar, foi o processo de reestruturação interna da REDuc/PETROBRAS,
ocasionando inclusive a substituição do seu superintendente.
Uma característica marcante desse novo cenário foi o afastamento das priori-
dades até então estabelecidas com relação à comunidade, amenizando o discurso
da 'dívida social' e remetendo a sua cobrança ao poder público.
Cabe aqui observar que, mesmo na fase anterior do processo, apesar do reco-
nhecimento da 'dívida social' e de iniciativas que se substituíam ao poder público,
a REDuc/PETROBRAS procurava conter as expectativas de que a refinaria pudesse
arcar com a responsabilidade de suprir as enormes carências existentes no seu
entorno. Sua contribuição maior se daria de forma indireta, aproveitando o peso
econômico - e, conseqüentemente, político - da refinaria como facilitadorde arti-
culações junto ao poder público municipal e estadual visando à melhoria das con-
dições de vida da população local.
Com a reestruturação interna, no entanto, o posicionamento da REDUC/PETROBRAS
perante a comunidade externa sofreu um forte impacto. Vários dos programas ini-
ciados nas gestões anteriores foram suspensos, e o próprio acesso à refinaria e con-
tato com as lideranças comunitárias, que se davam no âmbito de superintendência,
foram drasticamente reduzidos.
Como conseqüência, alguns dos eventos previstos no âmbito do Processo APELL,
dentre eles a realização de um exercício simulado de emergência envolvendo a par-
ticipação da comunidade externa, não foram realizados. Também o sistema de avi=
so de emergência à comunidade, cujo compromisso de implantação havia sido as-
sumido pela refinaria, não se concretizou.
Finalmente, a crescente indefinição da refinaria quanto à continuidade do pro-
cesso na área externa acabou provocando uma diminuição das atividades junto à
comunidade,o que significou para esta uma forte indicação de que o trabalho esta-
va em vias de se encerrar sem o efetivo alcance dos objetivos propostos.
..Sistemas de Resposta para Emergéncias...

Entretanto, também ocorreram mudanças no MUB, com a eleição de uma nova


diretoria e o afastamento da esfera decisória da federação do grupo que apoiava a
participação no APELL. Mesmo assim, este grupo continuou acompanhando infor-
malmente o andamento do trabalho.
Da estrutura original do Processo APELL, naquele momento, somente desponta-
va como resultado positivo a consolidação do Plano de Auxilio Mútuo (PAM). Or-
ganizado pela Subcomissão de Análise de Risco do APELL e integrado pelas princi-
pais indústrias do pólo, o PAM tem como objetivo propiciar a uma empresa vítima
de uma emergência agravada contar com o auxilio de recursos das outras empresas
partícipes do plano. Reuniões para discussâo de questões relativas à integração en-
tre as empresas e exercícios simulados de emergência passaram a ser mensalmente
realizados. Considerado ainda como parte integrante do APELL, O PAM adquiriu
autonomia. Sua atuação, porém, continuou restrita aos limites estabelecidos no seu
estatuto, ou seja, o atendimento a emergências internas nas empresas.

A RETOMADA DO PROCESSO APELL -- CAMPOS ELÍSEOS

No início de 1995, o grupo egresso do MUB solicitou que a REDuC/PETROBRAS se


posicionasse com relação à continuidade do processo, principalmente no tocante à
participação da comunidade. Pressionada, a refinaria assumiu o compromi,~õo de
retomar o trabalho, o que somente acabou se consumando no final do mesmo ano,
com base em uma proposta formulada em conjunto pela equipe da COPPE e pelo
grupo de representantes da comtu~idade.
No plano de trabalho para retomada do Processo APELL, encontravam-se pre-
vistas e foram efetivamente executadas as seguintes atividades:
- reuniões com os representantes das comunidades, visando a justifica a interrupção do
processo e propor a sua continuidade;
" encontros com os chamados 'multiplicadores', professores das escolas do distrito de
Campos Elíseos, com a finalidade de discutir formas de massfficar a informação sobre
o processo;
consolidação de um grupo regular de acompanhamento das atividades do processo,
formado por cerca de 70 representantes das várias comunidades;
" realização de uma nova Semana de Ações de Saúde;
cursos e seminários informativos sobre aspectos de segurança e meio ambiente para o
grupo de acompanhamento;
" exercícios simulados de emerg6ncia tópicos, envolvendo as comunidades situadas nas
áreas mais próximas às indústrias.
Apesar da retomada dos trabalhos, o Processo A P E L L - C a m p o s Elíseos
continuou a apresentar deficiências que ainda comprometem o alcance dos seus
objetivos, em particular a implementação de um sistema de resposta para
emergências no Pólo Industrial.
Acidentes Industriais Ampliados

Um dos fatores que mais fortemente contribuíram para esse quadro foi a omis-
são do poder público que, no âmbito municipal, foi marcado por uma profunda crise
política e administrativa entre os anos de 1993 e 1996, permanecendo absolutamente
ausente do processo durante todo este período. Em face do compromisso assumido
com a comunidade, a REDUC/PETROBRAS continuou arcando com a responsabilidade
pela condução e o custeio integral do processo, o que acarretou diversos inconvenien-
tes. Em primeiro lugar, deve-se lembrar que a característica mais importante de um
sistema de resposta para emergências é a participação, de forma plenamente integra-
da, de representantes das empresas, do poder público e das comunidades locais.
Ao assumir o comando contínuo do processo, a REDuC/PETROBRAS, além de in-
centivar a acomodação e a falta de participação das outras empresas e do poder
público, expõe-se a um desgaste excessivo por não poder corresponder sozinha às
expectativas por ela própria criada, por vezes em razão de inevitáveis circunstânci-
as internas à empresa. Importante é ressaltar que, apesar de a refinaria constituir a
indústria de maior porte da região em termos de capacidade instalada e área ocupa-
da, os riscos de acidentes ampliados não se encontram restritos a ela, porém distri-
buídos por várias outras.
A falta de participação do poder público, em particular, torna o problema qua-
se insolúvel. Determinadas ações externas no caso de um acidente severo, tais como
a coordenação e as garantias necessárias a uma evacuação segura da população,
interdição e controle de tráfego, infra-estrutura de atendimento a feridos, entre ou-
tras, são atribuições típicas de órgãos públicos (Defesa Civil, Corpo de Bombeiros,
Polícia Militar, rede hospitalar etc.). Estes órgãos podem até mesmo contar, no de-
sempenho destas tarefas, com o apoio e a colaboração de empresas, indivíduos e
outros organismos não-governamentais. Sua presença é, porém, indispensável para
respaldar, legitimar e até mesmo viabilizar ações desse tipo.
: Durante o ano de 1997, dois fatos novos criaram a expectativa de solução para
alguns dos problemas que impediam ao Processo APELL-Campos Elísios a consecu-
ção dos seus objetivos:
a proposta de constituição de uma figura jurídica com representantes das empresas, poder
público e comunidades, a qual, com base em um estatuto e orçamento próprios, fosse a
entidade responsável pelo sistema de re, sposta para emergências extemas do pólo;
a retomada da Defesa Civil Municipal de Duque de Caxias e sua reintegração ao processo.
Algumas reuniões foram realizadas, envolvendo representantes das empresas, do
poder público e das comunidades, porém nada de concreto foi decidido.

O ACIDENTE NA PETROFLEX

Em meio a essas indefinições, na noite de 29 de março de 1988 um incêndio


de grandes proporções, com duração de cerca de 15 horas, ocorreu na área de

228
..Sistemas de Resposta para Emergências...

armazenagem de butadieno da indústria petroquímica PETROFLEX. Alarmada e


desorientada, contando somente com as informações - muitas delas equivocadas,
corno a que dizia que o incêndio colocava em risco, os tanques de petróleo da
REDUC -- transmitidas pelas emissoras de rádio e televisão, a população residente
nas proximidades do pólo viveu momentos deangustia" " e pataco.^ ' Varias" " pessoas
saíram às ruas em desespero e algumas delas chegaram a fazer preparativos para
a fuga, antes que começassem a chegar informações dando conta do controle da
situação, o que foi conseguido com relativa rapidez graças ao apoio do PAM e do
Corpo de Bombeiros.
Embora tenha resultado em apenas danos internos à empresa, tanto aos
trabalhadores (quatro feridos) como ao patrimônio, esse acidente, devido a todas as
suas repercussões externas, deu mostra clara tanto da necessidade quanto da
precariedade do sistema de resposta para emergências externas do Pólo Industrial
de Campos Eh'seos, não obstante todo o esforço já empreendido na tentativa de sua
implantação. Tal situação é, em grande parte, decorrente de um rol de dificuldades
bastante comuns à realidade brasileira.

DIFICULDADES NA ELABORAÇÃO DE SISTEMAS DE RESPOSTA PARA


EMERGÊNCIAS EXTERNAS EM ÁREAS INDUSTRIAIS NO BRASIL
A elaboração de um sistema de resposta para emergências externas é um
processo complexo que requer a participação de diferentes agentes sociais, cada
qual possuidor de certas peculiaridades que tornam difícil a sua articulação
permanente e sistemática.

DIFICULDADES NO ÂMBITO DA INDÚSTRIA

Do ponto de vista da indústria, existe a resistência a 'abrir suas portas' e falar


francamente a respeito dos seus riscosi Essa postura defensiva é decorrente da
preocupação com o fato de que tal exposição possa resultar em maiores cobranças
tanto por parte da população quanto dos órgãos públicos, implicando restrições ou
onerando a sua atividade.
Outro aspecto importante com relação à visão da indústria é o fato de ela
apresentar com freqüência vínculos bastantefragels" " com as suas comunidades
vizinhas. Contribui para isto o fato de a maior parte dos funcionários dessas indústrias
tecnologicamente avançadas, ou pelo menos daqueles que ocupam cargos superiores,
não residir na sua vizinhança imediata.
Acidentes Industriais Ampliados

Como conseqüência, apesar dos diversos tipos de programas comunitários


desenvolvidos e patrocinados pela indústria e de algumas iniciativas tomadas na
linha das diretrizes propostas por programas como o "Atuação Responsável', o que
predomina ainda é a percepção da comunidade vizinha como um estorvo, um
transtorno a ser suportado e superado da maneira menos traumática possível.
A postura mantida i: ~la indústria perante sua comunidade vizinha varia, então,
normalmente entre a indiferença e o 'paternalismo ra mático"
P g . No primeiro caso,
inexiste qualquer forma de relação sistemática entre a indústria e a comunidade.
I s t o é p o s s í v e l q u a n d o o s ni c o^ m o d o s t r a z i d o s p e l a p r i m e i r a n ã o s ã o
acentuadamente percebidos ou quando o nível de organização da segunda ou seus
canais te reivindicação são reduzidos e limitados o suficiente para não despertar
atenção ou preocupação.
No segundo caso, por meio de ações assistencialistas tópicas e, em alguns casos,
por intermédio da cooptação de líderes comunitários, a indústria busca amortecer a
resistência à sua presença no local, oferecendo algum tipo de compensação à comunidade.

DIFICULDADESNO AMBITO
^ DO PODER PÚBLICO

Um primeiro aspecto relacionado ao poder público diz respeito ao débil suporte


legal no Condicionamento de atividades industriais que ofereçam risco à sua área externa.
Se inexis q hoje no Brasil, com exceção da área nuclear, legislação especffica
determinando a necessidade e orientando a implantação de sistemas de resposta
para emergências, nos Estados Unidos, por exemplo, diversos dispositivos legais
disciplinam o assunto. Um deles, o Superftmd Amendments and Reauthorization
Act (SARA), sancionado em 1986, no seu Título III, denominado Emergency Planning
and Community
Comitê Right-To-Know
de Planejamento Act, exige
para mergenclas° que cadao comunidade
Locais, estabeleçapelo
qual seja responsável um
E ^

desenvolvimento de um plano para e ^ "


deve incluir, entre outros aspectos: mergenclas químicas (FEMA, 1997). Este plano
a identificação de instalações e rotas de transporte em que materiais perigosos estejam
ou possam estar presentes;
os procedimentos para resposta imediata no caso de acidente, incluindo a forma de
aviso à comunidade e um plano de evacuação da população;
" o nome dos responsáveis pela sua coordenação e execução;
" a programação de exercícios para testar a sua eficácia. ,

Outra dificuldade vivida pelo poder público brasileiro encontra-se associada à


carência de recursos, tanto materiais quanto humanos, que se manifesta em quase
todas as áreas - operacionais e de planejamento - das três esferas (federal, estadual
e municipal). Tais carências reduzem a disponibilidade e prejudicam a ação de órgãos
fundamentais no atendimento a e mergenclas
^ como corpo de bombeiros, defesa civil,
...Sistemas de Resposta para Emergências...

hospitais etc. Some-se a tudo isto a tradicional falta de continuidade administrativa


das instituições públicas brasileiras, que torna incertos o acompanhamento e a
participação de seus representantes em programas de longo prazo.
Por último, cabe também ressaltar que a própria origem do problema aqui dis-
cutido - a concentração demográfica próximo a áreas de risco - é fruto da falta (ou
do descumprimento) de um adequado planejamento territorial por parte do poder
público, permitindo a ocupação desordenada dessas áreas.

DIFICULDADES NO ÂMBITO DA COMUNIDADE

O cenário mais comumente encontrado no entorno das áreas indttstriais brasi-


leiras revela um elevado nível de precariedade nas condições de vida das popula-
ções que ali habitam. Aliadas à pobreza, manifestam-se carências de toda ordem:
emprego, moradia, educação, saneamento básico, transporte, serviços de saúde. Tais
condições elevam o grau de vulnerabilidade social dessas populações,-agravando a
sua suscetibilidade aos efeitos tanto da poluição crônica quanto de acidentes
ambientais (Freitas, 1996).
Essas circunstâncias contribuem ainda para dificultar a mobilização popular
no sentido de reivindicar uma discussão mais efetiva dos riscos industriais, na me-
dida em que estes últimos constituem, na percepção da maior parte das pessoas,
problemas menores quando comparados a diversos outros muito mais próximos da
sua realidade cotidiana.
Um fator particularmente importante, que contribui de forma significativa
para o aumento da vulnerabilidade dessas populações aos acidentes, está relacio-
nado à sua distribuição demográfica, tipicamente concentrada nas faixas etárias
mais jovens, com elevado percentual de crianças em idade pré-escolar. Além de
as crianças constituírem, juntamente com os idosos, o grupo mais suscetível aos
efeitos do acidente, seu grande peso demográfico dificulta tanto o planejamento
quanto a implementação das ações de resposta à emergência. Não por acaso, no
acidente de Bhopal, as mortes foram desproporcionalmente distribuídas entre a
população, concentrando-se mais fortemente sobre as crianças, em particular aque-
las de menor idade (QuaranteUi, 1992).
Outra dificuldade encontra-se relacionada à representatividade da comunida-
de na defesa dos seus interesses, que ocorre principalmente por intermédio de asso-
ciações comunitárias. Além de não contarem normalmente com um nível de partici-
pação popular que lhes dê legitimidade, essas associações são também com fre-
qüência palco de disputas políticas pessoais e partidárias que misturam interesses
específicos com necessidades gerais da população. Além de enfraquecer a
representatividade, tais circunstâncias favorecem o surgiment0 de 'li'deranças' opor-
tunistas empenhadas na defesa de interesses distantes daqueles da população.
Acidentes Industriais Ampliados

CONCLUSÃO

O investimento na formulação e na implantação de um plano de emergência sofre


as conseqüências de um paradoxo comum a boa parte do que se faz com o objetivo de
tornar mais segura qualquer atividade humana: investe-se em algo com o profundo
desejo de que jamais venha a ser necessária a sua utilização. A baixa probabilidade
estatística de ocorrência de grandes acidentes, com resultados catastróficos, toma ainda
mais difícil a colocação de tais preocupações no rol de prioridades dos governos,
principalmente em países onde enfrentam-se ainda problemas básicos ligados à própria
sobrevivência cotidiana de boa parte da população.
No entanto, quando comparamos as conseqüência s de dois acidentes de
grandes proporções, ocorridos em circunstâncias absolutamente distintas em
termos do planejamento para emergências e das ações de resposta executadas, o
contraste é marcante:
- Bhopal, Índia, 1984. Uma nuvem de metil-isocianato escapa das instalações industriais
da Union Carbide, em decorrência de numerosas falhas e negligenciamentos dos sistemas
e procedimentos de segurança; nenhum plano de emergência é acionado e nem mesmo
informações sobre a toxicidade do produto vazado são fornecidas à população e aos
médicos locais; devido à incapacidade da empresa em controlar o acidente e à inoperância
das instituições públicas no atendimento à população, pelo menos 2.500 pessoas têm
morte imediata e outras 20 mil sofrem lesões pulmonares permanentes (Freitas, Porto &
Gomez, 1995; Freitas, 1996).
Mississauga, Canadá, 1979. Um trem carregado com cloro, butano e outras substâncias
tóxicas e explosivas descarrila no interior da área urbana; cerca de 250 mil pessoas são
evacuadas de acordo com um plano de emergência cuidadosamente elaborado; nenhuma
vida é perdida e poucos são os danos sofridos (Parker, 1992).
Um especialista citado por Parker (1992) estimou em US$ 40 bilhões as perdas
mundiais devido a acidentes tecnológicos. Segundo avaliação deste mesmo especi-
alista, um investimento de 10% deste valor em ações de preparação contra esses
acidentes ocasionaria a eliminação de 75% daquelas perdas. Porém, se o argumento
financeiro não é suficientemente convincente, tragédiBs como o acidente de Bhopal
tomam eticamente condenável a recusa de atenção ao assunto.
Em virtude de suas características, a coordenação da implantação de um siste-
ma de resposta para emergências externas em áreas industriais deve ser atribuição
da autoridade pública local. Este sistema deve fazer parte do planejamento geral
para desastres locais, ao lado de outros sistemas de resposta especfficos para aten-
dimento de inundações, desabamentos, incêndios, acidentes aéreos etc.
Embora de fundamental importância, o papel da indústria nesse processo tem
suas limitações, tanto do ponto de vista legal quanto operacional. Atribuições típi-
cas da indústria no planejamento para emergências externas são:
"...Sistemas &Resposta para Emergências...

a identificação e a avaliação dos cenários acidentais com possibilidade de alcance externo;


estabelecimento de um canal de comunicação com as autoridades públicas locais, vi-
sando a orientá-las na formulação do plano;
- oferecer suporte técnico durante a emergência.
A maior parte das responsabilidades e das ações de resposta à emergência é, no
entanto, inerente à autoridade pública, entre elas:
a organização e a coorclenaçãõ dos órgãos públicos de emergência, como bombeiros,
defesa civil, polícias, hospitais etc.;
o controle de tráfego e o acesso à área afetada pela emergência;
a orientação para evacuação da população em caso de necessidade;
a provisão de acomodação temporária e mantimentos para a população evacuada.
Se é frágil e deficiente o quadro institucional do setor público, impedindo-o de
cumprir suas responsabilidades e atribuições, a indústria poderia fazer uso do seu
poder político e econômico no sentido de ajudar a criar condições mais favoráveis
para esta atuação. Contudo, assumir a indústria responsabilidades que fogem ao
seu alcance é uma solução que tem se revelado infrutífera e desgastante.
Particularmente com relação à sua comunidade vizinha, a indústria deve esti-
mular um diálogo franco e honesto acerca dos problemas existentes e a busca de
soluções em conjunto. Embora possa se dispor a preencher eventualmente algumas
das muitas lacunas deixadas pelo poder público, deve manifestar com clareza os
limites da sua ação e, por outro lado, não permitir que esses auxflios se transfor-
mem em elemento de coação da comunidade, caracterizando práticas clientelistas.
Outro aspecto bastante importante na montagem de um sistema de resposta
para emergências é a credibilidade das instituições e das pessoas que participam do
processo. Marcada pela indiferença ou por experiências anteriores frustrantes, a
comunidade normalmente recebe a proposta com reserva. Dado o crédito de confi-
ança, entretanto, este é facilmente comprOmetido pela falta de continuidade do pro-
cesso, na medida em que mais uma vez se frustram as expectativas criadas.
Cabe ressaltar que esse crédito de confiança, apesar de facilmente escapável, deve
ser conquistado por meio de um esforço cotidiano que revele a real preocupação que
a indústria e o poder público tenham com a segurança e o bem-estar da comunidade.
Além disso, é a ,confiança adquirida em situação de normalidade que garante o
engajamento da população nas ações de resposta à emergência (Freitas, 1996).
Um dos exemplos mais notáveis de erosão da credibilidade popular aconteceu
durante o acidente na usina nuclear de Three Mile Island, na Pensilvânia (EUA), em
1979 (Susskind & Field, 1997). Neste episódio, a falha de uma empresa em, criar e
manter a confiança do público, particularmente no decorrer de uma situação de crise,
trouxe repercussões para todo um setor industrial - o nuclear - e para a sociedade de
maneira geral, que viu justificados seus temores com relação aos perigos do uso (pa-
...Sistemas de Resposta para Emergências...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA QUÍMICA E DE PRODUTOS DERIVADOS


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FEDERAL EMERGENCY MANAGEMENT AGENCY (FEMA). Hazardous Materiais Reference
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FREITAS, C. M.; PORTO, M. F. S. & GOMEZ, C. M. Acidentes químicos ampliados: um
desafio para a saúde pública. Revista de Saúde Pública, 29(6):503-514, i995.
FREITAS, C. M. Acidentes Químicos Ampliados: incorporando a dimensão social nas análises de
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Fiocruz.
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moving beyond the 'natural' and 'technological' labels. In: KREIMER, A. &
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Washington: World Bank, 1992. p. 237-259.
QUARANTELLI, E. L. Urban vulnerability and technological hazards in developing societies.
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ROMANOW-GARCIA, S. When local media knock... Hydrocarbon Processing, 75(12):17, 1996.
SUSSKIND, L. & FIELD, P. Em Crise com a Opinião Pública. São Paulo: Futura, 1997.
PAPEL DOS SETORES ENVOLVIDOS NO
ATENDIMENTO MÉDICO DE EMERGÊNCIA EM
ACIDENTES QUíMICOS AMPLIADOS

Erik Schunk Vasconcellos

O atendimento médico em larga escala nos acidentes químicos ampliados difere,


em alguns aspectos, das medidas de primeiros socorros de outros tipos de acidentes
que podem envolver grande número de vítimas. Nesses tipos de acidentes, o controle
médico atuará no resgate e no imediato tratamento das vítimas (manutenção das
vias respiratórias, contenção de hemorragias, ressuscitação etc.), triagem se forem
muitas, tratamento no hospital de emergência e subseqüente reabilitação, bem como
nos cuidados com a população em geral, como evacuações e refúgios temporários
(Baxter, 1990). Já os acidentes químicos ampliados apresentam algumas exigências
a mais, tais como (SGOMSEC, 1988; De Atley, 1991):
possível necessidade de procedimentos para descontaminação das vítimas;
pessoal do serviço de emergência médica especificamente treinado para atuar na cena
do acidente e no hospital quando os pacientes tenham tido contato com produtos
químicos perigosos;
preparação adequada dos veículos para transportar pacientes contaminados;
medidas de segurança para evitar que a contaminação possa atingir o pessoal de resgate
e de serviços médicos.
Na opinião de Baxter (1991), referindo-se ao serviço britânico de emergência
que é mais preparado do que em nosso país, o não-reconhecimento dessas diferenças
faz com que parte dele não se prepare adequadamente para realizar um trabalho
eficiente, existindo o risco de a resposta ser retardada ou mal administrada, com
possíveis conseqüências desastrosas.
O atendimento de emergência realizado durante um acidente químico ampliado
só será eficiente se todas as outras etapas do planejamento e os demais setores da
resposta de emergência funcionarem adequadamente. Assim sendo, sem o inventário
apropriado de riscos não será possível o planejamento eficaz para as diversas e
possíveis situações de acidentes ampliados. Durante essas situações, a resposta
médica será eficiente se contar com as informações necessárias e com os meios para
tal resposta (Dallos, 1990).
Acidentes Industriais Ampliados

O PAPEL DOS SERVIÇOS MÉDICOS NA ATENÇÃO ÀS VÍTIMAS


EM CASO DE EMERGÊNCIAS
O sistema da saúde, por intermédio de seu departamento de atendimento de
emergência, deve ter um roteiro a ser seguido em caso de acidentes q lmlcos
U *
ampliados, prevendo a necessidade de atendimento médico para grande número
de vítimas. Dessa forma, os profissionais responsáveis pelos serviços médicos
situados próximos às áreas de riscos desse tipo de acidente devem se precaver quanto
à necessidade de informações, preparando-se para entrar em contato com centros
de informações toxicológicas e mantendo literatura pertineffte no local. Há
necessidade de preparação das instalações do hospital para o atendimento às vítimas
do acidente, prevendo local para a sua descontaminação, áreas para isolamento,
equipamentos e materiais importantes em tais situações, além de estoque de fármacos
e antídotos de utilizaçãO necessária em intoxicações, bem como roupas de proteção
para toda a equipe médica.
A preparação do Serviço de Atendimento Médico de Emergência inclui ainda o
treinamento da equipemédica e exercícios com a criação de um roteiro para orientação
geral na resposta a acidentes químicos ampliados, É importante lembrar que, no caso
desse tipo de acidente, os pacientes com danos por produtos químicos têm mais chances
de recuperação quando são tratados rapidamente no local do acidente e,
posteriormente, no hospital, por pessoal adequadamente treinado. Nesse sentido, há
a necessidade de envolvimento real de todo o serviço de e ^"
mergencla médica e dos
hospitais que forem participar da resposta para que estejam a par do seu papel
individual no contexto de um plano geral (Dallos, 1990; Witlis, 1990; De Atley, 1991).
A preparação dos serviços de emergência médica para atuar em intoxicações
oriundas de acidentes ampliados deve ser orientada pelo inventário de riscos. De
modo geral, em regiões de intenso manuseio de produtos químicos, deve-se estar
preparado para lidar com pacientes expostos aos seguintes produtos: ácidos,
acroleína.
. . álcal~~ ~-~~~'~
-~, «,~Lul u«, ~as--" ~ .... arseniurado, monóxido de carbono, cloro,
marogemo
aaneto, formalina, formaldeído, ácido hidrociârüco, ácido uondnco, gás sulfeto
fl " "
de hidrogênio, gases irritantes, metais pesados= (chumbo, mercúrio, arsênico),
componentes metálicos e inorgamcosr ^ . hidrocarbonetos, nitritos, nitratos,
organofosfato, compostos carbamatos, fenóis e fósforos (azul e branco), gás fosfina,
gás fosgênio e acido sulfúrico misto (SGOMSEC, 1988)
No planejamento de emergências, a preparação dos serviços médicos deve incluir
o dimensionamento da necessidade de pessoal, equipamentos e materiais para as
p Osslvels
P " sltuações
"
de emergencm
^ " a seguir (IPCS/OEcD/UNEP/WHO, 1994):
...Setores Envolvidos no Atendimento Médico...

- Para manutenção da função respiratória:


oxigénio;
laringoscópio;
o tubos endotraqueais;
máscaras (oxigênio);
sistemas de sucção (mecânicos);
bolsa auto-inflamável
material para traqueostomia;
ventilador portátil mecânico.
Para descontaminação:
chuveiros portáteis;
suprimentos de água, sabão neutro e;
equipamentos para lavagem de olhos.
Para manutenção das funções cardíacas:
- monitor cardíaco;
- desfibrilador;
- marcapasso externo.
Para tratamento sintomático e especffico:
fluidos (colóide e cristalóide);
, fármacos (incluindo antídotos e eletrólitos);
- chuveiros portáteis;
suprimento de água, sabão neutro e;
equipamento para lavagem de olhos (incluindo anestésico).
Outros materiais necessários:
cateteres urmários;
- coletores para amostras (químicas e bioquímicas);
líquidos desinfetantes;
- material para ferimentos;
cobertores, lençóis e roupas;
- sacos plásticos (para materiais contaminados);
. equipamentos de proteção para pessoal de emergência.
Um sistema adequado de comunicações é de fundamental importância na ocor-
rência de um acidente ampliado. Nos estágios iniciais, o alerta e a chamada de mé-
dicos e enfermeiros para reforçar as equipes devem ser feitos rapidamente. A co-
municação entre as equipes que participarão da resposta de emergência é ponto
fundamental para a eficiência da resposta ao acidente. Os problemas com equipa-
mentos de comunicação devem ser previstos e prevenidos. A circulação de infor-
rnações entre bombeiros, polícia, serviço de ambulâncias e hospitais deve ser orga-
nizado em um centro de controle do acidente (Bleasdale, 1990).
Entre as primeiras ações após o acidente químico ampliado deve estar a tenta-
tiva de identificação dos produtos químicos envolvidos, seguida do imediato re-
passe dessas informações para o pessoal responsável pelo atendimento médico, seja
Acidentes Industriais Ampliados

no âmbito hospitalar ou naquele das proximidades do acidente. Em muitos aciden-


tes, a identificação dos produtos químicos envolvidos não é possível; nesses casos, a
informação relevante diz respeito à categoria geral do produto químico envolvido
no acidente (solvente, pesticida etc.) juntamente com os sintomas das vítimas. Além
disso, informações quanto à cor do líquido, pó ou gás podem ser importantes. O
médico deve procurar sinais e sintomas sugestivos durante o exame físico, porém
existem poucos achados específicos para pacientes padecendo de exposição tóxica.
Alguns deles incluem a febre que pode ocorrer na intoxicação por fumo de metal; a
secreção abundante que acompanha a intoxicação por inseticida organofosforado;
a hemorragia retinal em forma de chama em indivíduo normotenso após intoxica-
ção por monóxido de carbono; rinite, conjuntivite e faringite observadas em injúria
por gás irritante. Grande sofrimento na exposição cutânea levanta hipótese de con-
tato com ácido fluorídrico (Beare, 1990; Edwards, 1990; English, 1990; Volans, 1990;
Bandaranayake, Read & Salmond, 1993).
Em situaçâo de acidentes químicos ampliados, por mais bem preparado que
esteja o sistema de atendimento médico de emergência, haverá dificuldades para
atender a todas as possíveis vítimas do evento. Dessa forma, deve haver um sistema
de triagem dos pacientes. O serviço de triagem é necessário nas situações em que o
número de pacientes seja superior à capacidade de atendimento médico de
emergência; consiste no trabalho de priorizar o socorro daqueles que têm maior
necessidade de tratamento imediato, ou seja, a triagem consiste na avaliação e na
classificação das condições das pessoas expostas com a designação de vítimas com
prioridade para descontaminação, tratamento e transporte. Esse trabalho deve ser
realizado por pessoal médico com informações suficientes a respeito do produto
químico envolvido, pois freqüentemente há retardo de horas ou dias no surgimento
dos efeitos (SGOMSEC, 1988; Kulling, 1990; IPCS/OECD/UNEP/WHO, 1994).
A classificação para triagem normalmente é baseada na sintomatologia, porém
é necessária atenção para a intoxicação por alguns grupos de produtos químicos
que só após algum tempo manifestam seus sintomas. Nesse sentido, alguns gases
irritantes (como o fosgênio e o óxido de nitrogênio) e produtos químicos que estejam
sendo absorvidos pela pele causam sintomas retardados, sendo necessária a
observação dessas vítimas. As vítimas em serviço de triagem podem ser classificadas
nos seguintes grupos:
[] pacientes com danos que põem sua vida sob risco, necessitando de tratamento e transporte
imediato;
pacientes com diversos danos, mas que podem esperar tratamento ou transporte;
pacientes com ferimentos leves, necessitando de tratamento paliativo;
pacientes com danos muito pequenos ou sem danos, não necessitando de qualquer
tratamento;
pacientes sem sigtomas, mas em quem podem ocorrer sintomas retardados, necessitando
de observação.
.., Setores Envolvidos no Atendimento Médico...

Alguns grupos de pessoas, como crianças, gestantes, idosos e indivíduos com


doenças preexistentes, são mais sensíveis a produtos químicos tóxicos, devendo ser
tratados prioritariamente (IPCS/OEcD/UNEP/WHO, 1994).
Para a realização do atendimento médico em acidentes ampliados, bem como em
outros acidentes que envolvam grande número de vítimas, há necessidade de serviço
de ambulâncias minimamente organizado e preparado. Esse serviço é responsável
pelos primeiros cuidados das vítimas e transporte para instituições responsáveis pelo
tratamento. Logo que ocorra a comunicação do acidente ampliado, o responsável
pelo serviço de ambulâncias deve encaminhar-se para região próxima ao sítio do
acidente a fim de avaliar sua extensão e determinar a necessidade de v~cuios para a
resposta, bem como o ponto de controle inicial das ambulâncias. A partir de então, o
pessoal responsável pela resposta deve estabelecer as áreas 'sujas' e "FHnpas' e iniciar
o trabalho de triagem e descontaminação das vítimas quando possível (Willis, 1990).
O pessoal das ambulâncias deve estar preparado para atuar em acidentes
químicos ampliados seguindo algumas regras:
não resgatar qualquer paciente até que o local do acidente seja considerado seguro;
estar preparado para obter e repassar informações sobre o acidente;
não passar, tocar ou cheirar qualquer substância;
- manter linha de comunicação aberta com bombeiros, polícia, serviços de especialistas;
obter informações sobre os cuidados iniciais necessários e atuar com roupas adequadas
de proteção.
Ainda colaboram diretamente com os serviços de médico de atendimento de
emergências em casos de acidentes químicos ampliados o serviço de bombeiros e a
defesa civil. O serviço de bombeiros tem importante participação, atuando no
controle de liberação/explosão/incêndio e no resgate e cuidado inicial das vffimas.
Para que os bombeiros tenham condições de atuar nas diferentes possíveis situações
de acidentes ampliados, são necessários planos, procedimentos e equipamentos
adequados. No Reino Unido, essa preparação envolve a utilização de unidades
desmontáveis para acidentes ampliados. Esse sistema utiliza um pequeno número
de unidades para transportar grande variedade de equipamentos especializados e
instalações. Assim, de acordo com o tipo de acidente, algumas unidades são
transportadas até o local do acidente e em pouco tempo estão em condições de uso.
No contexto de um acidente ampliado, as unidades que podem ser utilizadas são:
de emergências com substâncias perigosas;
" de resgate em larga escala;
de comando;
de distribuição de produtos para contenção e/ou neutralização de substâncias químicas;
de suporte para acidentes;
de controle de danos.
Acidentes Industriais Ampliados

Tem grande valor em particular a unidade de substâncias perigosas, devido à


presença de roupas completas de proteção para bombeiros e também de
equipamentos para descontaminação (Jerrom, 1990; Guidotti & C10ugh, 1992).
A Defesa Civil pode ter papel importante na respostä aos acidentes ampliados,
pois, ao atuar com freqüência em desastres naturais, dispõe de pessoal experiente
em lidar com situações adversas que envolvem grande número de vítimas, além de
i . .
equipamentos e recursos de grande utilidade, Tambem pode ter grande participação
na evacuação da população, na triagem, nos cuidados iniciais com as vítimas e na
organização da resposta, devendo ser parte ativa no seu planejamento (Stealey, 1990).
Em suma, o papel dos serviços médicos de emergência na atenção às vítimas
pode ser sintetizado em:
criar condições para o atendimento médico de emergência hospitalar;
ter um acessível hospital de referência.
Ao serviço de ambulâncias cabe:
cuidados iniciais de descontaminação e manutenção das funções vitais;
transporte para as vítimas.
Ao Corpo de Bombeiros cabe:
. resgate e cuidados iniciais das vítimas.
E, finalmente, à Defesa Civil cabe:
triagem das vítimas e cuidados iniciais.

O PAPEL DE SETORES DE APOIO NA RESPOSTA


MÉDICA DE EMERGÊNCIA

A informação toxicológica é ponto essencial na resposta de emergências, estando


normalmente sob a responsabilidade dos Centros de Informações Toxicológicas
(CITs) e dos Centros de Emergência Química (CEQs). No Brasil existem apenas os
CITs, que devem estar preparados para o repassé das seguintes informações durante
o acidente químico:
informações sobre as substâncias químicas envolvidas no acidente, tais como:
propriedades físico-químicas;
- propriedades toxicológicas;
- efeitos clínicos (agudo ou reta'rdado e de longo prazo);
transformações da substância ou produtos de degradação.
informações sobre tratamento:
-sinais e sintomas;
, descontaminação;
. tratamento;
triagem;
. aconselhamento sobre coleção e estocagem de amostras;
...Setores Envolvidos no Atendimento Médico...

p
- medidas de proteção de medlcos e respondentes;
-localização de antídotos e outras drogas;
o localização de laboratórios segundo os tipos de análises que fazem.

Além disto, os CITs devem estar preparados para outras tarefas, como, por
exemplo, a participação ativa no planejamento da resposta para acidentes amplia-
dos e a educação do pessoal que atuará na resposta de emergência. Incluem-se ain-
da a orientação na formação de estoques de fármacos e antídotos, além da coorde-
nação das atividades de acompanhamento das vítimas.
Para que os CITs atuem convenientemente em acidentes ampliados, é funda-
mental que sejam contatados com rapidez após a ocorrência do evento, È)essa for-
ma, o CIT terá tempo para organizar as informações sobre os produtos químicos
envolvidos e estruturar-se para prestar auxilio efetivo, divulgando informações tanto
às equipes de resposta quanto à mídia (rádio e televisão) local e nacional. Esse tra-
balho é fundamental para evitar a disseminação de informações falsas que podem
prejudicar as atividades de resposta.
A integração el~tre os centros que lidam com informações toxicológicas em todo o
mundo é uma forma efetiva de troca de iIfformações e experiências que pode contribuir
muito para a melhor atuação nos acidentes ampliados'(Kul]ing, 1988; Kulling, 1990).
A atuação policial durante as atividades de resposta pode variar de acordo
com o planejamento e a preparação local. No Reino Unido, por exemplo, a polícia
.tem o dever de controlar e coordenar as atividades de resposta, o que advém de
fatores históricos e se apóia na lei que a coloca como esponsavel
r pela proteção da
vida e da propriedade (Payne, 1990).
No Reino Unido, em geral, as áreas primárias de responsabilidade da polícia
são (Payne, 1990):
salvamento de vidas, junto com outros serviços de emergência;
a coordenação dos serviços de resposta de emergência;
a proteção e a preservação da cena do acidente;
" a investigação do acidente, junto com outras instituições;
a identificação das vítimas;
a restauração da normalidade.
Dependendo do tamanho e da localização do acidente, podem-se estabelecer
três níveis de comando e controle da polícia (Payne, 1990):
ponto de controle avançado, que é o primeiro controle a ser estabelecido no local do
desastre e serár esponsavel pela distribuição do pessoal de resposta e pela segurança;
posto de controle do acidente, que controlará.e coordenará a direção e a investigação do
acidente, sendo central de contato para todos os serviços de emergência e de especialistas;
sala de acidentes ampliados, nível de atividades só ecessano
n " " em acidentes de grande
porte, que requeiram grande efetivo e logística, sendo esponsavel
r pelo controle geral
da resposta ao acidente.
Acidentes Industriais Ampliados

As autoridades locais, ou seja, as prefeituras devem participar não somente por


meio de seu sistema de saúde na prevenção, na preparação e na resposta aos aciden-
tes ampliados, mas também de forma ativa, pois é a sua população que está sob
risco. Além disso, no evento de um acidente ampliado, a prefeitura tem responsabi-
lidades com que outros serviços não podem arcar. Assim, deverá ceder pessoal
para colaborar em diversas atividades e também providenciar equipamentos
especializados, acomodações e refeições para os desalojados, bem como para o pes-
soal dos serviços de emergência (Sibson, 1990).
Quanto ao papel do serviço de saúde ocupacional da empresa no atendimento
médico de emergência às vítimas de um acidente químico ampliado, em princípio
deve ser considerada a grande variação existente ao longo das muitas empresas.
Assim, esses serviços variam em tamanho, instalações, profissionais disponíveis e
também na alocação dé recursos, que pode ser local ou central. Outra questão im-
portante refere-se ao grau de envolvimento desses serviços no atendimento médico
de emergência dos trabalhadores e também no tratamento médico de doenças rela-
cionadas ao ambiente de trabalho. O ponto inicial de discussão diz respeito aos
objetivos reais dos serviços de saúde ocupacional em uma grande empresa, em es-
pecial naquelas que demandam o manuseio de produtos químicos tóxicos. Esses
objetivos devem enfatizar a prevenção, que deve ter papel central nesses serviços,
sendo, entretanto, fundamental também o envolvimento do setor no controle de
efeitos sobre a saúde onde isso se fizer necessário. Esses objetivos aparentemente
assumidos pela ICI no controle de agravos sobre a saúde, inclusive em caso de aci-
dentes ampliados, levou essa indústria a construir hospitais em três países (Índia,
Paquistão, Quênia). Dentro do Reino Unido, espera-se que essa indústria providen-
cie total cuidado de todas as vítimas de acidentes químicos.
A resposta planejada para acidentes ampliados em âmbito mundial varia de
empresa para empresa, de país para país, e também dentro das partes de uma em-
presa ou nas subsidiárias de uma multinacional. Isso enfatiza a importância do pla-
nejamento local na organização da resposta aos acidentes ampliados. O papel dos
serviços de saúde ocupacionaI dentro da estrutura de resposta a acidentes amplia-
dos deve ser discutido, assim como o papel dos bombeiros, da polícia, do serviço de
ambulâncias, dos hospitais e dos setores responsáveis pela saúde pública. Esses
devem ser definidos de acordo com o tipo de empresa e com os recursos disponí-
veis pelas partes envolvidas, É evidente que, em se tratando de um país periférico
com grande escassez de recursos na área da saúde, a responsabilidade das indústri-
as por meio de seus departamentos de saúde ocupacional deve incluir uma atuação
adequada na triagem e no tratamento das vítimas. Além, é claro, de providenciar
todas as informações necessárias para as autoridades e os serviços envolvidos, in-
cluindo a participação de especialistas em toxicologia com conhecimento e prática
para orientar as equipes de'atendimento médico de emergência.
...Setores Envolvidos no Atendimento Médico,.

Na verdade, a cooperação internacional talvez seja a única possibilidade de


solução para o problema da segurança química. Nesse sentido, as administrações
nacionais devem obter colaboração internacional no planejamento e na
implementação de medidas de controle, no reforço de programas de educação para
promover a segurança química e a consciência pública, na troca de informações
validadas e na prevenção e na resposta aos acidentes ampliados. A partir desses
objetivos, três organizaçõèS da famflia da Organização das Nações Unidas, a United
Nations Environment Programme (UNEP), a International Labour Organization (ILO)
e a World Health Organization (WHO), criaram juntas o International Programme
on Chemical Safety (IPCS) como coordenador intersetorial e internacional da res-
posta ao risco à saúde humana e ambiental da utilização de produtos químicos tóxi-
cos ao redor do mundo. A principal responsabilidade do IPCS é colaborar com os
países-membros na provisão de meios para avaliar a segurança química, incluindo
preparação e resposta às emergências químicas. Dessa forma, o IPCS tem prepara-
do material-guia para (Mercier, 1990):
prevenção e resposta aos acidentes químicos;
sistemas de informações no diagnóstico e no tratamento de intoxicados;
. validação e disponibilidade de tratamento adequado;
- treinamento de pessoal necessário à resposta;
desenvolvimento e/ou reforço de instituições de controle toxicológico e serviços
toxicológicos relacionados.
A instituição responsável pelo controle ambiental deve estar preparada para
c01eta de amostras e avaliação do material envolvido, a fim de colaborar na identi-
- i co, visando ao encaminhamento da informação para auxi-
ficação do produto qulm
liar no tratamento médico das vítimas.
Além dos setores governamentais e da indústria, outros setores, como as asso-
ciações de moradores, por exemplo, têm participação decisiva tanto no repasse de
inf0rmações para a comunidade e na realização da evacuação e/ou no confinamento
das pessoas em suas casas quanto no planejamento, devido ao conhecimento da
região e da reação das pessoas - sem falar, é claro, da fiscalização do plano de
emergência. Os sindicatos também podem atuar na fiscalização da efetividade das
atividades de resposta no interior da fábrica.
O papel de cada setor no evento de um acidente ampliado pode variar de
acordo com as condições locais, porém o importante é que isso seja avaliado com
antecedência. Após a definição dos papéis e das responsabilidades, é de funda-
mental importância a realização de exercícios e simulações envolvendo toda a
equipe para que se avaliem os erros e os acertos, bem como a necessidade de
materiais e equipamentos:
Acidentes Industriais Ampliados

Em suma, poderíamos, a partir do já visto, sistematizar o papel dos setores de


apoio na resposta médica de emergência do seguinte modo:
Centros de Informações Toxicológicas:
--repasse de informações toxicológicas para todos os setores envolvidos.
Poder público:
-responsabilidade pela implantação do plano de emergência.
Indústrias:
-fornecer todas as informações'solicitadas;
- treinamento dos trabalhadores para se protegerem e atuarem na resposta;
contribuição financeira para os materiais e equipamentos parã resposta.
Polícia:
controle de acessos ao local do acidente;
-cuidados iniciais com as vítimas.
Instituição de controle ambiental:
colaboração na identificação do material envolvido.
Associações de moradores:
repasse de informações para a comunidade;
. apoio na evacuação ou no confinamento da população;
. fiscalização do plano de emergência.
Sindicatos:
fiscalização do plano de emergência.

CONCLUSÃO

O atendimento médico de emergência em situações de acidentes ampliados


requer preparação específica por parte do sistema da saúde, a qual, para ser
minimamente adequada, depende de discussão aprofundada em torno do assunto
- reunindo todas as partes envolvidas, em especial as comunidades possivelmente
atingidas - e do compromisso efetivo das autoridades responsáveis pela saúde
pública para implementação das medidas necessárias (Sibson, 1990).
Mesmo em países onde a preparação para resposta a acidentes ampliados tem
sido amplamente discutida, como a Inglaterra, as condições para resposta do serviço
de emergência são freqfientemente e fortemente questionadas. Nesse sentido, Cooke
(1992) investiga a extensão do cumprimento das normas britânicas de preparação a
acidentes em dois pontos específicos: a designação de um médico responsável pela
resposta do hospital a acidentes e as providências para funcionamento de equipe
m é d i c a m ó v e l p a r a a t e n d e r e m l o c a l p r ó x i m o a o s f fi o d o a c i d e n t e . O m é d i c o
responsável pela resposta a acidentes deve ter experiência apropriada e treinamento
regular, sendo isto de extrema importância, pois após analisar informações a respeito
...Setores Envolvidos no Atendimento Médfco...

de 88 hospitais britânicos, Cooke (1992) concluiu que mais da metade dos médicos
responsáveis não recebem treinamento e não participam de exercícios. Verificou
também que a maioria dos planos de acidentes britânicos ignora a necessidade de
equipes médicas para cuidados imediatos no local do acidente.
Em outro trabalho, Thanabalasingham, Beckett & Murray (1991) avaliam as
condições para resposta do serviço médico de emergência na Inglaterra a partir de
um acidente ocorrido durante o transporte de um produto químico altamente
corrosivo, o etildiclorosilane, derramado em importante rodovia nas proximidades
a ^ " de roupas protetoras adequadas para a polícia e
de Londres. Verificam a usen«a
para o pess0al do serviço de emergência médica; e também a.inexistência de
material para descontaminação tanto no sítio do acidente quanto nos hospitais. A
discussão a respeito da preparação dos sistemas de atendimento de emergência
para acidentes ampliados vem ocorrendo principalmente em países centrais e
remete obrigatoriamente os países periféricos a um problema anterior, ou seja, o
atendimento de emergência em situação cotidiana. Afinal de contas, paralelamente
à preocupação com a solução para o problema do despreparo do sistema de
emergência para atendimento a acidentes ampliados, é preciso solucionar os atuais
problemas no atendim~nto médico de emergência ròtineira.
Não é possível desvincular a política de controle dos acidentes ampliados de
outras questões que determinam que a população, em especial a mais carente, esteja
exposta a maiores riscos ao habitar em regiões próximas às grandes indústrias; ou
que seja mais suscetível aos efeitos da exposição a produtos químicos tóxicos devido
às piores condições de nutrição, moradia e saneamento, a ter menos acesso ao sistema
de saúde, educação e, é claro, ao mercado de trabalho. Dessa forma, não há como se
esquivar das questões pertinentes à utilização do solo urbano, à saúde, à éducação,
"" etc., determinadas, em última instância, pela política econômica e
à reforma agrana
pelo modelo de desenvolvimento adotados pelo País.
Existe a necessidade de que o poder público assuma efetivamente a
responsabilidade pela saúde da população no tocante ao risco representado pela
manipulação de produtos químicos tóxicos. Neste Sentido, um passo fundamental
consistiria na implantação de planosd e emergenaa
^ " nas regiões próximas a instalações
com riscos de acidentes ampliados, a fim de definir papéis e responsabilidades de
todos os setores envolvidos na resposta de emergência, variando em cada região
que for implantado de acordo com as características locais.
Espera-se que sejam dados os passos decisivos para que indústria e poder público
assumam suas responsabilidades nesse processo, que não deve esperar a correncla
O ^ "

de um acidente ampliado com grande número de vítimas imediatas no País para


iniciar as discussões e as implementações das medidas necessárias ao planejamento
dos acidentes ampliados e à resposta a eles.
Acidentes Industrzais Ampliados

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PARTE IV

ESTRATEGIAS INSTITUCIONAIS
CONTROLE
AS METODOLOGIAS DE ANÁLISES DE RISCOS E SEU
PAPEL NO LICENCIAMENTO DE INDÚSTRIAS E
ATWIDADES PERIGOSAS

Ricardo Rodrigues Serpa

O desenvolvimento industrial ocorrido neste século está intimamente ligado à


evolução do homem moderno, que é cada vez fi~ais exigente no atendimento às suas
necessidades, impondo assim a obrigatoriedade do aprimoramento tecnológico em
todas as áreas. Em particular, as indústrias de petróleo, química e petroquímica
produzem atualmente artigos de grande importância para a vida humana, fazendo
com que diariamente novos produtos sejam colocados no mercado.
As substâncias químicas estão presentes em toda parte, desde os elementos,
naturais até aqueles utilizados na agricultura, nos medicamentos e na indústria têxtil,
entre outras aplicações. Assim, é ftmdamental o reconhecimento da importância dessas
substâncias para a vida moderna. No entanto, embora esse desenvolvimento represente
um importante crescimento do ponto de vista social, econômico e tecnológico, ele tem
acarretado uma série de problemas relacionados ao meio ambiente.
Os problemas ambientais passaram a se agravar após a Segunda Guerra Mundial,
quando a produção de novos produtos qtuímicos se intensificou. Nos Estados Unidos,
a produção desses produtos aumentou 15 vezes entre 1945 e 1985, passando de 6,7
milhões de toneladas para 102 milhões de toneladas. Hoje, estima-se que a cada ano
ocorram entre 400 mil e 2 milhões de envenenamentos por pesticidas em todo o
mundo (Corson, 1993).
Além das contaminações crônicas causadas em especial pela poluição de
origem industrial, as grandes quantidades de produtos químicos produzidas,
armazenadas e transportadas contribuem de forma significativa para a liberação
acidental desses produtos, causando impactos agudos ao meio ambiente e,
conseqüentemente, à saúde humana.
Uma breve retrospectiva de alguns dos principais acidentes envolvendo
produtos qtuínicos ocorridos nas últimas décadas demonstra claramente a gravidade
desses eventos (Tabela 1).
Acidentes Industriais Ampliados

Tabela 1 - Alguns acidentes arnbientais ocorridos nos ültimos anos

Ano Local Causa Impacto

1974 Flixborough, Explosão de nuvem de vapor 28 mortes, 89 feridos e


Inglaterra de ciclohexano prejuízos de US$ 232
milhões
1976 Seveso, Itália Vazamento de Contaminação de extensa
tetraclorodibenzoparadioxina área, afetando mais de 700
(TCDD) pessoas
1984 Cidade do México, Explosão de gás liquefeito de Cerca de 500 mortes e
México petróleo prejttízos de US$ 20
milhões
1984 Bhopal, India Vazamento de isocianato de 2.500 mortes e 200 mil
metila pessoas contaminadas
1986 Basiléia, Suíça Vazamento de 30 toneladas Contaminação do Rio Reno
de pesticidas numa extensão de 60 km
1989 Alasca, Estados Vazamento, de 40 mil Morte de 100 mil aves e
Unidos toneladas de petróleo contaminação de 1.100
lontras
1992 Guadalajara, Vazamento/explosão de 250 mortes e 1.470 feridos
México duto de combustível

Fontes: Lees (1996), Weyne (1988).

SITUAÇÀO NO BRASIL

No Brasil, as questões relacionadas ao meio ambiente começaram a tomar


impulso nos anos 70. Muitos foram os fatores que contribuíram para que os problemas
ambientais surgissem, dentre os quais podem ser destacados:
adoção de um modelo de desenvolvimento que contemplou somente o crescimento
econòmico, em detrimento dos aspectos ambientais;
- política ambiental descentralizada e não integrante às demais áreas do governo, como
por exemplo energia, transporte e exploração mineral, entre outras.
No entanto, nos anos 80, diversos e significativos avanços foram obtidos, os
quais têm contribuído para que as questões ambientais ocupem o seu espaço como
tema prioritário em âmbito político. Dentre esses avanços, merecem destaque:
criação das Secretarias Estaduais de Meio Ambiente;
- maior conscientização da sociedade quanto às questões ambientais, redundando em
pressões e reivindicações mais intensas, por meio da mobilização das organizações
não-governamentais;

1254
...Metodologias de Andlise de Riscos e seu Papel...

diplomas legais mais rígidos como a Lei Federal n~ 6.938/81, a Resolução Conama
na 001/86 e a Constituição Federal de 1988.
No Brasil, a exemplo de outros países em desenvolvimento, onde os aglomera-
dos residenciais crescem rapidamente e muitos se localizam geralmente nas proxi-
midades de áreas industriais, são muitos os problemas oriundos da poluição nesses
locais. Da mesma forma, a ocorrência de acidentes' envolvendo produtos químicos
tem despertado a preocupação não só dos órgãos governamentais, mas também da
sociedade e da própria indústria, que tem sua imagem abalada quando da ocorrên-
cia desses episódios.
Particularmente no estado de São Paulo, segundo dados da Companhia de
Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB), no período compreendido entre 1978
e 1997 foram atendidas 2.456 ocorrências envolvendo a liberação acidental de pro-
dutos químicos. O Gráfico 1 mostra a evolução desses acidentes no período e as
Tabelas 2 e 3 apresentam, respectivamente, a distribuição percentual desses aciden-
tes por tipo de atividade e classe de produtos envolvidos (CETESB, s/d).
Esses dados demonstram a necessidade de se buscar cada vez mais 'ferramentas'
preventivas, de modo que possam ser evitados episódios críticos da poluição aciden-
tal, os quais trazem impactos significativos não só para a saúde da população como
também para o patrimônio, público e privado, e o meio ambiente como um todo.

Gráfico i - Evolução dos acidentes ambientais atendidos pela CETESB,


1978-1997

450
4Q0
350
3OO,
250- .
200, ~~2 0 »8 ~ 1~8 9 2 ~1¡ 53 6 0 "
168

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Ano
Acidentes Industriais Amplfados

Tabela 2 - Acidentes ambientais atendidos pela CETESB classificados por


atividade, 1978-1997

ATIVIDADE
PERCENTUAL
Transporte rodoviário
38%
Transporte marítimo 11%
Residência
10%
Posto de abastecimento
8%
Não identificada
7%
Indústria
6%
Duros
5%
Comércio
4%
Armazenamento 3%
Rede de água/esgoto
3%
Outras
3%
Fenômeno natural 1%
Transporte ferroviário 1%

Tabela 3 - Acidentes ambientais atendidos pela CETESB por classe de risco


dos produtos envolvidos, 1978-1997

CLASSE DE RISCO
PERCENTUAL
Líquidos inflamáveis
39%
Substâncias não identificadas
18%
Corrosivos 14%
Gases
12%
Substâncias não classificadas
4%
Resíduos
4%
Outras ocorrências
4%
Substâncias tóxicas
3%
Sólidos inflamáveis
1%
Oxidantes 1%
Explosivos
1%
...Metodologias de Análise de Riscos e seu Papel ..

ASPECTOS LEGAIS

Nos últimos anos o Brasil avançou consideravelmente em relação à legislação


ambiental, a qual é hoje considerada uma das mais modernas do mundo. Na
Constituição Federal estão assegurados os direitos e os deveres básicos para garantir
a preservação ambiental, cabendo destacar os Incisos IV e V do Parágrafo 10 do
Artigo 225, os quais referem-se às responsabilidades do Poder Público, no sentido
de assegurar a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
conforme segue (Milaré, 1991):
Art. 225, Parágrafo 12:
Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativà degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substânciasque comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

Observa-se que esses dois Incisos podem ser considerados de fundamen-


tal importância tanto para a prevenção de impactos ambientais decorrentes de
empreendimentos e atividades lesivas ao meio ambiente'como para a prevenção
de acidentes envolvendo substâncias perigosas.
Outro aspecto importante é que estados e municípios não perderam, com a
promulgação da Constituição de 1988, a liberdade de criarem normas e outros dis-
positivos legais, consoantes com a legislação federal, porém mais restritivos sempre
que necessário, de acordo com as peculiaridades regionais.
A criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), através da Lei
n~ 6.938, de 31/8/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, foi
outro importante marco para a discussão dos problemas ambientais, além da propo-
sição de normas e critérios Com vistas à preservação ambiental no País (Milaré, 199!).
Talvez uma das mais importantes resoluções do CONAMA seja a n'° 001, de 23/1/86,
que instituiu a obrigatoriedade da realização de estudos de impacto ambiental para
o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente. Esses estudos re~-
presentam hoje um importante instrumento para a avaliação detalhada dos possí-
veis impactos decorrentes de um novo empreendimento, cabendo ressaltar o pro-
cesso de discussão dos mesmos com a sociedade, de modo que esta opine quanto a
sua viabilidade, desde a fase de obras até a sua efetiva operação (Serpa, 1991a).
Outro importante aspecto a ser ressaltado é que os estudos de análise de riscos
em instalações e atividades potencialmente geradoras de acidentes ampliados de-
vem ser contemplados como parte integrante dos estudos de impacto ambiental,
objetivando a prevenção de acidentes ambientais (Serpa, 1991a).
Acidentes Industriais Ampliados

O licenciamento ambiental está estabelecido de acordo com o disposto na


Lei n° 6.938/81, que prevê o desenvolvimento dessa atividade em três etapas, a
saber (Milaré, 1991):
LP - Licença Prévia: análise do estudo de impacto ambiental e discussão da viabilidade
do empreendimento com a sociedade;
LI- Licença de Instalação: análise do projeto e das medidas mitigadoras de gerenciamento
ambiental, objetivando a autorização do início das obras do em-r-- » -
p eenulmento;
LO- Licença de Operação: averiguação do cumprimento das exigências técnicas formuladas
nas etapas anteriores, de modo que o empreendimento possa operàr atendendo aos
requisitos ambientais previamente estabeleciàos.
Os estudos de análise de riscos têm sido aplicados para instalações
potencialmente geradoras de acidentes ambientais maiores já na fase de licenciamento
prévio, como parte integrante do estudo de impacto ambiental. No entanto,
normalmente, complementações se fazem necessárias, na medida em que, na maioria
dos casos, são necessários detalhes de projetos não disponíveis na fase de
licenciamento prévio. Mas é imprescindível que todas as restrições e exigências
técnicas impostas ao empreendimento estejam formuladas antes da concessão da
Licença de Instalação, de modo que as obras sejam executadas de acordo com os
requisitos anteriormente definidos (Serpa, 1991a).

A ANÁLISE DE RISCOS COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE AMBIENTAL

A ocorrência de acidentes ambientais envolvendo produtos perigosos no esta-


do de São Paulo no final da década de 70 e no início dos anos 80, como o episódio de
Vila Socó, em Cubatão, e os derrames de petróleo no litoral norte, fez com que a
Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB) fosse buscar mecanis-
mos para uma atuação mais preventiva, de modo a evitar a grande incidência des-
ses eventos nas instalações industriais em operação, e também nas novas indústrias
e em atividades consideradas perigosas (Serpa, 1991b).
Assim, tomando por base a tendência mundial, segundo a qual as técnicas de
análise de riscos já utilizadas nas áreas militar, nuclear e aeronáutica passaram a ser
aplicadas nas indústrias química, petroquímica e de petróleo, a CETESB passoü a estu-
dar o assunto, incorporando essas 'ferramentas" como parte integrante das suas ações
de controle ambiental, tanto em âmbito preventivo como corretivo (AICHE, 1989).
A utilização de técnicas avançadas para a análise de riscos proporciona ao
governo e às indústrias a possibilidade de, em conjunto, adotarem soluções para
o gerenciamento dessas questões, na medida em que propiciam as condições
para a previsão da ocorrência de distúrbios em plantas industriais, proporcio-
nando assim os subsídios necessários para a definição de alternativas de
...Metodologias de Análise de Riscos e seu Papel...

compatibilização dos requisitos de segurança e meio ambiente com os objetivos


de produção (AIcHE, 1989; C~TESB, 1994).
"Risco" pode ser definido como uma função da probabilidade da ocorrência de
um evento indesejado e das conseqüências (impactos) causadas por ele, em termos
de danos ao homem, ao patrimônio e ao meio ambiente. Já 'Perigo' representa uma
situação que ameaça a existência de uma pessoa, ser ou coisa; ou, ainda, uma ou mais
condições de uma variável com potencial de causar danos ou lesões (CETeSB, 1994).
Tomando por base as definições apresentadas, pode-se concluir que o perigo
é uma propriedade intrínseca de uma atividade, instalação ou substância; já o
risco está sempre associado à chance de acontecer um evento ir~desejado. Dessa
forma, o controle de um determinado risco é possível por meio da implementação
de ações para reduzir tanto a probabilidade de o acidente acontecer como as con-
seqüências por ele geradas, caso ele venha a ocorrer. Portanto, os estudos de aná-
lise de riscos voltados para a prevenção de acidentes maiores, no contexto do
controle ambiental, devem resultar na proposição de medidas para o pleno
"
"gerenclamento dos riscos' (CETESB, 1994).
Assim, pode-se definiro "gerenciamento de riscos" como sendo a formulação e
a implantação de medidas e procedimentos que têm por finalidade prevenir, redu-
zir e controlar os riscos presentes em uma instalação industrial, tendo também por
objetivo manter essa instalação operando dentro de requisitos de segurança consi-
derados toleráveis durante a sua vida útil (CETeSB, 1994).
OS estudos de análise de riscos requerem análises precisas e detalhadas de
sistemas, equipamentos e operações presentes em uma planta industrial, jä que é
de grande importância identificar as causas básicas e as seqüências de eventos e
falhas que podem levar à ocorrência de um acidente maior. Dessa forma, os estu-
dos devem prever e quantificar os possíveis cenários acidentais, bem como suas
respectivas conseqüências em termos de explosões, incêndios, vazamentos tóxi-~
cos e outras reações violentas e indesejadas, de modo que medidas concretas e
efetivas de gerenciamento sejam incorporadas no processo operacional da insta-
lação - cabendo, portanto, aos órgãos de controle e licenciamento a missão de
avaliar os estudos e exigir a implantação dessas ações.

ETAPAS DE UM ESTUDO DE ANÁLISE DE RISCOS

Os estudos de análise de riscos em instalações industriais podem, de forma


geral ser divididos em cinco etapas, a saber (CETESB, 1994):
" caracterização do empreendimento e da região;
" identificação de perigos;
Acidentes Industriais Ampliados

análise de conseqüêxacias e de vulnerabilidade;


- cálculo e avaliação do risco;
programa de gerenciamento dos riscos.

CARACTERIZAÇÃO DO EMPREE" - ~NTO E DA REGIÃO

A primeira atividade a ser realizada em um estudo de análise de riscos é a


compilaçãò de dados e informações relativos às características do empreendimento,
bem como da região onde ele está ou será localizado (CETESB, 1994).
Essa caracterização deve incluir o levantamento dos seguintes dados:
localização e descrição geográfica da região, incluindo a proximidade a mananciais,
áreas litorâneas, sistemas viários etc.;
distribuição populacional da região;
características climáticas e meteorológicas da região;
- descrição física e layout da instalação;
características das substâncias químicas: formas de movimentação, manipulação,
processamento e armazenamento e características físico-químicas e toxicológicas;
. descrição de operações incluindo rotinas operacionais, de manutenção e de segurança;
- plantas baixas das unidades e fluxogramas de processo, de instrumentação e de tubulações.
Quando o estudo de análise de riscos estiver sendo desenvolvido para uma
instalação nova, e for considerado como parte integrante do Estudo de Impacto
Ambiental (ELA), essas informações certamente se aplicam aos dois objetivos. Multas
vezes, conforme já mencionado anteriormente, não se dispõe de todos os dados
necessários, uma vez que dados detalhados da instalação podem não estar disponíveis
nessa etapa. Assim, faz-se uma análise preliminar, a ser complementada na medida
em que o projeto for avançando; porém, sempre antes do início das obras.

IDENTIFICAÇÃO DE PERIGOS

A 'identificação de perigos" talvez seja a mais importante das etapas de um


estudo de análise de riscos, uma vez que tem por finalidade definir os diferentes
cenários acidentais possíveis de ocorrer na instalação (CETESB, 1994).
Muitas são as técnicas e os métodos disponíveis para identificação de perigos
em atividades e instalações industriais. Entre as mais comumente utilizadas, podem
ser citadas (CETESB, 1994):
- Análise Histórica de Acidentes: consiste no levantamento de acidentes ocorridos em
instalações similares, normalmente realizado por meio de consulta a bancos de dados
de acidentes ou referências bibliográficas específicas. Dessa análise poderão ser extraí-
dos os seguintes dados: tipologias e causas dos acidentes, magnitudes das conseqüências
e freqüência de ocorrência dos acidentes, desde que considerado um período e um
universo de pesquisa representativos.
...Metodo!ogias de Análise de Riscos e seu Papel...

. Listas de Verificação (Checklists): elaboração de uma seqüência lógica de perguntas para


a avaliação das condições de segurança de uma instalação, por meio de suas condições
físicas, dos equipamentos utilizados e das operações praticadas. Os checklists são parti-
cularmente úteis na avaliação de plantas em operação, embora possam também ser
aplicados em todas as fases de um novo projeto.
Análise 'E se... ?' ('What Ir...?'): A técnica 'What Ir...?' contempla o exame de possíveis
anomalias que possam ocorrer nas etapas de projeto, construção e operação de uma
instalaçao industrial, por meio, da resposta a perguntas que sempre se iniciam pelo termo
'E se...?'. As perguntas formuladas devem sugerir a ocorrência de um evento inicial que
pode acarretar uma seqüência de falhas levando conseqüentemente a um acidente.
Análise Preliminar de Perigos (APP): A APP (PHA - Preliminar Hazar~d Analysis) é
uma das técnicas mais utilizadas no Brasil para a identificação de perigos. Teve sua
origem no programa de segurança militar do Departamento de Defesa dos Estados
Unidos e até hoje faz parte dele. Os resultados da APP devem ser registrados numa
planilha específica, que deve conter os perigos identificados, suas causas, seus efeitos,
categorias de perigo e recomendações para a redução e o gerenciamento dos riscos iden-
tificados.
Análise de Modos de Falhas e Efeitos (AMFE): a AMFE é uma técnica específica para a
identifica~ão de falhas de componentes de uma instaiação. Aplica-se na análise dos
modos como um equipamento pode falhar, determinando as possíveis conseqüências
advindas dessas falhas.
- Hazard & Operability Study (HAzoP): é um método concebido para estudar possíveis
desvios (anomalias) de projeto ou na operação de uma instalação. Trata-se de uma
técnica poderosa, uma vez que possibflita a análise detalhada de plantas de processo
bastante complexas. O estudo deve ser desenvolvido por uma equipe multidisciplinar,
de modo que todos os aspectos relacionados com a instalação possam ser avaliados.
As técnicas anteriormente mencionadas, entre outras, podem ser utilizadas
individualmente ou em conjunto, de modo a propiciar as condições necessárias para
que todas as possíveis anomalias ou falhas de uma instalação sejam identificadas.
Normalmente, um grande rol de situações é identificado, devendo as mesmas serem
agrupadas em 'hipóteses acidentais', as quais serão objetos de análise nas etapas
posteriores do estudo.

ANÁLISE DE CONSEQÜÊNCIAS E DE VULNERABILIDADE

Essa etapa tem por finalidade analisar as possíveis conseqüências geradas pelas
hipóteses acidentais caracterizadas na fase de identificação dos perigos, bem como
a vulnerabilidade das pessoas e do meio ambiente a esses impactos (CETESB, 1994).
Para a identificação das seqüências acidentais e a definição das tipologias dos
acidentes, normalmente emprega-se a técnica denominada 'Análise de Árvores de
Eventos (AAE)'.
A análise das conseqüências deve ser realizada por meio da utilização de
modelos de cálculo para a simulação dos fenômenos decorrentes das hipóteses
Acidentes Industriais Ampliados

acidentais, tais como: incêndios, explosões e vazamentos tóxicos. Já a análise de


vulnerabilidade deve ser realizada por intermédio do estudo dos efeitos decorrentes
desses impactos no homem e no meio ambiente, considerando:
radiações térmicas de incêndios;
" sobreloressões decorrentes de explosões;
concentrações de vaza.mentos de gases tóxicos;
níveis de concentrações de poluentes no solo e na água.
Caso os resultados obtidos nessa etapa apresentem conseqüências consideradas
intoleráveis - em termos de impactos agudos no homem e nos ecossistemas
vulneráveis - e estas não possam ser reduzidas até níveis considerados aceitáveis,
deve-se realizar o cálculo do risco associado à instalação, de modo que ele possa
ser avaliado de forma quantitativa, a partir de critérios de aceitabilidade
previamente estabelecidos.

CÃLCULO E AVALIAÇÃO DOS RISCOS


O cálculos do riscos imposto por uma instalação industrial deve ser realizado a
partir da seguinte equação:

yí. =f requencla
, , ^
de ocorrência do evento i;
Cyconseqüência j associada ao evento i, normalmente expressa
em termos de mortes.

Para que o risco possa ser calculado, devem ser utilizadas 'ferramentas'
adequadas para a determinação das freqüências de ocorrência dos eventos
considerados. A técnica normalmente empregada para tal é a 'Análise de Árvores
de Falhas (AAF)', cujas taxas de falhas dos equipamentos envolvidos e as
probabilidades de ocorrerem erros operacionais são extraídas de bases de dados de
confiabilidade ou de estudos específicos constantes da bibliografia internacional. Já
a estimativa das conseqüências decorrentes das hipóteses acidentais consideradas é
extraída da análise de vulnerabilidade realizada na etapa anterior (CETESB, 1994).
O risco calculado deve então ser comparado com critérios previamente definidos
para a avaliação quanto à sua tolerabilidade ou não e a definição das medidas a
serem implementadas para a sua redução, caso necessário.
...Metodologias de Análise de Riscos e seu Papel...

PROGRAMA DE GERENCIAMENTO DE RISCOS

O programa de gerenciamento de riscos é a última etapa do estudo de análise


de riscos, mas também representa o início de uma nova fase que deve ser mantida
ao longo da vida útil da instalação, de modo que ela opere dentro de padrões de
segurança considerados toleráveis (CETESB, 1994).
O gerenciamento de riscos deve contemplar a implantação de medidas para a
redução das freqüências de ocorrência dos acidentes (medidas de prevenção) e
também para a minimização das conseqüências (medidas de proteção), caso esses
acidentes venham a ocorrer. Dentre as ações comumente contempladas em um
programa de gerenciamento de riscos, podem ser destacadas (CETESB, 1994):
" Medidas de prevenção:
melhoria da qualidade da instalação;
aumento da confiabilidade dos sistemas de controle e de segurança;
programas de inspeção e manutenção;
programas de treinamento e capacitação técnica.
- Medidas de proteção:
ações para redução dos impactos de acidentes:
" redução do inventário de substâncias perigosas armazenadas;
sistemas de contenção de vazamentos;
sistemas de abatimento de vapores tóxicos ou inflamáveis;
- reforço de estruturas para a absorção de impactos decorrentes de explosões;
- ações para a proteção da população exposta;
plano de emergência.
O plano de emergência é particularmente importante para a prevenção de im-
pactos maiores decorrentes de distúrbios operacionais. Um plano deve ser elabora-
do com base nas premissas oriundas do estudo de análise de riscos, de forma que os
cenários acidentais estudados sejam contemplados no plano e ações de resposta
compatíveis com eles sejam definidas e implantadas. Deve-se ressaltar que um pla-
no de emergência, como medida de proteção que é, não tem função preventiva, isto
é, não evita a ocorrência de um acidente, mas pode fazer com que uma ocorrência
anormal não se transforme em uma tragédia (CETESB, 1994).
Assim, um programa de gerenciamento de riscos deve especificar de maneira
clara e objetiva as atribuições e as responsabilidades das diversas áreas da empresa
envolvidas nesse processo. O programa deve contar com o apoio da alta direção e
propiciar as condições para o desenvolvimento de ações integradas entre os dife-
rentes deparIamentos, tais como: produção, recursos humanos, manutenção, segu-
rança e meio ambiente, entre outros. Alguns aspectos básicos que devem nortear o
desenvolvimento de um programa de gerenciamento de riscos são (CETESB, 1994):
Acidentes Industriais Arnpliados

conscientização;
integração;
apoio da direção;
documentação;
controle.

CONCLUSÃO
Os estudos de análise de riscos propiciam uma série de importantes subsídios
para a gestão ambiental e de segurança de uma instalação ou atividade industrial, já
que produzem como resultados, entre outros, os que Se seguem (CETESB, 1994):
" conhecimento detalhado da instalação;
identificação dos perigos existentes em uma planta industrial;
avaliação dos possíveis danos às instalações e impactos aos trabalhadores, à comunida-
de externa e ao meio ambiente;
- subsídios para a implantação de ações para melhorias e aperfeiçoamento dos proces-
sos industriais;
-reduçãodas tarifas de seguros para os riscos transferidos.
Da mesma forma que para os administradores das empresas, também para os
órgãos governamentais os estudos de análise de riscos têm sido reconhecidos como
'ferramentas' de grande importância no processo de controle ambiental. No entan-
to, independentemente da adoção desses estudos como parte integrante da política
ambiental de governo, 'redundando em exigências técnicas para a implantação de
melhorias nas indústrias, estas devem considerar esses estudos como instrumentos
de gestão de seus negócios, já que a ocorrência de um acidente ampliado certamente
acarretará uma série de transtornos a uma empresa, como por exemplo (CETESB, !994):
" perda de vidas humanas;
impactos ao meio ambiente;
danos à saúde da população;
perda de equipamentos, instalações e paralisação de processos produtivos, com os con-
seqüentes prejuízos econômicos;
pagamento de indenizações a terceiros afetados pelo acidente,
danos psicológicos à comunidade;
, desgaste da imagem da empresa perante a opinião pública com a conseqüente perda de
mercado.
Por fim, deve ser lembrado que cabe a quem desenvolve atividades considera-
das perigosas gerenciar os riscos delas decorrentes; assim, a indústria deve gerenciar
os seus riscos implementando as seguinte ações (CETESB, 1994):
identificar as situações perigosas relacionadas às suas atividades e gerenciar os riscos.
delas decorrentes para os trabalhadores, a população circunvizinha é o meio ambiente;
..Metodologias de Análise de Riscos e seu Papel.,.

" elaborar e implantar planos de emergência compatíveis com os seus riscos;


.~ informar e treinar a comunidade local, para que ela aja de forma adequada em situações
emergenciais;
atuar em conjunto com os órgãos de governo não só nas situações de emergência mas
também nas questões preventivas, acatandoas exlgenclas
" ^ " dos orgaos
-- de controle e par-
ticipando do processo de aperfeiçoamento técnico do assunto.
Ao governo cabe cumprir a sua missão de representante da população, por
intermédio de seus órgãos competentes, tomando por base a legislação vigente
que deve ser permanentemente atualizada à luz do avanço tecnológico na área e
considerando sempre as peculiaridades locais e regionais. Dessa forma, entre
outras, devem ser implementadas pelos órgãos governamentais as seguintes ações
(CETESB, 1994):
" elaborar e implantar uma política de prevençáo e resposta a acidentes ampliados;
fiscalizar as empresas e atividades consideradas perigosas ou lesivas ao meio ambiente,
fazendo cumprir todos os requMtos legais no tocante às questões de segurança e
preservação ambiental, entre outros aspectos;
capacitar seus agentes até o nível exigido para a atuação adequada no cumprimento de
suas missões;
atuar em conjunto com samdustnas
" " " e a comunidade nas ações de prevenção e resposta
a acidentes ampliados.
Acidentes Industriais Ampliados

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMERICAN INSTITUTE OF CHEMICAL ENGINEERS (AICHE). Guidelines for Technical


Management of Chemical Process Safety. Nova York: Aiche, 1989.
COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL (CETESB). Manual de
Orientação para a Elaboração de Estudos de Análise de Riscos. São Paulo: Cetesb, 1994.
COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL (CETESB). Cadastro
de Acidentes Ambientais (Cadac). São Paulo: Cetesb, s/d.
CORSON, W. (Ed.) Manual Global de Ecologia. São Paulo: Augustus, 1993.
LEES, F. P. Loss Prevention in the Process Industries: hazard identification, assessment and control.
Oxford: Futterworth-Heinemmann, 1996.
MILARÉ, E. Legislação Ambiental do Brasil São Paulo: Edições APMP, 1991. (Série Cadernos
Informativos)
SERPA, R. R. Legislação e Filosofia de Atuação dos Orgãos Governamentais Quanto à Segurança e
Minimização dos Riscos e Danos Ambientais: um enfoque gerenciaL In: SEMINÁRIO DE
ANÁLISE DE RISCOS DE PROCESSOS INDUSTRIAIS, 1, São Paulo, Abiquim, 1991a.
SERPA, R. R. A Experiência da Cetesb na Prevenção e no Atendimento a Acidentes no Transporte
Rodoviário de Produtos Perigosos. In: SEMINÁRIO NACIONAL QUALIDADE E
SEGURANÇA NO TRANSPORTE DE PRODUTOS QUÍMICOS E PETROQUÍMICOS,
Salvador, CETTA, 1991b.
WEYNE, G. R. de S. Análise e Discussão das Causas e Conseqüências dos Grandes Desastres da
Indústria Química. In: SEMINÁRIO DE SEGURANÇA INDUSTRIAL, 6, Curitiba,
Instituto Brasileiro de Petróleo, 1988.
PREVENÇÃO E RESPOSTA A ACIDENTES QUÍMICOS
--SITUAÇÃO NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBE

Ricardo Rodrigues Serpa & Hugo Prado-Monje

A rápida e grande expansão da indústria nas últimas décadas, em particular


nas áreas química, petroquímica e de petróleo, embora represente um importante
fator de crescimento para os países da região da América Latina e do Caribe, tem
acarretado uma série de problemas, dentre os quais destacam-se as questões
relacionadas com o meio ambiente, a saúde pública e a segurança das comunidades
circunvizinhas às plantas industriais (Sflano, 1984).
Os acidentes envolvendo substâncias químicas podem afetar a saúde humana
causando a intoxicação e até a morte das pessoas afetadas, de forma imediata ou a
médio e longo prazos, razão pela ¿lual têm sido objeto de preocupação permanente
de autoridades governamentais, da comunidade e da própria indústria - a qual,
quando envolvida nesses episódios, vê sua imagem abalada perante a sociedade
(Weyne, 1988).
Dessa forma, diversos esforços, em âmbitos locais, regionais e até mundial,
vêm sendo desencadeados no sentido não só de prevenir a ocorrência de acidentes
químicos, mas também visando a propiciar respostas rápidas e eficazes a esses
eventos, de modo a preservar a integridade das populações e minimizar os impactos
ambientais deles decorrentes (Serpa et al., 1993).

ACIDENTES AMPLIADOS OCORRIDOS NA AMÉRICA LATINA


Conforme mencionado anteriormente, os avanços tecnológicos da indústria,
com o conseqüente aumento da complexidade das plantas de processo e de
armazenamento de substâncias químicas, bem como dó aumento do volume
transportado, contribuíram para a ocorrência de graves acidentes, trazendo prejuízos
consideráveis para as sociedades de todo o mundo (Weyne, 1988). Os países em
desenvolvimento da América Latina têm sido palco de grandes catástrofes
industriais, as quais vitimaram um grande número de pessoas e acarretaram impactos
ambientais de grande monta.
Acidentes IndustriaisAmpliados

Dentre os principais acidentes ocorridos nos últimos anos, p0dem-se destacar,


entre outros, os que seguem (Albert, 1993; Silano, 1984; Weyne, 1988):
Colômbia, 1967.
Contaminação pelo praguicid'a paratioñ causou 88 vítimas fatais e intoxicações em
outras 600 pessoas.
Buenos Aires, Argentina, 1967.
Incêndio envolvendo gás liquefeito de petróleo provocou a destruição de cerca de
400 casas e causou aproximadamente 100 vítimas.
Rio de Janeiro, Brasil, 1972.
Expl0sões de tanques de armazenamento de gás liquefeito de petróleo causaram 38
mortes e 53 outras vítimas, bem como prejuízos da ordem de US$ 5 mi~ões.
Cartagena, Colômbia, 1976.
Explosão em fábrica de fertilizantes causou a emissão de vapores de amônia. Vinte e
uma vítimas fatais e outras 30 pessoas intoxicadas.
São Sebastião, Brasil, 1978.
Colisão de um navio petroleiro com uma rocha submersa causou o vazamento de 6
mil toneladas de óleo cru no litoral paulista, contaminando um grande número de
praias e de outros importantes ecossistemas costeiros.
Cubatão, Brasil, 1984.
Explosão seguida de incêndio em área residencial, causada pelo rompimento de um
duto destinado ao transporte de gasolina. Noventa e três vítimas fatais e cerca de
500 desabrigados.
- Cidade do México, México, 1984.
Vazamento de gás liquefeito de petróleo em refinaria, seguido de diversas explosões e
incêndio de grandes proporções. Quinhentas vítimas fatais e cerca de 4 mil feridos.
. Cubatão, Brasil, 1985.
Rompimento de tubulação de amônia gerou o vazamento de 30 toneladas do produto.
Seis mil e quinhentas pessoas foram evacuadas de suas residências.
, Iquique, Chile, 1986.
Explosão em fábrica de armamentos causou 28 vítimas fatais.
- Guadalajara, México, 1992.
Vazamento de gasolina proveniente de duto subterrâneo, seguido de explosão e in-
cêndio. Aproximadamente 300 vítimas fatais e mais de 600 feridos.
Tejerías, Venezuela, 1993.
Vazamento de gás inflamável seguido de explosão causou 75 mortes e cerca de
100 feridos.
Os acidentes anteriormente apresentadOs demonstram claramente a gravidade da
situação na América Latina. Os dados a seguir servem de base para a análise da situaçao
relativa aos acidentes ampliados envolvendo produtos perigosos (Machín, 1993):
- aproximádamente 40% do comércio mundial de produtos químicos nos países em
desenvolvimento se realízam nos países da América Latina;
70% da indústria química da região se concentram no Brasil, no México e na Argentina;
... Situarão na América Latina e Caribe...

na grande maioria dos países, as instalações industriais se localizam em áreas densamente


habitadas ou muito próximas a comunidades carentes;
" inexiste uma onsc:enc:a clara por parte de muitas empresas e de autoridades
governamentais, bem como da própria comunidade, quanto aos riscos que essas
instalações e a manipulação de p rodutos elUlmmos
" representam para a saúde humana e
para o meio ambiente como um todo;
inexistem registros confiáveis quanto aos danos causados por acidentes químicos,
dificultando a correlação desses eventos com o desenvolvimento de doenças e impactos
ao meio ambiente;
com,raras exceçóes, inexistem programas voltados para a preparação das comunidades,
tanto em caráter preventivo quanto para a atuação em situações de emergências químicas;
os orgaos encarregados do atendimento a acidentes com substâncias químicas não estão
treinados a contento e não possuem recursos materiais adequados para o atendimento
a essas situações.
Esse quadro tem alertado as autoridades dos países no sentido de serem
implementadas ações efetivas para a prevenção de acidentes qufmicos e de prepa-
ração dos órgãos governamentais para responder a contento eventuais situações de
e mergencla,
^ '
med:ante a atuação em parcerias com a indústria e com a comunidade,
contando com o apoio técmco e financeiro de organismos internacionais.

PROGRAMAS INTERNACIONAIS

Após a ocorrência de grandes catástrofes envolvendo mdustrla q lm:ca, como


a " * " u" "
os desastres de Seveso, na Itália (i976), Cidade do México (1984) e Bhopal, na hadia
(1984), diversas instihaições internacionais juntaram seus esforços no sentido de serem

desenvolvidos programas de apoio aos países, para que eles possam se preparar
para não só prevenir, mas também para enfrentar acidentes ampliados envolvendo

produtos perigosos. Dentre esses programas, pode-se destacar:

Diretiva 82/501/EEC- Comunidade Européia. (CD, 82/50L/EEC) citado integralmen-


te no capítulo 12.
A Diretiva 82/501/EEC, mais conhecida como 'Diretiva de Seveso', foi elaborada
pelos países da Comunidade Européia no sentido de prevenir, preparar (e respon-
der a) acidentes industriais ampliados e rninimizar as suas conseqüências para os
trabalhadores, para a população e para o meio ambiente.
" CAER - The Community Awareness and Emergency Response.
O Programa CAER é coordenado pela Chemical Manufacteurs Association (CMA)
dos Estados Unidos e tem por objetivo desenvolver planos locais de r
^
e mergencaas químicas, integrando os planos das indústrias e dos órgãosesposta as
governa-
mentais, bem como as comunidades.
Acidentes Industriais Ampliados

" Prevenç~o de Acidentes Industriais Maiores - OIT.


Programa de recomendações para a prevenção de acidentes industriais amplia-
dos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que tem por objetivo auxi-
liar os países no controle da manipulação de substâncias perigosas, a fim de
proteger os trabalhadores, a população e o meio ambiente.
" IPCS - Intemational Programme on Chemical Safety.
O IPCS é um programa desenvolvido por organismos da Organização das Nações
Unidas (ONU), cuja finalidade é prover informações cientfficas em âmbito interna-
cional para servir de base aos países, de modo que estes possam formular suas pró-
prias ações de segurança química e, mediante cooperação internacional, fortaleçam
os meios e suas capacidades de prevenir e corrigir os efeitos prejudiciais dos produ-
tos químicos, além de fazer frente às situações de emergencla.
^ "
APELL -- Awareness and Preparedness for Emergencies at Local Level.
Manual elaborado pelo Departamento de Meio Ambiente e Indústria do Programa
de Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP), que tem por finalidade ajudar os
elementos responsáveis e o pessoal técnico envolvido na conscientização das
comunidades com relação às instalações de risco e na elaboração de planos de
atendimento á eventos inesperados envolvendo produtos químicos, que possam
representar ameaças à vida e ao meio ambiente.

AÇÕES DA ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICÀNA DA SAÚDE

A preocupação com os acidentes químicos vem sendo alvo de preocupações


dos organismos internacionais desde a Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente de Estocolmo em 1972, quando foram feitas diversas recomendações para
o desenvolvimento de programas de alerta e prevenção dos efeitos dos produtos
químicos no meio ambiente. Uma primeira ação desencadeada foi a criação do
International Programme on Chemical Safety (IPCS), conforme já mencionado. Pos-
teriormente, em 1986, a XXII Conferência Pan-Americana aprovou o Programa de
Segurança de Substâncias Químicas para a região das Américas.
Mais recentemente, na Conferência das Nações Unidas para Meio Ambiente e
Desenvolvimento, ocorrida no Rio de Janeiro em 1992, o tema foi amplamente dis-
cutido pelos países presentes, tendo sido previsto no capítulo 19 da Agenda 21 ações
diretamente relacionadas com os problemas decorrentes dos produtos químicos
perigosos. Dentre as diversas recomendações previstas neste capítulo, merecem
destaque os Programas para Redução de Riscos, para que os governos, com o apoio
das organizaç6es internacionais, elaborem políticas nacionais e estabeleçam as re-
gulamentações necessárias para prevenção e preparação para casos de acidentes e
as respectivas medidas de resposta para fazer frente a esses episódios.
... Situação na América Latina e Caribe...

A Organização Pan-Americana da Saúde, por intermédio do Programa de Pre-


parativos para Situações de Emergência e Coordenação de Socorro em Casos de
Desastres (PED), vem implementando um programa de médio prazo, cujos objeti-
" "
vos e estrateglas estão descritos a seguir (Machín, 1996):
Objetivo geral: apoiar os países da região no desenvolvimento de programas nacionais
de prevenção, preparação e resposta a acidentes químicos.
Prevenção: todos os países da região devem ter conhecimento dos riscos químicos pre-
sentes em seus territórios e devem realizar uma avaliação qualitativa desses riscos. Para
tanto, devem adotar as seguintes estratégias:
. promover e intensificar a conscientização em diferentes níveis dos perigos quí-
micos existentes na região e suas onsequenclas;
C "~ ^ "

- promover a introdução de regulamentações nacionais para o manejo dos riscos


qulmlcos;
. promover o desenvolvimento de programas para a prevençfio e o manejo de
emergências químicas;
promover a implementação de programas de toxicovigilância
" Preparação: todos os países da região devem avaliar as necessidades de preparação do
setor da saúde para emergências químicas paralelamente às atividades de prevenção,
adotando as seguintes estratégias:

preparar e disseminar materiais informativos e de treinamento, como por exem-


plo: Manual de Políticas e Operações para Resposta a Emergências Químicas;
- capacitar os representantes da OPAS e os coordenadores de desastres do setor da
saúde nos conceitos baslcos
" " de preparação e resposta a emergências;
- estimular o estabelecimento e o reforço de Centros Especializados de Informação
(Centros Nacionais de Resposta a Emergências Químicas e de Informações
Toxicológicas);
. identificar e.reforçar os centros de referência e de colaboração.
Resposta e mitigação: planejar detalhadamente as responsabilidades da OPAS para a
resposta a emergências químicas, identificar e preparar as equipes que implementarão
essas atividades, tomando por base a " "
s seguintes estrategaas:
desenvolver progressivamente a capacidade de mobilização de especialistas regi-
onais para assessorar os setores da saúde dos países da região, em particular no
tocante a:
- avaliação das necessidades para emergências sanitárias;
- prestação de serviços de saúde em emergências;
- coordenação e mobilização de assistência externa ao setor da saúde.
"estimular os países a se documentarem e divulgarem as experiências Sobre respostas do
setor da saúde a situações emergenciais envolvendo substâncias químicas, além de
proporcionar a troca de informações entre órgãos e profissionais envolvidos com o tema;
" promover o desenvolvimento de estudos clinicos, epidemiológicos e toxicológicos
relacionados çom emergências químicas para a compilação de dados em bancos nacionais
e internacionais.
Acidentes Industriais Ampliados

O desenvolvimènto do programa ao longo dos últimos anos tem apresentado


bons resultados, uma vez que alguns países da América Latina e do Caribe já possu-
em hoje seus planos e estruturas próprias para fazer frente às emergências quími-
cas, como é o caso da Argentina, do México e do Brasil, entre outros. No entanto, há
a necessidade de outras ações serem implementadas no~sentido de que.' os países
efetivamente se preparem não só para atender adequadamente as emergências en-
volvendo substâncias químicas, mas também visando a prevenir a ocorrência de
acidentes ampliados.

ATIVIDADES EM DESENVOLVIMENTO PELO PED

Várias ações têm sido implementadas no âmbito do Programa de Preparati-


vos de Desastres para Situações de Emergência e Coordenação de Socorro em caso
de Desastres (PED), SOB A coordenação da OPAS, em especial no tocante à troca de
experiências entre os países, capacitação de técnicos ç divulgação de informações
através de guias e manuais técnicos (Machín, 1996).
Outra atividade que vem sendo intensificada diz respeito à realização de en-
contros técnicos, congressos e seminários, de forma que os resultados oriundos das
discussões desses eventos se transformem em recomenctações, visando à
implementação destas, com o apoio do programa (Machín, 1996).
Dentro do contexto, mencionaremos a seguir as principais atividades regionais
(Machín, 1996):

(1) Reunião de Técnicos Celebrada em Montevidéu (Uruguai) Sobre os Preparativos do


Setor da Saúde em Casos de Acidentes Químicos.
Em agosto de 1993, se reuniram especialistas em engenharia química, segurança industri-
al, toxicologistas e técnicos em manejo de desastres químicos. Durante este evento, os
participantes expressaram a necessidade de acelerar as atividades de_preparação para
desastres causados por substâncias químicas, devido à crescente vulnerabilidade dos
países da região laüno-americana. Identificaram as principais causas pelas quais os países
da América Latina estão atrasados nos seus preparativos para desastres de origem quími-
ca, entre elas podemos mencionar as seguintes:
, falta de conhecimento do problema relacionado com agentes químicos, sua
vulnerabilidade a desastres tecnológicos e suas conseqüências econômicas e
políticas;
pouco ou falta de interesse por parte das autoridades, escassez de pessoal dentro
do setor da saúde treinado neste campo, e a falta de legislação e normas adequadas;
-falta de iniciativa do setor público para incorporar o tema de manejo dos acidentes
químicos (atualmente muito centralizado) ao setor público; problema de enlace
e pouca participação das indústrias;
_. Situação na América Latina e Caribe...

má assimilação da transferência da tecnologia;


escassez de centros de informação sobre substâncias químicas e seus riscos na
região; insuficiente informação pública;
deficiência nos aspectos de gerência:

Recomendaram também fomentar ações de outras agências como, por exem-


plo, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNLrM~) e seu progra-
ma Awareness and Preparedness for Emergencies at Local Level (APELL), bem como
da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econõmico (OCDE), do Progra-
ma Internacional de Segurança de Substâncias Químicas (IPCS) e de outras.

(2) Curso Regional sobre Planejamento, Prevenção e Resposta aos Acidentes Químicos
na América Latina e no Caribe (novembro de 1993, Tlaxcala, México).
Dezessete países da região participaram deste evento. A finalidade do curso foi
discutir os aspectos principais que se dexTe ter em mente na preparação e na respos-
ta do setor da saúde aos desastres causados por substâncias quflnicas (Machín, 1993).
Neste curso foram revistos Os estudos de caso de calamidades recentes, como
por exemplo as explosões de Guadalajara, México, e em grupos de trabalho revisa-
ram-se as melhores metodologias de resposta, inclusive o uso de bases de dados
sobre substâncias químicas e os contatos com os centros de emergências, a fim de
obter uma informação rápida sobre como manejar acidentes de substancias quími-
cas perigosas (Machín, 1993).
(3) Em 1996, foi realizado na Cidade do México o Simposio Regional sobre Preparativos
para Emergencias y Desastres Químicos: un reto para el siglo XXI, evento do qual
participaram representantes de 30 países da região da América Latina e do Caribe e que
teve os seguintes objetivos:
. apresentar as metodologias e os instrumentos para prevenção, preparação e
resposta a emrgências com substâncias químicas;
- capacitar os participantes na a_plicação dessas metodologias e estruturar planos
de resposta a acidentes dessa natureza;
. trocar experiências e informações sobre os mecanismos de auxilio internacional e
as formas como eles podem ser acessados.
No decorrer do simpósio, al6m das palestras e dos debates técnicos ocorridos, fo-
ram realizados exercícios simulados e diferentes trabalhos em grupo, resultando numa
série de recomendações, as quais vêm norteando a implementação de ações no âmbito
do programa. Dentre as principais recomendações, cabe destacar as seguintes:
identificar o problema e estabelecer as necessidades;
formação de equipe:
-identificar os atores principais;
° integrar o grupo de trabalho em diferentes níveis (naõonal, estadual e municipal);
Acidentes Industriais Ampliados

" fortalecer a implementação de ações:


- definição de responsabilidades dos diferentes atores e níveis;
definição de legislação específica;
-definição de estratégias e metodologias de trabalho;
" execução das ações:
- análise pontual dos riscos;
desenvolvimento e execução de projetos e " "
specíficos;
- normalização preventiva;
preparação para resposta a emergências;
definição de ações e responsabilidades para o controle de acidentes.
No caso dos países onde não existir, recornendou-se a criação de um comitê no
nível do mais alto cargo do governo nacional, estadual ou municipal, para a
coordenação das atividades de prevenção, mitigação, preparação, resposta e
avaliação dos acidentes ou desastres químicos. O referido comitê deve ser legalmente
constituído e assessorado por organismos internacionais, quando necessário, cabendo
a ele o desenvolvimento das seguintes atividades (Machín, 1996):

Legislação:
-
naSe leis,, sobre
speclfico sobre aprevenção
prevençãodededesastres recomendou-se a inclusão de um capítulo
riscos qu'm~cos;"
- a legislação existente nos países sobre o tema deve ser revisada com a finalidade ti
se detectar a necessidade de elaboração e implementação de novas leis e alteração
das existentes, contemplando o rigor requerido pelo tema a "
cldentes qumucos;
- propor aos poderes legislativos a criação de normas e a eliminação -
daquelas con-
sideradas.inadequadas à luz da visão atual sobre o assunto.
" Prevenção e mitigação de e ^ "
mergenclas:
implementär a metodologia Apell, incluindo a participação do governo, da indústria e
da comunidade;
promover a criação de centros de controle e a capacitação de seus integrantes;
reforçar a consciência de risco, incluindo estudos para a análise e a avaliação dos
riscos de acidentes e de mecanismos para a comunicação desses riscos;
implementar inventário de recursost'ecmcos," humanos e tecnológicos;
- estabelecer mecanismos gerais para o controle de emergências;
realizar reuniões em todos os níveis para informar a sociedade sobre os riscos e o
manejo adequado de emergências.
""
" Preparativos e specíficos para atendimento a ^ " e desastres qumucos:
emergenclas . .
. fortalecer os planos existentes sobre riscos químicos;
elaborar mapas de riscos;
implementar mecanismos de comunicação de riscos, promovendo a informação
ao público;
desenvolver programas de capacitação e educação segundo o nível de
responsabilidade;
Situação na América Latina e Caribe...

realizar treinamentos e exercícios simulados;


- estabelecer procedimentos de resposta;
- estabelecer mecanismos para recuperação de áreas e avaliação dos efeitos;
implementar bibliotecas mínimas especializadas na resposta a acidentes químicos.

Com base nessas diretrizes, a coordenação regional do Programa de


Preparativos para Situações de Emergência e Coordenação de Socorro em Casos
de Desastres vem trabalhando no sentido de assessorar os países da região,
visando à efetiva capacitação e ao aperfeiçoamento dos sistemas existentes para
fazer frente a acidentes químicos.
- (4) Reunião sobre Emergências Químicas na Fronteira do México com os Estados Unidos.

A fronteira entre Estados Unidos e México representa uma área predisposta


aos riscos de emergências produzidas por substâncias químicas devido ao impor-
tante tráfego entre os dois países. Portanto, foi organizada a reunião sobre emergên-
cias químicas na fronteira entre o México e os Estados Unidos em junho de 1997. Os
seguintes temas foram discutidos:
. instrução e treinamento de pessoal para responder a emergências causadas por
desastres químicos;
resposta médica a desastres químicos;
o resposta aos acidentes de transporte e eliminação de resíduos industriais perigo-
sos no México;
. prevenção de acidentes causados por transporte de substâncias e resíduos peri-
gosos na área da fronteira;
preparação para desastres químico¿ na Cidade Juarez~

Participaram deste evento profissionais de cidades de ambas as fronteiras os quais


estão interessados em continuar desenvolvendo atividades relacionadas a este tema.
Acidentes Industriais Ampliados

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBERT, L. A. Los Accidentes Químicos en America Latina. Curso Regional sobre Planificación,
Prevención y Respuesta de los Accidentes Químicos en América Latina y el Caribe.
México: PED/ECO/OPas, 1993.
CD 82/50L/EEC). cap. 12 deste livro, Directiva 82.
MACHÍN, D. G. Programa OPS para Emergencias Químicas en América Latina 11 el Caribe. Curso
Regional sobre Planificación, Prevención y Respuesta de los Accidentes Químicos en
América Latina y el Caribe. México: PED/ECO/ OPAS, 1993.
MACHÍN, D. G. Memoria del Simposio Regional sobre Preparativos para Emergencias y Desastres
Químicos: un reto para el siglo XXI. México: PED/OPAs/OMS, 1996.
SERPA, R. R. et al. Atendimento a Acidentes com Produtos Químicos. São Paulo: Cetesb, 1993.
(Série Manuais)
SILANO, V. Evaluación de Riesgos para La Salud Publica Asociados con Accidentes Causados por
Agentes Químicos. México: Centro Panamericano de Ecologia y Salud (ECO), 1984.
WEYNE, G: R. de S. Análise e Discussão dos Grandes Desastres da Indústria Química e Ensinamentos
Resultantes. In: SEMINÁRIO DE SEGURANÇA INDUSTRIAL, 6. Curitiba: Instituto
Brasileiro de Petróleo, 1988.
ANÁLISE E REGISTRO DE ACIDENTES -
A EXPERIÊNCIA DOS PAÍSES NÓRDICOS*

Ronald Wennersten

A notificação de incidentes e acidentes tradicionalmente tem focalizado lesões


e doenças relacionadas ao trabalho. Esses sistemas de notificação têm sido
desenvolvidos principalmente em razão de demandas legais provenientes dos
sistemas gerais de seguridade. Deste modo, somente incidentes e acidentes que
afetaram os trabalhadores são notificados. Esta tradição ainda é dominante nos países
nórdicos; porém, como resultado da crescente consciência da importância de se
adquirir conhecimento das experiências passadas, vêm-se desenvolvendo diversas
novas tendências em direção a sistemas mais gerais de registr0s de incidentes.
Sabe-se que grande parte de incidentes e acidentes que ocorrem nas indústrias
de processo e manufatura é causada por eventos que já ocorreram dentro da mesma
indústria ou em oútras do mesmo setor. No processo de tomada de decisão na época
em que o acidente ocorreu, entretanto, essa experiência era desconhecida pelas
pessoas que tinham como tarefa lidar com a situação que gerou o acidente.
O problema é encontrar meios efetivos para utilizar todas as experiências
existentes em casos de incidentes e acidentes anteriores, em diferentes tipos de
situaç6es em que seja necessário tomar decisões. Essas situações podem ocorrer
durante a operação normal de produção, nas fases de anãlise de riscos, na concepção
de novos projetos de processos industriais ou em modificações de antigos, durante
o reparo ou a manutenção.
É também bem conhecido o fato de que, por trás do número total de incidentes
e acidentes em uma indústria, existem numerosos distúrbios menores, os quais, na
sua grande maioria, não são registrados ou analisados. O número total de acidentes
é então a ponta de um iceberg, tendo como base todos os distúrbios menores que se
encontram encobertos na superfície. Os acidentes freqüentemente ocorrem quando
diversos incidentes menores coincidem e diversas barreiras de proteção falham.
Para reduzir o número de acidentes, então, devemos compreender melhor essas
barreiras e reduzir o número de distúrbios,menores. Isto só pode ser realizado

*:Tradução: Carlos Machado de Freitas; revisão técnica: Jorge Mesquita Huet Machado.
Acidentes h~dustriais Ampliados

, . i
mediante o registro desses acidentes, de modo que os torne efetivamente dlsporuve s
em conexão com análises de riscos. Assim, pode-se prevenir que conduzam a
acidentes químicos ampliados alterando o projeto, treinando os operadores,
modificando as instruções de operação etc.
Muitos acidentes ocorrem em conexão com incidentes durante a produção, de
maneira que o seu registro pode ser bastante útit na prevenção de acidentes (D66s
& Backstr6m, 1993). O registro de incidentes é também importante pelo fato de que
estes provocam efeitos em outras áreas. Portanto, um bom gerenciamento de
incidentes conduzirá a uma produção mais efetiva, melhor qualidade e menos
impactos ambientais (Kjellén, 1996).
Quando se lida com incidentes menores, a classificação do potencial de
conseqüências para cada um deles deve, deste modo, incluir não somente os efeitos
sobre os trabalhadores, mas também sobre a qualidade, o meio ambiente, o
equipamento, a-capacidade de produção etc.
Diante desse conhecimento, duas grandes tendências para o registro de
incidentes têm sido desenvolvidas. A primeira é a coleta de registro de incidentes e
acidentes em diferentes ramos industriais que apresentem condições e tradições
similares. Este tipo de sistema se encontra ainda muito focado nas lesões relacionadas
ao trabalho. Deste modo, experiências podem ser transferidas para empresas em
que certo tipo de acidente ainda não tenha ocorrido.
A segunda tendência está na direção de sistemas de registros integrados, nos
quais até os desvios menores são registrados, incluindo a classificação do potencial
de conseqüências relacionado. Assim, um verdadeiro modo integrado de lidar com
segurança, saúde, meio ambiente e qualidade é desenvolvido. O registro diário e a
análise de desvios menores na produção também criam uma atmosfera de
aprendizado contínuo para as equipes de produção em que os operadores estão
ganhando mais e mais responsabilidades. A massa de registro de incidentes menores
também cria uma base de dados mais confiável para mensurar a performance da
segurança no sistema de gerenciamento da própria segurança.
Outro importante fator é, naturalmente, o aumento da consciência sobre o
crescimento dos custos para incidentes e acidentes. Na Noruega, por exemplo, o SmrrEF
(Gerenciamento Industrial, Departamento de Segurar~~ça e Confiabilidade) levou a cabo
um estudo dos custos de acidentes na indústria daquele país. O estudo demonstrou
que os acidentes industriais custam à sociedade cerca de US$ 3 bilhões por ano. O
estudo incluiu os acidentes que causaram lesões em seres humanos, danos para os
bens materiais e perda de tempo na indústria.
...AExperiência dos Países Nórdicos

PADRÕES/CÓDIGOS E LEIS

Os requerimentos legais sempre estabelecem os limites mínimos para a segurança


do trabalho na indústria. O principal problema, especialmente para as empresas
menores, é que a area" lega1 é dividida entre diferentes autoridades do governo. As
principais áreas que regulam as demandas para o registro de incidentes nos países
nórdicos são:
. o sistema nacional de controle para segurança e saúde dos trabalhadores;
. as regulamentações gerais que se encontram em conexão com a çegulamentação especí-
fica acerca dos riscos de acidentes industriais ampliados da comunidade européia.

O S I S T E M A N A C I O N A L D E C O N T R O L E P A R A S E G U R A N Ç A « E, S A Ú D E D O S
TRABALHADORES

O controle de segurança no trabalho da Noruega foi primeiramente introduzido


com o objetivo principal de controlar a segurança nas atividades de petróleo off-shore no
século XVIII (Saksvik & Nytro, 1995). Em 1992, a legislação foi ampliada com novas
regulamentações obrigatórias para todas as empresas, públicas 6 privadas. O âmbito da
regulamentação foi estendido para além da segurança no trabalho e do controle de
perigos de acidentes industriais ampliados para envolver também a segurança do
produto, o ambiente de trabalho, o planejamento de emergências e a proteção do ambiente
externo às indústrias no sentido do controle da poluição e de um melhor tratamento
dos rejeitos industriais. As regulamentações na Noruega são resultado da colaboração
próxima e integrada de todas as autoridades responsáveis por segurança, saúde e meio
ambiente.1 A mesma tendência se verificou em outros países escandinavos.
Na Suécia, o Conselho Nacional para Segurança Ocupacional e Saúde (CNSOS)
é a autoridade administtativa central para as questões relacionadas ao ambiente de
trabalho. Seus princípios básicos estão contidos no Ato Para o Ambiente de Trabalho,
para o qual o Conselho de Questões Ordinárias define detalhadamente os critérios e
as obrigações em que existam preocupações com o ambiente de trabalho. Atua-se
em colaboração com as partes do mercado de trabalho. As regras prevêem que o
empregador deve sistematicamente planejar, dirigir e inspecionar as atividades de
modo que conduza o ambiente de trabalho a ir ao encontro dos requerimentos
apontados nos Atos e Provisões da autoridade governamental. Ele deve também
investigar as lesões pro;¢ocadas pelo trabalho, continuamente averiguar os perigos
das atividades e tomar medidas imediatamente. De acordo com a extensão do que

Na versão em inglês, o autor expressa esta integração conectando as palavras Safety-Health-Environment,


que foram resumidas no breve termo SHE, o qual demonstra a integração das áreas de Segurança, Saúde
e Meio Ambiente, que passaram a atuar juntas a partir de 1990.
Acidentes Industriais Ampliados

requer a atividade, o empregador deve documentar as questões relacionadas ao


ambiente de trabalho e as medidas para melhorá-lo. Planos de ação devem ser
preparados em conexão.
O CNSOS é também responsável pelo ISA, um sistema de registro nacional de
informações sobre acidentes ocupacionais e doenças relacionadas ao trabalho. As
estatísticas produzidas pelo ISA (Gráfico 1) são utilizadas para a prevenção de
acidentes de trabalho e problemas de saúde relacionados ao trabalho. Este sistema
ajuda a identificar os grupos de riscos e os problemas dos ambientes de trabalho.
A informação é compilada a partir dos relatórios dos escritórios da seguridade social
que têm como base legal o Ato de Seguridade de Lesões de 1976, o qual requer que os
empregadores registrem todos os acidentes de trabalho e doenças relacionadas ao trabalho.

Gráfico 1 - Lesões ocupacionais na Suécia, 1980-1996 (somente acidentes


ocupacionais com afastamento do trabalho)

Número de casos por 1.000 trabalhadores


~o
Acidentes, homens
Acidentes, mulheres
Doenças, homens
Doenças, mulheres

.-Source: ISA, Labour Force Survey.

AS REGULAMENTAÇÕES EM CONEXÃO COM OS RISCOS DOS ACIDENTES


AMPLIADOS

A principal regulamentação para prevenir acidentes industriais ampliadós que


possam afetar a segurança e o meio ambiente é a Diretiva Seveso. A Diretiva Seveso
original (CD. 82/501/EEC) está implementada em todos os países nórdicos. O re-
gistro de incidentes e a sua investigação estão enunciados no seu Artigo 10:
...A Experiência dos Países Nórdicos

OsEstados-membros devem tomar todas as medidas necessárias para assegurar


que assim que um acidente ampliado ocorra a indústria deva ser requerida a:
Provê-los com as seguintes informações assim que se tornem disponíveis:
a circunstância do açidente;
- as substâncias perigosas envolvidas, dentro do significado do artigo 1(2)(d);
os dados disponíveis para avaliar os efeitos do acidente sobre o homem e o meio ambiente,
bem como as medidas de emergências tomadas;
Informá-los acerca dos passos tomados:
para aliviar os efeitos do acidente a médio e longo prazo;
para prevenir qualquer ocorrência como o acidente ocorrido.
A nova Diretiva Seveso II adotada (96/082/EEC), que deverá ser implementada
pelos países em 1999, estabelece que:
O relatório de segurança deve ser periodicamente revisto e atualizado onde se
faça necessário:
, pelo menos a cada cinco anos;
, em qualquer outro tempo como iniciativa do operador ou requerimento da autoridade
competente em que seja justificado por fatos novos ou que se tomem em conta novos
conhecimentos técnicos acerca de questões relacionados à segurança que surjam, por
exemplo, da análise de acidente ou, quando possível, 'quase-perdas', e do
desenvolvimento do conhecimento referente à avaliação de perigos.
O Sistema de Registro de Acidentes Ampliados (SRAA)2 foi estabelecido para
processar a informação sobre acidentes industriais ampliados ocor.ridos nos esta-
dos membros da União Européia e submetidos à Comissão Européia, de acordo
com as provisões de Seveso e suas emendas e revisões. Correntemente, o SRAA
possui dados sobre cerca de 240 acidentes ampliados e se encontra disponível
On-Iine na Internet (http://mahbsrv.jrc.it/framework-seveso2-1eg-en.html).

DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO GERAL SOBRE INVESTIGAÇÃO E REGISTRO DE


INCIDENTEs EM DIFERENTES RAMOS INDUSTRIAIS DOS PAÍSES NÓRDICOS

O nível no qual a investigação e o registro de incidentes é levado a cabo difere


significativamente entre diferentes ramos industriais e empresas de diferentes
tamanhos. O método tradicional consiste em utilizar folhas de manuais desenvolvidos
para atender os propósito8 das seguradoras, de modo que somente incidentes sérios,
acidentes e doenças relacionadas ao trabalho são registrados. Somente para acidentes
sérios uma investigação detalhada é conduzida, não havendo um modo sistemático
de descrição das causas dos acidentes.
2

20 termo em inglês é Maj or Accident Reporting System (MARs).


Acidentes Industriais Ampliados

Em poucas empresas as folhas desses manuais têm sido trocadas por bases de
dados em que somente acidentes de trabalho relacionados com lesões são registrados.
Tanto para o desenvolvimento de estratégias preventivas como para análises de
riscos, a utilização dessas informações acaba sendo dè valor bastante limitado por
conta da ausência de um modelo apropriado para a descrição de causas.
O Sistema de registro de incidentes mais desenvolvido é o utilizado pela indústria
nuclear, que tem adotado um modo mais sistemático de definir a seriedade dos
incidentes. A escala INES relaciona incidentes numa escala que vai de 1 a 7. Por
exemplo: nos níveis de 4 a 7, são classificados como acidentes. No caso de um
incidente no nível 1, a classificação é de um incidente menor, afetando somente a
operação da planta. Na Suécia, incidentes são registrados pelo Swedish Nuclear
Power Inspectorate (SKI). Neste caso, a avaliação primária da escala de um incidente
é realizada na planta nuclear, para então ser avaliada pelo SKI e somente então chegar
a uma avaliação final. A maioria dos incidentes registrados no SKI está abaixo da
escala e é classificada como 0. Para se ter uma idéia dos níveis, um exemplo de um
incidente no nível 2 foi registrado somente em 1977 na planta nuclear de Ringhals 4.
Este incidente foi registrado como: fechamento de válvulas de espuma de bombeamento
nas linhas de sucção durante a fase de partida após o refluxo.
Na indústria de processo químicO e na indústria off-shore, diversos sistemas mais
avançados de registros integrados de incidentes têm sido desenvolvidos. Estes sistemas
serão discutidos a seguir.

ANÁLISE E REGISTRO DE ACIDENTES COMO PARTE DO


SISTEMA DE GERENCIAMENTO

Sistemas de gerenciamento são hoje amplamente implementados em grandes


empresas, principalmente para atender as demandas de diferentes espécies de
certificações. Isto pòde ser a ISO 9000 para certificação de qualidade e a ISO 14001
para certificação ambiental. Não existe na atualidade nenhum padrão ISO para
gerenciamento de segurança, porém muitas companhias procuram integrar segu-
rança, saúde e meio ambiente em seus sistemas de gerenciamento de modo a evitar
um trabalho excessivo. O padrão inglês BS8800 freqüentemente serve como modelo
para muitos desses sistemas. Qualidade é, entretanto, usualmente tratada separa-
damente nos sistemas de gerenciamento.
Um princípio geral nesses sistemas de gerenciamento é que características de
operações e atividades, as quais podem ter um impacto significante na segurança e
no meio ambiente, necessitam ser regularmente monitoradas e mensuradas. Regis-
tro de monitoramento e mensuração das informações são requeridos para acompa-
...A Experiência dos Países Nórdicos

nhar a performance, para provar que os controles operacionais são efetivos e para
demonstrar conformidade com objetivos e metas. Monitoramento e mensuraçã0 re-
sultam da necessidade de serem comparados aos requisitos legais e outros requeri-
mentos paradeterminar se estão de acordo com eles.
O registro tradicional de acidentes é, entretanto, pobremente reconhecido como
um fonte de informações para o monitoramento da performance de segurança. Mais e
mais companhias se dão conta de que grandes quantidades de incidentes triviais são
o melhor espelho da atual situação da empresa. O problema é, naturalmente, ter to-
dos esses incidentes registrados. A experiência demonstra que somente empresas que
efetivamente utilizam as informações provenientes dos relatórios de incidentes para
um trabalho prevenfivo mantêm nível sustentável de registro de incidentes. O limita-
do tempo para as campanhas de registro de incidentes usualmente tem um efeito
duradouro reduzido. Somente quando as pessoas vislumbram que a informação so-
bre incidentes pode ser utilizada para aumentar o nível de segurança aceitam registrá-
los como rotina diária, É também reconhecido que o nível de registro pode permane-
cer ou falhar dependendo da atitude do gerente sènior da empresa.
Em muitas indústrias de processo, os supervisores são substituídos pelos opera-
dores de turno. Os operadores também têm mais responsabilidades no que concerne
a manutenção, reparo, planejamento etc. Rotinas para registro e investigação de inci-
dentes têm provado serem um efetivo modo para o contínuo aprendizado e mudan-
ças necessárias para aumentar a segurança. Por meio de discussões regulares de des-
vios que ocorrem na planta, as equipes de turno podem desenvolver modos de opera-
ção da planta melhorando gradualmente as técnicas e a organização.

SISTEMAS AVANÇADOS PARA IN'v~ESTIGAÇÃO E REGISTRO DE


ACIDENTES -- ESTRUTURA E USO PRÁTICO

Diversos sistemas mais avançados para o registro de incidentes vêm sendo


utilizados nos países nórdicos. Em comparação com os métodos tradicionais, eles
apresentam alguns aspectos em comum:
- são implementados em bases de dados computadorizadas;
" possuem uma classificação formal de causas;
" admitem múltiplas causas para os incidentes;
consideram os fatores técnicos, humanos e organizacionais como causas básicas para os
incidentes;
possuem um potencial para uma comunicação mais efetiva de experiências provenientes
de incidentes registrados por intermédio de bases de dados e funções de
correspondências.
Acidentes Industriais Ampliados

Somente dois dos mais amplamente utilizados serão discutidos aqui. Dispõem
de muitos dos aspectos e das características dos outros sistemas.

O SISTEMA SYNERGI

Uma das ferramentas mais sofisticadas é o sistema Synergi. Em meados de 1992,-


companhias como Aker, Brasthens Helikopter (agora parte do Helikopter Service),
Norsk Hydro, Saga Petroleum, Smedvig e Statoil juntaram suas forças de modo a
desenvolverem uma base de dados central sobre danos, perdas e acidentes na indústria
off-shore. O projeto, denominado Synergi®, foi recentemente estendido para incluir
sistemas utilizados em computadores de pequeno porte, de modo que eventos possam
ser registrados, analisados e acompanhados por várias outras empresas.
O conceito Synergi utiliza o modelo de causação de perdas proveniente do Det
Norske Veritas (DNV) para localizar as causas subjacentes de acidentes e incidentes.
Este modelo desempenha um papel integral no International Safety Rating System®
(ISRS), o qual é correntemente utilizado por cerca de cinco mil empresas no mundo.
O modelo não só assegura que as causas diretas de um incidente sejam
localizadas como também ajuda a identificar as causas b~sicas e as falhas do controle
de gerenciamento. Somente localizando essas causas subjacentes podem ser tomadas
medidas para, mais do que simplesmente curar os sintomas, eliminar as rotas de
causas de um problema.

Quadro 1 - Modelo de causas no Synergi

Ausência de Eventos
Causas ] Incidente
Controle Básicos Imediatas
Perdas [

Inadequado
Sistema
Fatores
Pessoais I
Atos/Práticas
Fora dos
Padrões Perdas e
Padrões Fatores Evento Danos
. Requeri- Relacionados Condições Indesejados
mentos Sistema/ Fora dos
Tarefa Padrões

O conceito Synergi inclui critérios para classificar acidentes e quase perdas de


acordo com o seu potencial de perda total. Este potencial quase freqüentemente
excede as perdas atualmente ocorridas. Do mesmo modo, uma quase-perda pode
..A Experiência dos Países Nórdicos

tornar-se um acidente industrial ampliado ca~o as circunstâncias tivessem sido um


pouco diferentes. Medidas preventivas e corretivas devem ser tomadas de acordo
com isto. A resposta lógica é classificar cada evento indesejado de acordo com seu
potencial total de perda. Eles são classificados segundo cinco níveis de potencial de
severidade e cinco freqüências de possíveis recorrências.
Níveis de riscos são designados 'alto', 'médio' ou 'baixo', e uma meta de que os
incidentes de alto risco cheguem a zero é enunciada por muitos dos usuários que
aplicam o Synergi. A estimativa de potencial de perda de um incidente nem sempre,
naturalmente, é fácil de se calcular. Em muitos casos, a combinação de incidentes
menores pode conduzir a um acidente industrial ampliado, enquanto cada incidente
separadamente pode não conduzir a conseqüências sérias.
Diversos tipos de perdas podem ser causadas por um acidente.A aplicação do
Synergi permite aos usuários definirem suas próprias categorias de perdas,
considerando-se que em um sentido amplo trata-se de um termo relativo. Categorias
mais freqüentemente utilizadas são lesões pessoais, emissões/vazamentos
ambientais, danos materiais, perda de produção, perda de negócios ou reputação.
A aplicação do Synergi também ajuda a definir e acompanhar medidas corretivas
e preventivas induzidas por acidentes ou quase-perdas, Relatórios de
acompanhamento cobrem questões críticas, tais como ações que devem ser tomadas
pelos departamentos ou indivíduos e que, no entanto, são deixadas de lado. Para se
aprender com erros passados, você necessita conhecer o que aconteceu epor que, e
que contramedidas foram adotadas como resultado. A base de dados central Synergi
contém todas essas informações cruciais, com dados variando das rotas de causas de
um acidente industrial ampliado aos projetos de modificações inovadores. Um novo
aspecto da aplicação do Synergi também permite a transferência imediata de detalhes
de um acidente ou uma quase perda para indivíduos ou para unidades organizacionais
inteiras, utilizando um protocolo padrão de transferência de informação.

INCIDENT

Incident é uma ferramenta de software que intensifica a documentação de


distúrbios, incidentes, acidentes e lesões relacionadas ao trabalho, É parte do sistema
Riskoffice, o qual fòi desenvolvido durante 1988-1998 pela Bofors Explosives AB em
cooperação com Syntheseis Nordic AB na Suécia (Wennersten, Narfeldt & Sjékvist,
1995). O sistema tem sido implementado como um formato padrão de base de dados
e contém módulos PC para o registro de incidentes e análise de riscos. O sistema é o
mais amplamente avançado na Suécia.
O Incident dispõe de uma entrada de interface para a base de dados (Figura 1).
Fatos gerais dos eventos são colocados dentro, tornando viável uma simples análise
Acidentes Industriais Ampliados

de causas e de ações preventivas. Relatórios podem ser impressos sozinhos,


mensagens eletrônicas podem ser enviadas ou exportadas para processadores
c o m u n s d e f o r m a t o Wo r d . E s t a t í s t i c a s c o n c e r n e n t e s a c a u s a s e a ç õ e s s ã o
demonstradas em diagramas 3-D, os quais podem ser impressos ou copiadospara
outras aplicações Windows.
O sistema Incident tem múltiplas linguagens e pode facilmente ser transferido
para uma nova linguagem. O uso de listas facilita à adoção por novas empresas.
Existem três importantes objetivos para o sistema, os quais são:
distribuir informações,concernentes a incidentes de modo efetivo e estruturado;
- acumular experiê~cias que possam ser utilizadas conjur~tamente com outras ferramentas
para análise de riscos;
prover material.estatístico para o trabalho preventivo.
Cada incidente é registrado diretamente na base de dados utilizando sete formas
de acordo com a Figura 1. Estas formas são:
Geral - A forma geral contém informações sobre o incidente ocorrido e uma descrição
bastante curta dele. A partir de uma lista predefinida, o usuário entra com informações
sobre qual a atividade e em que estágio do processo o incidente ocorreu. Esta lista pode
ser desenvolvida por cada companhia.
- Conseqüências - As conseqüências para os trabalhadores, o meio ambiente, a qualidade
e os equipamentos são registradas. Pode-se também entrar com estimativas primárias
dos custos para cada tipo de conseqüência.
Relato - Na forma de relatórios podemser escritas inform~ções detalhadas acerca do
incidente.
Causas/Ações - Causas diretas, assim como causas básicas para o incidente,~ são esco-
lhidas a partir de uma lista. As causas são tomadas de uma lista predefinida. Exemplos
de causas diretas são Falhas no Sistema de Controle, Falhas Mecânicas, Métodos de
Trabalho Inadequados. Exemplos de causas básicas são Ausência de Manutenção, Ro-
tina/Organização, Ausência de Conhecimento. Também a partir de uma lista de tipo
de ações preventivas, a qual pode ser a mais provável se levada de um modo ¿orreto,
evitar-se-ia um incidente ou acidente. Esta informação é utilizada mais tarde para
otimizar o trabalho preventivo. Ações tomadas Lmediatamente, assim como as ações
propostas mais tarde, são registradas conjuntamente com informações sobre quem é
responsável por levar a cabo as ações.
Substância/Equipamento - Substâncias e equipamentos são registrados a partir de uma
lista predefinida ou registrados manualmente.
Imagens/Vídeo - Nesta forma, fotos e vídeos podem ser armazenados demonstrando
detalhes do incidente. Estas formas são usualmente utilizadas somente para incidentes
e acidentes mais sérios.

No ambiente de produção, uma interface mais simples é freqüentemente utili-


zada para os operadores. Esta interface somente contém uma breve descrição do
incidente e ações imediatamente levadas a cabo. Este relatório é posteriormente
complementado por outras pessoas utilizando uma iiiterface estendida.
..A Experiência dos Países Nórdicos

Figura 1 - Layout do sistemade entrada-de dados do Incident

INCIDENT - C:~,RI5KOFFC~,DATAFI-I~,INCIDENT~,ENI~ELSK~,IN_ENfil.MDB . " ]


_.File _Edit Optiom D_ata Statistics ."¿
~ove-r~~oK ei ,egistferad
ID: 1
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' l[ragmenl~ wele scallcred in lhe n~¿re~l 6-7 m~l¿~~ ol lh~ ~oom.
il

[Heating o[ boiler

EXEMPLOS DE SISTEMAS PARA EXPERIÊNCIAS DE REALIMENTAÇÃO


PARA ANÁLISES DE RISCOS E SUPORTE DO OPERADOR

Uma das mais importantes características de uma base de dadosde um sistema


para o registro de incidentes é que a informação pode ser efetivamente recuperada
durantè a análise de riscos. O sistema Riskoffice contém módulos para muitos padrões
de métodos de análises de riscos como Análise Preliminar de Perigo APP), Estudo de
Perigo e Operabilidade (H~oP) e "E se... ?' ('What-!l:?').
A idéia básica do Riskoffice é que a informação e o conhecimento adquirido
com um módulo devem ser facilmente acessíveis em outros módulos. Assim o
conhecimento documentado com Incident pode ser facilmente recuperado durante
a análise de risco utilizando o módulo HAzoP.
HAZOP é uma base de dados ferramenta para documentação em seções da análise.
Pode ser usada para documentação de estudos tradicionais de HAZOP, retratando
funcionalmente aspectos comuns tais como listas selecionadas de estágios típicos
do processo, parâmetros e palavras-guias e impressão de relatórios em diferentes
Acidentes Industriais Ampliados

formatos. Uma função-chave é a possibilidade de busca para relatórios de incidentes,


através do link Incident. A busca é realizada fornecendo-se palavras-chaVe,
automaticamente provenientes do relatório corrente, selecionado a partir de listas
predefinidas ou classes.
Outra característica única do módulo HAZOP é que os resultados das análises
podem ser utilizados para suporte on-line para operadores quando desvios ocorrem
na planta industrial.
A Figura 2 é um simples exemplo de como o conhecimento pode ser transferido
do Incident para o HAZOP de modo a dar suporte ao operador do sistema. O exemplo
indica a situação de um reator R para o qual o reagente A é adicionado continuamente
de modo a controlar a reação que é altamente exotérmica. Um incidente ocorreu
quando a válvula V1 foi aberta enquanto abastecia o tanque A, significando que o
reagente A encheu o tanque prematuramente e que a reação se iniciou antes do
suposto. A confusão foi descoberta pelo operador antes que chegasse a um ponto
crítico do estágio e que a reação atingisse seu ponto máximo. O incidente é descrito
em um relatório do módulo Incident.
Posteriormente, talvez em outra planta, o relatório do incidente é estudado em
uma sessão de análise, utilizando-se o módulo HAZOP. Na análise de riscos, o desvio
de alta temperatura no reator, mensurado pela temperatura do sensor T1, é estudado.
Uma provável causa desta adição prematura do reagente A foi o fato de a válvula
V1 ter sido aberta enquanto o tanque A estava sendo cheio. As conseqüências
possíveis e as ações adequadas, imediatas e preventivas são discutidas e
documentadas no módulo HAZOP. A caracterização deste incidente é também
concluída - V1 foi aberta ao mesmo tempo em que a bomba P1 estava operando.
A informação que entrou no módulo HAZOP se encontra disponível para o
operador por meio da janela referente ao diagnóstico de falhas. O desvio é o alarme
T1.Hi, e a janela de diagnóstico da falha contém a causa previamente discutida. O
operador também checa no módulo de suporte on-line a validade desta causa,
experimentado parelhar a caracterização com valores provenientes da base de dados
do processo, ou, em outras palavras, checa se a válvula V1 se encontra aberta e se a
bomba P1 se encontra em funcionamento. Se isto ocorre, este tipo de causa é altamente
provável, o qual se encontra marcado na janela de diagnóstico de falhas. Para um
caso muito simples, isto demonstra como a documentação de incidentes menores
pode ser um instrumento valioso quando se está realizando uma análise de riscos,
ainda que em outras plantas industriais, e eventualmente pode dar suporte on-line
aos operadores do sistema.
...A Experiência dos Países Nórdicos

Figura 2 - Conhecimento transferido do incidente para o HAZOP de modo a


dar suporte ao operador do sistema

lDISTUReANCE REPORT
INCIDENT: Valve VI open while,filling tank
A. Reactant A is prematurely added to reactor.

Study disturbance report 1


at the time of risk
analysis

RISK ANAL YSIS


DEVIATION: Temperature TI is high.
CA USE." A has been added too early.
CHARACTERIZATION.. V1 open & P1 on
Reactant A is added during When alarm occurs, show
reaction to control temperature possible causes and check
their characterizations for
v a fi d i t y . . .

OPERA TOR SUPPORT


ALARM.. T1.Hi.

TROCA DE EXPERIÊNCIAS DE INCIDENTES E ACIDENTES ENTRE EMPRESAS

Diversos sistemas para o registro de incidentes facilitam a transferência de


"^ " de incidentes para outras ndustnas.
e xpermnclas " . Existem dois grupos principais
i
de aplicação, que são:
bases de dados para acidentes de trabalho e doenças relacionadas ao trabalho;
= bases de dados para incidentes em geral.
Muitos dos sistemas na primeira categoria têm sido desenvolvidos por diferentes
órgãos relacionados aos seguros. Exemplos desses sistemas são ISA e Lisa. ISA é o
registro nacional de informações sobre acidentes de trabalho e doenças relacionadas
ao trabalho da Suécia, também discutido no item, adroes,
p ~ codagos
, . e leas'.
.
Lisa é o sistema para registro e acompanhamento de lesões relacionadas ao
trabalho nas indústrias. Também contém estatísticas gerais, de modo que a indústria
possa co/nparar a situação.
Acidentes Industriais Ampliados

O PIA (Information System for Work Related Injuries in the Paper and Putp
Industry) tem sido desenvolvido em cooperação entre sistemas de seguros gerais e
um consórcio da indústria de papel e de tecidos. Os registros de diferentes plantas
industriais são enviados para uma base de dados central que posteriormente pode
acessar informações.
As indústrias suecas de explosivos desenvolvem um sistema de cooperação em
que vem utilizando o Incident como ferramenta para registros, em que mesmo
incidentes menores são registrados. Quando um incidente ocorre em uma indústria,
um relatório é enviado para a autoridade central, o Serviço Nacional da Suécia de
Inspeção de Explosivos e Inflamáveis. As autoridades distribuem o relatório como
um arquivo de base de dados para todas as outras indústrias relacionadas. Essas
indústrias podem importar o relatório para suas bases de dados e utilizá-los em
conexão com o trabalho preventivo, análises de riscos etc.
...A Experiência dos Países Nórdicos

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PREVENTION AND SAFETY PROMOTION IN T.HE PROCESS INDUSTRIES.
Antuérpia, Bélgica, 1995.
A PREVENÇÃO E OS TRABALHADORES --
ASPECTOS COMPARATIVOS DA LEGISLAÇÃO DOS EUA,
DA GRÃ-BRETANHA E DA HOLANDA

Roque Puiatti

O acelerado progresso tecnológico deste século vem aumentado as possibilidades


de que ocorram desastres provocados pelo homem. Nesta categoria, encontram-se
os chamados acidentes industriais ampliados, que podem ocorrer em plantas
químicas, refinarias, plataformas de petróleo e gás etc. e ter como conseqüência
incêndios, explosões e vazamentos de produtos perigosos, resultando, às vezes, em
Centenas ou milhares de mortes. O potencial dos acidentes industriais ampliados,
que se tornou mais significativo nas últimas décadas com o aumento da produção,
da estocagem e do uso de substâncias perigosas, tem alertado para a necessidade de
uma abordagem claramente definida e sistematizada para o controle dessas
substâncias, com o objetivo de proteção dos trabalhadores, do público em geral e do
meio ambiente.
Em matéria de acidentes catastróficos de natureza industrial, maior atenção para
o problema teve início na década de 70 devido aos acidentes de Flixborough, em 1974,
na Inglaterra, onde morreram 28 trabalhadores na explosão de uma fábrica de
ciclohexano; e dois anos mais tarde na cidade de Seveso, na Itália, onde houve o
vazamento de dioxina de uma instalação química, causando um enorme desastre
ambiental. Contudo, foi no ano de 1984 que aconteceram dois dos maiores desastres
industriais deste final de século: a explosão de gás liquefeito de petróleo, na cidade do
México, que causou 650 mortes, e o vazamento de isocianato de metila em instalação
química na cidade de Bhopal, Índia, com mais de 2 mil mortos e 200 mil feridos.
Em resposta a vários acidentes industriais ampiiados ocorridos ao redor do mundo
nas últimas duas décadas, os países e os organismos internacionais têm tomado
nttmerosas medidas para lidar com o problema. Sobre este assunto, Marshall (1987)
comenta: "Considero que historicamente os controles gerenciais precedem os controles
legais, mas que as conseqüências comerciais do inadequado controle gerencial impele
os governos a intervir por meio de legislações" (Marshall, 1987:70).
Os primeiros a serem atingidos pelas conseqüências dos acidentes industriais
ampliados são os trabalhadores, pois a proximidade com os riscos torna-os vítimas
em potencial. Então, preocupados com este cenário, ao longo das últimas décadas,
Acidentes Industriais Amplfados

os trabalhadòres e seus representantes (sindicatos, comissões de fábrica) têm lutado


pela implantação e implementação de sistemas de proteção, dentre os quais destaca-
se a criação de legislações nacionais e internacionais para a prevenção desses desastres.
Sob a ótica da legislação para a prevenção de acidentes industriais ampliados,
a primeira experiência em âmbito internacional ocorre em 24 de junho de 1982,
com a publicação de uma Diretiva da Comunidade Européia denominada 'Diretiva
de Seveso" (82/501/ECC), em virtude de numerosos acidentes ampliados ocorridos
na Europa: Feyzin, na França (17 mortos); Flixborough, na Grã-Bretanha (28 mortos);
Beek, na Holanda (14 mortos); e principalmente o acidente de Seveso, na Itália
(grande dano ambiental).
A Diretiva, denominada Directive on the Major-Accident Hazards of Certain
Industrial Activities (O. J. L230), obrigava os países da Comunidade Européia a
adotarem em legislações nacionais medidas preventivas e de minimização das
conseqfiências dos acidentes industriais ampliados-para os trabalhadores, o público
em geral e omeio ambiente.
O critério para a escolha de urna instalação exposta a riscos de acidentes
industriais ampliados era definido pelo tipo de atividade industrial desenvolvida
(produção, armazenagem etc.), pela,natureza das substâncias químicas envolvidas
(t "oxlca,
" inflamável, explosiva etc.) e pela quantidade (toneladas). Nos anos
subseqfientes, todos os países europeus adotaram a Diretiva, adequando-a às suas
legislações nacionais.
Em 1992, os Estados Unidos também criaram sua legislação para a proteção
dos trabalhadores em instalações sujeitas a acidentes ampliados, denominada Process
Safety Management of Highly Hazardous Chemicals. Posteriormente, em 1993, foi
aprovada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) a Convenção n° 174,
denominada Convention on the Prevention of Major Industrial Accidents, que tem
por objetivo prevenir acidentes industriais ampliados, minimizar a probabilidade
de ocorrência e mitigar suas conseqfiências. A referida Convenção vem sendo
progressivamente adotada por diversos países.

Recentemente, em outubro de 1996, foi alterada a Direfiva de Seves0, sendo


agora denominada Control of Ma]or-Accident Hazards Involving Dangerous Substances
(O. J. L10), ou 'Seveso II', tendo os países da Comunidade Européia prazo de dois
anos para adequarem as alterações às suas legislações nacionais.
A Diretiva "Seveso II' avançou em muitos aspectos, como aindusão de substâncias
ecotóxicas dentre as perigosas, aperfeiçoamento nos planos de emergência internos e
externos, nos sistemas de gestão de segurança, os relatonos
" de segurança; conferiu
n
maiores poderes e atribuições à
s autondades competentes para inspecionar instalações
sujeitas a acidentes ampliados, dentre vários aspectos positivos. _
A Prevenção,-e os Trabalhadores...

Apesar da ocorrência de numerosos acidentes industriais ampliados (e com


grande número de vítimas) nas últimas décadas, o Brasil não possui legislação
específica para a proteção dòs trabalhadores contra este tipo de acidente. Com
objetivo de estimular o desenvolvimento no Brasil de legislação para a proteção dos
trabalhadores que laboram em instalações sujeitas a acidentes industriais ampliados,
serão apresentados de maneira sucinta os principais aspectos e características, bem
como realizadas algumas comparações da legislação trabalhista de prevenção a
acidentes industriais ampliados dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da Holanda.
A escolha destes países foi por diferentes razões. Grã-Bretanha e Holanda
foram escolhidas por serem países pertencentes à Comunidade Européia e adotarem
a Diretiva de Seveso, bem como por terem grande experiência e desenvolvimento
na prevenção de acidentes industriais ampliados. E também porque, apesar de
seguirem a Diretiva de Seveso, possuem diferentes abordagens sobre o tema na
legislação nacional.
No entanto, a escolha dos Estados Unidos, a maior potência econômica do mundo,
contribuindo com mais de 25% da produção química e petroquímica do planeta, em
contraste, não está sob o 'guarda-chuva' da Díretiva de Seveso, elaborando legislação
própria no início dos anos 90, enquanto os países europeus elaboraram na primeira
metade da década anterior.
Na comparação, entendem-se também como relevantes algumas considerações
sobre legislaçõ6s internacionais como a Diretiva de Seves0, a Convenção n~ 174 da
OIT e a 'Seveso II'.

A LEGISLAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS

Na segunda metade da década passada, Congresso, órgãos federais,


governos estaduais, entidades de empregadores e de trabalhadores e organizações
não-governamentais dos Estados Unidos envolveram-se ativamente na prevenção
de acidentes industriais ampliados para a pr0teção dos trabalhadores, do público em
geral e do meio ambiente. Em 1985, após o acidente, industrial ampliado de Bhopal, na
Índia, que resultou na morte de mais de 2.500 pessoas, a Environmental Protection
Agency (EPA) iniciou um programa para incentivar planos comunitários de emergência
em caso de acidentes com produtos qm'micos perigosos (Donnely, 1994).
No ano seguinte, o Congresso norte-americano aprovou a estrutura para esforços
em planos de emergência, por meio-do Title III of Superfund Amendments ánd
Reauthorization Act ( S A R A ) , também conhecido como Emergency Planning
and Community Right-to-Know Act. O SARA incentivou e apoiou estados e
comunidades nos esforços voltados para prevenção e mitigação das conseqüências
dos acidentes industriais ampliados.
Acidentes Industriais Ampliados

Ao mesmo tempo, a indústria e outras associações tamb6m tomaram medidas-


para proteção dos trabalhadores e da saúde pública visando as melhorias na
segurança de processos e, então, prevenindo acidentes ampliados. Programas como
o Chemical Awareness and Emergency Planning (CAER), desenvolvido pela Chemical
Manufacturers Association (CMA), e o Recommended Practice 750 (Management of
Process Hazards), publicado pelo American Petroleum Institute (API), foram muito
importantes, Igualmente, o American Institute of Chemical Engineers (AtcI-m) Center
for Chemical Process Safety editou diversos livros e informações técnicas para a
prevenção de acidentes industriais ampliados.
Contudo, em outubro de 1989, ap6s o trágico desastre de Pasadena, Texas, na
planta química Phillips 66, onde morreram 24 trabalhadores e 132 ficaram feridos, o
processo acelerou o desenvolvimento pelo governo norte-ãmericano de uma
legislação 'de proteção aos trabalhadores expostos a acidentes ampliados.
Na década de 90, a Occupational Safety and Health Administration (OSHA) elaborou
importante estudo sobre as conseqüências da terceirização na indústria química e
petroquímica e sua influência nos acidentes ampliados.

O DESENVOLVIMENTO DA LEGISLAÇÃO
Logo ap6s o acidente ampliado de Bhopal, a OSHA iniciou, em cooperação com
a EPA, um projeto denominado Chemical Special Emphasis Program (ChemSEP)
para inspeção de instalações sujeitas a acidentes ampliados. Um dos mais importantes
benefícios deste programa foi a avaliação das práticas de prevenção e mitigação de
acidentes ampliados utilizadas pelas empresas. Isto ajudou a OSHA a desenvolver
novas abordagens na inspeção e nas formas de punições.
Esta e muitas outras experiências contribuíram para que a OSHA desenvolvesse
e publicasse, em julho de 1990, uma proposta de legislação para proteção dos
trabalhadores, contendo obrigações para a gestão de riscos em processos que utilizam
substâncias químicas perigosas. A proposta enfatizava a aplicação do controle
gerencial no processo de produção, armazenagem e manuseio de produtos químicos,
com base na experiência e nos resultados do ChemSEP. A OSHA realizou diversas
audiências públicas para discussão da proposta, recebendo mais de 200 comentários
e sugestões, o que resultou nufn consolidado demais de quatro mil páginas.

O CLEAN AIR ACT AMENDMENTS

Logo após a OSHA publicar sua proposta de legislação (1990), o Congresso norte-
americano aprovou (e o presidente sancionou) o Clean Air Act Amendments (CAAA).
Esta lei requeria do Secretário de Estado do Trabalho, em coordenação com a EPA,
A Prevenção e os Trabalhadores..

a elaboração de legislação de segurança de processos .químicos para a prevenção de


acidentes com substâncias químicas que pudessem afetar os trabalhadores. O CAAA
também requeria a inclusão de uma lista de substâncias químicas perigosas, incluindo
substâncias tóxicas, inflamáveis, reativas e explosivas (Dennison, 1994).
Finalmente, em 24 de fevereiro de 1992, após discussões, debates e sugestões, a
OSHA publicou a versão final, chamada Process Safety Management of Highly Hazardous
Chemicals, que entrou em vigor em 26 de maio de 1992. A norma reflete obrigações das
empresas citadas no CAAA e as sugestões das discussões da proposta da OSHA de 1990.

O Process Safety Management of Highly Hazardous Chemicals - PSM


(OSHA 3132, 1992)
A norma OSHa-PSM está dividida em 17 seções:
Objetivos.
Aplicação.
" Definições.
Participação dos trabalhadores.
" Informações de Segurança do Processo.
- Análise de Riscos do Processo.
" Procedimentos Operacionais.
" Treinamento.
" Contratadas.
Verificação de Segurança de Pré-partida.
Integridade Mecânica de Equipamentos.
u Permissão para Trabalho a Quente.
" Gestão de Modificações.
" Investigação de Incidentes/Acidentes.
Plano e Resposta para Emergências.
" Auditoria de Segurança.
" Confidencialidade de informações.

OBJETIVOS DO PSM
O principal objetivo do PSM é a prevenção de acidentes ampliados, de natureza
química e petroquímica, especialmente dentro das instalações, que possam expor
os trabalhadores a riscos de segurança e saúde. O PSM é uma pró-ativa identificação,
avaliação e mitigação de acidentes ampliados que possam ocorrer como resultado
de falhas no processo, em procedimentos e equipamentos.
O PSM é composto por uma lista de 137 substâncias que podem causar grave
a c i d e n t e q u í m i c o , s e j a p o r t o x i c i d a d e , i n fl a m a b i l i d a d e o u r e a t i v i d a d e ,
conseqüentemente colocando em perigo os trabalhadores.
Acidentes Industriais Ampliados

PARTICIPAÇÃO DOS TRABALHADORES


Os empregadores devem obrigatoriamente consultar os trabalhadores e seus
representantes no desenvolvimento dos estudos de análise de riscos do processo e
^ " O objetivo é amplo, e e, necessana
nos planos de emergencla. , . uma ativa participação
dos trabalhadores em todo o PSM por meio de diversas formas de consulta.

TREINAMENTo
A implementação de um efetivo programa de treinamento é um dos mais
importantes passos para a segurança dos trabalhadores. De acordo com o PSM,
todo trabalhador direta ou indiretamente envolvido no processo deve receber
informações sobre os riscos, os procedimentos operacionais, emergências etc:
Reciclagens devem ser desenvolvidas, no mínimo, a cada três anos, ou em menor
tempo, após consulta aos trabalhadores.

INFORMAÇÕES DE SEGURANÇA DE PROCESSOS

A compilação de informações relativas aos processos qufmicos, à tecnologia


utilizada e aos equipamentos é fundamental para identificar e compreender os riscos
envolvidos. Esta etapa é obrigatória para uma completa e profunda nahse de riscos,
a " '
bem como para os procedimentos operacionais, na gestão das modificações e na
investigação de incidentes.

ANÁLISE DE RISCOS DO PROCESSO

: ' A Análise de Riscos do Processo é uma das bases do PSM. É um meio formal e
sistemático de identificar, avaliar e controlar os riscos envolvendo substâncias
químicas. A OSHA requer que o empregador use qualquer uma das metodologias a
seguir descritas, considerada apropriada, ou outra equivalente. As metodol0gias
são: What-if, Check-list, Hazard and Operability Studies (HAZOP), Failure Mode and
Effects Analysis (FMEA), Fault Tree Analysis (FTA).
Na implementação da Análise de Risco houve uma progressividade dè prazos
para implementação, que foram: no mínimo 25% das análises elaboradas até o
segundo ano de vigência do PSM e a Análise de Riscos do Processo completada até
o quarto ano. Deveriam ser elaboradas por um grupo de especialistas em engenharia
e na operação do processo e, obrigatoriamente, por pelo menos um trabalhador
"^ " no processo a ser avaliado. A cada cinco anos, no mínimo, Anahse
com experlencla
a ""
de Riscos deve ser reavaliada.
A Prevenção e os Trabalhadores...

PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS

: O obj~tivo do desenvolvimento e da implementação de procedimentos


operacionais é fornecer instruções claras e seguras no desenvolvimento das tarefas.
Os procedimentos escritos devem ser elaborados para cada etapa do processo e
atualizados conforme as alterações no processo. Práticas seguras de trabalho para o
controle de riscos devem ser observadas em, por exemplo, trabalhos em espaços
confinados e abertura de equipamentos para manutenção. As práticas seguras devem
ser aplicadas também para os trabalhadores de contratadas.

CONTRATADAS

Quando da seleção de contratadas, toda empresa contratante deve considerar


os programas e o desempenho de segurança das contratadas. E deve informar à
empresa contratada sobre riscos, práticas seguras de trabalho, ações em casos de
emergência etc. Avaliar periodicamente o desempenho de segurança da contratada
é obrigação da empresa contratante.

INTEGRIDADE MECÂNICA DE EQUIPAMENTOS

Os equipamentos devem sofrer manutenção e inspeção de acordo com as normas


para garantia da integridade. Isto atinge, dentre outros, vasos de pressão, tanques,
tubulações, válvulas etc. Os requisitos incluem procedimentos escritos, treinamento
para o pessoal de manutenção e inspeção etc.

INVESTIGAÇÃO DE INCIDENTES/ACIDENTES

A investigação de incidentes/acidentes é uma fonte relevante de informações


sobre os riscos e a adequação dos sistemas de segurança existentes. O PSM requer
que o empregador investigue todo incidente que possa resultar em grave vazamento,
em prazo não superior a 48 horas, e por equipe composta de, no mínimo, um
trabalhador conhecedor do local ou processo em que ocorreu o incidente/acidente.
E deve pertencer à equipe um trabalhador da contratada, se o incidente ocorreu em
tarefas realizadas pela contratada.

PLANO E RESPOSTA PARA EMERGÊNCIAS

O empregador deve elaborar e implementar um plano de emergência para toda


a instalação (não somente a árèa de processo) de acordo com norma OSHA especffica.
Acidentes Industriais Ampliados

AUDITORIA DE SEGURANÇA

Os procedimentos de segurança do processo e as práticas devem ser avaliadas,


no mínimo, a cada três anos por meio de auditoria de segurança. O relatório deve
ser arquivado e as recomendações implementadas.

PENALIDADES

A fiscalização do cumprimento do PSM pelas empresas é realizada por inspetores


de segurança e saúde no trabalho da OSHA. As penalidades pelo descumprimento do
PSM variam de US$ 7 mil até US$ 70 mil. Em casos nos quais existam flagrantes e
reiteradas violações, as penalidades podem chegar a milhões de dólares (Donnely, 1994).

A LEGISLAÇÃO DA GRÃ-BRETANHA

Em 1974~ logo após a criação da Health and Safety Commission (HSC) e do


Health and Safety Executive (HSE), ocorreu na Grã-Bretanha a catastrófica explosão
na Cidade de Flixborough. O vazamento de várias toneladas de ciclohexano, devido
à falha na manutenção de um tanque, resultou numa nuvem que encontrou uma
fonte de calor e explodiu. As c0nseqüências desse acidente foram a morte de 28
trabalhadores e ferimentos em 53 pessoas vizinhas à instalação.
Sobre o acidente, Offord (1983) comenta:
Por volta de 4h53min de sábado, dia 1~ de junho de 1974, a Flixborough Works of Nypro
Ltd. foi literalmente destruída por uma explosão similar a um ataque de aviação de
guerra. Dos que trabalhavam naquele dia, vinte e oito morreram. Se a explosão tivesse
ocorrido num dia de semana, o número de mortes seria bem maior. Fora da instalação
houve muitos feridos, mas nenhuma morte. Cinqüenta e três feridos foram reportados
pela polícia e centenas mais com pequenos ferimentos foram atendidos. Danos a
propriedades atingiram uma enorme área e um estudo mostrou que 1.821 casas e 167
lojas e escritórios foram atingidos, em maior ou menor escala. (Offord, 1993:57-59)
Imediatamente após a tragédia, a Health and Safety Comission designou um
comitê de especialistas, denominado Advisory Committee on Major Hazards
(ACMH), para estudar o controle de acidentes industriais ampliados e assessorar
na melhor política a ser adotada p, ara o assunto na Grã-Bretanha. O ACMH, em
nove anos de trabalhos, elaborou três relatórios, com medidas de caráter legislativo,
para a proteção dos trabalhadores e do público em geral.
O Primeiro Relatório (First Report), publicado em 1976, examinava alguns
aspectos na prevenção de acidentes industriais amptiados como natureza do
problema, identificação e avaliação dos riscos, aplicação de controles etc. O Segundo
A Prevenção e os Trabalhadores...

Relatório (Second Report), publicado em 1979, examinava assuntos como a experiência


em acidentes ampliados e problemas na avaliação dos riscos, inventários notificáveis
e propostas de legislação, controles legais, riscos de explosão etc. O Terceiro Relatório
(Third Report), publicado em 1984, examinava o problema considerando a Diretiva
de Seveso (82/501/EEC), reconhecimento, avaliação e mitigação dos riscos,
planejamento no uso do solo, educação, pesquisa etc.
Com os resultados da ACMH, foi publicada em 1982 a primeira legislação
britânica de prevenção de acidentes industriais ampliados, denominada Notification
of Installations Handling Hazardous Substances Regulations (NIHHS), que requeria a
notificação ao Health and Safety Executive (HSE) para todas as instalações existentes
ou as novas que possuíssem uma quantidade de produtos químicos perigosos acima
de certos limites. Por esta legislação, o HSE e as autoridades locais deveriam ser
consultadas quando da implantação de novas instalações.

O CONTROL OF INDUSTRIAL MAJOR ACCIDENT HAZARDS REGULATIONS --


CIMAH (HS-R 21, 1990)
A Diretiva de Seveso foi adotada pela Grã-Bretanha em 24 de junho de 1982 e
subseqüentemente implementada pela legislação denominada Control of Industrial
Major Accident Hazard Regulations (CIMAH). A legislação reflete a Diretiva e as idéias
originais desenvolvidas pelo ACMH, complementada pela NIHHS e pelo
desenvolvimento de planos de controle.

APUCAÇÃO

As atividades industriais cobertas são definidas em termos de processamento e


armazenagem envolvendo determinadas substâncias inflamáveis explosivas e tóxicas.

ATIVIDADES ABRANGIDAS

Existem duas categorias de atividades envolvidas: unidades de processo e de


armazenagem. O C~~H também divide em dois níveis de controles: instalações lower-
tier ou top-tier. As primeiras são aquelas em que as quantidades das substâncias
inflamáveis, explosivas ou tóxicas não ultrapassam certos limitesi No CIMAH, as
empresas assim classifieadas necessitam demonstrar que possuem os riscos
identificados, mitigadas suas conseqüências para os trabalhadores e o meio ambiente,
e devem assegurar que os trabalhadores tenham adequados treinamento e informações.
As instalações top-tier, cuja quantidade de substâncias ultrapassa certos limites
previstos no GMAH, necessitam possuir Relatório de Segurança, Planos de Emergência
Acidentes Industriais Ampliados

Interno e Externo e devem fornecer informações ao públicoque possa ser afetado


por um acidente ampliado.
De acordo com o HSE, 'existem na Grã-Bretanha 248 instalações ctassificadas
como top-tier envolvendo 550 atividades industriais' (Johnson, 1995:35).

RELATÓRIO DE SEGURANÇA

Documento em que devem constar as substâncias químicas utilizadas ou


armazenadas, suas quantidades, tipo de acidentes potenciais, suas conseqüências,
seus procedimentos e práticas de segurança, informações sobre o sistema de gestão
de manutenção, de operação, treinamentos, plantas da instalação e vizinhanças etc.

PLANO DE EMERGÊNCIA INTERNO (ON-SITE)

Toda instalação deve preparar e manter atualizado um detalhado plano de


emergência interno.

PLANO DE EMERGÊNCIA EXTERNO (OFF-SITE)

AS instalações não são responsáveis pela preparação de planos de emergência


externos. Contudo' devem fornecer todas as informações às autoridades locais,
bem como auxiliar para que elas possam elaborar efetivos planos de mergencla
e ^ "

externos à instalação.

INFORMAÇõES AO PÚBLICO

O CrMAH requer que todas as pessoas fora da instalação, que provavelmente


sejam afetadas por um acidente ampliado, recebam informações sobre a atividade
desenvolvida na instalação, seus riscos, sistemas de emergência, alarmes e
precauções que devam ser tomadas.

PENALIDADES

A fiscalização do cumprimento do CIMAH pelas empresas é realizada por


inspetores de segurança e saúde no trabalho do HSE. As penalidades podem ser de
US$ 3 mil nos 'baixos tribunais' e valores ilimitados nos' " ' Para casos
altos tnbunam.
graves, a prisão de até dois anos pode ser imposta pela 'corte da coroa'. Em acidente
ampliado, ocorrido em 1992, em que quatro trabalhadores morreram, o 'tribunal da
coroa" puniu a empresa em US$ 450 mil (HSE, 1994).
A Prevenção e os Trabalhadores...

A LEGISLAÇÃO DA HOLANDA

Na Holanda, a legislação de proteção aos trabalhadores e ambiente de trabalho


e a de proteção do meiO ambiente são administrativamente separadas. A segurança
externa é regulamentada pelo Nuisance Act, aplicada pelas autoridades locais ou
regionais e supervisionada pelo Ministry of Housing, Planning and Environmental
Hygiene. Já a segurança, a higiene e a saúde dos trabalhadores são regidas pelo
Labour Conditions Act, controladas e inspecionadas pelo Labour Inspectorate, sob
a supervisão do Ministry of Social Affairs and Employment. Outro órgão envolvido
com a Prevenção de acidentes ampliados é o Fire Service, responsável pelos planos
de emergências (Husmann & Ens, 1989).

OCCUPATIONALSAFETYREPORT(OSR)
Com os acidentes ampliados na refinaria da Shell Pernis (1968) e a explosão da
planta de propileno de Beek (1975), aumentou a preocupação para com o tema na
Holanda. Como resultado, em 1979, o Safety Act 1934 incorporou a norma do
Occupational Safety Report (OSR) - P172-1E e P172-2E. Posteriormente, em 1981, foi
integralmente incorporada pelo Working Environment Act.

OBJETIVOS DO OSR

O principal objetivo do OSR é a promoção da segurança em instalações em que


problemas no processo possam causar acidentes ampliados afetando a segurança e
asaúde dos trabalhadores. Outros objetivos são:
aumento da responsabilidade dos empregadores pela segurança de seus trabalhadores;
"apoio/aperfeiçoamento das açõés da Inspeção do Trabalho para a melhoria das condições
e do bem-estar no trabalho;
" fornecimento de detalhadas e completas informações aos trabalhadores e seus
reRresentantes (ex.: Conselhos de Fábrica).
Os Conselhos de Fábrica devem obrigatoriamente ser consultados na elaboração
do OSR e receber cópia. Também o Labour Inspectorate recebe e envia cópias para:
« o regional Health Inspector;
" o chefe local do Boiler Inspectorate;
a autoridade competente de acordo com o Nuisance Act;
o Conselho Municipal;
o Conselho Regional.
Acidentes Industriais Ampliados

GUIA DESIGNATóRIO PARA OSR - INSTALAÇÕES

Informa se aquela instalação deve ou não elaborar o OSR. A seleção de uma


instalação inicia-se por meio do sistema de designação, que tem três etapas:
* delimitação da instalação;
" cálculo do fator de designação da instalação;
* comparação do fator de designação com o fator de fase.

DELIMITAÇÃO DA INSTALAÇÂO

A delimitação dá instalação para armazenamento e instalação para


processamento segue critérios básicos. Para cada instalação, devem-se considerar
os tipos de substâncias presentes,e suas quantidades.

FATOR DE DESIGNAÇÃO

O método de designação de categorias das instalações para as quais o OSR


deve ser preparado tem como base:
a quantidade de substâncias presentes na instalação;
" a natureza das substâncias e seus graus de perigo (toxicidade, inflamabflidade);
as condições que podem influenciar os riscos causados pela substância.

QUANTIDADES LIMITES

A base para estabelecer as quantidades limites deve ser a área dentro da qual
os trabalhadores estão seriamente em perigo como conseqüência de um repentino
vazamento da substância. Para cada classe de substâncias existe uma quantidade
mínima, em haso de um repentino vazamento (sob condições de referência), os
riscos para os trabalhadores não ultrapassam uma distância de mais de 100 m do
ponto do vazamento.
As condições de referência são:
" a substância está sendo processada (não armazenada);
a instalação é situada em área aberta;
" a substância presente está na fase líquida e abaixo do seu ponto de ebulição.
Com base no cálculo das conseqüências, as substâncias são divididas em quatro
categorias com suas quantidades timites:
substâncias inflamáveis (10.000 kg);
substâncias explosivas (referência: 1.000 kg de TNT);
" substâncias extremamente tóxicas (1 kg);
substâncias tóxicas (referência: 300 kg de cloro).
A Prevenção e os Trabalhadores...

FATOR DE CORREÇÃO

Quando as condições da substância diferem das condições dereferencla,^ "a


quantidade presente é multiplicada por um ou mais fatores de correção. Os fatores
I e 2 são aplicados por causa dos riscos. Fatores 3, 4, 5 e 6 são aplicados para corrigir
a quantidade de ubstancla prevlsta na formação de uma nuvem como resultado de
um repentino vazamento.

CONDIÇÕES
FATOR DE CORREÇÃO
1. Substância estocada
0,01
2. Instalação situada dentro de edifício (armazém)
10
3. Substância na fase líquida
X
- temperatura de processo acima do ponto de ebulição
1 - 10
- temperatura de processo abaixo do ponto de ebulição
0,1 -1
4. Substância presente na forma líquida refrigerada, em
Y (máx. 4)
condições atmosféricas
Substância presente na forma refrigerada, sob pressão
X + Y - 1 (máx. 4)
5. Substância na fase gás
10
6. Substância na fase sólida (somente pó)
0,01

X e Y são variáveis:

Depende da relação entre a temperatura de processo e a temperatura de ebuliçâo


(atmosférica) da substância. Começando de 1, X acresce de I para cada 10 °C em
que a temperatura de processo excede a tempera~ra de ebulição, até um valor
máximo de 10. Para processos com temperatura abaixo do ponto de ebulição, o
valor de X decresce de 0,1 para cada 10 °C em que a temperatura de processo é
menor que a temperatura de ebulição.

Aplica-se a processos abaixo da temperatura ambiente (em que um vazamento


acidental pode ocasionar rápida evaporação e formação de uma nuvem de gás).
Este valor começa de 1 à temperatura ambiente e acresce-se 1 para cada 50 °C
em que a temperatura de ebulição (atmosférica) está abaixo de 25 °C (temperatura
ambiente de referência), até um valor máximo de 4.

FATOR DE FASE

Considerando o grande número de instalações e a necessidade de tempo para


implementação de medidas de segurança, foi estabelecido o fator de fase. Atualmente,
os seguintes, fatores de fase são utilizados:
Acidentes Industriais Ampliados

Para instalações existentes e futuras onde o decreto Hazards of Major


Accidents é aplicável
25 Para todas as futuras instalações
400 Para todas as outras instalações existentes

INDICE POTENCIAL DE RISCO

Os cálculos da designação indicam o risco potencial da instalação. Após esses


cálculos, é possfvel determinar se é obrigatória ou não a elaboração e a implementação
do OSR. A premissa básica da designação é a comparação da quantidade correta de
A * o
S ubstancla perigosa na instalação com a quantidade limite da substância, multiplicada
pelo fator de fase.
A instalação é obrigada a providenciar o OSR de acordo com o descrito abaixo:

ou alternativamente

A > - F, c o m A = Q x O / G
em que:
Q = quantidade de substâncias (ou grupo de substâncias) presentes na instalação (kg);
O = fator total de correção;
G = quantidade limite da substância (ou grupo de substâncias) (kg);
A = fator de designação
F = fator de fase vigente

De acordo com Husmann & Ens (1989:22-23), "Na Holanda, em torno de 400
instalações estão enquadradas na primeira fase; 300 dessas instaIações, dentro das
chamadas "Seveso' empresas, É estimado que quando a fase final for concluída, em
torno de 2 mil ou 3 mil instalações estarão enquadradas'.

CONTEÚDODOOSR
O conteúdo do OSR, de acordo com o Labour Conditions Act, deve incluir:
" descrição da instalação e das substâncias utilizadas;
" descrição do processo;
descrição da organização;
descrição e análise dos riscos;
descrição das medidas de emergência.
A Prevenção e os Trabalhadores...

PENALIDADES

A fiscalização do cumprimento do OSR pelas empresas é realizada por inspetores


de segurança e saúde no trabalho do Labour Inspectorate. As penalidades máximas
podem chegar até US$100 mil ou seis meses de prisão (NLI, 1991).

ASPECTOS COMPARATIVOS

A forma e o conteúdo das legislações são um produto de complexa interação


com os métodos legislativos vigentes nos países, inseridos em suas características
socioeconômicas e culturais. Embora comparações entre legislações sejam uma
interessante e informativa tarefa e possam auxiliar na elaboração de similares
legislações em outros países, existe uma série de limitações nesse processo.
O presente estudo pretende comparar alguns aspectos das legislações de
proteção aos trabalhadores expostos a acidentes industriais ampliados dos Estados
Unidos, da Grã-Bretanha e da Holanda, além de aspectos relevantes sobre legislações
internacionais como a Diretiva de Seveso, a Convenção na 174 da OIT e a 'Seveso II'.
Além dos itens comparativos relacionados no subitem 'Comparações Gerais' (a
seguir), os Quadros 1, 2 e 3 possibilitam visualizar alguns aspectos:
Acidentes Industriais Ampliados

Quadro I - Comparações entre OIT, Seveso, 'Seveso II' e Estados Unidos

Convenção 174 Diretiva de Seveso "SevesolI" Estados Unidos


da OIT
Aplicação * Qualquer insta- Qualquer operação ~ Qualquer instalação * Qualquer processo
lação exposta a realizada em uma onde substâncias pe- que envolva substân-

desastre amplia- instalação referida na rigosas estão presen- cia química acima de
do Diretiva, envolvendo tes em quantidades limite especificado
uma ou mais subs- iguais ou superiores * Processo que envol-
tâncias perigosas, aci- às previstas no Ane- ve líquidos ou gases
* Tubulações fora ma de limite especifi- xo I da Diretiva inflamáveis em ma

da instalação cado, capaz de apre- instalação com quan-


(pipelines) sentar risco de aci- tidade igual ou supe-
dente ampliado rior a 4.535,9 kg

Exceções * Instalações nu- * Instalações nucleares *Riscos por radiações * Instalações nucleares
c l e a r e s e d e e de processamento ionizantes e de processamento

processamento de substâncias e ma- * Instalações mílitares dè substâncias e ma-


de substâncias e teriais radioativos * Transporte fora da teriais radioafivos
materiais radio»- instalação (rodov., h~stalações militares
tiros - Instalações militares ferrov, etc.)

* Instalações mili- * Produção e armaze- * Extração e outras ati- * Comércio var~ista de


tares nagem de explosivos vidades de minera- substâncias quími-
cas inflamáveis
e munições ção

* Transporte fora Extração e Transporte fora da * Extração de petróleo


da instalação outras atividades de instalação (pipelines) e gás

mineração
Instalação para depó- h~stalação para
sito de resíduos tóxi- depósito de resídu-
cos os tóxicos

Substâncias Não existem 178 30


listadas e as restantes são
enquadradas por
categoria de risco
(tóxicas, inflamáveis,
explosivas...)
APrevenção e os Trabalhadores...

Quadro 2 - Comparação de características gerais das legislações

Estados Unidos Grã-Bretanha Holanda

Lei geral de segurança Health and Safety Health and Safety at Working Environmental
, e saúde Act 1970 Work Act 1974 Act 1981
Legislação de PSM (1992) Cr~AH (1984) OSR (1979)
prevenção de acidentes
ampliados
OSHA HSE Labour Inspectorate
Órgão de fiscalização
CAAA Diretiva de Seveso Diretiva de Seveso
Legislação nacional ou
internacional
Bhopal (1984) e Flixborough (1974) Beek (1975)
Acidente ampliado Phillips 66 (1989)
m a r c o
baseada somente
baseada somente na baseada na quantidade
na quantidade
quantidade da(s) da(s) substância(s)
Abordagem geral da(s)substância(s) substância(s) acrescida de fatores de
risco

Quadro 3 - Comparação
de documentação e aspectos gerais
Estados Unidos Grã-Bretanha Holanda
Relatório de segurança
detalhado

Atualização do relatório
A cada três anos ou A cada quinto ano ou
de segurança ou Somente os estudos
quando houver grande quando houver grande
de análise de riscos
documentação
alteração na instalação alteração na instalação
Participação dos
trabalhadores

Submeter o relatório de
segurança ao 6rgão de
fiscalização 4 ,]
Notificação específica de
acidentes ampliados 4 4.
Plano de emergência
interno "/ 4 ,/
Plano de emergência
externo q
Informação ao público
4 *
Auditoria
A cada três anos

* Previsão em outras legislações nacionais


Acidentes Industriais Ampliados

COMPARAÇÕESG~RA~S
O processo de elaboração da legislação destes três países inicia-se ou acelera-se após a
ocorrência de acidentes ampliados: na Grã-Bretanha, Flixborough (1974); na Holanda,
Beek (1975); e nos Estados Unidos, por Bhopal (1984) e Phillips 66 (1988). Este processo
foi precedido de Relatórios (Reports) na Grã-Bretanha, ou programas (ChemSEP) nos
Estados Unidos. Este tipo de procedimento possibilitou discussões e consensos sobre
os diversos assuntos relativos ao tema da prevenção de acidentes ampliados.
A fiscalização da legislação nestes três países é feita pelo Ministério do Trabalho ou por
órgãos análogos. Na Grã-Bretanha, pelo Health and Safety Executive (HSE); na Holanda,
pelo Ministry of Social Affairs and Employment; e nos Estados Unidos, pela
Occupational Safety and Health Administration [OsHA). Também a inspeção das insta-
lações é realizada por inspetores de segurança e saúde no trabalho.
- A participação dos trabalhadores é uma importante característica das legislações holan-
desa e norte-americana. Na Holanda, o Conselho de Fábrica deve ser consultado, par-
ticipar e receber cópia do Occupational Safety Report. Nos Estados Unidos, os traba-
lhadores devem ser constiltados no desenvolvimento dos estudos de análise de riscos e
nos planos de prevenção de acidentes ampliados e também na investigação de aciden-
tes. Na Grã-Bretanha, aspectos de participação dos trabalhadores em questões de segu-
rança e saúde estão previstos em outras legislaçòes.
Aspectos na implementação, que consideram a "realidade econômica' das empresas,
foram ressaltados na Holanda (fator de fase) e nos Estados Unidos (progressividade na
elaboração dos estudos de análise de riscos).
Uma das mais importantes similaridades é no que diz respeito ao plano de emergên-
cia interno, pois os requisitos são similares nos três países. Os Relatórios de Seguran-
ça (Safety Report) têm também similaridades em muitos aspectos na Holanda e na
Grã-Bretanha.
A auditoria é obrigatória somente nos Estados Unidos e a cada três anos.
Na Diretiva de Seveso, a quantidade limite de substâncias foi definida com bases econô-
micas e políticas. Não seguem estudos técnicos ou científicos (Marshall, 1987). Como
resultado disso, existem quantidades limites definidas incorretamente e este é um dos
mais críticos aspectos da Diretiva de Seveso. Tentando resolver este problema é que a
'Seveso II' foi desenvolvida. No entanto, para minimizar o problema na definição de
quantidades limites, a abordagem norte-americana adotou o sistema desenvolvido pelo
estado de Delaware (Turner-Described Gaussian Dispersion Model).
A Grã-Bretanha é o único dos três países onde a legislação de segurança e saúde requer
a elaboração e a implementação de plano de emergência interno e informação para o
público. Na Holanda, isto está inserido no External Safety Report e nos Estados Unidos,
no Chemical Accident Prevention Release.
Em todas as legistações internacionais (a Diretiva de Seveso, a Convenção 174 e a 'Seveso II')
e na norte-americana, na britânica e na holandesa, estão definidas claramente as res-
ponsabilidades das empresas na implementação de medidas preventivas para evitar a
ocorrência de acidentes ampliados.
A Prevenção e os Trabalhadores...

CONCLUSÃO

Apesar de algumas diferenças técnicas e legais na legislação de prevenção de


acidentes industriais ampliados dos três países, a 'espinha dorsal' dessas legislações
é b a s t a n t e s i m i l a r. E x p l i c a ç õ e s p a r a i s t o d e v e m - s e a o m e s m o n í v e l d e
desenvolvimento social e econômico destes países, intercâmbio de informações,
experiências, práticas e também devido ao cumprimento de normativas
internacionais. Todos estes fatores induziram estes países a seguir em equivalentes
princípios básicos em suas legislações. As diferenças existentes devem-se a aspectos
geográficos, culturais, econômicos, legislativos, sociais e outros aspectos específicos
da realidade nacional de cada país.
Além disso, 0bservando as estatísticas, a partir da metade da década de 80, a
redução dos acidentes ampliados e do número de trabalhadores e do público em
geral atingidos é detectável, principalmente nos países da Comunidade Européia e
nos Estados Unidos. Isto se deve certamente pela criação e a aplicação de legislação
específica para o tema.
Outro aspecto observável é que nas últimas duas décadas um contínuo
desenvolvimento sobre o assunto tem sido realizado por instituições e organismos
internacionais, tais como a Comunidade Européia, a Organização Internacional do
Trabalho e a Organização Mundial da Saúde.
: Contudo, observa-se até a presente data, no Brasil, a inexistência de legislação
especffica para a proteção dos trabalhadores quanto aos riscos de acidentes industriais
ampliados. A necessidade no Brasil de instrumentos legislativos é urgente para agir
contra o problema. Espera-se que a observação de modelos legislativos internacionais
(Comunidade Européia, Organização Internacional do Trabalho etc.) e de outros
países (Estados Unidos, Grã-Bretanha, Holanda etc.) possa servir às autoridades,
aos trabalhadores e seus representantes e ~s entidades de empregadores como
inspiração para, em curto prazo, criarem legislação sobre o assunto.
Acidentes Industriais Ampliados

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Formato: 16 x 23 cru
Tipologia: Book Antiqua
Papel: Pólen Bold 70g/m2 (miolo)
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Fotolitos: Laser vegetal (miolo)
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Impressão e acabamento: Millennium Print
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