Plinio Marcos V 5 No Reino Da Banalidade
Plinio Marcos V 5 No Reino Da Banalidade
Plinio Marcos V 5 No Reino Da Banalidade
Marcos
obras teatrais
volume 5
No reino da
banalidade
Presidente da República
Michel Temer
Ministro da Cultura Interino
João Batista de Andrade
No reino da
banalidade
Coleção Obras Teatrais Plínio Marcos
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Conheci o Plínio em 1972, quando gravamos juntos a novela
Bandeira 2, de Dias Gomes. Isso pessoalmente, pois o Plínio
Marcos dramaturgo, esse o país conhecia ou queria muito
conhecer. Um fenômeno. Ele havia rompido definitivamente as
cortinas aveludadas dos teatros para instalar ali a face verdadeira
de um Brasil esquecido, marginalizado. Texto coloquial, do dia
a dia, verdadeiro, sem necessidade de tradução.
Stepan Nercessian
Presidente da Funarte
SUMÁRIO
Humberto Braga
Ex-Presidente da Funarte
No reino da banalidade
Alcir Pécora
Já no caso dos cinco esquetes, é bem fácil perceber que eles se distri-
buem em torno de dois eixos temáticos distintos, explicáveis sobretu-
do pela larga distância temporal que mantêm entre si. Assim, nas peças
mais antigas, dos anos 1960 e 1970, o alvo da zombaria são basicamen-
te a corrupção e as idiotias da ditadura militar; nas cenas mais recentes,
de meados dos anos 1990, a gozação implacável pretende evidenciar as
desilusões e os impasses da recente redemocratização brasileira expos-
tos nas fragilidades pessoais e políticas dos candidatos à eleição presi-
dencial brasileira de 1994. Entre os dois períodos, a tópica comum é a
da questão indígena, a que Plínio Marcos permanece muito atento,
à diferença da imensa maioria dos brasileiros e da totalidade dos go-
vernantes do país.
Por fim, gostaria apenas de lembrar que, como se fez para todos os
demais volumes, mantém-se aqui a ordem cronológica dos traba-
lhos, cuja datação, também de acordo com o critério geral adotado
para esta edição, segue a da última modificação significativa feita
pelo autor.
Seja como for, certamente a peça não precisa do poema para fazer
sentido e, muito menos, para estabilizar-se como forma dramática
específica, que é a de um quadro cômico único articulado a uma si-
tuação real, bem conhecida de todos os espectadores contemporâneos
dela, da qual extrai o máximo de ilações cômicas provocativas. Ainda
a respeito dessa forma empregada por Plínio, Osvaldo Mendes che-
gou a aplicar-lhe a expressão “estilo esquete-piada”, inspirado numa
crítica de Sábato Magaldi que referia Verde que te quero verde como um
“esquete” capaz de provocar “ininterruptas gargalhadas”, e também
numa outra, de Yan Michalski, que comparava a peça como uma “pe-
quena charge”, cujo humor “grosso e primitivo” continha uma carga de
“devastadora violência”.
Como se verá neste mesmo volume, não será esta a última vez que
Plínio Marcos atacará a novela como cúmplice desprezível de um pro-
cesso de alienação massiva das mais graves questões nacionais, por
motivos basicamente venais.
20 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
Signo da discoteque
De fato, para ser uma discoteca, quanto mais uma discoteca desco-
lada, falta tudo ao “apartamentinho” que está sendo pintado pelo Zé
das Tintas: em vez das drogas sintéticas, há apenas o cheiro de tinta;
para a bebida, a oferta não vai além da cachaça tomada na boca da
garrafa; dançar, só mesmo ao som das estações de rádio que pegam
no radinho de pilha; fazer sexo, apenas no chão duro e sujo, e, en-
fim, na falta de garotas a ser cortejadas e eventualmente “ser comi-
das, na manha, com romance, paparico”, a menina virgem vira logo
“biscatinho” e “puta enrustida” a ser currada pelos dois “mach[ões]”.
Quanto à igualdade entre os sexos, tudo o que Zé observa é que
depois da pílula anticoncepcional, “o mulherio tá dando adoidado”.
No que toca ainda à aceitação da orientação sexual gay, importante
na cultura erótica em torno da discoteca, a posição de Zé, cujo avô
ensinava que “veado é um lixo”, não mudou muito, embora admita
22 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
que “comer não tem nada. Quem dá é que é bichona” e que, enfim,
“[t]udo é melhor que punheta”.
Dos dois últimos candidatos, que obtiveram menos de um por cento dos
votos, o Mago só menciona um deles, a que refere pelo epíteto de “an-
fíbio”. Trata-se igualmente de uma alusão bastante clara ao Almirante
Hernani Fortuna, do psc, o qual, segundo as palavras entre desdenho-
sas e ofensivas do Mago, bem poderia “usar a farda pra ser porteiro de
boate”. A graça, que poderia hoje soar ligeira, escrita apenas oito anos
depois do fim da ditadura, era muito mais provocadora, uma vez que
essa “farda” dizia respeito à mais alta patente da Marinha e, portanto, a
um dos mais temíveis postos de comando durante o governo militar.
Leitura capilar
Além das leituras capilares feitas pelo Mago, há, nesta peça, outro re-
curso de humor aplicado por Plínio Marcos, que, a rigor, está presen-
te em todas as outras peças que escreveu, nas mais diferentes épocas.
Trata-se do recurso da piada que é intercalada, por vezes de forma
aleatória e absurda, no meio da narrativa. Algumas dessas piadas, espe-
cialmente as mais curtas, chegam a aparecer, quase idênticas, em peças
diversas e em situações diversas, como aquela, conhecida de qualquer
auditório de Plínio, em que um interlocutor pergunta a outro quais
fezes são mais fedidas, se de um tal animal exótico ou se de outro,
igualmente estranho; diante da incapacidade de responder, o primeiro
invariavelmente conclui que, se o outro não entende de merda, não
poderia pretender entender de política.
Cabe considerar ainda que uma história dessas, que tira o seu melhor
efeito dos fios traçados entre o escatológico e o pornográfico, conta-
da ademais à Senhora, caracterizada por modos decorosos e pudicos,
seria engraçada por si só, mas não é só isso: a história contada apro-
veitava o caso obsceno situado no banheiro para aludir, por assim
dizer, ao intestino da política: os escandalosos rumores de desvios
de dinheiro e pagamento de propina que, em uma ocasião ou outra,
surgiam a respeito daqueles Ministros. A pornografia propriamente
sexual se encontrava, ao final, com a lambança política, e era exata-
mente nesse registro de pornografia política que Plínio preparava o
desfecho da narrativa principal a respeito do futuro brasileiro, cujo
alicerce parecia tão frágil como o do patriotismo das autoridades do
governo ditatorial.
Assim é que o Japonês é enviado por três vezes a buscar água para aliviar
os violentos engasgos que acabam interrompendo os discursos cívico-
-científicos entusiásticos que fazem sucessivamente o general Buana, o
Ministro Chupim e o Mestre Boto. A diligência e a solicitude com que
o Japonês lhes traz a água apenas se desmente como falsa submissão ao
final do que se revela ser uma longa piada, uma vez que os copos de
água foram todos retirados da privada. E é então, também, que o aparen-
te cuidado dos brancos civilizados com os índios revela o seu saco sem
fundo de preconceitos (“Filho da puta de índio! Fez todos nós beber-
mos mijo. Por isso que eu digo que não adianta perdermos tempo com
essa corja” etc.). Quando as máscaras caem, nem o índio é idiota como
queriam fazê-lo parecer, nem os ideólogos do governo conseguem mais
disfarçar que tudo o que desejam deles é a sua imediata remoção, a fim
de não atrapalhar as negociatas com os bens da floresta.
Quer dizer, os textos de Plínio, para ele, nem de longe acabavam na pri-
meira publicação que fazia deles, o que talvez seja uma situação mais
clara para um autor teatral do que para qualquer outro, já que, como é
usual, o próprio processo dos ensaios e de montagens dos espetáculos
pode ou mesmo tende a interferir na sua forma final. Com Plínio, segu-
ramente isso também acontece; para dar um exemplo privilegiadíssimo,
basta dizer que a incorporação da extraordinária cena de fechamento
de Navalha na carne com a personagem de Neusa Sueli comendo pão
com mortadela surgiu antes no palco com a interpretação de Ruthnéia
de Moraes, sob a direção de Jairo Arco e Flexa, para apenas depois ser
incorporada de fato ao texto da peça, na forma de rubrica do autor.
Tanto por esse aspecto corrente no teatro, como pela sua particular
forma de vida como mascate de livros que publicava em série (e não
exatamente como autor que vivia de direito autoral pago por uma
38 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
O bote da loba
Esta peça pode ser pensada, numa comparação inicial, como uma redu-
ção do embate entre os ciganos do circo e as autoridades da cidade, tal
como se viu em O assassinato do anão..., a um tête-à-tête entre a “maga”
Veriska, vestida à “cigana” (e que bem poderia ser uma Mãe Di ainda
jovem) e Laura, mulher casada, rica e elegante, que se consulta com
ela, a fim de tentar conhecer as causas e eventuais remédios para a “de-
pressão” que a vem acompanhado há anos (aqui, a manter a correlação
com O Anão..., poder-se-ia pensar numa D. Ciloca de mais classe, numa
cidade mais importante e muito antes de que os anos de convivência
com o marido lhe arruinassem definitivamente o corpo e a elegância).
Dada essa situação inicial, Laura fala compulsivamente sobre a sua de-
pressão e ansiedade, mais desesperada de sua doença inexplicável do
que verdadeiramente confiante no poder de cura da maga; já Veriska
não apenas não dá importância ao rosário de queixas da cliente, como
a manda calar a boca e, finalmente, a esbofeteia como quem freia, no
velho estilo pré-análise, um ataque histérico. Finalmente posta em si-
lêncio a cliente, a maga começa a operar seus “objetos mágicos”, acen-
dendo “velas coloridas” e depois o “fogo”, misturando ”líquidos”, e,
enfim, começando a entoar “mantras”, que vão do som sibilino do “S”
ao de “IAO”, da repetição do “Krim-Krim-Krim” à fórmula do “Kaphe
Kasita/ non kapheta” etc.
Libertina libertária
A dança final
O desengano da impotência
Quer dizer, para Lisa, tudo o que vivera, apenas se justificava por-
que era da natureza do casamento exigi-lo, entendendo-se por ele
No reino da banalidade 47
Personagens
CHEFE ; SUBCHEFE; SUBALTERNO
(Os personagens estão vestidos de
macacos; o chefe é um gorilão cheio
de medalhas; o subalterno mais parece
um chimpanzé.)
Cenário
O texto original não traz indicações
específicas, fora as que estão no corpo
do texto. Uma sala, um escritório com
mesas, um rádio, três telefones verdes.
Trata-se de um gabinete militar com
móveis, paredes, luz, tudo verde.
Um capacete (verde) faz as vezes de
penico. Mesas e cadeiras são dispostas
como barreiras para trincheiras.
Verde que te quero verde 51
Abre o pano. Chefe está lá, sentado, com folhas de papel na mão. Batem à porta.
CHEFE Quem é?
CHEFE Ah, é.
CHEFE Assim fico mais tranquilo. Desde que a peça desse moleque
entrou na Censura, perdi o sono.
censurar peça desse cara, vivo falando palavrão. Até eu, que sou
de formação religiosa, me deixo influenciar às vezes. Puta merda!
SUBCHEFE A de sempre.
SUBCHEFE Exato!
CHEFE Será que eles não sabem que essa já está manjada? É tão ridículo!
E eles sempre fazem isso. Mandam peças pra censurar. A gente
proíbe, aí eles agitam.
SUBCHEFE E a família?
SUBCHEFE Exato.
SUBCHEFE (Pega um dos telefones.) Porra! Essa merda não dá linha! (Pega outro
e disca.) Porra! Essa merda está ocupada! (Pega o terceiro, sorri.)
Os dois riem.
CHEFE (fazendo cara de nojo) Porra! Essa agitação que esses caras fazem
me tira a fome. (Liga o rádio.) Vamos ver se já começou a quebrar
o pau.
Verde que te quero verde 55
Silêncio.
Silêncio.
CHEFE Fogo!
56 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
CHEFE Não faz mal. Ele fica o herói que tombou em defesa da família.
Subalterno morre.
Ligam o gravador. Entra fita com mil pessoas falando junto, uma
tremenda bagunça, não se entende nada.
fim
Texto escrito para o jornal semanal
Movimento, publicado na edição nº 180,
de 11 a 17 de dezembro de 1978,
p. 24, com o lead abaixo, além de um
comentário, após o final da peça, que
esclarece seu título.
Personagens
PATRIOTÃO; MISTER
Ai, que saudade da saúva 61
PATRIOTÃO (assim como quem não quer nada) Quer comprar madeira da
floresta amazônica, Mister?
PATRIOTÃO (surpreso com a recusa) Pô, vai perder essa moleza, Mister?
Preço de liquidação.
MISTER (indiferente) Saber que bom preço. Mas amazônica ser região
perigosa.
PATRIOTÃO (com cara de espanto) Do rabo! Por isso que todo dia vejo no O Dia
noticiário sobre disco. Essa é do rabo! Preciso contar pro João. Essa
não posso deixar de contar pra ele. (Continua, em tom confidencial.)
Sabe que quando o João estava na ativa ele se preocupava muito
com essa história de disco voador? Recebia muita informação
sobre os óvnis e achava que era coisa de comunista.
62 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
MISTER (divertido) No, no. Coisa de comunista ser meus rapazes pegando
areia monazítica na floresta amazônica.
PATRIOTÃO (bajulador) Do rabo! Do rabo! Vai ser um alívio pro João saber
que eram vocês. (outra vez em tom de camelô) Mas, já que vocês
conhecem a região, estão sabendo que é mole tirar madeira
do pedaço.
MISTER (contrariado) No, no, no! Vai ter dor de cabeça com intelectual
progressista. Intelectual subdesenvolvido gosta de índio. Non vê
que massacre de índio dá pra fazer monte de filme, ganhar
muito dinheiro.
MISTER (Ri paca.) Essa lei que vocês bolar é véri gúdi.
PATRIOTÃO (rindo entusiasmado) Outro dia, nem tinha sido aprovada a lei
ainda e nós apreendemos um jornaleco deles sem explicar nada.
Eles se machucaram. Com três dessas vão falir.
MISTER (com desprezo) Que besteira, solo pátria? Índio vai embora.
Pausa longa.
MISTER (com cara de nojo) Mas, meu cara, Marinho no vai deixar Boni fazer
novela cretina dessas. No dar ibope, no vender eletrodoméstico
pra dar impressão que povo ser rico com o grande estadista
Geisel. Novela muito burra.
PATRIOTÃO (ríspido) Mas a Tupi, que está a perigo, faz. Tem que fazer.
Se não fizer, não sai um empréstimo que eles estão pedindo
pra pagar salários atrasados de atores e técnicos.
fim
66 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
Plínio Marcos
Eu conto nessa reportagem, que
resolvi chamar de Signo da discoteque,
como poderia ter chamado de Signo do
rock, ou do iê-iê-iê, ou do consumo, a
história de três crianças que, em vão,
procuram escapar, através de uma
brincadeira, da fossa fedida em que
vivem, mas que acabam se machucando
tanto que se transformam rapidamente
em velhas almas encarquilhadas.
Personagens
ZÉ DAS TINTAS; LUÍS; LINA
Cenário
Um pequeno apartamento que está
sendo pintado. Veem-se escada, latas
de tinta, pincel, rolo de pintor e outros
apetrechos de serviço. O chão junto à
parede está forrado de jornais. Num
dos cantos há também algumas garrafas
vazias e uma cheia, roupas sujas e um
chapéu feito de cartucho de papel.
Signo da discoteque 69
ZÉ Não tá bom?
ZÉ Não tem.
ZÉ Não grila, Luís. Pra trepar, qualquer lugar serve. Basta não ter
ninguém enchendo. Pra mim aqui tá legal.
LUÍS Pode estar pra você. Pra mim, não. Não tem cama e tem esse
puta cheiro de tinta que me enjoa o estômago.
ZÉ Porra, tu se invoca com tudo. É todo cheio de luxo. Pra dar uma
trepadinha, precisa de cama, cheiro de tinta te enjoa… Qual é?
Tudo te grila.
70 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
LUÍS Claro, você tá acostumado. Olha, Zé das Tintas, você falou que
o apê era joinha, senão não tinha trato.
ZÉ Ora, pra quê… Pra pôr a roupa suja. Tu não vai querer que eu
pinte a parede com a roupa limpa, né?
LUÍS Era só o que faltava! Você não vai pintar essa merda hoje!
ZÉ Mas claro que vai ter cama. Tu queria o quê? Que ele botasse
a cama aqui pra sujar de tinta? O cara não é otário.
LUÍS Você devia esperar ele trazer a cama dele pra depois a gente
usar essa merda.
Agora o que é?
ZÉ Que merda?
LUÍS É pequeno.
ZÉ E daí?
LUÍS E daí?!
LUÍS Não é isso. Claro que não vou ficar rolando pra lá e pra cá.
LUÍS E eu?
ZÉ É.
LUÍS E as gatinhas?
Zé suspira aliviado.
ZÉ Deixa chiar.
ZÉ Estando aqui dentro, chiam, mas vão ter que arriar as calças.
E aí, ferro nelas. Comigo não vai ter mas-mas. Desempenho
com chiado ou sem chiado.
Signo da discoteque 73
LUÍS Porra, Zé das Tintas. As gatinhas são gente fina. Não são nenhum
biscatinho escroto. Elas têm que ser comidas na manha, com
romance, paparico.
LUÍS Não é nada disso. É papo, conversa mole, psiu-psiu e tal e tal.
Senão, elas se invocam e não vão querer dar.
ZÉ Mas elas não falaram que iam dar? Então vão ter que dar. Pra
papo não precisava trazer aqui.
LUÍS Elas não falaram que iam dar. Entende? Elas não falaram nada.
Ninguém falou em dar, nem em comer.
ZÉ Não entendo.
LUÍS Você canta ela. Você não é o Zé das Tintas? Canta ela. Ou você
não sabe cantar mulher?
LUÍS Que difícil, Zé? Que difícil? Não tem mulher difícil. Tem mulher
mal cantada. Cantada direito, qualquer uma dá.
Pausa.
Luís ri.
LUÍS Bom, se você vai com esse chapéu e essa roupa, fica ruço mesmo.
LUÍS Não vai me dizer que você nunca trepou na tua vida…
LUÍS Não, essa garota é ponta firme. Falou que vem, é que vem. É que
acho que não vai dar certo.
ZÉ Por quê?
LUÍS Sei lá… Elas são gatinhas… cheias de chiquê. Não vão gostar
dessa sujeira, desse fedor de tinta. E não tem nem cama.
ZÉ Pra mim não tem problema. Pra você tem? Se alguém ficar te
olhando tu brocha?
LUÍS Não é o meu caso. Pode ter a maior torcida. Se eu precisar mijar,
eu mijo. Se precisar cagar, eu cago. Se precisar trepar, eu trepo.
ZÉ Bom, eu não. Mas tou sabendo que não tem problema. Comigo,
não.
ZÉ Tu é tu.
Pausa.
ZÉ Diga.
LUÍS (vacilando) Olha… Sei lá… Não leve a mal. Mas eu acho que vou
me arrancar.
ZÉ Como não leva a mal? As mulheres vêm aí. Tu que marcou com
elas. Elas chegam aí, não te veem, vão embora.
ZÉ Tu tá cheio de frescura.
Pausa.
LUÍS (Suspira.) Ah, foi pra Santos. Tá todo mundo em Santos. Curtindo
as férias.
ZÉ Só tu e eu que não.
ZÉ Qual a diferença?
LUÍS Eu podia estar lá. Você, não. Tem que trabalhar aí de pintor.
Signo da discoteque 79
LUÍS Turma da farofa só tem que olhar mesmo. Eu, quando vou,
é outro caso. Me arrumo com montes de gatinhas. Sou bem
enturmado.
Pausa.
LUÍS Não preferi porra nenhuma. Você acha que alguém prefere
ficar nessa merda em vez de curtir uma praia? Tou nessa podre
porque dei azar. Um puta azar. Podia estar lá em Santos e não
estou. (Bebe.) Olha eu aqui. Um otário. Se dou uma sorte,
estava de carango novo e na praia. Dei azar. Muito azar. Estou
me danando.
LUÍS E lá em Santos você acha que não ia ter? Ainda mais eu de carro
novo? Era só descer uma, pra subir outra.
Tomei pau, Zé das Tintas. Pau. Terceiro ano seguido que danço.
Danço na porra desse vestibular. O velho ficou uma arara.
80 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
LUÍS (estourando) Burro é a puta que te pariu! Burro não, seu filho
da puta! Se você me chamar de burro outra vez, te afogo nessa
lata de tinta.
Luís bebe.
Pausa.
LUÍS Tou sabendo que você não falou por mal. Acontece que eu estou
grilado com esse vestibular. É todo mundo me pegando no pé. Três
anos que eu tento, tento. Faço essa merda de cursinho, estudo,
estudo. Vou na USP, na Paulista, em Sorocaba, Ribeirão Preto,
Campinas, Catanduva, Bragança, Santo André, Santos, na casa
do caralho. É pau pra todo lado. (Bebe.) Já falei pro velho: “Não dá
pra mim, sou burrão mesmo”. Mas ele quer porque quer que eu
seja médico. Aí, pega no meu pé. É a mãe, a tia, o tio, a avó, o avô,
o vizinho, todo mundo: “O Luís não quer nada. Não estuda. Não
estuda. Não estuda”. Mas eu estudei. Estudei. Estudei. Por essa luz que
Signo da discoteque 81
me ilumina que estudei. Mas não entrei. O meu pai, a minha mãe,
todos sabem que eu estudei. Mas não reconhecem. Não dizem que
eu me esforcei. (Pausa. Bebe.) Se eles reconhecerem que eu estudei,
são obrigados a confessar que eu sou burrão… E eles não querem
ter um filho burrão. Entendeu? Eles querem ter um filho doutor.
Vinte mil pais, vinte mil mães querem ter um filho doutor. Aí,
ficam enchendo nossa cuca pra gente ser doutor. Passar na merda
do vestibular e ser doutor. (pequena pausa) Te enche esse papo, Zé?
Luís bebe.
LUÍS Sabe, Zé das Tintas, eu acho que eu sou burrão mesmo. (Zé,
pelas costas do Luís, concorda com gesto. Pausa.) Porra, e essas
gatinhas que não chegam. Cacete, só faltava eu levar cano de
uma bunda-suja qualquer.
LUÍS Você é esperto paca. O único burrão no mundo sou eu. Podia…
ZÉ Às vezes…
ZÉ E a minha? Como é?
ZÉ Não viu?
LUÍS Já te falei mil vezes. Mandei a minha gata trazer uma amiga.
Fim. Ela não vai me aparecer com nenhuma casca de jaca.
Sabe como é, a minha gatinha é beleza. Beleza não anda com
bagulho. Bagulho é que anda com bagulho. Menina bacana anda
com bacana.
ZÉ Meu avô, Mestre Zagaia, me ensinou três coisas certas. Por isso
não dispenso mulher de jeito nenhum. Caiu na rede é peixe. Se
estiver quente, estraçalho. Se ela mexer, melhor. Sou fogo.
LUÍS Porra, seu avô devia ser um coroa legal. Pedra noventa.
ZÉ Ele era. Era só tomar umas a mais, que ficava um barato. Só falava
besteira. Ele dizia que com ele não tinha dispensa. As bagulhosas,
ele comia à moda repolho.
84 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
ZÉ Pois é.
Luís bebe. Zé pinta. Zé para de pintar, olha o Luís que está triste.
LUÍS Comigo não tem grilo, não. Mas, e se tivesse? Onde você ia ficar?
Pausa. Zé pensa.
LUÍS Muita mão de obra. Fica num canto, que eu fico no outro.
Signo da discoteque 85
Pausa.
Pausa.
LUÍS Ela não é nem louca de me dar cano. Porra, era só o que me
faltava. Já ando bronqueado com essa porra de vestibular. Passar
o dia cheirando tinta é dose. Tenho que dar um piço. Um puta
piço, pra esvaziar a cabeça. Qual é, Zé das Tintas? Todo mundo
no meu e eu no de ninguém? Não dá. Assim não dá.
ZÉ Não dá mesmo.
LUÍS (bebendo) Tou ficando bebum. Sabe, Zé, eu queria uma vez
chegar bêbado na cara do meu coroa e dar um esculacho nele:
“Olha aqui, velho repressor, eu não quero ser médico de merda
nenhuma. Não quero ganhar dinheiro, não quero ser doutor,
nem nada. Quero que você vá pra puta que te pariu com teus
papos de futuro e os cambaus. Se você, velho repressor, me
deixasse fazer Comunicação, Letras, Filosofia, qualquer merda,
eu já tinha entrado e saído da faculdade. Tinha um canudo pra
você sentar em cima”. Aí, eu ia cuidar da minha vida. Eu queria
mesmo, Zé, era fazer Educação Física. Até bêbado eu entrava
naquela bosta de faculdade. Olha aí. (Luís faz ginástica.)
LUÍS E jogo bola paca. Sei tudo de futebol. Ia ser um puta treineiro.
Técnico com diploma.
86 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
ZÉ Só ia. Tu é bolão.
LUÍS Mas aí vem o coroa repressor e pisa na bola. “Quero te ver formado
em Medicina. Medicina. Meu único filho vai ser médico”. E é
isso aí. A besta do meu avô, que podia ser que nem o seu, que
era legal, que te ensinou paca, é outro repressor filho da puta. Tá
com o pé na cova e fica resmungando: “Não morro enquanto não
te ver formado em Medicina”. Sabe quando ele vai morrer, Zé?
ZÉ Nunca.
LUÍS É isso. Nunca. Vai ficar pra semente. Porque vai ser hoje, Zé.
Vou tomar essa pinga toda, dar um puta piço e vou lá. Mandar
meu coroa à merda!
ZÉ Falou.
LUÍS Burrão é ele que fica gastando a grana dele em cursinho, querendo
comprar resultado de exame, vaga em faculdade, pra me enfiar
lá dentro. O coroa fala, fala, enche a boca pra falar em moral.
Mas é um puta de um corrupto. Quer comprar tudo com a
merda do dinheiro. Só não quer deixar eu viver minha vida.
Em todo lugar é assim, Zé. Tudo um lixo. Vinte mil carinhas
disputando uma vaga na faculdade, como se fossem cavalos de
corrida. Só um pode ganhar. Um vai ser o campeão. Os outros
vão ser burrões. Uns merdas. Esse um que entra vira doutor.
Pra quê? Pra ser um filho da puta que só pensa em dinheiro,
como o meu pai. Repressor. Corrupto. Ele e todos os coroas.
(Pausa. Bebe.) Menos o teu avô. Teu avô era do rabo.
Pausa.
pensando o que vou dizer pra minha gata quando ela chegar. Só
quero saber como é que vou engrenar o papo com ela.
LUÍS Dá.
Pausa.
ZÉ Tu dança?
ZÉ Queria saber.
LUÍS É isso aí. Assim que tem que ser. Quando cheguei, achei que
não ia dar. Tava invocado. Sem cama e com cheiro de tinta era
uma podre. Agora que tou de tanque cheio, estou achando tudo
certo. Não passou no vestibular? Se dane! Tem cheiro de tinta?
Se dane! Tá tudo certo. Vamos dançar com radinho de pilha!
ZÉ E trepar.
LUÍS Bom… Se não vier… Vamos nós dois na minha gata. Qual é?
Os dois na mesma gata. Se só tem uma, é nessa uma.
ZÉ Tá combinado.
LUÍS A gente acerta todas as pontas. Não tem bom. Só não acerta é
a porra do vestibular.
ZÉ Um dia acerta.
LUÍS Claro. Não tava bêbado. Bêbado tou agora. Mas quando falei
com ela tava de cara limpa. Agora, tem um negócio. O porteiro
pode ter brecado elas lá embaixo.
Signo da discoteque 89
ZÉ Claro. Tu não?
LUÍS Comi. Uma vez. Tava duro. Como agora. Foi na primeira vez que
tomei pau no vestibular. Meu coroa cortou a mesada, eu tava de
cabeça quente. Tinha uma bichona que era professor do cursinho.
Me encontrou na rua, veio conversar. Conversa vai, conversa
vem, me deu uma grana, enrabei ele no apartamento dele.
ZÉ Só uma vez?
LUÍS Claro, pô! Ele falou pra eu voltar lá, tal. Mas sem essa. Nunca
mais apareci.
LUÍS Sem essa! Quem come bicha toda hora acaba virando a mão.
Fica bicha também.
ZÉ Conversa. Eu como bicha toda vez que pintar e não vou virar
a mão nunca.
ZÉ Pra eu não ser bicha, pô! Comer não tem nada. Quem dá é que
é bichona.
ZÉ São elas.
Espera, Luís.
LUÍS Que é?
LINA Oi.
LUÍS Entra.
Tudo bem?
Zé vai até a porta, olha pra fora, não vê ninguém. Faz gestos de
negativo para Luís e tranca a porta. Tira a chave e a guarda no bolso.
Signo da discoteque 91
LINA Vim.
LINA Falou. Mas eu achei que era besteira minha ter medo de
vir sozinha.
LINA O pintor.
LINA Legal.
LUÍS Bom, eu… e o Zé… tamos numa boa…(Mostra a garrafa.) Quer dar
uma bicada?
ZÉ É pinga. Da boa.
92 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
ZÉ Senta na escada.
LUÍS É. Senta na escada. Não tem nada, não. É uma boa. Senta firme.
LINA Para o seu amigo das tintas não dizer que eu sou fresquinha,
vou sentar.
Lina pega um pano no chão, acha sujo, joga fora. Acha a camisa do
Zé, examina com certo nojo. Acha melhor, sobe alguns degraus da
escada, forra o último degrau com a camisa e senta-se.
ZÉ Tu tem mãe?
LINA Tenho mãe, sim. Todo mundo tem. A gente não pede pra nascer,
mas nasce. E aí tem mãe.
ZÉ Tu gosta de criança?
Luís bebe.
LUÍS Justamente.
94 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
LUÍS Também.
ZÉ Sem essa.
ZÉ Tu tá dentro.
ZÉ Tá. Tu pode não estar sabendo, mas só que tá. Por isso, se tu,
pra se ligar, não quer tomar umas e outras, tem uma bagana de
fumo aqui. Mas é melhor tu se ligar.
LINA (já ficando meio zangada) Qual é, Luís? Quer me explicar por
que você pediu pra eu vir aqui?
Luís não responde. Lina desce da escada e vem até ele. Para na
frente dele, zangada.
Luís não responde. Vai beber. Lina, bem brava, toma a garrafa dele.
Quer responder?
LUÍS Pô, pô, pô… Que pô? Mas pô! Só fala pô! Mas pô, o quê?
LINA Não é esculacho nenhum. Eu pensei que… bom, deixa pra lá…
LUÍS Deixa pra lá, não. Aqui ninguém deixa pra lá. Você pensou o quê?
Pausa.
LUÍS Transar. É, transar. Não pensou nisso? Fala. Confessa. Não pensou
que a gente ia transar?
Pausa.
LUÍS É isso aí. Você pensou que vinha aqui pra gente transar. E
pensou certo. Só que você começou a fazer doce. Dificilzinha.
Tá, não tá. Aí, mandei você trazer uma amiga. E cadê ela? Você
não trouxe amiga nenhuma. Aí que entrou areia. Aí que bateu
sujeira. Se tocou? Se estamos nessa, a culpa é sua.
LINA Pô, nunca pensei que você viesse com uma dessa.
96 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
LUÍS E sou. Só que não sou otário. Você acha que eu vinha aqui pra
levar papo furado? Sem essa! Se você vinha com uma amiga,
eu vim com meu camaradinha Zé.
Porra, Luís, acho que ela não vai querer dar pra gente.
LUÍS Vai dar. Veio pra dar. Ela mesma falou. Veio a fim de transar.
Vai transar.
LUÍS E aí? Onde come um, come dois. Onde transa um, transa
outro. Que é que ela pode fazer com a xoxota dela? (pausa) Dar
pros amigos.
ZÉ Tá mesmo.
LUÍS Mas é charme. Ela também não pode ir chegando e dando assim
sem uma onda. Senão, já viu. Avacalha.
LINA Eu tenho que ir. Juro. A gente se encontra outro dia e se fala.
LUÍS Deixa comigo, Zé. Escuta aqui, gatinha, o carinha aí é meio devagar.
Caretão. Eu manjo ele lá do time em que a gente joga bola. Ele é
craque. Sabe tudo de bola. Mas no resto é devagar. Mas eu quero
gabaritar o Zé. É um carinha legal. Aí, eu disse pra ele que você
era de discoteque. Gatinha fina. E que você tinha uma amiga e
que você e a sua amiga podiam ensinar a dançar discoteque, pra
ele entrar na onda, se enturmar. É isso aí. Tem grilo?
LINA Pô, Luís… Eu… não tô a fim… Não é isso… Aqui tá uma barra.
LUÍS Ensina ele, gatinha. Pô! Ele é chucro, mas é um carinha legal.
ZÉ Dançar?!
ZÉ Ah…
Tá aqui o bruto.
ZÉ Não tá legal?
ZÉ Essa tá legal?
ZÉ Mas é estrangeira.
Zé procura no rádio.
ZÉ Essa?
ZÉ E essa?
LUÍS Outra.
Signo da discoteque 99
ZÉ Essa?
ZÉ É pra já.
LINA (brava) Não põe a mão em mim! Não me toca! Seu… seu…
cafajeste!
Luís e Zé riem.
Juro. Eu juro que sou virgem. Juro por Deus, por essa luz, por
tudo que é mais sagrado!
ZÉ Você é biscatinho.
LINA (chorando) Eu não sou puta! Eu não sou puta! Eu não sou puta!
LUÍS É cabaço?
LUÍS Cascata!
LUÍS E aí? Como é que vai chegar em casa? O que vai contar pra mãe?
ZÉ Pra mãe, não! Pra cafetina. Essa é puta mesmo. Veio pra faturar.
Vai tirar a roupa ou não? Tira um. Tira dois. Tira…
ZÉ Ou dá ou desce. (Ri.)
Resolveu dar.
Luís ri.
LINA Está bem, machão! Você ganhou. Você vai me comer. Você e esse
cara nojento. Vão me comer. É isso que você quer, machão? Tá.
Eu sou virgem, sim. Vocês vão ver. Vão ver que eu sou virgem.
Vão me currar. Tá bem. Vai ser. Agora, eu quero que você saiba
de uma coisa, Luís. Eu vim aqui porque gostei de você… Vim…
pra conversar… pra transar até… Não importava se era virgem
ou não… Mas tinha que ser numa boa. Você bebeu. Você e esse
cara querem me usar. Não passou no vestibular e vai descontar
em mim? Tá bem. Eu sou virgem. Depois a gente acerta. Eu
sou menor. Vou falar pra minha mãe. Vou na polícia. Você vai
casar comigo.
Luís vacila.
ZÉ Que nada!
Pausa.
ZÉ Sem essa, Luís! Eu sei que é grupo dela. Se ela for na polícia,
eu sou testemunha. Falo que ela deu pra mim. Que foi suruba.
Larga essa garrafa e vamos comer ela.
LINA O vestibular que não deu pro filhinho de papai passar. Tadinho.
Tão bonito e tão burro!
LINA Burro! Burro! Você é muito burro, Luís! Você não percebe
nada. Não viu que eu dava pra você numa boa? Você é burro!
Burro! Muito burro!
LUÍS Cala essa boca! Cala essa boca! Eu não sou burro!
Cada um puxa Lina, que berra desesperada. Está nua e virada para o
público. A luz se apaga e entra som de discoteque, alucinando. Depois de
um tempo longo, luz se acende. Lina está deitada num canto, chorando.
Luís já vestiu a calça, está vestindo a camisa com cara contrariada. E o
Zé, só de calção, está indiferente. Ficam assim um bom tempo.
LINA Não. (Pausa. Ela olha pra um e pra outro.) Quero ir embora.
Pausa.
LUÍS Eu vou puxar. (Não se mexe.) Eu estive pensando, Zé. Sabe que
eu acho que vou tentar dobrar o meu coroa num papo? Juro pra
ele que, se ele me der o carango, ano que vem eu tento outra
vez o vestibular de Medicina. Pode ser que cole.
ZÉ (Já pintando e sem dar muita atenção ao papo de Luís.) E se não colar?
LUÍS Pega nada. De qualquer jeito, ano que vem vou ter que fazer
essa merda de vestibular outra vez.
ZÉ Até passar.
LUÍS Até. (pausa) Não dá pra ficar nessa de se sentir um burrão a vida
toda. E depois, tenho que pensar no futuro.
ZÉ É isso aí.
ZÉ Tchau.
fim
Texto escrito sob encomenda para
o jornal Folha de S. Paulo e publicado
no caderno mais! em 2 de outubro de
1994, domingo, véspera das eleições
presidenciais. A mesma encomenda
fora feita a quatro outros dramaturgos
(Gianfrancesco Guarnieri, Mauro Rasi,
Marcos Caruso e Jandira Martini),
para que escrevessem sobre o tema:
“‘Eu perdi!’ Em peças exclusivas, cinco
dramaturgos imaginam a reação dos
candidatos diante da derrota nas
eleições presidenciais de amanhã”.
Personagens
1º PRON; 2º PRON;
GRANDE; MAGO
No que vai dar isso 109
Ao abrir o pano, um mago está sentado à sua escrivaninha estudando um grande e grosso
livro antigo. Por todos os cantos da sala veem-se velas, mapas astrológicos, mapas de
mãos, caveiras, corujas e gatos empalhados, vidros com sapos e cobras. Há também um
forno antigo e mais uma porção de badulaques mágicos. A sala é toda revestida de grossas
cortinas de veludo escuro e é mal iluminada por um lampião de querosene, que projeta
sombras nas cortinas, tornando o ambiente extremamente sombrio. De repente a porta é
aberta com brutalidade e entram três homens vestidos com terno e gravata pretos. Dois são
baixinhos e nervosos e um é enorme, muito forte e lerdo. Esse tem uma metralhadora.
O mago fica muito assustado.
MAGO O que significa isso, essa invasão a essa hora na minha morada?
MAGO Claro que não desconfio. Essa invasão não tem cabimento.
2º PRON Só um pouco.
Pausa
1º PRON Viemos buscar o dinheiro que pagamos para você prever o que
ia acontecer com nosso mestre nessa eleição pra presidente
da república.
110 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
1º PRON Que nosso mestre, pela colocação dos astros e pela leitura dos
cabelos dos candidatos, seria o único vencedor nessa eleição.
2º PRON Não sabe? Finge que não sabe. Canalha. Diga a ele, irmão.
1º PRON Chega, Grande! Acho que ele já entendeu o que viemos fazer
aqui.
MAGO Que absurdo! Que absurdo! Não posso crer que estão me
tratando assim.
MAGO Mas eu fiz o meu trabalho. Prometi que o mestre Pron seria o
grande vencedor dessa eleição.
MAGO Está eleito. Mas não ganhou. Perdeu. Perdeu de forma fragorosa.
Perdeu sua dignidade, seu autorrespeito, seu amor próprio.
Vendeu sua alma ao diabo. Traiu seus antigos amigos, seus
ex-colegas, seus princípios. Jogou todo um passado de lutas
112 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
MAGO Pobre sapo. Vai ficar longos anos chiando de fora. Sem saber
o que o futuro lhe reserva.
MAGO Está roído de ódio. Está ficando roxo de raiva por tanta traição
que sofreu. Mais raiva tem de não ter forças, não ter poder pra
se vingar. Liquidado. Vai criar vaca.
MAGO Esse vai espernear. Vai gritar que foi a televisão, a mídia, o
topetudo, o Plano Real que elegeram o Pavão. Depois cansa.
Muda para um país vizinho e vai ser fazendeiro.
2º PRON E o pelado?
No que vai dar isso 113
MAGO Se der sorte, vai ser chefete de gabinete da mulher. Se ela perder…
não vai ser nada.
1º PRON E o anfíbio?
Pausa.
Pausa.
2º PRON Médium?
MAGO Creio que sim. Observem ele na televisão. Ele esbugalha os olhos,
treme, grita o nome dele mesmo como se estivesse para entrar
em êxtase. O mestre Pron que vocês veneram… tem muitos
pontos em comum com o nazista Hitler. Ele pode, com sua
empolgação delirante, aglutinar os descrentes, os desiludidos,
os desencantados. (pausa) Os partidos já não existem mais.
114 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
1º PRON O Hitler…
MAGO A Sociedade Thule tutelava a besta. Até quando… ele quis andar
sozinho…
MAGO Sim… Sim… Vocês estão puxando o saco certo. Ele tem tudo…
quase tudo… para mais tarde tomar conta do país. Berrando
seu nome e pedindo ordeeem.
2º PRON (respeitoso, quase afetado) O senhor disse que ele tem quase tudo
pra dar certo. O que lhe falta?
MAGO Não. Não eu. Não sou nazista. Nem quero poder.
MAGO Vai. Vai sim. Tem muito vigarista na jogada. Querendo poder.
MAGO Esperem.
Pausa.
GRANDE Irmãos Prons, deem por mim, eu estou duro. E, senhor mago,
desculpe eu ter apertado seu gogó.
MAGO (sozinho) O pior… é que tudo o que falei é verdade. (pausa) Deixe
eu ver o que as velhas escrituras dizem do Brasil.
fim
Texto escrito em março de 1995 e
publicado no caderno Artes da revista
Caros amigos em maio de 1997, ano I,
nº 2, p. 14.
Personagens
SENHORA; MAGO (ou MAGA)
Leitura capilar 119
Mago lê seus velhos livros. Há velas acesas, coruja, enfim, colocar no cenário tudo
o que houver referente a bruxaria. Entra a esposa do Pavão de Bico Comprido e
Bunda Fria.
SENHORA A situação do país… Será que vai melhorar? Estou tão preocupada…
Meu marido… é… nós… sobretudo em relação… O senhor acha
que temos futuro?
MAGO Não existe futuro, mulher. Existe uma lei fatal que se chama
“causa e efeito”. Compreendeu? Como dizia Jesus: “Quem planta
vento colhe tempestade”. Mas, ah… O senhor seu marido não
crê em nada dessas coisas… Jesus, Deus…
SENHORA Não! Não! Depois que ele perdeu aquela eleição… porque aquele
repórter cretino fez ele confessar… digo, fez ele falar que não
acreditava em Deus, ele passou a acreditar. Acredita, sim!
MAGO Grande figura, esse seu marido. Mas é como é. Não têm futuro,
nem ele, nem o país. Mas se a senhora quer saber se o país vai
melhorar…
MAGO Digo.
MAGO Digo.
120 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
SENHORA No que o senhor se baseia para afirmar que o país vai de mal a
pior? Em alguma profecia?
Mago ri.
SENHORA É o Figueiredo.
MAGO (rindo) Olha a moringa do bruto. O que cobre ela? Uma penugem.
Uns pelos ralos. Triste cabeça sem consolo: por fora, pouco
cabelo; por dentro, não tem miolo. (Ri.) Foi assim que governou.
Não foi? Sem nenhuma imaginação.
MAGO (rindo) Ah, o Sarney… (Ri.) Esse às vezes estava de cabeça branca
e outras vezes de cabeça preta. Tingida. Revelava, com essa tola
vaidade, a sua fraqueza. A sua leviandade. A sua falsa ideologia.
Perereca, pulava de uma legenda pra outra sem cerimônia.
Leitura capilar 121
MAGO Você lembra como ele colava os cabelos na cabeça com aquela
coisa brilhante? Brilhantina? Gel? Sei lá o quê! O que sei é que
o cabelo ficava brilhoso. Gosmento. Coisa nojenta! Quando o
calor era forte, aquela gosma derretia. O brilhareco ia direto
pro nariz. E ele ficava empolgadão. Nunca ficava brilhante, mas
cheio de brilhareco. Aquele cheiro deixava ele violento. Nunca
forte. Sempre violento. Foi uma lástima. Envolvido facilmente
por amigos, parentes, gente da pior espécie. Caiu de podre.
Afanou paca.
SENHORA E o Itamar?
SENHORA Para o senhor, ninguém fez nada. Mas eles eram patriotas.
SENHORA (meio encabulada) Ai, meu Deus! O que vai sobrar disso tudo
pro meu Pavãozinho?
Mago ri.
SENHORA (pagando) Aqui está o seu dinheiro. (Vai sair, mas para na porta
e se volta para o Mago.) E se o Lula fosse eleito? Seria diferente?
fim
Publicado no caderno mais!, do jornal
Folha de S. Paulo, em 11 de junho de 1995.
Há fragmentos de uma primeira versão
com o título de Moderna história do índio do
Brasil, s/d.
Personagens
MINISTRO DA JUSTIÇA CHUPIM —
com roupa de juiz de direito;
ÍNDIO-ÍNDIO — com roupa de índio
e tênis;
BUANA CASCA-GROSSA — general
sempre com roupa de campanha;
MESTRE BOTO — especialista em usurpar
índio, vestido com roupa de onça, sapato de
crocodilo e óculos de tartaruga;
INTELECTUAL HÉLIO JAGUARI — usa
guarda-pó de professor, cachimbo e óculos;
JAPONÊS — índio aculturado, usa terno
e gravata.
Nhe-nhe-nhem ou Índio não quer apito 127
CHUPIM (detendo Buana) Deixa ele. Ele quer encrenca. É só o que esse
danado quer. Mas não vai ter. Nós pacificamente vamos
demarcar as terras de índio. (pausa) Vamos deixar índio com
umas terrinhas. Branco aproveita melhor as riquezas naturais.
Esse é um acordo justo que queremos fazer com índio.
MESTRE BOTO Tem que ser desse jeito. Só assim podemos remanejar
inteligentemente a floresta. O índio é indolente. Podemos
128 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
JAGUARI Essa tem sido minha tese. Com certeza meu livro sobre a
completa aculturação do índio vai me levar à Academia Brasileira
de Letras.
MESTRE BOTO Sua tese é brilhante. Claro que você vai pra Academia. O Sarney
e outras tantas múmias entraram, por que o senhor Hélio
Jaguari não iria entrar, defendendo essa tese humanitária da
total aculturação do índio?
Todos suspiram.
BUANA Os senhores perdem muito tempo com índio. Uma ação pronta
e rápida… dum-dum-dum… e adeus índio!
CHUPIM (bravo) Não quer acordo? Olha aqui, índio safado, a gente quer
fazer acordo, mas índio é tinhoso, não quer. Assim fica difícil
o acerto. Tenho que levar essa aporrinhação para o grande
cara-pálida Pavão do Bico Comprido e Bunda Fria. Mas, já vou
avisando. Sei o que o presidente vai falar: “Não me traga nhe-
nhe-nhem de índio pra me aporrinhar”. O grande chefe já tá de
saco cheio. É trabalhador, é aposentado e não quer mais aturar
nhe-nhe-nhem, principalmente se estiver com dor na lomba.
Agora escuta bem, Índio-Índio. Se Índio-Índio não encher o
saco, a gente manda o Bebeto da Cesta dar cesta básica pra tribo
inteira. Porém… se Índio-Índio engrossar, aí as coisas vão ser
resolvidas por nosso Buana Casca-Grossa.
CHUPIM Se Índio-Índio não concordar, vai ver como fica. Índio porra-louca
pode esperar a resposta.
MESTRE BOTO Calma, Buana! Calma! Esse é Japonês, índio amigo. Bom moço
e obediente. Estudou em escola de branco. Tem vergonha de
ser índio. É aculturado.
MESTRE BOTO É índio. Mas tem vergonha de nome índio. Como tem cara de
japonês… chamam ele de Japonês.
CHUPIM É um exagero. Nome, pai é quem coloca. Não precisa ter vergonha
de nome.
JAPONÊS Quando nasce filho índio, pai abre janela. Primeira coisa que
vê, nome de índio. Nasceu irmã de índio. Pai abriu janela, viu
estrela brilhante. Nome de irmã de índio: Estrela Brilhante.
CHUPIM Que coisa poética, bonita! Se não fosse índio ser tão ganancioso…
Esse processo de escolha de nome é lindo.
JAPONÊS Quando índio nasceu, pai abriu janela e viu… viu… cachorro
fodendo. Por isso me chamam de apelido Japonês.
JAGUARI Mas não é só católico que tá com esse papo de reserva de índio.
Tem os missionários protestantes. Várias seitas evangélicas
elegeram porradas de deputados e senadores.
BUANA (exaltado) Porra! Igreja é tudo a mesma merda. Estão sempre dos
três lados. Ficam com a direita, com o centro, com a esquerda.
No final, ficam com quem ganhar. Se a moeda cair em pé, eles
ganham. E nós… (Começa a engasgar.)
MESTRE BOTO Japonês, corre depressa! Pega um copo de água pro Buana.
MESTRE BOTO Claro que vai. Ele é índio bom e obediente. Como veem, basta
adestrar índio que ele fica ótimo.
CHUPIM Impressionante.
Buana rosna.
MESTRE BOTO Isso tem que ficar claro, muito claro. Os selvagens, tomando conta
da floresta, são enganados facilmente. Os cartéis madeireiros e
mineradores, formados pelos Estados Unidos, pelo Canadá, pela
Suécia, pela Finlândia, deitam e rolam em cima de índio boboca.
Naturalmente, esses cartéis não querem que a gente fique atenta
ao problema do Amazonas. (Vai se exaltando.) Precisamos ser
patriotas! O brasileiro tem que ser brasileiro. Patriota! Temos o
exemplo do nosso Buana Casca-Grossa, que está sempre pronto
para se embrenhar na floresta e defender nossas fronteiras, seja
de índio ou de quem quer que seja. Não podemos perder nossa
soberania por causa de traidores ou de bobos úteis a serviço de
inimigos. Essa canalha derrotista… (Engasga.)
JAGUARI Ele aparece… Quer dizer, espero que sim. Mas, se não vier…
paciência! Índio é índio. Vai ver esqueceu o caminho de volta.
MESTRE BOTO Desisto da água. O japonês nunca tinha falhado, mas hoje pisou no
tomate. Mas eu cuido disso depois. Agora quero contar um caso
136 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
MESTRE BOTO Olha quem tá aí! (para os outros) Vou dar um esporro nesse
índio. Não reparem.
MESTRE BOTO Onde você andava, índio Japonês preguiçoso? Não sabia que
eu precisava da água? Não sabia que eu estava sufocando?
BUANA Filho da puta de índio! Fez nós todos bebermos mijo. Por isso
que eu digo que não adianta perdermos tempo com essa corja.
Ele fez isso de propósito. É sonso. Se fazem de bonzinhos e, se a
gente se distrai, eles enfiam um punhal na nossa costela. Desde
sempre eles odeiam homem branco. Foi sempre assim. Logo que os
portugueses chegaram no Brasil, eles comeram o bispo Sardinha.
Comeram com casca e tudo. E comeram muitos outros. Papacus
nojentos! Vamos poupar tempo. Vamos demarcar as terras desses
pestes. Raça maldita! Se eles não quiserem, fujam pro Peru!
Nhe-nhe-nhem ou Índio não quer apito 137
CHUPIM Diante dessa sacanagem que o índio Japonês fez pra gente,
dando mijo pra gente beber, acabou o diálogo. Vamos agir.
JAPONÊS Vem, Índio-Índio! Vem logo, que chefes tão putos da vida!
BUANA Hip-hip-hurra!
TODOS (cantando)
Iaiá, me deixa subir nessa ladeira
eu sou do bloco, mas não pego na chaleira…
Lá vem o cordão dos puxa-sacos
dando viva aos seus maiorais
Quem vem na frente é passado para trás
e o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais…
fim
Adaptação para teatro, feita pelo
próprio autor, de seu conto com o
mesmo título, publicado em 1995.
A peça estreia em 1997, no Teatro
Fernando Azevedo, em São Paulo, com
direção de Marco Antônio Rodrigues.
Personagens
DA CIDADE: (homens e mulheres,
juiz, promotor, advogados,
sargento e soldados); ARTISTAS
DO CIRCO; DONA CILOCA;
RITONA CAPATAZ; DELEGADO
ALENCASTRO; MÃE DI; FRANZ
DOMADOR; CARLINHOS;
PALHAÇO BOBO; SECRETÁRIO
MACEDO; HOMEM DA IMPRENSA;
PREFEITO NICANOR; VELHA
ZOLÁ; JUAN; CAROL; LILI;
BORRACHINHA
Cenário
Interior de um circo.
O assassinato do anão do caralho grande 141
PRIMEIRO ATO
Quando abre o pano, é como se o picadeiro estivesse invadido pela fina flor da sociedade local,
cada um com sua roupa de ofício (juiz, promotor, advogados, delegado e soldados). Dona
Ciloca, mulher gorda, esposa do prefeito, à frente. Do outro lado, os artistas do circo, cada um
com sua roupa de ofício (palhaço, domador, trapezistas, atleta, ciganos e ciganas). Estão todos
estáticos, como se fossem figuras de um museu de cera. Toda a cena está na penumbra. De
repente, luz abre na geral e explode música de abertura de espetáculo de circo (galope). Toda a
gente, da cidade e do circo, dá voltas no picadeiro, como se estivessem se apresentando, e voltam
ao lugar do início. Os artistas permanecem estáticos em seus lugares. A elite da cidade se agita.
Silêncio.
DONA CILOCA Boa pergunta. O que se há de fazer? (pausa) Só nos resta ficarmos
vigilantes em cima dessa ciganada vagabunda. Sob controle rígido,
vigilância em cima, eles não se sentem tão bem… Não podem…
Logo levantam acampamento e vão embora. Assim é que é.
TODOS DA É. É. É.
CIDADE
DONA CILOCA Doutor delegado, diga a ela por que estamos aqui.
DONA CILOCA (Não gostou. Para ela o momento era solene.) Delegado, com licença.
(em tom de discurso) Estou aqui como presidenta em exercício
da Sociedade Protetora dos Animais nessa progressista cidade.
Venho trazida por uma denúncia grave.
TODOS DA Gravíssima.
CIDADE
DONA CILOCA Gravíssima mesmo, contra essa… digo, esse circo Atlas. E, para
deixar bem claro que o assunto é sério, muito sério, me faço
O assassinato do anão do caralho grande 143
DONA CILOCA (irônica) Despeitado? Invejoso? (Ri, afetada. Todos riem, afetados.)
Não me faça rir. (Ri.) Que pretensão dessa aí, minha gente!
Quem haveria de ter despeito, inveja de um bando de ciganos
de circo mambembe? (Ri.)
RITONA Quem? Muita gente tem inveja do povo da estrada, muita gente
mesmo: os maridinhos (Cospe, cínica.) que ficam rodeando o
circo, a mulherada que fica molhadinha quando nossos rapazes
passam na rua…
MÃE DI (educada, serena, firme) Chega, Ritona. Essa conversa mole não
vai levar ninguém a lugar nenhum. Senhora Dona Ciloca…
Dona Ciloca, pois não?
CARLINHOS Pois não, presidenta. (Abre a pasta, nervoso. Deixa cair alguns
papéis no chão. Procura os documentos, aflito.) Meu Deus, onde
coloquei o mandato? Estava aqui com meus poemas, misturou
tudo.
BOBO Ele podia vir declamar os poemas dele no circo. Ia ser hilário.
(Ri.) A bicharada declamando. (Ri.)
MÃE DI Não se preocupem com documentos. Se Dona Ciloca diz que tem
um mandato de busca, é porque tem. Nem precisava. Como já
falei, a casa é sua. Por onde quer começar a inspeção?
CARLINHOS Meu Deus, que susto! Pensei que era a fera que estava urrando.
BOBO Pobre Belo Platão! Não tem mais urro. Mais nada.
Pausa.
MÃE DI Esse é o nosso leão africano, Belo Platão, uma fera doente e
cansada, por anos e anos a fio nas andanças das estradas que vão
do nada a lugar nenhum, uma viagem sem meta. Podem olhar
o bicho à vontade.
BOBO Isso não é veia cômica. É variz. (Ri.) Mas, para que os distintos
visitantes não esquentem a cabeça com o que come o leão
do circo, eu informo: o leão Belo Platão não come carne, é
vegetariano. Come pouco, tem medo de engordar e ficar por
aí rolando como uma bolona cheia de ar.
Mas teve uma época em que o Belo Platão era tratado com
carne. Era quando ele trabalhava na arena. Ele era o leão de
estimação do Nero. Quando o imperador tinha alguma cristã
gorda que não prestava pra nada, dava pro leão comer. (Ri.)
As magras lindonas? Ele mesmo comia. (Ri.) Nerão era esperto.
Só gordona bagulhosa é que virava ração de fera… De tanto
comer toucinho, Belo Platão enjoou de… Banha enjoa. (Ri.)
DONA CILOCA (ofendida) Esse moleque atrevido está ficando insuportável. Está
passando dos limites. Precisa de uma lição.
Espere, delegado. Cada coisa tem sua hora. Ninguém perde por
esperar. Agora vamos examinar a jaula.
DONA CILOCA Bem observado, secretário Macedo, mas tem mais. Aqui não
há esgoto.
CARLINHOS Não vejo privada em lugar nenhum por aqui. Não posso imaginar
como eles evacuam.
BOBO Com o cu. Como todo mundo. Quer dizer… Tem gente que
usa o cu pra outra coisa. (Ri.)
DONA CILOCA (cada vez mais furiosa) Exijo respeito. Esse sem-vergonha vem
tentando nos ridicularizar, anarquizar as autoridades desta
O assassinato do anão do caralho grande 149
TODOS DA — Dona Ciloca é assim. Muito boa. Até que deixa de ser.
CIDADE — Não abusem dela. Não abusem.
— Ela dá um boi pra não entrar na briga. Depois, bom… Dá uma
boiada pra não sair.
— Dona Ciloca brava mete medo.
— Dona Ciloca tem temperamento forte.
— Desde nosso tempo de escola foi assim.
— Então não sei? Estudei com ela desde o prezinho até nos
formarmos normalistas.
DONA CILOCA (gritando) Lá! Lá! Lá! (Todos olham para Dona Ciloca, enlouquecida.)
Lá no fundo da jaula, gente, lá! Vejam. É a prova do crime. Vejam,
está escondido embaixo da forragem. Por isso não vimos, mas
agora vejo a pontinha aparecendo. Vejo o volume embaixo da
palha. Adivinho. É um gato. Um cachorro comido pela metade.
Delegado, mande os soldados apreenderem aquilo. Seja o que
for, é a prova do crime.
TODOS DA (murmurando)
CIDADE — Dona Ciloca é esperta.
— Oh, se é…
— Ninguém pode com ela.
— Percebe tudo.
— Dona Ciloca tem olhos de lince.
— Dona Ciloca é danada. Ninguém engana ela.
— Ainda mais um bando de ciganos.
— Desde pequena ela é assim, percebe tudo.
— Então não sei? Estudei com ela do prezinho até nos formarmos
normalistas.
— Ela tem dons ocultos.
— Seu Jorge, do centro, falou o mesmo.
DELEGADO Mas o que falta pra puxarem o bicho morto pra fora?
DONA CILOCA (depois de um tempo) Roupas. Roupas de uma criança. Meu Deus,
será? Será? Ai…
RITONA O anão.
CAPATAZ
DELEGADO Porra! Puta que me pariu! Se vocês não sabem, quem é que vai
saber o que a roupa de um anão está fazendo na jaula do leão?
BOBO (tirando sarro) O leão deve ter tirado a casca do anão antes de
engolir o bruto.
DONA CILOCA (Voltando a si, berra, nervosa.) Parem! Parem! Delegado, mande
pararem com isso.
DELEGADO Chega, já demos uma amostra. Agora eles vão nos respeitar.
DONA CILOCA Tenha calma, delegado. Bem sei que o senhor está revoltado.
Essa canalha paga com esse crime odioso a nossa hospitalidade.
Por isso é que sou a favor da pena de morte pra essa canalhada
criminosa. Tem que haver. Mas, calma. Esse crime vai repercutir
no Brasil. No mundo inteiro.
Pausa.
— Já imaginou o escândalo?
— Nem quero pensar.
— Se o leão comeu o anão…
— Vai vir televisão.
— Só vai. Imagina se eles vão perder um assunto desses.
— Não é todo dia que um leão come um anão.
O assassinato do anão do caralho grande 153
MÃE DI Franz?
MÃE DI Bobo?
BOBO Escafedeu.
BOBO (rápido no gatilho) Isso só vai ser provado quando o leão cagar.
DONA CILOCA Calma, delegado. Esse assunto vai ser notícia, manchete de
jornal, televisão.
DELEGADO Tem razão, Dona Ciloca. (Pausa. Respira fundo, muda o estilo, como
se raciocinasse.) O anão some. Suas roupas aparecem dentro da
jaula sem ele dentro. A fera sempre faminta parece satisfeita. Isso
é indicação de que o leão comeu o anão. Mas com certeza o anão
não mergulhou por livre e espontânea vontade na goela do leão.
Ninguém nunca se suicidou assim, o anão não ia ser o primeiro.
Esse meu raciocínio claro me faz concluir que alguém matou
o anão e o jogou pro leão comer. Ou, quem sabe, tirou a roupa
154 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
do anão e jogou ele vivo pro leão fazer o serviço? Quem matou
o anão? Quem? Claro. Claro. Ninguém sabe. Um criminoso
frio e calculista capaz de atirar um anão nu pro leão comer não
vai se entregar só pra aparecer na televisão. Não vai confessar
só porque estou perguntando. Mas eu descubro o assassino,
descubro. Podem apostar todas as fichas nisso. Ganham fácil.
Certo, certo, nunca deixei um caso sem solução, e não vai ser
agora, com anos e anos de janela, que vou ser enganado por
um bando de ciganos assassinos. Canalhas, nojentos, assassinos
de anão. Eu descubro o assassino do Janjão, ou não me chamo
mais Ribaldo de Alencastro. Por enquanto, todos do circo são
suspeitos, todos. Ninguém sai do acampamento, ninguém!
(pausa) Carlinhos!
DELEGADO (segredando) Você, que tem jeito pra essas coisas, liga pra capital
e dá um toque na imprensa. Esse crime dá notícia. (Sorri.)
Pano fecha.
O assassinato do anão do caralho grande 155
SEGUNDO ATO
Tristes, humilhados, os circenses estão agrupados num canto, sem expressão, imóveis,
como bonecos de cera. Fora de cena, um tremendo berreiro, como uma torcida de
futebol enlouquecida. Entra em cena o delegado, acompanhado do homem da imprensa.
O homem da imprensa parece uma bailarina: um ator com câmeras de TV na cabeça,
nos braços e nas pernas, microfones, canetão, blocão. Um único ator representa uma
multidão, fotografa em vários ângulos e fala perguntando; como se fosse um palhaço, dá
voltas no picadeiro; fala a mesma coisa ou várias coisas ao mesmo tempo. Atrás dele vem
a elite da cidade.
DELEGADO Também.
HOMEM DA Fora! Fora! (Corre até onde estão os artistas.) Entre esses ciganos
IMPRENSA está o assassino do anão. (dramático) O sanguinário. O carniceiro.
O impiedoso. Sem alma. Sem entranhas. Matador de anão.
Quem foi?
O assassinato do anão do caralho grande 157
HOMEM DA A polícia até agora não fez porra nenhuma. Parece que estão em
IMPRENSA greve branca. Operação tartaruga. Já tem suspeito, delegado?
DELEGADO Cai fora, gente! Todos fora. Sou eu quem vai dar a entrevista.
Sargento, limpa o recinto. Se preciso, baixa o pau.
DELEGADO Quero declarar que já tenho um suspeito. Não falo sem provas.
Mas logo, hoje ainda, o criminoso vai estar na minha unha.
Apostem todas as fichas nisso. Apostem e ganhem. Descubro o
assassino. Prendo o facínora vivo ou morto e entrego pra justiça,
pra que a justiça faça justiça. Não sou homem de deixar crime
sem solução. Ainda hoje o cigano ou os ciganos que mataram
o anão vão ser presos e socados na cadeia. Ou, se resistirem à
prisão, eu juro… Prendo o culpado vivo ou morto, ou não me
chamo Ribaldo de Alencastro.
DELEGADO Tenho meus métodos. Não tem chibu. Ainda hoje prendo o
culpado. Só quero tranquilidade pra trabalhar. Sai todo mundo!
Ficam só os artistas e o guarda.
DONA CILOCA Gente! Escutem! Fui eu, com a minha intuição, quem descobriu
o crime. Fui eu que vim examinar… Gente, escutem… Não sou
qualquer uma querendo aparecer. Sou a mulher do prefeito,
primeira-dama, presidenta da… Escutem… Escutem…
2º ADVOGADO Mesmo que tenham sido vocês os autores do crime, posso livrá-
los da encrenca. Posso alegar legítima defesa. Cuidarei de todos
os detalhes.
MÃE DI Quem não deve não teme. Nossa defensora é Sara, a Negra.
Ela há de nos guiar nesse momento difícil, como a mão de Deus
guiou a barca sem remo onde os romanos, após a crucificação
do Cristo, meteram ela, as três Marias, Arimateia e Lázaro,
e que foi lançada às águas pra se afogarem. A Virgem Negra
nos valerá.
DELEGADO Sargento, leve essa corja aí pra uma barraca e prenda eles
lá. Vou chamando os que ficarem com o cu na reta. Aliás,
o principal suspeito já deixa comigo. É o domador. Esse é o
principal suspeito.
DELEGADO Por quê? Porque sim. Porque alguém tem que ser o primeiro.
E é você.
FRANZ Até aí, tudo bem. Mas por que eu sou o principal suspeito?
DELEGADO Só faltava essa! O cigano quer ser humano. (pausa) Se você não
é cigano, é o quê? E não me venha com literatura, ser humano
e tal e coisa. Vamos, o que é você?
FRANZ Não.
FRANZ Domador, é claro, doma leão. Mas não esse Belo Platão. Esse tá
quase morrendo. Mal fica em pé. Não vai pra doma. Mais dia,
menos dia, morre.
FRANZ Não.
DELEGADO Não?
FRANZ Não. Quando eu entrei pra esse circo, uma semana atrás…
FRANZ É. Vim dar uma força. Sabe, os ciganos jovens vão ficando pelas
grandes cidades. Cansaram da estrada. Já não há mais aquele
preconceito… Não nas grandes capitais. Então a grande Mãe
Di tem que contratar artistas não ciganos. Assim é que fui
contratado. Em circo tenho muita serventia. Mas domar o que
sobrou do Belo Platão… não dá.
DELEGADO Se não foi você… Quem teria motivo pra matar o anão?
Mergulho.
Tira.
DELEGADO Escutei bem, domador? Por causa do pau dele todos o odiavam?
FRANZ É.
DELEGADO De piroca?
FRANZ É.
Pelo meu caralho! O que é que tinha o caralho do anão pra todo
mundo querer matar ele por causa do caralho dele?
FRANZ É.
Que… O Juan não ligava… mas nesse dia o anão queria botar tuia,
uma pomada pra derrubar berruga, no pau do Juan… Daí o Juan
deu um tapa nele. (Chora.) O anão, pra se vingar… nojento… falou
que eu… que eu vivia em falta… e por isso roçava com a Ritona…
Mentira, mentira! Aí eu falei, na hora do nervoso, que ia matar
ele. Mas não mato nem uma mosca. Falei da boca pra fora.
JUAN O anão era… Porra, o anão… era um pentelhão. Ele falou que
até a Ritona tinha grelo maior que o meu pau… Eu mandei a
Carol não falar mais com a Ritona, pra evitar fofoca. Ela achou
ruim. Falou: “Se o anão enche o saco, mata ele…”. Eu sempre
faço o que a Carol quer… Nesse caso… não tive coragem…
DELEGADO Intuição é foda. Já sei quem matou o anão. A velha Zolá? Não pode
nem com ela. A sapatona? Com chicote botava o anão no lugar
dele. A Carol? Linda mulher. O Juan? Esse é bobalhão demais.
Então só pode ser a bichona. Bichona criminosa. Bicha Lili…
DELEGADO Não mente, bicha escrota. Bicha cigana, nojenta, filha da puta,
assassina!
DELEGADO Você fingiu que ia dar pra ele… Ele ficou nu… Taí, tudo se
encaixa… Afoga a bicha… que a bicha confessa.
DELEGADO (dando entrevista) Não há como negar que eu sou mais eu. Não
deixo crime sem solução. Estou indignado com a crueldade dessa
bicha. Em vinte anos de polícia, não vi nada igual. Mas não
vou deixar a multidão linchar a bicha. Vou levar a bichona pra
outra cidade. Sou a favor da pena de morte. Mas lei é lei. Vou
garantir a vida da bicha. Sou o delegado Ribaldo de Alencastro.
Vamos levar a bicha.
DONA CILOCA Gente, fui eu quem descobriu… que havia alguma coisa errada
com o circo… Fui eu… com minha… Convoco a imprensa pra
lançar uma campanha a favor da pena de morte…
LILI (gritando) Grande Mãe Di… Grande Mãe Di… Não fui eu!
FRANZ É.
BORRACHINHA Mas ouvi dizer que a multidão queria até invadir o circo…
BORRACHINHA Pera aí. O anão que estava com vocês não era o Janjão?
Pausa. Todos estão pasmos. Depois, todos começam a rir. Pano fecha.
fim
Escrita em 1997.
Personagens
LAURA — uma moça, a cliente, também muito
bonita, rica, bem vestida e elegante;
VERISKA — maga, quarentona, muito bonita e
elegante, vestida com roupas que lembram uma
cigana (saia comprida, lenço na cabeça, brincos
vistosos etc.).
Cenário
Estúdio de uma maga.
O bote da loba 175
Quando a cena se abre, Veriska está num canto do palco. Brinca com o tarô ou com
tochas de fogo, indiferente ao falatório da cliente. Laura fala sem parar, nervosa e
aflita. Vai se empolgando na medida em que fala e acaba exaltada em vários momentos.
Às vezes para de falar e fica com o olhar perdido, distante, depois retoma o fio da meada
com entusiasmo.
Pausa longa.
LAURA Estou indolente. (voz fraca) Sem ânimo pra nada. Não tenho
apetite. Só angústia… Medo… Tenho muito medo. Medo!
De quê? Tenho um terrível medo. Mas de quê? Não sei. Só sei que
tenho medo. Me preocupo com o futuro… Tenho preocupação
com o futuro… O que será de mim? Estou sempre só. No meio
de tanta gente, me sinto só. (pausa) Eu quero morrer. (pausa)
Me ajuda, senhora Veriska, me ajuda. Eu não suporto… Vou me
matar… Eu não suporto mais viver… Eu imploro, senhora
Veriska, me ajuda…
VERISKA (firme) O que você veio buscar aqui? O que quer de mim?
LAURA (timidamente) Não quero negar nada do que a senhora diz. Mas eu
sofro de verdade. Sinto dores horríveis, angústia, insônia…
Veriska ri debochada.
VERISKA (rindo) Bobinha, no tarô não tem isso, não tem carta boa ou
má. Quando uma carta sai para uma pessoa, é o que essa pessoa
precisa ouvir. O que deve ouvir. Entendeu?
VERISKA (condescendente, mas firme) Você está presa a uma falsa imagem
de si mesma. Se você tiver vontade real de romper com essa
estrutura falsa que alimenta, pode se livrar de muita angústia,
muita dor. Mas preste bem atenção: isso tem que ser feito de
qualquer maneira, quer concorde ou não. Será feito não por
obra do destino, não se iluda. Nada será por fatalidade ou por
acaso. Será feito por esforço. As coisas vão se dar quando algo
dentro de você atingir o ponto máximo de ebulição e não puder
mais ser contido. É isso que significa a carta 16. E só nessa ótica
eu vou poder te ajudar. (pausa) Quer ser livre, Laura?
VERISKA (ainda não convencida) Por mentir, você e gente como você
permanece presa a vida inteira. Na realidade, você vive querendo
escapar da vida. Recusa a vida viva. Permanece presa de corpo e
alma dentro da torre. (num tom mais agressivo) Maldita! Como seu
ambiente, seu coração é duro e seco, frio e escuro.
VERISKA (inquisidora) Você não jurou que queria ser livre, que queria
minha ajuda?
180 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
VERISKA (inflexível) Porque você pediu minha ajuda. Você não vai embora.
Não antes de eu mexer com você. Vou te levar à exaustão.
Te apavorar mesmo. Você vai sentir frio e fome. E vai se render
pra mim. Vai se entregar. Para eu poder te ajudar.
VERISKA (avançando) Vou pegar seus seios. Vou bolinar com força, vou
beijar, chupar, morder. Vou marcar esses seus peitinhos duros
com a minha boca vermelha de batom. Vou te bolinar, vou te
beijar. Vou morder você toda, vou chupar você inteira.
LAURA (histérica) Não! Não! Não! Eu não quero. Não faz isso comigo.
Não me toque. Deixa eu ir embora.
VERISKA (cercando) Claro que quer. Vou te deixar louca. Louca, muito
louca, de prazer. Vou instigar sua tara. Vem pra mim, mocinha,
vou ser sua cachorrona. Vou te chupar. Chupar sua boceta.
Você vai explodir sua porra na minha cara. Daí, vou te roçar…
LAURA (reagindo) Não desse tipo de ajuda. Isso… o que você quer…
é nojento. Não sou homossexual.
VERISKA (penalizada) Como você é boba! Tudo isso que você tem resulta
de uma única causa: falta de sexo. É! Falta de sexo é que te deixa
doente. Não gozar, não ter prazer sexual deixa muita gente
doente. Muito mais gente do que se imagina. Se você tivesse
182 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
LAURA (justificando) Fique sabendo que toda vez que meu marido me
procura estou pronta a recebê-lo.
VERISKA (rindo) Que ridícula que você é! Para qualquer pessoa, a vida é
intoleravelmente árida se for destituída de poesia, de metas ou
de um grande e misterioso romance. Mas é muito mais triste
ainda se a pessoa não tirar prazer do corpo. Natural, a essência
da vida é o sexo, está compreendendo? O sexo…
LAURA (interrompendo) Mas eu estou lhe dizendo que faço sexo sempre.
Nunca recuso quando meu marido me procura. Isso não é o
suficiente? Eu ouço minhas amigas falarem dessas coisas e, pelo
que elas falam, fazem menos sexo do que eu.
VERISKA (após pausa) Fala mais, minha querida. É bom falar. Precisa falar.
Vai te fazer bem. Fala a verdade.
VERISKA (conclusiva) E no dia seguinte você acorda toda ruim. Com crise
de depressão, enxaqueca e sei mais o quê. E esses médicos todos
que você vive procurando, nenhum nunca tentou nada?
184 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
LAURA (evocativa) Uma vez… Foi horrível! Já faz muito tempo… Fui a
um psicólogo, ele foi falando… começou a me tocar… fui
me abandonando… De repente, comecei a tremer… depois
fui ficando rígida… me debatia… O médico pressionou meu
clitóris… a vagina…. Eu… (pausa) Uma vez, andando na rua,
vi uma mulher cair na calçada… disseram que era um ataque
epilético… Ela se debatia… ficou rígida… rolava pra lá e
pra cá…
Pausa longa.
VERISKA (dando corda) Nunca tinha acontecido nada parecido com seu
marido…
Afasto meu marido, afasto ele com força. Ele fica chocado…
Coitado! Não tem culpa.
LAURA (cortando) Não admito que fale assim do meu marido! Ele é um
homem muito bom. Honesto, trabalhador, generoso: me dá
tudo o que eu quero, não me nega nada.
VERISKA (colocando pingo nos is) Pra foder é preciso dois. Quando só um
participa, é punheta. Isso que é. Seu marido usa você pra bater
punheta e depois te dá regalias, te paga! Por causa disso, você
tem dificuldade de urinar, tem menstruação irregular, cheia de
cólicas. Tudo consequência de ser tratada como uma latrina
onde seu marido despeja esperma sem te dar nenhum gozo,
nenhum prazer. Nenhum. Nenhum! Daí te dá dinheiro pra
fazer compras, é a compensação.
LAURA (na defensiva) Ele não faz por mal… Ele não pode fazer nada se
eu sou como sou.
LAURA (afoita) Existe. Sei por mim. E sei por muita gente.
VERISKA (professoral) Claro que tem muita gente que não tem nenhum
prazer sexual… Seu marido é um. O bestalhão é dos que pensa
186 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
Pausa longa.
VERISKA Numa tribo cigana, quando uma mulher linda como você não tira
prazer do corpo… claro que a culpa é do marido. Mas é lógico
que é. Ele é que não tem competência. Mas a mulher, nem ela
nem nenhuma outra merece isso, os ciganos sabem… Você deve
saber que, entre povos da África e da Índia, os machistas cortam
os clitóris das mulheres para elas ficarem na mais absurda das
escravidões, submetidas de corpo e alma.
Pausa longa.
Porém, nas tribos ciganas, que são mais humanistas, a mulher que
não está gozando nos encontros com o marido tem o direito de
convocar um tocador, que é uma pessoa especial. Ele é treinado
desde pequeno para tirar pobres mulheres do suplício de não
terem prazer. Aí o tocador toca a pobre mulher com carícias
fantásticas e, quando a mulher está quase no limite, o tocador
se retira e o marido se aproxima, para penetrar a mulher, ela
vai até o delírio do prazer.
Pausa longa.
VERISKA A leitura que faço das mãos é profunda. Não sou afetada por
nenhum truque de expressão de quem me dá as mãos para ler,
pode crer. As mãos são muito eloquentes. Os traços das mãos
não mentem. Eu sei. Recebi esse dom. Dou graças a Santa Sara,
a negra, por ele. Foi há muitos anos…
Pausa longa.
Pausa longa.
VERISKA (rindo, amarga) Quem abusa de você… Será que você não suspeita?
LAURA (sacando) Não, claro. Ninguém… Você vai dizer que é meu
marido!
Pausa longa.
VERISKA (amorosa) Comigo não precisa ter medo. Vou te tratar com
muita delicadeza, como se deve tratar toda e qualquer parceira
amorosa e sexual. Principalmente uma tão bela e doce como você
LAURA (com tesão) Marcar meus peitos com sua boca vermelha de batom.
O bote da loba 191
fim
Peça escrita em 1993, portanto antes
do surgimento do viagra, em 1998.
O autor, então, fez algumas alterações,
incorporando o advento do remédio.
A peça teve sua primeira montagem em
2002, no Teatro Itália, em São Paulo,
com direção de Kiko Jaess.
Personagens
Um casal de classe média alta:
LISA — cerca de 50 anos, bonita;
MENEZES — cerca de 60 anos,
bem conservado.
Cenário
Um quarto de casal, talvez uma suíte.
Há retratos dos filhos nas paredes
ou sobre a cômoda. O lugar é bem
decorado, com elementos elegantes.
A dança final 195
Quadro I
O quarto está na penumbra. Encostada nos travesseiros, Lisa fuma, triste. Ela está olhando
para Menezes, que está nu, sentado ao pé da cama, também fumando.
MENEZES Não fica assim? Porra, você acha que eu quero ficar assim? (pausa)
Esse pau está arreado contra a minha vontade! Você acha que
eu quero?
MENEZES Então não fala besteira. Quando não tiver o que falar, fica calada.
LISA Eu só quero ajudar. Não quero que você fique nervoso. Isso só
complica.
MENEZES Não quer que eu fique nervoso? Meu pau brocha e eu devo
ficar como?
LISA Pifado mesmo… não. (pausa) Mas teve aquela vez… que você
até vomitou em cima de mim.
MENEZES (encabulado) Ah, Lisa, aquela vez não conta. Eu estava bêbado
como uma vaca. Tomei todas e aí passei mal. Mas você me viu
brochar alguma vez de cara limpa? Viu? Viu? De cara limpa
não viu. Nunca brochei.
MENEZES Pois é: nunca pifei. Você é testemunha. Taí pra não deixar
ninguém me desmentir. Meu pau nunca tinha dado vexame e,
de repente, pifa. A primeira vez, pensei: deu zebra, até araruta
tem seu dia de mingau. Noite seguinte, zebra de novo. Na outra
noite, zebra. Na outra, zebra. Zebra. Zebra. Agora, se o filho da
puta ficar duro é que é zebra.
LISA Para com isso, Menezes! Isso não adianta. Ficar se lamentando
não vai adiantar. Vamos procurar um médico.
MENEZES Médico? Médico de quê? De brocha? Você está ficando louca. Vou
pagar uma puta grana pro doutorzinho, me sentar na frente dele
e me explicar: pois é, doutor, brochei. Meu pau pifou. Entendeu,
doutor? Aí, vou ter que escutar o sacana falar: “Toma viagra”.
Vou ter que explicar que não posso: “Sou cardíaco, doutor”.
LISA Em dinheiro.
MENEZES Claro que foi em dinheiro. Se não, como ia comprar esse carrão
importado pra manter nosso padrão?
MENEZES Não tenho pau! Pode falar. Brochei mesmo. Mas é por pouco
tempo.
LISA Não, não disse. Não distorça o que eu digo. O que eu quero
dizer é que você está estressado por causa dessa sua mania de
ostentar. Venda esse seu “carrão importado”, pague as dívidas,
vá ao médico, tome vitaminas, tire férias. Relaxe, Menezes.
198 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
MENEZES Porra, duas vezes em dois meses! Que fodedor! Não precisa
nem de viagra, o brochão crônico.
A dança final 199
MENEZES (cortando) Espera aí, Lisa. Como é que você sabe tudo isso do
pau do Oscar?
MENEZES Puta merda, só faltava essa! Domingo meu pau vai ser o assunto
na piscina. Toda a mulherada vai se escandalizar. (imaginando)
Vão começar a cochichar: “Coitada, Lisa, como é que você
aguenta?”, “Seu Menezes, que parecia tão fortão, quem diria?”,
“Quem podia pensar… o seu Menezes pifou!”, “Ô, gente, como
vocês são… isso é fase, logo ele volta a ser o mesmo”, “Quantos
meses leva pra ser o mesmo?”, “Uns seis meses, no mínimo, é
o que dizem”, “Que é isso? É de um ano pra mais”, “Isso se ele
não encucar, se encucar, é pra sempre”, “Por isso é que as moças
se queixam que não tem mais homem”. (pausa) Aí alguém vai
lembrar: “Agora tem o viagra, a pílula mágica. Dá umas pra ele
e ele vai ficar assanhado logo, logo”. Aí você me entrega: “Vocês
se esqueceram, gente, o Menezes não pode, é cardíaco, diabético
e hipertenso. No caso dele, viagra mata”. Vão lembrar casos. “É
verdade, já li notícias, um homem podre desse jeito tomou e
morreu”, “Um, não; vários”. (pausa) As vacas vão rir. “O Menezes
está mal com Deus. Brochado e sem poder tomar viagra. Que
azar o dele!”. Aí vão ficar com pena de você: “E o dela?”, “Eu
acho que a Lisa tem direito a um amante”, “Eu também acho”,
“Tão nova ainda”, “Claro que tem”, “Tão bonitona”. Filhas da
puta! Galinhas! Piranhas! Fuxiqueiras! (pausa) Vão contar pros
maridos e aí, então, a gozação não vai ter fim. Se eu aparecer
na sauna, meu pau vai ser vaiado. “Olha aí o Menezes do pau
mole!”, “Brochão cara de pau”, “A mulher dele contou na piscina”,
“O puto não dá mais no couro”, “A mulher dele até chorou”,
“Saudade de uma rola”. E todo mundo rindo. “O filho da puta
do brochão vivia se bacaneando: dou cinco sem tirar de dentro”,
“se vangloriava”, “Só se for de língua”, “Nem de língua ele dá
cinco, aposto”, “Mas que língua! A mulherzinha dele tem cara
de sofredora. Isso quer dizer que o brochão não chega nem de
língua e nem de dedo, não chega de jeito nenhum”. (Ri, imitando
200 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
MENEZES É como eles falam de mulher com mais de… trinta. São sórdidos.
Esse Carlão é o mais filho da puta de todos. Não come ninguém,
mas finge que come. Conheço a figura. Vai se exibir. Até estou
vendo o filho da puta falando: (vai rindo, imitando) “Sem essa!
O Menezes é amigo”. “Mas a coroa dele ainda aguenta uma
meia-sola”. “Deve ser mole, a velhota é carentona.” (pausa) “Mas
sabe como é, mulher de amigo pra mim é homem”. Aí, uma
besta daquelas protesta: “Que é isso, Carlão? Não tem dispensa.
Se mulher de amigo é homem, come por trás…”. E as outras
bestas vão atrás: “Vai lá, Carlão! O Menezes é brocha, merece
um enfeite na testa”, “Executa a velhota dele, ela merece uma
caridade”. (Tem um ataque de riso histérico e fica repetindo sem
parar.) “Mete chifre nele, mete chifre, mete chifre”.
LISA (sacudindo Menezes com força) Pare com isso! Pare com isso!
MENEZES Mas deixa comigo, eles vão ver: vou tomar viagra e eles vão
ver!
LISA Não seja louco, Menezes. Não se meta a tomar uma pílula dessas.
É morte certa pra você, cardíaco, diabético e hipertenso. Pare
com isso!
MENEZES Esquece esse negócio, Lisa. Eu vou tomar não uma, nem uma
caixa, mas um container de pílula azul. Vou comer a mulherada
de todos eles. (Ri como louco.)
LISA (desesperada) Pare com isso! (Sacode o marido até ele voltar a si.)
MENEZES (quase chorando) Eu sei como eles são. Merecem minha vingança.
LISA (brava) Eu não admito que você pense essas coisas de mim. Você
me conhece. Nunca dei motivo pra você ter ciúme, pra duvidar da
A dança final 201
LISA (após pausa) Fique tranquilo. Amanhã marco hora pra você ir
ao médico. E, olha, sexo não é a única alegria do casamento.
202 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
MENEZES Tudo te assusta. E são essas frescuras que… que… deixa pra lá.
LISA Fala.
MENEZES Nada.
MENEZES O quê?
LISA O que você ia falar. Agora tem que falar. Começou, tem que
terminar. Fala.
LISA Não, agora quero saber. Tem que falar. (diante do silêncio do marido,
numa longa pausa) Vamos, Menezes, fala logo. Já começou, agora
acaba. Que frescuras são essas minhas?
LISA Eu sou a culpada? Eu é que inibi você? Sou uma desgraçada, uma
imprestável. Meu Deus: ter pudor é crime! Eu não sou uma boa
parceira sexual, reconheço. Reconheço. Mas o que posso fazer?
Fui educada assim e sou tímida. Isso inibe os homens… é isso!
Você esfriou por culpa minha… (Chora.) Mas eu não quero que
você tome viagra. Isso seria suicídio. Você não pode, é cardíaco,
diabético e hipertenso. Eu não quero carregar até o fim da vida
o peso da culpa da sua morte.
LISA Não brinca, Menezes. (soluçando) Quero dizer que se você esfriou
por minha culpa, se, na verdade, você esfriou comigo… Eu
acho que você deve procurar outra mulher. É, isso mesmo.
Dói pra mim, dói muito. Mas eu amo você, não quero ver
você triste, arrasado. Muito menos morto. Arranjando outra
mulher, você não vai pensar em tomar viagra. É isso: dói,
mas você precisa procurar outra mulher. A gente não precisa
se separar. Eu suporto a situação, pelo amor que tenho por
você, pelos nossos filhos. (romântica) E pela festa dos nossos
25 anos de casados. Eu quero uma festa linda. Quero porque
sei que, apesar das minhas frescuras, como você diz, do
meu modo recatado… nós fomos muito felizes. Tivemos
problemas, como todos os casais. Mas tivemos momentos
ótimos, de ternura, de muito amor. Por essas coisas e muitas
outras, não abro mão da nossa festa de bodas de prata. Sonho
com a festa há tempo. De manhã, vamos todos à missa: nós,
nossos filhos, nossos convidados. De noite, um festão, com
um grande bufê. Para animar o baile, o conjunto do Luís
Loy. Meia-noite em ponto, a Mara começa a cantar, com
aquela voz linda que ela tem: (Cantarola:) “Vinte e cinco anos
de veneração e prazer… Beijando seus lindos cabelos/ que a
neve do tempo manchou/ eu trago nos olhos molhados/ a
imagem que nada mudou…”. Nossa festa vai ser uma grande
204 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
LISA Quero que você seja feliz, acredite. Não vamos nos separar.
Continuaremos juntos, como amigos, como irmãos. Seremos
fraternos. Podemos continuar a dormir no mesmo quarto, para
manter as aparências, pelos nossos filhos. Podemos dormir na
mesma cama, como sempre. Isto é… desde que você tome um
bom banho antes de deitar, pra se desinfetar. E pronto: ficaremos
juntos. (Pausa. Tenta contemporizar, termina chorando.) Vai, vai
procurar outra mulher que dê pra você o que eu não soube dar.
Seja feliz.
MENEZES Agora que eu estou brochado é que você vem dizer isso. Agora
é tarde.
MENEZES Pra pau, é. Pau mole é pau mole, não levanta nem com maçarico.
Só mesmo com viagra.
LISA (rindo e chorando) Eu vou marcar hora pra você no médico. (pausa)
Você vai, né? Não vai ficar com teimosia, nem encasquetar
besteira na cabeça, ficar pensando nessa pílula mágica…
MENEZES (Passa a mão no corpo dela com tesão.) Você não está velha coisa
nenhuma. Está gostosa. Eu preciso me cuidar. Você ainda
aguenta uma meia-sola.
Quadro II
Menezes entra, abatido, se atira de terno e tudo na cama. Aflita, supernervosa, Lisa vem
gritando atrás dele.
LISA (Suspira.) Ah, Menezes, que susto você me deu! Pensei que tinha
acontecido alguma coisa grave…
LISA Só gentinha neurótica, doente, sem fibra. Gente que por qualquer
coisinha à toa fica deprimida. Gente que só pensa em sexo.
Gente sem vida espiritual. Você, Menezes, é diferente. Sempre
foi durão, sempre gostou da vida, da vida integral. Sempre fez
muito amor e ainda vai fazer, tenho certeza que vai. (pausa)
E não será agora que… que… seu pipio pifou… temporariamente…
que você vai arriar.
A dança final 207
MENEZES Não, não. Não há o que desculpar. Pipio pifou. Está certo. Esse
pipio já foi uma rola. Um rolão. Um cacetão. Um caralhão. Um
pirocão. Hoje está reduzido a pipio. Pipio que pifou.
LISA Marquei.
LISA Era a data que tinha, assim mesmo porque um paciente desistiu.
Se não fosse isso, sei lá quando iríamos conseguir ser atendidos…
LISA Morreu. De infarto. Devia ser muito tenso. (se tocando) Ah, não
vai encucar! Ele morreu porque teve um infarto, não porque
ficou impotente.
MENEZES Eu vou ficar quarenta dias na fila dos paus moles. Calminho,
calminho.
MENEZES Não para um brocha. Pra brocha, não. Cada minuto é uma eternidade,
um martírio. Você sabe o que é mijar pegando o pipio mole? Mole
como uma pamonha, encolhido, miúdo. Puta vergonha! Molha
cueca, pinga no sapato, é jogo duro! (pausa) Um dia, flagraram
o seu Manoel Padeiro mijando sentado lá na padaria. Quiseram
saber se ele estava doente. Sabe o que ele falou? “Ontem à noite fui
dar uma biaba na patroa, ele falhou. Hoje de manhã, fui procurar a
patroa de novo, ele falhou de novo. Tu acha que eu vou dar a mão
pra um filho da puta desse, que só me envergonha?” (Ri, nervoso.)
MENEZES (na bronca) Mas que filha da puta! Como é que eu posso levar
a vida normalmente de piroca mole? Vagabunda!
LISA Não fala assim da moça! Ela foi muito gentil, teve boa vontade,
encaixou você na desistência, na vaga do falecido. O que mais
ela poderia fazer? O médico é famoso, tem cliente que não acaba
mais. (tentando ser convincente) Pra você ver, só daqui do nosso
condomínio tem mais de trinta na fila de espera.
MENEZES (espantado) Mais de trinta só daqui? Porra, então São Paulo deve
estar todo brochado.
A dança final 209
LISA Não é só de São Paulo, não, Menezes. Dizem que vem gente do
Brasil inteiro se consultar com esse médico.
LISA Você sabe, Menezes, que não é todo mundo que pode tomar.
Você, por exemplo…
MENEZES Eu, por acaso, sou de dar com a língua nos dentes?
LISA Bom, vou confiar em você, mas veja lá… (abaixando o tom) Sabe
quem está transando com a Ivete, a mulher do Carlão?
210 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
MENEZES Não vou contar. Mas vou deixar todo mundo curioso, com a
pulga atrás da orelha. Só vou curtir. (Ri.) “Pois é, pessoal, nesse
condomínio, tem mulher que está transando com mulher. Duas
mulheronas, mães de filhos quase moços… e estão aí, roçando,
colando selo. Pois é, os maridos… só tomam sauna”. (Ri.) Ah, o
pessoal vai ficar doido pra saber. “Quem? Conta pra nós!”, “Tem
uma garrafa de uísque pra quem entregar as duas sapatonas”,
“Fala, Menezes!”, “Fala, fala, fala”, “Contou o milagre, aponta
o santo”. (Menezes ri muito. De repente, para. Senta-se na beira da
cama. Pausa.)
LISA O que foi? Você estava tão alegre, de repente ficou triste… Do
que você se lembrou?
A dança final 211
MENEZES (triste) Pois é, tou brocha. Não fica com ciúme, mas a minha
fantasia sexual, sei lá… a minha tara… sempre foi uma suruba
com duas mulheronas dessas. Mulheres bonitas, bem cuidadas…
De repente, fico sabendo da transa de duas mulheronas dessas… e
não sinto tesão. Nem um arrepio no pau mole, nada… (pausa) Só
ri por imaginar a cara dos dois bocós, o Carlão e o Cardosinho…
Se eles descobrirem que são casados com duas lésbicas! Porra! Ser
corneado por homem é uma desgraça terrível… mas ser corneado
por mulher, sai de baixo! O que o sujeito vai dizer? “A mulher
do meu melhor amigo comeu a minha mulher.” Nem em tango
tem tragédia assim! Mas essa impotência, a dor de brochar…
(pausa) Eu sei dessa dor, como sei! Já não estou conseguindo
dormir. Não me concentro no trabalho. Perdi o apetite, não
almoço, não quero jantar. Não tenho sono nem fome. Só tenho
o meu pau mole na cabeça. Fico distraído, desencantado do
mundo. (pausa) Agora fico pensando nessas duas tremendas
mulheres transando, Marina e Ivete, Ivete e Marina. Eu vou
ter que tomar viagra, vou ter que tomar, vou tomar.
Lisa sai de uma espécie de torpor. Ela acompanhou a fala dele com
mudanças visíveis de expressão.
MENEZES Que se dane! Fiquei brocha mas não perdi o tesão, pelo menos
na cabeça. Pra fazer uma bela suruba com a Ivete e a Marina,
não tou nem ligando. Se morrer, já vou tarde.
MENEZES Estou, sim. Nada mais faz sentido pra mim. (desencantado) Quase
trombei o carro hoje de manhã. Bobeei… Fui xingado: “Tira
essa lancha do caminho, seu brochão filho da puta, sai logo da
frente, seu cornão!”. Parecia que estava escrito na minha testa,
o cara adivinhou. Fiquei apavorado, com medo de dirigir. Se
bato o carro… nem é bom pensar. Tem seguro, tem tudo, eu
sei, mas… (pausa) Que merda! Fiquei com medo. Medo de
212 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
LISA (Ela está triste, muito triste.) Não. Você é muito bom na direção.
LISA Ah, Menezes, pare com essa mania de autopiedade. Por que
você não desce até a sauna? Hoje é dia da turma se reunir lá.
Espairece um pouco, se distrai!
MENEZES Eu, ir na sauna? Enquanto meu pau estiver mole, nem pensar!
Se alguém olhar pro meu pau e der uma risadinha, saio na
porrada. Arrebento a cara do desgraçado!
MENEZES (bravo) Você tem cada ideia! Se eu fico de short vão me alugar:
“O que é, Menezes, tá com vergonha de mostrar o pau? Ele
encolheu? Se encolheu, é que tá brochado.” (pausa) O melhor
que pode me acontecer se eu ficar de short é uma gozação mais
honrosa: “Que foi, Menezes, pegou gonorreia? Se pegou, não
senta, que essa merda passa pros outros, ainda mais no calor
da sauna.” (pausa) Por essas e por outras, não posso ir de short.
Podia ir lá pra encher o saco deles com o roçadinho que a Ivete
anda fazendo com a Marina. Mas, desde que brochei, não acho
graça em nada.
LISA Você dá uma importância tão grande para o que esses idiotas da
sauna falam! Não dizem nada que preste. Pelo jeito, só sabem
ficar diminuindo, desmoralizando os outros.
A dança final 213
MENEZES É isso aí. Tenho medo. Tenho medo do ridículo. Medo de pegar
fama de brocha. Logo vira fama de corno. (pausa) Meu Deus,
ando com medo de tudo… Medo de dar trombada. Medo de ser
assaltado. Medo de não fechar negócio. Medo de tudo. (pausa)
Sobretudo dos seus papos na piscina.
MENEZES Tentei. Você acha que não tentei? Fico lá na minha sala, lá no
escritório, horas e horas sem atender ninguém, nem telefone, só
repetindo: “Meu pau vai ficar duro, meu pau vai ficar duro, meu
pau vai ficar duro”. Não adianta porra nenhuma. Parece até que o
filho da puta fica cada vez mais mole, mais murcho. Aí, me bate
uma depressão! Fico só pensando em me aposentar… Vender o
carrão, vender esse apartamento… Comprar um apartamento
pequeno para cada um dos meninos… E um maiorzinho pra
nós, pra gente morar na praia… Nós ficaríamos lá em Santos,
molhando o pé no mar e esperando… Levando aqueles papos
animados com os aposentados sobre os infartos e as pontes de
safena de cada um. Puta fim de vida!
MENEZES (triste) Ah, Lisa… eu não estou mais em fase de paquera, estou
em fase de memória, de me aposentar.
LISA Não antes dos nossos 25 anos, das nossas bodas de prata. Agora
falta pouco. Vai ser uma festa linda. Vamos fazer uma nova lua
de mel.
LISA (doce) Vai ser bonita. Temos muito carinho um pelo outro. (decidida)
E depois, pra tudo tem remédio. A dona Odete, a cabeleireira,
contou que o marido dela começou a ficar nervoso, angustiado.
Os boatos no banco onde ele trabalha eram assustadores, falavam
que o banco ia mandar um monte de funcionários embora por
causa dos computadores. Isso afetou o marido da dona Odete. Ele
foi ficando indiferente, não procurava mais ela. Eles não estavam
bem. Ele ganhava pouco no banco, ela ajudava no salão. Não dava
pra ir atrás de especialista nem tirar férias… (pausa) Então, ela
foi numa mãe de santo. A mulher ensinou a dona Odete a fazer
uma beberagem. Uma mistura de cerveja preta com dois ovos
de pata, com casca e tudo, uma colher de sopa de guaraná em pó,
três saquinhos de ginseng coreano, uma colher de catuaba, outra
de marapuama, um pouco de noz-de-cola raspada, uma dose de
conhaque. Mandou adoçar com mel e bater no liquidificador. E
dar pro marido tomar toda manhã.
MENEZES É… o pau meio mole, mas que com jeito, a mulher ajudando…
dá pra pôr dentro… gozar.
LISA Não. Ele não ficou meia-bomba. Ficou até espertinho demais.
Ela dá o fortificante de manhã, de tarde o rapaz chega uma fúria.
Pega ela, arrasta pro quarto, tira a roupa dela, joga ela na cama
e… antes de ela respirar, ele chega ao fim… perde o embalo, cai
do lado… e não tem mais interesse.
LISA (alegre) Claro que o Loy e a Mara gravam. Temos que ensaiar, quero
fazer bonito. Primeiro dançamos só você e eu. Depois, você, eu e os
meninos com as namoradas. (pausa) Só quero ver que namoradas
eles vão levar, eles têm tantas! Vai dar problema pra eles.
MENEZES (rindo) Que se dane! Eles puxaram a mim. Quem tem cabrita,
que a prenda. Meus bodes estão soltos!
MENEZES Você vai ver que festa! Que festa! (cantando e dançando) “Beijando
seus lindos cabelos/ que a neve do tempo marcou…” (exultante)
Prepara esse fortificante! Vou inaugurar meu novo pau! Hip,
hip, hurra! Sou patriota: nada de viagra! Só marapuama, guaraná
e catuaba vão salvar o meu caralho brasileirão. Hip, hip, hurra!
Quadro III
Passaram-se semanas. Menezes entra derrotado, está envelhecido. Lisa entra logo depois,
alegre, tão entusiasmada que nem nota a tristeza dele.
LISA Como não acha? Eu esperei todos esses 25 anos por esse dia.
E quero ver você muito alegre, animado. Nós merecemos.
LISA Como assim, “nada deu certo”? Temos dois filhos lindos, que logo
vão se formar na faculdade. Você é um homem bem sucedido.
Temos tudo o que queremos, tudo. É até pecado falar que nada
deu certo.
MENEZES Não estou falando dessas coisas. Essas coisas, qualquer idiota
pode ter… Estou falando do meu pau. Que brochou. Estou
brocha. O fortificante da mãe de santo não fez nenhum efeito.
O tratamento com o médico foi caro e inútil. Nada. Nada.
Cheguei ao fim melancolicamente. Cheguei ao fim. Um pau
mole balançando entre as pernas. E se tomar viagra, morro.
Então, pra que festa?
LISA Vinte e cinco anos de casados não são dois dias. É uma vida!
MENEZES Mas, porra! Não vejo sentido em fazer lua de mel de pau mole.
Será que não dá pra você me poupar dessa puta vergonha?
MENEZES Claro! Tinha pau. Pau duro, lembra? Durinho. Naquela noite,
trepei com você cinco vezes. Lembra? Você me contou que
quando falou pra suas amigas do meu desempenho elas todas
se admiraram: “Cinco vezes?”. É, cinco vezes. Então, era uma
alegria. Mas agora?! Pau mole. Brochão. Que lua de mel poderia
ser essa?
MENEZES Que puta vergonha que eu estou sentindo! Que vida inútil foi
essa minha! Que bobagem de vida! Você nunca gozou? Nunca
sentiu prazer? Nunca?
LISA Você não precisava ouvir isso nunca. Só estou dizendo agora
pra ver se você compreende que existem outras coisas além do
sexo.
MENEZES Você podia ter me dito isso há muito mais tempo… Podia
ter conserto. Não ia machucar tanto como agora. Não ia me
envergonhar tanto. (pausa) Mas é assim que é. Quando a gente
está por baixo, todos aproveitam pra tirar uma casquinha. Até
você, a doce e meiga Lisa… De repente, resolve botar uma
coroa fúnebre no meu pau mole. Que fracasso! “Pra que pau,
Menezes, se você nunca me fez gozar?” (pausa) Deus! Você…
que vida viveu! Cheia de tédio, acumulando mágoas. Mentindo,
A dança final 219
LISA Eu não enganei você. Fiz a minha parte. Cumpri o meu papel de
esposa. Servi você o melhor que pude. Não aceitei certas coisas,
é verdade. Porque não sou uma mulher de rua, uma devassa.
Mas sempre que você me procurava, eu estava pronta pra te
receber. Fui uma esposa exemplar.
MENEZES Que besteira! Que droga! Que ridículo foi o nosso casamento!
O nosso e todos os casamentos são ridículos! Casamento é
uma merda, uma instituição falida mesmo. E não vamos fazer
nenhuma comemoração por 25 anos de enganação. Festa pra
comemorar o quê?
LISA Menezes… Eu sempre fiz o que você quis. Mas dessa vez, não.
Vai ter festa. Eu quero a festa e vai ter, custe o que custar. Vai
ser linda. E você vai de cara alegre.
LISA Não sei como você vai estar se sentindo por dentro. Mas,
pra fazer meu gosto pelo menos uma vez na vida, você vai de
cara alegre.
LISA (dura, fria, determinada) Vai ter festa. Você vai estar de cara
alegre. Chega de bancar o machão, o senhor absoluto, o dono
das decisões, quem determina tudo. Dessa vez, vai ser tudo
direitinho como eu quero. De manhã, a missa. De noite, a
festa, o baile, a valsa, o bolo que nós vamos cortar. Depois, a
viagem pra Poços, a lua de mel. Lua de mel como eu sempre
imaginei, a gente andando na beira do lago de mãos dadas,
olhando a Lua.
MENEZES Não seja ridícula! E não pense que eu vou participar desse
ridículo. Não tem festa. Não tem Poços de Caldas. Não tem
merda nenhuma.
LISA Então, escuta, Menezes. Se não tiver festa… eu vou sentir muita
vergonha, mas você vai sentir mais. As pessoas vão perguntar
pela festa. E aí, o que eu digo?
MENEZES (na maior bronca, pasmo) Isso é chantagem! Nunca podia esperar
ouvir isso de você, Lisa. A mãe dos meus filhos! Nunca imaginei
que você pudesse ser tão cruel, que não tivesse a mínima
consideração por mim, pela minha dor por esse pau mole, por
essa brochice. Meu Deus, Lisa, você não tem respeito por nada!
Nem por nossos filhos.
LISA Pode pensar de mim o que quiser. Mas, ou tem festa, festa de
arromba, ou vou ter que explicar porque não vai haver a grande
festa da minha vida, a festa que esperei por 25 anos.
LISA A festa vai ser linda, Menezes. (Ela fala pausadamente, sente-se
vitoriosa, certa de que ganhou o embate.) Vamos dançar a valsa…
cortar o bolo… nossos filhos vão dançar com as namoradas. No
finzinho, embarcamos pra Poços de Caldas. Vão jogar arroz em
nós… haverá muitas latas barulhentas amarradas no carro…
(Lisa coloca no gravador a fita com a valsa “Vinte e cinco anos”,
gravada por Luís Loy e Mara, e aciona o gravador. Delicadamente
se aproxima de Menezes, que continua arreado, sentado na cama.)
Vem, meu querido. (Lisa pega o marido pela mão e o puxa com
carinho.) Vamos começar a ensaiar pra festa. Não quero que
achem que dançamos mal.
fim
Iconografia 225
Cartaz da 1ª Feira Paulista de Opinião, em que foi apresentada a peça Verde que te quero verde, 1968
Iconografia 227
Ai, que saudade da saúva, publicada na edição nº 180 do Jornal Movimento (p. 24, 11 a 17 de
dezembro de 1978)
Iconografia 229
Walter Breda e Herson Capri em Signo da discoteque, direção de Mário Massetti, 1979
232 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
Herson Capri, Malu Rocha e Walter Breda em Signo da discoteque, direção de Mário Massetti, 1979
Iconografia 233
Leitura capilar, publicada da edição de maio de 1997 da revista Caros Amigos (p. 14)
Iconografia 235
Nhe-nhe-nhém ou Índio não quer apito, publicada no caderno mais! do jornal Folha de
S. Paulo, em 11 de junho de 1995
Iconografia 237
Luciana Caruso e Anette Naiman em O bote da loba, direção de Marcos Loureiro, 2017
Iconografia 243
Anette Naiman e Luciana Caruso em O bote da loba, direção de Marcos Loureiro, 2017
244 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
1960 Mudança para São Paulo, onde começa trabalhando como camelô
e vendedor de álbum de figurinhas.
1966 Escreve Dois perdidos numa noite suja, com base em argumento
do conto Il terrore di Roma, de Alberto Moravia; estreia em
novembro, no bar Ponto de Encontro, na Galeria Metrópole,
de São Paulo, com ele próprio e Ademir Rocha como atores e
Benjamin Cattan na direção.
254 Plínio Marcos | obras teatrais: volume 5
1975 Passa a escrever crônicas sobre futebol na revista Veja, o que faz
até o ano seguinte.
1977 Escreve o musical O poeta da vila e seus amores, que inaugura o Teatro
Popular do Sesi, na av. Paulista, em São Paulo, com Ewerton de
Castro e Walderez de Barros, e direção de Osmar Rodrigues Cruz.
1980 Liberação pela Censura Federal das peças Barrela e O abajur lilás.
Dissolução de O Bando.
1991 O conto Inútil canto e inútil pranto para os anjos caídos em Osasco é
adaptado para teatro pelo ator Cacá Carvalho, com dramaturgia
e direção de François Kahn, do Centro per la Sperimentazione e
la Ricerca Teatrale, de Pontedera, na Itália.
1999 Lança a novela O truque dos espelhos, por Una Editoria, de Belo
Horizonte.
Dicionários
Geral / História
VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1988.
Grupos teatrais
MACHADO, Álvaro. Teatro popular do Sesi: 40 anos. São Paulo: Sesi, 2004.
SESC SÃO PAULO. Arena, Oficina, Anchieta e outros palcos. São Paulo:
Lazuli; Sesc, 2005.
Memórias/depoimentos
ARAP, Fauzi. Mare nostrum: sonhos, viagens e outros caminhos. São Paulo:
Senac, 1998.
NANDI, Ítala. Teatro Oficina: onde a arte não dormia. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1989.
Bibliografia 271
Censura/repressão
Plínio Marcos
teatro paulista de 1964 a 1971. São Paulo: Imagens Conteúdo & Forma,
2013. (Volume 1).
______. Dois perdidos numa noite suja; Madame Blavatsky. São Paulo:
Círculo do Livro, s/d.
______. Inútil canto e inútil pranto pelos anjos caídos. São Paulo: Lampião,
1977.
______. Nas paqueras da vida, Revista Realidade, São Paulo, n. 34, jan.
1969.
______. Plínio sem cortes. Folha de S.Paulo, São Paulo, 17 jul. 1977.
Folhetim, p. 2-6.
______. Dois perdidos numa noite suja. In: Exercício findo: crítica teatral
(1964-1968). São Paulo: Perspectiva, 1987.
______. Duas peças de Plínio Marcos. In: Exercício findo: crítica teatral
(1964-1968). São Paulo: Perspectiva, 1987.
ANDRADE, Ana Lúcia Vieira de. Nova dramaturgia: anos 60, anos 2000.
Rio de Janeiro: Unirio; Quartet; Brasília, DF: Capes, 2005.
Biografias
PRADO, Luiz André do. Cacilda Becker: fúria santa. São Paulo: Geração
Editorial, 2002.
Internacional
ALI, Tariq. O poder das barricadas: uma autobiografia dos anos 60. São
Paulo: Boitempo, 2008.
______. Revolution as Theatre. Notes on the New Radical Style. New York:
Liveright, 1971.