SEGUINDO A CANCAO Digital
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SEGUINDO A CANCAO Digital
SEGUINDO A CANÇÃO
Engajamento político e indústria cultural na
MPB (1959-1969)
Marcos Napolitano
Versão digital revista pelo autor
Esta obra foi publicada, originalmente, pela Editora Annablume, com apoio da
FAPESP, em 2001
São Paulo
2010
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Agradecimentos
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Hoje, quero incluir meu filho nesta dedicatória. Ao Mateus, cheio de vida, som e fúria.
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SUMÁRIO:
Considerações finais.........................................................................................266
Bibliografia....................................................................................................... 273
Fontes............................................................................................................... 278
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INTRODUÇÃO
Mas o dilema colocado por Sartre pode ter outra leitura: justamente devido ao
sentido “enigmático e polissêmico” dos signos musicais é que eles se abrem para um
leque de usos culturaus e interpretações políticas, marcados pela vontade de
utilização da linguagem musical na transmissão de idéias, ou melhor, de ideologias3.
Por volta de 1965, houve uma redefinição do que se entendia como Música
Popular Brasileira, aglutinando uma série de tendências e estilos musicais que tinham
1Na definição de engajamento, tomamos por base a configuração clássica que a palavra tomou por volta
do final do século XIX, sobretudo no campo literário: a atuação do intelectual numa esfera pública, em
defesa das causas humanitárias, libertárias e de interesse coletivo, utilizando-se basicamente da
formulação e afirmação de idéias críticas e coerentes com aqueles princípios, delimitando seu espaço
num movimento pendular entre os ideais e as ideologias vigentes. Por outro lado, nosso trabalho procura
problematizar esta definição clássica, na medida em que a indústria cultural, outra categoria básica de
análise, tende a hegemonizar a esfera pública nas sociedades de capitalismo modernizado,
transformando idéias em bens culturais mercantilizados.
2J.P.Sartre. Que é literatura?, p.11
3A.Contier. “Música no Brasil: história e interdisciplinaridade” IN: História em debate (Atas do XVI
Simpósio da Assoc. Nac. História -ANPUH), p. 151. Para um aprofundamento das relações entre música e
ideologia ver do mesmo autor: Brasil Novo: música nação e modernidade (Tese de Livre Docência) e
Música e Ideologia no Brasil. Nestes trabalhos Arnaldo Contier discute tanto as estratégias para “dominar”
a polissemia dos sons, imprimindo-lhes um sentido ideológico, como as armadilhas históricas deste
processo.
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4O leitor perceberá que vamos manter os nomes dos “movimentos” musicais dos anos 60, visando
facilitar a leitura desta tese. Enfatizamos, porém, que a análise como um todo, está baseada num esforço
de problematização destas nomenclaturas, evitando reiterar, de maneira acrítica, a carga semântica que
elas trazem consigo.
5Entendo “cultura política” como o conjunto de categorias e representações simbólicas que formam um
campo contíguo, articulando normas, valores e comportamentos, que formam um substrato da vida
política institucional e organizam a arena dos conflitos. Em certas circunstâncias, matrizes simbólicas de
uma cultura política podem migrar da esquerda para a direita e vice-versa (por exemplo, o nacionalismo).
Ver N.Bobbio (org). Dicionário de Política.
6 A.Gramsci. Literatura e Vida Nacional. p.73
7 Conforme documento do PCB. Declaração sobre a política do PCB, março 1958. Nele, o proletariado é
visto como uma classe que deve auxiliar a fase de afirmação da nação frente ao imperialismo, aliando-se
taticamente à setores progressistas da burguesia. O golpe de 1964 representou o fracasso dessa política,
pois, como é sabido, a "fração progressista da burguesia nacional", revelou-se um mito político, apoiando
os militares. Ver R.Chilcote. O partido comunista brasileiro ; E.Caroni. O PCB. ; L.M.Rodrigues. "O PCB:
os dirigentes e a organização" IN. B.Fausto (org). História Geral da Civilização Brasileira. Vol.10.
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8A definição inspiradora desta categoria, que perpassará a pesquisa como um todo, foi emprestada de
Pierre Bourdieu. O sociólogo francês define “instituição” como: “Acumulação nas coisas [no caso, as
obras] e nos corpos [no caso, os artistas e intelectuais] de um conjunto de conquistas históricas que
trazem as marcas de suas condições de produção e tendem a gerar as condições de sua reprodução”
(P.Bourdieu. O Poder Simbólico, p.100). Não tomamos esta categoria como “camisa-de-força” da análise,
mas procuramos colocá-la a serviço de uma reflexão historiográfica que tenta entender, precisamente, o
processo central destas “conquistas históricas”: a gênese de uma MPB renovada nos anos 60. Este
processo se deu em conflito e negociação com outras “instituições” de diversas naturezas, (como a
indústria fonográfica e televisiva, o partido comunista, a imprensa e o campo intelectual como um todo)
até que a MPB fosse reconhecida a partir de um núcleo próprio de expressão sócio-cultural.
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9Sobre o conceito de “cultura de consumo” ver o livro de Anna C.Figueiredo. Liberdade é uma calça velha
, azul e desbotada. Publicidade, cultura de consumo e comportamento político no Brasil. Neste trabalho a
autora define o consumo como articulador de uma nova relação entre o público e o privado, baseada na
aquisição de bens que se transmutam em signos e que redefinem categorias sócio-políticas, tais como
“liberdade”, “lazer”, “democracia”, “modernização”, etc..
10Idem, p.29
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11T.Adorno et alli. “A indústria cultural: o iluminismo como mistificação das massas”. IN: Dialética do
Esclarecimento. Ver também: T. Adorno. "O fetichismo na música e a regressão da audição". Os
pensadores (Adorno)
12Além do texto clássico citado na nota, ver: T.Adorno. “Sobre a música popular”. IN: G.Cohn (org).
Adorno., p.115-146
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CAPÍTULO 1:
A proposta das Reformas de Base como estratégia para superar a crise social
e econômica que o país mergulhou em 1961, foi um elemento perturbador na utopia
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15N.L.Barros. “Bossa Nova: colônia do jazz”, Movimento, nº11, maio 1963, 13-15
16Apud J.R. Tinhorão. O samba agora vai. p.104
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17E.Paiano. Do Berimbau ao som universal. Lutas culturais e indústria fonográfica nos anos 60.
18P.Bourdieu. O poder simbólico. p.59-159
19 M.Napolitano."A invenção da música popular brasileira: um campo de reflexão para a História Social".
Latin American Music Review. Univ.Texas Press, 19/01, 1998
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Nos anos 50, o panorama musical sofria uma série de mutações estruturais.
Por um lado, no nível do mercado, a crescente importância da televisão e a
consolidação do Long Playing de rotação 33-1/3, como suporte principal da canção,
alterou as bases criativas e os parâmetros expressivos da música popular brasileira,
que se adequava às novas demandas e possibilidade técnicas. Estes novos veículos
expressavam mais do que a ampliação do público/consumidor musical. Houve, em
verdade, uma mudança estrutural na sua composição.
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nacional-popular como elemento central da cultura política que orientava uma boa
parte da elite intelectual e política com a qual se identificavam os músicos e artistas
engajados que, no fundo, eram parte desta elite. Entre um e outro polo, nasceu e se
consolidou um novo sentido de Música Popular Brasileira. A trajetória que configurou
esta nova identidade e reestruturou o sistema de produção e consumo de canções no
Brasil foi marcada pelas duas esferas examinadas ao longo deste trabalho:
engajamento político e indústria cultural. Se a Bossa Nova informou o projeto de
canção engajada que nasceria em seu meio musical, o Tropicalismo explicitava o lugar
da canção dentro do novo sistema de consumo da cultura.
26 Sobre João Gilberto, ver o interessante livro de Walter Garcia. Bim Bom: a contradição sem conflitos
de João Glberto. Neste livro, Garcia analisa as diversas tradições sintetizadas pela "batida" do violão: o
samba, o jazz e o bolero (samba-canção). Portanto, a questão da ruptura é colocada sob um outro
prisma, mais complexo.
27 Sobre a relação entre tradição e ruptura na BN ver L.Mammi. "João Gilberto e o projeto utópico da
Bossa Nova". Novos Estudos Cebrap, 34, nov.1992
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28R.Castro. Op.cit, e J.Medaglia. “Balanço da Bossa Nova” IN: A.Campos (org). O Balanço da Bossa e
outras bossas. Por caminhos diferentes, os dois autores desqualificam o Bolero, visto como sinônimo de
subdesenvolvimento cultural e social
29 W.Garcia. Op.cit. .
30Composição de Evaldo Gouveia/Jair Amorim. Dick Farney (meus momentos), EMI, 830700-2, 1994
(original 1958).
31Composição de A.C.Jobim/V.Moraes. A popularidade de Agostinho dos Santos, Polygram, 523.458-2,
1994 (original 1958).
32Os exemplos musicais em questão são: Há Um Deus (Lupicínio Rodrigues). Dalva de Oliveira. Dalva de
Oliveira: saudade. Revivendo, RVCD 050, s/d (original 1957) e Ouça (Maysa). Maysa. Maysa por ela
mesma, RGE, 1994
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uma iconização dos motes poéticos que passou a dividir com a narrativa passional ou
social a forma de organizar a estrutura poética das canções33.
Além dos aspectos propriamente culturais e estéticos, a Bossa Nova abrirá,
paulatinamente, um novo mercado para o músico, sobretudo para os compositores34.
Os compositores sairão do quase-anonimato que os colocava na retaguarda dos
grandes intérpretes, para a condição de estrelas dos meios de comunicação. Este
processo, estimulado inicialmente pela Bossa Nova, se consolidou como uma
tendência da MPB, durante os festivais da canção, ao longo dos quais o compositor e
o performer muitas vezes se fundiram na mesma pessoa. É também com a BN que o
compositor começa a ganhar maior autonomia em relação ao seu trabalho de criação,
na medida em que o mercado se reestruturava e buscava suprir as demandas por
novidades musicais. Portanto, o momento inicial da Bossa Nova foi o prenúncio dos
elementos da revolução musical dos anos 60: predomínio do Long Playing, como
veiculo fonográfico (e conceitual); autonomia do compositor, acumulando muitas vezes
a condição de intérprete; consolidação de uma faixa de ouvintes jovens, de classe
média intelectualizada; procedimento reflexivo, de não só cantar a canção mas
assumir a canção como veículo de reflexão sobre o próprio ofício de cancionista (este
ponto não é inaugurado pela BN, mas foi potencializado por ela).
Os espaços iniciais do exercício de audição e interpretação que mais tarde iria
formar a Bossa Nova, podem ser visto em dois planos: os círculos privados ou
restritos (como as casas dos músicos ou os fã-clubes, como o Farney-Sinatra Fã
Clube) e a boêmia, marcada pelas boates da Zona Sul carioca. Ambos espaços
podem ser caracterizados como espaços íntimos ou intimistas, cuja perspectiva
marcou a estilo dos bossanovistas. David Treece qualifica a fase de afirmação da BN
como marcada pela “intimidade doméstica”, confirmada pelo lugar social do
movimento: apartamentos, boates e grêmios estudantis. A partir destes espaços, o
autor destaca o surgimento de um ethos da Bossa Nova, que arrastaria consigo toda a
configuração posterior da música popular brasileira: das massas anônimas de
espectadores passionais e entregues ao carnaval nacional, surge uma comunidade
mais autônoma e autêntica, a “inteligência jovem, de classe média urbana” e
cosmopolita35. Não por coincidência, o engajamento musical emergirá deste meio
social, que ganhara importância sociológica com as mudanças sócio-econômicas
atravessadas pelo país.
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Ainda em 1960, quando a Bossa Nova era mais comentada do que ouvida, dois
compositores importantes, arautos da futura “Bossa Nova nacionalista”, faziam sua
estréia em fonograma: Carlos Lyra e Sergio Ricardo.
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novidade, podendo ser notado em canções anteriores à BN, interpretadas por Dolores
Duran, Dick Farney ou mesmo Elizete Cardoso, rotuladas pela historiografia como
Samba-canção. O repertório continha músicas de Carlos Lyra, demonstrando o talento
composicional do jovem músico, percebido sobretudo na delicadeza dos contornos
melódicos. A única exceção era a composição de Johnny Alf, Rapaz de Bem, de
1955, muito próxima ao estilo cool jazz , abusando de dissonâncias e efeitos
anticontrastantes. Apesar de ser considerado um dos fundadores da canção engajada,
neste seu primeiro álbum Carlos Lyra trabalhou apenas com temas puramente
românticos, sem nenhuma alusão, ainda que distante, aos temas nacionalistas e
sociais, que marcariam seu álbum de 1963, ou seus trabalhos para a UNE (incluidos
no LP O Povo Canta e no filme Couro de Gato, que serão analisados mais adiante).
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as bases para uma canção “nacionalista e engajada”, mas que incorporava parte das
conquistas estéticas da Bossa Nova. Zelão contava a história de um favelado que
perdia sua casa numa chuva, passando a contar, apenas, com a solidariedade dos
outros habitantes do morro: “Todo morro entendeu quando Zelão chorou / ninguém riu
nem brincou / e era carnaval” . O desenvolvimento melódico de Zelão consistia de três
partes diferentes, era na forma A-B-C-A, pouco usual na canção “popular”, mais ligada
à forma A-B-A. O primeiro tema melódico, que acompanha a primeira estrofe,
musicalmente mais assimilável, acentua os tons melancólicos da canção. O tema C,
mais difícil e indefinido, se sustenta sobre acordes de nona e décima-primeira, que
acentuam o efeito de “dissonância”, considerada a principal característica da Bossa
Nova. Em outras palavras, mesmo trazendo de volta o tema do “morro”, a canção
Zelão trabalha com uma base musical que pode ser considerada “bossanovista” e
dificilmente poderia ser considerada um Samba “quadrado”, seja do ponto de vista
harmônico, seja pela interpretação que lhe deu Sergio Ricardo.
38Aspecto que será explicitado mais tarde, em 1968, por W. Galvão no texto “MMPB: uma análise
ideológica”.IN: Sacos de Gatos...
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Para João Gilberto e Tom Jobim, o show marcou a entrada triunfal dos dois no
mercado norte-americano, inicialmente tumultuada, mas que acabou consagrando
estes músicos no exterior, onde desenvolveram boa parte da suas carreiras. Mas este
aspecto também trazia consigo uma situação paradoxal: os dois fundadores da BN
acabaram, em certa medida, entrando para o index dos artistas e intelectuais mais
nacionalistas como exemplo de Bossa Nova "anti-popular" e “entreguista”. Dos “pais
fundadores”, só Vinícius de Moraes conseguiu manter seu prestígio intacto junto aos
nacionalistas de esquerda, sendo um dos arautos da nacionalização da Bossa Nova, a
partir de 1962. Nelson Lins e Barros, compositor e ideólogo da UNE, desqualifica o
“segundo nascimento da Bossa Nova” (como ele chama o show de Nova York) como
uma tentativa de adaptar o gênero ao mercado americano, diluindo-se completamente
nas imitações do jazz40. De qualquer forma, para os artistas mais independentes das
amarras ideológicas, Tom Jobim e João Gilberto, permaneceram como referências de
música popular, ao longo da década. Este foi o caso, por exemplo, tanto de Edu Lobo,
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que sempre declarou sua admiração por Tom Jobim, como de Caetano Veloso, em
boa parte responsável pelo resgate da figura de João Gilberto, como figura central da
MPB.
A assimilação da Bossa Nova nos EUA, cujo show do Carnegie Hall foi a
grande vitrine, se desdobrou em duas direções: uma re-elaboração musical por parte
de artistas ligados ao Jazz (diluindo a batida de Samba que resistia na Bossa até
então) e uma padronização de sua célula rítmica básica visando a criação de uma
nova dança de consumo. O próprio Sidney Frey assumiu este objetivo: “A
permanência da BN depende muito da aceitação da dança; ninguém se reunirá
simplesmente para ouvir BN a não ser em concertos. Se não gostarem da dança, a
música por certo morrerá”41.
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Sergio Mendes, irmãos Castro Neves, Luis Carlos Vinhas, Trio Tamba. Sergio Ricardo
é um caso a parte. Não obstante, está bem próximo à BN”42.
42Idem
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do samba tradicional perante a classe média (...)- revelaram seu fracasso na hora dos
músicos das duas tendências musicais tocarem juntos (...) os acordes compactos à
base de dissonâncias, do violão Bossa Nova não se casavam com a baixaria do violão
de Cartola, e muito menos com a quase percussão de Nelson Cavaquinho, que
beliscava as cordas numa acentuação rítmica das tônicas absolutamente pessoal” 43.
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44Seu texto-base foi redigido pelo economista Carlos Estevam Martins e apresentado em outubro de
1962. O texto na íntegra foi reproduzido em H.B.Hollanda. Impressões de Viagem. CPC, Vanguarda e
Desbunde.p 121-144
45 Estamos nos referindo ao Movimento Música Nova, integrado por Willy Corrêa de Oliveira, Rogério
Duprat, Gilberto Mendes que, entre outros, transitavam ou eram militantes do PCB
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Não havia dúvida, conforme o Manifesto do CPC: A arte de elite era superior à
arte popular e oferecia mais “possibilidades formais” ao artista. Portanto, o que se
priorizava na obra não era a sua qualidade estética, mas um veículo ideológico
adequado ao conteúdo nacionalista em questão.
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O caminho oposto foi esboçado por músicos que buscavam uma Bossa Nova
nacionalista ou uma canção engajada, no sentido amplo da palavra. Carlos Lyra,
Sergio Ricardo, Nelson Lins e Barros (que também era compositor), Vinícius de
Moraes e outros, afirmavam a música popular como meio para problematizar a nação
e “elevar” o nível do gosto musical popular, e não como mero veículo de agitação e
propaganda políticas. Na sua perspectiva a ideologia nacionalista era um projeto de
um setor da elite que, no médio prazo, poderia beneficiar a sociedade como um todo e
a “subida ao morro” visava muito mais ampliar o leque expressivo de sua música do
que mimetizar a música popular das classes populares. Essa perspectiva foi mais
determinante até 1964, quando a conjuntura mudou e levou alguns artistas de
esquerda a se aproximar das matrizes populares de cultura como uma reação
ideológica ao fracasso da frente única.
47 Neste segmento citamos: Lúcio Rangel, José Ramos Tinhorão e, mais tarde, Hermínio Bello de
Carvalho (mentor do projeto "Rosas de Ouro", em 1965)
48Depoimento de Carlos Lyra em: J. Barcellos. CPC da UNE: Uma história de paixão e consciência. ,
p.97
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O LP O Povo Canta pode ser visto como uma tentativa de constituir uma
música engajada de cunho exortativo e didatizante, que não chegou a constituir num
gênero valorizado no processo de institucionalização da MPB ao longo dos anos 60. O
LP de 8 polegadas trazia cinco faixas: O subdesenvolvido (Carlos Lyra/Francisco de
Assis), João da Silva (Billy Blanco), Canção do Trilhãozinho(Carlos Lyra /Francisco de
Assis) , Grilheiro Vem (Rafael de Carvalho), Zé da Silva(Geny Marcondes/Augusto
Boal).
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Este clima de elogio ingênuo ao “povo”, ainda despojado da forma épica que
esta categoria assumirá nos dois anos que antecederam a radicalização de 1968,
serviu de base para outras tentativas de partir do paradigma do velho teatro de revista
(alternando paródias políticas, humor ingênuo), mesclado com as intenções
pedagógicas e exortativas da nascente canção nacionalista e engajada. Apesar de
contar com músicos reconhecidos (Carlos Lyra, Billy Blanco) este tipo de canção não
chegou a constituir um filão valorizado pela corrente principal da canção nacionalista e
engajada que desembocará na MPB. Mesmo o espetáculo Opinião, que poderia ser
classificado dentro desta linhagem, acabou se constituindo a partir de um repertório
mais enraizado nos gêneros populares (Samba tradicional, gêneros nordestinos) e, em
alguns casos, tendo um tratamento musical mais próximo à Bossa Nova, onde o
humor e as críticas assumem um tom mais grave e não chegam a hegemonizar o
espetáculo. A revista Pobre Menina Rica (Carlos Lyra e Vinícius de Moraes),
encenada em 1963 e gravada em fonograma em 1964, tentou dar continuidade a
proposta de “revista-engajada”, mesclada nesta caso com temas românticos e
melodias mais sofisticadas. A carreira individual de Ary Toledo, cantor e humorista,
que checou a flertar com o CPC da UNE e participar de alguns festivais da TV,
também pode ser vista como uma continuidade deste gênero.
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49Nelson Lins e Barros. “Música Popular e suas bossas”. Revista Movimento, 6, outubro 1962, p.26
50Nelson Lins e Barros. “Bossa Nova: colônia do jazz”. Op.cit
51Idem, ib,p.14
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Dois textos, separados por apenas alguns meses, parecem expressar não só o
pensamento de um autor específico, ligado à música popular no meio estudantil, mas
uma verdadeira síntese programática, aceita por muitos intelectuais e artistas, como
Carlos Lyra e Vinícius de Moraes. Superado o pessimismo em relação às
possibilidades da BN, marcante no primeiro texto, Lins e Barros acreditava que os
músicos nacionalistas engajados poderiam superar o impasse pelo seu próprio
processo de conscientização que se acreditava em marcha, por volta de 1963, auge
das mobilizações em torno das Reformas de Base. Coerente com a proposta do
Centro Popular de Cultura da UNE, criado oficialmente no final de 1962, Lins e Barros
tentou traduzir os termos do Manifesto da entidade tendo em vista as especifidades da
criação musical popular. Sua argumentação deixa transparecer toda a tensão interna
do debate estético/ideológico da esquerda nacionalista, oscilando entre a pedagogia
dos sentidos (ainda que motivada ideologicamente) e a exortação política (onde não
se colocava o problema da busca de uma excelência estética). Estes dois pólos
marcariam o debate musical ao longo da década, com uma leve predominancia da
primeira forma de encaminhamento. Eis uma tese fundamental deste ensaio: o exame
do material musical qualificado genericamente como "música de protesto" é marcado
muito mais pela pedagogia dos sentidos do que pela pedagogia político-partidária.
Antes de tudo, era preciso configurar a nação e, ao mesmo tempo, senti-la,
poeticamente falando.
A equação proposta por Nelson Lins e Barros, pareceu encontrar eco nos
trabalhos que procuravam objetivar, na forma de canções, os termos do impasse,
apontando para soluções estéticas. Mas estas propostas não estavam isentas de
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Dois álbuns fonográficos podem ser destacados como sínteses criativas que
procuraram objetivar, na forma de composição, interpretação e seleção de repertório,
as precepções desenvolvidas no debate citado anteriormente: Depois do Carnaval, de
Carlos Lyra (Philips, 1963) e Um senhor de talento de Sergio Ricardo (Elenco, 1963).
A tentativa de estabelecer as bases estéticas e ideológicas de uma Bossa Nova
“nacionalista”, que correspondesse às expectativas da juventude de esquerda que se
engajava no processo de Reformas de Base do governo Jango, encontrou nos dois
álbuns acima citados, sua expressão mais delineada.
Carlos Lyra, àquela altura, tentava encontrar uma expressão musical para o
que ele chamava de “Sambalanço”, um rótulo que servia, segundo suas próprias
palavras “para delinear dentro do movimento aquele sentido nacionalista que procura
elevar o nível da música popular dentro de suas fontes”53. Com efeito, as temáticas
das canções dominadas pelo tema do amor romântico no primeiro disco migram para
temas de acento mais social ou ideológico: das 14 faixas, apenas em quatro não
encontramos nenhuma alusão indireta à estes problemas (Gostar ou não gostar, Sem
saida, Promessas de Você e Se é tarde me perdoa). Em canções líricas, como Quem
Quiser encontrar o amor e Mundo à Parte, o tema do “amor” se mescla à crítica ao
individualismo e ao subjetivismo, aludindo indiretamente aos temas identificados com
a Bossa Nova “clássica”. Nas outras faixas - Depois do Carnaval, Influência do Jazz,
Aruanda, Marcha da 4ªfeira de Cinzas e Maria do Maranhão - foram lançadas as
bases para o que mais tarde será chamado de “canção de protesto” brasileira (rótulo
que, como já disse, deve ser melhor examinado). O caso de Marcha de 4ªfeira... foi
exemplar: regravada após o golpe militar por Nara Leão e Elis Regina, esta marcha-
rancho se converteu num paradigma musical de crítica ao regime militar. A frase inicial
(“Acabou nosso carnaval...”) parecia resumir o anti-climax que tomou conta da
esquerda como um todo.
Se a postura ideológica ficava bem delineada nos temas e nas letras das
canções, quando analisamos os parâmetros musicais propriamente ditos, o quadro se
complica um pouco. Os arranjos de Luis Eça misturavam quartetos bossa novistas
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(baixo, bateria, piano violão, com toques de flauta), naipes orquestrais compactos
(sobretudo cordas e metais) e percussão com sotaque mais caribenho do que
brasileiro (gênero que nos EUA se chamava Latin Jazz). O efeito instrumental acaba
tendendo para o grandiloquente, com os naipes de cordas utilizando glissandos e os
metais atacando a todo volume em algumas seções ritmicas. As entradas orquestrais
lembram os musicais da Broadway, onde se misturavam elementos do bel-canto com
hot-jazz. A marcação rítmica em algumas faixas, utilizando-se de piano e bongô
(Influência do Jazz, Mundo à parte, Maria do Maranhão), acabavam alterando
sutilmente a célula rítmica do gênero escolhido (Samba, nas duas primeiras e toada,
na segunda), dando-lhes uma coloração caribenha (mambo e Bolero, no caso de
Maria...). Mesmo Aruanda, definida pelo autor como um maracatu, o sotaque
jazzístico/caribenho é marcante.
Não se pode dizer que Carlos Lyra era um purista. Mas, de qualquer forma,
havia um discurso de “nacionalização” da Bossa Nova que encontrava seu limite na
própria dinâmica artística - a formação do compositor e dos músicos que o
acompanhavam - e mercadológica. Este último aspecto era calçado pelos interesses
das gravadoras em diluir a Bossa Nova no mercado de Latin Jazz, na medida em que
Cuba já não podia fornecer mais suas músicas para o mercado norte-americano. A
tensão decorrente deste contraste entre as propostas ideológicas e o resultado
musical marcou o início de um processo que vai se tornar mais complexo, na medida
em que o mercado brasileiro de MPB vai se ampliando e as gravadoras começam a
interferir ainda mais na disseminação de fórmulas e comportamentos musicais. A
particularidade da canção engajada/nacionalista brasileira reside neste justamente
neste processo, e traz em si as contradições da nossa modernização: a afirmação
nacional, modernizante e desenvolvimentista, inserida no capitalismo internacional
monopolista. A nostalgia folclorizante e a paranóia da diluição na cultura estrangeira
eram os polos opostos, mas também complementares, deste processo. O LP de
Carlos Lyra acabou sendo uma formulação incipiente destes problemas, contraface do
dilema da esquerda nacionalista. Neste sentido, seu álbum acabou sendo mais fiel às
contradições da sociedade brasielira do que a proposta exortativa e pedagógica do LP
O Povo Canta.
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tessituras vazadas, propostas por Tom Jobim, em Chega de Saudade (O que não
havia acontecido nos arranjos de Carlos Monteiro para o primeiro LP de Carlos Lyra).
Os gêneros escolhidos, na sua maioria Sambas, incluindo os de “roda” e de “morro”
(como em Esse Mundo é Meu e Terezinha de Jesus). Complementando esta
incorporação do material musical mais tradicional e étnico, os arranjos mesclavam
instrumentos de “escolas de Samba” (tamborim, pandeiro, cuica, agogo) com timbres
bossanovistas (madeiras, trio jazzístico). Este padrão será determinante para a
configuração da sonoridade básica da MPB, até o advento do Tropicalismo, quando
houve uma mudança significativa no padrão instrumental do conjunto das canções.
Aliás, este padrão de sonoridade esteve intimamente relacionado com o padrão
imposto pela gravadora “Elenco”, de Aloysio de Oliveira, copiada em parte pela Philips.
As duas praticamente monopolizaram o campo da MPB nascente e ajudaram a
determinar o que passou a se entender como tal, em meados da década de 60.
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O golpe militar de 1964 criou uma nova conjuntura na qual a viabilidade desta
estratégia política, baseada na aliança de classes, será alvo de críticas e auto-criticas.
A partir daí, a cultura nacional-popular buscou novas referências estéticas e novas
perspectivas de afirmação ideológica. A crise político-ideológica da esquerda
estimulou ainda mais o debate e a busca de novos paradigmas, numa arena musical
cada vez mais organizada em função do mercado. Este foi um dos paradoxos da
grande popularização da música nacionalista, no imediato pós-golpe, e uma das
variantes que marcou o nascimento da MPB renovada, consagrada na “era dos
festivais”.
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CAPÍTULO 2:
O impacto do golpe militar fez levantar uma questão crucial que abalava o eixo
do pensamento da esquerda da época: Como um governo que está na “direção certa”
da história, propondo reformas que beneficiariam o conjunto dos trabalhadores, pode
ser deposto tão facilmente? Uma das respostas possíveis, do ponto de vista da
ideologia da esquerda, era averiguar um possível descompasso entre a marcha da
história e a consciência “popular”. Em outras palavras, a percepção de que o trem da
história andou para a estação prevista mas os passageiros esqueceram de embarcar
parece ter tomado conta de boa parte deste segmento político.
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57 Do texto de Roberto Schwarz, escrito em 1969 ("Cultura e política no Brasil -1964-1969" IN: O pai de
família e outros estudos), até o recente trabalho de Marcelo Ridenti esta idéia está, de uma forma ou de
outra, como premissa das análises. Ver M. Ridenti. Em busca do povo brasileiro? Artistas da revolução do
CPC à era da TV Record.
58Oduvaldo Vianna Filho, já no começo da década de 1960, apontava para a necessidade de
profissionalizar a atividade teatral “engajada”. Ver R.Patriota. Fragmentos de utopias (Oduvaldo Vianna
Filho-um dramaturgo lançado no coração de seu tempo).
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Ainda em 1964, quando a Bossa Nova perdia espaço no Rio de Janeiro para os
espetáculos voltados para o “Samba de morro”, o panorama musical de São Paulo se
concentrava num espaço que se tornou emblemático: o Teatro Paramount59. Os
espetáculos de Bossa Nova no velho teatro paulistano reuniam, num só espaço, o
circuito boêmio e o circuito estudantil, organizados de forma profissional, tendo à
frente o radialista Walter Silva60. Em parceria com os centros acadêmicos de
importantes faculdades paulistanas, Silva conseguiu reunir estreantes e consagrados
em uma sequência de shows concorridos e vibrantes, filiado à Bossa e ao Samba-
jazz, mas que se reconheciam acima de tudo como Samba “autêntico”, o que na
época assumia cada vez mais uma importância ideológica. Em nossa opinião, a
sequência de espetáculos que ocupou o calendário de 1964 e 1965, pode ser
considerada o “elo perdido” entre o círculo restrito da primeira BN e a explosão da
MPB nas televisões. Como atesta Arnaldo Contier: “A gravação de muitos discos ao
vivo favoreceu a divulgação da canção aliada à vibração do público. Músicos e platéia
faziam parte do mesmo show: palmas, gritos, vaias, assobios...”61. Por exemplo, um
dos espetáculos deste novo circuito, Primeira Audição, realizado no Colégio Rio
Branco, foi o piloto da fórmula televisivo que desembocou nos musicais da TV Record,
a partir de 1965. Esta fórmula tentava reproduzir a vibração dos shows ao vivo do
circuito estudantil.
Cabe apresentar ao leitor uma pequena cronologia dos principais shows deste
circuito:
- 24 /ago - Show Samba Novo, no Teatro Paramount de SP, patrocinado pelo C.A. da
Faculdade de Filosofia da USP.
59O teatro Paramount, situado na Av. Brigadeiro Luis Antonio, perto do Centro da cidade, em 1967 se
transformou no Teatro Record-Centro, abrigando os Festivais de MPB.
60Walter Silva era um disc-jockey da Rádio Bandeirantes e através do seu programa “O Pick-Up do
Picapau” foi o primeiro a tocar o disco Chega de Saudade de João Gilberto, em fevereiro de 1959,
tornando-se um dos principais divulgadores da Bossa Nova. (Conforme depoimento concedido ao autor
em 14/05/1996).
61A.Contier. “Edu Lobo e Carlos Lyra: o Nacional e o Popular na canção de protesto”. Op.cit.,p.45
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62O fino da bossa. RGE, CD 347.6012, 1994 (1964); Os grandes sucessos do Paramount. RGE, CD
347.6009, 1994 (1964/1965); Paramount: o templo da bossa. RGE, CD 9002-2, 1995 (1965)
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63Na verdade o violão foi o instrumento privilegiado da “Nueva Cancion” latino-americana, não só pelo
fato de ser acessível e prático, para cantores jovens e itinerantes, como pela boa adequação ao
acompanhamento de voz.
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Os três álbuns são exemplos dos caminhos e mudanças pelos quais a Bossa
Nova passou, no limite de ser assimilada pela televisão. O texto da contracapa de
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Walter Silva, escrito para o terceiro LP da série, explicitava: era preciso consolidar a
“popularização” da BN mostrando ao grande público que ela não era uma “brincadeira
de desocupados”. O profissionalismo dos espetáculos e a crescente profissionalização
dos músicos, assim como a presença de uma massa estudantil considerável nos
espetáculos, demonstravam as grandes possibilidades da música brasileira renovada
junto ao grande público e ao mercado fonográfico. Mas foi na TV que a explosão da
MPB iria ocorrer, poucos meses depois. Paralelamente, a música se tornou o ponto de
convergência de outras artes de performance , como o cinema e o teatro, submetidas
à demandas estético-ideológicas diferenciadas daquelas que marcariam os shows
televisuais e os festivais da canção.
64Um bom exemplo pode ser vista no musical Pobre Menina Rica, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes,
encenado numa boate em 1963, e transformado em disco pela CBS, em 1964.
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O teatro engajado brasileiro, desde o final dos anos 50, se constituía num
importante polo de formulação dos problemas estéticos e ideológicos. Neste processo
o Teatro de Arena, criado em 1953 e posteriormente fundido ao Teatro Paulista do
Estudante (Filosofia-USP), tinha um papel central. Oduvaldo Vianna Filho, o mais
importante dramaturgo daquela geração, egresso do Arena, foi um dos criadores do
CPC. O grande sucesso popular de Eles não usam Black-Tie, em 1959, cristalizava a
marca fundamental do grupo, já defendida na tese do TPE e apresentada no II Festival
de Teatro Amador, em 1956: o primado da emoção e do realismo, que levaria ao
desentorpecimento do homem e, consequentemente, criaria a base para a consciência
social. Nesta peça, cujo eixo dramático gira em torno dos conflitos oriundos de uma
greve operária, o “morro” é apresentado como um local edênico, marcado pelo auxílio-
mútuo e pela solidariedade espontânea, em oposição à “cidade”. Qualquer
semelhança com o imaginário CPC e com a canção engajada não era mera
coincidência.
Analisando seu rompimento com o Arena (que passaria a ser dirigido por
Augusto Boal, G.Guarnieri, Flavio Império e Paulo José) e a proposta do CPC,
Oduvaldo Vianna Filho elaborou um texto bastante significativo, apontando justamente
para a questão da ampliação do público: “Um movimento de massas só pode ser feito
com eficácia se tem como perspectiva inicial sua massificação, sua industrialização. É
preciso produzir consciência de massa em escala industrial (...) Nenhum movimento
de cultura pode ser feito com um autor, um ator, etc. É preciso massa, multidão” 65.
65O. Vianna Fo.,”Do Arena ao CPC” apud E.Mostaço.Teatro e Política: Arena, Opinião , Oficina, p. 58
(publicado originalmente na revista Movimento, da UNE, em 1961)
66E. Mostaço. Op.cit, p. 77
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de que o pós-golpe foi marcado por um círculo fechado e estéril de comunicação - tem
sido muito utilizada na historiografia sobre a cultura dos anos 6067. Mas alguns dos
seus argumentos devem ser repensados.
Nos dois primeiros anos após o golpe, a ida ao mercado não era incompatível
com a vontade de atuar politicamente na condição de músico engajado nacionalista.
Somente por volta de 1968 as estruturas de mercado sofreram uma crítica mais
acurada. Desenvolveu-se, a partir daí, a percepção de um público consumidor passivo
da cultura de protesto e a idéia de revolução foi vista como mais um “produto
vendável”, entre outros, direcionado, sobretudo, para os setores médios da sociedade
que podiam pagar pelas aquisições. A televisão, em fase de mudança técnica e
gerencial, catalisará essa nova consciência a respeito do mercado. Mas a postura do
historiador não pode ser a daquele analista que julga os fatos a posteriori e condena
os protagonistas por não saberem o desenrolar da história ulterior ao momento vivido.
As respostas dos artistas e intelectuais frente aos impasses operava com um número
67Dois textos são particularmente importantes na disseminação desta tese: R.Schwarz. (Cultura e
política....) e H.B.Hollanda.( Impressões de Viagem....). Esta última incorpora criticamente a tese básica
lançada por Schwarz, mas mesmo assim se utiliza da imagem do “circuito fechado” de comunicação para
explicar o caminho histórico da literatura que vai do engajamento à contracultura.
68A definição adorniana de indústria cultural, como sistema integrado, dotado de razão técnica
desenvolvida para subordinar à sua lógica todas as fases de realização do produto, não podia ser
aplicada para o caso em questão . Aliás, na segunda metade dos anos 60, o Brasil assistiu ao
aprofundamento da capitalização e da racionalização do mercado dos bens culturais e artísticos. Na
música, os festivais da canção foram o grande laboratório comercial, onde não só surgiram novas
canções de sucesso, mas novas estratégias de promoção e distribuição desses produtos, como veremos
a seguir.
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-Opinião
-Rosa de Ouro
-Telecotecto nº1
-A Voz do Povo
69Para um maior detalhamento da estrutura e do enredo destas peças ver L.A.Giani. A música de
protesto: d’O subdesenvolvido à canção do bicho e proezas de santanás (1962-1966), p.237-309
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-Liberdade Liberdade
70 Sobre a política cultural do PCB, em torno do nacional-popular, ver A.C.Rubim. Partido Comunista:
cultura política e política cultural.
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71A direção musical do show foi de Dorival Caymmi Filho, sucedido por Geni Marcondes. A estrela Nara
Leão, foi substituída por Maria Bethania (após breve período protagonizado por Suzana Moraes).
72C.Campos, Zumbi, Tiradentes, p. 8
73apud Arte em Revista nº1, CEAC/Kairos, São Paulo, 1979, p.58-59
74R. Schwarz. “Cultura e política.....”. Op.cit., p.81/83
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Luis Giani classifica Opinião como um dos exemplos de contato direto com
“representantes das classes populares”, ao lado de Telecotecto Opus nº1 (ambos
montados pelo Grupo Opinião e Rosa de Ouro, de Hermínio Bello de Carvalho. Estes
três musicais mostram a “prevalência do Samba interpretado por cantores e ritmistas
do morro e do subúrbio”, com acompanhamentos de músicos de “classe média” 75. O
sertão nordestino e morro/subúrbio carioca simbolizavam não só como territórios
culturais, mas espaços imaginários de resistência “popular” ao novo contexto
autoritário, em meio ao qual a juventude estudantil engajada, deveria buscar suas
referências. Do repertório total de Opinião , cerca de 5 músicas são de João do Vale, 7
de Zé Keti e 2 folclóricas. As outras músicas são de compositores conhecidos do
circuito bossanovista, como Sergio Ricardo e Carlos Lyra (“Esse Mundo é meu” e
“Marcha de 4ªfeira de Cinzas”). A base instrumental era o violão (Roberto
Nascimento, Dorival Caymmi Filho), Flauta (Alberto Hackel Tavares e Carlos
Guimarães), bateria (João Jorge Vargas e Francisco Araujo). A presença da bateria e
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O triunfo político do Opinião pode não ter se restringido aos limites imaginários
do palco, como afirmam alguns autores77. Tornando-se um evento paradigmático,
representou uma das vertentes da institucionalização e afirmação da nova Música
Popular Brasileira que a partir de 1965 tornava-se uma sigla ideologicamente
reconhecível. O desenvolvimento singular deste processo acabou por soterrar esta
vertente específica, digamos, mais "populista". O projeto político subjacente ao
espetáculo, o de afirmar a música popular de raiz comunitária e engajada que
rompesse com os limites de classe social e região, ficou inviabilizado pelas mudanças
no nível do mercado musical, sobretudo a partir de 1968.
76Idem, p.291
77Edelcio Mostaço, em seu trabalho clássico sobre o teatro de esquerda, reforça esta idéia. Seu
substrato reside numa tese de fundo para pensar a cultura engajada entre 1964-1968, a do “circuito
fechado” intelectual-intelectual na circulação de mensagens simbólicas, complementada por outra tese de
fundo, a da “cooptação” desta cultura de esquerda pela indústria cultural capitalista, consagrando sua
esterilidade política junto às massas. O texto de Schwarz tem um papel seminal em ambas.
E.Mostaço.Op.cit.
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A idéia de fundo, e neste sentido Zumbi procura ser mais crítico que Opinião,
defendia a tese que os negros revoltosos foram derrotados pela repressão por que
acreditaram numa possível aliança com os brancos pobres, com os quais
comercializavam.. Fragilidades historiográficas à parte, o alvo desta crítica era a
fracassada frente única que garantiria as Reformas de Base. Se o Opinião ainda
apostava no frentismo policlassista, Zumbi lhe era crítico. Neste sentido, o espetáculo
do Arena também funcionou como um momento de repensar a perspectiva política que
informava os segmentos nacionalistas após o golpe de 1964, e seu amplo leque de
alianças. Conforme a idéia central da peça, o povo, abandonado pelas elites, sozinho
e “ingênuo”, acabou derrotado pelas forças da repressão reacionária. Novamente,
tratava-se de repensar valores e táticas políticas numa perspectiva mais “popular” e
menos “nacionalista”, para repensar a estratégia política de libertação nacional.
78C.Campos.Op.cit. p. 72
79Idem, p.86
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82O “Beco das Garrafas” se localizava em Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, e era composto por
quatro boates cujo proprietário era Alberico Campana: Little Club, Baccara, Bottle’s Bar e Ma Griffe.
Nestas boates surgiu uma versão hot jazz do samba, cujo representante mais famoso será Elis Regina. O
“Beco” foi extinto em 1966.
83Lembramos que o texto, já citado, de R.Schwarz, que lançou esta tese seminal, foi escrito em 1969 e
pode ser visto como um artigo escrito “no calor da hora”, que reflete sobre as causas profundas da “dupla”
derrota da esquerda nacionalista (1964 e 1968). Até 1968, a derrota não era “dupla” e esse fato nos
obriga a tomar cuidado com os termos do julgamento político e ideológico dos protagonistas.
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84Conforme depoimento de Edgard Ribeiro Amorim IN: “TV Record SP”(Pesquisa). Arquivo Multimeios
Centro Cultural São Paulo. Divisão de Pesquisas/IDART, São Paulo, mimeo
85C.A.Almeida. Cultura e Sociedade no Brasil (1940-1968). p.73/74
86 Ver F.Casetti & R.Odin. “De la paleo à la neo-television: approche sémio-pragmatique”.
Communications, 51, Paris, 1990, p.9-28
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Mesmo não concordando com estas posições dicotômicas, notamos como os novos
musicais da TV brasileira transitaram de forma ambígua entre os dois conjuntos de
características. Por exemplo, ora os festivais eram espaços de “formação” de idéias,
ora se apresentavam como esferas de “convivialidade”. Neste sentido, entende-se
porque este gêneros de programas são considerados típicos de uma fase de transição
da TV brasileira, do império dos programas de variedades (anos 50 e parte dos 60)
para a hegemonia das novelas (anos 70), mas com algumas inovações (ver Quadro
1): já havia sinais do começo da hegemonia da telenovela e o incremento das fórmulas
dos musicais. O triunfo da música popular na TV ocorreu em meados dos anos 60,
devido à uma fase de transição da estrutura de programação das TVs: a fórmula do
humor já começava a cansar e as telenovelas ainda não tinham encontrado seu
formato ideal, como gêneros centrais da grade de programação das principais
emissoras87.
8º) O Fugitivo 2ª 4 29
87T. Souza. “A aliança televisiva e os festivais da canção” IN: Brasil Musical, Rio de Janeiro, Art Bureau,
s/d, p.224
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o depoimento de Raul Duarte “O elenco jovem (Elis, Roberto Carlos, Chico) explodiu
com tal força que até nós nos surpreendemos. Nós conseguimos contratar todos”89
Ainda que a TV não fosse uma indústria altamente racionalizada, para José
Ramos Tinhorão, a hegemonia deste meio sobre o panorama da música brasileira
representou a ruptura definitiva entre a produção da cultura “popular” e a capacidade
de divulgá-la90. Para ele, com uma seleção mais rigorosa da faixa dos ouvintes, só
teriam espaço na TV, os artistas e estilos mais de acordo com o tipo de público
potencialmente comprador de “sofisticados artigos veiculados”.
89Depoimento de Raul Duarte, “30 anos de TV”, Arquivo Multimeios Centro Cultural São Paulo,
Div.Pesquisas/IDART, São Paulo. mimeo
90 J.R.Tinhorão. Música Popular: do gramofone ao Radio e TV, p. 155/157.
91Fonte: Boletim de Assistência de TV (São Paulo) vol.1, IBOPE, 1966 (Acervo do Arquivo Edgar
Leuenroth, IFCH/Unicamp.
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93Idem, p.203
94Idem, p.195/196
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97O festival da TV Record, por exemplo, era patrocinado pelo Sabão Viva, da indústria Swift. A Rhodia,
ligada ao ramos de tecidos, era outra patrocinadora frequente dos programas musicais da TV.
98Conforme T.Adorno. “A indústria cultural”. A dialética do esclarecimento.
99Depoimento de José Eduardo Homem de Mello ao autor, concedido em 28/08/97
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OS NOVOS MUSICAIS DA TV
100Em abril de 1964, cerca de 577 mil unidades familiares possuíam aparelho de TV na cidade de São
Paulo. Em abril de 1965 este número chegou a 600 mil. A maioria dos aparelhos (cerca de 55%)
concentrava-se nas classes A e B. Fonte: Boletim de Assistência de TV. IBOPE, 1965 (Acervo Arquivo
Edgar Leuenroth, IFCH/Unicamp).
101Conforme Umberto Eco, a veiculação da música pela TV, tem a tendência de otimizar o lado narrativo
e melodramático da canção, “com prejuízo da percepção musical”. Mesmo não concordando com a
segunda parte desta afirmação, parece que a proposição geral confere para o caso brasileiro. U.Eco.
“Música, Rádio e Televisão”. Apocalípticos e Integrados. p.315-324
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muito significativo para a época, mantendo-se neste patamar até fins de 1966. Vela
lembrar que o programa seria cancelado em junho de 1967102.
102Fonte: Boletim de Assistência de TV. Ibope/São Paulo (Acervo Arquivo Edgar Leuenroth,
IFCH/Unicamp)
103Depoimento de Caetano Veloso, 1967. J.E. Homem de Mello. Música Popular Brasileira, p.120
104Depoimento de Geraldo Vandré, 1968. Idem, ib. p. 183
105Depoimento de Carlos Lyra, 1968. Idem, p.120
106J. Medaglia “O balanço da Bossa Nova” IN: Campos, A. (Org). Op.cit.
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Se for plausível afirmar que a linguagem clássica da TV não permite nem muita
sutileza nem muito exagero, naquele momento da década de 60, os paradigmas
comunicativos utilizados na TV brasileira ainda emprestavam seus códigos do rádio e
do teatro, bem mais contundentes e expressivos. O resultado era um caráter híbrido,
que marcou a linguagem de certos programas musicais: ora semelhantes a um baile
de formatura de colegiais, ora semelhantes a um concerto sofisticado,ora próximos de
uma performance teatral engajada. A linguagem cênica dos festivais - misto de
comício, baile, show universitário e concerto artístico - também trazia as marcas
daquelas justaposições e ambiguidades, tanto no nível da linguagem como da
técnica109. A idéia de “moderna” MPB (como foi denominada a nova safra de
músicos) foi, em parte, tributária deste código comunicativo e do repertório veiculado
pelo Fino da Bossa.
109Conforme D.Treece, o ato performático se define como: “Capaz de engajar uma comunidade de
músicos e ouvintes na forma de um intercurso social”. D.Treece. “Guns and Roses...”, p.5. Conforme
Eyerman, R. et alli: “Cantores e canções eram fundamentais para a prática cognitiva naqueles
movimentos sociais (...)No final dos anos 60, entretanto, a era do concerto de rock tinha acabado, com as
performances individuais de bandas ou artistas ocorrendo num contexto inteiramente diferente de uma
comunidade espiritual ou ao menos de um grupo coletivo para uma forma mais comercial ou individual”
(Eyerman, R at alli. “Social movements and cultural transformation”, p.454/460) . Estes últimos autores
afirmam que a audiência alargada é mais difusa e “menos política”, com o surgimento de uma nova
geração de consumidores de música dispostos a aceitar as mediações de massa da realidade
(“mediability”). Eyerman e Jamison destacam a existência de canções, nesta primeira fase dos anos 60,
formadoras de uma “consciência em ascensão”, não de uma consciência política ou étnica, mas uma
“consciência de oposição”, apontando para uma utopia no futuro.
68
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Finalmente, podemos dizer que o Fino da Bossa também abriu caminho para a
superação do impasse de conciliar “comunicação e expressão”, “qualidade e
popularidade”, “mercado e engajamento político”. As dicotomias lançadas pela eclosão
da BN, em 1959, pareciam momentaneamente encaminhadas para uma solução.
69
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Nos anos 60, o mercado musical e televisivo não possuía uma divisão de
público muito rígida, ainda que este processo de segmentação de mercado tenha suas
origens justamente neste momento histórico. Entre 1965 e 1968, a redefinição do
produto musical, acompanhava uma redefinição dos padrões de gosto, nas quais os
limites dados por variantes sócio-culturais e, secundariamente, ideológicos, não
116Idem, p. 370
117Idem, p. 373
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Em resumo, nos dois anos que se seguiram ao golpe militar, novos obstáculos
à realização de uma música nacional-popular, veículo ideológico permanentemente
procurado por um determinado segmento de artistas e intelectuais, foram percebidos.
O grande sucesso popular de eventos como Opinião e Fino da Bossa - ainda que
situados em séries sócio-culturais distintas - pareceu resolver os novos impasses
(“comunicabilidade” versus “popularidade”) e retomar uma evolução estético-
ideológica, consagrada por um meio moderno como a TV. O “povo” tão procurado pela
esquerda parecia estar muito próximo. Bastava ocupar os palcos dos teatros e os
auditórios das emissoras. Ao mesmo tempo, o ciclo iniciado com a Bossa Nova - a
busca de uma canção urbana viável comercialmente, que não negasse os “gêneros
convencionais de raiz”- parecia concluído.
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gênero Iêiêiê alternava temas românticos tradicionais com temas mais agressivos,
pasteurizando o comportamento tirado do modelo “juventude transviada”: culto ao
carro, às roupas, aos cabelos longos, às brigas de rua, etc. Roberto Carlos sintetizava
o movimento e logo explodiu como o maior fenômeno de consumo de massa de todos
os tempos, no Brasil.
73
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119A declaração de Nara Leão, em 1966, é bem reveladora quanto às tendências deste novo debate:
“Não acho que o ieieie faça concorrência à Bossa Nova. Os discos de música brasileira continuam a
vender - tenho certeza disso. O que há realmente é muito pouca produção de discos de BN (...) Também
não é verdade que só querem divulgar o ieieie. Toda vez que vamos a um programa de rádio nossas
músicas são tocadas. Enquanto Roberto Carlos vai a todos os programas , todos os dias, o pessoal da
música brasileira, talvez por comodismo não vai. Existe ai o preconceito - quando vou ao programa do
Chacrinha os bossanovistas me picham” apud Revista de Civilização Brasileira, 7, maio 1966, p.383
74
75
para produzir e o público já sabe o que esperar”120. Podemos dizer que a Jovem
Guarda, foi um dos primeiros produtos musicais estandardizados, no sentido que a
moderna indústria cultural emprestou ao termo. Nele temos uma padronização
composicional, timbrística, temática e performática, que aliada ao conjunto da
propaganda em torno do movimento, transformará a Jovem Guarda na contrapartida
brasileira à beatlemania, onde consumo e comportamento eram as categorias
principais em jogo.
75
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76
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lugar que a Jovem Guarda ocupava no panorama do mercado musical para refletir
sobre a essência da arte na sociedade de massas.
A tese, consolidada nos anos posteriores, que via na gênese da Jovem Guarda
uma manipulação do sistema ideológico dominante, comandado pelos novos donos do
poder pós-64, contra o projeto de “conscientização” da MPB, também deve ser vista
com cuidado. Obviamente, aos militares e conservadores em geral, o produto cultural
da Jovem Guarda poderia ser muito mais instrumentalizável que a MPB, canalizado
para a despolitização do ambiente político. Entre esta perspectiva e a existência de
uma conspiração cultural, há uma grande diferença. Como vimos, a presença do
mercado é um fator complicador nesta tese, na medida em que, na disputa específica
de mercado, podemos dizer que a grande perdedora do embate foi a Jovem Guarda.
Já no final de 1967, Roberto Carlos começava a desligar sua imagem do programa
televisivo, tentando se aproximar de um público adulto, consumidor de músicas
românticas125. Sua saída oficial do Jovem Guarda, em janeiro de 1968, praticamente
condenou o programa e diluiu os principais astros. Alguns deles continuaram astros
populares (como o cantor Ronnie Von), mas completamente fora do setor mais
dinâmico (inclusive do ponto de vista econômico) da música brasileira.
A “ameaça” da Jovem Guarda à MPB deve ser vista na sua ambiguidade: por
um lado, corresponde a uma efetiva disputa, entre as duas correntes por franjas de
público comuns, segmentos difusos, sociologicamente falando, que gravitavam em
125O LP O Inimitável, de 1968, à base de sopros e cordas, menos “agressivo”, pode ser visto como a
expressão da virada do seu estilo Jovem Guarda. .
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torno da nova mídia televisivo; por outro, foi superdimensionada como um argumento
puramente ideológico na disputa por espaço comercial nos meios de divulgação. Vista
como uma espécie de trilha sonora das estratégias de alienação e despolitização da
juventude, a Jovem Guarda passou a ser percebida como ameaça à MPB na virada
de 1965 para 1966. Como 8º colocado na audiência geral da semana e 1º no seu
horário específico (domingo às 17 horas) o programa Jovem Guarda aparece pela
primeira vez nas pesquisas do Ibope em janeiro de 1966, com um percentual de
29,3%126. Isto não significou, necessariamente, uma migração de espectadores entre
os dois programas, até pela diferença de horário e dia da semana. O que parece ter
ocorrido foi que o Fino da Bossa continuou tendo uma audiência relativamente estável
(entre 23 e 26%) enquanto a audiência do programa Jovem Guarda cresceu
notavelmente a partir de abril de 1966 (atingindo um pico de 38% neste mês),
mantendo-se entre 30 e 35% até o final daquele ano.
126Fonte: Boletim de Assistência de TV, São Paulo, 1966, vol.1 (Acervo Arquivo Edgar Leuenroth, IFCH/
Unicamp) .
127O LP Dois Na Bossa (Philips, 1965), lançado em maio, bateu todos os recordes de vendagem até
então, atingindo a cifra de 500 mil cópias
128Na verdade, conforme os dados do Ibope, percebe-se que a Jovem Guarda superava a MPB de
forma mais acentuada, apenas nos compactos, produtos mais baratos que os LPs , traduzindo assim as
diferenças sócio-culturais entre um e outro movimento. Ainda assim, tal segmentação parece ter sido mais
acentuada nas faixas etárias mais jovens. O público mais adulto transitava pelos dois estilos de forma
mais fluida, como demonstram as audiências televisivas dos dois programas.
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O Jovem Guarda experimentou uma crise longa, antes de ser extinto, sendo retirado
do ar em Janeiro de 1968129.
129Em 1967 duas novas fómulas televisivas começam a se destacar: as competições musicais, seja na
forma do quiz-show (cujo grande programa era o Esta Noite se Improvisa , maior índice de audiência do
ano) ou na forma dos festivais. O III Festival da TV Record atinge a cifra de 47% de audiência em São
Paulo.
130Fonte: Boletim de Assistência de TV (São Paulo), Ibope (Acervo AEL/IFCH/Unicamp)
131Idem.
132Idem
133Historicamente, este “salto” de aquisição de aparelhos, só perdia, até então, para o período que vai de
1955 a 1958, quando as cifras atingiram cerca de 350%. C.Branco et alli. História da Propaganda no
Brasil. p.251
134Não é improvável que um outro processo tenha estivesse começando a despontar em 1968: a
formação de um público eminentemente televisivo. Este fenômeno, mais destacado entre os mais jovens,
sugere a gênese de uma nova mediabilidade , onde a TV articula a formação de um público próprio, já
não mais oriundo das audiências radiofônicas.
79
80
Foi neste momento de crise dos dois programas - O Fino da Bossa e o Jovem
Guarda - que a luta comercial travestida de linguagem cultural e ideológica se acirrou
ainda mais. Um bom exemplo, foram os episódios que envolveram a criação da Frente
Ampla da MPB, o novo programa da Record, e as reações dos artistas ligados à
Jovem Guarda, por volta de julho de 1967. Desse embate resultou a implosão da
segunda corrente, embora seus estilhaços tenham fornecido um bom elemento de
provocação para a crítica Tropicalista à MPB nacionalista. A partir de 1967, percebia-
se que a estrutura de mercado televisivo-musical, cada vez mais organizada em torno
dos festivais, não comportava muitos programas seriados, centralizado em
determinadas personalidades fixas, que rapidamente se desgastavam quando
superexpostas, sem planejamento, na mídia. Nomes como Chico Buarque (Pra ver a
Banda passar), Geraldo Vandré (Disparada), entre outros, lançados no contexto
festivalesco, não conseguiam manter seus programas por muito tempo, sendo logo
tragados pelas pressões internas da emissora e pelas pressões externas de público e
patrocinadores. O artista-artesão não estava completamente inserido na máquina,
ainda que neste momento fosse o centro criativo da sua reorganização em direção à
indústria cultural renovada.
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deve ser objeto de tábula rasa, pois uma gama variada de perspectivas musicais e
poéticas eram abrigadas sob esta sigla. Esta tendência de abertura estética do termo
será mais perceptivel nos anos 70, mas já em meados da década anterior se fazia
presente, de forma mais sutil. Naquele momento, os vários paradigmas de canção
nacionalista ajudaram a delimitar os limites do estatuto estético e ideológico da MPB e
definir os termos da concorrência com a Jovem Guarda, permitindo a configuração de
um produto cultural reconhecível e socialmente valorizado. Os matizes que formavam
o leque da canção engajada e nacionalista, consagrados entre 1964 e 1966, serviram
como balizas do conceito de MPB aceito nos festivais da canção. Some-se a esta
tipologia de composição ou performance , outras correntes de criação, representadas
por Geraldo Vandré e Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, principalmente
(eles serão analisados no próximo capítulo).
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135Elisete sobre o morro (Elisete Cardoso, 1965) e Samba eu canto assim (Elis Regina, 1965).
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Elis Regina, em seu disco solo de estréia, gravou muitas músicas de jovens
compositores oriundos da Bossa Nova, como Edu Lobo (Reza ), Marcos Valle / Paulo
S.Valle (Preciso aprender a ser só), além de Dorival Caymmi (João Valentão). Mas ao
contrário do estilo anticontrastante e econômico da Bossa Nova, fez uma leitura
inspirada pelo hot jazz, tal qual se tocava nas boates do Beco das Garrafas, no Rio de
Janeiro. Seu estilo vocal just jazzy, apoiado nos timbres baixo-bateria-piano
construindo uma tessitura sonora densa, de alto loudness, apontavam para uma leitura
completamente diferente do repertório de Samba, como ficaria claro nos pout-pourris
do seu programa televisivo. Ao contrário de Elisete, Elis não se caracterizava pela
sobriedade interpretativa, esbanjando sua ampla tessitura de voz, seu domínio de
ornamentos e sua afinação perfeita, mas sem pretender a “limpeza” vocal: o ataque
silábico, as mudanças de andamento, as divisões rítmicas sugeriam uma volta ao som
sujo das gafieiras e dos clubes de hot-jazz. A presença de Elis Regina no panorama
musical se tornará o centro das polêmicas, na medida em que sua leitura da Bossa
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Por volta de 1965, Edu Lobo era a grande esperança dos intelectuais
nacionalistas na constituição de uma música popular que conjugasse popularidade e
qualidade, trabalhando materiais folclóricos (sobretudo os de origem rural) a partir de
uma técnica composicional sofisticada137. Sua obra se abria a leituras diversas.
Conforme Júlio Medaglia: “Edu Lobo pertence também à geração da Bossa Nova. Da
mesma forma que Sérgio Ricardo, Geraldo Vandré e tantos outros, preferiu a pesquisa
das formas populares à corrida ao jazz. Edu era uma presença constante entre os
aficcionados da fase inicial da Bossa Nova, no Beco das Garrafas e shows das
faculdades. E a Bossa Nova era o gênero dominantes em suas composições até que,
por volta de 1963, passa a dar lugar à inspiração afro-brasileira e nordestina”138.
Outro autor, Luis Giani destaca, porém, as mudanças de Edu em relação à BN,
sobretudo a sua guinada em direção a um material folclórico e temas épicos,
trabalhados dentro de uma visão mais urbana e cosmopolita, concretizando no âmbito
da música popular a aspiração já presente entre músicos nacionalistas de filiação
“erudita”139. Arnaldo Contier chega a sugerir que, a partir da obra de Edu Lobo, é
necessário repensar a dicotomia estabelecida entre “popular” e “erudito” na música
brasileira140.
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Sua visão sobre a música brasileira da época revela uma percepção diferente
das duas análises anteriores: “O exame do panorama da música popular brasileira
atual deve começar com uma referência a Antônio Carlos Jobim, com quem nossa
música deu um salto de mil anos. O que ele conseguiu foi uma mudança no plano
harmônico de tamanha importância que hoje é possível dar um tratamento moderno a
músicas antigas (...) João Gilberto, em quem todos reconhecem grande talento ,
passou muito tempo apenas tocando violão (...) O gênero [BN] se constituiu graças a
inovações que aos poucos iam sendo introduzidas. Ao lado de Tom Jobim, Vinícius de
Moraes trouxe uma nova concepção para as letras das músicas e João Gilberto
concorreu para modificar o ritmo (...) o encontro de V.Moraes com T.Jobim, instituiu
definitivamente a Bossa Nova. (...) Mas nossa música não parou aí (...) Surgiram
variações da Bossa Nova original, que só atestam sua riqueza. Até que surgiu Baden
Powell que introduziu o elemento afro, no caso , o samba negro , com nova batida
(Berimbau é um exemplo) e com influência de Villa-Lobos (...) Lembrando as
influências originais do jazz, cabe aqui uma citação de Mario de Andrade: “A reação
contra o que é estrangeiro deve ser feita espertalhonamente pela deformação e
adaptação dele, não pela repulsa” (...) O compositor brasileiro tem que se basear quer
como documentação , quer como inspiração, no folclore. Hoje de qualquer modo o
samba deve ser considerado mais como fonte. Esta é a visão do futuro. Os que
querem samba sempre igual não passam de conservadores derrotados de saída”142.
141Enfatizo este aspecto, pois as músicas de Edu Lobo quando interpretadas por Elis Regina, no disco já
citado por exemplo, parecem obter um resultado, estético e ideológico, completamente diverso das
mesmas músicas interpretadas pelo próprio compositor. Seu disco Edu Lobo por Edu Lobo (Elenco,
1964/1967) é um bom exemplo desta inusitada mescla de temas épicos com tratamento sutil
142E. Lobo et alli. “Confronto: Música Popular Brasileira”. Revista de Civilização Brasileira, N.3, Jul/65,
p.309/312
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143As opiniões contraditórias sobre as músicas de Arena Conta Zumbi, que tanto destacam o caráter não
panfletário das canções (C.Campos) como, paradoxalmente, o seu poder exortativo (A.Boal) parecem
confirmar a complexidade desta vertente da MPB inicial ( talvez por isso a corrente iniciada por Edu não
tenha tido seguidores nem diluidores, ao contrário de Caetano e Chico). Se a sutileza das canções de
Arena, contrastava com o panfletarismo das interpretações, ocorre ao contrário em Opinião. Neste, o
caráter panfletário emanava, sobretudo, do seu repertório, mesmo recebendo uma interpretação
anticonstrastante e naturalista, não só por parte de Nara, mas de todo o elenco de cantores e músicos (A
entrada de Maria Bethania pode ter afetado este aspecto)
144O selo Forma , de Roberto Quartin, ao lado do selo Elenco, de Aluisio de Oliveira, foram as duas
tentativas “independentes” de veicular a música popular herdeira da Bossa Nova. Ambas tiveram vida
curta.
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material do Samba baiano como base para a nova orientação da BN, esta corrente
parece estar mais afinada com as precepções da “BN nacionalista”, tal como foi
desenvolvida por Carlos Lira e Sergio Ricardo (além do próprio Vinícius), antes do
golpe militar, analisadas no capítulo anterior. Não por acaso, o principal ideólogo da
BN nacionalista junto ao movimento estudantil, Nelson Lins e Barros, colocará os
“afro-Sambas” de Baden-Vinícius ao lado das obras de Ricardo e Lira, como as saídas
possíveis para o impasse da BN, reafirmando suas posições anteriores, logo após o
golpe militar145. O próprio Vinícius destacou o papel do violonista neste processo.
Para o poeta, com o surgimento de Baden Powell inaugurou-se a “2ª fase” da BN,
marcada por uma pesquisa de raízes folclóricas e de formas musicais regionais146.
145N.Lins e Barros. “Música Popular: Novas Tendências”. Revista de Civilização Brasileira, N.1,
Março/1965, p.235.
146Depoimento de V.de Moraes (1967). J.E.Homem de Mello. Op.cit, p.70
147Utilizamos a palavra para definir um procedimento de criação e não no sentido de estabelecer uma
filiação com a corrente estética do mesmo nome.
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1965
1966
148Fonte: Boletim de Assistência de TV, São Paulo, vol.1/2, 1966, 1967, 1968 (relatórios semanais),
(Acervo do Arquivo Edgar Leuenroth, IFCH/ Unicamp)
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Favereiro 1966
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(1966, Cont.)
Por Semana
19 a 25/09
26/9 a 2/10
10-16/10
24 a 30/10
1967
Distribuição: idem
Distribuição:
Classe C: 31%
Classe D: 20,6%
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Agosto 1967(Relat.162)
1968
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CAPÍTULO 3:
96
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inicialmente, por uma boa parte da classe média. O ano de 1966 marcou o primeiro
afastamento entre os liberais, muitos dos quais tinham apoiado o golpe militar, e o
regime. O fechamento dos espaços político-partidários, cuja fachada tinha sobrevivido
ao golpe, foi decretado pelo Ato Institucional nº2 (27/10/65). O AI-2 trouxe uma série
de mudanças no cenário político, diluindo as expectativas de que a “ditadura” fosse
apenas uma transição para que os conservadores civis pudessem assumir o poder
com o país livre dos “comunistas”. Algumas delas se chocavam com os interesses
imediatos de muitos políticos liberais: O estabelecimento das eleições indiretas para
Presidente da República (medida complementada pelo AI-3, de março de 1966, que
estabeleceu eleições indiretas também para governadores dos Estados), o fim dos
partidos surgidos em 1946, a possibilidade de julgamento de civis pelos tribunais
militares e a prorrogação do mandato de Castelo Branco (que passava a vigorar até
março de 1967).
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151A Revista de Civilização Brasileira, editada entre 1965 e 1968 por Ênio da Silveira, foi um dos mais
importantes espaços do debate intelectual, cultural e político da esquerda brasileira, e daqueles que se
posicionavam contra o regime militar, como um todo.
152 Sobre a linha evolutiva, numa perspectiva mais ampla, ver a entrevista de J.M.Wisnik em "Música:
problema intelectual e Político". Revista Teoria e Debate, 35, 1997, 58-63
98
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Provocado por esta análise, Caetano Veloso discorreu sobre a sua idéia de
linha evolutiva na música e na cultura brasileira, num famoso trecho que foi
transformado, posteriormente, numa espécie de constituição teórica da moderna MPB,
citada por inúmeros críticos e intelectuais a partir de então. Eis o trecho, na íntegra: “A
questão da música popular brasileira vem sendo posta ultimamente em termos de
fidelidade e comunicação com o povo brasileiro. Quer dizer, sempre se discute se o
importante é ter uma visão ideológica dos problemas brasileiros, e se a música é boa,
desde que exponha bem essa visão; ou se devemos retomar ou apenas aceitar a
música primitiva brasileira (...). Ora, a música brasileira se moderniza e continua
brasileira, à medida que toda informação é aproveitada ( e entendida) da vivência e da
compreensão da realidade brasileira (...) Para isso nós da música popular devemos
partir, creio, da compreensão emotiva e racional do que foi a música popular brasileira
até agora; devemos criar uma possibilidade seletiva como base na criação. Se temos
uma tradição e queremos fazer algo de novo dentro dela, não só temos que senti-la
mas conhecê-la. É este conhecimento que vai nos dar a possibilidade de criar algo
novo e coerente com ela. Só a retomada da “linha evolutiva” pode nos dar uma
organicidade para selecionar e ter um julgamento de criação (...) Aliás João Gilberto ,
para mim, é exatamente o momento em que isto aconteceu: a informação da
modernidade musical utilizada na recriação, na renovação, no dar um passo à frente
da música popular(...)154.
Esta explanação de Caetano foi vista como saudosista, por quase todos os
presentes ao debate, não causando impacto, ao contrário do que ocorreria
posteriormente. Nelson Lins e Barros, foi o primeiro a retrucar: “Eu discordo
inteiramente dessa posição um tanto saudosista do Caetano Veloso. João Gilberto,na
minha opinião, foi a cristalização de um estilo que representava a bossa nova como
música intimista e impressionista que ela se propunha - e conseguiu- ser. Até certo
ponto definiu uma linha de interpretação , da qual aliás sou o maior fã, mas que
representa um afastamento da tradição musical brasileira (..) a nossa maior
contradição enquanto artista é a de pretender um desenvolvimento estético e formal
para o qual o povo, a quem nos dirigimos, não está preparado (...) Tenho a impressão
153Trecho extraído de F.M.Regis (org). “Que caminho seguir na Música Popular Brasileira”, Revista de
Civilização Brasileira, 7, mai/1966, p. 377
154Idem, p.378
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que seria um erro voltarmos a João Gilberto. Nós temos que enfrentar a realidade. E a
realidade atual é a da estridência. A juventude gosta da estridência , porque
representa a civilização moderna. A própria Maria Betania é a negação de João
Gilberto”155
155Idem, , p. 379
156No seu livro de memórias Caetano Veloso explorou bastante esta sua perspectiva, do papel de João
Gilberto como elo entre modernidade e tradição. C.Veloso. Verdade.... p.226/227
100
101
Para Capinam, era preciso uma música de mercado que desse conta de uma
difícil tarefa: demarcasse suas origens e sua identidade, mas que possuísse, ao
mesmo tempo, uma estratégia de inserção num público ávido por novidades. Um
público que cada vez mais se diferenciava do “povo” idealizado, pois este se colocava
nas margens do mercado, ainda limitado aos reduzidos extratos que tinham um poder
de compra razoável. Esta estrutura de consumo cultural excluia, consequentemente,
os mais despossuídos da sociedade, ironicamente, os heróis poéticos e políticos das
canções engajadas e nacionalistas.
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162Idem, p.10/11
163 O movimento Música Nova, atuou no campo da música erudita, lançou seu manifesto em 1963, e
teve como signatários Willy Corrêa de Oliveira, Gilberto Mendes, Rogério Duprat, Júlio Medaglia, Damiano
Cozzela, entre outros. Sua proposta básica era uma música que tivesse uma função política e ideológica,
sem negar a pesquisa formal e a renovação do código musical. Seu manifesto, lançado em 1963,
defendia uma música "erudita" aberta aos meios técnicos, linguagens de massa e problemas da
contemporaneidade, além de assumir as tradições da vanguarda, como a música eletroacústica, música
concreta, serialismo, etc. Ver C.A.Zeron. Fundamentos histórico-políticos da Música Nova e da música
engajada no Brasil.
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164E.Paiano.Op.cit.,p.96
165Idem, ib.
166A.Campos. “Da jovem guarda à João Gilberto” IN; A.Campos (org). Op.cit. p.51 (publicado
originalmente no Correio da Manha, 30/06/1966)
167Idem, ib.,p.55
104
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um à vontade total (...)seu estilo é claro e despojado (...) Apesar do Iêiêiê ser música
rítmica e animada (...) estão os dois Carlos, como padrão de uso da voz, mais
próximos de interpretação de J.Gilberto do que Elis e muitos outros cantores de
música nacional moderna”168.
Júlio Medaglia, maestro ligado ao movimento Música Nova, fez uma leitura
pessoal da idéia de linha evolutiva para fazer um amplo “balanço da Bossa Nova”,
longo artigo publicado no Suplemento Literário d’O Estado de S.Paulo, em 17/12/1966.
O artigo, quase um manifesto historiográfico e estético da música popular brasileira, se
estruturava a partir do seguinte índice histórico: O lançamento do LP “Chega de
Saudade”, de João Gilberto em 1959; a retomada da tradição de Noel Rosa/Mario
Reis; as subdivisões da Bossa Nova: (“intimista”/”engajada”); o surgimento de Chico
Buarque de Hollanda como articulador das duas correntes; a recepção da BN no
exterior ; os shows do teatro Paramount (SP); o Fino da Bossa na TV e “descaminhos”
da MPB (exagero, teatralização, artificialismo); o contraponto ao exagero e à
passionalização da MPB engajada, que seria o Iê-iê-iê brasileiro (Roberto Carlos) que
recupera, sob outra vertente, o despojamento e a naturalidade do canto;a
argumentação culmina na figura de Caetano Veloso, compositor que, para Medaglia
sugeria um novo caminho para a MPB, incorporando o legado da BN (programa
sintetizado na idéia de “linha evolutiva”). Não é por acaso que o texto termina com um
elogio à proposta de Caetano.
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170Caetano Veloso fez uma reavaliação crítica das posições de Medaglia e Campos, sobre o sentido de
“evolução” da BN. Ver C.Veloso. Verdade..., p.226
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171Neste ponto cabe inserir a interessante proposição de Carlos Zilio, que parece estar presente, nas
duas grandes correntes teóricas da arte brasileira aqui discutidas. Segundo este autor, a arte no Brasil
opera dentro de um “sistema de tensões” determinado pelo choque entre um “modelo europeu” e o “chão
cultural brasileiro”, superdimensionando a busca de um modelo teórico que de conta, programaticamente
dessa tensão. C.Zílio. “Da antropofagia à tropicália”IN: O nacional e o popular na cultura brasileira(artes
plásticas). p.20
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fechamento estético, no caso particular da música, nunca tenha sido absoluto. Para os
“vanguardistas” tratava-se de operar um “confronto crítico com as diversas tradições
culturais que informam o artista”172. Mas o dilema “cosmopolitismo” versus
“xenofobia” sempre foi falso e não corresponde ao efetivo desenrolar do debate
estético-ideológico dos anos 60.
Caetano Veloso, que já fizera alguns shows musicais em Salvador, veio para o
sul do país por volta de 1965, acompanhando sua irmã, Maria Bethania. Em São Paulo
participou do espetáculo Arena Conta a Bahia, dirigido por Augusto Boal. Entre 1965 e
1966, Caetano foi um dos interlocutores no debate intelectual sobre música popular,
criando ainda de forma esparsa, algumas canções nas quais ficava clara a influência
seminal de Dorival Caymmi e João Gilberto (posição que foi muitas vezes explicitada
pelo próprio compositor). Sua canção Um dia recebeu prêmio de melhor letra no
Festival da TV Record de 1966, enquanto Boa Palavra se destacou no festival da TV
Excelsior, no mesmo ano. Caetano se tornou mais conhecido do grande público ao
longo de 1967. Num primeiro momento essa fama se deveu às suas aparições no
172Idem, p.41.
173Caetano Veloso e Edu Lobo se apróximaram desde 1965, quando Caetano veio para o sul e tomou
contato direto com Edu. Ambos circularam em torno do teatro engajado do Arena e do Opinião. Por
ocasião da radicalização da crítica de Caetano ao nacionalismo musical, por volta de 1967, o
relacionamento pessoal dos dois chegou a esfriar.
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programa Esta Noite se Improvisa, um quiz-show que colocava lado a lado dois ou
mais competidores, para testar a memória musical e a velocidade de criação musical.
Quase no final daquele ano, Caetano será o grande destaque do III Festival de MPB
da TV Record, defendendo sua composição Alegria Alegria.
Entre 1965 e 1967, Caetano foi gestando um conjunto de idéias básicas que só
se tornaram mais orgânicas em 1968. Em primeiro plano, havia uma clara tentativa de
afirmar um projeto cultural dentro das estruturas da indústria cultural, sem se prender
aos seus códigos vigentes. Esse projeto autoral implicava na incorporação crítica e
iconoclasta dos estilos e temas do nacional-popular tal como ele surgia em vários
setores das artes, reprocessados por um procedimento de vanguarda, que mais tarde
foi comparado à “antropofagia” osvaldiana (embora Caetano tenha sempre
relativizado a influência direta de Osvald de Andrade para o seu trabalho).
O arranjo tinha uma função especial para o projeto musical que se esboçava,
efetivando o procedimento de retalhação dos materiais sonoros que informavam o
artista, colocando-os como fragmentos independentes que ora “comentavam” a
109
110
175Idem, p.168
176Idem, p.279
177Idem, p.117
178Idem,p.118
179O título da canção é uma inversão de Inútil Paisagem, composta por Tom Jobim e Aloizio de Oliveira
que descreve uma subjetividade em crise, mas onde o eu-poético solitário está diante de uma paisagem
natural orgânica e exuberante. Na canção de Caetano, a subjetividade do eu-poético é diluída numa
paisagem urbana e fragmentada, onde a inorganicidade sugere a nostalgia.
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180Este segundo elemento constitutivo da crítica tropicalista, talvez o mais interessante, foi devidamente
esfumaçado nas comemorações dos 30 anos do Tropicalismo. Durante esta efeméride, o tom geral das
celebrações tornou-o simplesmente um marco na atualização do consumo cultural no Brasil. Sem o
contraponto da melancolia, elemento frequentemente assumido pelo próprio Caetano Veloso, o
Tropicalismo hoje em dia (1998) é saudado por amplos setores da mídia e da indústria cultural apenas
pelo seu humor exótico e descompromissado, despojado de toda a vontade crítica que lhe deu origem.
De crítica ideológica, ainda que fragmentada e plena de contradições, o Tropicalismo vem sendo
transformado em pura ideologia de uma “brasilidade” exótica, sensual e carnavalizada, precisamente
aquilo que ele problematizava.
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tem ficado em segundo plano, dominada pelo caráter integrador e festivo das
manifestações culturais. Por outro lado, certas correntes do nacional-popular lutavam,
na época, justamente contra a tendência ao exotismo, tentando definir outros padrões
de música popular que escapasse desta tradição. Portanto, o embate era mais
complexo do que mais tarde - após a Tropicália - se afirmaria.
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que não permite classificá-lo como “atrasado”. As diferenças estéticas e políticas entre
as duas correntes não devem ser colocadas nestes termos. O nacionalismo musical
de Edu Lobo tentava desenvolver, inicialmente, uma estilização moderna do material
cultural “arcaico” como base para encontrar a consciência nacional adormecida, e não
explicitar o choque do “arcaico” com o “moderno” como definidor da historicidade
brasileira.
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183Uma citação de Mario de Andrade, um dos teóricos preferidos de Edu Lobo, era particularmente cara
o compositor: “Uma arte nacional não faz com a escolha discricionária e diletante de elementos. Uma arte
nacional já está feita na inconsciência do povo (...) A reação contra o que é estrangeiro deve ser feita
espertalhonamente pela deformação e pela adaptação dele e não pela repulsa (...)Se a gente aceita como
um brasileiro só o excessivo característico caí num exotismo que é exótico até para nós”. M.Andrade.
Ensaio sobre música brasileira, p.16/27
184Faixa do LP A música de Edu Lobo por Edu Lobo, Elenco, 1964 (relançando em 1967)
114
115
Ao longo de sua meteórica ascensão na carreira que vai de meados dos anos
60 até o começo dos anos 70, quando praticamente se retirou da linha de frente do
show business musical do país, Edu Lobo tentou realizar as fases de construção do
nacionalismo musical, conforme as propostas de Mario de Andrade185:
O fator dramático, no caso de Edu Lobo, foi que as contradições geradas por
esta postura tinham como meio a nascente indústria cultural, lugar privilegiado de
afirmação da MPB. Ironicamente, as canções de Edu Lobo, vistas como clássicos que
harmonizaram qualidade e popularidade desta fase da música brasileira, acabarão na
vala comum da “canção de protesto” desqualificada pela crítica pós-Tropicalista, como
sinônimo de produto cultural atrasado e medíocre186.
185M.Andrade. Op.cit.
186Nesse sentido, reitero as palavras do professor Arnaldo Contier, quando afirma que o projeto de Mario
de Andrade, ao ser incorporado pela MPB, operado dentro dos limites da indústria cultural, foi “implodido”,
diluindo-se nas demandas por entretenimento da música popular. O desaparecimento de Edu Lobo do
cenário comercial da MPB, nos anos 70 (em que pese o prestígio e o respeito que sempre o
acompanhou), foi um dos sintomas desta “implosão”. A.Contier. Brasil Novo: Música, nação e
modernidade. p. 533
115
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Edu Lobo e Caetano Veloso, ao lado de Chico Buarque, Geraldo Vandré entre
outros, foram figuras centrais no debate estético ideológico que emergiu na era dos
festivais. Os dois primeiros foram protagonistas destacados, antagônicos e
complementares ao mesmo tempo, de um debate multipolar que acompanhou todo o
período histórico marcado por aqueles eventos.
116
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187O Festival de San Remo, realizado anualmente na cidade italiana homônima, surgiu em 1951 e se
consagrou nos anos 60 como a grande ponta de lança da indústria fonográfica italiana, ao mesmo tempo
que se tornou um importante evento televisivo. M.Gianotti. San Remo: fermate quell’ festival.
188Conforme depoimento de Solano Ribeiro concedido ao autor , em 27/02/97.
189A TV Excelsior de São Paulo, foi inaugurada em 1961, propriedade do Grupo Simonsen. Tinha uma
proposta ousada nas áreas de jornalismo e dramaturgia, tendo algum destaque na área de música. Foi à
falência em 1969.
190Reforçamos o alerta do professor Arnaldo Contier, que sugere uma maior atenção das futuras
pesquisas em relação ao problema das “parcerias” na música popular. A “parceria” de letristas e músicos,
são um elemento fundamental para entender as contradições e articulações das diversas possibilidades
que formam o cancioneiro e implicam no entrecruzamento de diversas séries culturais, ideológicas e
históricas, reunidas em uma só cancão. A.Contier. “Edu Lobo e Carlos Lyra...”. Op.cit., p.47.
117
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Mesmo sem poder contar com Solano Ribeiro, A TV Excelsior realizou outro
festival de música em junho de 1966, cuja vencedora foi a música Porta Estandarte,
composta por Geraldo Vandré e Fernando Lona, e interpretada pela cantora Tuca,
muito conhecida nos circuitos universitários. Esta canção seguia outra proposta: se
apropriar de um gênero musical popular, mas basicamente urbano e comercial - a
191 J.Medaglia. “Balanço da Bossa Nova” IN; A.Campos (org). Op.cit. p.67-124
192Conforme depoimento de Solano Ribeiro ao autor. Ver também a matéria: O inventor dos festivais.
Veja. 28/05/1968, p.65
118
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193A expressão “dia-que-virá” foi cunhada por Walnice Galvão, em 1968, para qualificar uma das figuras
poéticas recorrentes na MPB engajada. Naquele contexto, a MPB é duramente criticada pela autora,
acusada de não romper com os padrões escapistas das cançõe tradicionais, apesar de todas as
intenções críticas dos músicos. W.Galvão. “MMPB: uma análise ideológica” IN: Sacos de gatos (ensaios
críticos).
194 Se as cifras apresentadas pela revista Manchete estiverem corretas, o número de inscrições para o
festival foi impressionante, demonstrando a expectativa dos músicos para com este tipo de certame
(pessoalmente, acredito que estejam superdimensionadas). Cerca de 12.500 canções foram inscritas,
sendo que apenas 50 foram selecionadas para as eliminatórias (que deveriam ocorrer em São Paulo, Rio
de Janeiro, Recife, Ouro Preto e Porto Alegre). Destas, 12 canções foram à final.. Revista Manchete,
4/6/66,p.122-123
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120
Até setembro de 1966, O FIC estava ameaçado, já que os recursos oficiais não
eram suficientes para patrociná-lo. O Jornal do Brasil via outro motivo para o boicote
195Uma interessante biografia histórica do jovem Milton e do Clube da Esquina pode ser vista em :
M.Borges.Os sonhos não envelhecem.
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O público foi alvo de uma grande campanha publicitária prévia. Num tom
francamente exortativo, a revista Intervalo, preparava-o, estimulando a rivalidade
entre a MPB e a Jovem Guarda200. Os compositores de qualidade também
compartilhavam desta crença, fundamental, o que explica o impacto histórico dos
festivais. Edu Lobo, por exemplo, ao comentar a importância daquele festival para a
música brasileira, considerou que o Iêiêiê reavivou o espírito de pesquisa do
compositor brasileiro, que estaria acomodado às facilidades de compor (desde a
explosão da Bossa Nova)201.
198O Festival Internacional da Canção não deve ser confundido com um evento da TV Globo, embora
esta emissora tenha, sobretudo a partir de 1967, virtualmente, assumido o controle do evento. O FIC era
um festival organizado pela Secretaria de Turismo da Guanabara.
199As emissoras de rádio envolvidas eram (além da TV Record): Record e Pan-Americana, de São Paulo
Excelsior e Nacional do Rio de Janeiro; Gaúcha, de Porto Alegre; Clube Paranaense, de Curitiba; Jornal
do Commercio, Recife; Cruzeiro, de Salvador; Itatiaia, de Belo Horizonte
200Intervalo, 189, 21 a 27/08/1966, p.14
201Intervalo, 197, 11 a 17/09/1966, p. 15
122
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difuso, pouco estruturado, mas com um potencial de criação e consumo muito grande
(como já fora percebido desde o espetáculo Opinião e os shows estudantis de São
Paulo).
A estrutura básica, que se repetiria até o fim dos festivais da Record (em 1969)
era simples: 3 eliminatórias e 1 finalíssima, todas realizadas em São Paulo.
123
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204Necessariamente, este último aspecto não indica uma “fraude” no certame, mas um componente do
campo simbólico que organiza o próprio critério de apreciação e julgamento. Conforme P. Bordieu. As
Regras da Arte.p.193-196
205Lembramos que Orlando Silva foi um dos primeiros fenômenos de massa da canção brasileira,
possuindo grande popularidade entre meados dos anos 30 e 50. Com a Bossa Nova e o predomínio da
Televisão, este e outros cantores da “velha guarda” viram seus espaços bastante reduzidos, devido à
mudança nas demandas da indústria fonográfica e nos hábitos de consumo da principal fatia do mercado.
206Existe um LP do selo Artistas Unidos, empresa subsidiária da Tv Record de S.Paulo, intitulado Viva o
Festival da Música Popular Brasileira . Este LP contém as músicas finalistas citadas, mas por uma
questão de contrato de exclusividade com suas gravadoras Jair Rodrigues, Roberto Carlos e Elza Soares
foram substituídos por outros intérpretes.
124
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207Os videotapes das eliminatórias estão perdidos. Restam, apenas, os registros das finalíssimas dos
quatro festivais (1966 a 1969) no Arquivo de Imagens da TV Record de S.Paulo.
208Jair Rodrigues, ao lado de Elis Regina, podem ser considerados os primeiros cantores da TV
brasileira, no sentido de que sua performance fora pensada especialmente para esse meio. Conforme J.
E. Homem de Mello. Op.cit., p.179
209Formado por Theo de Barros, Heraldo do Monte, Airto Moreira e Hermeto Paschoal
210Além disso, a apresentação desta canção proporcionou uma cena síntese das contradições do
período: O percussionista do Quarteto, vestido com smoking percutindo uma queixada de burro. Uma
imagem contrastante, que a alegoria tropicalista tanto irá explorar. Imagem síntese de um evento
televisivo, que oscilava entre a pompa de um concerto e o entusiasmo de um programa de auditório.
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211Um dos poucos vídeos que restaram no Arquivo da TV Record confirma esse apelido. Em um dos
programas, a falta de empatia dos dois cantores com as regras da performance televisiva era tamanha
que a direção de TV tentou desviar a atenção dos telespectadores para os cenários, fixando muito pouco
a camera no rosto dos astros principais. Só que o cenário era composto por aves tropicais colocadas em
gaiolas enormes, alvos de constantes closes, enquanto se ouvia A Banda em dueto. Essa tentativa de
criar um clima de parque de interior quase se transformou num evento tropicalista avant-la-lettre.
212H.Werneck. “Gol de Letras” IN: Chico Buarque: letra e música. Vol.1 , p.76
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justamente quando o meio televisual tentava racionalizar o uso dos seus astros e
direcioná-los para programas previamente estudados. Mais do que a “timidez” de
Chico e Nara ou a “agressividade” de Vandré, as razões para essa inadequação
devem ser buscadas no limite que os próprios programas impunham. Dada as
dificuldades de se organizar um programa ao vivo com platéia, a tentativa de colocar a
MPB dentro de um estúdio frio e calculado parecia fracassar. A mística dos seus
astros, forjada no clima exaltado das platéias do Fino da Bossa e dos Festivais
nascentes parecia perder o encanto. Sua identidade estava lastreada numa
determinada performance de palco e platéia que mimetizava a efervescência do show
estudantil, ethos originário da MPB renovada. Obviamente, na relação do ouvinte com
o fonograma gravado se colocavam outras mediações, outros comportamentos de
escuta musical, que não dependiam de performances ao vivo. De qualquer forma, as
performances ao vivo remontavam à tradição dos grandes espetáculos teatrais que
impulsionaram o sucesso da MPB entre o público estudantil. Os Festivais realizavam o
elo, articulado a partir da linguagem da TV, entre a performance viva dos palcos e a
audição privada dos fonogramas (não obstante, é bom lembrar que o disco mais
vendido de MPB até 1966 era um disco gravado ao vivo, o Dois na bossa vol.1, com
Jair Rodrigues e Elis Regina).
213Eyerman, R. et alli. “Social Movements and cultural transformations: popular music in the 1960’s”.
Op.cit. p.458
214O conceito de mediabilidade (mediability) é importante para averiguar a forma que um determinado
público assimila os produtos culturais. Não que as mediações estejam ausentes de uma apresentação ao
vivo de música, por exemplo, mas o incremento técnico e social das mídias , que explodiu no final dos
anos 60 criou um novo patamar de mediabilidade, inseparável da cultura “jovem” que se formou em torno
da música popular. No Brasil, o Tropicalismo foi, em parte, fruto desta tendência. Ver Eyerman, R et alli.
Op. Cit., p.454; J.Rodnitzky. “Popular Music as politics and protest” IN: K.Bindas (ed.). America’s musical
pulse. p.3-12
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215 Para uma análise mais detalhada da obra poética de Chico Buarque, ver A.B.Meneses. Desenho
Mágico. Poesia e política em Chico Buarque.
216Alguns depoimentos atestam que o empate entre A Banda e Disparada foi um arranjo negociado por
Paulo Machado de Carvalho, como uma forma de valorizar as duas músicas e não desgastar a
organização do festival. Na verdade, o juri teria escolhido uma das canções (A Banda???), mas os
envelopes não chegaram ao conhecimento do público. Em depoimento ao autor deste trabalho Zuza
Homem de Mello, confirma a versão: “Não houve empate. Umas das músicas venceu. Paulo Machado
interviu. (Depoimento de J.E.Homem de Mello ao autor, concedido em 28/08/97).
217A gravadora RGE permitiu a gravação da Philips, desautorizando a gravação do Quarteto em Cy e
dos Cariocas. Numa atitude aparentemente estranha, a RGE exigia que fosse pedida uma autorização
formal, mesmo abrindo mão dos direitos. Esta decisão pode ser explicada na medida em que o nome do
estreante Chico Buarque de Hollanda seria impulsionado, prometendo lucros futuros.
218Nesta altura a Philips já consolidava sua posição como a grande empresa da indústria fonográfica no
Brasil, ao lado da CBS (de Roberto Carlos e da maior parte dos “cartazes” da Jovem Guarda).
219Depoimento de G.Vandré. J.E.Homem de Mello. OP.cit. , p.128
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Estácio”, nas palavras de Carlos Sandroni), uma vertente então negligenciada pela
Bossa Nova 229. Não foi por coincidência que ambos foram muito bem recebidos por
faixas mais amplas do público, que até então talvez não consumissem a moderna
MPB. Elis e Chico, por caminhos diferentes, ampliaram o campo de penetração social
da MPB, tornando-a definitivamente um sucesso popularizado que rompia os limites
do público estritamente jovem e universitário. Aliás, a exata dimensão da popularidade
de Chico Buarque nos anos 60 ainda está por ser pesquisado. Alguns indícios são
impressionantes: conforme os dados, já citados, do Ibope/SP, entre 1966 e 1968,
Chico será um dos maiores vendedores de LPs, só perdendo para Roberto Carlos e
para os Beatles. Na vendagem de compactos simples e duplos, indicadores de uma
faixa de consumo de baixo poder aquisitivo, suas principais canções sempre estiveram
entre as 10 mais vendidas. Além destes dados numéricos, é notável o número de
homenagens oficiais e exemplos de idolatria popular, que caracterizou a “chicolatria”,
incluindo as cidades do interior e as capitais menores fora do eixo Rio-SP.
229Os músicos de BN estavam mais próximos de Ary Barroso, Dorival Caymmi e, no caso de João
Gilberto, nas síncopas de Geraldo Pereira. Os contornos melódicos de Noel, mais sinuosos, à base de
frases mais longas , e suas crônicas poéticas, a base de narrativas rebuscadas, não chegaram a ser,
estruturalmente, exploradas pela BN
230Esta articulação pode ser exemplificada na discussão entre Vandré e Caetano, na qual o primeiro
insiste que os baianos não deveriam alterar a linha mestra da canção engajada, via Tropicalismo, pois o
mercado brasileiro só teria espaço para um grande movimento musical por vez, o qual, por questões
políticas (sic!!!) deveria ser capitaneado pelo tipo de música que ele, Vandré, estava fazendo: canções
“conscientizadoras das massas”. Ver C.Veloso.Verdade..., p. 282
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seu talento. Para Vandré, o sucesso e a aceitação do público nunca foi línear e sua
imagem pessoal não muito assimilável pela mídia televisual. Se Elis Regina deu o
primeiro grande salto de popularidade para a MPB, Vandré e Chico podem ser
considerados como os consolidadores desta popularidade no plano composicional.
231Sobre este aspecto Caetano Veloso comentou, mais tarde: “A ‘Banda’ era claramente uma obra
menor de Chico Buarque. No seu compacto de estréia ele tinha lançado duas obras primas- ‘Pedro
Pedreiro’ e ‘Sonho de um carnaval’- diante das quais essa marchinha parecia o trabalho de uma criança.
Se ‘Pedro Pedreiro’, um marco na equação do problema participação versus qualidade estética, se
tornara um sucesso imediato entre os estudantes que frequentavam os shows universitários de São Paulo
e interessava (como vim saber depois) aos formalistas da poesia concreta, ‘Sonho de um carnaval’ (...)
deliciava joaogilbertianos (inclusive o próprio João Gilberto) e samba-jazzistas, além de agradas
tradicionalistas do samba carioca (...) Já a ‘Banda’, se podia servir como porta de entrada num mercado
mais amplo via TV, ou como massificação da atmosfera lírica da persona pública de Chico, não
representava o alto nível de sofisticação composicional de sua produção.” ( Idem, p.175)
232H. Werneck. “Gol de letras”. Op.cit. p.73
233Idem, p.75
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Antes que esta tendência se confirmasse, no final da década de 60, Vandré foi
um dos mais ativos protagonistas no panorama musical brasileiro. Os conflitos com
executivos, diretores e outros artistas (principalmente com Caetano Veloso), foram
inúmeros. Seu nome esteve envolvido em polêmicas como, por exemplo, sobre a
manipulacão de torcidas durante os festivais. Num certo sentido, Vandré sintetizou as
contradições da realização da canção engajada no mercado. Neste projeto, o cantador
234Em declarações recentes Vandré vem desmentindo que tenha ficado “louco” ou tenha sido “torturado”.
Revista Vip / Exame, 119, março/95, 52-57
134
135
Com a canção Disparada este projeto pareceu migrar das formas nordestinas,
misturadas ao samba-jazz, para a moda-de-viola. Em 1968, Vandré deslocou seus
interesses para a guaraña, gênero que marcou seu álbum Canto Geral (analisado no
capítulo 6). A busca constante de referências musicais e culturais revelava as
vicissitudes de um artista que, mais do que outros, incorporou a tarefa de criação de
uma canção “de massa”, engajada e exortativa, dentro das estruturas do mercado.
Esta tarefa era incrementada pela radicalização do quadro político do país, que
parecia impregnar o trabalho de Vandré mais do que o de outros músicos.
Até 1966, Nara Leão era o grande referencial musical da resistência cultural ao
regime As polêmicas declarações de Nara Leão contra o Exército brasileiro, no jornal
Diário de Notícias em maio de 1966, podem ser vistas como o auge da sua
“militância”, percebida pela seleção de repertório para os álbuns O canto livre de Nara
(Philips, 1965) , Nara Pede passagem (Philips, 1966), Manhã de Liberdade (Philips,
135
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1967). Apesar dos repertórios serem pautados por sambas e gêneros nordestinos de
temática social o tratamento irá variar de álbum para álbum: por exemplo, no LP de
1966, predominam os timbres de “morro”, numa clara referência ao estilo “Rosas de
Ouro”. Já no álbum de 1967, os arranjos são extremamente elaborados, com
exploração de contrapontos em timbres de madeira que parecem voltar ao paradigma
BN. Por esta riqueza de repertório e tratamento, a obra de Nara Leão é uma síntese
das questões em jogo nos anos 60 e merece um estudo à parte.
136
137
237O Encontro da Jovem Guarda teve sua final em Belo Horizonte e foi, na verdade, uma competição de
cantores e bandas de Jovem Guarda. Sem dúvida uma tentativa de responder à fórmula “festival”, que
lastreava a MPB. Jornal da Tarde , 17/10/1966,p.8
238Jornal do Brasil, 12/10/1966, p.5
239“Música brasileira ganhou do iêiêiê”. Folha de S.Paulo, 11/10, 6/1º
137
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240Processo semelhante ocorreu na sociedade norte-americana, nos anos 60, com a diferença que, lá,
os motes principais eram os direitos civis, seguidos da luta contra a Guerra do Vietnã. Eyerman, R et alli.
“Social movements and cultural transformation...”. Op.cit.
241 Michael Chanan analisa a relação entre compositores e público na constituição de uma esfera pública
na qual as identidades, culturais e políticas, são construidas e socializadas. M.Chanan. From Haendel to
Hendrix. The composer in the public sphere.
242Nos momentos de reorganização do campo artístico, a legitimação através de outros campos, como o
da imprensa, dos intelectuais e do campo político, é decisivo, para a sua definição. P.Bourdieu. As Regras
da Arte. p.233/235
243Jornal do Brasil, 27/10/1966, B-3
244Idem,ib.
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momento instituínte, representado pelo ciclo dos festivais, traduz alguns aspectos
relevantes do período.
250Idem, p. 205
251N.Kalil. “Nova Escola do Samba”. Revista Realidade, ano I, 8, nov.1966, p.116-125
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- Popularidade de astros da nova canção, como Edu Lobo, Chico Buarque, Vinícius de
Moraes, Nara Leão, Elis Regina, Jair Rodrigues.
Na mesma reportagem, Chico Buarque resumia sua receita para uma boa
música254: o compositor deveria ser participante, portando uma mensagem
consciente sobre seu tempo; a música popular deveria voltar às raízes; a música
popular não deveria fazer protesto “intencional”, pois corre o risco de ser vazia, chata,
passiva e queixosa; a temática poderia ser subjetiva mas nunca egoísta, conciliando
simplicidade com qualidade. Assim, Chico Buarque não só definia os seus parâmetros
de apreciação, mas sintetizava as expectativas do público em relação aos festivais da
canção como um todo.
252Note-se que o ano de 1962 era visto pelos músicos nacionalistas como um marco na crise da BN,
coincidindo com sua assimilação pelo mercado norte-americano, tornando-se uma subsidiária do jazz. Na
época em discussão (1965/1966) havia um movimento ideológico para recuperar o papel histórico
“original” da BN anterior ao evento do Carnegie Hall.
253N.Kalil. “Nova escola do Samba”. p.121
254Idem, p.116-125
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campeonato interessante, mas a vibração popular, ainda viva, contém uma certa dose
de mistério. Vi a noite final pela televisão-essa estranha máquina dentro da qual tudo
pode acontecer e geralmente acontece. E fiquei sem saber se devemos creditar o
entusiasmo à canção ou à televisão. Ou à ambas?(...)Tudo isso me leva à uma
autocrítica. Tenho um preconceito contra a televisão. Mas é ali, é no vídeo , que se
tem uma idéia profunda de qualquer coisa muito importante. A televisão é uma
esfinge. Ou deciframos ou ela nos devora” 255.
142
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143
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CAPÍTULO 4:
Além disso, o clima político do país se tornava mais complexo: mesmo com a
institucionalização do regime militar256, aumentava a sensação, por parte dos setores
engajados, de que a insatisfação da sociedade em relação à ditadura avançara desde
o golpe. O movimento estudantil tinha um espaço de atuação considerável e cada vez
mais radicalizava suas palavras de ordem; a crise na esquerda ortodoxa, representada
sobretudo pelo PCB, abriu novas perspectivas de ação, fazendo crescer os adeptos da
luta armada; entre os liberais, a Frente Ampla (que reunia Carlos Lacerda e Juscelino
Kubitschek, agora na oposição) criada em fins de 1966, acenava com a possibilidade
das elites políticas e econômicas retomarem a hegemonia do processo de
redemocratização do país. Este clima político ideológico, num certo sentido otimista,
apesar do regime autoritário, não pode ser desconsiderado se quisermos compreender
256A Lei de Imprensa, a Lei de Segurança Nacional e a nova Constituição, todas do começo de 1967, são exemplos
desse processo de institucionalização do regime militar. J.R. Martins Fo. O palácio e a caserna.
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O primeiro argumento do manifesto era comercial: “Aos que dizem que o Iê-Iê-
Iê está morrendo aconselhamos a ouvir mais rádio e ver mais programas de TV, onde
verificarão que 90% das músicas apresentadas são do Iê-Iê-Iê. Procurem as
gravadoras e vocês saberão que 90% do que vende discos é música da juventude.
Perguntem aos empresários e eles dirão que 90% dos pedidos que recebem para os
shows são de música jovem...
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como vem sendo até então. Não queremos ganhar festivais nem ser chamados de
geniais. Queremos sim que o povo cante conosco”259.
Portanto, apesar das bravatas de lado a lado, nem os festivais se fecharam aos
cantores de Iêiêiê (até porque seus nomes angariavam um novo público para o
evento), nem os cantores desprezavam a participação nos territórios culturais da MPB,
uma forma de reconhecimento e resignação diante da hierarquia cultural que se
cristalizava no panorama musical.
Mas logo surgiu uma terceira via neste embate. Num depoimento de agosto de
1967, Caetano Veloso enfatizava a necessidade de superar os impasses sem cair nas
armadilhas da tradição musical ou da indústria cultural, transitando conscientemente
entre uma e outra: “O que a gente chama de música popular hoje , está ligado à
tradição nacional popular, mas se industrializou e se transformou numa coisa que não
é mais música popular, nesse sentido de música rural ou mesmo de folclore urbano,
como existe no Rio de Janeiro o samba de morro,etc. Mas é uma música de todas as
classes, e de classe nenhuma, é uma música vulgar, é um produto para consumo
geral. A arte que a gente faz é a arte do disco, isso é que é uma coisa, e nesse lugar
está a música do nosso tempo. (...) acho que a vulgarização da música, ela ter sido
transformada em produto, fez dela uma outra coisa que já é vista de uma outra
147
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maneira e daí é que sai alguma coisa (...) É sob o signo do produto que a música está
existindo” 260.
A escolha dos nomes dos intérpretes, seria feita a partir de um acordo entre
compositores e a direção do festival. A TV Record tinha interesse em alavancar a
carreira do seu cast, incluindo nomes como Hebe Camargo, Agnaldo Rayol e outros
intérpretes com muito potencial que poderiam ser aproveitados num futuro próximo,
como Marcia e Yvete. A gravadora Rozemblit, por exemplo, estava diretamente ligada
à TV Record, interferindo na escolha dos nomes dos intérpretes262.
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264A exclusividade de contrato de intérprete, uma das condições de participação no festival, também gerou muitos
conflitos. Um deles assumiu ares de polêmica, ganhando as manchetes dos jornais. Envolveu a cantora Maria Creuza,
estreante de muito potencial no mercado, o compositor Antônio Carlos Pinto (autor da composição Festa no Terreiro
de Alaketu que seria defendida pela cantora), Maurício Lima, procurador dos dois e o poderoso empresário Marcos
Lázaro. Os dois artistas, o compositor e a cantora já haviam assinado contrato com a Odeon por dois anos, e se
sentiram coagidos pela emissora e pelos organizadores do festival que, segundo eles, exigiram exclusividade no
contrato com os artistas, arvorando-se como “donos” da MPB. Para Paulo Machado de Carvalho, a contratação de
Maria Creuza era um “direito” da Record, que a trouxe da Bahia e a promoveu. Marcos Lázaro, por sua vez, negou a
exigência de Maurício de Lima que solicitava a contratação do compositor Antonio Carlos, o que fugia à política da
emissora. O conflito chegou a tal ponto que foi vislumbrada a possibilidade de exclusão da música defendida por
Maria Creuza. “Mais protestos contra o festival”. FSP, 28/09/67.
265Diferente de 1966, quando o festival só recebeu grande destaque na imprensa por ocasião da finalíssima, o III
Festival foi notícia mesmo antes de começar, denotando um papel ativo da imprensa na institucionalização da MPB,
não só registrando os fatos mas estimulando polêmicas e sistematizando posições estéticas e ideológicas em jogo.
266“Música popular abre o festival”. O Estado de S.Paulo, 23/09/67, p.12
267FSP, 30/09/1967
268Fato que já havia ocorrido no I FIC, quando Nana venceu com Saveiros.
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Para esta eliminatória, a “turma do Iêiêiê” foi acusada de ter formado uma
torcida própria. Carlos Imperial teria levado 200 torcedores para aplaudir sua
composição defendida por Ronnie Von, a balada romântica composta por ele, Uma
dúzia de rosas. A claque tinha o objetivo de neutralizar as vaias da “linha dura”
nacionalista da música popular, como as que receberam Roberto Carlos e Demetrius,
na primeira eliminatória269. De qualquer forma, Carlos Imperial se dizia satisfeito,
mesmo não se classificando: “Já me considero vencedor desse festival. Posso não ser
classificado mas isso não tem a menor importância. Estou tranquilo. O que interessa é
a grana. E ‘Uma dúzia de rosas’ já vendeu 90 mil”270.
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A emissora acusou Vandré de ter comprado 700 ingressos para sua “torcida”,
fato que explicaria o comportamento agressivo da platéia em relação a quase todos os
outros artistas. O compositor se defendeu, declarando: “Eu comprei dez ingressos
para cada eliminatória. E o pessoal da Record é testemunha disso, pois eu paguei
com vales de um dinheiro que a emissora me devia. É inacreditável que ainda se
pense em torcidas de auditório compradas como nos tempos de Emilinha e Marlene.
Eu acredito mesmo na canção que é apresentada. Isso é que vale”274
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fazenda. As vezes sente até saudades de uma roça que só conhece dos casos
contados pelo avô. Aí é que se identificam com as minhas músicas”275
Erasmo Carlos era acusado de estar “incorerente consigo mesmo, canta numa
linguagem de protesto corajosa [ Capoeirada] . Com tudo isto não vai escapar da linha
dura”278. Erasmo e Carlos Imperial eram considerados pela imprensa os “teóricos do
Iêiêiê”: classificada por alguns setores como uma “anomalia subcultural”279. Os
prognósticos gerais anunciavam aplausos para Vandré e Sérgio Ricardo e vaias para
Hebe Camargo, Agnaldo Rayol e Caetano Veloso: “Os dois primeiros por estarem
comprometidos com o comercial, fácil, popularesco, submúsica (...) Há muito de
político nesse festival, pela primeira vez a coisa não parece festiva (...) A linha dura
também não perdoará Caetano que escudado na teoria discutível do ‘som universal’
cantará “Alegria...” fazendo ‘frente ampla’ com o Iêiêiê (...) Veloso acima de tudo é um
bom compositor”280
O caso de Alegria, Alegria, que entrou para a mitologia dos festivais como um
momento de confronto com as preferências da platéia “estudantil e de esquerda” deve
ser analisado com cuidado, pois vem representando um dos grandes mitos
historiográficos da MPB.
275Idem,ib.
276FSP, 11/10/67, p.2/3
277Idem, ib.
278“Uma noite de contrastes”. FSP, 14/10/67,p.2/3
279Idem,ib.
280Idem,ib.
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Ao entrar no palco Os Beat Boys foram recebidos com uma sonora vaia.
Caetano Veloso entrou logo em seguida, assumindo um ar interrogativo, acabou
recebendo alguns aplausos. No decorrer da música, conseguiu se impor e terminou
como o mais aplaudido entre os artistas da noite281. A “comunicabilidade” de Alegria
terminou por se impor ao preconceito da platéia para com as cabeleiras e as guitarras
elétricas. Conforme o próprio Caetano, ao comentar as vaias iniciais: “Não podia
deixar de ser assim. Os ‘Beat Boys’ apareceram com aquelas cabeleiras enormes e
ainda por cima , roupa vermelha. Eu já sabia disso e ao ser recebido com a vaia não
me impressionei. Insisti em me fazer ouvir e acabei transmitindo a minha mensagem.
Eu nem esperava, mas eles entenderam logo. É só a gente dizer as coisas de forma
clara que eles entendem logo”282.
Na esperada finalíssima, o clima era ainda mais tenso, como relatou Sérgio
Ricardo, em suas memórias: “Naquela noite eu senti que a nossa música popular
começava a perder o seu rumo (...) A vaia comia solta. Vivíamos sob o signo de uma
cruel ditadura militar. Mesmo assim eu não via razão para aquele distanciamento entre
meus colegas. Pelos camarins uma clima que eu jamais observara no meu convívio
com eles. Mesmo sendo um dos concorrentes, tenso e inseguro como todos eu não
encontrava justificativa para tamanha clausura (...) Jair Rodrigues, Elis Regina, MPB4,
Chico Buarque e tantos outros, que se caracterizavam por seu humor expansivo,
alegre, brincalhão, não podiam ser, com certeza, responsáveis por aquele clima.
Alguma coisa desconhecida por mim estava ali nos fazendo de marionetes (...)
Isolados em seus camarins , os mais requisitados só punham a cara de fora para fotos
e papos com repórteres ou contatos cochichados com seus empresários (...) Parecia
que algo nos transformara em animais, colocados ali, em concentração, cada qual em
sua raia, à espera do sinal de largada para uma disputa pelo primeiro lugar. Pela
primeira vez me senti deslocado entre colegas (...) Não conseguia ler em nenhum
daqueles olhares o sentido de aventura emocionante em que havíamos mergulhado
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(...) Era o primeiro Festival de que eu participava e com certeza não me dera conta de
que a ética já devesse ser outra”283.
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285A canção termina com a cena do crime passional, que expressa a ação inconsequente de José matando seu amigo
e sua amada: “olha a faca / olha o sangue na mão - ê José / Juliana no chão - ê José / outro corpo caído - ê José / seu
amigo João - ê José / Amanhã não tem feira - ê José / Não tem mais confusão - ê João / não tem mais brincadeira -ê
José / não tem mais confusão - ê João...
286 Intervalo, 252, p.12-15
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representado pelo cantor baiano, consolidada ao longo das polêmicas causadas pelo
Tropicalismo em 1968, setores da imprensa destacavam que o incompreendido fora
Sérgio Ricardo, que teria agredido o código vigente na platéia: “O mesmo público que
vaiou Sérgio Ricardo aplaudiu ‘Alegria Alegria’, uma música que reflete a alienação de
todo um povo”290
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292A.Campos. “Festival de Viola e Violência” IN: A.Campos (org). Op.cit., 125-132 (originalmente publicado no
Correio da Manhã, 26/10/67)
293Idem,ib.p.128
294Como é sabido, este projeto não vingou, ainda que tenha se esboçado uma corrente de “vanguarda” ao longo dos
anos 70. Curioso notar que, o mesmo movimento decantado pelos concretistas - o Tropicalismo - abriu-se tanto para
novas possibilidades estéticas (ao assumir um procedimento consciente de pesquisa formalista) quanto comerciais
(ao incorporar o material musical ultrapassado, mas de ampla aceitação popular).
158
159
tornada possível pelo clima de paixão em que transcorre o campeonato. Ronnie Von,
uma agradável surpresa como intérprete de ‘Uma dúzia de Rosas’ quase abandonou o
palco diante da ferocidade do público. Outra injustiça foi a canção ‘Belinha’ já
desclassificada, é singela, romântica e fácil de assobiar. Outro que recebeu vaias foi
Jair Rodrigues, não por si, mas por causa da música que cantou (...) [No caso de Nana
Caymmi] “O público a considera antipática (...) Se quiser continuar diante do público
Nana tem obrigação de melhorar com urgência sua imagem , de criar um tipo que será
em seguida, proposto e imposto. Falta-lhe um empresário ou, quem sabe, uma boa
dose de humildade”295
159
160
Uma das principais polêmicas relacionada às vaias foi a questão das “torcidas
organizadas”. Como parte da estratégia de promoção de suas músicas, muitos artistas
foram acusados de levar grupos pagos para aplaudir suas canções e vaiar as
concorrentes. Ainda que este fato tenha sido exagerado pela imprensa, pois sempre
foi negado pelos artistas envolvidos, é revelador dos eixos estruturais do espetáculo,
tensionados entre a busca da inovação estética e da comunicabilidade popular. A
pressão destas duas demandas, qualidade e popularidade, era o grande impasse do
momento. As expectativas em torno do Festival sugeriam uma competição à base de
qualidade, mas, paradoxalmente, o evento se realizava no plano da popularidade e da
comunicabilidade. As vaias eram o termômetro, nem sempre coerente, deste difícil
jogo de opostos.
297Idem,ib.
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162
Por outro lado, o III Festival representou o auge criativo de um tipo de MPB, tal
qual tinha sido forjada a partir de espetáculos teatrais, como o Opinião e por
programas de TV, como o Fino da Bossa. Mas, ao mesmo tempo, demonstrava uma
vontade generalizada de incorporar novos temas e materiais, por parte dos músicos
mais importantes. Esta tendência se chocava com o conservadorismo dos
organizadores. Estes faziam questão de frisar que, para concorrer no certame, só
seriam aceitas “músicas com gêneros brasileiros convencionados de raiz -samba,
baião, maxixe, frevo, marcha, moda de viola, valsinha, choro- e o iê-iê-iê nacional não
tem vez” 303.
162
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Mas nem sempre o mapeamento das tendências feito pela crítica musical de
época era confirmado pelos artistas. Se por um lado, Gil e Caetano eram mostrados
como parte de uma tendência generalizada, de cantar o “coletivo”, por outro lado, nas
entrevistas, tanto dos compositores, como de Guilherme Araújo (empresário dos
baianos) eles eram mostrados como aqueles que estavam realizando a abertura da
MPB às influências estrangeiras. Guilherme Araújo lançava a proposta do “som
universal”, para demarcar a nova tendência. O empresário, provocativamente, preferia
utilizar-se da expressão “música feita no Brasil” e não MPB, que era portadora de um
peso ideológico específico: “Ele [Guilherme Araújo],Gil e Caetano descobriram que era
preciso acabar com os preconceitos musicais, porque só assim conseguiremos
realizar um trabalho com nível mais alto e de maior comunicação com o público”308.
Chamando a “linha dura” de ‘precursores do passado’, Guilherme Araújo completou:
“Não há música de um país ou de outro, e sim um ‘som universal’309. Habilidoso,
Araújo percebia que o desgaste da Jovem Guarda deixaria, mais cedo ou mais tarde,
uma lacuna no mercado de música jovem, que poderia ser ocupada pelos “baianos”,
desde que eles consolidassem uma imagem assimilável junto à juventude
despolitizada, mas ansiosa por modernidade, alheia às questões nacional-populares
veiculadas pela MPB310. Consolidava-se a percepção entre artistas e executivos que
esta categoria sócio-etária era a grande reserva de consumo de música e sua
assimilação dos temas sociais mais relevantes se dava cada vez mais através da
mídia, ao menos entre os segmentos de classe média.
306Até então, Domingo no Parque não era vista, pela maioria das opiniões, como sinal de uma ruptura estética com
a canção nacionalista, mas a confirmação de uma tendência mais ampla e engajada.
307Idem,ib.
308FSP, 12/10/67
309idem, ib.
310Efetivamente, em 1968, após o fim do programa Jovem Guarda , a estratégia do empresário era fazer de Caetano
Veloso, o novo “ídolo jovem”, em contraponto à sisudez da MPB. As polêmicas em torno do Tropicalismo foram
infladas por esta estratégia de confronto por disputa de mercado.
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- Maria, Carnaval e Cinzas: A canção de autoria de Luis Carlos Paraná foi o maior
sucesso de vendas do Festival. Roberto Carlos, livre da “rebeldia” um tanto postiça do
Iêiêiê, ficou à vontade para imprimir um tom romântico ao samba “participante”, que
narra as desventuras de uma “Maria” pobre, que vive e morre no espaço de um
carnaval. A incorporação do tema “engajado” por um artista “alienado” era expressão
da perda de fôlego comercial da própria Jovem Guarda, um campo musical cada vez
mais cerceado e sem perspectivas de longo prazo. Percebendo que o filão principal da
indústria fonográfica - não necessariamente aquele que vendia mais, mas aquele que
movimentava a maior parte das forças produtivas desta indústria - estava se voltando
para a MPB, compositores e intérpretes buscavam redefinir seu espaço de atuação.
No caso em questão, faltava a Roberto Carlos, o capital simbólico para interferir na
formulação dos padrões deste último campo em formação. Boa parte do público de
313As tendências de “gosto” musical consolidadas no III Festival, podem ser consideradas como determinantes até o
início dos anos 90, quando a hierarquia e o estatuto da MPB sofreu uma nova mudança, com a dinamização de
tendências de consumo popular como o sertanejo, o pagode e a axé-music .
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- Ponteio: para Edu Lobo não faltavam nem competência técnica, nem capital
simbólico, pois ele era reconhecido, naquele momento, como o principal compositor de
MPB (ao lado de Chico Buarque). Mas Edu Lobo nunca tinha sido vendedor
expressivo de discos314, nem era dotado de uma personalidade afinada com as
exigências de culto à personalidade e sensacionalismo da mídia. De qualquer modo,
estruturalmente falando, Ponteio era a tentativa mais ousada para “abrir os caminhos”
da MPB, sem perder de vista o projeto de canção nacional-popular. Na tentativa de
desligar-se do samba, como a única fonte para este gênero musical, Edu Lobo buscou
inspiração num material folclórico mais bruto. Aplicou um tratamento a esse material
com base na competência técnico-musical, conseguindo um resultado final simples e
de fácil assimilação. Ponteio, no campo da música popular, talvez tenha sido a
realização máxima do projeto estético de Mario de Andrade.
- Beto Bom de Bola: partindo de um gênero pouco utilizado nos festivais - o choro.
Sérgio Ricardo tentou inovar, no tema e na estrutura musical. Como Vandré, urbanizou
o herói do povo, um jogador de futebol em decadência, explorado pelo “sistema”, mas
que tenta afirmar sua dignidade humana (dizia-se inspirado na vida de Mané
Garrincha). Porém, no fator “comunicabilidade”, grande quesito para a avaliação
pública da música de festival, Sérgio Ricardo falhou. Mas não se pode acusá-lo de se
prender a uma fórmula musical gasta. Ao contrário, Beto Bom de Bola perdeu em
comunicabilidade porque tentou avançar no código vigente, ainda que seu resultado
final não tenha sido satisfatório. Uma letra longa, de métrica irregular, alternada com
um trecho de fala, apoiava-se numa melodia de contornos difíceis, com o repouso
sendo conseguido em intervalos nada óbvios, estruturados em harmonias complexas,
tendo em vista os padrões de festival. Com as dificuldades das performances ao vivo,
nem o competente Quarteto Novo conseguiu garantir uma boa base músical. Sem
recursos tecnológicos suficientes, a música apresentada ao vivo não conseguiu fazer
jus à sua complexidade e se perdeu na massa sonora em meio a qual os músicos não
conseguiam ouvir uns aos outros315.
314Das cinco vencedoras do festival, Ponteio foi uma das que vendeu menos, não correspondendo à sua boa
aceitação pelo auditório. Conforme Pesquisa Semanal sobre vendas de discos. IBOPE, São Paulo (Arquivo Edgar
Leuenroth/ IFCH/ Unicamp)
315Conforme depoimento de Zuza Homem de Mello (na época responsável técnico pelo ‘som’ dos festivais da
Record) ao autor.
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316G.Mendes. “De como a MPB perdeu a direção....). IN: A. Campos (org).Op.cit., p.133
317idem, ib. p.137
318 A. Campos, “O passo a frente de Caetano e Gil” IN: Campos, A (org).Op.cit., p. 143. (Publicado originalmente
no jornal Correio da Manhã, 19/11/67).
319idem, ib., p.145
320 A. Campos. “A explosão de Alegria Alegria” IN: A. Campos (org). Op.cit., p.153 (Publicado originalmente
n’OESP, 25/11/67)
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321Idem, ib.,p.156
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é traída pelo público; este já tem outras necessidades e identifica nela uma repetição.
Há bons exemplos de experiências assim, frustadas, no III Festival de MPB da TV
Recorde. E tem aquela música também feita para festival, mas com inteligência. Ela
ignora os protótipos e, sendo estimulada pela existência de festival, não se propõe
apenas a satisfazer o gosto popular. Vai além, quer formar este gosto. Neste segundo
caso está Ponteio (... ) A música de Edu-Capinam foi criada, certamente, em função
do festival. Para corresponder às principais obrigações do certame: levantar a platéia e
convencer o juri. E no entanto levou em conta fatores mais importantes ainda:
modernização, pesquisa, atualização. ‘Ponteio’ é música de festival. E no entanto vale
porque foge dos esquemas - e de todos os riscos dos esquemas” 322
A expressão foi cunhada por Chico Buarque para definir um tipo de música,
geralmente considerada “pobre”, feita para agradar o público que lotava os auditórios.
O exame mais particularizado das 36 canções apresentadas nas eliminatórias,
efetivamente revelaria alguns pontos em comum entre as canções, tanto nos
parâmetros poéticos quanto nos parâmetros musicais.
322 F.Paulino. “‘Ponteio’: o novo caminho de Edu e Capinam. JB, 22-23/10/67, B-2
323“Os festivais já tem canções”. OESP, 6/09/67,p. 9
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SÃO PAULO: BAHIA
32 Palhaço e Pierrot
11 Circo
10 Cruzeiro do Sul
8 Vovós
6 Bonde
BELO HORIZONTE
22 Saudade
16 Liberdade
11 Flores
9 Exaltação
7 Mãe
5 Circo
1 Jangada
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José Ramos Tinhorão propôs uma tipologia pensada para o período dos
festivais como um todo (e não para qualquer evento específico daquele ciclo),
classificando as canções em325:
324Esta estatística foi feita a partir de uma classificação e quantificação pouco precisa. Nada impede que uma
canção que tenha como mote “saudade”, “mãe” ou “flor” não contenha uma mensagem politizada. Mas, por lógica
dedutiva , o contrário predomina.
325J.R. Tinhorão. Pequena História da Música Popular. p.236-47
326A.C.Xavier. Os grandes festivais de MPB. , p.84
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c) “Canções tropicalistas” (conforme a autora só aparecem “nos dois últimos anos dos
festivais (sic!)”): ruptura de música e letra, influencia do pop internacional, uso de
instrumentos eletrônicos. Alegria, Alegria, Domingo no Parque, SP meu amor, Divino,
Maravilhoso.
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Outra estatística (Quadro 4), feita pelo autor desta pesquisa, procura ampliar o
temário geral dos festivais, na tentativa de mapear as tendências gerais da “canção de
festival”.
***********
327Como aqueles que são exemplificadas pela protest song surgida nos EUA nos anos 30 e retomada nos anos 60 ou
por algumas correntes da Nueva Cancion latino-americana.
328Marcelo Ridenti sustenta que o Tropicalismo, mesmo apresentando uma vontade de ruptura, só tem sentido
dentro do contexto da cultura nacional-popular, apresentando-se como o colapso de um projeto de “socialização da
cultura” que havia marcado a estratégia de inserção da classes médias na política, ao longo dos anos 60. M.Ridenti.
Ensaio geral de socialização da cultura: o epílogo Tropicalista, p.3.
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Amor 13 7 5
Maria 2 3 3
Cantar 17 6 7
Temas folclóricos 1 7 0
Guerra/Paz 0 1 4
Amor 20 22 9
Maria 1 2 1
Cantar 4 8 7
Temas folclóricos 1 2 3
Guerra/Paz 0 0 2
Lutar/Agir 5
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Dezenraizamento 3
*************
329Uma citação não necessariamente corresponde a 1 canção. Uma mesma obra pode citar, com igual peso, “cantar”
e “povo”, por exemplo. Foram consideradas os motes mais importantes presentes no conteúdo poético.
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Um novo compositor que chamou muita atenção no FIC. Seu nome: Milton
Nascimento. Originário do interior de Minas Gerais em 1965, Milton conseguiu
classificar três músicas no Festival - Travessia, Morro Velho e Maria, minha fé. As
duas primeiras se classificaram entre as dez primeiras colocadas. Travessia,
defendida por Elis Regina, foi um dos maiores sucessos do ano, ficando em 2ºlugar.
Milton trazia novos materiais sonoros e poéticos para a MPB: harmonizações
330Para ser mais exato, em 1967, a finalíssima do festival da Record foi no mesmo dia da segunda eliminatória do
FIC (21/10). Mas no geral, o Festival da Record se concentravam no mês anterior ou posterior a outubro, mês do FIC
(dependendo do ano). De qualquer forma os dois festivais esquentavam o panorama musical do segundo semestre,
quando se concentravam os principais lançamentos de MPB.
331Chico Buarque de Hollanda vol.2, RGE, 1967 (relançado em CD)
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334Como foi o caso de Guarabira, que integrará o conjunto Sá, Rodrix e Guarabira e Lucina, que formará um par
com Luli, firmando-se no cenário da música “alternativa”.
335Tal como foi colocada na “Carta Aberta” de Camargo Guarnieri de 1951, contra o atonalismo na música
brasileira, polemizando com o Grupo Música Viva.
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gravadoras que procuravam ter mais controle sobre o processo como um todo e extrair
novos dividendos de um mercado em franca expansão.
O ano seguinte, 1968, marcaria uma fase crucial na reorganização dos pólos
de criação em conflito na cena musical brasileira. Se pudermos considerar o II Festival
em 1966 como um “balão de ensaio” da TV que “deu certo” e o III Festival em 1967
como um evento bem mais planejado e estruturado “para dar certo”, o IV Festival da
TV Record foi o evento que acirrou a percepção da crise da fórmula festivalesca, já
codificada pela e para a indústria televisual. Ao mesmo tempo, este festival veiculava
novas estratégias promocionais e comerciais, inusitadas para os padrões da MPB. Em
1968 foram realizados nada menos do que oito festivais, indicando dois fenômenos: a
segmentação do mercado musical, que se colocava em cheque o paradigma então
estabelecido de MPB e a aceleração da “roda viva” da indústria cultural, cada vez mais
exigindo um encurtamento do ciclo de realização social das canções. Este último
aspecto acabaria por detonar uma verdadeira crise de criação, sobretudo entre os
artistas engajados (antes mesmo do fechamento político do regime militar). Mas se a
indústria cultural acelerava sua dinâmica de produção, a conjuntura política não ficava
muito atrás, transformando o ano de 1968 num “furacão” de acontecimentos políticos e
culturais.
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CAPÍTULO 5:
O DEBATE
337O Tropicalismo, rapidamente tornou-se objeto de discussão na mídia, e sua eclosão não pode ser
desvinculada do clima de contestação do final dos anos 60, particularmente do ano de 1968. Um aspecto
em particular situa o Tropicalismo dentro de um “pensamento 68”: a vontade de denúncia do espetáculo
simbólico que perpassa a sociedade como um todo (e a esquerda em particular), “utilizando-se dos
instrumentos e dos efeitos do espetáculo (...)[1968 foi ] um dos últimos estágios de encantamento do
mundo das idéias (...) que ele contribuiu para desencantar” . J.P.Bernard. “Un pensée 68?” IN: P.Ory
(org.). Nouvelle Histoire des idées politiques. Paris, Hachette, 1987, p.695
338”As marcas da inocência perdida”. Visão, 1/03/1968, 44-50
339Idem, p.50
340Idem, ib.
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Uma análise feita quase à época da eclosão do movimento (1969), feita por
Roberto Schwarz, acabou se transformando num ponto de partida para o debate
posterior sobre o Tropicalismo341. Para o autor, mesmo trazendo para a cultura
brasileira um “alento desmistificador”, ao questionar um tipo de nacionalismo
conservador compartilhado à esquerda, o Tropicalismo estaria vinculado a uma
tradição de pensamento a-histórico, por isso, ideologicamente incoerente em relação
às suas alegadas intenções revolucionárias. No final da experiência estética
tropicalista - baseada numa grande recusa a todos os valores - a melancolia
generalizada, dos artistas e do público, toma o lugar da busca da ação e da
consciência. É bom lembrar que Schwarz enfoca sua análise nas experiências do
grupo Oficina em Roda Viva. A impotência política de ambos – artistas e público -
frente aos desafios históricos estaria por trás da agressividade simbólica tropicalista,
sobretudo nas experiências do Grupo Oficina342.
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problemas da cultura brasileira da segunda metade dos anos 60. Nesta perspectiva, o
que é um documento, uma perspectiva, torna-se uma evidência histórica.
344 Augusto Boal em "O que você pensa da arte de esquerda" (Manifesto lançado na I Feira Paulista e
Opinião) e os artigos de Sidney Miller na Revista de Civlização Braisileira, além do texto citado de
Schwarz, podem ser considerados exemplos desta corrente crítica ao tropicalismo.
345Uma coletânea de textos seminais representativos desta corrente, pode ser visto em A. Campos.(org)
Op.cit.
346C.Favaretto. Tropicália: alegoria, alegria. p. 23
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Nestes dois livros, que se tornaram fundamentais para o estudo dos anos 60,
temos duas posições de fundo que ajudam a sintetizar os grandes eixos percorridos
pelo debate historiográfico sobre o Tropicalismo: em Favaretto, fica sugerida a idéia de
que a explosão tropicalista encaminhou uma abertura político-cultural para a
sociedade brasileira, incorporando os temas do engajamento artístico da década de
60, mas superando-os em potencial crítico e criativo. Se o Tropicalismo foi produto de
uma crise, ele mesmo apresentou os caminhos, nem sempre unívocos, para a solução
dos impasses culturais. Para Heloísa Buarque de Hollanda o Tropicalismo seria o fruto
de uma crise348, tanto dos projetos de poder dos anos 60, à esquerda, quanto da
própria crise das vanguardas históricas. Sintetizando: no primeiro autor temos a
“explosão colorida”, uma abertura cultural crítica, liderada pelo campo musical. Na
segunda, uma implosão político-cultural, perda do referencial de atuação propositiva
do artista-intelectual na construção da história.
Uma das teses que recentemente vem circulando no debate acadêmico foi
elaborada por Marcelo Ridenti. Ao invés de falar numa “crise”, no sentido forte do
termo, Ridenti vê na emergência do Tropicalismo e seus desdobramentos como um
momento de redimensionamento na expressão política das classes médias, cujos
“ventrílocos”, na falta de uma organicidade mais eficaz, seriam os intelectuais e
artistas. O movimento encontraria sua homologia numa espécie de pêndulo ideológico:
a) o “internacionalismo crítico” dos acadêmicos (o autor cita Fernando Henrique
Cardoso, como exemplo dessa posição) ; b) o “nacionalismo radical” (representado ,
conforme o texto, por Leonel Brizola). Daí as suas ambiguidades que, em linhas gerais
expressam as contradições da própria classe média brasileira. Penso que as relações
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349M.Ridenti. Ensaio Geral de Socialização, p.12-14. Ver também seu livro mais recente. Em busca do
povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV Record. São Paulo, Record, 2000. Neste livro,
Ridenti retoma o conceito de "romantismo revolucionário", de Michel Lowy, para pensar a questão do
engajamento artístico nos anos 60, e suas contradições.
350Acreditamos que um dos jornalistas que mais contribuiu para a construção dessa visão celebrativa do
Tropicalismo foi Luis Carlos Maciel, integrante do movimento, que através de sua coluna no Pasquim,
forjou a idéia de que o Tropicalismo trouxe a cultura pop para a sociedade brasileira. Mais recentemente,
o livro de Carlos Calado (Tropicália: a história de uma revolução musical) aprofunda a narrativa dos fatos
“épicos” em torno do movimento, aprofundando esta tendência celebrativa da mídia , sobretudo em torno
das comemorações dos seus “30 anos” .
351J.A.Aguiar. Música Popular e indústria cultural. p.115
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sido cooptado pelo mercado, levando consigo o conjunto da MPB ulterior. Antes de
tudo, ele traduziu uma opção de importantes setores do meio musical (e intelectual) de
esquerda na formulação de um produto cultural renovado, que já se encontrava dentro
de uma estratégia de afirmação no mercado de bens culturais. Enfatizamos esta
particularidade do Tropicalismo musical, que o distingue das artes plásticas, do teatro
ou do cinema. Estas outras artes procuraram refletir, cada qual dentro de sua
singularidade, a crise do nacional-popular, mas as opções historicamente possíveis
para os seus criadores acabaram não sendo direcionadas para um produto cultural
voltado para o consumo cultural.
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352Podemos sintetizar o dilema básico do estatuto de brasilidade, como uma cultura nacional marcada
pela saudades “do-que-nunca-foi” e, ao mesmo tempo, pela ansiedade de “ainda-não-ser”. Esse peculiar
choque entre o “arcaico” e o “moderno” nos coloca numa situação histórica permanentemente “transitória”
na qual a consciência histórica oscila entre o esquecimento do passado efetivamente vivido e a
idealização do futuro a ser alcançado. As ideologias de conservação e emancipação nacionais operam
nestes limites. O Tropicalismo e, talvez todo o debate em torno da MPB, parecem trazer as marcas desse
quadro ideológico mais amplo.
353De minha parte, não acredito que o Tropicalismo tenha se constituído num “gênero musical”
propriamente dito, cuja identidade seria dada por uma célula rítmica mais definida, mas numa perspectiva
artística que articulava comportamento, crítica cultural e novos procedimentos musicais e poéticos. Algo
mais próximo de um “estilo”. De qualquer forma, estabelecer a fronteira entre as duas categorias,
sobretudo na música popular, é muito complexo.
354O álbum Araça Azul , de Caetano Veloso (1972), foi um exemplo de radicalização de procedimentos
experimentais, incorporando a poética concretistas, a música aleatória, concreta e outras correntes da
“vanguarda”. Paralelamente, Caetano iniciava sua guinada para uma incorporação do despojamento
interpretativo da Bossa Nova que pode ser percebida no disco Chico e Caetano juntos e ao Vivo, lançado
no mesmo ano. Era o reencontro simbólico entre a corrente principal da Tropicália e a MPB.
355A peça O Rei da Vela - estreou no mesmo mês das apresentações do III Festival de Música Popular
da TV Record, quando Caetano Veloso e Gilberto Gil concorriam com músicas consideradas inovadoras.
Por outro lado, vale lembrar que o espetáculo O Rei da Vela, foi dedicado à Glauber Rocha, diretor de
Terra em Transe, o filme de maior impacto artístico de 1967, entre a intelectualidade brasileira. Como
num jogo de espelhos, fechava-se a trindade que mais tarde iria se transformar nos ícones máximos da
ruptura tropicalista. L.C. Maciel. Geração em transe. Memórias do tempo do Tropicalismo.
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356Tanto os parangolés (obras para serem vestidas), quanto suas ambiências (obras para serem
penetradas) se inspiravam numa nova relação estética com a arte e a cultura dos morros cariocas. Os
parangolés se inspiravam nos adereços das escolas de samba e as ambiências nas bricolage das
moradias do morro.
357Depoimento a Augusto de Campos. Op.cit., p.204/205
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Hélio Oiticica não teve uma influência direta no Tropicalismo musical, pois
Caetano Veloso só tomaria contato com a obra-ambiência de Oiticica durante seu
exílio londrino em 1969. De qualquer forma, podemos perceber certa afinidade eletiva
e conceitual entre a Tropicália de Oiticica e a canção homônima de Caetano.
358Grupo Oficina. O Rei da Vela. Manifesto, 04/09/67 (apud Arte em Revista nº 1, p.62-63)
359Idem,ib.
360H. Oiticica, O aparecimento do supra-sensorial na arte brasileira, 1968 apud Arte em Revista 7,p.41-
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puder ser apreendido como emoção direta , o que conseguir mover o indivíduo do seu
condicionamento opressivo, dando-lhe uma nova dimensão que encontre uma
resposta no seu comportamento” .
Oiticica criou “Tropicália” em 1967 e, naquele mesmo ano, seu nome serviu
para batizar a composição histórica de Caetano Veloso. A explicação de Oiticica serve
para perceber os termos desta afinidade361: “Tropicália é um tipo de labirinto fechado,
sem caminhos alternativos para a saída. Quando você entra nele não há teto, nos
espaços que o espectador circula há elementos táteis. Na medida em que você vai
avançando, os sons que você ouve vindos de fora (vozes e todos tipos de som) se
revelam como tendo sua origem num receptor de televisão que está colocado ali perto.
É extraordinário a percepção das imagens que se tem: quando você se senta numa
banqueta, as imagens de televisão chegam como se estivessem sentadas à sua volta.
Eu quis, neste penetrável, fazer um exercício de imagens em todas as suas formas: as
estruturas geométricas fixas (se parece com uma casa japonesa-mondrianesca), as
imagens táteis, a sensação de caminhada em terreno difícil (no chão ha três tipos de
coisas: sacos com areia, areia , cascalho e tapetes na parte escura, numa sucessão
de uma parte a outra) e a imagem televisiva.(...) Eu criei um tipo de cena tropical, com
plantas, areias, cascalhos. O problema da imagem é colocado aqui objetivamente-
mas desde que é um problema universal, eu também propus este problema num
contexto que é tipicamente nacional, tropical e brasileiro. Eu quis acentuar a nova
linguagem com elementos brasileiros, numa tentativa extremamente ambiciosa em
criar uma linguagem que poderia ser nossa, característica nossa, na qual poderíamos
nos colocar contra uma imagética internacional da pop e op art, na qual uma boa parte
dos nossos artistas tem sucumbido”.
361Hélio Oiticica, Catálogo da Exposição na Whitechapel Gallery, Londres, 1969 (tradução do autor)
362Uma análise contemporânea da canção de Caetano, que permanece bem instigante e reveladora,
pode ser vista no artigo de M.Chamie. “O Trópico entrópico da Tropicália”. Nele, além de diferenciar o
sentido do Tropicalismo de Gilberto Freyre da Tropicália de Caetano e outros artistas dos anos 60,
Chamie tenta organizar a percepção da poética alegórica da canção a partir de cinco pontos que
sintetizam o conteúdo de cada estrofe: a) Antologia de imagens literárias; b)Ícones da cultura literária
nacionalista (Bilac, Alencar, Catulo); c) Modernismos dessacralizadores; d) O choque arcaico-moderno e
mitos desenvolvimentistas; e) incorporação dos signos da cultura de massa.
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/ senhoras e senhores ele põe os olhos grandes sobre mim (...)/ O monumento é bem
moderno / não disse nada do modelo do meu terno / que tudo mais vá pro inferno meu
bem (....)”
O termo "Tropicalismo", tal qual foi entendido nos anos 60, apareceu num
manifesto-blague intitulado Cruzada Tropicalista, redigido por Nelson Mota363 e
referendado por outros signatários. O grupo de cineastas, jornalistas, músicos e
intelectuais que “resolveram fundar um movimento brasileiro”, na verdade não tinham
muita simpatia pelas experiências do “som universal” de Caetano e Gil364. A intenção
363N.Motta. “A cruzada Tropicalista”. Coluna “Roda Viva”, Última Hora, RJ, 5/2/1968
364A brincadeira que deu origem ao manifesto ocorreu no Restaurante Alpino, no Rio de Janeiro, na noite
anterior à sua publicação. Na reunião de amigos estavam presentes: Gustavo Dahl, Luis Carlos Barreto,
Arnaldo Jabor, Glauber Rocha, Caca Diegues, além de Nelson Motta. Curiosamente a maioria dos
presentes era de cineastas “engajados”, que não encontravam receptividade para os seus filmes entre a
maioria da população. Portanto uma situação diferente da MPB, que via seu espaço comercial crescer
cada vez mais.
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A dura crítica de Hélio Oiticica, ainda que posteriormente tenha sido matizada,
apontava para uma contradição da nova postura intelectual, que partia da paródia dos
valores e do “mau-gosto” popular: não importava se a referência eram os ritmos do
nordeste ou a estátua de São Jorge que se via nas casas de subúrbio, a postura dos
ditos tropicalistas, conforme seus manifestos iniciais, continuava folclorizante, na
medida em que reduzia as manifestações da cultura popular ao simplismo estético.
Com uma diferença: onde os artistas e intelectuais ligados ao nacional-popular
pareciam se colocar como “nós, o povo”, os tropicalistas pareciam dizer “eles, o povo”.
Em lugar da estilização do folclore, usavam o pseudo-elogio do exotismo cafona-
kitsch, para desqualificar a possibilidade de uma arte engajada e nacionalista. As duas
posturas revelavam os impasses aos quais o intelectual engajado no Brasil estava
submetido: perdendo seu espaço como articulador das políticas para o conjunto da
sociedade (culturais, econômicas, etc), o intelectual, e seu derivado - o artista
engajado - se voltava cada vez mais para espaços pré-determinados pela indústria
cultural.
368Idem,ib.
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369É o caso de artigos como o de A.R.Sant’anna. “Tropicália: abre as asas sobre nós” IN: Música Popular
e moderna poesia brasileira.p.88-96 (publicado originalmente em fevereiro de 1968).
370Roda Viva, com texto de Chico Buarque, a nova montagem do Oficina, parodiava através de uma
estética anárquica a trajetória de um cantor de “massas” que passava por todas os estilos musicais ( da
Jovem Guarda ao Protesto) até ser devorado pela multidão de fãs.
371Augusto Boal,por exemplo, tendo como alvo o teatro tropicalista (termo que ele aceitava, mas
acrescentando os adjetivos “chacriniano-dercinesco-neo-romântico”) considerou esta opção estética um
grande equívoco para a arte de esquerda. Para ele, o Tropicalismo retomava o teatro “burguês”,
incitando uma platéia burguesa a tomar iniciativas individuais contra uma opressão difusa e abstrata. Boal
ainda enumera as características do Tropicalismo: “neo-romântico”, pois só atinge a aparência da
sociedade e não a sua essência; “homeopático”, pois quer criticar a cafonice, endossando-a;
“inarticulado”, pois culmina numa crítica assistêmica; é “tímido e gentil” com os valores da burguesia; e,
finalmente, não passaria de uma estética “importada”. A. Boal. O que você pensa da arte de esquerda?,
Manifesto da I Feira Paulista de Opinião, 1968
197
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sentido, afirma o Brasil como absurdo, imagem atemporal, estática e sem saída. Por
outro, ao justapor elementos diversos e fragmentados da pretensa “cultura brasileira”,
o Tropicalismo retomava o procedimento da Antropofagia, na qual as contradições são
catalogadas e explicitadas, numa tentativa de operação crítica e desmistificadora372.
A partir de então, o sentido histórico do conjunto de atitudes que se qualificavam como
“tropicalistas” foi alvo de um grande debate intelectual.
O TROPICALISMO MUSICAL
372N. P.Ferreira. “Tropicalismo: retomada oswaldiana”. Revista Vozes, ano 66, 10, dez/1972
373”Os órfãos do Iêiêiê”. Jornal do Brasil, Cad.B, 03/02/68
374M.Alencar. “A revolução dos baianos”. Jornal do Brasil, 09/03/68, B-3
375Idem, ib.
376J.C.Oliveira. “Tropicalismo: por uma nova canção do exílio”. Jornal do Brasil, p.16/03/68, p.3
377O rompimento de Caetano e Gil com a TV Record, teria sido uma estratégia para se livrar dos
tentáculos que a emissora lançava sobre os astros dos festivais. Além disso, Caetano sentia que sua
carreira estava pronta para “decolar” e a emissora limitava seu potencial. O objetivo do “grupo baiano” era
ter um programa televisual próprio e a Rede Globo acenou com esta possibilidade, que acabou não se
concretizando.
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visceral. Neste LP, Gil anunciava uma experiência de agressão musical mais ousada
ainda: a canção Questão de Ordem, apresentada no III FIC.
Em abril de 1968, uma associação entre a Rede Globo, que nesta época
iniciava sua escalada na disputa pela lideranca, a Rhodia e a Agência Standard (a
mesma que promovia os festivais), tentou viabilizar um programa tropicalista, sob o
título provisório de “banana especial”384. O roteiro-base, escrito por Torquato Neto e
José Carlos Capinam (poeta que àquela altura estava plenamente identificado com o
movimento), recolocava o tom de blague e agressão acima mesmo das pesquisas
formais- textuais ou cênicas- propriamente ditas. A encenação, a cargo do diretor José
Celso Martinez Corrêa, era concebida para chocar o público, reiterando a perspectiva
de que a obra deveria ser concebida “contra” a platéia, visando agredi-la, no desejo de
provocar um estranhamento crítico e não a catarse, efeito que os tropicalistas
relacionavam com o conformismo e o conservadorismo da “cultura burguesa”.
384O roteiro original deste programa intitula-se “Vida, Paixão e Banana do Tropicalismo”, de autoria de
Torquato Neto e José Carlos Capinam. A versão reduzida deste espetáculo, gravado na boate paulistana
“Som de Cristal”, foi ao ar na TV Globo, em 27/09/1968
385A própria coleção de tecidos da Rhodia para o ano de 1968 foi batizada de “Tropicália”.
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Geraldo Vandré e Nara Leão. O Tropicalismo, com seu apelo visual psicodélico, de
cores e formas acentuadas, era uma ponta de lança privilegiada para testar e
promover novas tendências da moda jovem. Para os tropicalistas, por sua vez, o
patrocínio era a oportunidade para se firmarem no cenário da cultura de consumo
assimilada crticamente pela vanguarda. Ainda que fosse para subvertê-la, como
anunciavam, o fato é que essa subversão ia ao encontro de um mercado jovem em
expansão, consolidando a estética de consumo com atitudes de ruptura
comportamental e cultural que marcaram, particularmente, o ano de 1968.
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- Inclusão das frases, nos diálogos: “Há muito verde de esperança e amarelo de
desespero”; “Qual a diferença entre o boi e a classe média? Leve os dois ao
matadouro, o que mais berrar na hora da morte é o boi”; “Uma vez começada a luta
tropicalista é indispensável ser muito quente e pra frente e bater onde mais doer”;
“Brasil: país do amor, do improviso, do jeitinho: onde qualquer um dorme burro e
acorda gênio , onde o esquerdista de hoje é o direitista de amanhã”.
- “No final o público seria convocado para destruir o auditório (cenários) e seriam
distribuídas velas acesas a todos com grande perigo de não poder controlar as
reações dos públicos e danificar -seriamente- o local alugado (teatro) cujos prejuízos
financeiros, claro, deveriam ser cobertos pelos patrocinadores e nunca pelo
diretor”389.
O relatório informava que após todos estes pontos de conflito, José Celso
acabou senso afastado da direção do espetáculo e o programa foi levado ao ar,
completamente modificado, em 27 de setembro de 1968. Em que pese a imaginação
sempre fecunda dos informantes policiais, observa-se um aspecto que denotava os
limites do happening dentro da indústria cultural, revelando as contradições, não só da
proposta de vanguarda tropicalista, mas da própria indústria cultural voltada para a
juventude: a partir do momento em que a indústria cultural necessitava estar afinada
386Informe 42/QG-4, (Ministério da Aeronáutica 4ªZona Aérea/QG). Pasta DEOPS/SP 50D 26-787,
25/2/69. Acervo Arquivo do Estado de São Paulo.
387Idem
388Idem
389Idem
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Com todos estes eventos, sempre muito amplificados pela imprensa em busca
do sensacionalismo, o Tropicalismo chegou ao festival de 1968 como um rótulo de
grande força, que concentrava todas as tensões antitéticas que agitavam a cena
cultural brasileira: “mercado” e “arte”, “vanguarda” e “tradição”, “nacional” e
“estrangeiro”, “autêntico” e “exótico”, “política” e “diversão”. Na esteira do debate,
consolidava-se uma nova estrutura no mercado musical, onde os “rótulos” passavam a
guiar, de antemão, a escolha do consumidor.
392Um dos momentos mais “quentes” deste confronto, foi o debate ocorrido na FAU/USP, entre a
“tendência Chico” e a “tendência Caetano”, em 06/06/1968
393Muitos críticos mais afinados com o pop internacional, como Luis Carlos Maciel, definiram o álbum
como um novo marco na música brasileira: “uma inovação na MPB mais profunda que a Bossa Nova
porque sua perspectiva não é a do puro interesse musical mais a de uma série de interesses de ordem
cultural mais ampla: é um desafio vigoroso e criativo à camisa-de-força (...)Irmão legítimo do cinema de
Glauber e do teatro de José Celso””( L.C. Maciel, “Tropicália: ou uma cultura em questão”, Correio da
Manhã, 20/09/68). Ruy Castro, na época entusiasta do Tropicalismo, também se entregou à nova
sensação cultural: “[Caetano, Gil e Capinam] conseguiram dar o passo a frente que anunciavam e que os
discos anteriores de Caetano e Gil foram simples esboço (...) Torna-se difícil discernir o que é autêntico
(...)a impermeabilidade cultural já não existe mais, ou, pelo menos, está `a um passo da extinção”. O
articulista conclui dizendo que, a partir do esgotamento do critério de autenticidade, restava apenas
potencial de instigação que a obra possuísse junto ao seu público consumidor e, neste sentido, o LP
Panis et Circencis representava “o que há de mais sério na MPB (R. Castro, “Uma geléia geral de
vanguarda”, Correio da Manhã, 21/09/68, p.2/4).
394O grupo Musica Nova , surgido por volta de 1963, era composto por jovens maestros e compositores
da vanguarda paulista da música erudita, que buscavam um novo código e um novo material sonoro para
compor suas peças. Destacam-se Rogério Duprat, Gilberto Mendes, Júlio Medaglia, entre outros.
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395Além dos compositores mencionados participaram do disco: Nara Leão, Gal Costa e Os Mutantes, na
qualidade de intérpretes.
206
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O texto da contracapa, por sua vez, procurava selar a ligação estética com a
Música Nova, simbolizada por um diálogo-roteiro de Rogério Duprat397 com os
“baianos”. Nele, o maestro colocava uma espécie de testamento-desafio para os
tropicalistas, incitando-os a seguir nos caminhos da experimentação radical iniciada
pelo grupo, que tanto polemizou com os nacionalistas na música erudita. As
passagens aparentemente caóticas ajudam a compor um ideário: a crítica ao
academicismo musical (“a queda do Municipal”), a reafirmação do caráter comercial da
obra musical (“Como receberão a notícia que o disco é feito para vender?”), o elo
singular entre tradição e ruptura (“Terão mesmo coragem de saber que só
desvencilhando-se do conhecimento atual que tem das formas puras do passado é
que poderão reencontrá-las na sua verdade mais profunda?”).
207
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Pepper’s dos Beatles. Por sua vez, cada música mantém uma relação dialógica
[conforme conceito bakhtiniano] com as demais e é estruturada, letra, música e
arranjo, como montagem de fragmentos (referências musicais, sonoras, literárias,
diálogos, manipulações eletroacústicas, etc). Compostos segundo a linguagem de
mistura, cada música e o conjunto levam à metáfora terminal, que alegoriza o Brasil. A
coexistência do heteróclito é ressaltada pelo arranjo (...) pois coloca num mesmo plano
as referências históricas arcaicas e modernas e possibilita a devoração das
dualidades, mantendo as diferenças através do tratamento sonoro cafona (...)
Diferentemente das canções da época, não há no Tropicalismo uma demarcação entre
músicas líricas (que seriam caracterizadas pelo intimismo , como na bossa nova) e
música épicas (significadas pelo engajamento, como na música de protesto)398.
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hino cívico. Na primeira o clamor por salvação (“Miserere Nobis / Ora ora pro nobis/ É
no sempre será oi-ia-ia / É no sempre sempre serão”), no segundo a salvação vem na
forma ritualizada da festa cívica e ufanista. Os dois pólos oscilam entre a contrição e a
afirmação de uma crença emancipadora400
A faixa que vem a seguir de Coração Materno pode ser considerada a mais
ousada de todo o álbum: Panis et Circencis. Através de uma cadência que beira o
atemático, uma letra crítica em relação às preocupações da classe média (“o pessoal
da sala de jantar”) que só está ocupado em “nascer e morrer”. Esta é a faixa que
incorpora mais elementos da música contemporânea, na seguinte sequência: a)
música eletroacústica (a música perde rotação repentinamente, como se o pick-up do
400Idem, p.60.
401Idem, p.64
209
210
toca discos parasse de girar); b) música incidental (com a rotação retomada, ouve-se
um tema à base de guitarras e teclados, com timbres de música indiana, incorporada a
partir dos Beatles); c) Citação/colagem: interrompida a música incidental ouvimos, ao
fundo, uma gravação de Danúbio Azul, com orquestra; d) música concreta (ao som de
um ritual de jantar, com os convivas conversando entre si, ouvia-se vidros sendo
quebrados, como se as pessoas estivessem atirando copos umas nas outras). Panis
et Circencis terminava com uma perspectiva autofágica: a família de classe média,
reunida na mesa do jantar, conversando ao som da “boa música”, suplantada pelos
ruídos dos copos quebrando. Uma perfeita expressão do apocalipse do mundo privado
burguês.
402Nara Leão também lançou seu álbum “tropicalista”. Com arranjos de Rogério Duprat, a ex-musa da
Bossa Nova recupera gêneros musicais urbanos, porém “arcaicos”, como as modinhas imperiais, o
bolero, o chorinho, o fox-canção entre outros. Ao contrário da limpeza dos timbres instrumentais
jazzísticos dos discos anteriores, Nara se abre às inovações timbrísticas de Duprat, além de incorporar
um repertório pouco comum na época. LP Nara Leão , Philips/CBD, 1968
403C.Favaretto. Op.cit, p.72
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Mamãe Coragem, por sua vez, subverte a referência à peça de Bertold Brecht.
A letra se construía como se fosse uma carta remetida por um filho emigrado à mãe
404Idem, p.68
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******
405Idem, p. 72
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406Caetano Veloso se inscreveu com a canção É Proibido Proibir ; Gilberto Gil com Questão de Ordem.
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fora desclassificado com sua canção atonal Questão de Ordem. Além disso, queria
marcar posição contra a agressividade de parte da platéia. As vaias foram respondidas
por um discurso que com o passar dos anos se tornaria notório, sendo, inclusive,
lançado em compacto simples pela Gravadora Philips: “Mas é isso que é a juventude
que diz que quer tomar o poder? Vocês tem coragem de aplaudir este ano uma
música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado; a mesma
juventude que vai sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu
ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada , absolutamente nada (...)Eu
hoje vim dizer aqui que quem teve coragem de assumir a estrutura do festival, não
com o medo que sr. Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve essa
coragem de assumir essa estrutura e fazê-la explodir foi Gilberto Gil e fui eu
(...)Gilberto Gil está comigo pra acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade
que reina no Brasil. Acabar com isso tudo de uma vez! Nós só entramos em festival
pra isso, não é Gil? Não fingimos, não fingimos que desconhecemos o que seja
festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim. Sabe como é? Nós, eu e ele,
tivemos a coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas, e vocês? E
vocês? Se vocês em política forem como são em estética, estamos feitos!”409.
409apud Ivo Lucchesi & G. Diaguez. Caetano, por que não? Uma viagem entre a aurora e a sombra.,
p.274
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216
217
festival, dentro do qual os compositores tudo fazem para agradar o público, buscando
na subserviência ao código de convenções do ouvinte a indulgência e a aprovação
para as suas músicas ‘festivalescas’” 412.
Neste festival havia uma preferência nítida da maioria dos jurados “especiais”
pelas experimentações tropicalistas. Já o juri “leigo”, composto por telespectadores
412A. Campos (org). “É proibido proibir os baianos” IN: A.Campos (org). Op.cit., p.266
413U.Eco. A Obra Aberta.
414Conforme Motti Regev: “O valor não é inerente ao texto cultural, mas produzido por aqueles que
acreditam no seu sentido e sua consagração como arte depende do sucesso desses grupos em
construírem uma realidade de acordo com sua visão de mundo”. M.Regev. “Popular Music Studies: the
issue of musical value”. M.Regev. IASPM/USA, Home Page, p.1-3, 1992 (tradução do autor)
217
218
não apreciava o movimento. O contraste chega a ser simétrico: São Paulo, meu amor,
Divino e Maravilhoso e 2001 aparecem, respectivamente, em 1º, 3º e 4º no Juri de
especialistas, enquanto Benvinda, a canção de Chico Buarque aparece em 6º. No Juri
leigo as canções tropicalistas nem aparecem entre os seis primeiros, ficando Benvinda
em 1º. O ponto de encontro destes vetores, uma espécie de termo médio dos critérios
de avaliação estética, era Edu Lobo: Memórias de Marta Saré, se classificou em 2º
nos dois júris.
O sucesso das canções tropicalistas entre o auditório e entre o juri especial foi
bastante comemorado por Gil e Tom Zé, apesar das críticas à “estrutura de
festival”417. Guilherme Araújo, o empresário dos baianos, teria comentado : “Agora
todo mundo virou tropicalista”418. Apesar dos ataques de alguns críticos
musicais419, o Tropicalismo parecia se firmar no cenário dos festivais. Mas a
necessidade de reafirmar o caráter de choque contrabalançava a euforia pela
aceitação do movimento. Por exemplo, mesmo vencendo o IV Festival, Tom Zé fez
questão de publicar um “manifesto contra a velhice cultural”, cujo item IX diz o
seguinte: “Parece que é vedado aos compositores brasileiros o ato ou a capacidade de
renovar: considerando isto, um falso dilema nos é imposto: ou sermos ‘velhos’ ou não
sermos compositores brasileiros”420. O processo parece ter sido o oposto: as
estruturas mais ligadas à indústria cultural estavam predispostas a incorporar e
valorizar o “novo” inclusive nas obras onde ele não era predominante, como na própria
canção de Tom Zé. Sua música era uma marchinha com quadras satíricas sobre a
218
219
No plano dos festivais, porém, era muito difícil provocar reflexão sobre os
rumos da MPB e os limites da arte engajada e nacionalista. Restava aos tropicalistas
421Conforme depoimento de André Midani, importante executivo da indústria fonográfica brasileira dos
anos 60. “Música Popular em debate (II) : o mercado”. Jornal do Brasil, 24/09/69, B-2
422P.Burger. Teoria da Vanguarda. p.17
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423A este respeito, é curioso notar como nos anos 70 vários “encontros” musicais pareciam selar um
“tratado de paz” entre correntes e protagonistas que se degladiaram nos anos 60, já abrigados sob o
conceito ampliado de MPB. Dois exemplos: o encontro de Chico e Caetano, no tumultuado show em
Salvador, em 1972; e o encontro de Elis Regina e Tom Jobim, em 1974.
424U.Eco. “Cultura de massa e níveis de cultura” IN:Apocalípticos e Integrados. p.33-69. Neste texto
temos um exemplo de formulação de propostas que apontam para a inserção ativa da vanguarda na
indústria cultural, dentro da crença de que era possível implodir seu código, provocar uma nova “fruição” e
chegar às massas.
425Programa produzido por Fernando Faro e Antonio Abujamra, levado ao ar pela TV Tupi de São Paulo,
que estreou em 28/10/68 e foi cancelado no final de dezembro do mesmo ano, após a prisão de Gil e
Caetano.
426“Divino, Maravilhoso”. Intervalo, 305, 10 a 17/11/68, 19-21
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427A questão da “juventude” era crucial para a indústria cultural, na medida em que os anos 60,
sobretudo após o surgimento dos Beatles, significaram a explosão das vendas de discos direcionados
para a faixa etária entre 15 e 25 anos, que praticamente garantia os lucros da indústria fonográfica, em
nível mundial. R.Morelli. Op.cit., p.67-82 .
428Sua figura foi muito criticada pelos Tropicalistas. Caetano dizia que Chico “era apenas um menino de
olhos verdes que fazia canções para todos cantarem” ; Gil teria comandado o coro de “superado”
enquanto Chico cantava “Benvinda” no festival da Record (o que ele nega até hoje); Tom Zé declarou que
Chico deveria ser respeitado, pois era “o nosso avô”. No final do IV Festival Chico reagiu através de um
manifesto público intitulado “Nem toda lucidez é velha, nem toda loucura é genial”.
221
222
A tentativa de elaborar uma resposta mais série e aprofundada neste debate foi
feita por Sidney Miller, compositor que era visto como uma promessa da música
nacionalista engajada431. Se os tropicalistas, nos seus happenings denunciavam as
estruturas da indústria cultural por trás dos festivais da canção, Miller denunciava as
demandas da indústria fonográfica internacional por trás da proposta do “som
universal” que tinha dado origem ao movimento: “Todo movimento que se inicia
advém, forçosamente, de uma necessidade de renovação. Esta necessidade
manifesta-se, economicamente, por uma demanda insatisfeita e coincide via de regra
com a emergência de novos consumidores, seja pelo aumento de poder aquisitivo de
uma determinada camada social, ou seja , pela ampliação quantitativa de uma camada
já existente, ou ainda, pela maior acessibilidade conferida a um dado campo de
consumo. Em música popular como em outros setores, uma vez atingido um elevado
estágio de industrialização , é de interesse dos produtores criar a necessidade de um
novo produto que, desta feita, também terá rápida circulação e dará lugar a outra
novidade, e assim por diante, enquanto o lucro orientar a produção (...)
Universalização [ da música popular brasileira ] responde a um processo de
estagnação do mercado interno (novas demandas não atendidas) e a um ‘mecanismo
empresarial’ que reflete uma iniciativa internacional no sentido da universalização do
gosto popular (...) Não se pode querer ser universal quando o universo tem dono.
Comercialmente interessa mais não distribuir uma linguagem nacional , esquisita e
apimentada, do que uma linguagem vulgar, por ser mais técnica e menos filiada a
essa cultura específica , poderia ameaçar o produto original do país distribuidor, via de
regra, tecnicamente mais perfeito e culturalmente gasto”432.
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433Idem, ib.
434Alguns críticos mais comprometidos com o elogio ao Tropicalismo, indiretamente, assumiam o seu
caráter mercantil . Parece o caso de J.C. Oliveira (“O Tropicalismo contra os hipócritas”, JB, 14/03/68,
p.3), que elogia o movimento por “empurrar para longe de nós a moda importada” . Ou seja, o
Tropicalismo responderia a um estágio de consumo internacionalizado. Com perspectivas diferentes,
acaba corroborando a mesma idéia de Sidney Miller.
223
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Numa perspectiva histórica mais ampla, nota-se que o que estava em jogo
eram duas visões sobre a cultura brasileira, lançadas pelo modernismo dos anos 20:
uma, inspirada em Mario de Andrade, pregava a evolução que visava aprimorar a
própria capacidade de síntese das bases culturais da nacionalidade, inscrita nos
materiais culturais populares mais isolados. Neste sentido, o artista tinha o papel de
formular esta consciência, a partir de uma pesquisa metódica. A outra corrente, forjada
a partir da leitura dos textos de Oswald de Andrade, afirmava que a “evolução cultural”
seria fruto da “deglutição”, voluntária e seletiva, da massa de informações disponíveis
no mundo contemporâneo. Nestes termos, o artista sintetizava novas propostas
culturais a partir de um espaço menos pré-determinado.
435Lorenzo Mammi. Para o autor o significado histórico do Tropicalismo é justamente o seu caráter
assumir as interferências entre diferentes níveis culturais e transformadas numa estética, características
do processo de modernização brasileiro. L.Mammi. “Erudito/Popular” IN: M.Paiva et alli. Op.cit, p.190.
436Conforme Luis Tatit, os anos 80 e 90 são marcados pela hegemonia dos estúdios na configuração da
canção comercial gravada. Os produtores desenvolveram algumas fórmulas para estimular a
“tensividade” da canção (conseguida pelo manejo do jogo entre frequência e duração dos sons). Este
aspecto, na nossa opinião, neutraliza a riqueza dos gêneros hoje existentes, em direção a uma
“pasteurização sonora”. L.Tatit. “Canção, estúdio, tensividade”. Op.cit., p.43-45.
224
225
era que o Tropicalismo não via na tradição uma raiz autêntica, mas um conjunto de
possibilidades de expressão estética e cultural, organicamente transmitidas ao longo
do tempo. No palco festivalesco, já submetido às demandas da indústria cultural, estas
questões se tornaram ainda mais complexas, com a entrada de outras variantes
conjunturais no processo cultural, como o autoritarismo político e a “modernização”
econômica capitalista. Assim, um dos papéis históricos desempenhados pelo
Tropicalismo foi ser ponte entre uma cultura política nacional popular, que organizava
o consumo cultural, e uma cultura de consumo que negava o nacional-popular, mas
ao mesmo tempo incorporava seus fragmentos, diluídos em outros materiais
artísticos437.
437Além da MPB, o caso da teledramaturgia brasileira é exemplar: uma tradição importada das novelas
de rádio, de origem cubana ou argentina principalmente, mesclou-se a elementos do nacional-popular.
Esta mescla deu origem à uma teledramaturgia singular, desenvolvida nos anos 70 na Rede Globo,
através de autores “comunistas”, como Dias Gomes e Oduvaldo Viana Filho.
438Um exemplo de radicalização do debate e da disputa por mercado, pode ser vista no IV Festival da
Record de 1968, quando o Tropicalismo foi anunciado como um novo gênero musical, verdadeira antítese
de MPB. Uma reportagem da época diz que “Pela primeira eliminatória (...) percebe-se que o festival
deste ano vai ser nitidamente tropicalista, com a maior parte dos candidatos seguindo abertamente a linha
lançada por Caetano Veloso no festival passado (OESP , 19/11/68, 21)
439E.Paiano. Op.cit., p.178
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ser visto como puro senso de negócio a incorporação quase imediata do movimento,
como marco da modernidade, realizada pelo conjunto da indústria fonográfica. Ao
problematizar o consumo da canção, e a canção enquanto consumo, o Tropicalismo
abriu um leque de novas possibilidades de escuta, que a diretriz ideológica da cultura
nacional-popular, já em crise como gênero reconhecível pelo público, não mais
comportava. Enquanto legado para a música popular, o Tropicalismo ajudou a
incorporar tanto o consumo do material musical recalcado pelo gosto da classe média
intelectualizada, tais como o ruído, o kitsch e os arcaísmos estéticos colocados lado a
lado, na hierarquia de valores e apreciação, aos sussurros e às sutilezas expressivas
desenvolvidas pelas tendências mais “modernas” da MPB.
Neste ponto caberia uma proposição mais genérica: quanto mais massivo o
campo artístico mais ambíguo o sentido histórico, estético e ideológico objetivado nas
suas obras. Por isso, o Tropicalismo, criado e desenvolvido no turbilhão de mutações
pelas quais passava a indústria cultural brasileira, foi tão contraditório e ainda suscita
muitos debates. A dificuldade do historiador está em entender os diversos sentidos e
tradições da “geléia geral” tropicalista e estabelecer com rigor as temporalidades em
jogo e o papel singular de cada protagonista e de cada campo de expressão. E isso
não é uma tarefa muito simples, principalmente quando pesquisamos acontecimentos
tão recentes e vivos, ainda operados mais no campo da memória do que no da
história.
226
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CAPÍTULO 6:
440E.Paiano.Op.cit. ; R.Morelli.Op.cit.
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441É interessante notar como, a partir dos anos 80, com a consolidação de um tipo de pop brasileiro, o
público específico de MPB aumentou de faixa etária. Mesmo não dispondo de dados confiáveis,
arriscamos dizer que, hoje em dia (anos 90), este público situa-se, na sua maioria, entre os 35 e 50 anos.
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230
231
e precepções sugeridas pela autora. Coincidência ou não Pra Não dizer que não falei
das flores (Caminhando), composta naquele contexto por Vandré, transformou-se
numa verdadeira Marselhesa. A “revolução brasileira” em marcha, posteriormente
derrotada, tinha encontrado seu hino. Não só esta obra específica traduzia a busca de
Vandré pela canção exortativa em seu conteúdo político mais contundente. No LP
Canto Geral, lançado em 1968, Vandré aprofundou seu projeto de se apropriar de
gêneros rurais para tecer a estrutura básica da canção exortativa “de protesto”.
Conforme o texto de sua autoria, impresso na contracapa do LP, o cantor engajado
deveria combater a massificação da música popular enfatizando a comunicabilidade
dos gêneros desvalorizados pelas fórmulas do mercado. Tentando ser coerente com
esta proposta, o repertório do álbum veiculava muitas variações da “moda-de-
viola”(Maria Rita, De Serra, de Terra, de Mar, Ventania, O Plantador) , guarañas
(Companheira), jongo (Cantiga Brava), toada (Aroeira). Os temas rurais (musicais e
poéticos) predominavam sobre os urbanos. Sintomaticamente, Vandré não incluiu
nenhuma variação do Samba ou de Marcha, gêneros cada vez mais comprometidos
com a estrutura dos festivais.
445O Trio Maraya era formado por Hilton Acioly, Bering e Marconi.
231
232
Walnice Galvão não foi a única a tentar analisar a crise da canção engajada
brasileira. Outro texto que se tornou referência na crítica desta corrente musical,
produzida no interior do próprio movimento estudantil, foi escrito por Osvaldo Louzada
Filho446. Nele, Louzada Filho traça uma trajetória histórica que vinculava o surgimento
da canção engajada ao novo lugar social ocupado pela canção, a partir da Bossa
Nova. Tendo como eixo central a letra de Sem Deus com a Família (de Cesar Roldão
Vieira, na verdade Idival Piveta), o autor teceu uma dura crítica à canção engajada que
visava politizar a Bossa mas, na sua opinião, conseguiu apenas reforçar uma visão
pitoresca da pobreza447: Ao tentar mimetizar os temas poéticos e materiais musicais
populares, os compositores engajados, geralmente de origem branca e formação
cultural elitista, teriam caído numa espécie de populismo cultural, no qual a imagem do
povo-herói seria construído a partir de mitos e visões passadistas, como a pureza
moral e cultural do povo pobre e excluído. Louzada Filho concluiu seu texto afirmando
que este tipo de canção, mesmo sem a intenção dos compositores, consagrava uma
“abordagem festiva da realidade nacional” onde a predomina uma visão “piedosa e
fascinante da miséria”448. Diferente de Walnice Galvão, Louzada não condenava a
suposta alienação da Bossa Nova. Ao contrário, reafirmava-a como momento
privilegiado na construção de uma nova consciência nacional, mais “brasileira e
reivindicante”449 do que a própria canção engajada, na medida que não cedia ao
populismo. O texto terminava com o ceticismo do autor em relação às possibilidades
de uma música jovem portadora de algum tipo de mensagem conscientizadora.
446O.C.Louzada Filho. “A festa da bossa: impacto, sintaxe e declínio”. Arte em Revista, 2, março/agosto
1979, CEAC. p.85-89 (Publicado originalmente na revista Tempo Brasileiro 19/20, 1969)
447Idem, p.86
448Idem, p.88
449Idem, p. 89
232
233
Há, porém, uma contradição fundamental nos dois textos: a música continua
ser ora o eixo da ação (Galvão) ora a força catalisadora do isolamento da esquerda
(Louzada). Em outras palavras, a música continua sendo o centro das expectativas do
debate político e, neste sentido, percebe-se a força da nova instituição no debate
cultural e político como um todo. Walnice Galvão pedia um hino de exortação, que
deveria ser o motor da ação política; Louzada Filho pedia a retomada da busca da
consciência nacional, tangenciada pela proposta da Bossa Nova. Nesta, o burguês se
reconhecia como tal, e se propunha a “falar-para-operário”, assumindo um projeto
nacional de elite, sem emular a condição de “povo carente”451.
450Idem, p.88
451Idem, p. 89
233
234
452 Neste sentido, podemos afirmar que a MPB, tendo sua base social nestes segmentos, estava mais
próxima de uma tradição de "radicalismo", tal como definidada Antônio Cândido, do que de uma tradição
"revolucionária", embora fosse esta a expectativa da época. Ver A.Cândido. "Radicalismos". Estudos
Avançados. IEA / USP, (4) 8, 1988, p...
234
235
Sidney Miller defendia a tese de que a única saída para este impasse era o
artista afirmar uma “linha pessoal de trabalho”, tomando o cuidado para não se isolar
do público. É interessante notar que na sua visão, a “comunicabilidade”, categoria
central da canção engajada, deveria ser pensada fora das estruturas do “consumo
453S.Miller. “Os festivais no panorama da Música Popular Brasileira”. Revista de Civilização Brasileira,
ano IV, 17, jan/fev 1968, p.236
454Idem, p. 238
235
236
455Idem, p.239.
456Idem, p.240
457Idem, p. 243
236
237
237
238
tentativa de delimitar uma música de “raiz” nacional-popular num mercado cada vez
mais aberto à influência da sonoridade musical internacionalizada. Seu evento mais
importante foi a Bienal do Samba. O segundo modo foi uma resposta da própria
indústria da televisão ao caráter massivo e altamente profissionalizado que aqueles
eventos assumiram, no qual o público preferencial de MPB - a juventude universitária -
não tinha mais tanto espaço para se manifestar, seja no palco ou na platéia.
Naquele ano ocorreram quatro grandes festivais nacionais, sem falar de outros
que tiveram menor impacto. Todos possuíam um elemento comum: a vinculação,
praticamente direta, a uma grande rede de televisão. Os principais festivais de 1968,
por ordem cronológica, foram:
**********
238
239
acabaram sendo reabsorvidos pelo campo da MPB e como tal constituíram parte
importante do material musical dos festivais de 1968.
Elis Regina ganhou um novo fôlego para a sua carreira ao vencer a Bienal,
interpretando a música de Baden Powell, intitulada Lapinha. Entre os compositores
classificados para a final nota-se a presença de artistas então recém surgidos, como
Chico Buarque, Sidney Miller e Paulinho da Viola, em meio a nomes tradicionais do
universo do Samba, como Cartola, Pixinguinha, João da Bahiana. O encontro de duas
temporalidades seminais do Samba, a tradição e a renovação, tinha um significado
duplo: tanto abria novos espaços para artistas tradicionais, situados nas margens do
mercado fonográfico, quanto para os compositores que circulavam nos espaços mais
restritos, socialmente falando, dos consumidores mais jovens.
O FIC de 1968 foi o evento que mais ameaçou, do ponto de vista de impacto
“político” e de audiência, o evento congênere da Record. A começar pela polêmica
causada por Caetano Veloso, quando se desentendeu com a platéia na eliminatória
paulista, que ganhou as páginas da mídia, conforme analisado no capítulo anterior.
Com as inscrições abertas entre maio e julho, o III FIC contava com a
participação de 37 países. O júri era formado por nomes famosos internacionalmente,
como Sérgio Mendes (já consagrado nos EUA), Ella Fitzgerald, Sérgio Endrigo, entre
outros. A TV Globo, a partir de 1967 assumiu o evento, realizado em conjunto com a
Secretaria de Turismo da Guanabara. O período de transmissão (Parte Nacional: 26 a
29 de outubro, seguida da parte Parte Internacional, de 3 e 6 de novembro) não
coincidia diretamente com o festival da Record, realizado entre novembro e dezembro.
Entretanto, a possibilidade de um evento obscurecer o outro era considerável, na
medida em que um evento daquele porte concentrava as energias criativas dos
artistas, e atraia a atenção da indústria fonográfica e da mídia como um todo460.
460Na fase paulista, que acabou chamando muita atenção da imprensa (até por ser sede do festival da
Record), 12 músicas foram classificadas, entre elas: É proibido proibir (substituída por Caminhante
Noturno), Canção do Amor Armado, Na Boca da Noite, Oxalá, Améria,América, Pra não Dizer que não
falei das flores, Dança das Rosas.
239
240
Sabia. Para o público estudantil, “vencer o festival seria uma questão de honra, um
enfrentamento com a ditadura militar (...) Um festival de música de televisão
transformara-se em tribuna política. A tentativa de expandir uma esfera pública não-
oficial num regime que caminhava para o seu fechamento” 461. Com efeito, a canção
de Vandré provocou a reação negativa por parte das autoridades do regime. Conforme
depoimento do radialista Walter Silva, houve uma grande pressão sobre o júri, para
não premiar a canção de Vandré com o 1ºlugar, devido à “propaganda da guerrilha”
nela contida. O general Luiz França de Oliveira, Secretário de Segurança da
Guanabara, disse que Caminhando era “atentatória à soberania do país, um
achincalhe às Forças Armadas e não deveria nem mesmo ser inscrita”462.
240
241
463Idem, p.111
464Idem, p. 111
465Idem, p. 113/114
241
242
Chico Buarque), mas uma confusão de temporalidades, onde o sujeito já não sabe em
que tempo se vive: o passado, o futuro ou o futuro do passado.
Mesmo sem a participação direta de Gil e Caetano, que haviam rompido com a
emissora em março de 1968, o festival da Record foi estruturado para explorar o
debate entre Tropicalismo e MPB. Muitas canções eram apresentadas como “canções
tropicalistas”, com visível intenção provocativa467. Algumas pessoas do público
tinham a mesma percepção: “Foi uma fabricação em massa do tropicalismo. Ninguém
242
243
quis reconhecer as inovações dos baianos e agora todos procuram imitá-los nas
roupas, nos sons nas palavras. Mas imitam muito mal” 468
Na finalíssima o grau de tensão chegou a tal ponto que Gil foi acusado de
liderar as vaias contra Chico Buarque, quanto este apresentava Benvinda469.
Investindo numa provável segmentação de mercado, já vislumbrada pela indústria
fonográfica, o festival dividiu os júris, entre popular e oficial. O primeiro premiou Chico
Buarque (Benvinda) e o segundo Tom Zé (São Paulo, meu amor). Este último foi
apresentado como o mais novo gênio tropicalista, mas não chegou a vingar entre o
grande público, ao menos até o final dos anos 1990. A platéia era composta por jovens
entusiasmados, ao contrário do festival de 1966, onde se pode perceber um
espectador mais atento e de comportamento menos “festivo”, apresentando inclusive
maior amplitude de faixa etária470. Em 1968, nota-se um público mais jovem e
previamente dividido em “torcidas”471.
243
244
Estes dois fatores foram importantes para a nova configuração da MPB pós-
festivais, ao longo dos anos 70, onde engajamento e inovação estética não se
excluíram. Isto não ocorreu, porque, tanto a intenção de engajamento de conteúdo
quanto a abertura formal (pelo menos entre os “monstros sagrados” da MPB472) se
tornaram mais sutis, tendendo a um ponto de acomodação. No início dos anos 70, a
indústria e os próprios compositores, perceberam a importância de se manter dois
pólos reconhecíveis sob o nome de MPB - a pesquisa formal e o engajamento
baseado nos gêneros consagrados - num momento em que a expectativa de uma
resistência civil ao recrudescimento da repressão política voltava a se concentrar no
panorama musical. Neste sentido, o deslocamento do código exigido pela censura,
poderia tanto se utilizar da linguagem cifrada e metafórica, como do efeito de
estranhamento e do choque comportamental, para dinamizar o produto musical
cerceado. Mas em 1968, era diferente: as duas opções - engajamento e
experimentalismo - pareciam se auto-excluir: o festival se equilibrava entre o
predomínio da fórmula e a vontade de ruptura. Este acirramento de posições mantinha
o tom de polêmica que era parte constituinte do evento.
472A expressão “monstros sagrados” surge nos anos 70, denominando o panteão vivo da MPB, tomados
como os produtores culturais mais sofisticados, consagrados justamente na época dos festivais. Seriam
eles: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Milton Nascimento, entre os compositores e Elis
Regina, Gal Costa e Maria Bethania, entre as intérpretes. Estes nomes foram acrescidos de outros ao
longo dos anos 70, como Ivan Lins, João Bosco, entre outros.
473Fonte: Intervalo, 298, 21 a 28/09/1968,
244
245
474Os dados de audiência do IBOPE, porém, não confirmam esta visão: Na semana 11 a 17/11/1968 a
1ªeliminatória do IV Festival aparece em 8º lugar na audiência geral, com índice de 28,4% ; em
Novembro 1968 a finalíssima aparece em 10º lugar, com apenas 27,4% . Fonte: Boletim de Assistência
de TV, São Paulo, IBOPE (Acervo AEL/IFCH/Unicamp).
475“São coisas de festival”. Intervalo, 308, 1 a 7/12/68, 3-14
476“Bem vinda São Paulo meu amor”. Diário Popular, 10/12/68
477 Jornal da Tarde, 10/12. 29-30. Com efeito, muitos arranjadores e maestros consagrados (L. Gaya,
R.Duprat, S.Hohagen, Dori Caymmi) participaram deste festival, o que valorizava o prêmio a Edu Lobo.
245
246
certame478. O resultado dos dois júris, era o exemplo da cristalização dos critérios de
apreciação e julgamento da obras. O processo tirava um certo caráter de
“imprevisibilidade” que marcara os festivais de 1966 e 1967, quando as escolhas de
público e júri praticamente coincidiram.
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4º 2001 Bonita
478 Se Enor Paiano vê na autonomização do campo musical a explicação maior para a crise dos
festivais, Rita Morelli dá mais destaque às pressões da conjuntura política sobre os organizadores e
artistas. “Ao que parece , as companhias de disco assumiam cada vez mais a função de divulgação dos
artistas da MPB, invertendo a relação anteriormente existente entre aparecimento e gravação (...)
Forçadas a prescindirem da intermediação da televisão na seleção artística, dadas as dificuldades
enfrentadas pelas emissoras na organização dos novos festivais e dada a própria perda de prestígio
destes junto a maior parte da crítica(...)”. R.Morelli. Op.cit., p.58/59.
479Benil Santos, diretor artístico da RGE, explicava a lógica da gravadora: “O negócio gira em torno de
fases: a de música brasileira (após os festivais); a de música italiana (após o festival de San Remo), de
carnaval (bem concentrada) e americana (quase uma constante o ano todo). Tenho uma cota X para cada
gênero, não podendo ultrapassar o limite”. Jornal do Brasil, 27/12/67, p.B-5
246
247
Esta tendência foi consolidada pelos festivais de 1968. André Midani, então
gerente geral da Philips no Brasil, afirmou que os festivais ocasionaram uma “evolução
horizontal” no mercado, diversificando os tipos de música considerados vendáveis: “A
TV sentiu que havia grandes possibilidades comerciais para ela e começou a
promover o talento brasileiro de música jovem. Criou-se então uma bola de neve: a
música interessa ao público, o público queria participar e com sua entrada na televisão
a música brasileira conseguiu o necessário para a criação de um grande mercado: o
interesse para o produto, a divulgação de massa do produto. O coração desta grande
evolução nos meios de divulgação e comunicação foi a chegada dos grandes festivais
de música”480.
Rita Morelli, em seu estudo sobre a indústria fonográfica brasileira, tem uma
explicação que, em linhas gerais, corrobora a visão do executivo: “(...) A MPB teve,
desde então, uma importância fundamental para a indústria fonográfica, não apenas
enquanto meio para a conquista de um segmento de consumidores capaz de igualar
em longo prazo o mercado brasileiro de discos aos grandes mercados mundiais,
trazendo-lhe imediata elasticidade, mas também disposto a atender a demanda desse
segmento de consumidores (...)[ e possibilitando] a formação de um grupo de artistas
nativos capaz de se constituir numa alternativa permanente aos grandes astros da
música jovem internacional, parecia ser mesmo imprescindível para garantir uma
247
248
481R.Morelli. Op.cit., p.68/69. Sobre esta relação entre as multinacionais do disco com os produtores
culturais nacionais ver também: P.Flichy. Op.cit. p..218-221.
482Destacamos os documentos: Correspondência entre Ed.Abril e TV Record de 09/09/1968; IV Festival
de MPB: condições de inscrição; Termo de Convênio entre TV Record e ABPD de 27/09/1968; Relatório
da Reunião entre Cia Swift, Standard e TV Record, de 25/10/1968; Resumo Geral do IV Festival de MPB;
Boletim Informativo nº3 Super Viva e o IV Festival. Este corpus documental nos permite uma razoável
radiografia da atuação da “indústria cultural” em torno do festival de 1968.
483Ver nota 34.
248
249
484Boletim Informativo nº3, Super Viva e o IV Festival , TV Record. São Paulo, 1968
249
250
250
251
1) O (s) compositor (es) deveriam inscrever sua músicas em dois suportes básicos: a
letra datilografada e a partitura escrita para piano, as quais passavam pela pré-seleção
e pela seleção final, ambas a cargo do pré-juri escolhido pela TV Record. No final
desta fase sobrariam as 36 canções a serem apresentadas nas três eliminatórias. As
“condições de inscrição” estabeleciam que o autor cedesse a “absoluta exclusividade
para todo território nacional para Radio e Tv Record por dois anos a contar da data da
primeira apresentação”490, que por sua vez cedia os direitos de reprodução fono-
mecânica da obra outorgada aos produtores da Associação Brasileira de Produtores
de Fonogramas. O direito de adaptação fonográfica da obra incluía “mudança de ritmo,
251
252
491Idem
492Carta de Intenções da Standard para a TV Record, 10/07/1967 (Arquivo da TV Record)
493Termo de Convênio, 27/09/68 (Arquivo da TV Record).
252
253
A seleção das doze finalistas (quatro por eliminatória) ficava a cargo do júri,
que em 1968 foi dividido em “especial” e “popular”. Normalmente, o júri era composto
por membros escolhidos dentro de um critério “político”, que procurava contemplar as
instituições e empresas envolvidas no evento. A direção da Record reservava o direito
de desclassificar qualquer canção em caso de atitude inconveniente do intérprete,
como efetivamente ocorreu no incidente com Sérgio Ricardo em 1967. De qualquer
forma, o júri acabava determinado a composição final do produto televisivo, num
processo em que muitas variantes entravam em jogo, tais como preferências pessoais,
interesses comerciais da TV e gravadoras, disputas ideológicas, considerações
estéticas e sociológicas.
494Idem, parágrafo # 1
253
254
emissora ou aos compositores, que só recebiam pela venda dos fonogramas e pelas
partituras editadas495.
495No caso das músicas de festival, as editoras musicais não poderiam ceder direitos de reprodução
fono-mecânica das obras (prerrogativa da TV Record). Apenas publicar as partituras e intermediar a
cobrança de Direitos Autorais.
496Posteriormente a TV Record questionou a cobertura da Revista Intervalo: “A cobertura que nos foi
dada pela Intervalo jamais correspondeu à proporção que ganhou alimentando-se da promoção à custa
do Festival e da Record (...) Parece claro que o concurso lançado pela Intervalo foi divulgado como
publicidade gratuita pela Record, dando em troca apenas o nome do Festival que, neste caso, promoveu-
se por si próprio, auxiliando, isto sim, a venda das edições da revista”. Resumo Geral do IV Festival de
MPB, assinado por Marco Antônio Riso (Arquivo TV Record).
497Carta de Intenções da Standard para a TV Record.
498Conforme solicitação dos competidores, o dinheiro seria dividido em partes iguais entre os primeiros
colocados.
254
255
fazendo com que a TV Record, mesmo antes do AI-5, anunciasse o provável fim do
seu festival de MPB.
255
256
A crítica mais pesada ao FIC veio de São Paulo, do grupo Música Nova (Júlio
Medaglia, Damiano Cozzela e Rogério Duprat). Com a mudança de estrutura do
festival da Record e a hegemonia das “baladas” no FIC, o grupo lançou um manifesto
intitulado “Eis o funeral da canção”500. Percebendo o fechamento da música popular
para o experimentalismo da vanguarda, os três maestros atacaram o que eles
denominaram de “música popular oficial”, na qual o FIC era o evento máximo: “Antes
era apenas mais um festival. Agora, converteu-se num festim nefasto à cultura
brasileira, um ‘Funeral Internacional da Canção’. O FIC ‘san-remiza’ a música popular
brasileira e joga fora todo esforço de renovação iniciado com João Gilberto, Tom
Jobim e continuado por Gil e Caetano”. O manifesto sintetiza o FIC num dilema
paródico, aludindo ao seu caráter exclusivamente comercial: “Tutu or not tutu?”
499Somente em 1972, quando Solano Ribeiro foi contratado para dirigir o VII FIC com liberdade total
concedida pela Globo, este festival voltou a ser cercado de alguma expectativa por parte de artistas e
críticos. Porém o contexto altamente repressivo inviabilizava qualquer festival mais aberto à
experimentalismos e à inserção mais contundente da música na sociedade. Aquele ano assistiu à última
edição do festival, que nunca mais voltou a ser realizado.
500Veja, 08/10/69, p.77
256
257
257
258
258
259
506Um articulista do mesmo jornal foi mais além afirmando que a organização do V Festival “fez com que
os compositores parecessem calouros”, e o júri de debates “Substituiu com maior estridência o zunido das
guitarras, tornando ridículo e vexatório o que deveria ser um julgamento sério (...)Tal como está
organizado, o festival passa a ser , mais do que já era, espetáculo para uma pequena minoria que pulula
ao redor das emissoras de TV, ávida para aparecer diante das câmeras e dar o ar da sua graça
(...)Tranformou-se assim, um festival de música em mais um espetáculo de televisão com o tempero da
vulgaridade, como ingrediente obrigatório para garantir a audiência a ponto no IBOPE. N. Scalzo “Um
tempero de vulgaridade”. OESP, 18/11/69, p. 13.
507Conforme declaração de Flavio Porto. Intervalo, 362, 1969
508Veja, 08/10/69, p.76/77
259
260
melhores criadores. Após dezembro de 1968, alguns foram presos (Gil e Caetano),
alguns ficaram foragidos e posteriormente saíram do país (Geraldo Vandré) e outros
partiram para um exílio “voluntário” (Chico Buarque). Aqueles que permaneceram se
viram cerceados em sua capacidade de expressão musical e poética.
Mas a partir dos anos 80, o esforço de alguns autores brasileiros tem sido
direcionado para a análise das singularidades da indústria cultural em nosso país,
tendo em vista a intrigante relação entre a chamada “cultura de esquerda” dos anos
60, de matriz nacional-popular, e os grandes sistemas de produção de bens culturais
(indústria televisivo e indústria fonográfica, sobretudo). Os grandes paradigmas de
análise expostos anteriormente, hegemônicos até o começo dos anos 70, tem sido
revisados por esta nova corrente. Tanto os pressupostos de Theodor Adorno e da
“Teoria Crítica”, quanto aqueles baseados na “Teoria da Informação” (Umberto Eco,
por exemplo), parecem ser insuficientes para entender a especificidade brasileira,
embora, as formulações críticas gerais destas duas correntes continuem sendo
aplicáveis em casos específicos. Mas pensamos que o problema, se analisado em
suas particularidades históricas, é mais amplo do que apenas reafirmar o caráter
sistêmico da indústria da cultura, diluidora do espírito e reprodutora da ordem social,
nem tampouco sublinhar o jogo entre “redundância” e “informação”, exaltando o papel
do dinamizador de obras e protagonistas (o artista-intelectual) na solução dos
impasses artísticos e culturais.
260
261
Para nós, o que importa, é enfatizar a relação entre indústria cultural e cultura
política (no caso a "nacional-popular"). Neste sentido a tendência das últimas análises
tem sido a de sublinhar o processo de diluição do nacional-popular na indústria
cultural, estabelecendo novos parâmetros para a relação entre os artistas e
intelectuais com o mercado. Destacamos, neste debate, as posições de Renato
Ortiz511 e Marcelo Ridenti512
509 Estamos nos referindo à coleção "O Nacional e o Popular na Cultura Brasileira", da Editora
Brasiliense, cujos volumes foram lançados entre 1981 e 1983. Destacamos o volume "Seminários", de
Marilena Chaui, no qual as bases imaginárias da tradição cepecista são desconstruídas e o artigo "Getúlio
da Paixão Cearense", no volume "Música", de José Miguel Wisnik, no qual as tensões entre o mercado e
a política cultural são analisados, ao longo do primeiro ciclo de institucionalização da música brasileira
(anos 20 e 30).
510 Michel Debrun, em franco debate com a corrente anterior, destaca que a cultura "nacional-popular'
não deve ser vista como "postiça", pura ideologia das elites autoritárias, mas efetivamente marcou um
projeto identitário assumido pelo conjunto da sociedade brasileira. Debrun destaca que o Brasil construiu
efetivamente uma identidade cultural nacional-popular, ainda que permeada por tensões, mas não
conseguiu criar uma identidade cívico-política com a mesma força. M.Debrun. "A identidade nacional
brasileira". Estudos Avançados, IEA / USP, 4 (8), 1988, 39-49
511 R. Ortiz. A Moderna Tradição Brasileira.
512 M.Ridenti. O fantasma da revolução brasileira ; M.Ridenti. Em busca do povo brasileiro.
513R. Ortiz. Op.cit. ,p.181
261
262
marcante nos anos 60, pois a delimitou em uma esfera privilegiadamente marcada
pelo consumo514.
514J.M.Barbero tem uma visão distinta, acerca da realização “política” dos conteúdos da indústria
cultural. O autor privilegia a análise das sociabilidades envolvidas na recepção das obras, carregada de
“mediações” específicas que poderiam constituir uma experiência não circunscrita às intenções do polo
emissor. Mesmo instigante, esta proposição para ser incorporada por um trabalho historiográfico,
necessita de um corpo documental bastante específico, de difícil localização e sistematização, que
permita acompanhar a dinâmica social de “mediação” entre emissor e receptor das obras. Ver
J.M.Barbero. Dos meios às mediações.
515 M.Ridenti . O fantasma da revolução brasileira., p. 73-115
516 M.Ridenti. "Dos anos 60 aos 90: artistas e intelectuais em busca da brasilidade". Anais XX Simpósio
Nacional de História. ANPUH / Florianópolis, 1999, p. 555-562
517 Idem, p.561
262
263
na sua própria condição de classe. Este processo teria sido corroborado pelo processo
de "massificação da cultura", pós-68.
Portanto, para o caso em questão, não se trata de disputa por “hegemonia” nos
bens culturais, nem de presença de uma ideologia de fundo “conservador”
("nacionalismo") que seria a liga destes dois pólos. Para entender a função e a história
da MPB renovada, um dos caminhos possíveis é pensá-la como instituição sócio-
cultural, tal como colocado na introdução deste trabalho. Esta abordagem deve
articular dois movimentos concomitantes: um movimento interno, tendo sua dinâmica
marcada por regras e estatuto próprio, e outro externo, marcado pela articulação com
outras instituições, segmentos sociais e jogos de interesse.
263
264
demarcadoras de uma nova organização da esfera pública. Aliás, a MPB foi um dos
produtos culturais deste processo.
Neste sentido, o enfoque deste trabalho procurou revisar outra tese marcante
sobre a história cultural dos anos 60. Segundo ela a hegemonia da indústria cultural
diante da cultura engajada foi produto do “impasse” político pós-64 e o isolamento do
artista e intelectual de esquerda, em relação ao resto da sociedade519. Para o caso
da MPB, é necessário relativizar esta afirmação. Parece plausível supor que o
entrecruzamento entre MPB “engajada” e mercado musical, que marcou o tipo de
inserção do nacional-popular nesta área artística, não foi produto exclusivo do
impasse político pós-1964. Esta relação esteve presente muito antes, desde o
surgimento de um projeto de canção politizada, que se deu no início da década de 60,
antes mesmo do golpe militar. Desde aquele momento, os músicos foram os que mais
entraram em choque com o dogmatismo do projeto nacional-popular mais purista,
sintetizado pelo CPC/UNE, como atestam as posições de Sérgio Ricardo e Carlos
Lyra. Em nossa opinião, na música, o nacional-popular nunca foi pensado “fora” do
mercado, mas dialogando intimamente com ele520. Não houve “cooptação”, como
processo estrutural, em função de um isolamento do artista-intelectual. A “ida ao
mercado” foi parte de uma estratégia, nem sempre de consequências satisfatórias do
ponto de vista político, por parte do artista de esquerda, como tentamos demonstrar ao
longo deste trabalho. O jogo "impasse" e "evolução" é produto, em parte, desta
inserção estrutural da MPB no sistema de canções que se inseriu nas mudanças
estruturais da indústria cultural como um todo. Mas, sublinhamos que é precisamente
o caráter institucional da MPB, que vem articulando a sua relação com o mercado. O
seu papel, muitas vezes contraditório na constituição de uma esfera pública de
oposição civil ao regime militar, se articula a esta característica histórica, que acabaria
por imprimir-lhe uma marca estrutural. A MPB é indissociável desta esfera pública, é
experimentou sua crise justamente quando esta esfera se diluiu, ao longo dos anos
80. A sigla, obviamente ainda existe, ocupa um lugar privilegiado na hierarquia do
gosto, mas a "instituição MPB" ocupa, desde então, um lugar diferente no sistema de
produção / consumo de canções no Brasil. Já não é ela que fornece os parâmetros de
organização do mercado fonográfico, na qualidade de seu setor mais dinâmico, como
ocorreu entre o início dos anos 60 e o início dos anos 80.
519Esta tese, amplamente disseminada, pode ser acompanhada na argumentação de diversos autores,
como Roberto Schwarz, Heloísa Buarque de Hollanda e Marcelo Ridenti, que mesmo apresentando
conclusões distintas entre si, partem desta problemática comum. Ver bibliografia.
520 A.Contier. "Carlos Lyra e Edu Lobo: o nacional e o popular....". Op.cit.
264
265
Por outro lado, a MPB talvez tenha sido o produto mais eficaz na realização de
uma identidade cultural nos termos do nacional-popular, na medida em que conseguiu
construir uma linguagem poético-musical que articulou o "particular" ao "universal",
no âmbito utópico da nação, pensada como termo médio no espaço (a síntese das
características regionais mas contundentes), no tempo (a síntese entre a tradição e a
ruptura) e no conjunto de sua sociedade civil (o conjunto das classes sociais). A busca
desta mediação não esteve isenta de tensões e conflitos nem foi produto de um
consenso entre artistas e intelectuais.
265
266
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o AI-5, com o corte abrupto das experiências musicais lastreadas num
intenso debate político-ideológico, os marcos da Bossa Nova e do Tropicalismo foram
sendo percebidos como a referências de uma dinâmica de renovação musical radical.
Na verdade a “renovação” da MPB se traduziu num processo de institucionalização,
que reorganizou os materiais de referência estética e ideológica da canção brasileira,
para o qual concorreram aqueles dois movimentos. Mas não devemos buscar uma
linearidade entre estes dois marcos históricos. Procuramos demonstrar o intenso
processo de lutas e descontinuidades que configurou a trajetória de renovação musical
dos anos 60.
Como já dissemos, em 1969 o projeto nacional-popular não era mais
determinante dos rumos musicais do país, seja pela força da repressão seja pela força
de novas tendências ligadas ao “som universal”. Mas, sem dúvida, certos elementos
desta cultura política original foram incorporados pela instituição sócio-cultural que se
consolidava sob o nome de MPB. A mescla destes elementos, hegemônicos até 1967,
com novos materiais e posturas críticas em relação ao lugar social da canção,
desenvolvidos em torno do Tropicalismo, irá fornecer o eixo central de criação mais
valorizada na área musical. Seguiu-se uma profunda reorganização do panorama
musical, tendo como balizas, por um lado a “instituição MPB” e, por outro, as novas
orientações da indústria fonográfica.
Ao final da trajetória de renovação da MPB, a indústria fonográfica
praticamente encerrava o seu ciclo de “substituição das importações”. O mercado
brasileiro passou a ser dotado de dinâmica própria e auto-reproduzida, com cerca de
70% dos fonogramas consumidos sendo produzidos no Brasil523. A estrutura social
do consumo de música se concentrava nos consumidores mais jovens (18 a 25 anos).
Um novo e criativo cast de compositores garantiria um fornecimento de “matéria
prima” de qualidade, embora, este fornecimento estivesse momentaneamente
prejudicado pelo rigor da censura. O nível técnico de gravação estava longe do ideal
para os padrões internacionais, não apresentava limitações muito rigorosas que
inviabilizassem um padrão mínimo de excelência tecnológica.
523Nem todos os fonogramas produzidos no Brasil podem ser considerados de música brasileira
(canções em português). No começo da década de 70, houve um boom de cantores e grupos musicais
que cantavam em inglês, como Morris Albert e Light and Refletions , entre outros. Este tipo de música era
responsável por boa parte das vendas. De qualquer forma, este fenômeno não invalida o caráter geral
desta cifra.
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524Abertura para inovações musicais e poéticas, mesclada ao culto à uma dada tradição, engajamento
político cultural, incorporação crítica da música transnacional, etc
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268
269
envolvidos. Cada momento histórico traz as marcas destas intervenções e, por esta
razão, um campo artístico-cultural não deve ser analisado apenas como sistema,
sincrônico, mas confrontada em seu movimento diacrônico.
Outro problema para as futuras pesquisas é entender as implicações estéticas
e ideológicas do consumo cultural. No caso em questão, a MPB não foi içada de um
espaço social não mercantilizado pelas “garras” da indústria cultural. O conflito entre
as propostas ativistas “não comerciais” e e o caráter mercantil da atividade artística
esteve presente desde o começo do processo, em meio à eclosão da Bossa Nova
que, por sua vez, perturbou um mercado musical estruturado desde os anos 30/40.
Daí decorria a natureza ambígua dos festivais, como eventos-espaços mercantis e não
mercantis ao mesmo tempo. A atração que a indústria cultural brasileira vai exercer
entre artistas e intelectuais de esquerda deve ser pensada a partir desta
pecualiaridade histórica.
A dinâmica específica através da qual se constituiu a MPB fez com que a
tentativa inicial de isolar “gêneros” e tradições musicais, marcando um rótulo
específico, fosse inócua. O Tropicalismo, neste sentido, teve o mérito de perceber esta
característica cultural e estética e realizou não só uma abertura mas um
questionamento dos limites entre os gêneros “nacionais” e “estrangeiros”, entre o
“bom” e o “mau gosto”, entre o “engajamento” e a “diversão”. O Tropicalismo
radicalizou uma tendência da cultura e, sobretudo da música brasileira: a incorporação
atávica do “outro”. Este processo, ao mesmo tempo em que ampliou os materiais
disponíveis para o consumo da canção renovada, diluiu a identificação da MPB com
um grupo social específico, ainda que sua produção tenha sido direcionada para as
“classes médias”. Este aspecto ainda necessita ser mais estudado, pois ainda não
temos um estudo amplo e bem documentado da estrutura social do consumo musical
no país.
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270
526Estilo de Samba melodioso, com letras picantes ou românticas, de ritmo cadenciado, mas sem os
timbres “sujos” ou em estado bruto que caracterizavam os sambas “de morro”. No geral, o “sambão” era
produto de um trabalho de “filtragem” realizado em estúdio.
527Em meados da década de 70, com a entrada de novas gravadoras (como a WEA), a modernização
dos estúdios e a perspectiva de abertura política, a MPB voltou a ser altamente valorizada
comercialmente, além de manter-se no topo da hierarquia cultural do país. Álbuns significativos, do ponto
de vista artístico e comercial, demarcam essa clivagem como por exemplo: Meus Caros Amigos (Chico
Buarque, Philips, 1976); Milagre dos Peixes (EMI, 1974) e Minas (EMI, 1977) de Milton Nascimento, Falso
Brilhante (Philips, 1976) de Elis Regina. Além disso, novos nomes surgidos neste campo, como o
cearense Raimundo Fagner e o alagoano Djavan conseguiram dinaminizar o mercado de MPB em
meados dos anos 70. Entre 1978 e 1979, a MPB voltou a ocupar um espaço comercial e cultural bastante
destacado, consolidando-se como a “faixa de prestígio” e de lucro a longo prazo da indústria fonográfica.
Este papel será paulatinamente diluído pela entrada do pop brasileiro no mercado, em meados dos anos
80.
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“Canção de inspiração que não vem” (S.Ponte Preta), Última Hora/ SP, 06/04/65
“Balanço de um festival vencido por dois jovens: Edu e Vinicius”, Última Hora/SP, 10/04/65, 9
“Chico vai assombrar o país”, Última Hora/SP, 21/04/65, 9
“Declaração de voto e outros babados...”m UH/SP, 23/04/65, 9
“Ainda o festival”, Última Hora/SP, 15/05/65, 6
(III FIC), UH/SP, 13/09/68
“Tropicália: ou uma cultura em questão” (L.C.Maciel), Correio da Manhã, 20/09/68
“Uma geléia geral de vanguarda” (R.Castro), Correio da Manhã, 21/09/68, 4
“Comentando as canções que passaram no festival”, UH/SP, 21/11/68, 9
“A guerra das torcidas”, Folha da Tarde, 26/11/68
“Gritando e dançando o público voltou a participar....”, Folha da Tarde, 26/11/68
“Sei lá, Mangueira”, Diário da Noite, 26/11/68
“Bem vinda São Paulo meu amor”, Diário da Noite, 10/12/68
“Este festival matou o samba”, UH/SP, 11/12/68
(“Abaixo assinado do Juri” no III Festival da Música Popular, TV Record, por ocasião da
desclassificação do cantor Sérgio Ricardo), 21/out/1967
Carta de Intenções (Rascunho) da Standard Propaganda para a TV Record, acerca do V
Festival (1969)
Correspondência entre Editora Abril e TV Record, ref: parceria promocional acerca do IV
Festival, 09/set/1968
Correspondência entre Paulo Machado de Carvalho e Orlando Zancanei (Secretário de
Turismo e Cultura de São Paulo), 13/nov/1968
Condições de Inscrição no IV Festival, TV Record, s/d
Correspondência do Centro Acadêmico XI de Agosto, assinada por Ricardo Ferraz Vespucci
(Diretor social), para a TV Record, acerca do V Festival (1969), 17/nov/1969
Projeto do V Festival de MPB da TV Record 19/ago/1969
Relação de canções por eliminatória, V Festival de MPB, TV Record, 1969
288
289
Relatório do CPC (produção do Centro entre 1961 e 1964) apud Barcelos, Jalusa (org). CPC
da UNE. Uma história de paixão e consciência. Rio de Janeiro, IBAC/Minc/Nova
Fronteira, 1994
289
290
4.2 Outras obras fonográficas consultadas (por ordem alfabética, artista principal, título, gravadora,
nºregistro, ano edição, ano fonograma original)
290
291
LYRA, Carlos et alli. O povo canta. União Nacional dos Estudantes, 1963
LYRA, Carlos et alli. Pobre Menina Rica,CBS, 137781, 1972 (1964)
LOBO, Eduardo e Tamba Trio. A música de Edu Lobo por Edu Lobo. Elenco, ME 19, 1965
LOBO, Eduardo. Edu. Phillips, R 765.013 L, 1967
MANIFESTO, Grupo. Manifesto musical. Polygram, cd 526958-2, 1995 (1967)
MAYSA. Convite para ouvir Maysa. RGE, 8517-2, 1993
entre 1963-67)
MILLER, Sidney et alli. Do guarani ao guaraná. Elenco, ME 51, 1968
MORAES, Vinicius et alli. A arte de Vinicius de Moraes (Coletânea). Polygram, cd 834 654-2, 1988
(1966 e 1967)
MPB4. MPB4. Elenco, ME 43, 1967
MPB-4. (Idem). LP Elenco, ME-50, 1968
MUTANTES, Os. (Idem). CD Polygram 829498-2, s/d (1968)
MUTANTES, Os. (Idem). CD Polygram 826886-2, s/d (1969)
POWELL, B. Baden à Vontade. Philips/Polygram, 848968-2, (1964)
POWELL. B & MORAES, V. Os Afrosambas. Forma, FM16, 1966
QUARTETO em Cy. Em cy maior. Elenco, ME 47, 1968
REGINA, Elis & Rodrigues, Jair. Dois na bossa, Phillips, LP P-632765-L, 1965
REGINA, Elis. Samba eu canto assim. Phillips/ Polygram, LP 811 218-14, 1983 (1965)
REGINA,Elis. Elis Regina no fino da bossa ao vivo (gravações originais).(3 volumes). Velas, cds
11.v030.v 1 / v.2 / v.3, 1994 (1965/1966)
REGINA, Elis & Rodrigues, J. Dois na bossa nº2, Phillips/Polygram, cd m-518061-2, 1994 (1966)
REGINA, Elis & Rodrigues, J. Dois na bossa nº3, Phillips/Polygram, cd 522663-2, *, (1967)
REGINA, Elis & Zimbo Trio. O fino do fino. Cd*, *, (1965)
REGINA, Elis. Elis. Philips, 81043611, 1983 (1966)
REGINA, E. Elis Especial. Philips/Polygram, 81122019, 1983 (1968)
RICARDO, Sergio. A bossa romântica de Sergio Ricardo. Odeon, MOFB 3.168, 1960
RICARDO, Sergio. Um senhor de talento. Elenco, ME-7, 1963
RICARDO, S.Deus e o Diabo na Terra do Sol (trilha sonora) , Forma. FM 3, 1964
RODRIGUES, Jair. O sorriso do Jair. LP Philips P 765.004 P, 1966
RODRIGUES, J. Jair de Todos os sambas. Philips, R 765081 L, 1969
SANTOS, Agostinho dos. A popularidade de Agostinho dos Santos. Polydor/Polygram, cd 523 458-2,
SIMONAL, Wilson. A nova dimensão do samba.EMI, cd 833531-2, 1995 , (1964)
TAMBA Trio. Avanço.Philips/CBD, P 632.154 L, 1963
TAMBA Trio. Tamba Trio. Fontana/Phonogram (Ed.Histórica, vol.14), 6470525, 1975
TELLES, Sylvia. Amor em Hi-fi. Phillips/Phonogram, LP 6485 110, 1978, (1960)
TELLES, S. Bossa, Balanço, Balada. Fontana/Phonogram (Ed.Histórica v.7), 6470517, 1974
Tuca (Teatro da Pontifícia Universidade Católica/SP). Morte e Vida Severina (Peça de J.Cabral de Mello
Neto com musicas de Chico Buarque de Hollanda). Phillips, P 632.900L, 1966
VALLE, Marcos. (Idem). Série Coletânea vol.2, EMI/Odeon, s/d
VANDRE, Geraldo. Convite para ouvir Vandré (Coletânea). RGE, cd 8517-2, 1996 (1962 a 1968)
VANDRE, Geraldo. (Idem). LP Audio Fidelity 2008, 1964
VANDRÉ, G. Hora de Lutar. Discolar, LPDS 32009, 1969 (1965)
VANDRÉ, Geraldo. Canto Geral. LP Odeon MOFB 3514, 1968 (original)
291
292
(Vários). O fino da bossa(ao vivo no Teatro Paramount em SP, 25/05/1964). RGE, cd 347.6012, 1994
(1964)
(Vários) . Paramount, o templo da bossa. RGE, cd 9002-2, 1995 (1965)
(Vários). Os grandes sucessos do Paramount. RGE, cd 347.6009, 1994 (1964/1965)
(Vários). Nos tempos da bossa nova (Coletânea especial em 4 volumes). Cd ve-0005 a 0008). Revista
Caras. 1996
(Vários). Bossa Nova no Carnegie Hall. Audio Fidelity, cd afcd8253, *, (21/11/1962).
(Vários). Arena Canta Zumbi. Som Maior, SMLP 1505, 1965
(Vários). Rosa de Ouro. EMI, 827301-2 (1965)
(Vários). Forma (A grande música brasileira). Mercury/Polygram, 528491-2, s/d (1964/1966)
(Vários). Roda de Samba v.1. Musidisc, 777.6099, s/d (orig.1965)
(Vários). Tropicália ou panis et circensis. Polygram, LP 6485 121, 1979, (1968)
(Vários). Tropicália ou Panis et Circencis. Philips/Polygram, 512.089-2 (orig. 1968)
(Vários). Documentos Sonoro do Folclore Brasileiro. Acervo Funarte,28, 32027
(Vários). O melhor da Jovem Guarda. Sigla/Som Livre, LP 403.6087, 1976 (1965 a 1967)
(Vários). O som da pilantragem. Polydor, LPNG 4421, 1968
VELOSO, Caetano et alli. Velloso, Bethania e Gil. RCA/Victor, LP 103.0003, 1968 (original)
VELOSO, Caetano e COSTA, G.. Domingo. Phillips, P765.007P, 1967
VELOSO, Caetano. (Idem). CD Polygram 838557-2, 1990 ( R765.026/1968)
Zimbo Trio. (Idem). LP RGE XRLP 5.253, 1964 (original)
5. FONTES AUDIO-VISUAIS
5.1- Programa Especial “TV Record 40 anos (Festivais)”, 1991, (músicas por odem de
apresentação):
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