Positivismo e Educação No Brasil

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS

CURSO DE PEDAGOGIA
DISCIPLINA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
PROFESSORA MESTRE ÂNGELA MARIA MARQUES

POSITIVISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL


Elomar Tambara

Positivismo é um paradigma que possui inúmeras conotações e vincula-se a um


espectro ideológico que se distribui desde posicionamentos claramente autoritários a
outros com matizes democráticos. Neste texto, positivismo está associado à concepção
clássica desenvolvida por Augusto Comte e à assunção particular desta filosofia no
Brasil e, mais particularmente ainda, no Rio Grande do Sul.
O positivismo se caracteriza por uma doutrina filosófica que privilegia as
mudanças pessoais como núcleo fundamental no processo de transformação social. A
construção teórica da ideologia comtiana, segundo Gianotti (2007), pode ser
compreendida em três aspectos:
Em primeiro lugar, uma filosofia da história com o objetivo de
mostrar as razões pelas quais uma certa maneira de pensar (chamada
por ele filosofia positiva ou pensamento positivo) deve imperar entre
os homens. Em segundo lugar, uma fundamentação e classificação das
ciências baseadas na filosofia positiva. Finalmente, uma sociologia
que, determinando a estrutura e os processos de modificação da
sociedade, permitisse a reforma prática das instituições. A esse
sistema deve-se acrescentar a forma religiosa assumida pelo plano de
renovação social, proposto por Comte nos seus últimos anos de vida
(p.22).
De modo geral, a filosofia da história, desenvolvida por Comte, alicerça-se na
conhecida “lei dos três estados” que identifica a evolução social da humanidade em três
estágios evolutivos que se inicia no Estágio Teológico, avançando para o Estado
Metafísico e, por fim, o Estado Positivo. Este último definido por ele como aquele em
que haveria uma subordinação do pensamento e da teoria à observação e à
experimentação. Neste particular, haveria uma classificação das ciências de acordo com
sua maior ou menor simplicidade. Em termos crescentes, teríamos: matemática,
astronomia, física, química, biologia e sociologia.
O aspecto fundamental da perspectiva educativa comtiana é a vinculação desta
com a distinção efetuada por ele entre estática e dinâmica que identificariam os aspectos
comportamentais dos indivíduos e da própria sociedade, evidenciando, a rigor, a ordem
e o progresso da mesma.
Não resta dúvida de que a predominância da cultura francesa nos meios
intelectuais brasileiros foi um dos fatores que influenciou o aparecimento de pessoas
interessadas no positivismo.
Sempre é bom lembrar que essa ideologia representou um processo de renovação
à ordem monárquica existente. O positivismo serviu como fator de aglutinação aos
setores interessados em uma nova ordem social, crentes da necessidade de apressar o
desenrolar da história.
As ideias de Comte tiveram maior penetração, constituindo-se em fatores de
difusão, nas faculdades de Direito (Recife e São Paulo) e, particularmente, em alguns
“clubes republicanos”.
Não se pode dizer que no final do século XIX, o positivismo fosse uma ideologia
conhecida pela maioria da população brasileira, e muito menos adotada pela maioria da
intelectualidade. Ocorreu que, em determinadas instituições, e em determinadas regiões,
figuras proeminentes eram positivistas, como exemplo desta situação, temos Benjamin
Constant no exército.
Foi com base no trabalho e no sucesso de indivíduos isolados que os ideais
positivistas foram incorporados aos mais diferentes setores da vida brasileira,
contribuindo para dar uma configuração bastante peculiar à vida nacional, de modo
especial ao período republicano.
1. Da Sociedade Positivista ao Apostolado Positivista
O processo de consolidação da divulgação do positivismo, no Brasil, ocorre com
a fundação da Sociedade Positivista no Rio de Janeiro, em 1876, sob a direção de
Antonio Carlos de Oliveira Guimarães. Tal instituição contava, em sua implantação,
com Benjamin Constant, Álvaro de Oliveira, Joaquim Ribeiro de Mendonça, Oscar de
Araujo, Raimundo Teixeira Mendes e Miguel Lemos entre outros.
Um dos principais objetivos da Sociedade era a divulgação das ideias de Comte
através de “Cursos científicos”, baseados na concepção positivista. Desse modo,
“influência da Religião da Humanidade foi se fazendo sentir na
abolição da escravidão africana, na dissipação dos preconceitos
pedantocráticos e do despotismo sanitário, e na propaganda
republicana, esforçando-se por desvanecer o regalismo, tanto
imperialista como democrático, mediante um regime de completa
separação entre o Poder Espiritual e o Poder Temporal” (MENDES,
1915, p.42).
Mas, as ideias positivistas já se vinham difundindo no país muito antes desta
época. Assim, por exemplo, encontram-se na tese de doutoramento de Manuel Joaquim
Pereira de Sá, em Ciência Físicas e Naturais, na Escola Militar do Rio de Janeiro, em
1850. Posteriormente, outros trabalhos, principalmente de autores ligados às ciências
naturais, inspiraram-se na filosofia comtiana.
É preciso ter presente que as relações entre os diversos membros da Sociedade
Positivista não se apresentaram consensuais com relação à interpretação e à prática dos
ideais de Comte. Particularmente, Miguel Lemos e Teixeira Mendes divergiram da
forma relativamente superficial da assunção das concepções comtianas pela Sociedade
Positivista, e direcionaram-se numa prática mais ortodoxa das concepções positivistas, o
que se consubstanciou na fundação do Apostolado Positivista.
Em verdade, reproduz-se no Brasil o mesmo quadro ocorrido com o positivismo
na França quando da cisão entre Litlé e Laffitte12. No princípio, o Apostolado
Positivista aderiu à corrente liderada por Laffitte, mas logo a ortodoxia dos brasileiros
superou a francesa, rompendo com esta e orientando-se a uma linha em que se
pontificava a interpretação do chileno Jorge Lagarrigue.
É no final da década de setenta, do século XIX, que o positivismo como
instituição assume importância no Brasil. Em 1877, Teixeira Mendes e Miguel Lemos
viajam para França e, na volta, Miguel Lemos, decepcionado com determinadas
“correntes” no positivismo francês, optou pelo aspecto místico da ideologia, isto é, pelo
positivismo como religião da humanidade, liderado, na época, na França, por Pierre
Laffite. A assunção das concepções de Litlé é explicada por Teixeira Mendes como
consequência da falta de informações sobre a doutrina, quando de sua iniciação no
positivismo.
Desta forma, o positivismo se secciona, liderando Miguel Lemos e Teixeira
Mendes a Sociedade Positivista do Rio de Janeiro, berço do Apostolado Positivista do
Brasil e da Igreja Positivista do Brasil.
O Apostolado Positivista do Brasil foi fundado oficialmente em 1881,
sob a direção de Miguel Lemos e Teixeira Mendes (ambos ficaram
famosos pelo dogmatismo com que seguiram Comte). O Apostolado
nunca articulou suas posições políticas numa prática, nem mesmo
posicionou seus discursos como antagônicos ao regime monárquico
(PINTO, 1982, p.40).
Mesmo assim, o Apostolado referendava, naturalmente, as principais concepções
positivistas sobre a forma de organização social.
A república ditatorial deveria extinguir o poder legislativo. As funções
a ele atribuídas deveriam estar concentradas nas mãos do ditador, que
seria perpétuo e teria o direito de escolher seu sucessor desde que
aprovado pela opinião pública. A liberdade espiritual deveria se
concretizar na completa liberdade de opinião. Ainda era proposta uma
Assembleia de representantes que deveria se ater a questões
financeiras... Em 1891 o PRR apresentou um projeto que se tornaria a
constituição do Rio Grande do Sul, onde se observam os mesmo
princípios (PINTO, 1982, p.41).
No caso específico da Educação, observa-se claramente a diferenciação entre a
ortodoxia e, de certa forma, o pragmatismo de alguns positivistas quando da
reformulação do ensino proposta por Benjamin Constant durante o Governo Provisório.
Apesar de incorporar claramente uma orientação positivista, esta não contempla “in
totum” as aspirações do Apostolado Positivista, como por exemplo, a dissolução de
todos os cursos, academias e instituições de ensino custeados pelo governo. O sucesso
dos positivistas é atribuído por Leonel Franca (1952)
ao aparelho matemático e científico de que se revestia a propaganda,
apto em si para cativar engenheiros e militares; a organização unida e
disciplinada do grupo; nos diretores do movimento, uma perseverança,
uma dedicação às suas ideias, verdadeiramente raras entre nós; além
de tudo isto, o estado geral de nossa cultura filosófica, o desamparo
em que jazia o espiritualismo sem defensores vigorosos, e aparelhados
para a luta (p.278).
Para avaliar a importância do positivismo na sociedade brasileira, não se pode,
evidentemente, restringir-se ao caráter quantitativo do número de membros do
Apostolado Positivista que, em verdade, sempre foi bastante diminuto. Quando da
morte de Miguel de Lemos, a Igreja Positivista do Rio contava com 70 membros
adultos.
A verdadeira importância está na propagação ocorrida de forma difusa, a partir
deste e de outros focos de irradiação de concepções sociais com influência positivista.
Em termos de divulgação do positivismo no Brasil, não se pode olvidar o papel
desempenhado por Luiz Pereira Barreto que, diferenciando-se do Apostolado
Positivista, filiou-se à linha de interpretação proposta por Littré, cujo esteio é a “lei dos
três estados”, que leva a uma linha de conflito com a Igreja Católica.
2. Positivismo e Educação
Inquestionavelmente, foi na área da educação que o positivismo, no Brasil, obteve
maior penetração. Apesar de algumas incursões na área política, particularmente no Rio
Grande do Sul, com a ascensão do Partido Republicano Rio-Grandense ao poder, com
explícita inspiração comtiana e, apesar ainda do esforço hercúleo de Miguel Lemos e
Teixeira Mendes na expansão da área de atuação do Apostolado Positivista do Brasil (o
aspecto religioso do positivismo), foi nos estabelecimentos de ensino que, com maior
sucesso, os ideais positivistas encontraram ressonância.
Provavelmente, isto se deva a um processo de reação ao tipo de educação
predominante, com características jesuíticas, com a qual os positivistas sempre
procuraram marcar diferença.
Neste sentido, observa-se que, nas escolas particulares confessionais, as ideias
de Comte encontraram sempre grande resistência, mais que isto, constituíram-se em
polos de aglutinação crítica à filosofia positivista, embora, como se verá adiante, estes
estabelecimentos deverem à atuação positivista a abertura do “mercado” brasileiro às
instituições educacionais confessionais.
Portanto, são os estabelecimentos não confessionais os que se destacam pela
assunção desta ideologia. Salientam-se nesta plêiade, as escolas e academias militares e
as “escolas livres”, tão de preferência dos positivistas.
Dentre as “escolas livres”, sobressaem-se a de Direito e a Politécnica. Com
relação a esta última, é impressionante o número de positivistas brasileiros com
formação a ela vinculada. No estudo efetuado por Gilberto Freire, “Ordem e Progresso”
(FREIRE, 1962), evidencia-se que a maioria dos positivistas brasileiros exercia
profissões vinculadas à engenharia, à agrimensura ou a atividades afins.
Em termos ideológicos, no Brasil, nota-se claramente uma divisão educacional
do trabalho: enquanto que os estabelecimentos de ensino vinculados às instituições
religiosas dedicaram-se a uma educação mais “humanística”, os estabelecimentos sob
orientação positivista implementaram um ensino de caráter mais “técnico”.
Neste sentido, em quase todos os estados, percebe-se que a criação de escolas
técnicas esteve associada às pessoas direta ou indiretamente ligadas à ideologia
positivista.
3. A concepção positivista da estrutura educacional
A questão do ensino no positivismo está profundamente associada ao papel
desempenhado pela mulher na sociedade. A esta cabia designar os caminhos pelos
quais, na área de instrução/educação, deviam trilhar as famílias. Era considerada
usurpadora a atitude do governo de pretender imiscuir-se na educação das crianças.
Sobre esta questão, assim se manifestava o Apostolado Positivista (1995):
É por julgarem que podem tudo, que os governos temporais tentam
usurpar a função moral da Mulher, imaginando até que está ao alcance
deles substituir a família por instituições, que não passam de muletas
sociais. São assim levados a desenvolver e sistematizar, como
aparelhos eternos, expedientes surgidos em épocas de anarquia, como
as escolas primárias, as creches, os hospitais, os orfanatos, os
dispensários, os asilos, etc.
Mais adiante confirma que:
O estudo científico da sociedade e do homem demonstra:
1) Que o ensino da primeira e da segunda infância - essencialmente
estético - compete às mães ou a quem sua vez fizer;
2) Ensino da adolescência - essencialmente filosófico, isto é,
fornecendo o conhecimento sintético do mundo, da sociedade e do
homem, mediante o estudo sucessivo da matemática, da astronomia,
da física, da química, da biologia, da sociologia e da moral, - compete
ao poder espiritual ou sacerdócio;
3) Ensino profissional está ligado ao exercício das diversas funções,
em virtude da preparação filosófica adquirida na adolescência. Assim,
um agricultor, um engenheiro, um piloto, um banqueiro, um cirurgião,
um médico, etc., da mesma sorte que o mais modesto operário,
formam-se, depois do ensino filosófico peculiar à adolescência, ou a
par desse ensino - exercendo essas funções, desde os graus inferiores
até os superiores, sob a direção dos práticos - agricultores,
engenheiros, pilotos, banqueiros, médicos, etc., - na prática efectiva
quotidiana e não em escolas (IGREJA, 1915, p.9).
Na área de instrução, no Brasil, é impressionante a ortodoxiadoutrinária do
Apostolado Positivista. Esta se verifica, de modo especial, em relação à resistência à
obrigatoriedade do ensino.
No início da República, quando da decretação do ensino obrigatório no Rio de
Janeiro, assim se pronunciava o Apostolado Positivista:
Desde os tempos do Império, que o Apostolado Positivista fez ver a
monstruosidade política, moral e mental de semelhante projeto
retrógradorevolucionário. E, desde os tempos do império que
declaramos estar dispostos a não admitir a ingerência do estado, sob
qualquer forma, na educação e na instrução que julgamos dever dar
aos nossos filhos e aos que estiverem sob a nossa solicitude
doméstica.
4. A presença positivista em estabelecimentos escolares
Como antes se afirmou, muitos foram os adeptos da filosofia positivista nos
diversos estabelecimentos de ensino17, por exemplo, na Escola Politécnica. Entre os
professores influenciados pelo Positivismo, destacam-se, Alvaro de Oliveira, Aarão
Reis, F. Ferreira Braga, Francisco Behring, Henrique Costa, Inácio Azevedo do Amaral,
Carlos Sampaio, João Felipe Pereira e Licinio Cardoso.
No colégio Pedro II, lecionaram, entre outros, os positivistas Antonio Carlos de
Oliveira Guimarães, seu fundador e primeiro diretor, Alfredo Soares, Basílio de
Magalhães, Francisco Cabrita, Luis Bueno Horta Barbosa, João Soares Rodrigues,
Lupercio Hope, Paulo E. de Barredo Carneiro e Pedro Barreto Galvão.
Na Escola Militar, além de Benjamim Constant, foram fortemente influenciados
pelo Positivismo, entre outros, os professores: Miguel Joaquim Pereira de Sá, Joaquim
Manso Sayão, Manoel Faria Pinto Peixoto, Augusto Dias Carneiro, Roberto Liberato
Bittencourt, J.J. Firmino, Manuel de Almeida Cavalcanti, Samuel de Oliveira, José
Eulálio de Oliveira, Lauro Sodré, Octavio Saint Jean Gomes, Saturnino Cardoso,
Antonio de Morais Rego e Alfredo de Morais Rego.
No Colégio Militar, lecionaram, entre outros, os positivistas Armando Godoy,
Nelson de Vasconcelos de Almeida, Augusto de Araujo Doria, Heitor Gajatay e Alfredo
Severo.
Na Escola Naval, entre outros já citados a propósito da Escola Politécnica e da
Escola Militar, podem ser apontados, como tendo recebido larga influência positivista,
os professores Alvaro Alberto, Adalberto Menezes de Oliveira, Coriolando Martins,
Francisco Machado da Silva, José Frazão Milanez e Luis Manoel Gonçalves. Na Escola
de Medicina foram professores os positivistas Henrique Batista, João Marinho de
Azevedo e Pedro Pinto, havendo sido apresentadas à congregação vinte e oito teses de
doutoramento de inspiração francamente positivista.
Na Escola Livre de Direito, hoje Faculdade Nacional de Direito da Universidade
do Brasil, além de Alfredo Varela, Inglês de Souza, Eusébio de Queirós Lima, Leonidas
de Rezende, Hahhemann Guimarães, Roberto Lira, Ney Cidade Palmeiro, filiados em
grau diversos a Augusto Comte.
Também o Instituto Lafayete, fundado no Rio de Janeiro, em 1916, contou com
vários professores positivistas, como, entre outros, o seu fundador e diretor La Fayette
Cortes, Montenegro Cordeiro, Lindolfo Xavier, João Soares Rodrigues, Francisco
Mendes Vianna, Levausser França e Luis Hildebrando Horta Barboza.
5. O Positivismo e as reformas de ensino
Porém, além dessa ação pessoal, através de adeptos em graus diversos, atuou o
positivismo em nosso ensino diretamente e de modo genérico por força das reformas de
ensino elaboradas por Benjamin Constant, em 1890, e pelo Ministro Rivadávia Correia,
em 1911. A Reforma de Rivadávia Correia (decreto de 5 de abr. de 1911), conforme
Azevedo (1943),
refletindo a orientação positivista dominante no Rio Grande do Sul,
instituiu o regime do ensino livre e subtraiu ao Estado a interferência
no domínio da educação e, promulgando a autonomia das
congregações, despojou o Governo do direito de se imiscuir na
economia interna dos institutos superiores (p.373).
A lei Carlos Maximiliano, que modificou esta reforma, reoficializou o ensino
secundário, mas conservou a seriação das disciplinas hauridas na classificação das
ciências de Augusto Comte, mesmo porque, na observação de Bergson (apud
LINS,1967),
[...] a ideia simples e genial de estabelecer entre as ciências uma
ordem hierárquica, que vai da matemática à sociologia, impõe-se ao
nosso espírito, desde que Comte a formulou, com a força de uma
verdade definitiva (p.528).
6. A visão positivista em relação às mudanças à organização escolar no final
do Império
Em carta a Teixeira Mendes, Miguel Lemos critica violentamente a inércia com
que os positivistas encaravam a questão educacional no final do Império, mormente no
período em que se discutiam mudanças na organização escolar vigente.
Nesta mesma carta, Miguel Lemos (1995) caracteriza muito bem qual seria o
correto posicionamento positivista com relação a esta questão:
Neste assunto, o verdadeiro ponto de vista consiste em considerar todo
projeto de educação deste tipo (tomo aqui a palavra educação em seu
sentido lato) como provisional, como para que apenas se use para
transição, até o estado normal, aquele no qual um sacerdócio
competentemente preparado e livremente aceito ministrará a
educação. Isto se baseia no princípio fundamental do positivismo
político que consiste na completa separação do poder espiritual do
temporal. O Estado não pode impartir educação, não é esta sua
missão, e se nas ciências menores o perigo pode parecer pequeno, que
acontecerá nas ciências superiores? Como pode o Estado ordenar o
ensino de uma certa sociologia ou moral? Mas, que moral ensinará?
Será a do ministro que encontra nesse momento no poder ou a de
qualquer outro indivíduo escolhido por ele? Não existem dúvidas
então, o Estado não pode ter uma doutrina e impô-la; somente lhe
compete dar auxílio material ao sacerdócio aceito livremente (p.18).
Devido ao estágio de desenvolvimento em que se encontrava a sociedade
brasileira, Miguel Lemos reconhece que as medidas propostas representam, de certa
forma, um tipo de ideal a ser executado no futuro:
E claro que em nossa época de transição já não podemos exigir essa
separação completa. Ademais, o sacerdócio ainda não existe e a
população todavia não está convertida. Mas não devemos perder de
vista que a atual ingerência do Estado na educação é provisória e que
devemos tratar de limitá-la cada vez mais. Nossa obrigação consiste
em lutar por converter o público e fazer que nos aceite
voluntariamente. E por isso que o atual projeto merece elogio pela
completa liberdade de educação que estabelece. Que cada um ensine
como possa, onde queira e o que queira. É assim como na anarquia
atual o público poderá julgar as diferentes doutrinas e decidirá pela
que mais coincida com suas necessidades. Mas não temos outro
remédio que aceitar os inconvenientes para evitar outros mais graves.
Procuremos aproveitar o máximo esta situação, e nosso principal
empenho deve ser justamente rechaçar toda intervenção do Estado em
questões doutrinárias antes as que deve permanecer alheio. [...] A
outra contradição com a forma de liberdade de cátedra que o projeto
consigna é a tal educação obrigatória, panaceia democrática muito da
moda e o mais refinado produto da metafísica revolucionária. Este
sistema é tanto mais perigoso quanto que na situação atual somente o
Estado proporciona a educação, que fora de suas escolas é precária.
Esta ideia se baseia no pretendido direito (sempre os ditosos direitos)
do menor. Uma vez aceitados os direitos das crianças, creio que não
deixaram de reconhecer que os pais também têm os seus e que em
nada ajuda violentar a um baixo em pretexto de proteger o outro. Essa
não é a questão: O problema está em convencer cada chefe de família
que deve educar a seus filhos. O Estado nada tem que ver com esse
assunto já que é uma questão de ordem espiritual. E por outro lado,
[...] (LEMOS, 1995, p.18).
A argumentação é idêntica à dos católicos que defendiam como atribuição
inalienável dos pais a escolha do tipo de educação a ser ministrado aos filhos. Apenas,
no caso dos positivistas, a argumentação está associada à concepção do abandono dos
privilégios decorrentes dos títulos acadêmicos.
O processo de conflito/cooperação entre catolicismo e positivismo no Brasil
revela o importante papel desempenhado pelo positivismo no sentido de garantir uma
série de “direitos” à Igreja Católica. Particularmente quando da Proclamação da
República, o trabalho dos positivistas (Demétrio Ribeiro e Benjamin Constant) foi
decisivo, no sentido de neutralizar o comportamento “regalista” de alguns membros do
Governo Provisório, principalmente Rui Barbosa. Esse aspecto, repetidamente
ressaltado pela literatura positivista, atesta o papel histórico desempenhado por esta
concepção de mundo, no Brasil, para o reerguimento institucional da Igreja Católica2.
7. Educação e Positivismo no Rio Grande do Sul
Da mesma forma que no resto do país, na Província do Rio Grande do Sul, a
ideologia positivista, até meados do século XIX, não era conhecida senão de um círculo
extremamente diminuto de intelectuais. Não passava de uma ideologia de características
exóticas, que pouca ou nenhuma influência exercia sobre as atitudes e comportamentos
pessoais e sociais na Província.
Entretanto, paulatinamente, setores expressivos da sociedade passam a
incorporar as ideias de Comte, ocasionando assim o aparecimento de uma corrente
ideológica que, com sucesso, pôde se contrapor ao paradigma dominante – o
liberalismo.
Assim, no Rio Grande do Sul, a partir do final do século passado, a ideologia
positivista começa a se constituir em uma alternativa ao modo de pensar dominante.
Paulatinamente, o positivismo de ideário filosófico se transforma em fator de
legitimação do ideário político do partido que, no início do período republicano, assume
o poder.
O marco mais significativo na sedimentação desta ideologia é, sem dúvida, a
constituição do Partido Republicano Rio-Grandense – PRR. Esse fato representa, na
prática, a emergência na política riograndense, de uma nova força que visava questionar
o domínio dos partidos existentes, o Liberal e o Conservador.
Dos homens públicos, dois em particular se destacaram pela expressa assunção
dos preceitos positivistas e, principalmente, pelas tentativas, em todas as instâncias em
que atuaram, de legislar sob os preceitos de Comte: Júlio de Castilhos e Demétrio
Ribeiro.
Um dos pontos de diferenciação se constituiu justamente na assunção pelo PRR
de elementos ideológicos do positivismo. Isto se deu devido à influência determinante,
exercida por Júlio de Castilhos na formulação dos estatutos do Partido.
Júlio de Castilhos, quando voltou de São Paulo, onde se formara em direito no
Largo de São Francisco, tratou de incentivar na Província o desenvolvimento de ideias e
instituições que, sob a inspiração do positivismo, significassem um passo em frente
rumo à “sociedade científica”.
Os aspectos mais ressaltados pelo positivismo gaúcho foram, sem dúvida, a
liberdade espiritual e a profissional, as quais foram expressamente referenciadas na
Constituição Estadual e, de forma dúbia, na Constituição Federal de 1891.
Embora constantemente questionados em sua constitucionalidade, esses
preceitos constituíam questão fechada na área positivista gaúcha e, em sua guarda,
destacaram-se, além dos membros da Propaganda Positivista, os presidentes do Estado
Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros.
O artigo 71, §5, da Constituição do Rio Grande do Sul, estabelecia: “Não são
admitidos no serviço do Estado os privilégios de diplomas escolásticos ou acadêmicos,
quaisquer que sejam, sendo livre no seu território o exercício de todas as profissões, de
ordem moral, intelectual e industrial”.
É preciso ressaltar que essa liberdade em nível espiritual não ocorria no
econômico, em que a intervenção estatal era não somente aceita como estimulada.
Assim, o governo estadual procurava atuar como um árbitro nos conflitos sociais, não
exitando em intervir, como ocorreu na greve de 1917, proibindo as exportações de
gêneros alimentícios.
Há consenso entre os estudiosos de que a forma pela qual o positivismo se
estruturou no Rio Grande do Sul, com características muito peculiares. Essa
peculiaridade decorre de justaposição das ideias comtianas com as de Júlio de Castilhos
e com a realidade da Província.
A forma como se deu a adaptação dos ideais positivistas na estrutura político-
administrativa do Rio Grande do Sul apresenta tais singularidades, que se denomina de
“castilhismo” para diferenciá-la da forma ideológica pura.
A figura de Castilhos, portanto, marca de maneira indelével a forma pela qual a
ideologia positivista se tornou o fator de coesão ideológica do PRR. Desde a criação do
partido, a “interpretação oficial” das diretrizes de conduta e da adequação dessas com os
postulados positivistas era dada por Júlio de Castilhos.
No limiar da República no Rio Grande do Sul, o positivismo possuía uma
característica diferenciada do adotado em outras regiões do País: a específica relação
entre esta ideologia e o PRR. Devida às adaptações que se fizeram necessárias para a
efetivação desta associação, o próprio Apostolado Positivista se negou por um bom
tempo a referendar, como decorrentes do pensamento comtiano, os posicionamentos de
Júlio de Castilhos e, por vias de consequência, do PRR.
Desde cedo, Castilhos soube impor-se aos companheiros como o líder inconteste
de sua agremiação partidária. Além disso, conseguiu estabelecer uma crença de
respeitabilidade à figura do líder do partido, de modo que se tornou praticamente
impossível a qualquer de seus liderados questionar algum de seus atos.
O respeito pela autoridade, principalmente do líder partidário e do chefe do
executivo estadual, foi uma das premissas básicas da atuação do PRR. Assim, Castilhos,
ou como chefe de governo ou como líder do partido, enfeixou em suas mãos, até sua
morte, as decisões que moldaram, em última instância, a vida político-administrativa do
estado.
Pelo menos, para efeito externo, era importante que os políticos participantes das
fileiras republicanas se não defendessem, também, não rejeitassem os ideais positivistas.
É lógico que muitos militantes do partido não compreenderam muito bem qual era o real
significado desta ideologia. Mesmo assim, tratavam de defendê-la. Configurava-se uma
situação que se chama de “positivismo difuso”, na qual o povo em geral detinha apenas
alguns rudimentos da doutrina e, a partir deles, reelaborava sua práxis.
Sob este prisma, havia uma clara dicotomia nas fileiras do PRR, de um lado,
uma minoria que conhecia pelo menos o essencial do pensamento de Comte (ou pelo
menos a interpretação desta dada por Castilhos) e, de outro lado, um grande contingente
de partidários que quase nada entendiam a respeito.
O importante da assunção da ideologia positivista pelo PRR é seu caráter de
aglutinação. Embora, se possa dizer que havia um apoio social específico,
fundamentalmente de setores emergentes da classe média, o grande fator de coesão
política era o positivismo.
A questão da identificação de quais eram as frações de classe que faziam parte
do castilhismo é polêmica. Os estudiosos do partido têm emitido opiniões diferenciadas.
Mas quase todos eles concordam que o apoio dado ao PRR partia fundamentalmente de
setores emergentes da classe média, segmentos que não encontravam muito apoio nos
partidos tradicionais.
Em termos políticos, no Rio Grande do Sul, a partir do final do século passado
até a revolução de 30, um partido foi sempre hegemônico – PRR. Sua característica
ideológica era a adoção explícita da postura positivista. Mas, sem dúvida, foi um
positivismo “à gaúcha”. O principal responsável por este processo foi Júlio de Castilhos,
senhor absoluto do partido enquanto viveu. Mesmo depois de sua morte, as grandes
decisões do partido eram legitimadas tendo suas ideias como referenciais.
Como já se salientou, a influência da personalidade de Júlio de Castilhos no
Partido Republicano sempre foi muito grande. A importância do monopólio de poder
detido por Castilhos é interpretada de forma diversa, dependendo do posicionamento do
analista, mas é incontestável a implantação de um modelo político-administrativo no
Rio Grande do Sul, o castilhismo, distinto dos governos estaduais, estabelecidos no
resto da nação22 .
Rodriguez (1980) caracteriza-o assim:
O castilhismo como uma filosofia política que, inspirando-se no
positivismo, substitui a ideia liberal de equilíbrio entre as diferentes
ordens de interesses, como elemento fundamental na organização da
sociedade pela ideia de moralização dos indivíduos através da tutela
do Estado (p.8).
O papel a ser desempenhado pelo Estado na condução do desenvolvimento da
sociedade constitui pedra angular na estrutura de poder do “positivismo castilhista”. A
possibilidade de redenção do proletariado dependia fundamentalmente da capacidade do
Estado de efetuar uma tutela efetiva sobre ele. Assim, a transparência de governo e a
pureza de intenções formavam a base do aparelho político administrativo.
O bem público confunde-se, para o castilhismo com a imposição por
parte do governante esclarecido dum governo moralizante, que
fortaleça o Estado em detrimento dos egoístas interesses individuais e
que zele pela educação cívica dos cidadãos, origem de toda moral
social [...]. A fim de conseguir a moralização da sociedade, segundo a
mentalidade castilhista, o governante deve exercer a tutela social, para
que se amolde à procura do bem público na acepção de Castilhos.
Tanto ele como os seus seguidores elaboraram os mecanismos
constitucionais e legais adaptados à instauração da tutela moralizadora
do Estado sobre a sociedade (RODRIGUEZ, 1980, p.9-10).
O positivismo procurou, na prática, constituir-se em uma política de cooptação
social do proletariado, no sentido de dar apoio à fração da classe dominante que
constantemente era ameaçada no poder. O PRR não detinha apoio de larga faixa da
burguesia, particularmente a “agrária”, que atribuía à política de Castilhos suas crises
econômicas, particularmente a da indústria de charque.
A estrutura do castilhismo se baseava no funcionalismo público, de modo
especial, no interventor e no delegado de polícia, autoridades geralmente designadas
pelo partido. Sob este prisma, não se repetiu no Rio Grande do Sul a estrutura baseada
no coronelismo tradicional vigente no resto do país, mormente no Nordeste. Embora de
características caudilhescas, a autoridade possuía mais um cunho burocrático. Era um
“coronel de gabinete”, como denominava Love.
O castilhismo se constitui no melhor exemplo, no Brasil, da práxis política
positivista que em outras regiões teve um caráter implícito, mas, no Rio Grande do Sul,
foi assumida de forma explícita. Essa ideologia influenciou decisivamente a sociedade e
a política brasileira. Assim, como afirma Romano (1986):
[...] o pensamento positivista, antiparlamentar e contrário às
constituições produzidas de modo democrático, tem muita
responsabilidade pelas várias ditaduras encarnadas no predomínio do
executivo em nosso país (p.79).
8. O ideário castilhista em relação à educação
É no Rio Grande do Sul que a práxis político administrativa do positivismo se
manifesta de forma especial na área educacional e que se consubstancia na máxima
“conservar melhorando”. Afirmava Júlio de Castilhos (apud ROSA, 1928) em sua
mensagem presidencial de 1892:
[...] estou cada vez mais convencido de que a atividade normal do
governo deve obedecer invariavelmente à inexcedível divisa:
conservar melhorando (p.441).
A influência do positivismo na área educacional aparece com nitidez no
Programa do Partido Republicano Histórico do Rio Grande do Sul no qual, em seu item
4, “Temporal e não espiritual”, prescreve:
- Liberdade de ensino pela suspensão do ensino oficial superior e
secundário; - Liberdade de profissões, pela supressão dos privilégios
escolásticos ou acadêmicos; - Liberdade, laicidade e gratuidade de
ensino primário. Prescreve ainda, no item “Temas sociais”: -
Educação e instrução popular; - Ensino técnico profissional .
Em termos práticos, a ideia mestra era a da “liberdade de ensino”. O pilar
ideológico positivista com relação à educação era o do ensino livre, que embasa a
Constituição Estadual de 1891 no Rio Grande do Sul. Neste sentido, é digna de nota a
manifestação de Júlio de Castilhos por ocasião da inauguração da Escola de Medicina e
Farmácia de Porto Alegre. Segundo Júlio de Castilhos (1922),
a fundação da Escola de Medicina e Farmácia não é somente mais
uma vitória do ensino livre segundo o vosso dizer, mas constitui
sobretudo mais uma irrefragável ratificação de um dos eminentes e
substanciosos princípios em que estreou o código constitucional rio-
grandense (p.33).
Continua ainda Júlio de Castilhos (1922):
Não bastava a supressão do culto oficial, já consagrada na
Constituição Federal, que aliás confirmara o memorável decreto do
Governo provisório da República sobre denominada separação da
Igreja do Estado. Era indispensável eliminar também a ciência oficial
e, portanto, o ensino superior custeado pelo erário público. Se o
Estado não tem uma religião própria, também não pode ter uma
ciência sua ou privilegiada; não sendo religioso também não pode ser
cientista; proclamando e mantendo a plena liberdade de cultos, sem
subvencionar ou proteger qualquer deles, não pode logicamente deixar
de reconhecer e manter a completa liberdade espiritual, abstendo-se de
favorecer quaisquer doutrinas, seja qual for a natureza delas. Mais
coerente do que a Constituição Federal que, abolindo a religião oficial,
tolerou a permanência de cursos de ensino superior ministrados em
nome e por conta do Governo da União, a lei magna do Rio Grande do
Sul facultou ao Estado apenas a manutenção do ensino primário, leigo
e livre deixando à iniciativa particular a instituição do ensino superior,
conferindo ao governo funções meramente temporais, únicas que lhe
são próprias, facilitando assim a livre concorrência das doutrinas,
desembaraçadas de proteção oficial, destituídas de preferências
arbitrárias e odiosas, amparadas somente no seu respectivo valor ou na
ação proselítica peculiar de cada uma (p.34).
Particularmente na área da educação, os positivistas riograndenses se destacaram
na estruturação do sistema de ensino livre, mormente de nível superior, com especial
realce para escolas de Engenharia e Medicina. A partir da primeira, fundada, em 1896,
por João Simplício Alves de Carvalho, Gregório de Paiva Meira, João Vespúcio de
Abreu e Silva, Lino Carneiro da Fontoura e Juvenal Octaviano Miller, todos positivistas
de renome, adeptos da filosofia positivista, propugnada por Benjamin Constant, e da
Escola de Engenharia criou-se, subsidiariamente, o colégio Parobé (Escola Técnica de
artes e ofícios de 2º grau).

A rigor, a análise do papel do positivismo político gaúcho durante o período


castilhista, com relação à educação, deve ser feita muito mais em função de sua atuação
parlamentar em nível federal do que em estadual. Essa circunstância decorre tanto da
maneira pela qual a legislação atribuiu, às diversas esferas de decisão do governo,
competências específicas, quanto da peculiar forma pela qual o positivismo se posiciona
em relação ao fenômeno educacional. A educação é uma questão polêmica que, durante
todo o período, mereceu dos positivistas, mormente da bancada gaúcha em nível
federal, uma atenção em especial.
A questão de fundo se relacionava aos artigos da Constituição da República de
1891 que, de certa forma, consagravam a práxis, tradicionalmente adotada em reformas
educacionais ao tempo do Império e atribuíam aos Estados, Municípios e à União
competências "exclusivas" nos diversos níveis de educação. Em princípio, cabia ao
Governo Federal se ocupar tanto executiva como legislativamente, apenas, com o
ensino superior, cabendo aos Estados e Municípios os níveis secundário e elementar.
Em termos de competência para gerenciar o ensino, a bancada gaúcha foi
ardorosa defensora do "ensino livre". A questão do ensino deveria depender da
iniciativa particular. O importante era que fosse oportunizado a todos, sem
discriminação de forma alguma, o direito de estruturar estabelecimentos de ensino da
maneira como melhor aprouvesse a cada um. O prestígio de cada estabelecimento de
ensino vincular-se-ia à qualificação de seu trabalho, que seria transferida a seus
egressos. O diploma não deveria se constituir em mecanismo de reserva de mercado. As
funções desempenhadas pelas pessoas deveriam seravaliadas, segundo critérios
objetivos, e não poderiam depender de um diploma.
Tendo em vista tais parâmetros, a atuação legislativa dos parlamentares gaúchos
na Câmara Federal se pautou por uma obstrução constante e sistemática de toda e
qualquer alteração no sistema de ensino que ampliasse a atuação do Estado neste setor,
não se limitando à obstrução. Os positivistas se aproveitaram de qualquer pretexto para,
na Câmara, reafirmarem seus pontos de vista. Assim, observa-se que toda vez que
assuntos ligados ao ensino foram discutidos em plenário, a discussão se encaminhou
para os temas caros aos positivistas, como ensino livre, competência do Governo
Federal, eliminação do diploma, ensino particular, questão dos equiparados.
Criou-se, então, no Congresso, um clima hostil a qualquer alteração que não
contemplasse as posições positivistas. Os projetos de lei que visassem a modificações
na área educacional eram filtrados na "Comissão de instrução" da Câmara Federal que,
em quase toda a República Velha, teve como presidentes, deputados de orientação
comtiana, os quais procuraram modelar suas decisões, conforme este paradigma.
A principal reivindicação da bancada do Rio Grande do Sul consistia em não
aceitar a intromissão do Governo Central nos Estados, sem prévia aquiescência desses.
De outro lado, propugnava o direito dos estados em legislarem sobre ensino na forma
que bem entendessem, sem prestarem conta ao Governo Central. Na prática, defendiam
que nem ao governo estadual cabia competência em agir sobre a esfera da educação,
uma vez que isto seria interferir na "liberdade espiritual", na liberdade de consciência.
Cabia, portanto, à iniciativa particular, agir de forma que melhor lhe conviesse nesta
área. Era a assunção da máxima positivista, tão cara aos republicanos gaúchos: "ensine
quem quiser, onde quiser e como puder".
No período da República Velha, nas várias reformas de ensino que tramitaram
no Congresso, a discussão parlamentar sempre teve um parâmetro balizador: a posição
da bancada do Rio Grande do Sul. Assim, a postura dos deputados do Partido
Republicano Rio-Grandenses servia de ponto de referência nas discussões,
caracterizando um posicionamento infenso à intromissão do Estado na Educação
tipicamente castilhista, em contraste com o posicionamento "oficialista", cujos adeptos
estavam pulverizados em várias bancadas.
A principal contribuição ideológica do castilhismo foi a de inculcação de uma
concepção social, na qual coubesse à União apenas um papel de supervisor. Na área da
educação, essa cosmovisão atribuiu à iniciativa privada a função educativa, salientando
ser esta uma usurpação, quando exercida pelo Estado. Neste sentido, seguia-se, no Rio
Grande do Sul, a orientação emanada por Miguel Lemos, o líder inconteste do
Apostolado Positivista e que se consubstanciava na ideia de ensino livre.
O castilhismo se utilizou da ideologia do ensino livre para difundir uma
concepção de mundo consentânea com o processo de acumulação de capital. Essa
ideologia, baseada em pressupostos conservadores, criou os mecanismos de legitimação
para a consolidação de um modelo de sociedade, baseado em um desenvolvimento
industrial e tecnológico, determinado pela necessidade de concentração de capital.
A luta incansável da Propaganda Positivista do Rio Grande do Sul foi sempre
tentar identificar republicano com positivista, pois percebiam com nitidez que o laço
que os unia residia fundamentalmente na pessoa de Júlio de Castilhos e urgia que se
criassem vínculos mais efetivos.
Em consequência, os positivistas questionavam qualquer alteração na
Constituição Estadual, considerando um
irrecusável dever cívico para todos os verdadeiros republicanos rio-
grandenses congregarem-se em torno da Constituição de 14 de julho, a
maior glória do Rio Grande do Sul. Garantindo amplamente a
liberdade espiritual, ela instituiu um governo investido de plena
confiança e inteira responsabilidade, conforme as condições exigidas
pelo verdadeiro regime da República, e permite, portanto, o surto de
um governo forte capaz de assegurar a ordem e encaminhar o
progresso.
A influência do castilhismo, em termos de política pública federal na área
educacional, obteve especial destaque por ocasião da Reforma Rivadávia Correa e da
Reforma Carlos Maximiliano. A primeira, de modo especial, contemplou em grande
parte as concepções positivistas em relação à educação. A Reforma Carlos Maximiliano
significou um retorno ao processo de "oficialização do ensino", contra o qual a bancada
sul riograndense pugnou com denodo e disciplina.
A fundação de vários estabelecimentos de Ensino Superior Livre no Rio Grande
do Sul e o relativo sucesso que obtiveram, serviram de substrato e impulso à defesa das
proposições positivistas na Câmara Federal. O sistema de ensino implantado no Rio
Grande do Sul pelo Governo Estadual era um paradigma constantemente lembrado para
justificar a resistência à intromissão do Governo Federal na área educacional.
Exemplo da atuação parlamentar positivista pode ser avaliado por este excerto
de discurso, proferido por Pedro Moacyr na Câmara Federal em 1895:
A absoluta, a completa liberdade de ensino não é simplesmente uma
consequencia da doutrina philosophica positiva, verdadeira, grande, na
atmosphera da sciencia moderna, é também uma consequencia da
liberdade moral e intellectual estabelecida pela constituição.
Concluindo, pode-se observar que o positivismo, no Rio Grande do Sul,
assumiu características semelhantes ao propugnado em nível nacional pelo Apostolado
Positivista, com a diferença que os riograndenses arcaram com o ônus de torná-lo
factível em uma realidade específica – o Rio Grande do Sul. Em decorrência, o
positivismo, principalmente a Propaganda Positivista, assumiu a função de tutela da
"ortodoxia" ideológica, face aos atos governamentais emanados pelo executivo estadual.
Tal comportamento ensejou uma particular expansão do ensino privado, de modo
especial o confessional, não somente no estado, mas em todo território nacional da
proclamação da República até meados da República Velha. Período em que o
positivismo se mostrou hegemônico na área educacional no Brasil.

REFERÊNCIAS
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