Aprenda A Ler Sem Traumas - I

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APRENDA A LER SEM TRAUMAS!

Parte 1 - Por Christiano Rocha


UM ASSUNTO TEORICAMENTE CHATO

Apesar de simples e funcional, a leitura e a escrita rítmica


assustam e aborrecem muita gente. Talvez por causa da “cha-
tice” do assunto, afinal apresenta princípios matemáticos.
Talvez por causa de alguns mitos, instigados com argumentos
como: “o Dennis Chambers não lê” (verdade, mas se lesse to-
caria menos?); “meu vizinho não lê e toca pra caraca” (seu
vizinho é o Dennis Chambers?); “leitura tira a espontaneida-
de” (Billy Cobham, Carlos Bala, Dave Weckl, Edu Ribeiro, Kiko
Freitas, Louie Bellson, Steve Gadd, Steve Smith, Terry Bozzio,
Vinnie Colaiuta, Virgil Donati e milhares de outros bons “leito-
res” que o digam); “o baterista da banda X não lê, mas é rico e
famoso” (o.k., mas nem todo mundo toca numa banda de su-
cesso, assim como ninguém é rico e famoso porque não lê) etc.

Falo da importância do assunto para os meus alunos de duas


formas. Uma é que a leitura/escrita ajuda a: entender o que
foi ou o que será tocado; lembrar de alguma ideia (sem depen-
der de um gravador); economizar tempo e dinheiro num estú-
dio; tirar 40 músicas em três dias; ingressar no árduo mercado
de trabalho (gravações, musicais, bandas de baile, big bands,
orquestras). Além disso, faz bem para o cérebro.

A outra forma é simples, materialista, nada poética, mas prá- Chamamos a velocidade do pulso de andamento.
tica: leitura = trabalho, trabalho = grana, grana = comida na
mesa, filho na escola e instrumento no case (no caso, escola e Apesar de a música ser o paraíso das exceções, é comum cha-
instrumentos bons). marmos o período entre duas batidas do pulso de tempo. O
tempo funciona como unidade para medir sons e silêncio. Ele
Existem músicos maravilhosos e geniais que leem muito bem, varia de acordo com o andamento imprimido. Dois tempos num
músicos maravilhosos e geniais que não leem, músicos media- hard core não durarão tanto quanto dois tempos numa balada,
nos que sabem ler e músicos medianos que não leem. Enfim, há pois o andamento de um hard core é mais rápido.
de tudo. E a escolha de ler ou não é sua (viva o livre-arbítrio!).
Para “medir” a duração de um som, você precisa de uma refe-
Este breve curso, dividido em quatro partes, ajudará você — rência. Essa referência é o pulso que, por sua vez, marcará o
caso necessite, é claro — a entender os princípios básicos da tempo. É comum ouvirmos frases como: “faça uma virada de
teoria, leitura e escrita da música. dois tempos para começar a música”; “antes da parte B tem
uma pausa de um tempo”; “o click vai marcar quatro tempos e
Para ajudar nessa empreitada, elaborei vídeos de depois você entra” etc.
acompanhamento, disponíveis aqui no Ritmismo.com.
Obs.: Geralmente, o baterista dá a contagem da música. Isso
RITMO, MELODIA E HARMONIA acontece basicamente por dois motivos: para que todos os mú-
sicos entrem ao mesmo tempo, e para que iniciem a música no
Dividimos a música ocidental em três partes: ritmo, melodia e mesmo andamento. Funciona mais que dizer “já!”.
harmonia.
Apresentado o ritmo, daremos uma rápida olhada em melodia
Ritmo: movimentação dos sons de forma organizada. e harmonia, mas antes precisamos saber quais são as notas
musicais, levando em conta que estamos tratando da música
Certo, mas o que vai “organizar” esse movimento? O pulso. ocidental (sistema temperado).
Pulso (ou pulsação, se preferir) é uma sequência de batidas
equidistantes (mesma distância entre as batidas): Temos sete: dó (representada pela letra C), ré (D), mi (E), fá
(F), sol (G), lá (A) e si (B).
I I I I I I I I...
Sem pulso, não há ritmo.

A velocidade do pulso varia. Pode ser mais lenta:

I I I I I I I I...
Ou mais rápida:

I I I I I I I I...
1
No piano, a localização das notas musicais é a seguinte: Que a música é uma forma de arte manifestada através dos
sons todo mundo sabe, mas tais sons podem ser “definidos”
(notas musicais) ou “indefinidos” (o som do aro da caixa, por
exemplo).

Dizer que aro de caixa, chimbal e bumbo — tocados juntos —


formam um acorde é um engano, pois estamos falando, em
sua maioria, de sons indefinidos.

Apesar de não muito usada, a afinação da bateria pode ser


Tal padrão se repete. baseada em notas (ex.: Terry Bozzio), inclusive algumas bate-
Quanto mais para a direita, mais aguda a nota: rias vêm com a nota fundamental do casco carimbada em seu
interior:

Obs.: Você não precisa saber ler notas musicais para ler
ritmo, mas abordarei neste curso alguns (poucos) elementos
de melodia e harmonia.

Melodia: sucessão de sons (uma nota é emitida de cada vez).


Instrumentos melódicos são aqueles que emitem uma nota de
cada vez, como a flauta, o trombone etc.

Harmonia: soma de três ou mais notas musicais distintas (=


acorde. Por exemplo, dó + mi + sol [acorde de dó maior]).
Instrumentos harmônicos são aqueles que podem emitir três
ou mais notas distintas simultaneamente (ex.: piano, vio-
lão etc.), portanto, todo instrumento harmônico é também Mesmo que não afinemos pensando em notas, podemos pensar
melódico. em intervalos.

A melodia pode ser imaginada de forma horizontal: Por exemplo, alguns afinam um set de dois toms e um surdo
tendo como referência “La Cucaracha” ou o início do Hino
Exemplo: Ré Mi Sol Lá Nacional.

PROPRIEDADES DA MÚSICA

Obs.: Chamamos de contraponto quando duas ou mais Duração: tempo pelo qual se prolonga o som (lembre-se:
melodias são executadas ao mesmo tempo: medimos essa duração utilizando o tempo como unidade de
medida, mesmo porque ninguém fala: “faça uma virada de
Exemplo 1: um segundo e meio”).

Dó Mi Sol Intensidade: grau de força empregado na produção de um


som (sons mais suaves ou mais fortes).
Mi Sol Mi Dó Mi Dó Si
Altura: grau de entonação de um som (sons graves, médios ou
Exemplo 2: agudos).

Mi Sol Lá Timbre: característica de um som. Como assim? A diferença


entre um mi tocado em um piano (afinado) e um mi tocado
em uma guitarra (afinada e na mesma altura que o mi tocado
Lá Dó no piano) é o timbre. Da mesma forma que ao usar um pedal
de distorção na guitarra ela mudará o timbre, não a nota.
Sacou?
Ré Mi Sol Lá Sol Mi
COMPASSO
Já a harmonia pode ser imaginada de forma vertical:
Agora um tópico muito importante: compasso.

Se estiver enganado no que vou escrever, prometo me vestir


de Carmen Miranda, mas provavelmente você batuca na mesa
e, quando escuta música, bate o pé, certo?

Grosso modo, a música ocidental pode ser graficamente Ao bater o pé quando escutamos uma música, estamos geral-
representada como: mente marcando o tempo dela. Mas o que compasso tem a
ver com isso?

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Numa música ou trecho musical, é comum termos uma sequên- Compasso binário = compasso com dois tempos.
cia de tempos. Alguns tempos são mais fortes que outros. Grosso Compasso ternário = compasso com três tempos.
modo, o período de duração entre um tempo forte e outro é o Compasso quaternário = compasso com quatro tempos.
que chamamos de compasso. Compasso quinário = compasso com cinco tempos.
Compasso senário = compasso com seis tempos.
Vamos pegar como exemplo a música “Walk This Way”. Compasso setenário = compasso com sete tempos.
Graficamente, em relação ao pulso, acontece isso: Compasso octonário = compasso com oito tempos.
Compasso nonário = compasso com nove tempos.
Compasso decenário = compasso com dez tempos.
Etc...

Nesta música, o período de duração entre os tempos fortes Dane-se o nome dos compassos!
é de quatro tempos, portanto, os compassos têm quatro O importante é conseguir contá-los. E tocá-los!
tempos. Falando nisso, aqui vai mais contagem de compasso.

Lição! Assista ao vídeo e escreva o número de tempos dos


compassos das seguintes músicas (respostas no vídeo):
Música 1 (“Hangin’” – Chic) = ? tempos
Música 2 (“Bebê” – versão de Eumir Deodato) = ? tempos
Para contarmos os tempos dos compassos, precisamos pri- Música 3 (“Take Five” – Dave Brubeck Quartet) = ? tempos
meiro pegar uma referência de pulso (a mais intuitiva, no Música 4 (“Seven Days” – Sting) = ? tempos
caso) que, automaticamente, se tornará nosso tempo. Depois, Música 5 (“Extra” – Gilberto Gil) = ? tempos
devemos achar os tempos fortes. Por fim, devemos contar Música 6 (“Money” – Pink Floyd) = ? tempos
quantos tempos existem entre os tempos fortes. Na prática é Música 7 (“I Hung My Head” – Sting) = ? tempos
muito mais fácil que na teoria. Acredite! Música 8 (“Laundry Girl” – Omar Faruk Tekbilek) = ? tempos

Geralmente, o primeiro tempo de um compasso é considerado


o tempo forte (o tempo “1”, ou seja, o início do compasso), Dica: Quando estiver tentando descobrir o número de tempos
apesar de haver acentuações em outros tempos, como no do(s) compasso(s), e o pulso parece estar no contratempo, é
samba, em que a acentuação é no segundo tempo de um com- porque a contagem deve ser dobrada e o compasso é ímpar.
passo formado por dois tempos. Talvez isso aconteça com algumas músicas do exercício acima.

Aliás, não só existem casos nos quais o acento não é no “1”, Não há limite para o número de tempos de um compasso, mas
como sequer há toques no primeiro tempo. Nesse caso, dificilmente você encontrará um compasso com 70 tempos.
descobrimos o tempo “1” por uma espécie de “indução”. Não No entanto, poderá encontrar, por exemplo, compassos com
entendeu? Tudo bem. Nem deveria ter citado isso, mas pelo 19 e 21 tempos (música “Keep It Greasey”, do Frank Zappa),
menos você fica sabendo que existe... 33 tempos (videoaula Simon Phillips Returns, do Simon
Phillips) etc. Isso sem falar na música erudita.
PRINCIPAIS COMPASSOS
O número de tempos de um compasso sempre é inteiro, ou
Binário: compasso com dois tempos (1 2, 1 2... Ex.: “Asa seja, não existem compassos com 3,5 tempos ou 4,25 tempos.
Branca”). Existem músicas nas quais o número de tempos dos compassos
Ternário: compasso com três tempos (1 2 3, 1 2 3... Ex.: varia, como “Chovendo na Roseira” (Tom Jobim), em que apa-
“Parabéns pra Você” ou qualquer valsa). rece um compasso binário no meio dos compassos ternários, e
Quaternário: compasso com quatro tempos (1 2 3 4, 1 2 3 4... “Here Comes The Sun” (Beatles), que apresenta um compasso
Ex.: “Walk This Way”). quinário no meio dos compassos quaternários.

Obs.: Alguns consideram o compasso quaternário uma duplica- Mais para a frente abordarei os tipos de compassos.
ção do compasso binário.
No Ocidente, a maioria das músicas é quaternária ou binária. PAUTA
Basta ligar o rádio.
Compassos com maior número de tempos (cinco, sete, nove, Os sons – e o silêncio – são representados dentro da pauta ou
dez, 11, 13, 15, 17, 19, 21 etc.) são, geralmente, combina- pentagrama. A pauta é constituída por cinco linhas horizon-
ções entre os principais compassos. Por exemplo, um compas- tais paralelas e quatro espaços intermediários (as linhas e os
so quinário (com cinco tempos) pode ser a combinação de um espaços são enumerados de baixo para cima).
binário + um ternário, ou vice-versa (compasso ternário + um
binário). Existe uma linha de pensamento que diz que tudo Obs.: Eventualmente, podemos escrever linhas adicionais
resulta da combinação de dois e três. na pauta, tanto para cima como para baixo. São as linhas
suplementares superiores e inferiores (também conhecidas
Particularmente, não penso assim, pois há compassos que como linhas complementares ou auxiliares).
soam, por exemplo, “puramente quinários”.
Podemos observar, a seguir, a nomenclatura de alguns com-
passos conforme o número de tempos (inclusive os [três]
principais compassos):

Compasso unário = compasso com um tempo.


Obs.: Os compassos unários são largamente utilizados em
exercícios, e também podem ajudar em situações específicas,
como inserir uma tercina de colcheia no contratempo do tem-
po 4 num compasso originariamente 4 por 4 (não precisa, nem
é para entender isso agora. Foi apenas um exemplo).

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As figuras são colocadas tanto nas linhas como nos espaços: A barra dupla com a segunda barra mais grossa, além de ser
utilizada no ritornello, indica o término da música (também é
conhecida como travessão final):

Na escrita da bateria, representamos cada peça num lugar do Uma música costuma ser formada por vários compassos.
pentagrama. O padrão medido em número de compassos das partes de
uma música, ou de uma música em sua totalidade, recebe o
Quanto mais grave o som, mais para baixo ele será represen- nome de métrica.
tado na pauta, por isso o bumbo costuma ficar embaixo (mais
adiante mostrarei a notação de bateria no pentagrama). FIGURAS RÍTMICAS

Na próxima parte começarei com as famosas figuras rítmicas,


mas fica aqui uma pequena tabela que você precisa decorar,
bem mais simples que aquela maldita tabela periódica.
Lição! Decore o nome, o número de representação e o
desenho das figuras (inclusive das pausas):
Utilizamos a barra de compasso (também conhecida como
travessão ou linha divisória) para separar os compassos:

O trecho a seguir tem dois compassos:

A barra dupla separa as partes de uma música ou trecho


musical:

Por exemplo:

A ideia é que você desenhe essa tabela sem “colar”. Se eu


— que sempre fui um aluno medíocre, preguiçoso e eterno
frequentador das recuperações de matemática, física e
química do ensino fundamental — aprendi isso, qualquer um
aprende. Só não fique “enrolando”, como fiz ao longo de dois
anos quando comecei a tocar. Primeiro você decora, depois eu
explico, o.k.?
Até a parte 2!

Agradecimentos:
O ritornello indica a repetição de um ou mais compassos. Emilio Mendonça, Marcelo Wolp e Wanderson Bersani
Repetição de um compasso:
Bibliografia:
∙ Advanced Concepts (Kim Plainfield – Manhattan Music)
∙ Compêndio de Teoria Elementar da Música (Osvaldo Lacerda –
Ricordi)
Repetição de quatro compassos:
∙ La Batteria Interpretata da Gil Cuppini (Gil Cuppini – Radio
Record)
∙ Manual de Rítmica (Abelardo Mato Alonso – Novas Metas)
∙ Método Completo de Divisão Musical (P. Bona – Ricordi)
∙ Método Prince (Adamo Prince – Lumiar)
Início da repetição: ∙ Noções Básicas de Teoria Musical (Francesco Pezzella – Ricordi)
∙ Polyrhythms (Peter Magadini – Hal Leonard)
∙ Regras de Grafia Musical (Osvaldo Lacerda – Irmãos Vitale)
∙ Ritmo – 4ª edição (Bohumil Med – Musimed)
∙ Snare Drum Method – Book 1 (Vic Firth – Carl Fischer)
∙ Teoria da música – 4ª edição (Bohumil Med – Musimed)
Término da repetição: ∙ Teoria de La Musica (Danhauser – Ricordi)
∙ Treinamento Elementar para Músicos (Paul Hindemith – Ricordi)

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