Feminicídio Seguido de Suicídio
Feminicídio Seguido de Suicídio
Feminicídio Seguido de Suicídio
¹Graduando do curso de Psicologia. UniFG- Centro Universitário, Guanambi – BA, Brasil. E-mail:
[email protected]
²Graduada em Direito pela UESB. Mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo Departamento de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa (DAU-UFV). Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pelo
Instituto de Arquitetura e Urbanismo IAU/USP. E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
Os primeiros movimentos de luta pelo direito das mulheres no Brasil são datados
ainda no século XIX. Eram movimentos esparsos com fins abolicionistas e igualitários. No
início do século XX, influenciadas por movimentos de mulheres em outros países, surgiu a
primeira onda do movimento feminista no Brasil composto, em sua maioria, por mulheres de
classe média e alta (SAFFIOTI, 1976). As questões suscitadas, inicialmente, eram centradas
na ampliação de direitos civis e políticos, possibilitando o direito ao sufrágio para as
mulheres.
Na década de 1970, segundo levantamento das Organizações das Nações Unidas
(ONU), as mulheres lideravam os rankings de vítimas de violência física, sexual, menores
salários auferidos, analfabetismo, entre outros. Buscando minimizar esses índices alarmantes,
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em 1975, a ONU declarou aquele ano dedicado à luta aos direitos das mulheres (TABAK,
1985).
Entre 1976 a 1985 o período foi declarado como a Década da Mulher, em que as
mulheres foram incentivadas à mobilização buscando igualdade, desenvolvimento e paz, pois
elas integravam a maior parcela da população cujos direitos eram violados. O período
supracitado é descrito como segunda onda feminista.
No contexto brasileiro a Década da Mulher coincidiu com a falta de democracia,
cerceamento da liberdade de organização, censura e a promulgação da anistia política.
Mulheres, companheiras e mães de exilados, desaparecidos e presos políticos reivindicavam
liberdade e informações sobre seus entes.
A falta de liberdade de reunião, manifestação e expressão do pensamento inviabilizou
o engajamento completo das mulheres na luta por igualdade de gênero. Até mesmo a
dimensão da violência não estava completamente delimitada no meio social (SOFFIOTI;
VARGAS, 1994).
Mesmo com a conquista de direitos civis e políticos, as mulheres não obtiveram o
acesso integral à igualdade, desenvolvimento e paz, visto que, nas estruturas sociais ainda
existem percalços e entraves para sua efetividade. No fim do século XX, novas demandas
sociais protagonizaram novos embates na luta por direitos, permitindo maior florescimento de
ideias e ressignificações de estratégias propostas anteriormente.
Em 1984, o Brasil ratificou o acordo assinado na Convenção para a eliminação de
todas as formas de discriminação contra mulher, organizada pela ONU (SOUZA, 2009). O
acordo previa que, independentemente do estado civil, as mulheres possuíam os mesmos
direitos assegurados aos homens, e a partir desta ratificação o governo brasileiro se
comprometeria a elaborar leis, metas, planos e programas para minimizar e eliminar quaisquer
aspectos de inferiorização de gênero, bem como, garantir-lhe proteção.
Apesar do Brasil ser signatário, do acordo que vislumbra a eliminação da
discriminação contra mulher desde a década de 1980, somente nos anos 2004 e 2008 foram
elaborados os planos de políticas para as mulheres (BRASIL, 2004; 2008). Nestes planos a
violência contra mulheres também foi tratada. A Lei de nº. 11.340/2006, por exemplo,
popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, foi elaborada como uma tentativa de
erradicar essa desigualdade e violência, visando proteger toda mulher, independente de raça,
classe, etnia (MENEGHEL et al. 2011).
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A violência de gênero é entendida como sendo aquela que acontece contra as mulheres
pelo fato exclusivo de serem mulheres, situadas em relações hierárquicas de gênero. Pode se
dar na forma de opressão, exclusão, subordinação, discriminação, exploração e
marginalização e se configura nas seguintes modalidades: familiar, na comunidade,
institucional e feminicida (LARGARD, 2007).
aprovação da lei que tipifica o feminicídio, e ainda se o perfil das vítimas corresponde ao
identificado por Garcia (et al. 2015). Ademais, busca-se compreender a provável existência de
fatos geradores entre os casos analisados.
FEMINICÍDIO E SUICÍDIO
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totalizando 382 casos (IPEA, 2017). A qualificação do tipo penal feminicídio só ocorreu em
2015, possibilitando concluir que parte desses casos podem ser classificados como o crime
mencionado.
Frequentemente, o feminicídio tem sido seguido de casos de suicídio; por este motivo,
apresenta-se a seguir duas análises síntese, divergentes entre si, sobre as prováveis motivações
do suicídio. De acordo com Botega (2014), os fatores motivadores do suicídio são vastos e
complexos. Para o autor, a existência de um transtorno mental é persistente na maioria dos
casos; normalmente, estaria relacionado a diagnósticos como depressão, esquizofrenia,
transtorno do humor bipolar e dependência de álcool ou de outras drogas psicoativas.
Entretanto, para Durkheim (2004), os motivos supracitados não seriam os reais
determinantes do suicídio uma vez que estes estariam atrelados aos fatores sociais e não aos
fatores psicológicos. O fenômeno anteriormente visto por uma conotação moral passa a ser
descrito como um feito/fato social.
Os motivos que levariam um sujeito à consumação do ato tendem a variar de acordo
com o grau de sua integração ou laço com o grupo social ao qual está inserido (COUTINHO,
2010). Para Durkheim “chama-se suicídio todo caso de morte que resulta direta ou
indiretamente de um ato, positivo ou negativo, realizado pela própria vítima e que ela saiba
que produziria esse resultado” (2004, p. 11).
No entendimento de Durkheim (2004), existem quatro tipos sociais de suicídio:
egoísta, anômico, altruísta e fatalista. O egoísta é causado pela insuficiência do laço social do
indivíduo. Como fatalidade da ausência de tais laços há o desenvolvimento de um
individualismo exorbitante, visto que, aquele que o comete não consegue lidar com a
frustração causada pela falta (COUTINHO, 2010).
O anômico, por sua vez, é ocasionado pela precariedade de laços sociais; as ausências
desses laços na vida do sujeito são geradas por crises, mudanças levianas e demais
fragilidades na estrutura social. O altruísta seria influenciado de forma maciça e refletido por
um comunitarismo excessivo; desta forma, o suicídio é visto pelo sujeito como um dever e
parte de sua relação com a estrutura social em que está inserido. O fatalista seria movido
intensamente na vida do indivíduo e atua como uma regulamentação exercida por
representantes de poder; o suicida tem em seu ato a única forma de se livrar da opressão
vivenciada (COUTINHO, 2010).
Conforme Holmes (1997) há suicídios que são disfarçados. Sendo chamados de
suicídios encobertos, ocorreriam quando o sujeito não deseja que outros saibam o que foi feito
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por conta da vergonha do ato ou até mesmo pelo fato de sua política de seguro de vida não
efetuar o pagamento para casos de suicídio.
Tal qual o feminicídio, as incidências de casos de suicídio no Brasil são do mesmo
modo alarmantes. Segundo Machado e Santos (2015), foram registrados no Brasil entre 1980
e 2006 um total de 158.952 óbitos por suicídio. Além disso, Machado e Santos (2015)
afirmam que as taxas de suicídio no Brasil podem ser ainda maiores, pois há muitos casos que
são subnotificados em decorrências dos estigmas sociais, o que corrobora para a não
notificação dos casos ocorridos. De acordo com Botega (2014), o Brasil ocupou o décimo
lugar entre países com o maior número em taxas absolutas de suicídio, com o total de 9.852
mortes no ano de 2011.
Segundo Prieto e Tavares (2005), a taxa de mortalidade por suicídio no Brasil é
estimada em 4,1 por 100 mil habitantes para a população como um todo. Já para o sexo
masculino, em torno de 6,6 por 100 mil e, para o sexo feminino, em 1,8 por 100 mil. Holmes
(1997) ainda afirma que as mulheres são três vezes mais propensas à tentativa do suicídio, no
entanto os homens seriam três vezes mais propensos à consumação. Essa contradição seria
consequência da escolha do método mais eficaz ao suicídio por parte dos homens, como o
enforcamento ou arma de fogo (COUTINHO, 2010).
O feminicídio seguido por suicídio é um fenômeno com características peculiares
(GOMES, 2015). Segundo Antúnez 2017, um dos elementos que ocasionariam o feminicídio
seguido de suicídio seria a quebra de uma relação de dominação e dependência entre aquele
que agride e quem está sendo agredida, a ameaça ou ruptura do relacionamento modificaria o
psicológico do agressor de uma forma próxima ao de um suicida.
Conforme Teruelo (2011), o feminicídio seguido do suicídio acontece quando o
agressor não suporta as consequências decorrentes do seu comportamento, sofrendo
principalmente pelo desprezo do corpo social. A estrutura controladora e abusiva na relação
com a vítima é uma das características do agressor (TERUELO, 2011). A ausência dessa base
dominadora, constituída anteriormente, levaria o agressor ao feminicídio e em seguida ao
suicídio, vez que, ao perder sua autoridade na relação não encontraria mais sentido algum em
sua vida (TERUELO, 2011).
Lemos e Wanderley afirmaram que as escolhas das palavras e dos modos para
explanar os títulos dos noticiários “apaziguam o caráter violento e sexista existente nestes
acontecimentos, assim como a quantidade de informações sobre cada crime nas matérias que
ou é ínfima ou é inexistente” (2018, p. 154). O foco das notícias que envolvem o fenômeno do
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feminicídio seguido do suicídio é, na maioria dos casos, o homem e não a real vítima do
ocorrido, ao mesmo tempo em que não são expostas as relações entre o agressor e a vítima
(LEMOS; WANDERLEY, 2018). Em consequência da não identificação das relações entre
quem agride e quem é agredida, os noticiários acabam obscurecendo pontos essenciais das
causas, sendo que a maioria das ocorrências são frutos da violência de gênero.
MATERIAL E MÉTODOS
RESULTADOS E DISCUSSÃO
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Foram encontradas nove notícias sobre feminicídio em Guanambi e região entre 2015
e 2018. Dois casos são de feminicídio seguido de suicídio; quatro casos de feminicídio; e três
de tentativas de feminicídio seguido de suicídio. Dentre as notícias coletadas, apenas cinco
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descrevem quem são as vítimas, três eram mulheres negras e duas não negras. Em nenhuma
das reportagens foi mencionado o grau de escolaridade das mulheres. As idades das vítimas
variam entre 24 e 48 anos, sendo que, em cinco casos noticiados a idade não foi informada.
A partir dos termos utilizados no desenvolvimento dos títulos das matérias, é possível
perceber possivelmente qual ideologia o veículo na qual a matéria foi publicada possui
(LEMOS; WANDEREY, 2018). Em quase todos os casos, os títulos das notícias encontradas
possuem como foco o homem e não a real vítima do ocorrido. Apenas um dos títulos tem-se a
mulher como foco do acontecimento: “Mulher é assassinada pelo ex-marido com golpes de
faca, na zona rural de Caetité”.
Este cenário corrobora com o que foi dito por Lemos e Wanderley (2018), que o
discurso dos títulos das notícias, na maioria dos casos, é centralizado no homem. Isto ocorre
como consequência de uma sociedade fundamentada em um modelo patriarcal. Neste sistema
a dominação masculina ocorre permanentemente na esfera social (GOMES, 2018).
Outro aspecto evidenciado nos títulos das matérias encontradas nos veículos, é a não
apresentação da relação entre a vítima e o agressor. A substituição desta informação pelas
palavras homem e mulher ocultaria, conforme Lemos e Wanderley (2018), traços importantes
significativos dos casos.
Por consequência de uma sociedade sustentada pelo modelo patriarcal, os sites de
notícias comunicam os acontecimentos dos fenômenos em discursão dando foco à figura
masculina, haja vista que, em consonância com Moscovici (2015), a comunicação e a
interação entre os sujeitos em sociedade desencadeiam as representações sociais e estas
influenciariam de forma direta o modo em que o sujeito pensa e age frente ao corpo social.
33% Feminicídio
45%
Feminicídio seguido de
suicídio
22%
Tentativa de feminicídio
seguida por suicídio
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CONCLUSÃO
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REFERENCIAS
______. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal,
da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher;
dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera
o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 08 de agosto
de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: novembro de 2019.
______. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de
7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância
qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para
incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Diário Oficial da República Federativa
do Brasil. Brasília, DF, 10 de março de 2015 (2015b). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm. Acesso em:
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______. Avaliação do impacto da Lei Maria da Penha sobre a mortalidade de mulheres por
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HOLMES, D. S. Psicologia dos transtornos mentais. 2 ed. Porto Alegre: Artmed. 1997,
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