5647-Texto Do Artigo-18280-1-10-20160929 PDF
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RESUMO: Neste artigo iremos apresentar o possível diálogo entre o Diário Íntimo de
Altino Arantes – então Presidente do Estado de São Paulo – e o Relatório Oficial sobre a
epidemia de gripe espanhola de 1918 no município de São Paulo, o ofício nº 477, expedido
pelo Prefeito da Capital Paulista Washington Luís Pereira de Souza, ressaltaremos também
algumas obras historiográficas produzidas a respeito da Historiografia das doenças.
PALAVRAS-CHAVE: Gripe Espanhola, Washington Luís, Altino Arantes.
ABSTRACT: In this article we present the possible dialogue between the Intimate Diary of
Altino Arantes - then President of the State of Sao Paulo - and the Official Report of the
Spanish flu epidemic of 1918 in São Paulo, the official letter No. 477, issued by Mayor Capital
Paulista Washington Luís Pereira de Souza, also will outline some historical works produced
about pandemic flu.
KEYWORDS: Spanish flu epidemic, Washington Luís, Altino Arantes.
1RIBEIRO, Maria Alice. História sem fim... inventário da saúde pública. São Paulo – 1880-1930. São Paulo:
Editora da UNESP, 1993, p. 128.
Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG.
v. 7 n. 2 (mai./ago. 2015) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2015.
ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades
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A epidemia de gripe espanhola2 e ascensão da Historiografia das doenças
Kolata3 que faz uma contextualização global do flagelo ocasionado pela epidemia de
Influenza espanhola. As cidades atacadas pela moléstia estavam completamente
“despreparadas”, o que fazer com os mortos tornou-se um problema, pois eram necessários
transportes especiais para os cadáveres, não existiam caixões suficientes, os agentes
funerários se encontravam sobrecarregados em todas as localidades acometidas pelo vírus da
gripe.
2 Existem outros estudos sobre a epidemia de gripe espanhola no Brasil. São eles: BERTOLLI FILHO, Cláudio.
Epidemia e Sociedade: a gripe espanhola no município de São Paulo. 482f. Dissertação (Mestrado em História
Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986;
BERTUCCI, Liane Maria. “Conselhos ao Povo”: Educação contra a Influenza de 1918. Caderno Cedes, Campinas,
v. 23, n. 59, p. 103-117, abr. 2003; KOLATA, Gina Bari. Gripe: a história da pandemia de 1918. Trad. Carlos
Humberto Pimentel Duarte da Fonseca. Rio de Janeiro: Record, 2002; SOUZA, Christiane Maria Cruz de
Souza. A gripe espanhola em Salvador, 1918: Cidade de becos e cortiços. História, Ciência, Saúde – Manguinhos,
Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 71-99, jan./abr. 2005, p. 81-82.
3 KOLATA. Gripe.
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que a Primeira Guerra –, sem uma explicação de como teria atingido tal gravidade deixando
todos ainda mais perplexos de como começou, a gripe espanhola acabou.
Nos anos 1940, com a afirmação da historiografia dos Annales, se inicia um debate
ainda tímido entre história, medicina e saúde. A partir da década de 1970, há um crescente
interesse dos historiadores pela produção de uma história social da medicina. Essa nova
abordagem se pauta não somente por características biológicas, mas também pelos aspectos
sociais e culturais, ressaltando a heterogeneidade de cada grupo social em diversas realidades.
A inclusão da doença entre os novos objetos da história pôde fornecer numerosos
esclarecimentos sobre as articulações e as mudanças das sociedades. E como a doença é
quase sempre um elemento de desorganização e reorganização social suas causas passam a
ser compreendidas a partir de novos olhares, ampliando também a percepção da comunidade
médica, ao estabelecer um diálogo interdisciplinar.
4NASCIMENTO, Dilene R.; CARVALHO, Diana M. (orgs.). Uma história brasileira das doenças. Brasília: Paralelo
15, 2004.
Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG.
v. 7 n. 2 (mai./ago. 2015) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2015.
ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades
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imperativo que tenha sentido social e cultural, para tanto iremos analisar dois principais
documentos produzidos no contexto social assolado pela epidemia, são eles, o Relatório nº
477 expedido pela Intendente municipal da cidade de São Paulo em 1918, Washington Luís
e o Diário Íntimo do então Presidente do Estado de São Paulo, Altino Arantes.
O Prefeito Washington Luís no ofício nº 477 informa, que é muito grato à confiança
que a Câmara Municipal lhe concedeu durante a moléstia de gripe na cidade de São Paulo:
Por este ato insólito a edilidade paulista recebe severas críticas da sociedade e,
especialmente da Imprensa:
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o apoio do legislativo municipal. Digno de nota o fato de que o prefeito ter ocultado no
Ofício nº 477, o conteúdo da resolução nº 131, certamente para aumentar seu prestígio no
momento que lhe foi delegado amplos poderes.
No início de seu Relatório sobre as medidas tomadas pelo poder municipal durante
a pandemia gripal (ofício nº 477), o prefeito faz uma analogia entre a situação vivida pela
população da capital com a Idade Média durante a qual a perspectiva da morte assombrava
a todos diante das guerras e pestilências que se seguiam anos a fio. No entanto, ressalta que
com o progresso da ciência e os ensinamentos da higiene as epidemias teriam se afastado dos
homens. Washington Luís faz ainda uma breve alusão à bacteriologia que naquele contexto
histórico da Primeira República era bastante propalada na perspectiva de uma nova era na
qual o homem venceria os males epidêmicos. Nessa perspectiva a gripe espanhola era
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considerada como apenas uma batalha perdida que atingia a todos em qualquer parte do
mundo:
Altino Arantes e Arthur Neiva, diretor do S.S.E., já estavam cientes que a epidemia
de gripe estava rondando a capital, entretanto, as medidas preventivas contra o flagelo
somente foram tomadas quando a moléstia já atingia proporções alarmantes. Como vimos
anteriormente a diretoria do S.S.E. demorou a reconhecer oficialmente o estado epidêmico
(decretado em 15/10/1918). Altino Arantes relata algumas das medidas tomadas pelo
governo estadual, especialmente na capital:
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se fizesse o expurgo dos barcos contaminados de ‘influenza hespanhola’.
Accedi promptamente, dando eu, em pessoa, ao Dr. Neiva as instrucções
nesse sentido. Com este combinei também o fechamento dos Grupos
Escolares da Capital, podendo os respectivos edifícios ser convertidos em
enfermarias para os indigentes atacados de grippe.12
O prefeito comenta sobre as boas relações que o mesmo mantinha com o Presidente
de Estado. Embora as relações entre essas duas autoridades parecessem amistosas é certo
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que Altino Arantes, conforme registra em seu diário, aparecia sempre contornando algum
atrito que o prefeito provocava ou se envolvia:
No momento que Altino Arantes se reunia com seus secretários e com o prefeito da
capital para discutir sobre a epidemia de gripe que atacava em São Paulo, impiedosamente,
Washington Luís discursava novamente sobre um problema que não estava em pauta. Em
outro trecho do diário íntimo percebemos o desfecho dessa discussão e os “assomos” do
prefeito à crítica de Altino Arantes:
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a ele no governo de Rodrigues Alves, presidente da República eleito. Mesmo sabendo da
informação positiva sobre a indicação do prefeito a ministro, Altino Arantes não a revela a
seu interlocutor. Portanto, a referência às boas relações entre poderes estadual e municipal,
contida em trecho do ofício nº477, constituía uma espécie de “cortina de fumaça” para
esconder divergências que vinham de muito antes. É significativo que Washington Luís após
ser empossado como presidente do Estado em 1920 acabou por isolar politicamente Altino
Arantes e o grupo ligado ao Conselheiro Rodrigues Alves – que havia falecido em 1920 em
consequências da gripe espanhola.
Mesmo com a separação das áreas de atuação de cada poder público e por entidades
privadas, não constituiu uma garantia que os conflitos seriam evitados. Em seguida, assinala
os encargos direcionados ao município durante o flagelo:
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a cargo da Companhia Telefônica; os de transporte, Luz e Força,
executados pela “The São Paulo, Light na Power Co”.; o serviço funerário,
concedido à Santa Casa de Misericórdia Municipal e que tem sido feito
por intermédio da Casa Rodovalho; os serviços dos dez cemitérios
municipais e os serviços da limpeza pública, tendo a Prefeitura ainda de
prover ao abastecimento da cidade.17
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A sociedade paulista teve que se solidarizar durante a moléstia que atacava a cidade
de São Paulo. Posteriormente analisaremos outras instituições filantrópicas, privadas e
religiosas que angariaram fundos para ajudar a população carente, já que o Estado e o
Município sozinhos não pareciam ter condições de salvaguardar a sociedade.
No mês de setembro de 1918, a capital sofria com a ameaça de greves por parte de
várias categorias. Posteriormente estourou a greve dos padeiros e dos açougueiros que
reivindicavam a elevação dos preços de seus produtos que haviam sido tabelados pela
prefeitura, medida que evidentemente provocou ascensão dos problemas sociais e
econômicos. Enquanto os padeiros e açougueiros informavam que estavam sendo
prejudicados, a população reclamava dos valores praticados por estes e dos atravessadores.
Altino Arantes se certifica da questão:
20 SEVCENKO, Nicolau. Orfeu Extático na Metrópole. São Paulo sociedade e cultura nos frementes anos 20. São
Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 24.
21 Diário Íntimo Altino Arantes, vol.9 (30/09/1918 e 01/10/1918).
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A população de São Paulo, como os trabalhadores, os pobres e os indigentes além de
não terem condições de comprar alguns gêneros de alimentos por motivos dos preços altos,
ainda tiveram que contornar a falta de alguns desses alimentos, como a carne e o pão que
estavam em falta por motivo da greve. Washington Luís manifestou-se sobre a questão da
greve convocando uma reunião entre a esfera municipal e estadual para discutir o dispêndio
que ela causava:
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preços a vigorarem neste Estado, numa tabella, que – para segurança das
transações commerciaes – seria sempre mantida, nos seus máximos, por
um espaço de 90 dias.
Pedi-lhe também que o preço da carne verde desde já elevado a 1400$ por
kilo – valor pelo qual/ poderiam os açougueiros [recucetar], sem prejuízo,
o fornecimento de carne a população paulistana, privada della, há quatro
dias... O Dr. Wenceslau, à noite, telegraphou ao Álvaro, attendendo as
duas primeiras partes de meu pedido, mas recusando a terceira (preço da
carne), ‘para não alterar a situação da Capital Federal, onde a carne se
vende a 1300 por kilo, sem reclamação dos interessados.24
Altino Arantes atendeu à solicitação de Wenceslau Brás relativo aos víveres que
seriam remetidos a capital federal:
Percebemos esse ato de Altino Arantes como uma aliança política que estava
firmando com Wenceslau Brás para a candidatura de Rodrigues Alves à presidência da
República. Essa situação demonstra o elitismo no tratamento da questão por parte do
governo paulista, pois, mesmo com a situação de desabastecimento vivido pela população
paulistana e do interior resolveu remeter gêneros alimentícios para fora do estado a fim de
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atender interesses de ordem política. Esse mesmo governo preocupava-se em atender os
interesses dos grupos de industriais que aproveitaram a situação de emergência para obter
maiores vantagens no jogo de barganha que praticavam.
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As instituições privadas, religiosas e filantrópicas iniciaram medidas profiláticas, e de
assistência aos enfermos, no momento que Artur Neiva informava a sociedade sobre a
ineficácia do S.S.E., para debelar a epidemia. Grande parte dessas instituições angariou
fundos com a própria doação da sociedade civil, salvo a Igreja Católica que recebeu gordas
verbas estaduais, assim como doações de fiéis e, também, da sociedade. Os gastos da
prefeitura de São Paulo durante a pandemia gripal foi baixo, segundo Bertolli Filho (Ano): a
verba destinada à crise sanitária não ultrapassou a casa dos 10% de todas as despesas extras
daquele ano, lideradas pelos gastos referentes à amortização e juros de empréstimos.29
A respeito dos estoques de leite na capital Washington informa em seu ofício nº 477
que era encontrado no município aproximadamente 35 mil litros, sendo que mais 11 mil
litros eram importados de localidades próximas, totalizando 46 mil litros por dia para uma
população estimada em 523.196 mil habitantes. Segundo o cálculo do prefeito a média de
consumo do produto girava em torno de 11,36 pessoas para cada litro de leite por dia
(consumo médio de 91 ml por indivíduo). Esses dados que propõem um levantamento per
capita, considerava que todos consumiam leite, embora milhares de paulistanos não tivessem
condições de adquirir o leite, assim como outros alimentos.
A limpeza pública em São Paulo se tornou um grande problema, mas não podemos
generalizar esse agravante para toda a cidade, a região central da cidade não passou por
transtornos na coleta e no destino do lixo durante a fase epidêmica. Os bairros operários e
industriais como o Brás sofriam constantemente com a coleta de lixo na maioria das vezes
demorada, gerando um ambiente propício para proliferação de insetos e ratos. A maior parte
dos dejetos eram depositados as margens do rio Tietê, contaminando mananciais.
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pelas emanações do ar, da insalubridade da atmosfera, se constituía prática recorrente do
S.S.E., no ano de 1918.
O Serviço Funerário da Capital paulista era realizado pela Santa Casa de Misericórdia
enquanto a empresa Casa Rodovalho Júnior, Horta & Cia, cuidava da fabricação e transporte
fúnebre dos mortos. No decorrer da crise epidêmica a situação se agravou ainda mais no
município de São Paulo, a cada dia aumentava geometricamente o número de pessoas
enfermas e de óbitos da gripe. No dia 21 de outubro de 1918 o número de enfermos chegava
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a 918 casos, no dia 22 aumenta para 1.023 casos de influenza e no dia 23 de outubro elevou-
se para 1.500 casos novos de enfermos de gripe ao dia. A doença estava cada vez mais
virulenta e mortal sendo que no dia 24 de outubro fez mais 1.900 casos novos. O número de
óbitos na capital chegou a quintuplicar se levarmos em conta a informação fornecida pelo
prefeito a Altino “attingiram ao número de 112, quando a média diária, normal, é de 22 óbitos
apenas”.31
Washington Luís com a situação de inoperância da empresa funerária teria que tomar
providências imediatas que poderiam incorrer na anulação da concessão da empresa, ou seja,
a quebra do contrato antes do período estipulado. O próprio dono da empresa no momento
não colocou nenhuma objeção à imposição do prefeito, mas este, referindo-se aos grandes
custos que essa quebra de contrato poderia levar a Prefeitura futuramente não o fez, levando
o Prefeito a manter a Casa Rodovalho como concessionária do serviço funerário:
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Segundo o pensamento de Washington Luís desfazer da Casa Rodovalho naquele
momento da epidemia, seria ainda mais difícil para a Prefeitura teria que contratar outra
empresa no meio do caos social que se encontrava a cidade. Seguindo o caminho escolhido,
o Prefeito dispôs de custos para ajudar no serviço funerário.
Washington Luís designou o seu Inspetor Geral de Fiscalização o Sr. José Steidel de
contratar firmas para fabricação de caixões mortuários:
Gaspar Villa, Rua Miller, nº 47, a fabricação diária de 100 caixões, com De
Devitis, a de 50, com Vicente Pironti, a de 30, ambos na Rua Sebastião
Pereira, ns. 52 e 38, com Carlos Remedi, na Rua Ponte Grande, a de 100,
no total de 280 diariamente. (...) ao Secretário de Justiça o ilustre Dr. Eloy
Chaves, a quem estão subordinadas as Oficinas da Penitenciária e do
Instituto Disciplinar, ao Sr. Owem, superintendente da São Paulo Railway,
ao Sr. Ramos de Azevedo, Diretor do Lyceu de Artes e Ofícios, ao Sr. Dr.
Jorge Street, Presidente da Companhia Nacional de Juta, ao Sr. Eduardo
Lobo, do “The São Paulo Tremway, Light and Power Co”, mais tardes às
Indústrias F. Matarazzo, apelando para o sentimento de solidariedade
humana e, em nome da cidade de São Paulo e no meu desvalioso, solicitei-
lhes a fabricação de caixões fúnebres para enterramentos.33
Essa solicitação feita para fabricações de caixões resultou em 5.941 caixões, foi
oferecido pelo Coronel Alberto de Andrade, o seu estabelecimento da Avenida Brigadeiro
Luiz Antônio, nº 69 A, onde funcionou o Palace Theatre, neste local funcionou a garagem
de transportes de cadáveres e o depósito de caixões fúnebres.
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O Dr. Pinheiro Lima, o Braz, veio communicar-me, nos Campos Elyseos,
que os colegas contractados para auxiliá-lo – a razão de dois contos e
quinhentos por mez! – abandonaram o serviço, por encontrarem na clínica
civil, melhor remuneração...34
O cargo que mais faltou trabalhadores durante a epidemia foi o de coveiro, pois a
pessoa ficava propícia a se contaminar com os mortos, que muitas vezes já estavam em estado
avançado de decomposição. Consequência da demora nos enterramentos, naquele momento
a média de mortos chegou a um total de 178 por dia, enquanto nos dias normais a média de
mortos era de 30 por dia. O serviço de coveiro era essencial no momento epidêmico e não
podia parar, houve várias contratações de coveiros do interior, pois ocorreu um aumento
significativo nos salários. No dia 23 de outubro os salários dos coveiros foram aumentados
para 4$50035, depois para 6$000 e chegando a 10$000 diários, tudo para atrair mão-de-obra
vital para os sepultamentos.
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A prefeitura elaborou uma nova tabela de enterramentos com o alvará da Casa
Rodovalho para facilitar os serviços:
Nos dados sobre os enterramentos vemos a nítida distinção das camadas sociais,
foram estipulados três tipos de funerais dois das camadas abastadas e um da camada pobre.
A camada abastada tinha o direito de utilizar os melhores caixões e os melhores transportes,
as famílias das camadas pobres ficavam com caixões mais simples e os transportes eram
coletivos feitos em caminhões, sendo basicamente tratados como indigentes.
Os serviços nos cemitérios foram constantes durante toda a epidemia, nos cemitérios
do Brás e do Araçá diversos foram os dias em que “os enterramentos foram superiores a 150
em cada um deles. Devido o grande número de sepultamentos foram feitas instalações de
luz elétrica nos cemitérios do Araçá, da Consolação, do Brás e da Penha”.39
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com quatro argolas e florões dourados, pés e cadeados também dourados,
travesseiro da mesma seda do caixão, bordado a ouro: 80$000.40
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Algumas denúncias foram feitas contra os serviços de sepultamento nos cemitérios
municipais. Havia acusações de que os mortos estariam sendo enterrados sem caixão e em
valas comuns. A esse respeito o prefeito se manifestou discordando veementemente
afirmando que todos os mortos haviam recebido tratamento cristão idêntico, ou seja, os
sepultamentos estavam sendo realizados em caixões e em covas individuais. Para reforçar
seu argumento respaldava-se nos relatórios dos superintendentes dos dez cemitérios.
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A epidemia da gripe espanhola, difundida pelo mundo todo a partir do
foco dos campos de batalha da Europa, caíra sobre a cidade com uma
voracidade que evocava a peste negra medieval: em alguns meses
prodigalizou São Paulo de valas coletivas lotadas de cadáveres, com não
poucos moribundos atirados às fossas ainda vivos de permeio, nas
correrias desencontradas do pânico.45
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produzem os malfeitores, os malfeitores são perigosos à sociedade; ...
pobres são por definição perigosos.”46
A “Metrópole do Café” como era dita pelas autoridades públicas e pela elite cafeeira,
era a cidade moderna e salubre, não se pode negar esta referência para a região central da
cidade onde estava o poder executivo estadual, e a elite financeira cafeeira e industrial. Na Sé
e na Consolação, distritos centrais da capital não faltavam melhorias urbanas como boas
moradias, ruas pavimentadas, transportes de bonde, água tratada e esgoto, coleta de lixo
constante, iluminação pública, cinemas, teatros e diversos serviços.
A cidade de São Paulo com o crescimento urbano passou por segmentações de seus
espaços, foram criadas as zonas comerciais, zonas bancárias, zonas industriais e zonas
residenciais, a cidade estendeu-se pelas planícies, as estradas de ferro passavam pelos terrenos
mais baixos, pois se constituíam nos melhores locais para os assentamentos dos trilhos.
Nessas regiões seguindo os trilhos instalaram-se muitas fábricas e desenvolveram-se diversos
bairros operários. Na região central, onde se concentrava o comércio e bancos, o preço dos
terrenos aumentou progressivamente, propiciando constante especulação imobiliária. Foi
criado o bairro de Higienópolis onde residia à burguesia cafeeira e industrial da cidade. Na
área central e nos bairros residenciais onde morava a elite paulistana percebemos o esplendor
da arquitetura, baseada em estilos europeus.
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Nos bairros industriais e operários percebeu-se poucas mudanças nas melhorias
urbanas, na maioria desses bairros não existia esgoto, água tratada, habitação adequada para
a população trabalhadora que vivia em cortiços ou casas coletivas em meio a péssimas
condições higiênicas e de salubridade. Na periferia era frequentes a falta de alimentos, de
medicamentos e muitos outros produtos necessários para a sobrevivência.
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explicado pela sociedade atacada; é imperativo que tenha sentido social e cultural.
Historicizar as doenças é um dos caminhos para se compreender uma sociedade.
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