Tese - Karen Michel Esber - 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE CIÊNCIAS SOCIAIS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

KAREN MICHEL ESBER

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE AS VÍTIMAS PARA OS AUTORES DE


VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Goiânia – GO
2016
TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO PARA DISPONIBILIZAR AS TESES E
DISSERTAÇÕES ELETRÔNICAS NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG

Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de


Goiás (UFG) a disponibilizar, gratuitamente, por meio da Biblioteca Digital de Teses e
Dissertações (BDTD/UFG), regulamentada pela Resolução CEPEC nº 832/2007, sem
ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei nº 9610/98, o documento
conforme permissões assinaladas abaixo, para fins de leitura, impressão e/ou download, a
título de divulgação da produção científica brasileira, a partir desta data.

1. Identificação do material bibliográfico: [ ] Dissertação [X] Tese

2. Identificação da Tese ou Dissertação

Nome completo do autor: Karen Michel Esber

Título do trabalho: As Representações Sociais sobre as Vítimas para os Autores de Violência


Sexual contra Crianças e Adolescentes

3. Informações de acesso ao documento:

Concorda com a liberação total do documento [ X ] SIM [ ] NÃO1

Havendo concordância com a disponibilização eletrônica, torna-se imprescindível o


envio do(s) arquivo(s) em formato digital PDF da tese ou dissertação.

________________________________________ Data: 24 / 08 / 2016


Assinatura do (a) autor (a) ²

1Neste caso o documento será embargado por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste prazo suscita justificativa
junto à coordenação do curso. Os dados do documento não serão disponibilizados durante o período de embargo.
²A assinatura deve ser escaneada.
KAREN MICHEL ESBER

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE AS VÍTIMAS PARA OS AUTORES DE


VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Sociologia da
Universidade Federal de Goiás como
requisito parcial para obtenção do
título de Doutor em Sociologia, sob a
orientação da Prof.ª Dr.ª Telma
Ferreira do Nascimento Durães.

Goiânia – GO
2016
Aos meus pais Michel e Olga, meus grandes amores, meus
mestres, minha força, meu incentivo, minha pele mais fina.
São, definitivamente meus maiores exemplos de vida, de
amor, de honestidade e coerência, ou seja, meu tudo.
Aos meus amados irmãos Mahassen, Ziad e Salim, sangue
do meu sangue, três personagens sempre fundamentais na
minha história de vida. Amo demais. Never forget.
Aos meus sobrinhos Cybele, Michel, Izabela e Ana Luiza,
que chamo de meus quatro amores. Vocês são fonte
inesgotável de alegria, brincadeiras, sorrisos, beijos,
abraços, conversas e cheiros no pescoço.
Ao meu namorado Antônio Neto, meu amor e companheiro
que, dentre outros, cuidou de mim no período de produção
da tese e tolerou a minha ausência.
AGRADECIMENTOS

À professora Telma Ferreira do Nascimento Durães, por sua dedicação no aprimoramento


teórico-metodológico da pesquisa, por nossas longas conversas e pelo suporte a mim
proporcionado.

Ao professor Dijaci David de Oliveira, que me estimulou a realizar a seleção do doutorado em


Sociologia e participou da banca de qualificação e de defesa, enriquecendo o trabalho com suas
valiosas contribuições.

À professora Maria Luiza Rodrigues Souza, pelas importantes ponderações realizadas nas
bancas de qualificação e defesa.

À professora Maria Lúcia Vannuchi, que gentilmente concordou em participar da banca de


defesa.

À professora Sônia Margarida Gomes de Sousa, minha orientadora de mestrado, com a qual
tive o prazer de novamente dividir minhas inquietações intelectuais na banca de defesa desta
tese.

Aos vinte e seis entrevistados da pesquisa, por terem concordado em expor suas histórias de
vida em prol do conhecimento científico.

A toda a equipe de agentes prisionais e à direção administrativa da Penitenciária Coronel Odenir


Guimarães, em especial ao Rodolfo Hidasi, que me deram todo o suporte que necessitei para o
desenvolvimento da pesquisa de campo.

Aos meus queridos alunos colaboradores, sem os quais jamais conseguiria trabalhar com essa
grande quantidade de dados empíricos: Nathana Sateles Monteiro, Jackeline Sousa, Lara
Beatriz C. Almeida, Marielly Augusta Gouveia, Hellen Pires, Lucas Mateus Ribeiro Xavier,
Anna Clara Amaral, Barbara Sul Santana Fleury, Aluany da Silva Luz, Tatiany Teotonio
Borges, Renan Vinícius Ferreira Pimentel, Mariane Gritz Biondo, Erica Barros e Carlinda
Braga.

Ao professor da Universidade Federal de Goiás, doutor Carlos Leão, que treinou dois alunos
colaboradores para o manuseio do Programa SPSS para o lançamento dos dados dos AVS
localizados pelo levantamento no Cartório.

Aos colegas de trabalho e de militância Maria Luiza Moura Oliveira, Mônica Barcellos Café e
Rogério Araújo, do Centro de Estudos, Pesquisa e Extensão Aldeia Juvenil, da PUC-Goiás, pela
mesma disponibilidade de sempre.
Aos colegas do Centro de Estudos, Pesquisa e Extensão Aldeia Juvenil, da PUC-Goiás, que se
dedicaram à realização do levantamento dos quase mil e quinhentos prontuários institucionais
no cartório da Penitenciária Coronel Odenir Guimarães: Otilia Loth, Nilton Inácio do
Nascimento, Florença Ávila de O. Costa, Antonina Maria Prado Lima, Patricia Estabile,
Mônica Barcellos Café, Murillo Teles Moritto e Sônia Maria L. Rodrigues.

À Superintendente de Políticas de Ação Integral à Saúde da Secretaria de Estado da Saúde, Drª.


Mabel Del Socorro Cala de Rodriguez e à Coordenadora de Saúde no Sistema Prisional, minha
querida Abemar Genovesi, que me proporcionaram as condições para a realização do curso de
doutorado.

À colega de trabalho Valcilene Batista da Silva Coutinho, técnica da área de Atenção às


Populações em Situação de Violência Sexual, da Secretaria de Estado da Saúde, por ter dividido
comigo seus conhecimentos.

Ao colega de trabalho Adilson Rigues Gonçalves Júnior, que sempre foi tão disponível para
contribuir com a organização dos áudios provenientes da pesquisa de campo.

A todas as pessoas que temporariamente foram meus braços, quando os meus próprios,
adoecidos, não conseguiam mais digitar: Mahassen Esber, Lilian Correa da Silva, Luciana
Machado Martins, Antônio Gomes de Oliveira Neto, Ziad Esber, Michel Cruvinel Esber,
Cybele Cruvinel Esber, Andrea Rodrigues Soares, Erica Barros e Barbara Sul Santana Fleury.
Sem vocês, nada feito.

À Maria Carolina Byron, por sua sagacidade, interesse e empenho no aprimoramento desta tese.
Obrigada por não medir esforços.

À Iraci Ferreira de Araújo Jorge, por sua criteriosa e carinhosa revisão de português. Acertei
no alvo quando te escolhi.

À minha amada irmã e segunda mãe, Mahassen Esber, uma das pessoas mais generosas que eu
conheço. Considero-a coautora desse trabalho, pois além de meus braços, foi também minha
cabeça e meu coração. Mostrando-me que não estava sozinha, me acalmou nas horas de
desespero, de falta de sono e de dor física. Parabéns por sua imensa dedicação e empenho em
me ajudar na finalização dessa tese.
Nós vos pedimos com insistência:
Nunca digam – Isso é natural.
Diante dos acontecimentos de cada dia.
Numa época em que reina a confusão,
Em que corre o sangue,
Em que se ordena a desordem,
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade de desumaniza...
Não digam nunca: Isso é natural.
A fim de que nada passe por ser imutável.
Sob o familiar, descubram o insólito.
Sob o cotidiano, desvelem o inexplicável.
Que tudo que seja dito ser habitual, cause inquietação.
Na regra é preciso descobrir o abuso.
E sempre que o abuso for encontrado,
É preciso encontrar o remédio.
Vocês, aprendam a ver, em lugar de olhar bobamente.
É preciso agir em vez de discutir.
Aí está o que uma vez conseguiu dominar o mundo.
Os povos acabaram vencendo.
Mas não cantem vitória antes do tempo.
Ainda está fecundo o ventre de onde surgiu a coisa imunda.

Bertolt Brecht (1898 – 1956)


RESUMO

O tema principal desta tese tem como centro a análise das representações sociais sobre as
vítimas de violência sexual na concepção de vinte e seis autores de violência sexual (AVS)
contra crianças e adolescentes, encarcerados na Penitenciária Coronel Odenir Guimarães
(POG), situada na cidade de Aparecida de Goiânia, Estado de Goiás, Brasil. A metodologia da
abordagem qualitativa conduz a tarefa investigativa e o amparo teórico busca os saberes das
Ciências Sociais e da Teoria das Representações Sociais, que suscitam a reflexão para além do
indivíduo, considerando os contextos conceitual, histórico, científico, midiático, jurídico e
institucional. A apresentação dos entrevistados tem como fundamento duas perspectivas: a da
instituição prisional, por meio da pesquisa documental nos prontuários dos AVS e a dos
entrevistados, a partir de sessenta e um contatos pessoais “entrevistador-entrevistados”,
mesclados pela conduta formal caracterizada pelo preenchimento do questionário padrão e
pelos diálogos, tanto os propositadamente direcionados aos temas: história de vida,
sexualidades (de si próprios e de suas vítimas), crianças e adolescentes, violência sexual
praticada e sofrida, vítimas de violência sexual, dentre outros, como os momentos de estímulo
às manifestações livres e narrativas dos AVS. O resultado das entrevistas evidenciou duas
constantes entre os AVS, a partir do campo empírico: a maioria rotula como monstros, doentes
ou anormais as pessoas que praticam violência sexual e as diferentes facetas entre negar e
assumir a violência. Sob a ótica da autora deste documento, a análise das representações sociais
dos AVS sobre as vítimas de violência sexual elegeu três unidades de significação: vítimas e
vítimas de violência sexual, crianças/adolescentes e sexualidade (das vítimas e dos AVS). As
principais conclusões indicam que os entrevistados reconhecem crianças e adolescentes que
experimentam contato sexual com adultos na condição de vítimas, relação esta nomeada como
uma violência e um ato moralmente condenável; elencam consequências maléficas da violência
sexual para as vítimas e também para si próprios, evidenciando sua indissociabilidade;
apresentam contradição entre não realizar distinção entre as categorias crianças e adolescentes
(ambas representadas como imaturas biológica, psíquica e emocionalmente) e hierarquizar
crimes a partir da categoria idade; nomeiam crianças e adolescentes em interação sexual com
adultos como inocentes, sedutoras e coautoras, mas sempre vítimas; manifestam que o desejo
sexual, quando existente, está direcionado apenas às vítimas das violências que cometeram, e
não a outras crianças e adolescentes; demonstram cristalização dos lugares de autor e de vítima
de violência a partir da categoria gênero; relatam diversas emoções negativas sobre si próprios
em relação à violência sexual praticada e às consequências provocadas nas vidas de suas
vítimas, tais como arrependimento, nojo, raiva, culpa, vergonha, autoimagem de
monstruosidade. Suas representações estão em consonância com os três conceitos parâmetros
adotados e com aquelas produzidas e reproduzidas pelo senso comum, mídia, legislação,
literatura especializada e discursos institucionais. Os achados evidenciados neste trabalho e a
abordagem analítica empregada indagam a asserção de parte da literatura especializada
internacional quanto ao fato de que os AVS não conseguem reconhecer as necessidades
emocionais de suas vítimas, pois apresentariam déficits de empatia para com elas, explicando
o problema sob um viés estritamente intrapsicológico. Finalizando, e com base em autores das
áreas das Ciências Sociais, surge como necessário o exercício de uma nova interpretação que
vincule entre a experiência individual e social dos AVS às teorias psicossociais dominantes,
como forma de contribuir para o campo dos estudos brasileiros especializados sobre os AVS,
como também proporcionar aos profissionais da área, a tranquilidade e o conhecimento
mínimos para o trato, no campo jurídico, e para o tratamento, no campo da saúde física e mental
dos AVS, aqui vistos para além dos estereótipos que lhes são imputados antes mesmo de serem
julgados.

Palavras-chave: Autor de violência sexual. Vítima de violência sexual. Criança e adolescente.


Sexualidade. Ciências Sociais.
ABSTRACT

The main theme of this thesis has its center in the analysis of social representations about the
victims of sexual violence in the conception of twenty-six authors of sexual violence (AVS)
against children and adolescents, imprisoned in Prison Coronel Odenir Guimarães (POG), in
the city of Aparecida de Goiânia, State of Goiás, Brasil. The qualitative approach methodology
leads the investigative task and the theoretical support searches the knowledge of Social
Sciences and the Social Representation Theory, which rise the reflection beyond the individual,
considering the conceptual, historical, scientific, media, legal and institutional contexts. The
presentation of the interviewees is based on two perspectives: the prison institution, through
documentary research in the records of the AVS and the interviewees from sixty-one personal
contacts "interviewer-interviewees", mixed by the formal conduct characterized by the filling
of the standard questionnaire and dialogues, both purposely targeted the themes: life history,
sexualities (for themselves and their victims), children and adolescents, practiced and suffered
sexual violence, victims of sexual violence, among others, like the moments of encouragement
to free events and narratives of AVS. The result of the interviews showed two constants among
AVS, from the empirical field: most categorize people who practice sexual violence as
monsters, sick or abnormal and the different facets between denying and assuming the violence.
From the perspective of the author of this document, the analysis of the AVS´s social
representations about the victims elected three units of meaning: victims and victims of sexual
violence, children/adolescents and sexuality (of victims and AVS). The main findings indicate
that respondents recognize children and adolescents who experience sexual contact with adults
as victims, relation named as a violence and a morally reprehensible act; list harmful
consequences of sexual violence for the victims and also for themselves, showing their
inseparability; present contradiction between not distinguishing categories as children and
adolescents (both represented as biological immature, mental and emotional) and rank crimes
from age category; nominate children and adolescents in sexual interaction with adults as
innocent, seductive and co-authors, but always victims; show that sexual desire, if any, is
directed only to the victims of the violence they committed, and not to other children and
adolescents; show crystallization of the role as an author and victim of violence from the gender
category; report various negative emotions about themselves in relation to the sexual violence
they practiced and the caused consequences in the lives of their victims, such as repentance,
disgust, anger, guilt, shame, self-image of monstrosity. Their representations are similar with
the three concepts parameters adopted and with those produced and reproduced by common
sense, media, law, literature and institutional discourses. The findings shown in this work and
the analytical approach used inquire the assertion of part of the international literature on the
fact that the AVS fail to recognize the emotional needs of their victims, because they would
present empathy deficits toward them, explaining the problem in a strictly intrapsychological
bias. Finally, and based on authors of the areas of Social Sciences, appears as necessary the
exercise of a new interpretation that links between individual and social experience of AVS to
the dominant psychosocial theories, as a contribution to the field of specialized Brazilian studies
on the AVS, as well as provide professionals the minimum knowledge to the treatment in the
legal field, and treatment in the field of physical and mental health of AVS, in here seen beyond
the stereotypes that are charged on them before being on trial.

Keywords: Author of sexual violence. Victims of sexual violence. Child and adolescent.
Sexuality. Social Sciences.
LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Dados gerais dos entrevistados obtidos por meio dos prontuários institucionais
e das entrevistas ...................................................................................................................... 138
LISTA DE SIGLAS

AGSP Agência Goiana do Sistema Prisional


ANDI Agência de Notícias dos Direitos da Infância
APA American Psychiatric Association
ATSA Association for the Treatment of Sexual Abusers
AVS Autores de Violência Sexual
CBO Classificação Brasileira de Ocupações
CEARAS Centro de Estudos e Atendimento Relativos ao Abuso Sexual
CEDECA Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
CEPAJ Centro de Estudos, Pesquisa e Extensão Aldeia Juvenil
CEPSI Centro de Estudos e Prática Psicológica
CID Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados
com a Saúde
CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente
CNRVV Centro de Referência às Vítimas de Violência
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
COOJ Centro de Observação e Orientação Juvenil
CP Código Penal Brasileiro
CPI Comissão Parlamentar de Inquérito
CPP Casa de Prisão Provisória
CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social
CT Conselho Tutelar
DEPAI Delegacia de Apuração de Atos Infracionais
DSM Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
ECPAT End Child Prostitution, Child Pornography and Trafficking of Children for
Sexual Purposes
ESCCA Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes
FMACA Fundo Municipal de Apoio à Criança e ao Adolescente
IATSO International Association for the Treatment of Sexual Offenders
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
JIJ Juizado da Infância e Juventude
LEP Lei de Execução Penal
MCT Ministério da Ciência e Tecnologia
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MP Ministério Público
MS Ministério da Saúde
NECASA Núcleo de Estudo e Coordenação para Saúde do Adolescente em Goiânia
NOTA National Organisation for the Treatment of Abusers
ONU Organização das Nações Unidas
OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
PAEFI Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos
PNAB Política Nacional de Atenção Básica
PNAISARI Política Nacional de Atenção Integral à Saúde dos Adolescentes em Conflito
com a Lei, em Regime de Internação e Internação Provisória
PNAISH Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem
PNAISP Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas Privadas de Liberdade no
Sistema Prisional
POG Penitenciária Coronel Odenir Guimarães
PROINVERT Projeto Invertendo a Rota
PUC-GO Pontifícia Universidade Católica de Goiás
SECT Secretaria de Cidadania e Trabalho
SEDH/PR Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República
SEMAS Secretaria Municipal de Assistência Social
SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
SMS Secretaria Municipal de Saúde
SNAP Rede de Sobreviventes de Abusados por Padres
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
SUAS Sistema Único de Assistência Social
SUS Sistema Único de Saúde
UFG Universidade Federal de Goiás
VIVA Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 17

CAPÍTULO 1 – RECORTES TEÓRICOS E METODOLÓGICOS ADOTADOS PARA A


REALIZAÇÃO DA PESQUISA ................................................................................................... 35

1.1 O Programa Repropondo: Atendimento Psicoterapêutico a Autores de Violência


Sexual .......................................................................................................................................... 35
1.2 O Cumprimento das Formalidades Necessárias para a Realização da Pesquisa na
Penitenciária Coronel Odenir Guimarães - POG ................................................................... 40
1.3 Colaboradores da Pesquisa ................................................................................................. 41
1.4 Localização dos Condenados por Crimes Sexuais Contra Crianças e Adolescentes na
Penitenciária Coronel Odenir Guimarães - POG ................................................................... 42
1.5 Proposta Metodológica das Entrevistas ............................................................................. 45
1.5.1 Adequações Metodológicas Realizadas a partir da Pesquisa Piloto ............................. 46
1.5.2 Temáticas Abordadas nas Entrevistas ........................................................................... 48
1.5.3 Conformações à Peculiaridade do Campo Empírico .................................................... 49
1.6 Transcrição, Categorização e Análise das Entrevistas ..................................................... 54
1.7 Considerações Teóricas e Metodológicas sobre as Representações Sociais .................... 57

CAPÍTULO 2 - VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UM


BREVE PANORAMA ................................................................................................................... 62

2.1 O Abuso e a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes: Conceituação e


Características............................................................................................................................ 62
2.2 Adultos, Crianças, Adolescentes e Sexualidades na História: Diferentes
Representações ........................................................................................................................... 71
2.3 Os AVS e a Questão dos Déficits de Empatia pelas Vítimas: Recortes Conceituais nos
Campos da Psicologia e das Ciências Sociais .......................................................................... 82
2.4 A Mídia e a Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes: Alguns
Apontamentos ............................................................................................................................ 88
2.5 Marcos Legais para o Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e
Adolescentes no Brasil ............................................................................................................... 92
2.6 Políticas Públicas e Ações Não Governamentais de Atenção aos Autores de Violência
Sexual no Brasil.......................................................................................................................... 96
CAPÍTULO 3 - AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE AS CRIANÇAS E
ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL PARA OS ENTREVISTADOS 108

3.1 Apresentação dos Entrevistados: Cenários Revelados a partir do Campo Empírico . 109
3.1.1 Uma Breve Análise da Apresentação dos Entrevistados ............................................ 141
3.1.2 Pessoas que Praticam Violência Sexual na Perspectiva dos Entrevistados ................ 148
3.1.3 Contradições entre o Negar e o Assumir a Violência Sexual: Diferentes Facetas ...... 151
3.2 As Representações Sociais sobre Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência Sexual
a partir das Três Unidades de Significação Propostas ......................................................... 157
3.2.1. As Vítimas e Vítimas de Violência Sexual: A Primeira Unidade de Significação .... 157
3.2.1.1 A Condição de Vítima: Crianças e Adolescentes que Experimentam
Contato Sexual com Adultos na Visão dos Entrevistados .................................... 157
3.2.1.2 Conceito Geral de Vítima ............................................................................ 161
3.2.1.3 As Vítimas de Violência Sexual na Visão dos Entrevistados:
Consequências, Pensamentos, Sentimentos e Indissociabilidades ....................... 162
3.2.2 Crianças/Adolescentes e Sexualidades: Duas Unidades de Significação ................... 170
3.2.2.1 Conceito Geral de Crianças ........................................................................ 170
3.2.2.2 Conceito Geral de Adolescentes.................................................................. 172
3.2.2.3 A Não Distinção Entre Crianças e Adolescentes Versus A Hierarquização
de Crimes: Pensando as Diferenças ....................................................................... 173
3.2.2.4 Crianças e Adolescentes em Interação Sexual com Adultos: Inocentes,
Sedutoras, Coautoras e Vítimas ............................................................................. 176
3.2.2.5 Adultos em Interação Sexual com Crianças e Adolescentes:
Problematizando a Questão do Desejo Sexual de AVS pelas Vítimas ................ 186

CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 194


REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 207
APÊNDICE A - Formulário de Levantamento de Informações via Prontuário ............................ 229
APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ................................................... 232
APÊNDICE C - Roteiro da Primeira Entrevista Narrativa ........................................................... 234
APÊNDICE D - Roteiro da Segunda Entrevista Narrativa ........................................................... 235
ANEXO A – Aprovação da Pesquisa pela Coordenadoria Interdisciplinar de Pesquisa e Estudos de
Execução Penal, da Agência Goiana do Sistema de Execução Penal ............................................ 236
ANEXO B – Aprovação da Pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal
de Goiás.......................................................................................................................................... 237
17

INTRODUÇÃO

O ponto de partida para a análise da violência sexual contra crianças e adolescentes


deve necessariamente referir-se à sua complexidade. As diversas categorias que a compõem
(tais como violência, sexualidade, crianças, adolescentes, vítimas, autores de violência, crime,
punição, saúde, doença e outras) relacionam-se transversalmente e possibilitam múltiplas
conexões interpretativas, sujeitas a alterações de significados que estabelecem os limites sobre
quais atos sexuais são socialmente aceitos ou legalmente sancionados. Em hipótese alguma, ela
pode ser considerada um fenômeno do século XXI, conforme evidencia a história. Até o final
do século XVIII, constavam dentre os pecados graves o estupro, o incesto, o adultério, a
homossexualidade, dentre outros (FOUCAULT, 1988). O tema foi tratado pela Mitologia,
Artes, Antropologia, Sociologia, Psicologia, Psiquiatria, Literatura, História, Direito e Religião
(CHARAM, 1997).
Na história mundial e brasileira, são inúmeros os exemplos de sociedades e épocas
em que as práticas sexuais de adultos com crianças e adolescentes, que hoje nomeamos como
violência sexual, eram habituais, toleradas ou silenciadas (CHARAM, 1997; DEL PRIORE,
1991; VIGARELLO, 1998). É bem conhecido o fato de que, na cultura grega clássica, os
relacionamentos sexuais entre um rapaz e um mentor mais velho eram socialmente aceitos:
“[...] o que para muitos é chocante, cruel e considerado grave desrespeito à inocência infanto-
juvenil, noutras sociedades é conduta normal, método pedagógico ou ritual de iniciação no
mundo adulto” (MOTT, 1991, p. 45). Contudo, tais relacionamentos eram limitados por noções
de etiqueta concernentes ao processo de cortejamento, evidenciadas na profunda ansiedade a
respeito da pederastia entre homens e meninos no direito clássico ateniense: “A figura ateniense
do kinaidos, o homem que efetivamente gosta do papel passivo, é apresentado como uma
“figura marcada”, um desvio tanto social quanto sexual” (KING, 1998, p. 46, grifo do autor).
Na história do Brasil, o longo silêncio que atravessou décadas e calou gerações constituiu-se
em uma forma de reação socialmente estabelecida à violência sexual:

No século XVI, inquisitores assinalavam o estupro de crianças. Meninos e meninas de


seis, sete e oito anos eram violentados por adultos sem nenhum drama de consciência.
Senhores sodomizavam moleques ou molecas escravas, padres faziam o mesmo aos
seus coroinhas, e parentes e crianças da família participavam de uma ciranda maldita na
qual um único pecado contava para a Igreja: o do desperdício do sêmen. Afinal, ele
deveria ser usado exclusivamente para procriação. E era apenas esse crime que o
inquisitor perseguia. O fato de ser cometido com pequenos passava despercebido. Era
coisa secreta e o silêncio protegia os culpados (DEL PRIORE, 2011, p. 152).
18

Existia indignação social em relação a tais violências? Talvez sim, mas o silêncio
de quase todas instituições sociais (como a igreja, a família, as empresas, as escolas, a polícia
e as prisões) frente às violências ocorridas dentro e fora delas provocou, por consequência,
reduzida disponibilidade das vítimas em tornar públicas suas experiências. Dentro das famílias,
a violência sexual usualmente se estabelecia (e se estabelece até hoje) e a partir de um complô
de silêncio, pois as vítimas podiam receber ameaças ou se sentir culpadas e envergonhadas,
como se tivessem provocado aquela situação (FURNISS, 1993). O silêncio também era
reforçado pelo medo das consequências intra e interpessoais da revelação, como o rompimento
dos laços familiares, a possibilidade de ser culpabilizada pela violência que sofreu, a
estigmatização social, o sofrimento individual e ainda a vergonha e a culpa, sentimentos
amplamente descritos pela literatura (FURNISS, 1993; GABEL, 1997; SUÁREZ e
BANDEIRA, 1999). A violência sexual por muito tempo fixou seu lugar no âmbito privado e
em parte está ainda hoje, mesmo com todos os enfrentamentos públicos realizados com mais
intensidade a partir das décadas de 1980 e 90.
Longe de ter sido superado, o silenciamento das famílias e das instituições sociais
sobre a violência sexual ocorre até os dias de hoje. Tomo como exemplo a conduta da Igreja
Católica, que só no ano de 2011 reconheceu publicamente os casos de violências sexuais
cometidos por padres. Isso ocorreu após denúncia da Associação Rede de Sobreviventes de
Abusados por Padres (SNAP) ao Tribunal Penal Internacional contra o papa Bento XVI e outros
dirigentes, em um processo com dez mil páginas de documentação. Nele, acusou-os de crimes
contra a humanidade e de que o Pontífice teria “tolerado e ocultado sistematicamente os crimes
sexuais contra crianças em todo o mundo". À época, Bento XVI expressou publicamente sua
vergonha e pediu desculpas, apelando para a tolerância zero contra os pedófilos2. Dois anos
depois, já em 2013, seu sucessor, Papa Francisco, assinou um decreto reforçando a punição
pelas violências sexuais contra crianças e adolescentes dentro da Igreja Católica. O Pontífice
pediu atuação com determinação contra os abusos sexuais cometidos pelo clero3.
A despeito da reticência social, a violência sexual contra crianças e adolescentes foi
alvo de preocupação pública e acadêmica em vários momentos da história, conforme evidencia
Finkelhor (1979). O autor reflete que, apesar de parecer que a descoberta da violência sexual
contra crianças e adolescentes ocorreu a partir dos anos 1970, ela tem sido um tema persistente

2 Disponível em: <http://toleranciaecontentamento.blogspot.com.br/2011/09/vitimas-de-pedofilia-denunciam-papa.html>.


Acesso em 04 abr. 12.
3 Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/07/papa-francisco-reforma-codigo-penal-e-reforca-sancoes-
contra-pedofilia.html>. Acesso em: 11 nov. 14.
19

de moralistas por décadas. Ainda segundo a acepção do autor, aqueles que passaram a
reconhecer publicamente a violência sexual no final do século XX foram os profissionais
liberais e acadêmicos. De fato, é nessa época que a literatura começa a dar sinais de interesse
pelo tema, a exemplo da obra psicanalítica de Caprio (1965), que se propôs a escrever sobre os
problemas sexuais de seus pacientes, com base em cinco casos que envolviam relações sexuais
de adultos com crianças, sendo quatro deles sobre as vítimas: 1- “Caso de paranoia envolvendo
relações homossexuais entre pai e filho” (CAPRIO, 1965, p. 102); 2- “Homossexualidade num
rapaz seduzido pela madrasta” (CAPRIO, 1965, p. 134); 3- “Frieza de uma mulher casada que,
ainda na adolescência, fora engravidada pelo próprio pai)” (CAPRIO, 1965, p. 196) ; 4- “Caso
de esquizofrenia ligada a um incesto entre pai e filha” (CAPRIO, 1965, p. 216). O autor analisa
ainda um caso sobre o autor da violência: “Caso de um pai que violou duas filhas (uma de 17 e
outra de 16 anos)” (CAPRIO, 1965, p. 192). Pontuo que os dois primeiros foram categorizados
dentro do item homossexualidade e os três últimos na seção incesto.
No Brasil, é mais intensamente nos anos de 1980 e 1990 que começaram a surgir
os alicerces para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, nas
modalidades abuso e exploração sexual comercial (DEL PRIORE, 2011; FELIPE, 2006;
LANDINI, J., 2005; LIBÓRIO, 2004; SANTOS, 2004). “As vozes daqueles que se levantavam
em oposição à violência sexual contra crianças e adolescentes, escassas no registro histórico
dos séculos passados, se transformaram em um enorme coro de protesto e indignação no início
da década de 1990” (SANTOS e IPPÓLITO, 2011, p. 24). Isto ocorreu pois houve mudanças
significativas em nosso cenário social e institucional, com o desenvolvimento de ações não
governamentais e adoção de políticas públicas de enfrentamento à violência sexual. Como
exemplo, pode-se citar a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
(BRASIL, 1990) e as profundas alterações nos instrumentos legais que regem a vida de crianças
e adolescentes; a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Federal
em 1993; o estabelecimento do dia dezoito de maio como o “Dia Nacional de Luta Contra o
Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”; a implantação, no ano de 2000, do
Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes e seus
respectivos Comitês Estaduais; a construção do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência
Sexual Infanto-Juvenil , a implantação do Programa Sentinela em diversos municípios no
Brasil. Todas estas ações contribuíram para a redefinição do locus social de crianças e
adolescentes, agora entendidos como sujeitos de direitos, que devem ser protegidos contra
quaisquer tipos de violências, como discutirei no Capítulo 2. Além disto, os instrumentos
20

supramencionados provocaram também mudanças quanto à forma de reagir socialmente à


violência:

Observa-se, nas últimas décadas, uma explosão discursiva em torno do tema,


acompanhada da censura ao “silêncio”, entendido como “omissão” e “conivência”.
Frente a essa nova tagarelice e ao aumento de denúncias, aparecem duas possibilidades
de interpretação: uma mais pessimista, que acredita que estamos vivendo uma
“epidemia” de “abusos sexuais” de crianças e outra mais otimista, que considera que a
maior visibilidade não decorre do aumento repentino de atos, mas da ruptura do antigo
“tabu do silêncio” (LOWENKRON, 2010, p. 11, grifo do autor).

Este movimento institucional foi requerido, proposto e fortalecido por profissionais


liberais, juristas, políticos, pesquisadores e pessoas ligadas a Organizações Governamentais e
militantes de direitos – por exemplo do movimento feminista e dos direitos de crianças e
adolescentes –, que passaram a colocar este tema na pauta da agenda pública, por considerar tal
violência como altamente avassaladora e catastrófica, necessitando, portanto, ser combatida
com intensidade e permanência. Ela transitou assim do status de silenciada e invisível a alvo de
preocupação pública e passou a ter destaque na mídia, na literatura científica e na legislação:

A partir da noção de “abuso sexual infantil”, tal qual formulada pelo movimento
feminista nos Estados Unidos em meados da década de 1970 (HACKING, 1992), a
violência sexual contra crianças foi denunciada como segredo da sociedade e da família
patriarcais, associada às desigualdades de poder (entre homens e mulheres e adultos e
crianças). Esse modelo de entendimento sobre o “abuso sexual infantil” foi apropriado
e reformulado pelos movimentos sociais de defesa dos direitos das crianças nos anos
1990, que complementaram a crítica feminista à dominação masculina com a ideia de
dominação “adultocêntrica” (LOWENKRON, 2013, p. 57, grifo do autor).

Houve também maior exposição e discussão dos casos na mídia impressa ou


televisiva, em jornais de notícias, jornais policiais, reportagens, documentários ou até mesmo
depoimentos de pessoas famosas sobre suas próprias experiências. E isto tem ocorrido até os
dias de hoje. Em 2012, a apresentadora de programas infantis Maria da Graça Meneghel (Xuxa)
concedeu depoimento4 ao programa televisivo Fantástico, relatando ter sofrido, até os treze anos de
idade, violências sexuais por parte de vários homens de seu convívio social íntimo. Ela disse nunca
ter contado a ninguém porque se sentia mal, suja, acreditava que era ela quem estava errada, com
vergonha e culpa. Narrou sobre sua dificuldade em denunciar quando criança, pois acreditava
que seus pais não acreditariam nela: “Até hoje, eu ainda acho que foi por minha culpa. E a gente
não pode pensar assim, porque a criança não tem culpa”. A apresentadora relatou que as

4 Disponível em: <http://globoplay.globo.com/v/1957658/>. Acesso em: 13 ago. 2014.


21

violências sofridas possivelmente provocaram, como consequência, dificuldades interpessoais


nos seus relacionamentos amorosos com homens.
Nas décadas de 1980 e 90, houve também crescente interesse de pesquisadores
brasileiros sobre o tema da violência sexual, manifesto pela ampliação de grupos de pesquisas
e publicações. O foco de sua produção científica esteve majoritariamente ligado ao abuso sexual
intrafamiliar (incesto) e ao extrafamiliar, apesar de já constarem algumas análises sobre a
exploração5 sexual comercial de crianças e adolescentes (AZEVEDO e GUERRA, 1988, 1989;
FALEIROS, V., 1996; LORENZI, 1987; SAFIOTTI, 1989). Os pesquisadores desta época
buscavam revelar, em primeiro lugar, que a violência sexual existia como um fenômeno social
e também que: “A problemática da vitimização sexual de crianças e adolescentes em família
merece realmente a caracterização de problema impertinente e de tema maldito” (AZEVEDO
e GUERRA, 1988, p. 2). Isso pode ser evidenciado pelos aspectos abordados na obra pioneira
de Azevedo e Guerra (1988): a) o reconhecimento da existência do fenômeno6 e a insuficiência
de dados referentes à vitimização sexual de crianças e adolescentes; b) conceituação e distinção
entre os termos relacionados à violência sexual contra crianças e adolescentes: assalto sexual,
ataque sexual, agressão sexual, violência sexual, maus tratos sexuais, perturbação sexual,
exploração sexual, ofensa sexual, abuso e vitimização sexual; c) entendimento da violência
sexual como um “desafio público a reclamar investigações e intervenções” (AZEVEDO e
GUERRA, 1988, p. 37); d) categorização dos protagonistas da vitimização sexual, que indicou
que 93,5% das vítimas eram do sexo feminino e 6,5% masculino, sendo a maior incidência na
faixa etária de 7 a 10 anos e em vítimas de cor branca. Quanto aos agressores 7, todos eram do
sexo masculino. Em 69,3%, eram os pais biológicos, 29,8% padrastos, e em 0,6% dos casos,
eram pais adotivos. Foi encontrada maior concentração de pessoas na faixa de 30 a 39 anos
(44,6%) e de cor branca (58,3%).
Ressalto cinco implicações do estudo de Azevedo e Guerra (1988), bem como de
outras pesquisas da literatura especializada da época (BASS e THORNTON, 1985;
FINKELHOR, 1986; FURNISS, 1993; OKAMI, 1991): 1- a preocupação com a denúncia e
caracterização da violência sexual (incidência, prevalência, perfil dos envolvidos, fatores de
risco e sequelas da experiência para as vítimas); 2- a desmistificação da imagem do AVS como
uma pessoa estranha ou desconhecida das vítimas, ficando agora comprovado cientificamente

5 Esta modalidade de violência sexual teve destaque na produção científica nacional com maior intensidade a partir dos anos
2000, quando houve uma ampliação quantitativa e qualitativa dos trabalhos científicos sobre a temática (Mello, 2010).
6 Esse é, inclusive, o nome do capítulo 2.
7 Ao longo de toda a presente tese, mesmo contestando as nomenclaturas originalmente empregadas por diversos autores

citados, optei por mantê-los, objetivando ser o mais fidedigna possível.


22

e revelado publicamente que eles podem ser pessoas muito próximas a elas; 3- o
reconhecimento dos homens como principais autores e das meninas como vítimas, o que
fortaleceu a explicação feminista da violência sexual como uma relação de poder, em função
das desigualdades de gênero e de idade (AZEVEDO e GUERRA, 1989; SAFIOTTI, 1989); 4-
as vítimas entendidas como silenciadas e prejudicadas por consequências emocionais, por
sentirem que o fato deveria permanecer em segredo, em razão da vergonha, culpa e medo do
estigma; 5- o questionamento de alguns mitos relacionados à violência sexual, tais como:

O incesto é raro; o abuso sexual ocorre somente nas classes baixas, as vítimas de abuso
sexual são meninas; o relato de crianças sobre o abuso sexual é fantástico; caso não haja
dano físico, não existem efeitos prejudiciais; o comportamento sedutor da criança
justifica o abuso sexual e a torna responsável; quando ocorre abuso sexual, não se deve
abordar o assunto com a criança para que ele seja esquecido (ZAVASCHI et al., 1990
apud CHARAM, 1997, p. 196).

A literatura das décadas de 1980 e 90 evidencia o quanto era difícil para as vítimas
romper a barreira do silêncio, pois poderiam ter de lidar com certo descrédito ao contar sobre
sua experiência, como constatado a seguir:

Quais os motivos que levam as vítimas a abordarem raramente a sua experiência de


vitimização como outras pessoas ou a permanecerem caladas sobre o fato pelo resto de
suas vidas? Ao tentar discutir este assunto, a vítima pode enfrentar três tipos de reação
por parte de seu interlocutor: 1. Não receber crédito, afirmando-se que ela fantasiou ou
inventou a experiência; 2. Seu dano pode ser minimizado, ou seja, surge o discurso
implícito de que não houve nenhum prejuízo e que é preferível esquecer o assunto; 3.
Pode ser responsabilizada pelo crime, dizendo-se que a vítima estava pedindo para que
isto ocorresse (AZEVEDO e GUERRA, 1988, p. 75).

Pouco apareceram na literatura desta época os personagens meninos vítimas e


mulheres autoras de violência. No que diz respeito aos primeiros, Landini, T. (2006) analisou
notícias de jornais do início e do fim do século XX e concluiu que, enquanto as meninas
apareceram como vítimas nas primeiras décadas, os meninos começam a surgir somente no
final do período. Quase trinta anos após a publicação da obra de Azevedo e Guerra (1988),
arrisco afirmar que a dificuldade em identificar estes dois grupos é ainda presente em nossa
sociedade. Caso os meninos sejam submetidos à violência sexual praticada por um homem
adulto, isto é interpretado como uma degradação moral “associada a uma sobreposição de
“perversidades”, uma vez que a relação é atravessada, simultaneamente, pelas noções de
“pedofilia” e de “homossexualidade”, ambas entendidas como sendo perigosamente
contagiosas” (LOWENKRON, 2012, p.127, grifo do autor). Sendo ele seu pai ou padrasto, isso
é considerado ainda mais grave, pois trata-se de um duplo tabu (PINTO JUNIOR, 2005).
23

Como argumentarei no Capítulo 1, há também invisibilidade e silenciamento


quanto às mulheres AVS nos discursos do senso comum, institucionais e da literatura
especializada. Caso pratiquem violência contra meninos, esta interação pode, por vezes, nem
mesmo ser considerada como uma violência, tendo em vista certo consenso social que estes
deveriam aproveitar sexualmente tal experiência (WEST, 2000). É ainda mais difícil reconhecê-
la quando as vítimas são meninas, o que não quer dizer que tais violências não existam, como
já nos mostravam Bass e Thornton (1985) quando relataram o caso de uma avó que abusava
sexualmente de sua neta. Ainda precisamos avançar nos processos que nos possibilitarão
enxergar, discutir e combater as violências sexuais praticadas por mulheres.
A visibilidade que a violência sexual ganha nas décadas de 1980 e 90 e sua
subsequente reprovação social não ocorreram somente no Brasil8, mas também em vários países
do mundo. Apesar de ser ainda considerado como um segredo vergonhoso da esfera privada
(MILLER, 1994), mulheres nos Estados Unidos passaram a frequentar programas de auditório
para denunciar o que até então tinha sido mantido em silêncio: todos os detalhes de suas
vivências na infância e adolescência eram contados ao público. Muitas relatavam sentimentos
como vergonha, culpa, tristeza, desamparo, nojo, raiva, ódio, medo, dentre outros. Elas eram
chamadas de sobreviventes (VALENTE, 2005). As vítimas não mais sofreriam
individualmente, pois, a partir daí ela não era mais reconhecida apenas como um problema
individual, mas sim uma causa coletiva (PRATT, 2009; SPENCER, D., 2009). Contudo, agora
a experiência poderia ser proclamada pública, social e institucionalmente. Iniciava-se um
processo de superação do medo, da indiferença, do descrédito e do silêncio. Além das anônimas,
algumas mulheres famosas também decidiram publicizar suas experiências, como a
apresentadora de televisão Oprah Winfrey9, que contou ter sido vítima de violência por diversas
vezes em sua infância e adolescência.
Em 1985, Helen Bass e Louise Thornton publicaram o famoso livro chamado
“Nunca Contei a Ninguém”, nos EUA. As autoras selecionaram manuscritos de mulheres
adultas da América do Norte e da Europa que haviam sido vítimas de violência sexual em sua
infância e que haviam mantido o fato em segredo até então. Dentre vários, pontuo quatro
aspectos ressaltados pela obra: 1- a violência sexual poderia ser praticada por pessoas muito
próximas das vítimas; 2- as sequelas para a saúde física e psicológica das vítimas eram graves
e 3- as vítimas frequentemente mantinham a violência sofrida em segredo e silêncio; 4- a

8 Para uma revisão de como a violência sexual passou a fazer parte da agenda pública brasileira, ver Santos e Ippólito (2011).
9 Apresentadora, até 2011, do programa “The Oprah Winfrey Show” na televisão norte-americana, vencedor de diversos
prêmios televisivos.
24

experiência, agora, poderia ser trazida a público e colocada em palavras. Para evidenciar o
quanto os casos eram silenciados nessa época, Fátima Ali, diretora da revista NOVA, diz no
prefácio do livro que, apesar de já ter feito muitas matérias, não se lembrava de que alguém
tivesse contado alguma coisa parecida. Na apresentação da obra, Florence Rush refletiu que as
vítimas de tais violências estavam fadadas ao silêncio, corriam o risco de não serem acreditadas,
de terem seu dano minimizado ou até mesmo de serem responsabilizadas pelo crime (BASS e
THORNTON, 1985).
Contudo, estudos das décadas de 1960 a 90 dividiram suas opiniões sobre as
consequências da interação sexual de crianças/adolescentes com adultos. Alguns autores
(BAKER e DUNCAN, 1985 apud OKAMI, 1991; CONDY et al., 1987 apud OKAMI, 1991;
HAUGAARD e EMERY, 1989 apud OKAMI, 1991; KILPATRICK, 1986 apud OKAMI,
1991) entendiam que crianças e adolescentes consideravam tal interação como uma experiência
positiva ou neutra, significando, pois, que elas não a representavam como um evento de
violência. Uma segunda corrente de pensamento refutava radicalmente essa explicação,
avaliando este tipo de contato como uma violência, um grande mal para as vítimas, que sofrem
profundamente com suas consequências. Estas últimas eram tanto de natureza psíquica como
social: dor, sofrimento, medo, vergonha, culpa, trauma, humilhação, ideação suicida ou
suicídio, raiva, ódio, vingança, revolta, sentimento de impotência, isolamento social,
comportamentos violentos, consumo de drogas e álcool, fobias, distúrbios do sono, mágoa,
ansiedade, depressão, transtorno do stress pós-traumático, transtornos do humor, transtornos
psicóticos e dificuldades sexuais na vida adulta, como: hipersexualização, homossexualidade,
confusão entre a necessidade de afeto e de sexo, prostituição, dentre outras (ATKESON et al.,
1982; CAPRIO, 1965; FINKELHOR, 1979, 1986; FORWARD e BUCK, 1989; FURNISS,
1993; ROTHBAUM et al., 1992; SPENCER, A., 1999). Há certo consenso de que as
consequências poderiam se estender até a fase adulta:

Mulheres que foram violadas quando crianças, ou maltratadas na infância,


frequentemente, ao se verem adultas, procuram ajuda médica por dor de cabeça,
alterações do sono ou do apetite, ou dores abdominais e pélvicas, corrimento vaginal e
sintomas dolorosos musculoesqueléticos. Pode haver, inclusive, depressão, ideia de
suicídio, abuso de álcool e de drogas [...] as vítimas estão em alto risco para
comportamento subsequente não refletido, promiscuidade sexual, abusos físico e
sexual, ansiedade, depressão, baixa autoestima, abuso de álcool e drogas ou
dependência, distúrbios do sono crônicos, distúrbio dissociativo, embotamento
emocional, culpa, vergonha, estado permanente de alerta, ideação suicida e vários
transtornos psiquiátricos (CHARAM, 1997, p. 13-14).
25

Autores desta época discutiam a magnitude dos danos causados nas vítimas e
consideravam que, apesar da violência sexual ser um “problema profundo e esmagador tanto
para o indivíduo quanto para a sociedade [...] não é, definitivamente, um beco sem saída. Os
estragos não são irreparáveis. A autoestima e a dignidade podem ser definitivamente
restauradas” (FORWARD e BUCK, 1989, p. 15). Contemporaneamente, há divergências sobre
a extensão das consequências. Alguns autores entendem que, apesar de apresentarem sequelas,
as vítimas são capazes de restabelecer suas vidas: “Interpretar a situação vivida ou aprofundar
uma sensação de trauma na criança só contribui para aprisioná-la à experiência passada e
arruinar sua vida presente, dificultando a superação da experiência negativa” (SANTOS, 2004,
p. 137). Outros pesquisadores já apresentam uma visão mais pessimista das consequências para
as vítimas: “As consequências, amplas, nefastas, afetam o relacionamento com outras pessoas
e destas com a vítima; o prejuízo para a identidade pode ser incalculável e irrecuperável”
(FIORELLI e MANGINI, 2011, p. 195).
Assim, grande parte da literatura brasileira sobre a violência sexual tem se focado
nas vítimas. Os autores de violência sexual (AVS10), sejam homens ou mulheres, adolescentes
ou adultos, ainda aparecem esparsamente como sujeitos de pesquisas, por se tratar de um
personagem que provoca inúmeras reticências e sentimentos aversivos. Sobre eles, poder-se-ia
perguntar: “Quem seria capaz de praticar violência sexual contra crianças ou adolescentes, seres
humanos puros, inocentes, assexuados, indefesos, vulneráveis e atualmente merecedores de
direitos?” As respostas usualmente são: um monstro, depravado, tarado, perigoso, não cidadão,
irredimível, doente mental, psicopata, uma pessoa que não se arrependeria de seus atos, cuja
única solução seria separá-lo do restante da comunidade. Eles se tornaram inimigos a serem
perseguidos, personificados na figura do pedófilo, que desperta ódio, situa-se entre o criminoso
e o patológico (LOWENKRON, 2011) e é considerado como o “novo monstro contemporâneo”
(LOWENKRON, 2012, p. 2).
No Reino Unido, dois jornais escritos (The News of the World e The Guardian)
propuseram a campanha Name and Shame11, cuja intenção era divulgar fotografias, dados
criminais e locais de residência de homens socialmente reconhecidos como pedófilos. Os
vigilante groups12 juntavam-se nas portas das casas de tais pessoas e contra elas praticavam
diversas formas de violência. Houve relatos de perseguições e banimento da vida comunitária

10 Neste trabalho, optei por utilizar o termo autores de violência sexual (AVS), em contraposição às nomenclaturas agressor,
ofensor, violentador e abusador, por entender que estes últimos estão carregados de uma forte carga de preconceitos.
11 Nomear e envergonhar (tradução nossa). Campanhas populares feitas para publicizar alguém que fez algo errado.
12 Grupos de vigilantes (tradução nossa) são compostos por pessoas que desempenham seus próprios atos de justiça (SPENCER,

D., 2009).
26

local. Foi nesse mesmo período que se produziu a imagem social do pedófilo como sendo o
mais perigoso ofensor de todos (SPENCER, D., 2009) e por diversas vezes instalou-se o que
Marr (1998 apud CROSS, 2005) chamou de histeria pedófila. Esses tipos de prática trouxeram
uma série de consequências sociais aos AVS, entendidos como “desviantes incuráveis que
representam um perigo criminal ad aeternum, qualquer que seja seu status judicial, sua
trajetória de reinserção e seu comportamento pós penal” (WACQUANT, 2003, p. 124). As
consequências atingiram também a população em geral, uma vez que perseguir os AVS, “longe
de tranquilizar, atiça o medo irracional das agressões sexuais” (WACQUANT, 2003, p. 134) e
abre “radicalmente o caminho para a extensão sem limites dos dispositivos de vigilância
punitiva das categorias sociais que inspiram medo e repugnância” (WACQUANT, 2003, p.
142). Cardia (2003) encontrou, em uma pesquisa com um mil e quarenta e um moradores de
bairros do Rio de Janeiro, que socialmente desejamos aos AVS a mais dura punição. O estupro
foi indicado como o crime mais grave e que deveria ter mais punição por 51,80% dos
respondentes do grupo menos exposto à violência e por 57,80% do mais exposto. A pena de
morte foi citada como punição a ser aplicada aos AVS em 25,20% e 45,80% dos casos,
respectivamente.
Mas quem são os AVS? Usualmente considerados pelo senso comum e pela mídia
como inimigos a serem combatidos e monstros a serem afastados da sociedade, entendo que há,
no momento presente, profundo desconhecimento e ignorância sobre eles. Contribui para isso,
além de outros fatores, as divergências quanto à sua explicação, caracterização, conceituação e
classificação presentes na literatura especializada. Ao buscar pesquisas com os AVS para a
sistematização e orientação da minha práxis profissional em trabalho anterior no Programa
Repropondo13 (SANTOS et al., 2009) e também durante a produção de minha dissertação de
mestrado com base no referencial teórico-metodológico da psicologia social (ESBER, 2008),
realizei levantamentos bibliográficos que evidenciaram: 1- a literatura nacional é ainda escassa
e recente e os AVS têm sido praticamente ignorados como sujeitos de pesquisas até bem
recentemente; 2- a produção científica internacional sobre os AVS é quantitativamente maior
do que a brasileira. Contudo, em meu entendimento, ela possui alguns problemas, tais como:
foco nos processos intrapsíquicos e desconsideração do contexto social e institucional,
tendência em desconsiderar a perspectiva dos AVS, o que acarreta uma “ausência da voz dos
sujeitos” (ESBER, 2009, p. 34). Intitulei essa literatura de psicologizante, patologizante e
classificatória (ESBER, 2005, 2009).

13 Apresentarei esta experiência profissional na seção 1.1.


27

No que diz respeito à literatura nacional, é predominantemente a partir do ano de


2000 que pesquisas começaram a ter como sujeitos os AVS, majoritariamente no campo da
Psicologia. Estes estudos investigam características de personalidade, descrevem
subjetividades, examinam perfis sócio demográficos, narram histórias de vida, avaliam
resultados da aplicação de testes e/ou escalas psicológicas, de processos psicoterapêuticos e de
programas de atendimento com os AVS, sejam eles adultos ou adolescentes. As abordagens
teóricas adotadas são a psicologia social, o psicodrama, a psicanálise, a psicologia cultural e
histórica, a teoria feminista e a teoria sistêmica (BARCELOS, 2015; CAFÉ e NASCIMENTO,
2012; CARVALHO, 2011; CARVALHO e SOUSA, 2007; COSTA, 2013; COSTA e COSTA,
2013; COSTA, F. et al., 2014; COSTA, L. et al., 2012; DEBONA, 2011; ESBER, 2000, 2005,
2007, 2008, 2009; FERRARI, 2004; FONSECA, 2012; FONSECA e MONTEIRO, 2013;
JESUS, 2006; LODETTI, 2010; MARAFIGA, 2009; MARQUES, H., 2005; MELO, 2008;
MOURA, 2012; MOURA e KOLLER, 2008; PASQUALINI-CASADO et al., 2008; PENSO
et al., 2012; PINCOLINI e HUTZ, 2014; SANFELICE, 2010, 2011; SANTOS et al., 2009;
SCORTEGAGNA e AMPARO, 2013; VECINA, 2002).
Já na Psiquiatria brasileira, alguns estudos investigam a relação entre a violência
sexual e os diversos tipos de transtornos mentais: transtorno da preferência sexual, transtornos
de personalidade e/ou transtornos relacionados ao uso e abuso de álcool e/ou outras drogas.
Tais estudos usualmente tentam delinear de perfis e tipologias do que eles classificam como
pedófilos, molestadores sexuais ou estupradores em série (BALTIERI, 2005; CASOY e
RIGONATTI, 2006; MARSDEN, 2009; SERAFIM et al., 2009). A tipologia “molestador com
psicopatia” (SERAFIM et al., 2009, p. 109) é proposta para se referir àqueles indivíduos que
apresentam:

Crueldade na conduta sexual, centrada e modulada pela postura de indiferença à ideia


do mal que comete, não expressando emoções quanto ao desvio nem ao fato de que o
seu comportamento produz sofrimento. Sugere-se que esse tipo de agressor sexual
experimenta o prazer não mais com o sexo, e sim com o sofrimento de sua vítima
(SERAFIM et al., 2009, p. 109).

Este tipo de classificação diagnóstica baseia-se em manuais internacionais, como o


Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) (APA, 1994), documento de
referência para profissionais dos mais diversos campos do conhecimento. A Associação
Psiquiátrica Americana (American Psychiatric Association - APA) entende a pedofilia como
uma categoria clínica, classificada como um transtorno mental da classe das parafilias. Em sua
28

quarta edição14, publicada em 1994, estabelece-se que, para a classificação de indivíduos como
pedófilos, são necessárias duas condições básicas: idade mínima de dezesseis anos e ser pelo
menos cinco anos mais velho que as crianças. Além disso, pelo período mínimo de seis meses,
necessitam apresentar intensa e recorrentemente: atração, desejo, fantasias, impulsos ou
comportamentos sexuais com uma ou mais crianças pré-púberes15, ou seja, aquelas que
possuem 13 anos ou menos (APA, 1994). As práticas sexuais são pressupostas pela:

[...] atividade a despir e observar a criança, exibir-se, masturbar-se na presença dela, ou


tocá-la e afagá-la. Outros, entretanto, realizam felação ou cunilíngua ou penetram a
vagina, boca ou ânus da criança com seus dedos, objetos estranhos ou pênis, utilizando
variados graus de força para tal (APA, 1994, p. 500).

Dentre os critérios diagnósticos para a pedofilia, destaca-se que o transtorno deve


provocar “sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou
ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo” (APA, 1994, p. 500). Pode
ocorrer atração sexual por homens, mulheres ou pessoas de ambos os sexos, limitada ou não ao
incesto ou ainda do tipo exclusivo (atração apenas por crianças) ou não-exclusivo.
Outro manual de referência para a Psiquiatria (e também para outros campos do
saber, como a Psicologia) é a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados com a Saúde (CID 10)16, que se refere à pedofilia (CID F65.4) como um
“transtorno da preferência sexual”. Para ser diagnosticada como tal, a pessoa deve apresentar
“preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do
outro sexo, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade" (CID 10, p. 66). Segundo a
acepção do manual, o pedófilo pode ser um homem ou uma mulher. Pontuo que esta última é
raramente nomeada como uma pedófila no discurso social brasileiro, pois ainda temos,
enquanto sociedade, dificuldades em identificar mulheres como autoras de crimes sexuais,
conforme será discutido na seção 1.4.
Em se falando de outros campos do saber científico além da Psicologia e da
Psiquiatria, hegemônicas na literatura brasileira sobre os AVS, menciono ainda duas

14A APA publicou em 2013 a quinta edição do manual, o DSM-V. Nesta versão, de acordo com a página oficial da associação
na internet, “O critério diagnóstico em última análise permaneceu o mesmo do DSM-IV TR. Apenas o nome da desordem
mudou de pedofilia para “transtorno pedofílico” para manter a consistência com as outras listagens do capítulo” (tradução
nossa). Disponível em: <http://www.dsm5.org/Documents/Paraphilic%20Disorders%20Fact%20Sheet.pdf>. Acesso em: 17
dez. 14.
15 Considerando que o termo se refere a crianças com idade de até 13 anos, tanto o DSM-IV (1994), como também o DSM-V

(2013) apresentam, em meu entendimento, uma lacuna na definição daqueles que possuem preferência ou praticam atos
sexuais com adolescentes entre 13 a 17 anos. Apesar de popularmente existirem as expressões “efebofilia” ou “hebefilia”,
elas não foram classificadas como transtornos mentais pelo manual.
16 O manual é organizado pela Organização Pan-americana da Saúde, em conjunto com a Organização Mundial de Saúde

(OMS).
29

publicações na área do Serviço Social (FREITAS, 2015; SCHMICKLER, 2006), outra na


enfermagem (BARREIROS, 2009) e pontuo que nas Ciências Sociais os estudos sobre o AVS
ainda são esparsos. Cito como exemplos as pesquisas teóricas e empíricas de Landini, T. (2003,
2004, 2006), Lowenkron (2007, 2010, 2011, 2012, 2014), Machado (2000), Nadai (2010),
Oliveira, A. (2007, 2009, 2015), Rodrigues (2014), Suárez e Bandeira (1999). Dessa maneira,
infiro tratar-se de um tema ainda não muito discutido neste campo científico:

[...] por ter adquirido contornos específicos enquanto fenômeno social somente nas
últimas décadas, a “pedofilia” permanece um tema tabu e silencioso entre os cientistas
sociais, necessitando ainda de propostas teóricas e metodológicas que possam
aprofundar e complexificar o entendimento do fenômeno (LOWENKRON, 2014, p.
251, grifo do autor).

Estudos sobre os AVS no campo das Ciências Sociais poderiam auxiliar na


discussão sobre como as sensibilidades sociais são deslocadas, os sujeitos fabricados, as
coletividades reorganizadas e os prazeres difundidos e fixados (LOWENKRON, 2013, 2014).
Além disso, tais ciências também se propõem a rupturas com os tipos de explicação que se
pautam na biologização do humano, como por exemplo a Psiquiatria e a Neurociência17
(RUSSO, 2004). Apesar de entender que vivemos em uma cultura que explica personalidades,
capacidades, paixões e forças que mobilizam os homens em termos biológicos (ROSE, 2000),
as Ciências Sociais criticam sistemas de classificação psiquiátrica como o DSM, no tocante ao
“aumento impressionante do número de transtornos de gênero e de sexualidade” (RUSSO,
2004, p. 104).
Sem ignorar o componente biológico da sexualidade humana, as Ciências Sociais
entendem que as relações no erotismo perpassam por construções sócio-históricas de
categorias, como: gênero, idade, classe social e raça (DUARTE, 2004; FÍGARI, 2009; FÍGARI
e DÍAZ-BENÍTEZ, 2009; GREGORI, 2008; MACHADO, 1998; PISCITELLI et al., 2004;
RUSSO, 2004; SARTI, 2005; SARTI et al., 2006). Parker (1991), antropólogo, sociólogo e
sexólogo, considera que há, no mínimo, quatro subsistemas sobre a sexualidade arraigados na
sociedade brasileira: 1- a hierarquia de gênero que se situa no contexto de uma ordem social
patriarcal e sustenta um complexo sistema de dominações simbólicas; 2- o discurso científico
sobre a sexualidade, que se propõe a trazer a “verdade” sobre os corpos e mapear as
“anormalidades” sexuais; 3- o moralismo religioso cristão, que imprime ênfase no pecado e na
culpa e, por fim, 4- a ideologia do erótico, que enfatiza os prazeres que os corpos oferecem.

17 Para uma revisão de estudos que se propõem a analisar a conexão entre a violência sexual e problemas neurológicos, ver
Maia et al. (2012).
30

Ocorre que, em um contexto geral, as ciências humanas e sociais brasileiras


historicamente vêm se omitindo quanto a pesquisar e ouvir os AVS, em parte por ser um tema
muito doloroso e ríspido. De fato, considero que empreender em uma aproximação face a face
(GOFFMAN, 2011) com os AVS é difícil, sejam eles pais, padrastos ou desconhecidos.
Usualmente, não queremos escutar o que têm a dizer aqueles que estupraram, morderam,
bateram, ameaçaram ou mataram crianças ou adolescentes. Muito menos aqueles que falam
sobre o desejo sexual por crianças e adolescentes. Tampouco buscamos nos aproximar
cientificamente daqueles que pagam para ter sexo ou aliciam crianças para fins de exploração
sexual. Não falamos também sobre as mulheres AVS e sobre os adolescentes AVS. Há
predominantemente intensa repulsa a essas pessoas, uma vez que seus comportamentos
geralmente provocam nojo, repugnância e asco, pois:

Dentre outros efeitos possíveis (excitação, indiferença, choque, horror, pena, ódio,
indignação, etc.), cenas de “violência sexual contra crianças” (“reais” ou “fictícias”), ao
representarem o inimaginável e o indizível, são capazes de violentar simbolicamente o
espectador [...] (LOWENKRON, 2013, p. 56-57, grifo do autor).

Nesse trabalho, com certeza, ao me propor a escutá-los, deixando emergir suas


perspectivas de vidas e de mundo, percorri lugares obscuros da vida social, nos quais poucos
de nós queremos transitar. Mas entendo que essa aproximação é imprescindível, pois não se
pode conhecer o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes sem analisar suas
diversas facetas ou sem entender, em toda sua complexidade, as tensões e contradições de um
de seus personagens principais: os AVS. Nessa medida, o presente trabalho marca importante
contribuição para o campo da literatura brasileira sobre os AVS, levando-se em consideração
que ela é ainda incipiente e que são inúmeros os aspectos obscuros sobre eles, como por
exemplo: seus pensamentos e sentimentos sobre as violências que cometeram e sobre suas
vítimas, as maneiras pelas quais vivenciam sua própria sexualidade e a de suas vítimas, se
sentem desejo sexual por suas vítimas, se foram eles próprios vítimas de abuso sexual em sua
infância e se isto tem relação com a violência sexual praticada, se o uso de drogas teria
influência em seus atos, se eles também cometem outros tipos de crimes ou somente a violência
sexual, dentre outros. Na medida do possível, buscarei abarcar alguns desses temas no Capítulo
3.
Julgo que pesquisar AVS é importante tendo em vista que, enquanto não os
conhecemos, nos contentamos em apenas rotular, classificar e colocá-los no lugar de doentes,
inumanos e de monstros, cuja “solução” seria a cadeia. Considero que isso ajuda muito pouco
no próprio enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes (como discutirei
31

na seção 2.6), retroalimentando-a perversamente em nossa sociedade e potencializando as


possibilidades que mais crianças, adolescentes e mulheres sejam vítimas de violências sexuais,
em uma proporção que tem sido cada vez mais publicizada, em níveis que considero alarmantes.
Entretanto, para além de uma perspectiva pessimista, é possível reconhecer que cada vez mais
pesquisadores começam a se atentar ao tema – o que não acontecia há quinze anos, quando
iniciei minhas pesquisas com os AVS – e observar que uma feliz, sutil e paulatina mudança
pode estar acontecendo. Sorte das vítimas em potencial.
Direcionando a reflexão à literatura internacional empírica, teórica, clínica e
forense sobre os AVS (chamados de sexual offenders18), pontuo que ela começou a surgir com
mais proeminência a partir das décadas de 1980 e 1990 (portanto, no mínimo, vinte anos antes
do Brasil). Neste período, pesquisadores constatavam que os AVS raramente incorporavam a
perspectiva das vítimas em seus relatos, quando solicitados a descrever as violências sexuais
praticadas. Ao contrário, eles forneciam um conjunto de explicações como: as vítimas
mereceram ou gostaram do abuso, não foram machucadas pela ofensa, são sexualmente
provocativas, crianças e adolescentes seduzem homens adultos, o abuso foi uma experiência
agradável para a vítima (ABEL et al., 1984, apud HANSON, 2003; GIACOPASSI e DULL,
1986; SNOWDON, 1984, apud HANSON, 2003). Estas narrativas foram amplamente
interpretadas como problemas intrapsíquicos dos AVS, como as chamadas distorções
cognitivas. Sustentadas por autores adeptos de uma das abordagens da Psicologia intitulada
cognitivo-comportamental, hegemônica neste campo até os dias de hoje, essas concepções são
ainda presentes. De acordo com esta perspectiva, os AVS apresentam um conjunto de crenças
distorcidas ou teorias implícitas sobre os contatos sexuais de crianças com adultos, que por erro
de suas cognições lhes possibilitariam negar, minimizar, racionalizar, justificar, desculpar-se
pelo seu comportamento sexualmente violento e/ou ainda culpabilizar a vítima (BORN, 2005;
GANNON et al., 2007; HORLEY, 2000; MIHAILIDES et al., 2004; SCHNEIDER e WRIGHT,
2004; STEVENS, 2001; WARD, 2000; WEBSTER, 2002). No próprio DSM-IV, também
publicado na década de 90, está presente a ideia de que os AVS entenderiam que as experiências
sexuais seriam prazerosas para as vítimas:

Essas atividades são geralmente explicadas com desculpas ou racionalizações de que


possuem "valor educativo" para a criança, de que esta obtém "prazer sexual" com os
atos praticados, ou de que a criança foi "sexualmente provocante" - temas comuns
também na pornografia pedófila (APA, 1994, p. 500, grifo do autor).

18 Ofensores sexuais (tradução nossa).


32

Outro tipo de explicação proposto pela abordagem supramencionada, também com


centralidade no campo intrapsíquico, defende que os AVS possuiriam déficits de empatia19, o
que prejudicaria sua capacidade de reconhecer ou se solidarizar com os sentimentos e o
sofrimento de suas vítimas. Assim, eles imporiam suas necessidades sexuais,
independentemente das consequências de seus atos para com as últimas (MARSHALL et al.,
1995; PITHERS, 1999; WEBSTER et al., 2005). Sem buscar o objetivo de questionar teórica
ou metodologicamente a teoria dos déficits de empatia, lançarei luz a esse debate, utilizando-
me dos conceitos de socialização de Berger e Berger (1978) e da discussão sobre o tema das
emoções promovida por Jaggar (1997), autores das Ciências Sociais que vinculam a experiência
individual à experiência social, o que nos faz necessariamente reportar ao tipo de sociedade que
constrói esses indivíduos, refutando qualquer tipo de explicação estritamente intrapsicológica.
O objetivo geral da presente tese é responder a seguinte pergunta: quais são as
representações sociais de AVS sobre as crianças e adolescentes vítimas de violência sexual?
Para tanto, foi feita uma pesquisa documental nos prontuários institucionais dos condenados,
com base em um formulário elaborado para tal fim. Outro procedimento metodológico
constituiu-se na realização de sessenta e uma entrevistas com vinte e seis homens condenados
por crimes sexuais contra crianças e adolescentes, que cumprem pena na Penitenciária Coronel
Odenir Guimarães20 (POG). Utilizei-me da proposta das entrevistas narrativas de Jovchelovitch
e Bauer (2002), a partir de roteiros (apêndices C e D) previamente formulados para atender aos
objetivos investigativos propostos. Para a análise de suas falas, optei pela abordagem qualitativa
e elegi três unidades de significação que, apesar de didaticamente distintas, a todo momento se
fundiram e se entrelaçaram: 1- vítimas e vítimas de violência sexual; 2- crianças e adolescentes
e 3- sexualidade (das vítimas e dos AVS). Comparei os elementos conceituais evidenciados em
suas falas nessas unidades com os três seguintes conceitos parâmetros adotados: 1- vítimas e
vítimas de violência sexual; 2- crianças e adolescentes; 3- sexualidade. A minha hipótese é que
as representações dos entrevistados sobre vítimas não diferem daquelas hegemonicamente
apresentadas pelo senso comum, mídia, literatura especializada, legislação e discursos
institucionais.

19 Este tema será abordado na seção 2.3.


20 Trata-se de uma das cinco penitenciárias situadas no Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia. É o local de maior
concentração de presos no Estado de Goiás, totalizando aproximadamente cinco mil. O Complexo é composto pelas seguintes
Unidades: 1) Penitenciária Coronel Odenir Guimarães – POG: regime fechado masculino; 2) Casa de Prisão Provisória (CPP):
sexo masculino e feminino; 3) Colônia Industrial e Agrícola do Estado de Goiás: regime semiaberto; 4) Penitenciária
Feminina Consuelo Nasser; 5) Núcleo de Custódia: unidade de segurança máxima, sexo masculino. Disponível em:
<http://www.sapejus.go.gov.br/diretriz-geral/historico-da-secretaria/historico-da-agencia.html>. Acesso em 14 set. 14.
33

O primeiro capítulo tem o título: “Recortes teóricos e metodológicos adotados para


a realização da pesquisa”. Inicia-se com a descrição de minha experiência profissional anterior
à presente tese e de algumas inquietações teóricas que advieram dela, quando estive na
coordenação do Programa Repropondo21: atendimento psicoterapêutico a autores de violência
sexual. Depois, busco elucidar a trajetória teórica e metodológica por mim empreendida para a
efetivação da presente pesquisa, contemplando os seguintes temas: o cumprimento das
formalidades necessárias para a realização da pesquisa na Penitenciária Coronel Odenir
Guimarães – POG; os colaboradores desta pesquisa; o trabalho de localização dos condenados
por crimes sexuais contra crianças e adolescentes na Penitenciária Coronel Odenir Guimarães
– POG; a proposta metodológica das entrevistas e as adequações realizadas a partir da
peculiaridade do campo empírico; a transcrição, categorização e análise das entrevistas;
considerações teóricas e metodológicas sobre as representações sociais, quando perpasso pela
perspectiva sociológica clássica das representações coletivas de Émile Durkheim e pela Teoria
das Representações Sociais de Serge Moscovici.
No segundo capítulo, nomeado “Violência sexual contra crianças e adolescentes:
um breve panorama”, abordo a revisão de seis assuntos que considero de especial relevância
para a presente discussão: 1- o abuso e a exploração sexual comercial de crianças e
adolescentes: conceituação e características; 2- adultos, crianças, adolescentes e sexualidade na
história: diferentes representações; 3- os AVS e a questão dos déficits de empatia pelas vítimas:
recortes conceituais nos campos da Psicologia e das Ciências Sociais; 4- a mídia e a violência
sexual contra crianças e adolescentes: alguns apontamentos; 5- marcos legais para o
enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil; 6- políticas públicas
e ações não governamentais de atenção aos autores de violência sexual no Brasil. Dessa
maneira, percorro o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes a partir dos
prismas conceitual, histórico, científico, midiático, jurídico e institucional, que possibilitaram
discutir as maneiras pelas quais as representações sociais são produzidas e reproduzidas na
sociedade brasileira.
No terceiro capítulo, intitulado “As representações sociais sobre as crianças e
adolescentes vítimas de violência sexual para os entrevistados”, proponho evidenciar as
representações sociais que os entrevistados apresentam sobre as crianças e adolescentes vítimas
de violência sexual. Para tanto, divido suas narrativas em dois eixos: no primeiro, procedo uma
apresentação geral dos entrevistados (evidenciando tanto as perspectivas dos próprios

21 Constitui-se no primeiro programa de atendimento psicoterapêutico aos AVS no Brasil sistematizado em forma de pesquisa
(SANTOS et al, 2009).
34

entrevistados, como também da instituição prisional e do arcabouço penal) e teço considerações


sobre cenários que foram revelados espontaneamente a partir do campo empírico, tais como
suas representações e sentimentos sobre pessoas que praticam violência sexual e as diferentes
facetas entre assumir e negar a violência. No segundo, analiso as representações sociais dos
entrevistados sobre crianças e adolescentes vítimas de violência sexual para a partir das três
unidades de significação propostas: 1- vítimas e vítimas de violência sexual; 2- crianças e
adolescentes; 3- sexualidade (das vítimas e dos AVS). As três serão apresentadas em duas
categorizações centrais: 1- as vítimas e vítimas de violência sexual: a primeira unidade de
significação (seção 3.2.1); 2- crianças/adolescentes e sexualidades: duas unidades de
significação (seção 3.2.2).
Na conclusão, retomo elementos importantes examinados ao longo do trabalho e
formulo algumas considerações mais abrangentes que possam conectar os diferentes domínios
de análise delineados nos três Capítulos. Na sequência, resgato a discussão sobre os resultados
acerca da investigação empírica quanto às representações sociais dos AVS sobre crianças e
adolescentes vítimas de violência sexual, concluindo que são similares àquelas apresentadas
pelo senso comum, mídia, legislação, literatura especializada e discursos institucionais. Dessa
forma, reitera-se a premissa das Ciências Sociais em entender as biografias individuais
conectadas às biografias sociais, problematizando a explicação estritamente intrapsicológica de
que eles seriam mentalmente doentes, monstruosos, psiquicamente anormais, que possuiriam
distorções cognitivas e/ou déficits de empatia para com suas vítimas, algumas dessas
concepções defendidas inclusive por parte significativa da literatura especializada.
35

CAPÍTULO 1 – RECORTES TEÓRICOS E METODOLÓGICOS


ADOTADOS PARA A REALIZAÇÃO DA PESQUISA

As inquietações teóricas que me conduziram à realização dessa tese tiveram início


antes do curso de doutorado, quando atuei como psicóloga, coordenadora e supervisora do
Programa Repropondo: atendimento psicoterapêutico a autores de violência sexual,
desenvolvido pela PUC-Goiás entre os anos de 2004 a 2011, na cidade de Goiânia. Iniciarei
esse capítulo discorrendo sobre essa experiência de trabalho (seção 1.1). Em seguida,
empenhar-me-ei na descrição da trajetória teórica e metodológica percorrida para a realização
da pesquisa empírica, contemplando os seguintes temas: cumprimento das formalidades
necessárias para a realização da pesquisa na POG (seção 1.2); colaboradores da pesquisa (seção
1.3); localização dos condenados por crimes sexuais contra crianças e adolescentes na POG
(seção 1.4); proposta metodológica das entrevistas (seção 1.5); transcrição, categorização e
análise das entrevistas (seção 1.6); considerações teóricas e metodológicas sobre as
representações sociais (seção 1.7).
Assim, entendo ser possível evidenciar a complexidade e as particularidades
necessárias para um estudo desse porte: no âmbito de uma penitenciária, com pessoas que
cometeram um dos crimes mais passíveis de punição e retaliação, conhecidas como “fazer
justiça”, praticadas pelos próprios reclusos condenados por violência sexual contra crianças e
adolescentes; abordando um tema socialmente silenciado, condenável e suscetível a
sentimentos hostis; tratando de um assunto sobre o qual os próprios entrevistados manifestam
vergonha e reticências em expressar. Apesar de todas essas dificuldades, evidencio ao longo de
toda essa tese que foi possível manter com eles encontros de diálogo e interação, a partir dos
quais interpreto que as revelações sobre as violências praticadas e sobre as vítimas se deram em
contradições entre o negar e o assumir (seção 3.1.3). Dessa forma, realço um dos temas que
considero atualmente um dos mais obscuros da literatura especializada sobre a violência sexual
contra crianças e adolescentes: o AVS.

1.1 O PROGRAMA REPROPONDO: ATENDIMENTO PSICOTERAPÊUTICO A AUTORES DE VIOLÊNCIA


SEXUAL

Entre os anos de 2000 a 2011, atuei como psicóloga no Centro de Estudos, Pesquisa
e Extensão Aldeia Juvenil (CEPAJ), da PUC-Goiás, um dos pontos de atenção da Rede de
Atenção a Mulheres, Crianças e Adolescentes em Situação de Violência da cidade de Goiânia.
36

Criado em 1983, o Centro é uma unidade da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-
GO), que nasceu como uma contraproposta ao modelo institucional do extinto Centro de
Observação e Orientação Juvenil (COOJ)22 – uma instituição para os então intitulados menores
infratores no Estado de Goiás. Em seu primeiro projeto de atuação, o CEPAJ “defendeu a
desinstitucionalização dos adolescentes internados, comprometeu-se e envolveu-se na
construção de um atendimento em meio aberto, passando a receber os “menores delinquentes”
do COOJ encaminhados pelo Juizado de Menores” (OLIVEIRA, M., 2005, p. 5, grifo do autor).
Em 1998, o CEPAJ buscou o desenvolvimento de ações relacionadas às crianças, aos
adolescentes e às famílias envolvidas em situação de violência física, sexual e psicológica,
sendo profícuo em produções científicas sobre o tema (CAFÉ, 2004; CAFÉ e NASCIMENTO,
2012; ESBER, 2000, 2005, 2007, 2009; JESUS, 2006; LIBÓRIO e SOUZA, 2004; MELO,
2008; OLIVEIRA, M., 2005; OLIVEIRA e SOUSA, 2007; SANTOS, 2007; SANTOS e
ARAÚJO, 2009; SANTOS e SOUSA, 2008; SANTOS et al, 2009; SOUSA e RIZZINI, 2001).
No ano de 2004, os casos de exploração sexual comercial ainda eram esparsamente
atendidos pelo CEPAJ e pelas unidades que compunham a Rede de Atenção a Crianças,
Adolescentes e Mulheres em Situação de Violência de Goiânia. Naquela época, a equipe
considerou a necessidade de fortalecer as ações de enfrentamento a tal violência em Goiânia e
na região metropolitana, bem como propor, em um formato inédito no Brasil, atendimento
psicoterapêutico e pesquisas com os AVS. Submeteu, então, um projeto de pesquisa-ação à
Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás), intitulado “Ações de Enfrentamento da Violência Sexual
Infanto-juvenil em Goiânia e Região Metropolitana, Projeto Invertendo a Rota”
(PROINVERT). Aquela instituição concedeu apoio financeiro para os dois primeiros anos de
sua execução, entre 2004 e 2006, por meio de convênio firmado com a Prefeitura de Goiânia,
o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente (CMDCA) e o Fundo Municipal
de Apoio à Criança e ao Adolescente (FMACA).
O principal objetivo do PROINVERT foi desenvolver metodologias de trabalho que
subsidiassem a implantação, no estado de Goiás, do Plano Nacional de Enfrentamento à
Violência Sexual Infanto-Juvenil (BRASIL, 2013a). Inicialmente, o Projeto foi composto por
sete subprogramas: 1) Educação Social nas Rotas; 2) Tecendo a Rede da Cidadania –
Capacitação de Recursos Humanos; 3) Rota da Cidadania – Educação, Saúde, Assistência,
Profissionalização; 4) Rompendo o Ciclo da Impunidade – Responsabilização de Pessoas que
Cometem Crimes Sexuais; 5) Repropondo – Atendimento Psicoterapêutico a Autores de

22 Em 2009, o diretor Lourival Belém Jr. produziu um documentário sobre o COOJ intitulado: “Recordações de um presídio de
meninos”.
37

Violência Sexual; 6) Comunicação Social e Monitoramento da Mídia; e 7) Estudos e Pesquisas


para o Desenvolvimento de Metodologias de Enfrentamento da Exploração Sexual Infanto-
Juvenil em Goiás.
Por tratar-se de um projeto de pesquisa-ação, o PROINVERT publicou diversos
livros, dentre eles: 1) “(Re)Descobrindo as faces da violência sexual contra crianças e
adolescentes” (OLIVEIRA e SOUSA, 2007); 2) “Autores de violência sexual contra crianças e
adolescentes: responsabilização e atendimento psicoterapêutico” (SANTOS et al., 2009); 3)
“AUTORES de violência sexual contra crianças e adolescentes23” (ESBER, 2009); 4) “A
Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Brasil: Reflexões teóricas, relatos de
pesquisa e intervenções psicossociais” (LIBÓRIO e SOUSA, 2004); 5) “O Enfrentamento da
Exploração Sexual Infanto-juvenil: Uma análise de situação” (SANTOS, 2007); 6) “O
Enfrentamento da Exploração Sexual Infanto-juvenil: Metodologia de trabalho e intervenção”
(SANTOS e ARAÚJO, 2009) e 7) “Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes: Pesquisas
com documentos de domínio público” (SANTOS e SOUSA, 2008).
Coordenei, entre 2004 e 2011, o “Programa Repropondo: atendimento
psicoterapêutico a autores de violência sexual contra crianças e adolescentes”, que desenvolveu
cinco principais frentes de trabalho: 1) atendimento psicoterapêutico individual a adultos AVS
sentenciados; 2) atendimento psicoterapêutico individual e familiar a adolescentes AVS; 3)
formação de um grupo terapêutico24 para pessoas que têm preferência sexual por crianças e
adolescentes em meio aberto; 4) formação do “Grupo reflexivo sobre o atendimento de autores
de violência sexual” composto por profissionais e instituições de diversas áreas do
conhecimento, para reflexão sobre as ações desenvolvidas no programa e 5) capacitação de

23 Meus sinceros agradecimentos à equipe do CEPAJ por permitir transformar a minha dissertação de mestrado em livro.
24 Considero importante explicitar aqui a trajetória metodológica empreendida para a realização desta ação. Após diversas
tentativas frustradas de constituição deste grupo, a equipe do Programa veiculou anúncios em duas rádios locais, convidando
pessoas que tinham preferência sexual por crianças e adolescentes a receberem atendimento psicoterapêutico gratuito. A
vinheta oferecia um número de telefone para que os interessados pudessem entrar em contato. Apesar das inúmeras ligações
recebidas, apenas seis homens compareceram para a entrevista inicial de triagem. Destes, três possuíam tal preferência. Todos
solicitaram psicoterapia individual, em vez de grupal, o que foi atendido. Para tanto, foi utilizado o espaço físico do Centro
de Estudos e Prática Psicológica (CEPSI), clínica escola pertencente à PUC-Goiás. Por ser uma ação realizada em meio
aberto, à época, busquei estabelecer uma parceria institucional junto ao Conselho Regional de Psicologia, com o objetivo de
compartilhar institucionalmente os dilemas em que estaríamos envolvidos caso nos deparássemos com qualquer pessoa que
relatasse ter cometido ou estar praticando violência sexual contra alguma criança ou adolescente, sem que tivesse sido
realizada a denúncia jurídica dos seus atos; ou ainda caso as vítimas estivessem em condição de vulnerabilidade à violência
sexual. O dilema ético diria respeito à necessidade de formalização de denúncia e a proteção da vítima – previstos tanto no
Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), como também no próprio Código de Ética Profissional da Psicologia – versus a
possibilidade de quebra de uma relação de ajuda psicológica a um indivíduo que raramente busca esse tipo de intervenção,
exatamente pelo receio da denúncia por parte do profissional. Dada a importância desse tipo de atendimento, o Conselho
colocou-se à disposição para assessorar os profissionais que atuavam no Programa com quaisquer questões que se fizessem
necessárias. Contudo, até o momento em que deixei a coordenação do Programa, em 2011, não fiz o registro de qualquer
pessoa atendida que estivesse vivenciando tais condições, apesar da declarada preferência sexual ou atração sexual por
crianças ou adolescentes. Isso claramente indica que podem existir pessoas que, apesar de possuírem tal preferência, não
chegam a praticar atos de violência sexual. Todas as frentes de trabalho propostas pelo Programa Repropondo já foram
descritas em publicação anterior (SANTOS et al, 2009).
38

profissionais de diversas áreas para o trabalho com os AVS, especialmente os da rede de atenção
a crianças, adolescentes e mulheres em situação de violência, da cidade de Goiânia. A descrição
e avaliação dessas ações foram publicadas no livro: “Autores de Violência Sexual contra
Crianças e Adolescentes: responsabilização e atendimento psicoterapêutico” (SANTOS et al.,
2009).
Para que as três primeiras frentes de trabalho pudessem ser desenvolvidas, a
coordenação do programa realizou parceiras com a Agência Goiana do Sistema Prisional25
(AGSP), Juizado da Infância e Juventude (JIJ), Secretaria de Cidadania e Trabalho (SECT)
(responsável pelo Centro de Internação de Adolescentes), Secretaria Municipal de Assistência
Social de Goiânia (SEMAS), Núcleo de Estudo e Coordenação para Saúde do Adolescente em
Goiânia (NECASA) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG),
Delegacia de Apuração de Atos Infracionais (DEPAI), Conselhos Tutelares (CT), Ministério
Público (MP) e Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS).
Após finalização da parceria financeira com a Petrobrás e dados o pioneirismo, a
inovação metodológica e a importância de continuação desse trabalho, o CEPAJ firmou outro
convênio26, dessa vez com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República (SEDH/PR). Foram financiadas as seguintes ações: a) fortalecimento e consolidação
da Rede de Atenção a Crianças, Adolescentes e Mulheres em Situação de Violência na Cidade
de Goiânia; b) realização de campanhas educativas de combate à exploração sexual comercial
de crianças e adolescentes27 (ESCCA), voltadas para taxistas, mototaxistas, caminhoneiros,
frentistas de postos de gasolina, proprietários de hotéis, motéis, bares e similares; c)
continuidade do desenvolvimento de ações do Programa Repropondo.
Ao mesmo tempo em que findava o convênio com a SEDH/PR, o Projeto participou
do Concurso “Prêmio FINEP de Inovação 2009”, do Ministério da Ciência e Tecnologia
(MCT). Ele foi classificado em primeira colocação da região Centro-Oeste na categoria
“Tecnologia Social”. Após recebimento de incentivo financeiro do MCT, o CEPAJ
desenvolveu a terceira etapa do projeto, entre 2011 e 2012, a qual não tive o prazer de participar.
Indubitavelmente, diversos posicionamentos ficaram bastante claros e foram sendo
construídos na trajetória de quinze anos em que venho atuando com os AVS, seja como
pesquisadora independente ou ainda nos onze anos em que trabalhei como psicóloga no CEPAJ,

25 Atual Superintendência Executiva de Administração Penitenciária, da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás.
26 Convênio nº 159/2005 – SEDH/PR, firmado entre a União, através da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidência da República (SEDH/PR), e a Sociedade Goiana de Cultura / Universidade Católica de Goiás – UCG / Centro de
Estudo, Pesquisa e Extensão Aldeia Juvenil – CEPAJ.
27 A campanha teve o slogan “Exploração sexual: neste jogo, criança sempre perde. Favorecer a exploração sexual de crianças

e adolescentes é crime”.
39

sendo sete na coordenação do Programa Repropondo e nos atendimentos psicoterapêuticos com


os AVS: 1- há profundo desconhecimento social e científico sobre os AVS e suas
subjetividades. No senso comum, são indiscriminadamente classificados como mentalmente
perturbados, loucos e monstros, concepções estas continuamente reforçadas pela mídia
(conforme será abordado na seção 2.4). A produção científica ainda não consegue
desobscurecer tais julgamentos à população, uma vez que os estudos nacionais são ainda
escassos e precários, enquanto que a literatura internacional, apesar de abundante, é alvo de
diversas críticas, já relacionadas em trabalho anterior (ESBER, 2009); 2- os AVS formam um
segmento heterogêneo, que não pode ser reduzido a um perfil psiquiátrico ou psicológico
determinado, como o de pedófilo ou psicopata, pois nem todos preenchem os critérios clínicos
para tal. Ademais, os indivíduos são completamente diferentes em suas histórias de vida,
sexualidades, motivações para cometer a violência sexual e sentimentos sobre ela, formas de
representar e relacionar-se com as vítimas, duração da violência, uso de violência física e
ameaças, presença ou ausência de desejo sexual, dentre outras inúmeras características ainda
praticamente desconhecidas e pouco discutidas; 3- são quase inexistentes os programas de
atendimento psicoterapêutico aos AVS no Brasil, seja dentro ou fora das prisões, pois existem
resistências para sua implantação nos níveis individual, interpessoal e institucional, conforme
discutirei na seção 2.6; 4- tais programas deveriam ser considerados como componentes
imprescindíveis ao conjunto de ações de enfrentamento à violência sexual contra crianças e
adolescentes no Brasil. Contudo, são usualmente entendidos como intervenções excludentes a
estas, restando aos AVS ações meramente punitivas e reconhecidamente ineficazes, como a
prisão. Desta forma, os principais responsáveis pela violência sexual são negligenciados
enquanto possíveis sujeitos de intervenções terapêuticas no campo da saúde mental que, em
última instância, teriam o objetivo de reduzir as reincidências; 5- para a análise e a discussão
sobre os AVS, são imprescindíveis as contribuições de vários domínios do saber científico,
como a Medicina, a Psicologia, a Sociologia e a Antropologia, pois o tema é bastante complexo
para ser analisado por apenas uma abordagem.
A proposta inicial do Programa Repropondo foi construir um diálogo e realizar
inserção nas mais diversas políticas públicas (Saúde, Assistência Social e Administração
Penitenciária), de forma de que a metodologia desenvolvida no decorrer de sua execução fosse
incorporada por elas após encerradas suas atividades, já que se tratava de um programa com
financiamento por tempo determinado, ou seja, com início, meio e fim. Contudo, após seu
término, nenhuma das instituições parceiras deu prosseguimento às ações e o cenário de atenção
aos AVS em Goiás voltou a ser apenas o encarceramento, falsamente percebido como uma
40

medida eficaz contra a violência. É reconhecidamente sabido que as prisões apenas segregam,
prejudicam e degradam os seres humanos que nela vivem. Não se pode esperar que voltem
melhores do que entraram e muito menos “recuperados”. Devemos lembrar que estarão
afastados apenas por um período de tempo (que parece ser longo, mas é curto), pois muito
brevemente voltarão à mesma sociedade da qual saíram, podendo novamente conviver com
suas famílias, com suas próprias vítimas, com outras crianças e adolescentes ou ainda constituir
novas famílias. Lamentavelmente, não discutimos seu retorno, nem no senso comum, nem na
mídia e nem na literatura especializada. Utilizamo-nos de uma confortável retórica de que
somente a punição é suficiente. E sofremos as consequências desta quase que completa
ignorância sobre quem de fato são os AVS e sobre o que fazer com eles.

1.2 O CUMPRIMENTO DAS FORMALIDADES NECESSÁRIAS PARA A REALIZAÇÃO DA PESQUISA NA


PENITENCIÁRIA CORONEL ODENIR GUIMARÃES – POG

Uma vez tendo atuado como psicoterapeuta e pesquisadora do Programa


Repropondo desde 2004 na POG e nunca tendo tido dificuldades de acesso aos AVS, a escolha
da Penitenciária como campo empírico do meu trabalho deu-se de maneira natural e lógica.
Todos os entrevistados da pesquisa estão, pois, formalmente condenados por crimes
relacionados à violência sexual contra crianças e adolescentes, privados de liberdade em regime
fechado, em uma instituição total, que seria “um local de residência e trabalho onde um grande
número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por
considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada”
(GOFFMAN, 1961, p. 11). É um estabelecimento que precisa manter rígido controle com o
mundo exterior e a entrada no mesmo significa ter que cumprir etapas, regras e protocolos.
A primeira formalidade para meu acesso à penitenciária foi a submissão de projeto
de pesquisa à apreciação da Coordenadoria Interdisciplinar de Pesquisa e Estudos de Execução
Penal, da então Agência Goiana do Sistema de Execução Penal. A autorização daquele
departamento encontra-se no anexo A. Após formalmente aceito, o projeto foi também
autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFG (anexo B).
Esse campo de pesquisa foi eleito por apresentar vantagens metodológicas ao
aglomerar em um mesmo local praticantes de diversos crimes:

Como primeira vantagem, provavelmente não existe nenhum meio mais rápido de
acumular uma amostra grande. Nenhum outro lugar tem tantos desviantes cujo desvio é
publicamente conhecido e que, portanto, poderiam tanto falar com você quanto não.
41

Além disso, algumas atividades ocorrem de modo tão privativo e solitário, que os
sujeitos não poderiam ser encontrados de outra maneira (BECKER, 1999, p. 156).

Esse tipo de vantagem faz ainda mais sentido para os AVS contra crianças e
adolescentes, uma vez que o acesso a tais indivíduos em meio aberto torna-se mais difícil28,
pois eles cometem crimes circundados por um clima social de segredo, silêncio, vergonha e
culpa. São pessoas que têm lugar clandestino na sociedade, cujo clamor é por punição, pois os
conceitua como monstros, posição esta que os próprios AVS assumem para si mesmos ou para
pessoas que cometem violência sexual, conforme discutirei na seção 3.1.2.

1.3 COLABORADORES DA PESQUISA

Esta pesquisa somente foi possível porque recebi a contribuição de diversas


pessoas, que se dispuseram voluntariamente com seu tempo, trabalho e conhecimento. Isto foi
fundamental para que eu pudesse trabalhar com o grande quantitativo de dados empíricos
obtidos. Considero essas pessoas como colaboradores do presente trabalho: a) estudantes do
curso de graduação em Psicologia da PUC-Goiás e b) profissionais do CEPAJ que atuavam no
Programa Repropondo no ano de 2011, quando do levantamento de informações via prontuário.
A seleção de alunos colaboradores se deu por meio da divulgação de vagas para
participação em pesquisa nos murais do Departamento de Psicologia da PUC-GO e também
para alunos do curso de graduação em Ciências Sociais e Jornalismo, estes últimos da UFG.
Um total de quatorze acadêmicos do curso de Psicologia manifestaram interesse em participar
da pesquisa e não houve adesão dos discentes dos demais cursos. Seu trabalho consistiu em: a)
realizar levantamento nos prontuários institucionais dos presos, no cartório da POG no mês de
abril de 2011; b) preencher um formulário (apêndice A) com informações sociodemográficas
dos AVS identificados pelo levantamento; c) inserir os dados29 dos referidos formulários no
Programa Pacote Estatístico SPSS/IBM, versão 20.0; d) transcrever as sessenta e uma
entrevistas realizadas pela pesquisadora.
Semanalmente, esses alunos e eu nos reuníamos com o objetivo de trocar
informações sobre o andamento dos trabalhos relacionados à pesquisa. Como uma maneira de
compensá-los pelos trabalhos realizados, propus-me a contribuir para a sua formação
acadêmica, realizando, nestes encontros, discussões sobre aspectos diversos provindos das

28 Mas não impossível, conforme evidenciou a experiência do Programa Repropondo.


29 Infelizmente, não houve tempo hábil para realizar a análise referente a esse procedimento metodológico.
42

entrevistas, teorizações sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes e sobre outros
assuntos de interesse do grupo. O total de horas dedicadas à pesquisa foi relatado em um
certificado, assinado por mim e pela professora orientadora.
Também colaboraram para o presente trabalho profissionais do Programa
Repropondo que selecionavam os AVS para lhes oferecer atendimento psicoterapêutico na
realização de sua última fase, em 2011. Assim, eles realizariam um levantamento 30 nos
prontuários institucionais, com o objetivo de localizá-los dentro do universo de homens
encarcerados. Coincidentemente, foi nesta mesma época que a presente pesquisa demandaria
busca similar. Decidimos atuar em conjunto, de maneira que o mesmo trabalho se propusesse
a servir para as duas finalidades. O levantamento foi realizado por profissionais do CEPAJ e
alunos voluntários, que se revezavam semanalmente para realizar o trabalho, com o suporte
logístico do CEPAJ. Na próxima seção, descreverei os procedimentos metodológicos para a
realização do levantamento supramencionado.

1.4 LOCALIZAÇÃO DOS CONDENADOS POR CRIMES SEXUAIS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA
PENITENCIÁRIA CORONEL ODENIR GUIMARÃES - POG

Depois de cumpridas todas as formalidades necessárias para a autorização de minha


entrada semanal na Penitenciária, deparei-me com o problema de como proceder para localizar,
dentro do universo de homens que estavam em regime fechado, aqueles que cumpriam pena
por crimes sexuais contra crianças e adolescentes, potenciais sujeitos da pesquisa, uma vez que
a Direção Administrativa da POG informou não dispor da relação dos presos por tipo de crime
cometido, existindo apenas uma lista geral com os nomes de todos os detentos e sua localização
por ala e cela. Assim, uma das maneiras de identificá-los seria a partir de uma pesquisa em cada
um dos mil quatrocentos e trinta e oito prontuários institucionais dos presos, arquivados no
Cartório da Penitenciária, em abril de 2011.
O levantamento por formulário (apêndice A) consistiu em uma pesquisa
documental nos prontuários institucionais dos presos, com o objetivo de organizar, sistematizar
e homogeneizar informações provenientes de diversos documentos originalmente heterogêneos
e sem fins de pesquisa: denúncias do MP, sentenças judiciais, relatórios administrativos sobre
a vida carcerária, pareceres técnicos produzidos por profissionais vinculados à instituição e
outros. Os formulários possuíam informações sobre os dados sociodemográficos e criminais
dos indivíduos, como: escolaridade, idade, estado civil, tipo de crime, idade da vítima,

30 Os procedimentos metodológicos adotados para a realização do levantamento estão descritos na seção 1.4.
43

proximidade social entre vítima e autor da violência, dados gerais sobre a violência sexual
cometida e sobre as vítimas.
A pesquisa documental teve início em abril de 2011 e término em junho de 2011,
com duração de quase dois meses. Ela indicou a presença de cinquenta e três homens
condenados por crimes relacionados à violência sexual contra crianças e adolescentes,
qualificados pelo antigo crime de atentado violento ao pudor31, estupro32 ou estupro de
vulnerável33. Não foram localizados casos de condenações por favorecimento da ESCCA. Deste
total, vinte e seis aceitaram participar da pesquisa. Quanto aos demais, alguns deles não
concordaram em conceder entrevistas, um havia fugido da penitenciária e outros já tinham
realizado progressão para o regime semiaberto, quando da tentativa de contato.
O levantamento sobre a existência de mulheres sentenciadas por crimes
relacionados à violência sexual contra crianças e adolescentes conduziu-me à direção da
Penitenciária Feminina Consuelo Nasser. Por se tratar de uma unidade pequena, com um
quantitativo de aproximadamente sessenta mulheres presas, a direção prontamente conseguiu
nomear duas que ali cumpriam pena, sem a necessidade de um levantamento mais elaborado.
Minha entrada naquela penitenciária para a tentativa de entrevista com as reclusas somente foi
concedida após apresentação do projeto de pesquisa e da autorização da Coordenadoria
Interdisciplinar de Pesquisa e Estudos de Execução Penal. Uma das mulheres concordou em
compor o estudo, tendo sido realizada com ela uma entrevista, sendo que a segunda não aceitou
participar. Considerando que a primeira entrevistada seria a única pessoa do sexo feminino da
presente amostra e que isso colocaria em risco a garantia do anonimato e do sigilo em relação
às informações prestadas, tomei a difícil decisão metodológica de excluí-la da presente análise,
apesar de entender que pesquisar mulheres que praticam violência sexual enriqueceria o teor da
pesquisa. Assim, tem-se que o sexo masculino compõe a população total desse estudo.
Não encontrei produções científicas nacionais que se propusessem a investigar
mulheres AVS, o que leva a concluir que o personagem feminino nesse tema é praticamente
ignorado. Contudo, algumas pesquisas voltadas para a definição de perfis sociodemográficos
indicam um índice de até 3% de casos em que a violência sexual é cometida por mulheres

31 Por terem sido condenados antes de 2009, alguns entrevistados ainda foram enquadrados no tipo penal “atentado violento ao
pudor”, que vigorou no Brasil entre os anos de 1940 e 2009, quando foi criado pelo Código Penal Brasileiro (CP) e revogado
pela Lei 12.015/2009, respectivamente. Este era caracterizado por qualquer ato sexual diverso da conjunção carnal (sexo
vaginal) em meninas, ou qualquer ato sexual incluindo o sexo anal em meninos.
32 De acordo com a Lei número 12.015, de 7 de agosto de 2009, o estupro é qualificado pelo artigo 213: “Constranger alguém,

mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso”.
33 O estupro de vulnerável está previsto no artigo 217-A da Lei número 12.015, de 7 de agosto de 2009: “Ter conjunção carnal

ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”.


44

(HABIGZANG et al., 2005; SILVA e SILVA, 2005). Apesar de quantitativamente


inexpressiva, ela não pode ser considerada inexistente, menos importante, menos grave ou
menos danosa do que aquela praticada por homens. Em estudo anterior, constatei que um AVS
relatou ter sofrido na infância violências sexuais por parte da tia e da cunhada. De acordo com
sua concepção, estas trouxeram consequências para a vivência de sua própria sexualidade, como
a hipersexualização e a prática de violências sexuais (ESBER, 2009). Argumento que a
violência sexual cometida por mulheres é subnotificada, pois ainda enfrentamos, enquanto
sociedade brasileira, dificuldades em identificar, falar, denunciar, condenar e pesquisar
mulheres AVS. Evidência disto é que os termos “agressora sexual”, “abusadora sexual”,
“pedófila” ou “ofensora sexual” são quase ausentes nos discursos institucionais, do senso
comum, da mídia e da literatura especializada.
Apesar de toda a dificuldade em pautar o tema no campo científico, social e
governamental brasileiros, ele definitivamente merece consideração, pois as mulheres AVS
existem e podem, além de abusar sexualmente, também machucar, torturar e até mesmo matar
crianças e adolescentes. Isto é evidenciado por uma considerável parcela da literatura
internacional (FORWARD e BUCK, 1989; MATHEWS et al., 1989; NATHAN e WARD,
2001; SARREL e MASTERS, 1982; SPENCER, A., 1999; VANDIVER, 2006) e também por
meio de documentários e filmes34, muitos deles descrevendo histórias verídicas de mulheres
que, sozinhas ou em coautoria com homens, cometeram violência sexual contra crianças ou
adolescentes.
Por hora, contento-me em pesquisar apenas homens AVS, sem que isso signifique
ignorar que a violência sexual pode também ser cometida por mulheres. Contudo, pontuo que
precisamos nos questionar sobre os significados sociais da invisibilidade, do silenciamento e
do obscurecimento sobre o tema da mulher AVS. Em meu entendimento, isto se dá em função
da essencialização e da naturalização do lugar da mulher como cuidadora, protetora e dócil,
qualificativos estes incompatíveis com a monstruosidade socialmente necessária para o
reconhecimento de um homem que comete tal tipo de violência no imaginário social. Contudo,
trata-se apenas de uma hipótese, que é, sem dúvida, um importante objeto de estudo para futuras
pesquisas.

34 Como exemplos, cito o filme britânico “Notas sobre um Escândalo”, lançado em 2006, que narra a estória de uma professora
que se envolve sexualmente com um aluno adolescente. Já “Karla: Paixão Assassina” se refere à história verídica de Paul
Bernardo e Karla Leanne Homolka que estupraram e assassinaram diversas adolescentes, dentre elas a irmã de Karla. Há
também uma série de documentários que retratam a vida de Myra Hindley e de seu namorado Ian Brady Hindley, um serial
killer inglês. Em parceria ambos cometeram estupros e assassinatos de cinco crianças pequenas.
45

1.5 PROPOSTA METODOLÓGICA DAS ENTREVISTAS

Após formalizadas com a administração da penitenciária as questões relacionadas


à escolta prisional e ao espaço físico para a realização da pesquisa empírica, semanalmente
adentrei à POG entre os meses de março de 2012 e abril de 2013. O prolongado tempo da
pesquisa de campo se deu em função de quatro motivos principais: 1) a grande quantidade de
entrevistados (vinte e seis); 2) o tempo de duração de cada entrevista (de uma a duas horas); 3)
a realização mais de uma entrevista com alguns dos AVS, totalizando sessenta e uma; 4) o
longo tempo de espera entre a saída de um entrevistado e a chegada do próximo, em razão das
rotinas administrativas da instituição para o deslocamento dos presos.
Ao entrar às dependências da POG com uma lista com os nomes dos cinquenta e
três homens indicados pelo levantamento, eu os repassava a um agente prisional disponível,
que buscava sua localização por Ala e Cela na lista geral de presos. Após localizados os alvos
das entrevistas no dia, o agente prisional solicitava aos monitores de Ala35 as providências para
a realização dos procedimentos de segurança e do encaminhamento à sala de entrevistas, onde
eu os aguardava.
Por questões internas à administração da penitenciária, as entrevistas ocorreram em
dois locais distintos durante o período da pesquisa de campo: inicialmente em uma das salas da
Coordenação Administrativa da POG e posteriormente em uma sala da Unidade de Saúde, que
funciona dentro da Unidade Prisional. Em ambos os casos, ficavam no recinto somente
pesquisadora e pesquisado, com escolta prisional do lado de fora, de maneira a garantir o sigilo
e a confidencialidade de suas afirmações, bem como sua integridade física, pois a prisão é um
local usualmente hostil para os AVS, como será abordado nas seções 1.5.3 e 3.1.3.
No primeiro contato com cada indivíduo em potencial, realizei inicialmente minha
apresentação pessoal e os objetivos da pesquisa. Mostrei os dois livros sobre violência sexual
contra crianças e adolescentes, um de minha autoria (ESBER, 2009) e outro em coautoria
(SANTOS et al., 2009), ambos produtos de estudos anteriores com AVS presos. Ao fazer isso,
a intenção era de dar credibilidade à pesquisa ora proposta e aumentar sua adesão às entrevistas.
Todos os que aceitaram participar foram esclarecidos sobre os procedimentos e aspectos gerais
do processo de pesquisa, tais como: 1) realização de entrevistas individuais e gravadas, com o
gravador sempre colocado em cima da mesa, ligado e desligado em suas presenças; 2) as
transcrições das entrevistas seriam feitas por alunas colaboradoras; 3) seriam cumpridas as

35 Os monitores são presos que fazem a conexão entre as necessidades administrativas e os demais reeducandos.
46

obrigações éticas em resguardar a identidade dos participantes, utilizando-se nomes fictícios.


4) a posterior divulgação e publicação dos dados obtidos, por meio da produção da tese, de
artigos científicos ou livros. Os entrevistados foram todos solicitados a proceder com a
autorização formal de sua participação, por meio da assinatura do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (apêndice B). Cumpridas todas estas formalidades, dava-se início às
entrevistas propriamente ditas. Três aspectos sobre elas serão destacados a seguir: as
adequações metodológicas realizadas a partir da pesquisa piloto (seção 1.5.1), as temáticas
abordadas nas entrevistas (seção 1.5.2) e as conformações à peculiaridade do campo empírico
(seção 1.5.3).

1.5.1 ADEQUAÇÕES METODOLÓGICAS REALIZADAS A PARTIR DA PESQUISA PILOTO

As primeiras quatro entrevistas foram consideradas como pesquisa piloto,


procedimento metodológico sugerido por Flick (2002), com a função de indicar a necessidade
de ajustes metodológicos às entrevistas ou ao conteúdo de seu roteiro, bem como avaliar a
adequação da proposta de acessar, por meio das entrevistas narrativas, as representações sociais
dos AVS sobre as vítimas. Optei por um roteiro que, para além de constituir um instrumento
que prescrevesse perguntas rígidas para as entrevistas, funcionou como o tópico guia de Gaskell
(2002), um referencial para a discussão que tem a função de orientar o entrevistador quanto a
garantir o alcance dos objetivos da pesquisa.
Uma das adequações metodológicas realizadas a partir da pesquisa piloto sobreveio
do fato de que apenas um dos quatro entrevistados assumiu ter cometido a violência sexual à
qual foi condenado. Os outros três negaram por completo sua autoria ou ocorrência, refutando
assim ter vítimas, o que inviabilizou questionamentos sobre elas. Orientadora e orientanda
decidiram adotar a seguinte postura metodológica nas entrevistas subsequentes: para os casos
de negação, realizar-se-iam perguntas sobre situações hipotéticas de violências sexuais
praticadas por adultos, sendo uma contra crianças e outra contra adolescentes. Não mais se
trataria das vítimas constantes nos prontuários institucionais, pois nunca se constituiu como
objetivo do presente trabalho confrontar os entrevistados acerca da veracidade de suas
afirmações. Quando os entrevistados assumiam, as perguntas eram relacionadas às suas
próprias vítimas e às violências sexuais praticadas. Com o objetivo de evidenciar estes dois
diferentes contextos em que suas respostas foram dadas, optei por utilizar as terminologias
“negadores” e “assumentes”. Contudo, conforme evidenciarei na seção 3.1.3, reconheço que
47

estas categorias não podem ser entendidas de maneira dicotômica, pois existem diversas facetas
entre as duas polaridades.
Do total de vinte e seis entrevistados para a presente pesquisa, onze são assumentes:
Adriano, Amarildo, Cristiano, Emílio, Jonas, Marcelo, Nilton, Paulo, Ricardo, Ronaldo e
Sérgio. Os negadores36 são os quinze: Anderson, Armando, Bruno, César, Danilo, Fabiano,
Fábio, Guilherme, João, Leandro37, Luiz, Matheus, Mauro, Renato e Samuel. Em termos
quantitativos, encontrei um índice de 57% de negadores, portanto. Hegemonicamente, os
negadores alegaram ser trabalhadores, que tiveram infâncias e adolescências felizes e vidas
“estruturadas”. Afirmaram que as razões que os levaram à indevida condenação consistiram em
mentiras, complôs ou armações de suas ex-companheiras ou de suas próprias vítimas, bem
como o atraso no pagamento da pensão alimentícia dos filhos. Este tipo de alegação é similar
àquelas encontradas na pesquisa de Habigzang et al (2005):

Os principais argumentos foram negação de violência (56,3%), calúnia da mãe por


vingança, raiva, desavenças com o agressor (17,2%), parentes e amigos induziram a
vítima a denunciar para o retirar de casa ou por detestarem o agressor (14,1%), calúnia
da vítima para não se submeter às ordens e regras do agressor (10,9%), responsabiliza
a vítima pela violência (10,9%), responsabiliza outras pessoas pela violência sexual
(19,9%), mal entendido (6,3%) e atribui os sintomas da violência ao afastamento da mãe
do lar (3,1%) (HABIGZANG et al., 2005, p. 345).

As decisões metodológicas citadas acima basearam-se na literatura especializada,


que amplamente reconhece a existência de negadores dentre os AVS (MARSHALL et al., 2001;
MARSHALL et al., 2005; SCHNEIDER e WRIGHT, 2004; STALANS et al., 2002 apud
STALANS, 2004) e em minha experiência prévia com este público, quando da atuação do
Programa Repropondo, descrito na seção 1.1. Além disso, foi levada em consideração a escolha
metodológica pela utilização das entrevistas narrativas, que não se propõem a ser cópias da
realidade (FLICK, 2002; JOVCHELOVITCH e BAUER, 2002). Ao contrário, preconizam que
o pesquisador deve se afastar da busca de pressupostos “verdadeiros” e buscar expressões do
ponto de vista dos indivíduos.

[...] é crucial levar em consideração a dimensão expressiva de toda peça narrativa,


independentemente de sua referência ao que acontece na realidade. De fato, as próprias
narrativas, mesmo quando produzem distorção, são parte de um mundo de fatos; elas
são factuais como narrativas e assim devem ser consideradas (JOVCHELOVITCH e
BAUER, 2002, p.109).

36 Mesmo que neguem as violências sexuais, no presente trabalho também os nomeio como AVS, pois foram condenados pela
justiça por terem praticado crimes sexuais contra crianças e adolescentes.
37 Leandro nega que tenha cometido a violência sexual contra a filha de sua amante, mas assume tê-la assassinado. Portanto,

categorizo-o como negador da violência sexual.


48

O roteiro de entrevistas foi também reformulado, com vistas a garantir


harmonização com o objetivo geral da presente pesquisa, que é estudar como os entrevistados
representam crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Findadas as adequações
metodológicas no roteiro das entrevistas a partir da experiência piloto, passei a abordar o
universo dos demais AVS relacionados no levantamento realizado no Cartório da Penitenciária,
conforme será evidenciado na próxima seção.

1.5.2 TEMÁTICAS ABORDADAS NAS ENTREVISTAS

As temáticas abordadas nas entrevistas foram escolhidas de forma a possibilitar o


levantamento de subsídios para examinar mais profundamente três unidades de significação
que considero essenciais para a investigação das representações sociais sobre as vítimas para
os AVS, questão central do presente trabalho: 1- vítimas e vítimas de violência sexual; 2-
crianças e adolescentes; 3- sexualidade (das vítimas e dos AVS). Apesar de realizar esta
separação didática, assinalo que a todo momento estas três unidades se misturaram, se
entrelaçaram, se esbarraram, se aproximaram e se afastaram, não podendo ser entendidas de
maneira dissociada. A opção pela inclusão da terceira unidade de significação justificou-se pela
importância de conhecer as maneiras pelas quais os AVS vivenciam e constroem significados
sobre sua própria sexualidade (ESBER, 2007) e sobre a sexualidade de suas vítimas, dois temas
pouco abordados na produção cientifica atual. Para tanto, foram debatidos assuntos como:
desejo sexual por crianças e adolescentes38, como são nomeadas por eles as interações sexuais
de adultos com crianças e adolescentes: violência sexual ou contato sexual aceitável;
possibilidade das vítimas gostarem de tal situação ou se elas poderiam seduzir homens adultos,
dentre outros questionamentos.
Com os negadores, foi realizada uma única entrevista, composta por duas grandes
temáticas: 1- sua própria biografia39, desde a infância até a fase adulta e 2- crianças e
adolescentes em uma situação hipotética de violência sexual praticada por adultos. Já com os
assumentes, foram propostas no mínimo três entrevistas, cujas temáticas, dentre outras, foram:
1- sua própria biografia, desde a infância até a fase adulta; 2- a violência sexual que praticaram;
3- suas próprias vítimas e 4- sua biografia sexual. Busquei também abrir um espaço de diálogo

38 Com os assumentes, abordei o desejo sexual por próprias vítimas e no caso dos negadores, se homens hipotéticos poderiam
senti-lo.
39 A construção das biografias dos entrevistados deu-se a partir do entendimento de que “histórias pessoais expressam contextos

societais e históricos mais amplos, e as narrativas produzidas pelos indivíduos são também constitutivas de fenômenos sócio-
históricos específicos, nos quais as biografias se enraízam”. (SCHÜTZE, 1992 apud JOVCHELOVITCH e BAUER, 2002,
p.104)
49

para a emergência de outros temas que os entrevistados iam revelando no decorrer das próprias
entrevistas, tais como o uso de drogas, o cometimento de outros tipos de crimes, vivências no
presídio e outros.
Com os assumentes40, foi também proposto que escrevessem cartas destinadas às
suas vítimas, nas quais eles expressassem o que gostariam de falar, seus sentimentos e
pensamentos sobre elas. Solicitei que eles não registrassem nomes reais, fossem seus próprios
ou das vítimas, de maneira que pudessem de fato redigir o que desejassem, sem a preocupação
de serem identificados. Obtive cinco delas e seu conteúdo será analisado e trabalhado em
publicações posteriores. Entendo que todas essas temáticas permitiram acessar elementos para
apreender as representações sociais dos entrevistados sobre as crianças e adolescentes vítimas
de violência sexual.

1.5.3 CONFORMAÇÕES À PECULIARIDADE DO CAMPO EMPÍRICO

A entrevista é uma “estranha situação” (GASKELL, 2002, p.74), na qual duas


pessoas completamente desconhecidas passam a manter uma conversação sobre um assunto
qualquer. Por si só, isto pode causar algum tipo de constrangimento que coloque entrevistados
e entrevistadores em uma posição defensiva. Este efeito embaraçoso se potencializa quando: 1-
o assunto em pauta é a violência sexual contra crianças e adolescentes; 2- o entrevistado é um
AVS condenado pela justiça, recluso em uma prisão; 3- o pesquisador – ou qualquer outro
profissional que venha a desenvolver um trabalho com os AVS – experimenta sentimentos de
raiva e repulsa (MARQUES, M., 2006), reações vinculadas com a ideia da monstruosidade,
ampla e continuamente reforçadas pelo senso comum, pelas instituições e até mesmo pelo
discurso científico. As repostas a tais sentimentos podem dificultar a fluidez do diálogo e
reforçar rótulos, estigmas, silêncios, vergonha, culpa e julgamentos morais ou religiosos.
Assim, torna-se difícil para os AVS assumir que cometeram a violência, sentiram prazer sexual
ou que têm fantasias ou preferência sexual por crianças, em um contato face a face 41
(GOFFMAN, 2011) com um entrevistador desconhecido, pois:

[...] não apenas os atos, mas também os discursos são vistos como “cruéis”, sugerindo
que o problema não consiste só em fazer tais coisas, mas em dizer que faz. Nesse
sentido, discursos são interpretados como se fossem atos de “violência” e como

40 Os negadores não participaram desta atividade, pois, ao contradizerem a versão judicial que os levou à prisão e afirmar que
não cometeram a violência, também não poderiam ter produzido vítimas ou escrever cartas a elas.
41 Essa interação é conceituada pelo autor como “a classe de eventos que ocorre durante a copresença e por causa da co-

presença” (GOFFMAN, 2011, p. 9).


50

“indícios” de monstruosidade e periculosidade, associados ao risco de passar da


fantasia ao ato (LOWENKRON, 2013, p. 53, grifos do autor).

A pesquisa empírica evidenciou que os próprios entrevistados também acabam por


construir ideias bem parecidas acerca de si mesmos, utilizando-se dos mesmos tipos de
julgamento moral, o que acaba por dificultar sua disponibilidade em falar sobre o assunto, como
se pode constatar na fala de Ricardo42:

Ricardo: Pra falar a verdade, eu não gosto de conversar sobre esse assunto [estupro da
enteada]. //43 Eu acho que perdi a cabeça, foi só isso. Coisa que não precisava acontecer,
aconteceu e acabou acontecendo. É um trem que eu daria tudo para esquecer e nunca
mais falar nisso, sabe? Nunca mais.
Karen: Difícil falar?
Ricardo: Não tem, não tem, não tem como falar. Não tem como falar. É uma coisa que,
se você for olhar lá dentro, não tem lógica, não tem sentido, nada, nada. Eu não gosto
nem de tocar no assunto. // É complicado. Você deve estar pensando: “Esse cara é um
doido”, mas você tá certa, tá coberta de razão. Qualquer outro que pensar isso, eu dou
razão44.

Nilton, outro entrevistado, apesar de ter assumido na primeira entrevista que havia
cometido um estupro, também demonstrou uma postura defensiva e dificuldades em falar sobre
a violência sexual praticada. Ele respondeu com monossílabos a praticamente todas as
perguntas durante as três primeiras entrevistas e, ao final da última, eu disse a ele: “Sinto que
nestes três encontros, você não quis se abrir muito comigo. E sinto também que você tem muito
a falar”. Após encerrada a entrevista, já quando caminhávamos pelo corredor da penitenciária,
ele me perguntou: “A senhora acha que eu sou um monstro, não é?”. Eu respondi: “Não. Você
não é um monstro. Mas o que você fez é considerado pela sociedade como uma
monstruosidade”. Questionei se era esse o motivo de seu retraimento e ele acenou que sim.
Indaguei se ele queria participar de outras entrevistas. Contudo, eu somente sustentaria a
proposta se ele decidisse compartilhar mais abertamente seus sentimentos e pensamentos. Ele
aceitou e realizei com ele mais dois encontros, nos quais, de fato, exprimiu-se com mais
receptividade aos temas. Assim, avalio que necessitava formar uma compreensão do tipo de
julgamento que eu realizava sobre ele para sentir-se confortavelmente. Avalio que sua atitude
pode ter relação com um processo amplamente descrito pela literatura especializada
denominado prisionalização, que consiste em hipervigilância, desconfiança interpessoal,

42 Procederei com a apresentação de todos os entrevistados no Capítulo 3. Contudo, destaco que Ricardo estuprou a enteada e
realizou tentativa de homicídio contra a ex-esposa no mesmo dia.
43 Esse símbolo significa que as duas partes da fala não ocorreram em sequência na narrativa dos entrevistados, mas que foram

colocadas juntas, para fins de análise.


44 Para preservar a noção da cultura e do linguajar dos entrevistados, mantive o texto original obtido.
51

alienação, distanciamento psicológico, retraimento social, sensação diminuída de autoestima e


valor pessoal, reações de estresse pós-traumático para as dores da prisão, dentre outras
(HANEY, 2001). Ademais:

Seguramente, desconfianças, astúcias e idiossincrasias fazem parte do universo cultural


carcerário. Não podem dele ser excluídos senão às custas de deformação do real. Creio,
contudo, que ao pesquisador cabe penetrar nesse universo, compreendendo-o
criticamente, isto é, descrevendo-o, analisando-o e descobrindo seu “segredo”, sua
razão de ser, seu modo de funcionamento e realização, as relações que o contém
(ADORNO, 1991, p. 14, grifo do autor).

Nas narrativas de outros entrevistados, também foi possível identificar recorrentes


constrangimentos, silêncios, gaguejos, estranhamentos e ambiguidades, mesmo dentre os que
falaram mais abertamente sobre a violência sexual que praticaram, como se pode avaliar nas
seguintes falas:

Paulo45: Mas você fica me olhando. Às vezes, me dá vontade de contar pra uma pessoa,
mas eu fico com vergonha, sabe?
Karen: Você não conta?
Paulo: Não conto pra ninguém, a primeira pessoa é você. Eu to arrependido, né? A gente
fica com vergonha, né? Isso é um crime muito bárbaro, um crime muito difícil na
sociedade. É um crime muito assim ... sem perdão.

Ronaldo46: É igual eu tô falando pra senhora, tem hora que eu fico desgostado desse
trem. Eu não gosto nem de tocar no assunto desse trem. Eu vou falar pra senhora, é uma
coisa que me dá uma revolta. Eu mesmo aqui nessa cadeia, já pensei em me matar.

Considerando que estes indivíduos estão reclusos em uma penitenciária, um


ambiente usualmente hostil para eles (ESBER, 2009; JESUS, 2006), negar, não falar ou
expressar-se pouco sobre os crimes sexuais que cometeram pode constituir-se em estratégias de
sobrevivência nas prisões, onde a identidade de “bom sujeito” deve ser sustentada.
(SCHMICKLER, 2006). Indubitavelmente, seu comportamento e discurso são influenciados
pelo contexto social e institucional no qual estão inseridos. É também comum a recusa dos AVS
em participar desse tipo de pesquisa47, uma vez que, ao aceitarem, poderiam tornar públicas
suas identidades, caso fossem ainda desconhecidas, sendo este mais um fator que poderia
colocá-lo em risco.

Numa cadeia, um homem preso por estupro logo compreende que conduzir-se de forma
aceitável para as leis internas da casa só vai lhe facilitar a vida. Na verdade, não lhe
45 Paulo praticou violência sexual contra um menino desconhecido de cinco anos.
46 Ronaldo cometeu violência sexual contra seu filho, uma criança de dez anos.
47 É comum também que não concordem em participar de programas de atendimento psicoterapêutico nas prisões, conforme

constatado na experiência do Programa Repropondo, descrita na seção 1.1. Apesar disso, foi completamente possível que
obtivéssemos adesão de vários AVS, como descrito em publicação anterior (SANTOS et al., 2009).
52

resta outra escolha. Por isso, atitudes cordatas acabam sendo a tônica do comportamento
dos estupradores e uma das características do seu perfil (SCHMICKLER, 2006, p.164).

Sem pretender me deter aos processos de organização e estruturação das regras


gerais de convivência dentro da Penitenciária, cabe pontuar que há, em grande parte dos
presídios brasileiros (e também fora deles), ampla aceitação e até mesmo o estímulo e desejo
que os AVS sejam estuprados, assim como fizeram com suas vítimas. São denominados
“Jack”48 e também submetidos a diversas formas de humilhação, violências físicas, sexuais e
até mesmo tentativas ou consumação de homicídios. Nesta pesquisa, presenciei vários relatos
dessas violências, pelos próprios entrevistados, agentes prisionais e demais profissionais da
instituição. Isso também foi constatado em trabalhos anteriores (ESBER, 2005, 2008, 2009;
SANTOS et al., 2009). Diversos entrevistados narraram ter sofrido ou presenciado os mais
variados tipos de violências no ambiente da prisão, dentre elas a violência sexual, conforme
pode ser contatado nas narrativas abaixo e será também discutido na seção 3.1.3:

Fabiano49: Acontece, acontece sim. Têm muitos aí que acontece e é coisa terrível. A
pessoa pega é cabo de vassoura, coloca no órgão da outra pessoa, né? Machuca a pessoa
toda, acontece coisa horrorosa aqui dentro. // Chega uma pessoa que fez com [abusou
de] uma criança, ou com um “de menor”. Dependendo do ato de covardia que ele fez,
os presos vão fazer a mesma coisa que aquela pessoa fez. Acontece muito aqui dentro
da cadeia esse tipo de coisa, espancamento. Teve nego aqui de cabeça cortada50, já
cortaram foi cabeça dos outros aqui por causa disso.

Guilherme51: [...] Eu não gosto de contar esse caso [violência sexual sofrida na prisão].
É um caso que eu fico muito triste, marca a gente, entendeu? Eu sofri violência,
entendeu? Aqui dentro da cadeia, entendeu? // Essa cadeia aqui não, a outra, a outra.
Acho que foi assim que eu fiquei assustado da cadeia, entendeu? Fiquei traumatizado
com a cadeia. Até hoje.
Karen: Violência sexual?
Guilherme: Foi sim. Nem me pergunta que eu não gosto nem de falar disso. Isso acaba
com o meu dia.

Karen: Você foi estuprado aqui?


Paulo52: Nossa doutora, não toca nesse assunto não, eu fico tão assim chateado, eu fico
chateado, sentido [silêncio]. Fui sim. Lá na CPP53. Me batiam, me davam choque, me
deu paulada, os presos quase me matou, pulou no pátio com uma faca.

48 Esse termo é utilizado pelos presos para se referir aos AVS na cadeia. Faz referência ao personagem “Jack, o estripador”,
que matava e mutilava suas vítimas, todas elas mulheres.
49 Fabiano foi condenado por praticar violência sexual contra a enteada, acusação a qual ele nega.
50 Os relatos de assassinatos de AVS presos também foram realizados por outras pessoas dentro da penitenciária, como os

próprios profissionais e também os outros presos, a exemplo de César, também entrevistado pela presente pesquisa (conforme
será evidenciado na seção 3.2.2.4).
51 Guilherme foi condenado por ter cometido abuso sexual contra a filha de sete anos de idade, mas nega tê-lo feito.
52 Paulo praticou violência sexual contra um menino desconhecido de cinco anos.
53 Uma das cinco unidades penitenciárias do Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia.
53

Os AVS constituem-se como um dos principais públicos-alvo de violências sexuais


nas prisões brasileiras (SILVA, E., 1997). Longe de serem fatos desconhecidos pelas
instituições que teriam a obrigação de resguardar o bem-estar de seus tutelados, estupros de
estupradores são de conhecimento generalizado entre juízes, promotores, policiais e secretários
da administração de penitenciárias. Contudo, não são por eles formalmente reconhecidos
(MARQUES JÚNIOR, 2007). Este tipo de prática é reiteradamente desejada e incentivada pela
população em geral, cujo clamor por vingança é abertamente pronunciado. Esta
condescendência das instituições e da sociedade em geral obscurecem o fato que estas situações
também se caracterizam como crimes de estupro, previstos no artigo 213 do CP, tais quais
aqueles que os levaram à prisão.
Esta perversa cultura institucional, sem dúvida, imprime uma peculiaridade ao
campo empírico que necessitou ser considerada durante as entrevistas. Busquei estabelecer com
os entrevistados, na medida do possível, “[...] uma relação de confiança e segurança”
(GASKELL, 2002, p.74). Para tanto, garanti que estivessem presentes na sala de entrevista
somente pesquisador e entrevistado, de forma a proporcionar sigilo quanto à sua identidade e
às informações ali expostas. Também deixei claro que eles tinham total liberdade para se negar
a responder o que não queriam ou ainda para interromper a entrevista a qualquer momento.
Busquei também estabelecer um clima de descontração, apesar da rispidez inerente aos temas
abordados nas entrevistas.
Outra estratégia igualmente importante para amenizar os efeitos da singularidade
do campo empírico foi o uso metodologia qualitativa de pesquisa, por meio de entrevistas de
narrativa, que se propõe abrir um espaço de discussão e diálogo com os pesquisados. Esta
metodologia possibilitou-me compreender e mapear o mundo dos entrevistados desde suas
próprias perspectivas e foi:

O ponto de entrada para o cientista social que introduz, então, esquemas interpretativos
para compreender as narrativas dos atores em termos mais conceituais e abstratos,
muitas vezes em relação a outras observações. A entrevista qualitativa, pois, fornece os
dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores
sociais e sua situação. O objetivo é uma compreensão detalhada das crenças, atitudes,
valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais
específicos (GASKELL, 2002, p. 65).

Concordo com Fanton (2011), quando afirma que são cinco as características
principais de toda narrativa: 1- é temporal, uma representação de eventos passados a partir de
uma perspectiva atual; 2- é social, pois o discurso do entrevistado/entrevistador ocorre em uma
situação social que irá influenciar o modo de narração do indivíduo (deve-se considerar, neste
54

caso, a situação de encarceramento dos entrevistados) 3- evidencia o significado dado às


experiências, situações passadas e da vida do narrador; 4- possui uma propriedade subjetiva: a
biografia é única e singular; 5- a narração é realizada a partir da linguagem cotidiana do
indivíduo, do que lhe é familiar, tendo, pois, um aspecto linguístico. Essa caracterização
auxiliou na elaboração das entrevistas de narrativas utilizadas na pesquisa.
Assim, a proposta metodológica da presente pesquisa, apesar de previamente
planejada em suas etapas, teve de ser construída e reconstruída no decorrer de sua execução,
dadas as peculiaridades com as quais o pesquisador se depara quando seu campo empírico é
uma penitenciária e o assunto a ser tratado é a violência sexual contra crianças e adolescentes,
um dos temas mais intoleráveis, constrangedores, discriminados, perigosos e passíveis de
punição nestes espaços.

1.6 TRANSCRIÇÃO, CATEGORIZAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

As transcrições das gravações do total de sessenta e uma entrevistas ficaram a cargo


de um grupo dos alunos colaboradores, conforme já descrito na seção 1.3. Cada aluno recebia
um arquivo com o áudio da entrevista e o transcrevia para um arquivo com formato de texto.
Assim que entregues, ambos eram repassados a um segundo colaborador, para revisão de
conteúdo e de português. Posteriormente, as transcrições foram submetidas a uma terceira
correção, que ficou sob minha responsabilidade. Os nomes reais de todos os entrevistados foram
trocados por fictícios, bem como qualquer outro dado que pudesse identificá-los, garantindo o
sigilo quanto às informações prestadas.
A grande quantidade de dados provenientes da pesquisa empírica trouxe não
somente a riqueza, variedade e complexidade de informações como um produto, mas também
o desafio “[...] de como analisá-los sistematicamente e, então, apresentar suas conclusões de
modo tal que convença outros cientistas de sua validade” (BECKER, 1999, p. 48). De acordo
com o embasamento da Teoria das Representações Sociais (a ser discutida na seção 1.7), a
análise das entrevistas foi realizada a partir das seguintes etapas: 1 – categorização a partir de
unidades de significação; 2 – adoção ou construção de conceitos parâmetros; 3- análise das
representações dos indivíduos relacionando suas falas com os conceitos teóricos apresentados
e com a literatura especializada.
A primeira categorização possibilitou agrupar os seguintes temas: 1- dados
sociodemográficos (idade, escolaridade, etc.); 2- violência sexual à qual foram condenados,
incluindo o fato de serem assumentes ou negadores; 3- biografia; 4- crianças; 5- adolescentes;
55

6- sexualidade de crianças e adolescentes; 7- vítimas (no geral) e vítimas de violência sexual;


8- consequências da violência sexual para as vítimas e, por fim, 9- sexualidade de AVS. Para
esta última, foram categorizados: 1- educação sexual na infância ou adolescência; 2- vivência
da sexualidade na infância; 3- vivência da sexualidade na adolescência; 4- ocorrência de
violência sexual em suas próprias biografias; 5- vivência da sexualidade na fase adulta; 6-
orientação sexual; 7- sexualidade conjugal54; 8- interações sexuais (e se estas são nomeadas
como violências sexuais) de adultos com crianças e adolescentes; 9- desejo sexual de adultos
por crianças e adolescentes; 10- violência sexual sofrida na cadeia.
Nas caracterizações seguintes, busquei refinar a análise dessa primeira,
identificando “temas com conteúdo comum” e as “funções desses temas” (GASKELL, 2002,
p.85). Procurei examinar tensões, contradições, expressões, discursos, modos de interação,
entre outras tantas particularidades do campo empírico. Procedendo dessa maneira, esforcei-
me para evidenciar padrões que fornecessem subsídios para a compreensão de suas
representações sociais sobre as vítimas de violência sexual. Busquei apreciar as falas dos
entrevistados para além do aparente, incluindo tanto o que foi dito, como também o que não foi
dito, a partir de minhas “intuições criativas” (GASKELL, 2002, p. 76).

As maneiras como as pessoas se relacionam com os objetos no seu mundo vivencial,


sua relação sujeito-objeto, é observada através de conceitos tais como opiniões, atitudes,
sentimentos, explicações, estereótipos, crenças, identidades, ideologias, discurso,
cosmovisões, hábitos e práticas. [...] O pesquisador qualitativo quer entender diferentes
ambientes sociais no espaço social, tipificando estratos sociais e funções, ou
combinações deles, juntamente com representações específicas (BAUER e AARTS,
2002, p.57).

Para a análise das entrevistas a ser realizada ao longo do Capítulo 3, compararei as


representações sociais reveladas pelas categorizações acima com três conceitos parâmetros
adotados neste trabalho: 1- vítimas e vítimas de violência sexual; 2- crianças e adolescentes; 3-
sexualidade. Na abordagem do primeiro conceito parâmetro, temos que vítimas são indivíduos
ou grupos que sofrem algum tipo de violência, física ou não, em uma relação de poder que fere
preceitos morais e éticos guiadores de determinada sociedade, independentemente de seu
consentimento. Segundo Holstein e Miller (1990), as vítimas foram submetidas a tratamento
nocivo, injusto e são julgadas como não responsáveis pela interação estabelecida. As definições
sobre o que é ser vítima são mutáveis e dependem de uma série de fatores sócio-históricos,
como a ideologia da vitimização, os discursos políticos, os programas de auditório, os debates

54 Julguei importante abordar a o tema da sexualidade conjugal, pois diversos entrevistados eram casados com mulheres, com
as quais constituíram famílias, conforme mostra o índice de casados (n=16; 61,5%) explicitado na seção 3.1.
56

promovidos por estudos científicos, organizações não governamentais e movimentos sociais


(BEST, 1997). Vítimas de violência sexual, sendo crianças ou adolescentes, são as pessoas
abaixo de dezoito anos envolvidas em atos sexuais com adultos, seja nas modalidades abuso ou
exploração sexual comercial55. Em hipótese alguma, elas poderão ser responsabilizadas por tais
interações, mesmo que haja oferta de sexo por parte delas, como é usualmente o caso das
meninas ou meninos em situação de exploração sexual. Considero violência sexual contra
crianças e adolescentes as tipificações estabelecidas pelo CP e pelo ECA. No Brasil, a prática
sexual com crianças e adolescentes é considerada inaceitável do ponto de vista das
representações sociais e dos sistemas jurídico e legal.
O segundo conceito parâmetro é o de crianças e adolescentes. Utilizo-me das
concepções do ECA, pois este documento sintetiza um conjunto de discussões, concepções e
ações que ocorreram no seio da sociedade civil, como será evidenciado na seção 2.5. O texto
do ECA, em seu Art. 2º, assim define: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa
até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”
(BRASIL, 1990). Em seu artigo 15º, versa que: “A criança e o adolescente têm direito à
liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas [sic] em processo de
desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na
Constituição e nas leis” (BRASIL, 1990). No Art. 17º, pressupõe que “o direito ao respeito
consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente,
abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e
crenças, dos espaços e objetos pessoais” (BRASIL, 1990).
Por último, proponho a adoção de um terceiro conceito parâmetro (sobre
sexualidade) que faça referência tanto ao indivíduo como também ao contexto social:

[...] a sexualidade não trata apenas das atividades sexuais, da genitália, das fantasias, dos
desejos sexuais ou dos comportamentos dos sujeitos, mas também trata da personalidade,
do sentimento, da sensação, dos limites, do pensar, do sentir, das convenções, do conhecer-
se e das conexões sociais (PASINI, 2009, p. 244).

Assim, em conformidade com as contribuições teóricas de autores da Sociologia


como Elias (1994) e Giddens (1993), afirmo que as formas de manifestar a sexualidade
diferenciam-se histórica e culturalmente. Como qualquer outra atividade humana, é construída
socialmente e orientada pelos padrões morais e culturais de cada sociedade, sendo que o que é

55 Ambas as modalidades serão caracterizadas na seção 2.1 do presente trabalho.


57

apropriado, permitido, inadequado ou inaceitável é determinado pelas representações sociais


dominantes em cada país, região, grupo social e época histórica.

1.7 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS SOBRE AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

O conceito de representações sociais foi originalmente inaugurado no campo


teórico da Sociologia por Émile Durkheim, quando propôs o termo representações coletivas, a
partir do estudo de religiões de povos primitivos, em seu livro “As formas elementares da vida
religiosa”, publicado em 1912. Na acepção do autor, a organização central das representações
coletivas provém da sociedade, que exerce efeitos coercitivos sobre indivíduos e grupos. São
concepções de mundo e sintetizam o que os homens pensam sobre si mesmos e sobre a realidade
que os cerca. É uma forma de conhecimento socialmente produzida, resultado de esforço
coletivo. Elas são parcialmente autônomas, independentes, têm uma vida própria e uma
existência exterior aos indivíduos, emancipando-se assim das representações individuais. É a
sociedade que pensa ou exprime os sentimentos de seus membros. Desta forma, elas conservam
a marca da realidade social na qual são geradas e possuem uma vida, uma existência em si
mesmas.
Para Durkheim (1996), as representações coletivas são mais permanentes e
resistentes à mudança do que as individuais. Elas são independentes e exteriores aos indivíduos,
embora se produzam nas relações entre eles e traduzam a maneira como o grupo pensa nas suas
relações com os objetos que o afetam:

[...] Há, portanto, entre essas duas espécies de representações toda a distância que separa
o individual do social, e não se pode mais derivar as segundas das primeiras, como
tampouco se pode deduzir a sociedade do indivíduo, o todo da parte, o complexo do
simples. A sociedade é uma realidade sui generis; tem suas características próprias que
não se encontram, ou que não se encontram da mesma forma, no resto do universo. As
representações que a exprimem têm, portanto, um conteúdo completamente distinto das
representações puramente individuais, e podemos estar certos de antemão de que as
primeiras acrescentam algo às segundas (DURKHEIM, 1996, p. 23).

O conceito de representação coletiva implica a compreensão da dualidade da


natureza humana contida na relação indivíduo/sociedade, pois é fruto da associação entre os
homens, resultante de sua natureza dupla, onde a sociedade desempenha papel determinante,
soberano e coercitivo ao indivíduo. É a natureza da sociedade – e não a de indivíduos
particulares – que se deve considerar para entender as representações coletivas (DURKHEIM,
1984b). Apesar de entender a supremacia do coletivo sobre o individual, o autor não deixa de
reconhecer a importância desse último:
58

Sem dúvida, nada se pode produzir de coletivo, se consciências particulares não


existirem. Mas esta condição necessária não é suficiente. É preciso ainda que as
consciências particulares estejam associadas, combinadas, e combinadas de
determinadas maneiras; é desta combinação que resulta a vida social [...]. Agregando-
se, penetrando-se, fundindo-se, as almas individuais dão origem a um novo ser, psíquico
se quisermos, mas que constitui individualidade própria de um novo gênero
(DURKHEIM, 1984b, p. 198).

O autor faz referências às representações coletivas em diversas de suas obras. Em


“Sobre a Divisão do Trabalho Social” (1984), fala da capacidade de criar laços sociais solidários
entre os indivíduos ou, simplesmente, de criar solidariedade. Em “As Regras do Método
Sociológico” (1984b), as representações funcionam (ou podem funcionar) como regras de
conduta e são exemplos dela: mitos, lendas populares, tradições, concepções religiosas e
crenças morais. Na obra “O Suicídio” (1982), o autor indica que as representações coletivas
possuem uma natureza diferente daquela que tem o indivíduo.
Serge Moscovici (1928 - Atual), precursor da teoria das representações sociais no
campo da Psicologia, resgata a ideia de Durkheim abandonando, contudo, o termo
representações coletivas. O trabalho que inaugura sua Teoria das Representações Sociais foi
um estudo realizado na França intitulado: “La Psichanalyse: Son image et son public56”, de
1961. Neste, ele pesquisa as maneiras pelas quais a população francesa se apropria da teoria
psicanalítica de Sigmund Freud e evidencia que as representações sociais sobre ela construídas
podem modificar comportamentos e alterar a visão dos indivíduos em relação ao mundo 57,
tornando-se componentes do cotidiano social e criando uma “nova” linguagem.
Perrusi (1995 apud XAVIER, 2002), indica que as principais modificações que
Moscovici realizou do conceito durkheimiano de representações coletivas foram:

a) primeiro, retirou do conceito de Durkheim o peso da ontologia social, mudando o seu


campo de aplicação, agora situado a meio caminho entre o social e o psicológico; b)
inscreveu no conceito uma consistência cognitiva bastante acentuada; c) delimitou
especificamente o seu campo de ação, ou seja, o cotidiano; e d) especificou a
representação como uma forma de conhecimento particular, relacionado com o senso
comum, com a interação social e com a socialização (XAVIER, 2002, p. 22).

As representações sociais são teorias da vida diária, servem para organizá-la e são
internalizadas pelos indivíduos que representam. “Nossas ideias, nossas representações são
sempre filtradas através do discurso de outros, das experiências que vivemos, das coletividades

56 Obra traduzida para o português como “A Representação Social da Psicanálise”, em 1977.


57 Quando deixa evidente a conexão entre as representações e as práticas sociais, o autor apresenta semelhança com o
pensamento de Durkheim. Para o último, as representações coletivas mantêm ou refazem os estados mentais dos grupos
humanos (DURKHEIM, 1996).
59

às quais pertencemos” (MOSCOVICI, 2003, p. 221). Com isso, o autor pretende marcar um
rompimento com o dualismo indivíduo/sociedade da perspectiva Durkheimiana e demarcar que,
apesar das representações sociais circularem nos dois campos, há predominância do social sobre
o individual:

O indivíduo sofre a pressão das representações dominantes na sociedade e é nesse meio


que pensa e exprime seus sentimentos. Essas representações diferem de acordo com a
sociedade em que nascem e são moldadas. Portanto, cada tipo de sociedade é distinto e
corresponde a um tipo de sociedade, às instituições e às práticas que lhe são próprias
(MOSCOVICI, 2001, p. 49).

No processo de representar o mundo, os indivíduos vão construindo o que o autor


intitula “teorias implícitas”, que orientam suas condutas: “As pessoas têm tendência a resistir
aos fatos e aos conhecimentos que não se coadunam com suas teorias implícitas”
(MOSCOVICI, 1985, p. 14). A importância deste conceito se dá na medida em que “a
informação que nos chega do mundo exterior é trabalhada não pela realidade neutra, mas por
teorias e pré-concepções implícitas, e que estas, por sua vez, trabalham o mundo para nós”
(MOSCOVICI, 1985, p. 19).
Moscovici (1985) indica que “na vida mental, muito além do que simples reações
de nossos sentidos, tudo é necessariamente social por natureza” (MOSCOVICI, 1985, p. 28).
Os indivíduos não são entendidos somente como receptores ou duplicadores de representações
e informações, mas sim como parte ativa do processo de representar, em suas interações
cotidianas, construindo-as, modificando-as e desempenhando papel ativo e dinâmico nessa
relação. Talvez esse seja o motivo principal pelo qual o autor advoga que as representações
sociais devem ser estudadas no campo da psicologia social (MOSCOVICI, 1985). Assim, ele
diferenciou-se da concepção estritamente sociológica de Durkheim – as representações como
entidades explicativas absolutas, irredutíveis a qualquer análise – e também se afastou da visão
estritamente psicológica do conceito, propondo uma visão psicossociológica, de acordo com a
qual as representações sociais têm natureza plástica, móvel e circulante. O conceito de
representações sociais se localiza no limite entre a Psicologia e a Sociologia, sendo tanto o
indivíduo como a sociedade implicados em sua construção (BRITO e CATRIB, 2004;
JODELET, 2001; MOSCOVICI, 2001).
Assim, a Teoria das Representações Sociais de Moscovici se constituiu num
modelo que critica o caráter individualizante de grande parte da pesquisa em psicologia social
na América do Norte (FARR, 1994) e também agrega ao debate sociológico o papel ativo dos
indivíduos que a constituem.
60

Reinserir a outrora recorrente questão das crenças e dos valores nos dispositivos
disponíveis à explicação sociológica, por meio da Teoria das Representações Sociais,
significa, igualmente, reinserir a discussão acerca do papel e do lugar da subjetividade
na teoria, em sua relação com o também requisito da objetividade, como condição para
a produção de conhecimento válido e relevante para a compreensão sociológica
(PORTO, 2010, p. 64).

As representações são simbólicas e “[...] se comunicam entre si, elas se combinam


e se separam, introduzem uma quantidade de novos termos e novas práticas no uso cotidiano e
‘espontâneo’” (MOSCOVICI, 2003, p. 200, grifo do autor). Elas funcionam como teorias
coletivas sobre o real, uma estrutura de implicações possíveis dos valores e das ideias
compartilhadas por grupos, sendo “partilhadas por um grande número de pessoas, transmitidas
de uma geração à seguinte e impostas a cada um de nós sem o nosso consentimento consciente”
(MOSCOVICI, 2001, p. 20). Sempre fazem alusão a um referencial de pensamento preexistente
em formas de crenças, ideologias, conhecimento – arrisco afirmar que aqui poder-se-ia incluir
o conhecimento científico. Cada novo fenômeno que os indivíduos devem incorporar aos seus
esquemas explicativos passará a ser familiar e aceitável.
Ao me apropriar da Teoria das Representações Sociais para discutir a violência
sexual contra crianças e adolescentes, também tomo por base as reflexões de Porto (2006) que
discute sociologicamente a violência na sociedade contemporânea, utilizando-se da teoria das
representações sociais. Para a autora, quando se opta por utilizar esta perspectiva analítica:

[...] subjetividade e objetividade são assumidas, tanto uma quanto a outra como
componentes fundamentais desta forma de relação social. Interrogado o componente
objetividade, violência seria o que os números e as estatísticas assinalam como tal,
fazendo ressaltar o caráter “inegável” da realidade do fenômeno. Por outro lado,
pensada de um ponto de vista subjetivo, violência precisaria considerar, igualmente, o
que diferentes indivíduos e sociedades reputam (representam) como violência.
Representação que poderia, em última instância, interferir na própria realidade da
violência, reforçando a necessidade de uma estratégia de análise que se interrogue sobre
as relações objetividade/subjetividade enquanto componentes que participam da
definição do fenômeno da violência e interferem nas práticas e nas representações que
diferentes grupos elaboram de tais práticas (PORTO, 2006, p. 264, grifo do autor).

Em que implicam essas reflexões quando voltamos nossa atenção à pergunta central
dessa tese: “Quais as representações sexuais sobre as vítimas para autores de violência sexual
contra crianças e adolescentes?”. Entendo que o referencial da Teoria das Representações
Sociais e o percurso metodológico descritos no presente Capítulo possibilitam, dentre outras
vantagens, conduzir ao campo de análise os indivíduos que cometem violências sexuais em
estreita relação com o contexto histórico, social, institucional e legal, o que discutirei no
61

Capítulo 2. Dessa forma, distancio-me de explicações estritamente individuais e


intrapsicológicas ou exclusivamente sociais, que pouco fazem referência ao indivíduo,
inscrevendo os AVS como indivíduos ativos, participantes, produtores e reprodutores do
contexto social em que vivem. Para tanto, optei por ter como ponto de partida as vozes dos
próprios AVS, como será evidenciado no Capítulo 3.
62

CAPÍTULO 2 - VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E


ADOLESCENTES: UM BREVE PANORAMA

O presente capítulo tem como proposta tecer considerações teóricas concernentes à


violência sexual contra crianças e adolescentes, considerando sua complexidade nos campos
histórico, social, psicológico, jurídico e institucional. Para tanto, realizo uma apresentação de
seis temas que considero de especial relevância, por contextualizarem as maneiras pelas quais,
enquanto sociedade, atualmente representamos os AVS, as violências que praticam e as vítimas:
1- o abuso e a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes: conceituação e
características; 2- adultos, crianças, adolescentes e sexualidade na história: diferentes
representações; 3- os AVS e a questão dos déficits de empatia pelas vítimas: recortes
conceituais nos campos da Psicologia e das Ciências Sociais; 4- a mídia e a violência sexual
contra crianças e adolescentes: alguns apontamentos; 5- marcos legais para o enfrentamento da
violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil; 6- políticas públicas e ações não
governamentais de atenção aos autores de violência sexual no Brasil.

2.1 O ABUSO E A EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES: CONCEITUAÇÃO


E CARACTERÍSTICAS

A violência sexual contra crianças e adolescentes é usualmente dividida em duas


modalidades: o abuso sexual (intra ou extrafamiliar) e a exploração sexual comercial. O
primeiro é conceituado por:

[...] qualquer contato ou interação entre uma criança ou adolescente e alguém em estágio
psicossexual mais avançado do desenvolvimento, na qual a criança ou adolescente
estiver sendo usado para estimulação sexual do perpetrador. A interação sexual pode
incluir toques, carícias, sexo oral ou relações com penetração (digital, genital ou anal).
O abuso sexual também inclui situações nas quais não há contato físico, tais como
voyeurismo, assédio e exibicionismo (HABIGZANG et al, 2005, p.341).

Dentre as duas modalidades, é o abuso sexual intrafamiliar que tem provocado o


maior número de estudos, atenção e interesse por parte da comunidade científica, bem como
pelas ações governamentais e não-governamentais. Ele tem sido considerado uma das piores
formas de violência sexual contra crianças e adolescentes, uma vez que “[...] é a inocência que
é traumaticamente atraiçoada no incesto” (FORWARD e BUCK, 1989, p. 30). É entendido
como altamente devastador, pois provoca profundas marcas em suas vítimas, desfazendo-se a
confiança da criança ou adolescente em um protagonista que, ao contrário, deveria protegê-las:
63

O incesto é mais comum do que se possa imaginar. Embora se manifeste de formas


muito diferenciadas, sua ocorrência é alvo de críticas e/ou punições na quase totalidade
das sociedades conhecidas em razão do tabu que o interdita e que procura restringir os
relacionamentos sexuais. O incesto é um tabu considerado universal, e sua transgressão
também o é (SCHMICKLER, 2006, p. 17).

Caso o abuso sexual intrafamiliar inicie-se quando as crianças são ainda bem
pequenas58 e ocorra por um período de tempo prolongado, ele passa a fazer parte da vida
familiar, dando a falsa sensação de que todos os atos sexuais configuram um padrão de
normalidade, que vai se anunciando de diferentes maneiras, consolidando-se em pequenos
hábitos do cotidiano por meio de códigos, sinais e mensagens. Assim, não são necessárias
ameaças explícitas às vítimas, conforme indicado nos estudos de Phelan (1995), que constatou
que apenas cinco, dos quarenta pais estudados, relataram ter assim procedido, dizendo às
crianças que eles iriam para a cadeia, se divorciariam de suas mães ou que as famílias perderiam
suas casas. Há ainda, nesses casos, o emprego de menos força física e, consequentemente,
menos ferimentos às vítimas, o que talvez indique algum grau de solicitude paterna (RICE e
HARRIS, 2002) ou uma tentativa de manter a violência em segredo (ESBER, 2009).
Diversas pesquisas dedicadas ao estudo do abuso sexual entendem que as
consequências para as vítimas situam-se nos âmbitos psicológico, psiquiátrico e da sexualidade.
Dentre estas, as psíquicas têm ganhado especial atenção: “As consequências psicológicas do
abuso sexual são as predominantes; o profundo efeito sobre o psiquismo manifesta-se em
mudanças comportamentais e em diversos tipos de transtornos mentais, de leves a graves”
(FIORELLI e MANGINI, 2011, p. 195). Lowenkron (2014), autora do campo das Ciências
Sociais, indica que existe em nossa sociedade:

[...] um processo de psicologização das vítimas de crimes sexuais, portanto de uma


patologização de seus efeitos: o trauma, dano de longo prazo, a dor interior, as
consequências disruptivas para o desenvolvimento da criança. A patologização da figura
do criminoso sexual, portanto a psicologização das causas do crime (LOWENKRON,
2014, p. 245).

Usualmente, os estudos apresentam quase que unanimidade quanto às repercussões


negativas para a saúde mental e sexual das vítimas: sofrimento psíquico, medo, trauma,
vergonha, raiva, ódio, consumo de álcool e outras drogas, transtornos mentais diversos e
dificuldades na vivência futura da sexualidade, vingança, revolta, sentimento de impotência,

58 Em trabalho anterior, analisei o relato de um pai que praticou violência sexual contra as duas filhas por um longo período de
tempo. Ao ser questionado sobre como havia sido o início dos abusos, ele afirmou que a filha tinha por volta de três anos e,
ao deitar-se na cama com ele e a esposa, “já ia mexendo nas partes que não podia” (ESBER, 2009, p. 167).
64

isolamento social, comportamentos violentos, mágoa, depressão e culpa (ATKESON et al.,


1982; CHARAM, 1997; FINKELHOR, 1979, 1986; FORWARD e BUCK, 1989; FURNISS,
1993; GABEL, 1997; ROTHBAUM et al., 1992; SERAFIM et al., 2009; SPENCER, A., 1999).
As consequências para a sexualidade das vítimas são relacionadas desde que as primeiras
pesquisas sobre a violência sexual começaram a surgir (CAPRIO, 1965; CHARAM, 1997;
FORWARD e BUCK, 1989; GRUNDLACH, 1977). Caprio (1965) analisa as consequências à
sexualidade de uma paciente que foi sexualmente violentada pelo pai e que cometeu aborto,
levada pela própria mãe:

É obvio que a incapacidade orgásmica desta doente representa o sintoma-consequência de


um trauma psíquico [...] Sua frieza sexual pode ser interpretada como punição auto-
inflingida, por haver permitido efetivar-se a violação incestuosa. Já havia deixado que o
pai numerosas vezes lhe acariciasse as partes sexuais, antes de realizar plenamente a cópula
com ela. Encontra escapamento para seu componente sadístico em fantasias de querer
matar o pai, bem como outras de análogo desejo de morte (CAPRIO, 1965, p. 204).

O desenvolvimento de condutas homossexuais subsequentes à violência era uma


preocupação de autores do final do século XX, época em que diversas sociedades levaram a
violência sexual ao debate público: “O problema do incesto é de grande importância, dado que
se inter-relaciona com a homossexualidade e, inconscientemente, está na raiz de muitas
dificuldades heterossexuais, como a impotência e a frigidez” (CAPRIO, 1965, p. 190); ou ainda:
“Elas jamais se permitirão um verdadeiro envolvimento com um homem. E seu horror de si
mesmas tende a projetar-se como hostilidade, o que dificulta muito sua amizade com outras
mulheres” (FORWARD e BUCK, 1989, p. 33); também: “O choque do estupro pode causar na
vítima uma aversão permanente às relações sexuais, com reações histéricas diante de qualquer
ato ou atitude de um homem, interpretado como tendo conotação sexual” (CHARAM, 1997, p.
161).
Excetuando-se Caprio (1965), cujos casos clínicos fazem referência a meninos
vítimas e mulheres autoras de violência, os demais pesquisadores, nos trechos acima,
especificam as consequências para a sexualidade das meninas vítimas de homens AVS. Tal
característica também se fez presente nas narrativas dos entrevistados, conforme será mostrado
nas seções 3.2.1.1, 3.2.1.3 e 3.2.2.4. Não é objetivo da presente tese aprofundar na
complexidade do debate da categoria gênero na violência sexual, contudo, faz-se mister,
mostrar que esta categoria perpassa tanto as narrativas dos homens que a praticam, como
também os enunciados da própria literatura especializada. “A visibilidade do fenômeno da
violência é, assim, recortada por gênero, correspondendo às identidades sociais de homens e
mulheres construídas em relações sociais” (SARTI et al., 2006, p. 174).
65

Avalio que a compreensão de que existam consequências para a sexualidade das


vítimas se faz ainda bastante presente nos dias atuais: “A pessoa pode enfrentar dificuldades de
ajustamento sexual (repulsa ao contato íntimo com pessoas de outro sexo; derivação para a
homossexualidade; repulsa à prática de relações sexuais)” (FIORELLI e MANGINI, 2011, p.
195); ou ainda: “Entre as inúmeras disfunções no campo da sexualidade, acentuam-se o medo
da intimidade, a negação do relacionamento sexual, a perda da motivação sexual e a insatisfação
com a prática sexual” (FIORELLI e MANGINI, 2011, p. 196).
Ainda discutindo sobre a sexualidade das vítimas, alguns autores (FINKELHOR,
1979; FORWARD e BUCK, 1989; OKAMI, 1991) entendem que as formas pelas quais
crianças e adolescentes reagem sexualmente aos atos sexuais praticados por adultos podem ser
as mais diversas, como medo, nojo, rejeição, raiva e também prazer sexual:

[...] muitas vezes, a vítima gosta das carícias incestuosas – elas podem representar a
única manifestação de afeto que ela jamais conheceu [...]. Em outros casos, porém, a
vítima sente dor, medo e repugnância [...] Seja qual for a razão, a vítima se encerra num
mundo de segredo – um mundo de vergonha, desespero e culpa –, onde se sente isolada
de todas as pessoas (FORWARD e BUCK, 1989, p. 32).

Finkelhor (1979) realizou pesquisa com setecentos e noventa e seis pessoas de todas
as idades, sendo quinhentas e trinta mulheres e duzentos e quarenta e seis homens. Constatou
um baixo – mas existente – índice de 8% de respondentes que relataram ter sentido prazer sexual
durante as experiências sexuais com adultos. Para o autor, isto não significa que estes teriam
gostado ou não sofreriam danos advindos da experiência. Similarmente, Okami (1991)
pesquisou pessoas que relataram experiências sexuais intergeracionais durante a infância ou
adolescência, sendo trinta e sete homens e vinte e seis mulheres. Algumas classificaram-nas
como positivas e não referiram danos a ela relacionados, indicando o prazer, o desejo ou a
satisfação sexual como importantes aspectos desta experiência. Para estes casos, foi constatada
ausência do uso da violência física. Contrariamente, outros pesquisados consideraram o contato
sexual com adultos a partir de um componente de coação e trauma, traduzido por uma
experiência negativa e abusiva, nomeada como violência sexual. Quase 80% desses últimos
tinham maior grau de proximidade com os seus AVS, o que indicou que as violências praticadas
por pessoas mais próximas são majoritariamente entendidas como aversivas.
Pesquisas brasileiras ainda se silenciam quanto à discussão sobre o possível prazer
sexual de crianças e/ou adolescentes, a partir da estimulação sexual inevitavelmente realizada
por um adulto no decorrer da violência sexual, como toques, masturbação ou sexo oral,
usualmente perpetrados sem o uso de força física. Encontrei referência a esta possibilidade no
66

site oficial da Childhood Brasil, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIP) que trabalha para influenciar a agenda de proteção da infância e adolescência:

No caso de ter experimentado prazer físico, excitação ou intimidade emocional com o


abuso, a criança provavelmente se sente confusa, o que a impedirá de falar. A fim de
manter o ato em segredo, o abusador joga com o medo, a vergonha ou a culpa de sua
vítima. Vale ressaltar que não existem situações nas quais uma criança seja responsável
por qualquer interação sexual com um adolescente ou um adulto59.

Entretanto, entender que crianças podem sentir prazer não significa minimizar os
efeitos negativos da violência sexual. Ela pode provocar diversos tipos de consequências como
as listadas acima e as vítimas acabam sendo condicionadas e acostumadas ao padrão de
relacionamento abusivo, tornando-se apáticas, tendo suprimida sua capacidade de pensar
criticamente e identificar tais contatos sexuais como violência, ou ainda de revelar o que ocorre
a alguém. Contribui para isso o fato de que, nas famílias, tem-se historicamente vivenciado uma
lógica hierárquica de obediência e silêncio dos filhos em relação aos pais, aos adultos e à
educação familiar imposta: “O silêncio estava presente como condição necessária à boa
educação não só de mulheres, mas também das crianças, não lhes cabendo, em hipótese alguma,
ostentar qualquer visibilidade” (SUBIRATS, 1986 apud FELIPE, 2000, p. 120). A violência
solidifica, assim, seu lugar no âmbito privado e doméstico, acarretando o silêncio das vítimas,
provocando um crescendo na sua vulnerabilidade. Isto tem sido ligado ao excesso de autoridade
parental dentro da família, relacionado por importantes estudiosos da literatura especializada
(FINKELHOR, 1986) e por pesquisadores de uma perspectiva feminista que interpretam a
violência sexual a partir da categoria de gênero (AZEVEDO e GUERRA, 1988, 1989;
SAFIOTTI, 1989) como um elemento contextual importante que facilitaria homens a cometer
a violência. Lamentavelmente, isso não se diluiu até os dias de hoje, apesar dos avanços sociais
que buscam garantir direitos de mulheres, crianças e adolescentes e reposicionar seus lugares
dentro da família e da sociedade. Ainda somos machistas, racistas e sexistas.
São diversos os motivos que contribuem para o silenciamento das vítimas: pensar
que podem ser desacreditadas ou que pode haver uma defesa ao autor da violência, sendo elas
próprias punidas e culpabilizadas pela interação sexual; o receio de que a situação permaneça
mantida no silêncio, mesmo após a revelação; o medo de que a família possa se desintegrar e
inúmeros outros. Para o caso das adolescentes, esse sentimento é potencializado, uma vez que

59 Disponível em: <http://www.childhood.org.br/>. Acesso em: 10 jan. 15.


67

podem ser elas as acusadas e culpabilizadas por ter sexualmente seduzido seus pais, os
companheiros de suas mães, tios ou outros.
Dentre todos os protagonistas da violência sexual, o pai incestuoso é o ofensor mais
incompreendido (FORWARD e BUCK, 1989). Ele reúne, em si, diversos tipos de contradições
que confundem as vítimas, as famílias e a sociedade, pois: 1- borra as fronteiras entre duas
facetas da paternidade entendidas como incompatíveis e antagônicas: a da proteção e a da
violência; 2- apesar de praticar a violência sexual – atos usualmente entendidos como inumanos
e monstruosos – são usualmente pessoas agradáveis, educadas e de um bom relacionamento
interpessoal, sustentando identidades de bons sujeitos, trabalhadores, pais de família,
respeitadores das leis e cumpridores de uma aparente moral e ética nas relações (FIORELLI e
MANGINI, 2011; FORWARD e BUCK, 1989; SCHMIKLER, 2006); 3- a posição do adulto e
de sua sexualidade na violência sexual intrafamiliar é paradoxalmente infantil e imatura
(PERONE e NANNINI, 2002). Todas essas três contradições acabam por confundir as vítimas,
inverter as barreiras intergeracionais (SCHMICKLER, 2006) e os papeis familiares, bem como
estabelecer relações pseudo-igualitárias. Estas características podem ser constatadas na fala de
Jonas60, entrevistado da presente pesquisa:

Jonas: Eu conversava, pedia perdão a ela. [Ela falava]: “Ó papai, o senhor sabe que não
é licito. Tem a mamãe”. [E eu respondia]: “Ó minha filha, me perdoa porque eu fui cair
[abusar] de novo”. Sempre eu conversava: “Eu não vou fazer mais não vou, não vou.
Vou tentar de novo”. O que acontece? Em casa era uma maravilha, um brinco. Como se
diz, era uma paz: “Ó papai, eu estou achando tão bom pela atitude”. Não gosto nem de
me lembrar. Ela me dava conselho. Minha filha me dava conselho! Passava aquela
temporada boa com a minha família. Aí, quando é fé, parece que desmoronava tudo.
Parece que ficava cego, parece que nada era ilícito não... Parece que não era o Jonas.
Tem hora que eu penso isso aí. Será que era o Jonas, será que minha mente sumia? Será
o que acontecia? Mas estava sabendo que era errado. // Sentia aquela: “Não pode, não
pode, não pode. Isso aí é um absurdo.” Eu fiquei assim de uma forma que eu era uma
pessoa que não sabia o que era bom e o que era ruim, ali minha mente estava trancada,
eu só pensava só nisso.

Note-se que Jonas praticou a violência sexual contra sua filha por um tempo
prolongado61, em plena consciência da ilicitude de seus atos. Esta mesma característica também
foi encontrada em um pai AVS estudado em pesquisa anterior (ESBER, 2009), Renato, que
desejou não mais praticar a violência mesmo quando ela ainda estava em curso. Da mesma
forma, Phelan (1995) encontrou que vinte e nove, dos quarenta pais AVS em seu estudo,
caracterizaram seu comportamento como inadequado do ponto de vista moral, conjugal ou

60 Todos os participantes da pesquisa serão apresentados na seção 3.1.


61 Para fins da presente análise, considerar-se-á violência prolongada qualquer situação que tenha ocorrido por mais de uma
vez com a mesma vítima.
68

jurídico. Eles também entendiam as consequências sociais de seus atos, caso fossem
descobertos. Isso também foi constatado nas narrativas evidenciadas ao longo de toda a análise
empreendida no Capítulo 3: não lhes faltam a internalização dos valores e das normas da
sociedade no que diz respeito à ilicitude dos atos que praticam. Eles possuem também amplo
conhecimento sobre as consequências maléficas da violência sexual para as vítimas.
No que diz respeito ao papel das mães, ele é no mínimo enigmático e complexo,
como evidenciam Café (2004), Narvaz (2005), Perone e Nannini (2002) e Suárez e Bandeira
(1999). Elas podem ser totalmente alheias à violência sexual que ocorre dentro de suas casas;
há aquelas que percebem a violência, mas que não tomam nenhum tipo de atitude para proteger
suas filhas, manifestando permissividade e silenciamento, apesar de não participarem
ativamente da interação abusiva (ESBER, 2009; HABIGZANG et al., 2005); existem ainda
situações em que elas participam ativamente da violência sexual (HABIGZANG et al., 2005).
Como já discutido na seção 1.4, os personagens mulheres autoras de violência sexual e mães
incestuosas são ainda quase que inexplorados e intactos na sociedade brasileira.
Findada essa breve reflexão sobre a modalidade de violência sexual intitulada abuso
sexual contra crianças e adolescentes, passo a discorrer sobre um outro tipo de violência sexual:
a ESCCA. Essa prática é marcada pela intermediação financeira entre crianças e adolescentes
e seus “clientes” e é caracterizada como:

[...] uma violação fundamental dos direitos da criança. Esta compreende o abuso sexual
por adultos e a remuneração em espécie ao menino ou menina e uma terceira pessoa ou
várias. [...] constitui uma forma de coerção e violência contra crianças, que pode
implicar o trabalho forçado e formas contemporâneas de escravidão (ECPAT, 2002
apud LIBÓRIO, 2004, p. 22).

A ESCCA pode ser subdividida em quatro modalidades, com diferentes


particularidades (FALEIROS, E., 2004; LIBÓRIO, 2004): 1- a prostituição é uma atividade na
qual qualquer ato sexual é negociado em troca de pagamento, seja ele monetário, em roupas,
drogas ou outros; 2- o turismo sexual consiste no comércio do sexo que ocorre principalmente
em cidades turísticas, envolvendo turistas nacionais e estrangeiros; 3- a pornografia é
caracterizada pela produção, exibição (divulgação), distribuição, venda, compra, posse e
utilização de material pornográfico e, por fim; 4- o tráfico de pessoas foi conceituado pela
Assembleia das Nações Unidas (2000) como o:

[...] recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de


pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à
fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega
69

ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa


que tenha autoridade sobre outra, para fins de exploração (NAÇÕES UNIDAS, 2000).

Existe pouco reconhecimento social da ESCCA como uma violência que produz
consequências para suas vítimas na mesma dimensão que o abuso sexual (FALEIROS, E.,
2004). Ao contrário, existe certo consenso social de que as meninas e meninos envolvidos com
a ESCCA, ao terem tido relacionamentos sexuais prévios, consentirem ou até mesmo
oferecerem o sexo para adultos, não mais poderiam ser consideradas como vítimas, pois já
teriam perdido a inocência e a assexualidade, conforme estudos de Cerqueira-Santos et al.
(2008) e Morais et al. (2007).
Entretanto, estudiosos da ESCCA têm defendido que isso não descaracterizaria tal
relação como abusiva, dadas as diferenças desenvolvimentais, sociais, econômicas e culturais
entre os envolvidos (LIBÓRIO, 2004; SANTOS, 2004; SANTOS e SOUZA, 2008). Nesta
mesma direção, a End Child Prostitution, Child Pornography and Trafficking of Children for
Sexual Purposes (ECPAT62) explicita “os riscos implicados na saúde dos explorados
sexualmente e enfatiza os severos prejuízos psicológicos em longo prazo sofridos por essas
pessoas, como a diminuição de sua autoestima e abalos no sentimento de confiança em outros
indivíduos” (ECPAT, 2002 apud LIBÓRIO, 2004, p. 33). Isso se dá porque a ESCCA reúne,
em si mesma, diversos tipos de violência:

A violência estrutural (em cujo interior encontramos a exclusão social, a influência da


globalização e da imposição das leis do mercado), a violência social (expressa nas
dimensões de gênero, raça/etnia e geracional) a violência interpessoal (presente nas
relações interpessoais, tanto intra como extrafamiliares, aspectos psicológicos (a
construção da identidade e o processo de vulnerabilização), sendo entendidos dentro do
contexto da adolescência/sexualidade/violência e violação de direitos (LIBÓRIO, 2004,
p. 26).

É no sentido de reiterar a ESCCA como uma violência que alguns autores têm
criticado o termo “prostituição infanto-juvenil”, pois ele se refere às práticas sexuais de
mulheres ou homens adultos e implica a possibilidade de opção voluntária por tal modo de vida.
Para o caso das crianças e dos adolescentes, a expressão ocultaria a natureza do comportamento
sexualmente abusivo (LIBÓRIO, 2004; SANTOS, 2004).

Por passar uma ideia de que as crianças, e especialmente as adolescentes, têm alguma
autonomia para decidir se querem ou não se prostituir, que são sujeitos de uma relação
crivada pela “dominação-exploração”, seja de classe, de gênero, comercial ou sexual.
Como se pudessem decidir livremente, sem outras injunções, sem o caráter de violência,
aqui inclusive sexual, o seu destino. A adolescente é assim considerada porque está

62 Pelo fim da prostituição de crianças, pornografia de crianças e tráfico de crianças para propósitos sexuais (tradução nossa).
70

numa fase de transição, de mudanças, de amadurecimento físico-emocional e sexual


(SANTOS, 2004, p. 242, grifo do autor).

Para demarcar claramente o locus da menina envolvida com a ESCCA como vítima,
Libório (2004) sugere a substituição da expressão “prostituição” por “adolescente
prostituído(a)”. Outro termo empregado para estes casos é “adolescente explorado”, que:

[...] é utilizado pela militância no lugar dos termos “prostituição” e “pornografia” para
enfatizar a condição passiva das crianças ou adolescentes que se envolvem nessas
atividades, diferenciando-a, radicalmente, da prostituição e pornografia adultas, ao
negar qualquer dimensão de escolha. O objetivo é se opor à visão, classificada pelos
militantes dos direitos da criança como “tradicional” e “conservadora”, que
responsabiliza a criança e, principalmente, a adolescente, a partir da uma acusação
moral de “promiscuidade”, assumindo como voluntária a condição de prostituição das
jovens (LOWENKRON, 2010, p. 17, grifos do autor).

Um personagem ainda quase que inexistente nas discussões científicas, do senso


comum e da mídia sobre a ESCCA é o cliente, a pessoa que paga para fazer sexo com crianças
e adolescentes. Os estudos brasileiros ainda são escassos, conforme evidenciado por Cerqueira-
Santos et al. (2008). Encontrei apenas dois títulos que se propuseram a discutir sobre os clientes,
sendo um deles focado nos clientes ou não clientes (MORAIS et al., 2007). Os autores
investigaram os condicionantes da exploração sexual de crianças e adolescentes a partir da
percepção de duzentos e trinta e nove caminhoneiros. O segundo estudo foi realizado por
Cerqueira-Santos et al. (2008), que analisaram comparativamente dois grupos de
caminhoneiros, classificados como “clientes” e “não clientes” da exploração sexual de crianças
e adolescentes.
Apesar de sua invisibilidade social, o cliente da ESCCA obviamente tem papel
“fundamental para a manutenção do comércio sexual com crianças e adolescentes e a
consequente sustentação das redes de aliciadores, traficantes e agenciadores/cafetões da
ESCCA” (CERQUEIRA-SANTOS et al., 2008, p. 453). Se não houvesse a procura, a oferta
seria inexistente. Já os aliciadores da ESCCA são personagens ainda mais desconhecidos,
científica e socialmente. Desconheço estudos nacionais que os tenham como sujeitos, tornando-
o outro assunto ainda ignorado na violência sexual contra crianças e adolescentes.
Para finalizar, pontuo que os estudos supramencionados entendem que qualquer
criança e adolescente envolvidos em atos sexuais com adultos são consideradas vítimas de
violência sexual e, em hipótese alguma poderão ser responsabilizadas por tal interação.
Apresento o mesmo tipo de compreensão, expressa no conceito parâmetro de vítimas de
violência sexual, qualificado na seção 1.6.
71

2.2 ADULTOS, CRIANÇAS, ADOLESCENTES E SEXUALIDADE NA HISTÓRIA: DIFERENTES


REPRESENTAÇÕES

A atual preocupação em preservar crianças, adolescentes e suas sexualidades de


qualquer risco ou violência nem sempre existiu ao longo da história da humanidade. Ela é
proveniente de diversas mudanças estruturais, legais e paradigmáticas, ocorridas mais
intensamente no Brasil e no mundo a partir do final do século XX, como evidenciarei adiante.
Desde então, as sociedades de diversos países passaram a representar crianças e adolescentes
como merecedores de atenção, carinho, esforço e proteção (MEYER, 2007), que devem ser
livres de quaisquer tipos de violação de direitos.
Recorro às obras de Ariès (1960), Foucault (1988) e de outros autores, cujo
principal legado foi a desnaturalização da sexualidade, para evidenciar que nem sempre as
práticas sexuais de adultos com crianças e adolescentes foram entendidas como violências
sexuais e que “novas regras de decência” (FOUCAULT, 1988, p. 21) se sucedem
continuamente governando o sexo ao longo da história. Os autores mostraram que são
numerosas as maneiras pelas quais foram concebidas a sexualidade e as interações sexuais entre
adultos e crianças/adolescentes, bem como os dois principais protagonistas daquilo que
atualmente se nomeia como violência sexual: os autores e as vítimas.
Ariès (1960), historiador francês, ao evidenciar como se deram as alterações de
significado sobre a infância e sua sexualidade na Europa ocidental, argumentou que a criança
foi representada na iconografia de maneiras diferenciadas ao longo da história: como adultos
em miniatura no século XI, anjos no século XIII e seres sagrados63 até o século XVI. Mesmo
assim, contudo, coexistiram práticas e permissividades sexuais entre elas e os adultos até o
início do século XVII, quando eram corriqueiros tanto a exposição, como o toque dos genitais:
“Essa prática familiar de associar crianças às brincadeiras sexuais dos adultos fazia parte do
costume da época e não chocava o senso comum” (ARIÈS, 1960, p. 77). Até o século XVI, a
família era composta por pais, filhos, genros, noras, servidores, escravos e amas que dormiam
juntos, despiam-se, faziam sexo e circulavam em seminudez ou nudez. Assim,

Essa ausência de reserva diante das crianças, esse hábito de associá-las a brincadeiras
que giravam em torno de temas sexuais para nós é surpreendente: é fácil imaginar o que
diria um psicanalista moderno sobre essa liberdade de linguagem, e mais ainda, essa
audácia de gestos e esses contatos físicos. Este psicanalista, porém, estaria errado. A
atitude diante da sexualidade, e sem dúvida a própria sexualidade, variam de acordo
com o meio, e, por conseguinte, segundo as épocas e as mentalidades (ARIÈS, 1960, p.
78).

63 Por meio das imagens do Menino Jesus e de Nossa Senhora Menina.


72

Contudo, a interdição desses comportamentos sexuais entre crianças e adultos


ocorria quando elas adentravam na idade adolescente:

[...] com consciência limpa e publicamente, gestos e contatos físicos que só passavam a
ser proibidos quando a criança atingia a puberdade, ou seja, praticamente, o mundo dos
adultos. Isso acontecia por duas razões. Primeiro, porque se acreditava que a criança
impúbere fosse alheia e indiferente à sexualidade. Portanto, os gestos e as alusões não
tinham consequência sobre a criança, tornavam-se gratuitos e perdiam sua
especificidade sexual – neutralizavam-se. Segundo, porque ainda não existia o
sentimento de que as referências aos assuntos sexuais, mesmo que despojadas nas
práticas de segundas intenções equívocas, pudessem macular a inocência infantil – de
fato ou segundo a opinião que se tinha dessa inocência. Na realidade, não se acreditava
que essa inocência realmente existisse (ARIÈS, 1960, p. 80).

Quando ocorreram, no final do século XVI, alterações nos sentimentos sobre


família, conjugalidade, sobrevivência dos filhos e espaço privado, a ideia do despudor e
imoralidade das crianças foi contraposta pela concepção de inocência e pureza infantil. À época,
duas características tornaram-se significativas: 1- o cerceamento das práticas sexuais de adultos
com crianças e 2- a consolidação da ideia da criança como um ser dessexualizado e assexuado.
Com isso, a sexualidade genital de crianças passou a ser compreendida como um desvio do
processo de amadurecimento do corpo infantil. A Medicina do século XVII foi ratificando tal
concepção, na medida em que supunha que a sexualidade em crianças provocaria a “[...]
esterilidade, a impotência, a frigidez, a incapacidade de sentir prazer, a anestesia dos sentidos.”
(FOUCAULT, 1988, p.143), pois “A sexualidade precoce foi considerada como ameaça
epidêmica que corre o risco de comprometer não somente a saúde futura dos adultos, mas o
futuro da sociedade e de toda a espécie.” (FOUCAULT, 1988, p.137). Assim,

Alguns historiadores têm mostrado que a dessexualização da criança é fenômeno


recente na história ocidental, e que até meados do século XVII, meninos e meninas –
inclusive nos palácios reais – viam, falavam, ouviam e agiam com mais soltura em
matéria de sexo do que seus sucessores do período vitoriano (MOTT, 1991, p. 45).

Também contribuiu para a dessexualização de crianças a propagação do catolicismo


que, a partir do século XVIII, reafirmou a imagem da criança como um ser inocente, assexuado,
puro e livre dos pecados do sexo, processo esse nomeado como sacralização da criança por
Zelizer (1985 apud MEYER, 2007). Foi naquele mesmo século que se vivenciou uma
preocupação em relação ao “sexo do colegial” (FOUCAULT, 1988, p. 30), quando médicos,
pedagogos, e professores voltaram-se para os seus alunos com o objetivo de tecer advertências,
pareceres e observações: “A partir do século XVIII, o sexo das crianças e dos adolescentes
passou a ser um importante foco em torno do qual se dispuseram inúmeros dispositivos
73

institucionais e estratégias discursivas” (FOUCAULT, 1988, p. 32), expressos na própria


arquitetura e nos regulamentos de exercício disciplinar da instituição colegial. Segundo
Foucault (1988), a pedagogização do sexo da criança foi um dos quatro grandes conjuntos
estratégicos que desenvolveram dispositivos de saber e poder sobre o sexo no século XVIII.
Ela se consistiu em uma:

[...] dupla afirmação, de que quase todas as crianças se dedicam ou são suscetíveis de
se dedicar a uma atividade sexual; e de que tal atividade sexual, sendo indevida, ao
mesmo tempo “natural” e “contra a natureza”, traz consigo perigos físicos e morais,
coletivos e individuais; as crianças são definidas como seres sexuais “liminares”, ao
mesmo tempo aquém e já no sexo, sobre uma perigosa linha de demarcação; os pais, as
famílias, os educadores, os médicos e, mais tarde, os psicólogos, todos devem se
encarregar continuamente desse germe sexual precioso e arriscado, perigoso e em
perigo; essa pedagogização se manifestou sobretudo na guerra contra o onanismo, que
durou dois séculos no Ocidente (FOUCAULT, 1988, p. 99, grifos do autor).

Direcionando a análise às crianças e aos adolescentes vítimas de violência sexual,


Finkelhor (1979) indica a existência das seguintes teorias ao longo da história: 1- teoria da
criança que atua sexualmente, que prevê que estas encorajam os adultos a sexualmente
aproximar-se delas pela sedução; 2- teoria da criança sem defesa, que alega que estas tendem a
colaborar em sua vitimização por falhar em tomar ações de autoproteção e não tomar
providências para parar com os abusos, quando aproximadas por adultos. Assim, a “[...] ideia
que crianças são responsáveis por sua própria sedução tem estado no centro de quase todos os
escritos sobre o abuso sexual desde que o tópico foi inicialmente abordado” (FINKELHOR,
1979, p. 24). Bender e Blau (1937), por exemplo, pesquisaram um grupo de dezesseis crianças
admitidas em um hospital de Nova York, com idades entre cinco a doze anos, depois de
sofrerem violência sexual. Destas, sete “mostraram menos evidência de medo, ansiedade, culpa
ou trauma psíquico do que poderia ser esperado” (BENDER e BLAU, 1937, p. 510). A partir
disto, os autores consideraram “[...] a possibilidade de que a criança pode ter sido a verdadeira
sedutora, ao invés daquela inocentemente seduzida” (BENDER e BLAU, 1937, p. 514).
Finkelhor (1979) contesta o tipo de teorização que culpabiliza as vítimas, avaliando
que, felizmente nos últimos anos, como resultado de uma consciência coletiva levantada pelo
movimento feminista quanto ao estupro, os investigadores têm estado mais cautelosos.
Entretanto, longe de termos superado tal tipo de concepção, a culpabilização das vítimas está
presente até os dias de hoje nos discursos do senso comum, da mídia, de instituições sociais e
também de pesquisadores, conforme será evidenciado adiante.
Proponho que as categorias crianças, adolescentes, adultos, sexualidades, autores e
vítimas de violência sexual sejam entendidas a partir da premissa de que houve, no Brasil,
74

normalização de práticas sexuais anteriormente condenáveis – como a masturbação,


pornografia e o adultério – e criminalização de outras, como a violência sexual (DUARTE,
2004). Assim, é possível afirmar que percorremos um caminho histórico no qual significados
sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes foram construídos e reconstruídos:

Construo esses quatro eixos a partir da identificação dos seguintes deslocamentos


históricos nas formas de entender a “violência sexual”: i) da violência física à violência
moral; ii) da ameaça à honra das famílias à violência contra a pessoa; iii) da ênfase no
gênero à ênfase na geração; iv) dos atos criminosos aos indivíduos perigosos. Sugiro
que esses quatro deslocamentos articulados fazem aparecer uma nova ideia de violência
que se situa entre o crime e a perversão sexual (a pedofilia), uma nova vítima
privilegiada (a criança abusada), um novo efeito (o trauma e a desestabilização psíquica)
e um novo personagem ou um novo nome para aquele que protagoniza esse tipo de
“ataque” (o pedófilo) (LOWENKRON, 2014, p. 233, grifo do autor).

Entretanto, desde o tempo do Brasil Colônia, violências físicas, sexuais, abandono


e negligência foram a grande tônica da história da infância. Apesar de que o “sentimento de
valorização da criança enquanto um ser cheio de graça e vulnerabilidade corrente na Europa
estava presente no coração dos jesuítas, que entendiam o pequeno indígena como ‘um inocente
... mui elegante e formoso’” (DEL PRIORE, 1991, p. 13, grifo do autor), seus vícios e pecados
eram enfrentados com açoites e castigos corporais. Era assim que elas eram catequisadas,
educadas e disciplinadas:

O desprezo, o desrespeito e a violência contra a infância sempre muito presentes na


história da civilização humana, embora muitas vezes camuflados por confortáveis
fantasias que aliviavam a culpa dos adultos, que maltratavam a criança em nome de
Deus ou por outra justificativa disciplinadora. Aos pais, durante muitos e muitos
séculos, até passado muito próximo, foi permitido bater e aplicar em seus filhos
qualquer sorte de castigo ou punição, mas na Antiguidade este poder era absoluto,
defendido e difundido entre todas as classes sociais, de uma maneira inquestionável, até
mesmo pela igreja da época (RIZZO, 2006, p. 22).

Assim, as relações entre adultos e crianças e/ou pais e filhos brasileiros estiveram
historicamente permeadas por compreensões autoritárias sobre socialização e educação,
baseadas na aplicação de castigos físicos e nas mais diversas formas de violência, acrescidos
da impunidade dos vitimizadores (FALEIROS e CAMPOS, 2000). Foi somente no final do
século XIX que, de acordo com Felipe e Guizzo (2003), iniciou-se no Brasil um movimento
criação de leis que visassem garantir sua proteção e bem-estar. Isto provocou, dentre outros,
maior controle de sua sexualidade:

Passou-se, então, da indiferença para com os abusos e práticas sexuais envolvendo


crianças, durante vários séculos, à vigilância constante da sexualidade infantil, bem
75

como de outras sexualidades, vistas a partir de então como potencialmente doentias e


perigosas (FELIPE e GUIZZO, 2003, p. 123).

O século XX foi determinante para o avanço na garantia de direitos de crianças e


adolescentes e para sua proteção contra as mais distintas formas de violência, dentre elas a
sexual. A partir da década de 1940, discursos médicos, psicológicos e pedagógicos se focaram
na ideia de que a criança possuía características especiais, próprias de sua idade (FELIPE,
2000). Visando controlar quaisquer manifestações de prazer que pudessem despertar o interesse
erótico de crianças e adolescentes, toda sua educação buscava esconder contato direto com
qualquer material que despertasse nelas a curiosidade ao sexo, pois era entendida por estudiosos
da época “como preocupante e perigosa, devendo ser submetida a um rigoroso controle e
vigilância desde os primeiros anos de vida” (FELIPE, 2000, p. 124).
Ao fim do século XX, a partir de reinvindicações da sociedade civil brasileira,
novos paradigmas sobre crianças e adolescentes foram estabelecidos pelo ECA (BRASIL,
1990) e por outros instrumentos legais, como será debatido na seção 2.5. Agora, suas
sexualidades deveriam ser salvaguardadas, dada sua condição de “pessoas em
desenvolvimento” (BRASIL, 1990, Art. 6º). Uma das principais preocupações relacionadas à
sexualidade referiu-se ao uso e à exploração sexual de crianças, em suas mais diversas formas:
pornografia, prostituição, estupro e incesto (LANDINI, T., 2000), pois “Os casos multiplicados
de abuso sexual exporiam publicamente o que antes era segredo: a destruição da inocência”
(DEL PRIORE, 2011, p. 155). Socialmente, passa-se a interpretar que, ao impor uma
sexualidade à qual a criança ou adolescente não estariam físicas ou emocionalmente preparadas,
a violência sexual constituir-se-ia no fim da infância (MEYER, 2007), ou na traição da
inocência (FORWARD e BUCK, 1989), pois:

Crianças são estruturalmente dependentes e imaturas, precisando de proteção, cuidado


e atenção dos pais. Não são capazes de compreender plenamente situações sexuais e não
têm condições de consentir com discernimento sobre sua participação em experiências
propostas por adultos (SCHMICKLER, 2006, p. 84).

Produzido agora este consenso social brasileiro sobre a vulnerabilidade, inocência,


pureza e ingenuidade sexual de crianças e adolescentes, coloca-se a violência sexual como um
dos crimes de maior atrocidade que se poderia cometer contra elas (LOWENKRON, 2010).
Contudo, a sociedade brasileira por diversas vezes oscilou entre as polaridades inocência sexual
e de erotização de crianças, tanto na história (DEL PRIORE, 2011), como também atualmente,
pois vivenciamos contradições entre:
76

[...] criar leis e sistemas de proteção à infância e adolescência contra a violência/abuso


sexual, mas ao mesmo tempo legitima determinadas práticas sociais contemporâneas,
seja através da mídia – publicidade, novelas, programas humorísticos –, seja por
intermédio de músicas, filmes etc., onde os corpos infanto-juvenis são acionados de
forma extremamente sedutora. São corpos desejáveis que misturam em suas expressões
gestos, roupas e falas, modos de ser e de se comportar bastante erotizados (FELIPE,
2006, p. 216).

Em última instância, a erotização de crianças e adolescentes as retrata como


sexualmente sedutoras de homens adultos, em um movimento de culpabilização das vítimas
pela violência sexual sofrida. Como evidenciado por Lowenkron (2011), o estereótipo das
meninas sedutoras aparece nos discursos de instituições de grande importância para a sociedade
brasileira, como o Senado Federal que, entre 2008 e 2010, conduziu a CPI da Pedofilia64. A
autora supracitada constatou que, em alguns momentos, a vítima passou a ser acusada de
sedução ou até mesmo de cumplicidade, principalmente por não ter denunciado a violência
assim que começou a ocorrer. Este tipo de concepção teve robustez, no Brasil, no mínimo desde
a década de 90 e, mesmo que em menor intensidade, faz-se presente até os dias atuais. Isto pode
ser observado pela análise de Lowenkron (2007) sobre os discursos dos ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) no julgamento de um caso de abuso sexual ocorrido em 199665. O réu
era um homem de vinte e quatro anos, inocentado pelo STF, mas condenado nas duas instâncias
do Tribunal de Justiça de Minas Gerais por cometer estupro contra uma menina de doze anos.
Alguns ministros descontruíram “a menoridade da menina ao descaracterizar, no caso, a pureza,
a inocência e a vulnerabilidade associadas à imagem infantil, locus privilegiado da menoridade”
(LOWENKRON, 2007, p. 729). Outros buscaram garantir proteção à criança “[...] apesar de
sua experiência sexual anterior e aparência física precoce” (LOWENKRON, 2007, p. 729).
Alguns deles argumentaram que o acusado “[...] não poderia prever a menoridade da vítima,
porque ela tinha aparência e conduta de pessoa madura, não era mais virgem ou inocente, mas
experiente e promíscua” (LOWENKRON, 2007, p. 725). Pesquisadores da mesma época do
julgamento manifestavam-se contrariamente ao tipo de representação social vigente que
culpabilizava as vítimas de violência sexual: “Quem não conhece a versão de que a vítima é a
culpada? Foi preciso muito esforço para explicar que uma criança de dois anos, ou uma mulher
de oitenta e cinco não seduzem seus estupradores” (AZEVEDO e GUERRA, 1988, p. 10); ou

64 Essa CPI foi presidida pelo Senador Magno Malta, cujo relatório é público e encontra-se disponível em:
<http://www.senado.gov.br/noticias/agencia/pdfs/RELATORIOFinalCPIPEDOFILIA.pdf>. Acesso em: 10 maio 2011.
65 Observe-se que o julgamento aconteceu apenas seis anos depois da promulgação do ECA (BRASIL, 1990), instrumento legal

que auxiliou na redefinição do locus de crianças e adolescentes na sociedade brasileira e no reconhecimento da violência
sexual como um crime que deve ser combatido, conforme será debatido na seção 2.5.
77

ainda: “Em ocorrências de vitimização sexual, a criança é sempre VÍTIMA e não poderá jamais
transformada em RÉ” (AZEVEDO e GUERRA, 1988, p. 12, grifo das autoras).
Direcionando a análise para a culpabilização de crianças e adolescentes na
exploração sexual comercial, cito o exemplo do julgamento ocorrido em 2012, vinte e dois anos
após a promulgação do ECA. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) inocentou um homem
acusado de ter estuprado três crianças de doze anos, com o argumento de que elas já haviam
praticado outros tipos de atividades sexuais e que já se prostituíam, antes de se relacionar
sexualmente com o réu. O STJ entendeu que nem todos os casos de relação sexual com menores
de catorze anos poderiam ser considerados como estupro. Isso provocou, à época, revolta e
manifestação pública de diversas entidades importantes no contexto brasileiro e mundial, tais
como o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), o Governo
Federal e a Organização das Nações Unidas (ONU). O ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo, e a ministra da SEDH/PR, Maria do Rosário, divulgaram nota de repudio à decisão
do STJ, classificando seu entendimento como inaceitável. A ONU também afirmou que a
decisão “abre um precedente perigoso e discrimina as vítimas com base em sua idade e
gênero66”. Estas contradições na forma de compreender o papel das crianças e adolescentes em
interação sexual com adultos evidenciam que, em uma mesma época, as representações sociais
podem ser conflitantes e até contrárias, apresentando tensões e contradições no processo de sua
construção.
O tipo de discurso que justifica a culpabilização de crianças e adolescentes vítimas
da ESCCA não se faz presente apenas institucionalmente, mas também no senso comum. Sob
os argumentos de que elas precisam de dinheiro, gostam de sexo, têm prazer sexual ou já estão
acostumadas a manter relacionamentos sexuais, oitenta e cinco (36,8%) dos duzentos e trinta e
nove caminhoneiros pesquisados por Morais et al. (2007), afirmam já ter tido relações sexuais
com as crianças e adolescentes. Utilizando-se desta mesma amostragem, Cerqueira-Santos et
al. (2008) asseveram que:

[...] muitos que são clientes da ESCA podem acreditar que a relação entre eles e as crianças
e adolescentes é meramente comercial, e que a criança com a qual se relacionam possui um
status menor do que as crianças que não se envolvem com esse tipo de atividade
(CERQUEIRA-SANTOS et al., 2008, p. 448).

Outro ponto que pretendo me ater diz respeito às maneiras pelas quais as
sexualidades de AVS foram sendo compreendidas ao longo da história, entendendo que nesse

66 Informações retiradas do site: <http://tnonline.com.br/noticias/politica/4,123186,05,04,onu-critica-decisao-do-stf-sobre-


estupro-de-criancas.shtml>. Acesso em: 11 nov. 14.
78

processo as concepções sobre a sexualidade das vítimas também têm papel importante, pois:
“As reações públicas a pedófilos derivam diretamente de concepções contemporâneas do
delineamento entre infância e adultez e sobre sexualidade e assexualidade” (KLEINHANS,
2002, p. 234). O século XIX foi determinante nesse processo, pois testemunhou uma ascensão
dos escritos sexológicos e o desenvolvimento de controles “[...] judiciário e médico das
perversões em nome de uma proteção geral da sociedade e da raça” (FOUCAULT, 1988,
p.115). Ambos se preocupavam majoritariamente com as sexualidades classificadas como
anormais, patológicas, pervertidas ou periféricas (FOUCAULT, 1988; MOSSE, 1998;
PORTER e TEICH, 1998) e com a sexualidade dos loucos, dos criminosos e de crianças. Neste
período, houve uma “nova caça às sexualidades periféricas” (FOUCAULT, 1988, p. 43) e o
sexo passou do domínio da culpa e do pecado para o regime do normal/saúde e patológico. Isso
se deu por meio da scientia sexualis, discurso científico sobre o sexo que tinha como referencial
de base a Medicina e que se dedicou ao estudo das perversões sexuais “[...] que passam a ser
“coisa” médica ou medicalizável” (FOUCAULT, 1988, p. 44, grifo do autor). Tal ciência:

[...] referia-se sobretudo à suas aberrações, perversões, extravagâncias excepcionais,


anulações patológicas, exasperações mórbidas. Era, também, uma ciência
essencialmente subordinada aos imperativos de uma moral, cujas classificações reiterou
sob a forma de normas médicas (FOUCAULT, 1988, p. 53).

Os desvios e instintos sexuais foram caracterizados a partir da “[...] análise clínica


de todas as formas de anomalias que podem afetá-lo; atribuiu-se-lhe um papel de normalização
e patologização de toda a conduta; enfim, procurou-se uma tecnologia corretiva para tais
anomalias” (FOUCAULT, 1988, p.100), que o autor chamou de “psiquiatrização das
perversões” (FOUCAULT, 1988, p.144). A família burguesa foi “o primeiro lugar de
psiquiatrização do sexo” (FOUCAULT, 1988, p. 114) e ela foi alertada sobre suas possíveis
patologias, criando-se, por consequência, a necessidade de vigiar o sexo, o que provocou uma
cisão entre adultos e crianças e também entre meninos e meninas, cujas regras concentravam-
se na sexualidade infantil. Este mesmo processo demorou a ocorrer nas famílias de camadas
populares, que “escaparam, por muito tempo, ao dispositivo de ‘sexualidade’” (FOUCAULT,
1988, p.114, grifo do autor). Em suas palavras:

[...] numa sociedade como a nossa, onde a família é o foco mais ativo da sexualidade e
onde são, sem dúvida, as exigências desta última que mantém e prolongam sua
existência, o incesto, por motivos inteiramente diferentes, e de modo inteiramente
diverso, ocupa um lugar central; é continuamente solicitado e recusado, objeto de
obsessão e de apelo, mistério temido e segredo indispensável. Aparece como altamente
interdito na família, na medida em que representa o dispositivo de aliança; mas é,
também, algo continuamente requerido para que a família seja realmente um foco
79

permanente de incitação à sexualidade (FOUCAULT, 1988, p.103).

Um dos nomes mais expressivos na Psiquiatria forense alemã do século XIX foi
Richard von Krafft-Ebing (1840-1902), que realizou a primeira classificação médica sobre os
distúrbios sexuais, em seu famoso livro Psychopatia Sexualis, em 1886. Na décima segunda
edição67 (KRAFFT-EBING, s.d.), o autor propôs que alguns indivíduos podem padecer de uma
“disposição mórbida, uma perversão psicossexual, que pode no presente ser chamada de
pedofilia erótica” (KRAFFT-EBING, s.d., p. 555). Na seção “Sexualidade Patológica em seus
Aspectos Legais” (KRAFFT-EBING, s.d., p. 489), o autor discute casos de homens e mulheres
que praticam “Violação de Indivíduos abaixo da Idade de Quatorze” (KRAFFT-EBING, s.d.,
p. 552). Ele divide as pessoas que assim procedem em duas tipologias: casos não-
psicopatológicos e casos psicopatológicos. Os primeiros apresentam três subespecialidades: 1-
“libertinos que experimentaram todos os prazeres sexuais normais e anormais com mulheres”
(KRAFFT-EBING, s.d., p. 552); 2- “homens jovens que têm medo de mulheres adultas ou são
desconfiados de sua própria virilidade” (KRAFFT-EBING, s.d., p. 553); 3- “uma grande
porcentagem dos casos é representada por meninas servas lascivas, governantas e babás, para
não falar de parentes mulheres, que abusam de meninos pequenos os quais lhes foram confiados
cuidados” (KRAFFT-EBING, s.d., p. 553). No que diz respeito aos casos psicopatológicos, o
autor descreve quatro pacientes e cita como exemplos a “demência senil [...], alcoolismo
crônico, paralisia, debilidade mental devido à epilepsia, machucados na cabeça e apoplexia,
sífilis cerebral” (KRAFFT-EBING, s.d., p. 552). Para os que praticam violências sexuais contra
crianças e adolescentes, o autor recomendou tratamento em sanatórios específicos para tal
finalidade, e não em prisões. A teoria de Krafft-Ebing, segundo Hauser (1998), já estabelecia
um diálogo entre a Medicina e a Psicologia, lançando mão de conceitos como psicologicamente
insatisfeito e orgia psicológica:

[...] essa mudança em direção à psicologia era apenas parte de um desenvolvimento


mais abrangente no campo das ciências sexuais. O sexo havia se deslocado do corpo
físico para a “alma” e não se localizava mais na genitália, mas no cérebro (HAUSER,
1998, p. 252, grifo do autor).

A Psicologia, por sua vez, também influenciou os estudos da sexualidade humana


no século XIX. A Teoria Psicanalítica de Sigmund Freud (1856-1939) teve indiscutível
influência mundial para o tema, bem como os estudos de seus sucessores. Na obra “A Etiologia
da Histeria”, de 1896, ele elaborou a Teoria da Sedução, abandonada no ano seguinte, de acordo

67 Disponível em <https://ia801408.us.archive.org/26/items/psychopathiasexu00krafuoft/psychopathiasexu00krafuoft.pdf>.
Acesso em: 10 set. 2013.
80

com a qual as neuroses de suas pacientes histéricas eram provenientes das relações incestuosas
às quais elas haviam sido submetidas, produto da sedução e do trauma. Foi quando nasceram
as bases para o conceito de Complexo de Édipo68 que, sendo a regra e não a exceção,
transformou os impulsos incestuosos em uma ameaça às famílias. Diversos outros conceitos
evidenciam como a sexualidade foi um tema que perpassou toda sua obra: etiologia sexual das
doenças nervosas, pulsão sexual, fases do desenvolvimento psicossexual, sexualidade infantil,
dentre outros. A psicanálise não teve como foco as perversões ou os desvios sexuais em si.
Entretanto, Freud nomeou a sexualidade, mesmo que com fronteiras inespecíficas, tornou-a um
aspecto crucial e central do ser humano, deu ênfase na interioridade do sujeito e contribuiu para
o alargamento da concepção de sexualidade, que saiu do espectro das práticas para alcançar a
vida mental (RUSSO, 2004).
O pensamento científico do século XIX, pois, consolidou a ideia de que os AVS
são desviantes e perversos sexuais, pessoas com sérias perturbações mentais, motivadas por
fatores internos (biológicos ou psicológicos) que estariam fora de seu controle e portadoras de
uma conduta doentia e irreversível. Meu argumento é de que estas concepções até hoje
influenciam as maneiras como socialmente representamos os AVS. Longe de abranger apenas
as ciências médicas, as consequências deste tipo de explicação biologicista se estenderam a
todo o âmbito das ciências humanas e sociais: “Na segunda metade do século XIX, as teorias
de hereditariedade se tornaram um discurso proeminente não apenas na medicina e na
psiquiatria, mas também na antropologia, biologia, sociologia e criminologia” (RIMKE e
HUNT, 2002, p. 73). Apesar de argumentar contra um monopólio médico do conhecimento
sobre a sexualidade, Crawford (1998) evidencia que tal discurso influenciou a teologia, o direito
e o conhecimento popular.
Diversas teorias sobre os AVS foram propostas e desconsideradas ao longo da
história. Finkelhor (1979) elenca quatro delas: 1- teoria do abusador como um degenerado,
influenciada pelos estudos de Krafft-Ebing (1886), esse tipo de concepção não durou por muito
tempo, pois não era sustentada pelas evidências, quando estudos das décadas de 1950, 60 e 70
comprovavam que apenas uma pequena porção de ofensores sexuais eram psicóticos, senis ou
mentalmente retardados; 2- a teoria das mães sedutoras, de base psicanalítica, que defende que
estas despertariam a ansiedade incestuosa dos molestadores sexuais de crianças; 3- a teoria da
fixação sexual, segundo a qual os ofensores tiveram em suas infâncias estímulos negativos ou
positivos, que respectivamente os condicionariam à resposta sexual ou os levariam a uma

68 O conceito diz respeito ao conjunto de desejos sexuais, amorosos ou hostis, que meninos experimentam em relação às suas
mães.
81

repetição compulsiva dessa situação original; 4- as teorias da diversidade de ofensores sexuais


contra crianças, que indicam que a minoria de abusadores sexuais encarcerados são pedófilos,
com interesse primário em crianças. Os demais apresentam outras raízes motivacionais para a
violência, como: uma oportunidade incomum, estresse, frustração por outras questões sexuais,
necessidade por proximidade ou por agressão, medo dos adultos e da sexualidade adulta ou
álcool, dentre outros.
Em síntese, espero ter conseguido evidenciar que a análise da violência sexual
contra crianças e adolescentes na atualidade não pode prescindir da discussão sócio-histórica
sobre as categorias que a compõem: sexualidade, adultos, crianças, adolescentes, autores e
vítimas. Há de considerar o processo de continuamente estabelecer e reestabelecer o que é
normal e anormal, o que é permitido ou proibido em cada sociedade em um período
determinado:

A sexualidade de um sujeito não é previamente ou naturalmente estabelecida e de forma


alguma está fixa em um corpo, em uma maneira de ser e de expressar. Por tudo isso, ela
só adquirirá significado quando compreendida sob um determinado contexto cultural e
histórico, a partir de uma situação específica, a partir dos sentidos ali elaborados
(PASINI, 2009, p. 244).

Sendo assim, as categorias explicitadas acima não podem ser consideradas como
estáveis ou homogêneas (mas sim variáveis e flexíveis) ou interpretadas de maneira
naturalizada, em conformidade com o que defendem estudiosos da sexualidade humana no
campo da história e das Ciências Sociais (CRAWFORD, 1998; DEL PRIORE, 2011; FÍGARI
e DÍAZ BENITEZ, 2009; GREGORI, 2008). De acordo com Gregori (2008), há uma tensa
relação entre prazer e perigo na definição do que intitula “limites da sexualidade”:

Tais limites indicam, de fato, um processo social bastante complexo relativo à


ampliação ou restrição de normatividades sexuais, em particular, sobre a criação de
âmbitos de maior tolerância e os novos limites que vão sendo impostos, bem como
situações em que aquilo que é considerado abusivo passa a ser qualificado como normal.
A maior contribuição da antropologia tem sido a de apontar que essa fronteira é
montada, considerando a multiplicidade de sociedades e de culturas, por hierarquias,
mas também pela negociação de sentidos e significados que resultam na expansão,
restrição ou deslocamento das práticas sexuais concebidas como aceitáveis ou
“normais” e aquelas que são tomadas como objeto de perseguição, discriminação,
cuidados médicos ou punição criminal (GREGORI, 2008, p. 576, grifo do autor).

É relevante, pois, pensar em que ponto estamos neste processo sócio-histórico e


como atualmente concebemos e enfrentamos a questão da violência sexual, enquanto sociedade
brasileira. Avalio que, mesmo após todas as conquistas sociais do final do século XX para a
garantia dos direitos de crianças e adolescentes (que asseguraram que quaisquer tipos de
82

interações sexuais entre adultos e crianças sejam moral e criminalmente condenáveis (conforme
discutido ao longo de todo o presente capítulo), cotidianamente presenciamos que as crianças
são vítimas das mais diversas formas de violência. Não se pode ainda ser tão otimista, pois
vivemos atuais (e antigos) paradoxos: silêncio e debate público; tolerância e intransigência;
erotização e dessexualização; permissividade e condenação, culpabilização e
desculpabilização, temas falados e ocultos, dentre outros.

2.3 OS AVS E A QUESTÃO DOS DÉFICITS DE EMPATIA PELAS VÍTIMAS: RECORTES CONCEITUAIS NOS
CAMPOS DA PSICOLOGIA E DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Quando tomamos o tipo de relacionamento que se estabelece entre os AVS e suas


vítimas como objeto de análise, poder-se-ia perguntar: o que os faz usar crianças e adolescentes
para sua gratificação sexual? Sentem desejo sexual por elas? Importam-se com o seu
sofrimento? Ou é exatamente isto que lhes provoca prazer e excitação sexual? Faltam-lhes
adequado entendimento das necessidades psicológicas, desenvolvimentais e emocionais de
crianças e adolescentes? Percebem que as machucam e causam-lhes mal? Compreendem a
magnitude dos danos provocados nas vítimas ou o que elas teriam possivelmente vivenciado a
partir da violência sexual? Conseguem empatizar com suas vítimas? Como as representam?
Como interagem com elas?, dentre outras inúmeras indagações, cujas respostas ainda são
obscuras, em meu entendimento.
A literatura internacional propensa a responder tais questionamentos é
majoritariamente baseada em uma abordagem intitulada Psicologia cognitivo-comportamental,
calcada na defesa de que os AVS praticam violência sexual por possuírem déficits psicológicos
das mais diversas ordens: deficiência geral no reconhecimento das emoções dos outros
(HUDSON et al., 1993), sistema de regulação emocional disfuncional (WARD, 2003), déficits
de competência emocional (WARD e BEECH, 2006), menor capacidade em reconhecer o
desconforto das crianças nas descrições de interações sexuais entre elas e adultos, quando
comparados com os não AVS (BECKETT et al, 1994; STERMAC e SEGAL, 1989), ou ainda:

[…] falha em incorporar outros fatores-chaves relacionados à ofensa sexual. Fatores


como percepções sociais incorretas, distorções cognitivas, déficits em intimidade
interpessoal, regulação de habilidades emocionais não adaptativas e outras deficiências
sócio-cognitivas são pensadas como uma contribuição para o comportamento
sexualmente agressivo (COVELL e SCALORA, 2002, p. 251, tradução nossa).

Dentre todos os fatores psicológicos comumente associados aos AVS, a abordagem


psicológica supramencionada dá grande ênfase ao chamado déficit de empatia, usualmente
83

vinculado com um comportamento social e sexual disfuncional e destrutivo (BLAKE e


GANNON, 2008; BROWN et al., 2012; MARSHALL et al., 1995; SIMONS et al., 2002;
TIERNEY e MCCABE, 2001). Implícita ou explicitamente, diversos autores presumem que a
ausência de empatia para com suas vítimas possui papel fundante na violência sexual contra
crianças e adolescentes, expressa em afirmações como: “[...] é fundamental que estes homens
percebam a dor e os danos que eles infligiram às suas crianças” (PHELAN, 1995, p. 20).
Este tipo de compreensão, que tem um vultoso quantitativo de adeptos, estudos e
publicações no âmbito da literatura internacional especializada, tipicamente assume que: 1- os
AVS difeririam em níveis de empatia dos não-ofensores ou dos ofensores não-sexuais, o que
os tornaria profundamente equivocados sobre as experiências de suas vítimas; 2- existiria uma
relação diretamente proporcional entre os déficits de empatia e o cometimento de ofensas
sexuais; 3- tratamentos psicoterapêuticos, ao aumentar neles a apreciação do sofrimento e dor
da vítima, os ensinariam a ter empatia e reduziriam as possibilidades de novas incidências.
Ocorre que nenhuma de tais premissas recebeu suporte teórico e empírico convincente e são
alvos de diversos tipos de críticas, por parte da Psicologia clínica e jurídica, que classificam
esse tipo de entendimento sobre o AVS como intuitivamente apelativo (WARD et al., 2000;
GEER et al., 2000), contraditório e falho (BARNETT e MANN, 2013) ou com uma fraca base
de evidência (WARD e DURRANT, 2013).
A literatura sobre o tema realmente se mostra bastante controversa. Barnett e Mann
(2013) e Hanson (2003), por exemplo, afirmam que não há correlação entre os déficits de
empatia e a incidência/reincidência sexual. Geer et al. (2000) sustentam que pesquisas não
indicam inquestionavelmente que falta empatia aos ofensores sexuais, não havendo diferenças
significativas entre ofensores e não ofensores. Hayashino et al. (1995) e Langevin et al. (1988)
advogam que não há diferenças nos níveis de empatia global nos AVS, quando comparados
com outros grupos de pessoas. Abel et al. (1989) encontraram que falta empatia aos ofensores
sexuais somente em relação a um certo grupo de pessoas (por exemplo: todas as crianças,
mulheres ou adolescentes).
Outros autores têm defendido que os AVS possuem capacidade de entendimento
empático sobre as consequências das suas ações para os outros, mas que o risco para a ofensa
sexual se torna elevado na presença de precursores específicos e situacionais que podem
prejudicar a habilidade de empatizar no momento singular da ofensa, como: estados emocionais
negativos, falta de motivação, desejo sexual intenso ou álcool e drogas (GROTH, 1983;
MARSHALL e ECCLES, 1998; MARSHALL et al., 2001; PITHERS, 1999; WARD e
KEENAN, 1999). Assim, entende-se que “[...] os déficits de empatia não deveriam ser
84

contextualizados como a causa da ofensa, mas melhor entendidos como um sintoma de uma ou
mais das disposições estáveis que têm sido estabelecidas como fatores de risco para a ofensa”
(BARNETT e MANN, 2013, p. 27, tradução nossa).
Críticas adicionais provêm do fato que o conceito de empatia tem sido usualmente
discutido pelo viés de explicações cognitivistas, que usualmente utiliza duas dicotomias,
entendidas de maneira desconectada: 1- presente ou ausente nos indivíduos; 2- componentes
cognitivo e emocional da empatia (BARNETT e MANN, 2013; HANSON, 2003; WARD e
DURRANT, 2013). Outras discordâncias dizem respeito ao fato de que a pesquisa empírica tem
sugerido que a empatia não tem por base um propósito ético ou valorativo, não sendo condição
suficiente para que os AVS coloquem os interesses de outras pessoas acima dos seus ou para
estabelecer comportamentos interpessoais morais ou pró-sociais (BARNETT e MANN, 2012;
OXLEY, 2011; WARD e DURRANT, 2013). Inversamente, as pessoas poderiam comportar-
se moral e altruisticamente sem sentir emoções empáticas:

Além disso, as pessoas podem agir de forma moral por causa de seu compromisso
pessoal com certas normas éticas ou devido à previsão de consequências negativas, as
quais elas querem evitar, ao invés de se comportarem dessa maneira por serem
empáticas (WARD e DURRANT, 2013, p. 67, tradução nossa).

Inseridas no próprio campo da ciência psicológica, como a psicologia social, outras


correntes contribuem também com reprovações adicionais. Esta abordagem contrapõe-se à
ideia de que o homem pode ser compreendido apenas no âmbito intrapsíquico ou cognitivo, em
separado da análise de seu contexto histórico e social. Auburn e Lea (2003), por exemplo,
defendem que o discurso dos AVS se situa no domínio da ação social e não como expressão de
distorções cognitivas de uma “mente criminosa” (AUBURN e LEA, 2003, p. 282). Para esses
autores, os AVS apresentam uma retórica com o objetivo de construir uma posição moral e uma
narrativa plausível para a ofensa, não podendo isto ser interpretado como uma incompetência
cognitiva individual. Tendo por base o referencial teórico metodológico da psicologia social,
contestei em minha dissertação de mestrado (ESBER, 2008) o tipo de explicação que considera
que os AVS possuem déficits de empatia, quando concluí que os pesquisados demonstraram
ser capazes de entender como suas vítimas se sentiam. Entretanto, isso não foi suficiente para
impedi-los de cometer as violências sexuais aqui relatadas. As narrativas dos três entrevistados
permitiram-me concluir que há:

[...] necessidade de atentar para as formas como esses sujeitos contextualizam suas
violências, seus sentimentos e seus pensamentos, ao invés de tentar atribuir “defeitos”
às suas cognições ou empatia. Não se deve também elencar fatores únicos na etiologia
85

da violência sexual, evitando simplificações teóricas, com uma dimensão fatalista da


explicação do fenômeno (ESBER, 2009, p. 195, grifo do autor).

Não é objetivo da presente tese discutir se os AVS possuem ou não possuem déficits
de empatia, muito menos enfrentar em profundidade os preceitos teórico-metodológicos dessa
teoria. Contudo, em sendo meu foco entender as representações sociais dos AVS sobre suas
vítimas, avaliei ser necessário lançar luz a esse debate, por considerar que a literatura
internacional hegemônica e as prescrições defendidas por ela produzem e reproduzem
concepções sobre os AVS que circulam também nos âmbitos institucional, científico, legal, da
mídia e do senso comum. Dessa maneira, elas influenciam as formas pelas quais construímos
representações sociais sobre os AVS e sobre as maneiras pelas quais eles supostamente
entenderiam, se relacionariam ou se sentiriam em relação às suas vítimas. Interpretá-los como
deficientes em empatia pelo viés cognitivista, em minha avaliação, pode ajudar a consolidar o
fortalecimento das ideias de que os AVS são psiquicamente anormais, com mentes deficitárias
que os facilitariam à prática de violências. Alerto para as maneiras pelas quais isso socialmente
abre possibilidades para reiterar, em última instância, classificações de que eles são diferentes,
monstros ou anormais. Em meu entendimento, esse tipo de concepção precisa ser superado, de
maneira que possamos olhar aos AVS de forma menos fantasiosa e mais real, buscando
soluções possíveis para a prevenção de violências sexuais em nossa sociedade.
As falsas dicotomias entre normais/anormais e com empatia/sem empatia são
refutadas na análise das narrativas dos entrevistados, conforme evidenciarei no Capítulo 3. Por
ora, ressalto que, apesar de ter me deparado com homens que, de fato, não se importaram com
as experiências de suas vítimas, não se incomodaram com os danos que provocaram nelas e não
se arrependeram pelas violências praticadas (podendo dessa maneira até mesmo ser entendidos
como não-empáticos), observei que felizmente a grande maioria deles não é assim. Os demais,
além de experimentarem as mais diversas formas de emoções negativas sobre si próprios em
relação à violência sexual praticada e às consequências provocadas na vida de suas vítimas
(como arrependimento, nojo, raiva, culpa, vergonha, autoimagem de monstruosidade e vontade
de pedir perdão às vítimas), conseguem também – pelo menos a posteriori – pensar, narrar e
elencar consequências para elas, que podem ser psicológicas e para sua sexualidade futura.
Elencam sentimentos negativos e emoções que elas poderiam possivelmente manifestar a partir
da violência sexual, como a raiva, o ódio e a mágoa, pois entendem que elas caracterizariam a
violência como um evento inesquecível e indelével. Os AVS consideram que as vítimas não
desejaram e não gostaram da violência sexual sofrida e assim condenam moralmente tais atos
e os nomeiam como crimes de violência sexual, nos quais crianças e adolescentes são vítimas.
86

Assim, suas concepções estão em consonância com o que é consensual e presente nos mais
diversos discursos sociais brasileiros sobre as vítimas de violência sexual na mídia, nas
instituições, no senso comum e na literatura, nos parâmetros do que tem sido discutido ao longo
do presente Capítulo.
Voltando à questão da empatia, ressalto que se trata de um conceito do campo da
ciência psicológica, não aparecendo como um objeto de análise para as Ciências Sociais. Dentre
as possibilidades de contribuição que estas últimas apresentam para esse debate, escolho a
contraposição ao tipo de explicação que realiza uma cisão entre os indivíduos e a sociedade,
atendo-se apenas ao primeiro e a seus processos intrapsíquicos, desconsiderando seu contexto
social e histórico. Para tanto, tomo por base as reflexões de Berger e Berger (1978) sobre o
conceito de socialização, cujo condutor principal é a linguagem e implica que as biografias
individuais estão submetidas às biografias sociais e aos valores da sociedade. Ela se “[...]
constitui parte essencial do processo de humanização integral e plena realização do potencial
do indivíduo. A socialização é um processo de iniciação num mundo social, em suas formas de
interação e nos seus numerosos significados” (BERGER e BERGER, 1978, p. 205). Segundo
os autores, ela é constituída pela história das relações dos indivíduos com as pessoas, cujos
padrões são socialmente impostos. Entretanto, ela não é um processo unilateral no qual o
indivíduo é passivo ao que ocorre, mas sim, comporta-se de forma ativa, resistindo à
socialização e dela participando.
Recorro ainda a Jaggar (1997), filósofa feminista, quando discute o tema das
emoções. Para a autora, elas são compostas por uma ampla gama de fenômenos e o acesso a
elas (sendo nossas próprias emoções ou as dos outros) é mediado pelos discursos da cultura,
não podendo ser entendidas como respostas instintivas ou determinadas pela constituição
biológica dos seres humanos. Ela critica a cisão artificial entre emoção e pensamento realizada
pelas explicações cognitivistas, que entendem que existiria um componente afetivo e uma
cognição que supostamente o interpretaria – que é o caso da explicação da Psicologia cognitivo
comportamental em relação aos déficits de empatia e às distorções cognitivas. Contrariamente,
propõe que a emoção é construída socialmente, pois está em íntima conexão com os valores
sociais que perpassam por distinções de raça, classe e gênero. Ela é um reflexo de tudo o que a
cultura define aos indivíduos serem respostas apropriadas a determinadas situações:

Outros aspectos da construção social da emoção são revelados através da reflexão sobre
sua estrutura intencional. Se as emoções envolvem necessariamente julgamentos,
requerem obviamente conceitos que possam ser vistos como maneiras socialmente
construídas de organizar e compreender o mundo (JAGGAR, 1997, p.164).
87

A autora propõe ainda que até mesmo emoções aparentemente universais podem
variar de uma cultura para outra, como é o caso da raiva e do amor. Dessa maneira, assim como
no conceito de socialização de Berger e Berger (1978), vincula-se a experiência individual à
experiência social, obedecendo-se a valores dominantes implícitos. Entretanto, nesse processo
os indivíduos não são apenas passivos, mas sim possuem papel ativo:

As emoções são, pois, vistas erradamente como respostas necessariamente passivas ou


involuntárias ao mundo. Em vez disso, são trajetórias através das quais nos engajamos
ativamente e até construímos o mundo. Elas têm tanto aspectos mentais como físicos,
que se condicionam mutuamente. Em alguns casos, são escolhidas, mas, em outros, são
involuntárias; pressupõem uma linguagem e uma ordem social. Podem ser atribuídas às
chamadas “pessoas integrais”, engajadas na atividade contínua na vida social
(JAGGAR, 1997, p. 166).

Em se trazendo a discussão para o campo da violência sexual contra crianças e


adolescentes, destaco que ainda temos dificuldades em discutir as emoções em três campos: o
primeiro são as emoções individualmente experimentadas pelos AVS, que acabam por se
revelar determinantes para a prática da violência sexual, como por exemplo: o desejo sexual
por crianças e adolescentes, a raiva manifesta na forma de violência sexual e o “impulso do
momento” (expressão utilizada por alguns deles), como será evidenciado mais detalhadamente
na seção 3.2.2.5. São emoções não convencionalmente aceitáveis e alvo de intensa repulsa
social – por isso majoritariamente mantida em segredo pelos que as experienciam. O segundo
diz respeito às emoções que os AVS relataram sentir no momento atual, após terem praticado
a violência e terem sofrido as consequências dos atos que cometeram: arrependimento, nojo de
si próprios, raiva, culpa, vergonha e vontade de pedir perdão às vítimas. O terceiro é
concernente às emoções que socialmente sentimos em relação aos AVS e aos atos que cometem,
tais como raiva, nojo, repulsa e asco (emoções essas que eles próprios também sentem). Apesar
de compreensível, entendo que elas contribuem para o nosso afastamento e distanciamento em
relação aos indivíduos AVS – principais responsáveis pela manutenção da violência sexual em
nosso país – e às discussões que socialmente precisamos realizar sobre esse tema. Em última
instância, isso provoca desconhecimento e ignorância sobre quem são os AVS. Em não se
conhecendo, também não saberemos o que fazer com eles. E continuaremos achando (ou
querendo acreditar) que a prisão resolverá um problema que é eminentemente do campo das
emoções e das relações humanas.
88

2.4 A MÍDIA E A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: ALGUNS APONTAMENTOS

É a partir da segunda metade da década de 1990 que a população brasileira entra


em contato com a questão da violência sexual contra crianças e adolescentes por meio da mídia,
seja televisiva, rádio, jornal, impressa, virtual ou internet69. À época, ela foi nomeada como
pedofilia e entendida como um problema relacionado à pornografia infantil (LANDINI, T.,
2006), em meu entendimento ampla e equivocadamente. Neste processo de publicização da
violência sexual’, os AVS, principais protagonistas desta relação, passam a atrair considerável
atenção da mídia, do governo e do público em geral, identificados como um grande risco para
as crianças (MEYER, 2007).
Quando veicula notícias sobre a violência sexual, a mídia apresenta diversos
problemas, dos quais destaco seis, alguns deles identificados por estudiosos como Felipe
(2012), Landini, T. (2003), Landini e Zanatta (2012) e: 1- imprecisão conceitual; 2- falta de
cuidado na veiculação das informações; 3- patologização, psicologização e psiquiatrização dos
AVS; 4- demonização dos AVS; 5- descrições dos AVS a partir de sua classe social; 6-
erotização de crianças e adolescentes.
O primeiro diz respeito ao que intitulo imprecisão conceitual. Trata-se do emprego
de conceitos e utilização de nomenclaturas equivocadas quando da veiculação de notícias,
conforme evidenciado pela literatura especializada: “Além de ser utilizado como sinônimo de
abuso sexual e pornografia infantil, o termo pedofilia é também usado como sinônimo de
estupro” (LANDINI, T., 2003, p. 278). Cito como exemplo o uso comum, indiscriminado e
equivocado do termo pedófilo, para se referir a todos aqueles que praticam violência sexual
contra crianças ou adolescentes: “Por isso, acredito que seja relevante discutir os efeitos de
nomear, entender, regular e combater o ‘problema’ da ‘violência sexual contra crianças’
enquanto ‘pedofilia’” (LOWENKRON, 2013, p. 59, grifo do autor).
Um segundo problema, identificado por Landini e Zanatta (2012), diz respeito à
falta de cuidado na veiculação das informações sobre a violência sexual na mídia. Os autores
analisaram as notícias do caso de uma menina de seis anos foi que foi sequestrada e encontrada

69 A internet e as novas tecnologias abrem espaço para os AVS integrarem uma rede que troca mensagens, vídeos e fotos de
pornografia infantil entre usuários do mundo todo. Oliveira, A. (2009), cientista social, realizou um estudo no qual constatou
novas formas de organizações sociais que defendem o que chamam de ativismo pedófilo, em sites sobre pedofilia. Os que
assim o fazem se intitulam boylovers (amantes de meninos), pessoas que permanecem fora do campo da criminalidade, uma
vez que não chegam a praticar o ato sexual com crianças. Todavia, eles reivindicam a expressão do desejo sexual por crianças
e programas de tratamentos terapêuticos que lhes favoreçam o controle de seus impulsos sexuais. Reafirmam-se no campo
das patologias e diferenciam-se dos “pedófilos verdadeiros”, aqueles que efetivamente desenvolvem práticas sexuais
intergeracionais. Dessa maneira, por meio de uma política do “politicamente correto”, realizam uma tentativa de renegociar
o “abjeto” das relações entre adultos e crianças, colocando-as como no campo da normalidade e reivindicando “também uma
desvinculação da associação do conceito de “pedofilia” à doença e ao crime” (OLIVEIRA, A., 2009, p. 469, grifo do autor).
89

quase morta. O acusado era um homem que já havia cumprido pena por ter cometido violência
sexual contra sua filha, quando ela tinha quatro anos. Em sua casa, a polícia havia encontrado
um caderno com endereços de crianças, bonecas, calcinhas e vídeos. A própria vítima, em
depoimento, negou que qualquer tipo de violência sexual tivesse ocorrido. Apesar disso, as
manchetes dos jornais utilizaram-se dos termos acusado de estuprar, estuprador, preso depois
de estuprar, pedófilo, menina estuprada, dentre outros. “Há maneiras diversas de chamar a
atenção para a notícia, mas o foco é o mesmo: o estupro (ou possível estupro) de uma menina”
(LANDINI e ZANATTA, 2012, p. 76). Os autores utilizam-se do conceito de pânico moral70
proposto por Jenkins (1998 apud LANDINI e ZANATTA, 2012) para reportar-se ao que ocorre
nos dias atuais no Brasil:

Estamos em um momento em que há um pânico moral em relação à violência sexual


contra crianças e adolescentes o que não significa que esse tipo de violência não exista
ou que sua ocorrência não seja grave. A violência sexual contra crianças e adolescentes
existe e suas consequências são muito graves. Contudo, é preciso cuidado ao noticiar
esses casos. Além de buscar a maior fidedignidade possível no relato do caso, é preciso
também cuidado quando trata-se de reportagens que busquem esclarecer números,
mecanismos de funcionamento, formas de envolvimento, perfis da vítima e do agressor,
etc. (LANDINI e ZANATTA, 2012, p. 79).

Intitulo o terceiro problema de patologização, psicologização e psiquiatrização dos


AVS na mídia. Refiro-me ao tipo de imagem que se produz e reproduz sobre este personagem,
usualmente relacionado a nomenclaturas como pedófilos, loucos71, psicopatas, com transtornos
mentais graves, compulsivos, monstros, governados por necessidades sexuais incontroláveis,
especialistas72, irrecuperáveis e incapazes de se beneficiar em um tratamento psicoterapêutico.
Ao fazer isto, a mídia não pondera os achados das pesquisas científicas que têm encontrado
exatamente o contrário. Alguns pesquisadores (BARKER e MORGAN, 1993 apud SPENCER,
A., 1999) mostram que menos de 8% dos AVS encarcerados possuem uma doença psiquiátrica.
Mesmo para estes casos, segundo os autores, resta ainda a dúvida se cometeram a violência
porque são mentalmente doentes ou se seriam ofensores sexuais mesmo sem a manifestação da
doença. Um outro viés dessa discussão diz respeito ao fato de que o AVS:

70 Para Gayle Rubin (1984), o conceito de pânico moral está relacionado a um sentimento de insegurança e incerteza,
experimentado em outras esferas da vida, que não a sexual. Foi vivenciado na sociedade norte-americana em relação à
pornografia e o abuso sexual de crianças.
71 Reforçada inclusive por autores da literatura especializada, como Caprio (1965), que analisou o caso de um AVS, que

considerou ser um “indivíduo definitivamente psicótico, que deveria ser confinado em uma casa de saúde para doentes
mentais” (CAPRIO, 1965, p. 192).
72 Alguns autores como Smallbone e Wortley (2004) têm se empenhado em investigar se os AVS são “especialistas” ou

“generalistas”. O primeiro termo se refere ao fato de eles cometerem apenas a violência sexual e o segundo significa que eles
praticariam também outros tipos de crimes, além do primeiro. Para uma revisão, ver Esber (2009).
90

[...] não é definido a partir da doença mental de que é portador, e sim a partir dos atos
que pratica no cenário do crime. Isto é, o doente mental não é definido em si mesmo,
mas pelo crime praticado. Seja por debilidade mental, por impulso agressivo ou
qualquer outra razão, o que se acentua é a brutalidade do ato. O crime é caracterizado
como algo tão brutal e distante, que o seu autor só poderia se situar fora dos padrões de
normalidade. Neste imaginário, a doença mental aparece como uma forma de retirar do
agressor o atributo de humano, condição necessária para conceber a prática do crime
sexual. A partir desta concepção, a causalidade é invertida: não é a doença mental que
conduz a cometer o crime, é a realização do crime que faz das pessoas doentes mentais73
(SUÁREZ et al., 1995, p. 12).

O quarto problema diz respeito à demonização dos AVS pela mídia. Vivarta (2003),
em pesquisa para a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), constatou que, em
7,8% das matérias de quarenta e nove jornais brasileiros, os acusados de crimes sexuais eram
referidos por termos como: monstro, besta, animalesco, adulto desequilibrado, psicopata,
maníaco e tarado. Tais qualificativos obviamente repercutem nas concepções do senso comum,
conforme mostra Fígari (2009), que encontrou que o incesto era descrito pelas pessoas
pesquisadas por nomenclaturas como: “bizarro, aberração, repugnante, porcaria, coisa de
animais que não raciocinam, horroroso, vergonhoso, triste, asco, abominável, bestial, horrível,
reprovável” (FÍGARI, 2009, p. 437). Esse tipo de nomeação os coloca em uma posição de não
cidadão, uma vida sem valor, desprovida de direitos legais ou políticos, uma alma depravada
(SPENCER, D., 2009), de alguém que perdeu a capacidade de controlar seus impulsos
(FORWARD e BUCK, 1989) e que, por isso, não merece estar na sociedade em liberdade.
Assim, a mídia acaba por contribuir para reiterar sentimentos negativos e de vingança por parte
da população, de maneira que se alimente a defesa e o clamor social para que lhes sejam
imputadas as mais cruéis punições, dentre elas: castigos físicos, sexuais e morais, castração,
mutilação, tortura, sofrer o mesmo ato que cometeu, segregação e prisão. Esses sentimentos da
população em relação aos AVS foram constatados na pesquisa de Suárez et al. (1995), que
aplicaram duzentos e quarenta e três questionários e concluíram que:

[...] no imaginário dessas pessoas, o agressor sexual deve ser não apenas punido, mas
desterrado, sendo a expressão máxima a própria morte. Os mecanismos legais de
isolamento social mais radicais são os que com maior frequência são sugeridos.
Entretanto, pensamos que dentro do imaginário que constrói o crime sexual e seu
castigo, a legalidade da punição não é relevante. Com efeito, muitos respondentes
sugerem a aplicação de punições que não estão contempladas no Código Penal
Brasileiro, como no caso da pena de morte e da prisão perpétua. O que parece altamente
relevante é que nesse imaginário não há espaço para a impunidade, e o desterro é visto
como a única forma de solução eficaz (SUÁREZ et al., 1995, p. 19).

73 No original: Seja por debilidade mental, por impulso agressivo ou qualquer outra razão, o que se acentua é a brutalidade do
ato.
91

Um quinto problema refere-se às diferenças nas maneiras pelas quais a mídia retrata
e classifica os AVS, a partir de sua classe socioeconômica. Landini, T. (2003), ao analisar as
maneiras pelas quais um jornal de grande circulação (Folha de S. Paulo), no período de 1994 a
1999, retratou a pessoa que comete a violência sexual, encontrou que:

A narrativa da violência sexual é permeada por alguns conceitos como classe ou


violência/doença. [...], há uma separação bastante clara entre o crime cometido por uma
pessoa de classe baixa e outra de classe média ou alta. No caso da pedofilia, atribuída a
pessoas das classes mais abastadas, há ainda uma conexão com a doença mental
(LANDINI, T., 2003, p. 281).

Esta característica da mídia expressa um tipo de classificação que não é recente.


Lanteri-Laura (1994 apud JÚNIOR, 2009) evidencia que no século XIX, os chamados
desviantes sexuais eram divididos entre perversos e pervertidos. Os primeiros eram indivíduos
com bens materiais, capacidades intelectuais e sobrenome reconhecido. A eles, eram esperados
compaixão e esforços médicos e jurídicos para o livramento da prisão. Os segundos eram
pessoas sem posses, marginais, com uma vida desregrada. As respostas sociais a eles eram de
rigor e desprezo, sendo seu destino os manicômios judiciários e as prisões.
Um sexto aspecto a ser ressaltado sobre a mídia diz respeito à erotização de crianças
e adolescentes. O ambiente multimídia (cinema, TV, jornais, outdoors, internet, jogos, etc.) e a
maciça publicidade dos produtos infanto-juvenis são artefatos que acabam por adultizar,
erotizar e expor os corpos e sexualidades de crianças e adolescentes. Isto ocorre com maior
intensidade para o caso das meninas, que são heterossexualizadas como parte de sua
feminilidade, reforçando-se ideais de um corpo bonito, com apelo sexual e práticas de
embelezamento (FELIPE, 2012; FELIPE e GUIZZO, 2003; NJAINE, 2006; MEYER, 2007).
Cito como exemplos alguns programas apresentados há pouco tempo em canais de grande
audiência no Brasil, nos quais crianças participaram de um concurso mirim para a escolha da
melhor dançarina de músicas de teor altamente erotizantes, tanto nas letras, como nas
coreografias dos seus autores, como é o caso da música Na Boquinha da Garrafa e outras:

Muitas crianças brasileiras, por ignorância ou negligência parental, são precocemente


sexualizadas: meninas exibem unhas pintadas, salto altos, roupa justa inspirada naquela
das animadoras de programas infantis, maquilagens de brinquedo. Houve época em que
dançavam não mais o “atirei o pau no gato”, e sim “na boquinha da garrafa” (DEL
PRIORE, 2011, p. 226, grifo do autor).

As adolescentes são retratadas como pessoas que vivenciam uma fase na qual a
sexualidade é naturalmente despertada e vivenciada, podendo até mesmo agir de maneira
sexualmente provocativa. A música é um dos artefatos que espetaculariza a sexualidade de
92

crianças e adolescentes (FELIPE, 2006). Cito como exemplo a canção “Que é isso novinha74?”,
que retrata a imagem de uma adolescente que convida um homem adulto a realizar diversas
práticas sexuais. No clipe, este último se escandaliza com a precocidade, iniciativa e maturidade
sexual da menina.

A imagem dominante no discurso midiático e no senso comum é de que os jovens “de


hoje” possuem uma vida sexual e afetiva completamente desregrada, na qual
predominam os relacionamentos efêmeros, sem nenhum tipo de vínculo e
comprometimento (KNAUTH, 2011, p. 2, grifo do autor).

Observa-se que na sociedade brasileira, a imagem da erotização borra fronteiras


com a da inocência, que produzem “[...] um sujeito menina que se compõe num misto de
inocência, pureza, sensualidade, sedução e erotização” (DORNELES, 2010, p. 189). Todas
essas categorias se entrelaçam nos discursos sociais, não podendo ser entendidas
separadamente. Ressalto que essas mesmas contradições também se manifestaram nas
narrativas dos entrevistados da presente pesquisa, conforme será apresentado na seção 3.2.2.4.
Todos os apontamentos indicados para a discussão da violência sexual na mídia são
necessários na medida em que os meios de comunicação produzem e reproduzem categorias e
sensibilidades sociais sobre a violência sexual, o que acaba por redefinir, renegociar e deslocar
as fronteiras entre o que se pode considerar como aceitável e não aceitável, prescrevendo
maneiras institucionalizadas de interpretar e reagir a ela (LOWENKRON, 2007, 2014).
Entendo que não se trata de uma mídia educativa, pois ao mesmo tempo que revela, denuncia
e populariza a violência sexual contra crianças e adolescentes na sociedade brasileira,
contraditoriamente banaliza e erotiza essas últimas, difundindo imagens irreais,
preconceituosas, enganosas e imaginárias sobre elas e também sobre os AVS. Assim, os seis
problemas supramencionados facilitam a precariedade e inconsistência das informações
apresentadas à população, o que acaba por dar espaço e vazão ao preconceito, ao discurso do
ódio e à violência, afrontando direitos humanos fundamentais, potencializando a obscuridade
sobre o tema da violência sexual e dificultando seu enfrentamento.

2.5 MARCOS LEGAIS PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E


ADOLESCENTES NO BRASIL

Os documentos legais e todo o aparato jurídico relacionados à proteção de crianças


e adolescentes são, conforme nomeia Foucault (1988), saberes-poderes. Assim, eles criam e

74 Música veiculada na mídia no ano de 2012.


93

recriam representações sociais sobre a violência sexual e seus protagonistas nos discursos
sociais do senso comum, da mídia, religiosos, médicos, psicológicos, antropológicos,
sociológicos, de militantes dos direitos de crianças e adolescentes e outros. Considero ter
especial relevância para a presente discussão a Constituição Federativa do Brasil de 1988, o CP
de 1940 e o ECA de 1990, os quais teço considerações a seguir.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, a afirma a condição de crianças e
adolescentes como cidadãs: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (BRASIL, 1988).
O Código Penal é outro instrumento legal de especial importância para o debate da
violência sexual. Em sua versão de 1890, o objetivo era preservar a virgindade e a inocência de
meninas e moças. A violação produzida pela violência tinha centralidade na “honra 75” das
famílias, e não nas vítimas individualmente. À época, a punibilidade ao agente da violência era
extinta caso, após sua descoberta, ele se casasse com a vítima, garantindo a honra da família
para a menina. Vale ressaltar que essa premissa vigorou na Lei brasileira até o ano de 2002.
Nela, a violência sexual esteve marcada por um recorte de gênero no qual a vítima é do sexo
feminino e o autor da violência do masculino.
Quando da reformulação do referido Código, em 1940, a violência sexual passou a
ser prevista no capítulo “dos crimes contra a liberdade sexual”, no título “dos crimes contra os
costumes”. Longe de ser apenas uma alteração de nomes, tais mudanças também trouxeram
consigo ressignificações acerca do próprio fenômeno da violência sexual: “No novo modelo
fundado nos direitos de “liberdade individual”, o estupro deixa de ser um roubo ou um ultraje
e passa a ser uma ameaça contra o corpo íntimo e privado” (LOWENKRON, 2014, p. 239, grifo
do autor). Assim, o Código Penal deslocou significados sobre o tipo de violação produzida pela
violência sexual. Passou-se da centralidade na “honra das famílias” para a “liberdade sexual”
das vítimas.

Na linguagem da honra/vergonha, o escrutínio recaía sobre a pessoa ofendida, enquanto


que, na linguagem do sofrimento, a indignação coletiva e os efeitos degradantes da
denúncia recaem sobre a figura do “agressor”, especialmente, quando a “vítima” é
menor de idade. Portanto, não se trata de preservar o silêncio para “esconder a
vergonha”, que é da ordem do escrutínio público, mas de colocar o “sofrimento em

75 A par da questão da honra, esta parecia não construir a ideia do horror pecaminoso das relações incestuosas presente nos
séculos XVI e XVII (MACHADO, 1998).
94

palavras” para “superar o trauma”, que é da ordem da interioridade, e para


responsabilizar o culpado, deslocando para ele os efeitos da violência a partir da
denúncia (BOLTANSKI, 1993 apud LOWENKRON, 2010, p. 13, grifo do autor).

Outro aspecto que gostaria de mencionar sobre o Código Penal é que o crime de
estupro era, até o ano de 2009, caracterizado, em seu art. 213, pela seguinte redação:
“Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça” (BRASIL,
1940, grifo nosso). Note-se que aqui está subtendido que apenas o homem seria o agente ativo
do estupro e a mulher o passivo. Um homem jamais poderia ser estuprado. Para os casos em
que ele fosse penetrado analmente à força, o crime era legalmente categorizado como “Atentado
violento ao pudor”, previsto no art. 214 do referido Código até o ano de 2009, que consistia em
constranger alguém76, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele
se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
Em 2009, o Código Penal sofreu nova reformulação, quando a Lei de número
12.015, de 12 de agosto de 2009, alterou a própria nomeação do crime. Agora, a violência
sexual é classificada como um crime contra a dignidade sexual. A Lei revogou os artigos 214
(atentado violento ao pudor) e 224 (presunção da violência) e acrescentou ao texto, dentre
outros, o Art. 217-A, que caracteriza o “estupro de vulnerável”, com pena de reclusão de oito a
quinze anos e assim descrito: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor
de 14 (quatorze) anos” (BRASIL, 2009a). Prevê também o Art. 218-A: “Praticar, na presença
de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato
libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem” (BRASIL, 2009a).
Algumas implicações provenientes dessas mudanças são: a) nomeia-se como
estuprador aquela pessoa que realize qualquer ato sexual com uma criança menor de quatorze
anos, mesmo que não sejam aqueles que usualmente consideramos como estupro, a exemplos
da masturbação ou do sexo oral; b) transforma a vítima do extinto atentado violento ao pudor
em vítima do crime de estupro de vulnerável, caso tenha menos de quatorze anos; c) torna
indiferente, para a caracterização do delito, tanto o sexo da vítima, como também do AVS.
Assim, todas estas alterações de significado produziram diferenças na maneira de entender o
crime de violência sexual contra crianças e adolescentes.
Outro documento jurídico que provocou alterações nas representações sociais sobre
crianças e adolescentes – e consequentemente nos diferentes tipos de violência praticados
contra elas – foi o ECA. Sua aprovação se deu em 1990, após intensa mobilização da sociedade
civil, composta por setores como ONG’s, movimentos sociais, operadores de direitos, igrejas e

76 Note-se que o termo “alguém” implica a possibilidade da vítima ser também do sexo masculino.
95

instituições governamentais (NUNES, 2009). Advogava-se a substituição do tipo de concepção


que regia a vida de crianças e adolescentes no antigo Código de Menores de 1979, que
preconizava a doutrina da situação irregular e regulava as “infâncias consideradas “erradas”
(infratoras, abandonadas etc.)” (LOWENKRON, 2014, p. 243, grifo do autor).
Em contraposição, o ECA inaugura a concepção de que crianças e adolescentes
estão em condição peculiar de “pessoas em desenvolvimento” (BRASIL, 1990, Art. 6º), e que
se constituem ainda em “sujeitos de direitos civis, humanos e sociais” (BRASIL, 1990, Art.
15º). Agora, devem estar a salvo de quaisquer formas de violências, pois são entendidos como
pessoas que demandam por atenção e cuidados, conforme previsto no Art, 18º: “É dever de
todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento
desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (BRASIL, 1990, Art. 18º).
Deveriam também ter suas sexualidades protegidas e tuteladas, pois “Verificada a hipótese de
maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade
judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia
comum” (BRASIL, 1990, Art. 130º). Foi a partir dessa mudança de paradigmas que a sociedade
brasileira “criou as bases para o surgimento de um sentimento de intolerância em relação à
violência sexual contra crianças e adolescentes” (IPPÓLITO e SANTOS, 2004, p. 13).
Entramos então, no Brasil, na “Era de Direitos” na qual estes sujeitos são dotados de agência,
protagonistas de sua história, seres ativos e independentes (NUNES, 2009, grifo do autor).
Essa breve cronologia dos dispositivos jurídicos e legais que marcaram a história
da infância e adolescência brasileiras nos indica que houve profundas alterações nas maneiras
de entender a violência sexual contra crianças e adolescentes, seus autores e suas consequências
para as vítimas. Contudo, estas não são necessariamente positivas ou caminham para a garantia
dos direitos dos envolvidos. A sociedade brasileira oscila também para épocas em que se
observa um recrudescimento das práticas, normas e representações sobre os personagens
crianças e adolescentes – como é o caso da redução da maioridade penal. A legislação e as
práticas jurídicas dela decorrentes indubitavelmente criam certas versões do mundo, na medida
em que enfatizam ou contestam determinados aspectos relacionadas à violência sexual contra
crianças e adolescentes. Mas elas não estão sozinhas:

Apesar de este ocupar um lugar central no processo de produção e regulação desse


emaranhado, outros saberes, como a psiquiatria, e instituições sociais, como os meios
de comunicação de massa, desempenham também um papel fundamental na produção,
na reprodução, na transformação e na divulgação dessas classificações
(LOWENKRON, 2014, p. 233).
96

Por fim, pontuo que, amparada pelas reformulações na legislação, a sociedade


brasileira passa de uma postura de silenciamento a uma visibilidade intensa da violência sexual
nas últimas décadas. É quando, segundo Lowenkron (2010), empreende-se uma tentativa de
ampliação do conhecimento, proliferação de categorias, reconhecimento de novas modalidades
e facetas da violência sexual e formulação de novas estratégias de enfrentamento. Diversas
instituições e atores sociais passaram a desenvolver ações governamentais ou não-
governamentais de atenção à violência sexual. É disto que tratarei na próxima seção.

2.6 POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS DE ATENÇÃO AOS AUTORES DE VIOLÊNCIA
SEXUAL NO BRASIL

No Brasil, a quais serviços públicos podem recorrer adolescentes ou adultos que


desejam ajuda psicológica por cometerem ou por terem cometido violência sexual contra
crianças e adolescentes? E quanto àqueles que (ainda) não praticaram tal violência, mas que
sentem atração, preferência ou desejo sexual por crianças e adolescentes? Como evidenciarei
nesta seção, ainda são tímidas e quase inexistentes as iniciativas brasileiras governamentais e
não governamentais, nas comunidades ou nas prisões, que se propõem a oferecer atenção
especializada a estes dois grupos de pessoas, ao contrário do que ocorre internacionalmente.
Um dos poucos documentos institucionais que menciona a necessidade de inserir
os AVS nas políticas públicas brasileiras é o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência
Sexual Infanto-Juvenil (BRASIL, 2013a). Elaborado em 2000 pelo governo federal, ONGs e
organismos internacionais e reformulado em 2013 pelo Comitê Nacional de Enfrentamento à
Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes77, prevê tanto o fortalecimento da
responsabilização jurídica/legal/penal dos AVS, como também a oferta de atendimento
especializado, conforme indicado no eixo “Atenção”:

Garantir o atendimento especializado, e em rede, às crianças e aos adolescentes em situação


de abuso e/ou exploração sexual e às suas famílias, realizado por profissionais
especializados e capacitados, assim como assegurar atendimento à pessoa que comete
violência sexual, respeitando as diversidades de condição étnico-racial, gênero, religião
cultura, orientação sexual, etc. (BRASIL, 2013a, p. 31).

Dentre os indicadores de monitoramento desse eixo, estão: VIII “Número de


programas e serviços que atendem, acompanham e dão suporte a pessoas que cometem abuso
e/ou exploração sexual de crianças e adolescentes”; IX “Número de municípios e DF que

77 O Comitê é constituído por “uma rede de ONGs, representantes de setores governamentais e cooperação internacional com
o objetivo de criar um espaço de debate para monitorar programas e políticas atuantes nessa área e fomentar a mobilização
regional e juvenil, além de reunir um número sempre maior de instituições parceiras” (SANTOS e IPPÓLITO, 2011, p.31).
97

estruturaram programas, serviços e ações, com pactuação de fluxos voltados ao atendimento à


criança e ao adolescente em situação de abuso e/ou exploração sexual, bem como à pessoa que
comete abuso e/ou exploração sexual de crianças e adolescentes; X “Número de metodologias
nacionais e internacionais adaptadas e/ou disseminadas com foco no atendimento a adolescente
em situação de abuso e/ou exploração sexual e suas famílias e à pessoa que comete tais
violências” (BRASIL, 2013a, p. 32). Desconheço documentos que se propõem a analisar tais
indicadores e evidenciar, por meio de dados, a real situação dos programas de atendimento no
Brasil.
Na contramão do que é sugerido pelo Plano supracitado, as três esferas
governamentais brasileiras (União, Estados e Municípios) têm majoritária e historicamente
tratado os AVS e as violências que praticam como questões concernentes à polícia, à segurança
pública, aos sistemas judiciário, penal e socioeducativo78. Trata-se do modelo de “intervenção
punitiva primária” (FURNISS, 1993, p. 64), fundamentado exclusivamente nos paradigmas do
encarceramento e da exclusão. Entretanto, a instituição chamada prisão tem historicamente
demonstrado sua falência, pois produz a delinquência, acentua a reincidência (FOUCAULT,
1977) e provoca diversas mudanças negativas duradouras na vida social e interpessoal dos
indivíduos a ela submetidos. Dentre elas, consequências psicológicas como por exemplo o
processo descrito como prisionalização, prisonização ou institucionalização, que consiste na
forma como os reclusos assimilam a cultura prisional e são negativamente moldados e
transformados por ela, modificando suas subjetividades. Em última instância, isto pode servir
como um impeditivo para o ajustamento dos indivíduos pós-prisão (BITENCOURT, 2004;
HANEY, 2001), o que significa que se falha na concretização da proposta ressocializadora da
“[...] harmônica integração social do condenado”, prevista no primeiro artigo da Lei de
Execução Penal (LEP) (BRASIL, 1984).
Acrescentem-se as consequências psíquicas maléficas de serem os AVS o principal
público-alvo dos mais distintos tipos de violências, que podem inclusive culminar com
assassinatos, o que torna a cadeia um ambiente potencialmente ainda mais hostil, conforme será
discutido na seção 3.1.3. Em iniciativas pioneiras e com o objetivo de prevenir que os AVS
sofram violências nesses espaços, dois presídios brasileiros os separaram em alas específicas:
a Penitenciária Doutor Antônio de Souza Neto, que fica em Sorocaba (São Paulo) e o Presídio

78 Este é direcionado aos adolescentes que praticam atos infracionais, dentre eles a violência sexual. Ao contrário do que
popularmente se pensa, tais adolescentes podem sofrer sanções que implicam o cumprimento de medidas socioeducativas
como liberdade assistida, semiliberdade ou privação de liberdade em Centros de Internação de Adolescentes, pelo período
de até três anos, conforme preconizado pelo ECA (BRASIL, 1990) e pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE) (BRASIL, 2006).
98

do Vale do Guaporé (Porto Velho). A primeira é uma unidade prisional específica para os AVS
desde abril de 2002. Em 2012, passou a integrar o Comitê de Enfrentamento à Violência Sexual
contra Crianças e Adolescentes de Sorocaba79, evidenciando uma lógica que tornam
complementares (e não excludentes, como na maior parte dos municípios do Brasil) ações de
atendimento aos AVS e às vítimas. O segundo presídio possui um pavilhão para abrigar os AVS
separadamente dos demais detentos80, formatação que possibilita o desenvolvimento de ações
psicossociais e de saúde (incluindo-se a saúde mental, pois oferece atendimento psicológico e
psiquiátrico). Cito ainda a penitenciária da PAPUDA, no Distrito Federal, que mantém um
programa de atendimento psicológico em grupo aos presos condenados por violência sexual
contra mulheres, crianças e adolescentes. Trata-se de uma ação institucional conduzida por
profissionais que atuam nas equipes do próprio presídio. Não encontrei publicações científicas
sobre esta experiência, que conheci na oficina81 “Debatendo o Atendimento ao Autor de
Violência Sexual e a Violência no Contexto das Redes Sociais e das Novas Tecnologias de
Comunicação e Informação”, na cidade de Brasília.
Diferentemente das experiências supramencionadas, no cotidiano de maior parte
das prisões brasileiras, os condenados por crimes sexuais são alocados juntamente com outros
presos, o que acaba por colocá-los em condição de vulnerabilidade a violências. São também
escassas as ações no âmbito da assistência social, da saúde (inclusive mental) e da educação,
todos previstos no artigo 5º da LEP (BRASIL, 1984), contrapondo-se ao que recomenda a
literatura especializada, que pontua que ações meramente punitivas têm sido comprovadamente
insuficientes para coibir reincidências de violência sexual em AVS (BROWN, 2005). Assim,
argumento que acabamos por não resolver o problema, mas sim postergá-lo. Essa afirmação faz
sentido quando consideramos que alguns entrevistados da presente pesquisa mantiveram a
convivência com as próprias vítimas e com as famílias que anteriormente vitimizaram mesmo
ainda presos, ou resgataram-na logo após saírem em semiliberdade, conforme será evidenciado
nas narrativas de César e Amarildo (itens 3.2.2.1 e 3.1, respectivamente). Há de considerar
também o fato de que, mesmo que isso não ocorra, eles poderão se relacionar com vítimas em
potencial, pois logo estarão livres para conviver com quantas crianças e adolescentes desejarem.

79 Disponível em: <http://www.gazetadevotorantim.com.br/noticia/14011/dia-de-combate-a-violencia-sexual-contra--


criancas-e-adolescentes-sera-lembrado-em-sorocaba.html>. Acesso em: 20 maio 15.
80 Disponível em: http://www.newsrondonia.com.br/noticias/governo+inaugura+novo+modelo+de+penitenciaria/14282>.

Acesso em: 20 maio 15.


81 O evento ocorreu nos dias 20 e 21 de outubro de 2015 e foi coordenado pelo Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do

Adolescente (CEDECA) do Rio de Janeiro, pelo o Comitê Nacional de Enfrentamento a Violência Sexual de Crianças e
Adolescentes e pela Rede ECPAT Brasil, com apoio do CONANDA e da SEDH/PR.
99

Direcionando a reflexão para as políticas públicas aos AVS em meio aberto,


observa-se que os serviços governamentais especializados no atendimento à violência sexual
(seja na Assistência Social ou na Saúde) usualmente se centram nas vítimas e famílias,
excluindo o AVS como seu público-alvo. No âmbito da política pública de Assistência Social,
a atenção às pessoas em situação de violência sexual se dá em unidades chamadas Centro de
Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), que:

[...] é a unidade pública estatal de abrangência municipal ou regional que tem como
papel constituir-se em lócus de referência, nos territórios, da oferta de trabalho social
especializado no SUAS a famílias e indivíduos em situação de risco pessoal ou social,
por violação de direitos (BRASIL, 2011a, p. 23).

Nos CREAS, o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e


Indivíduos (PAEFI) presta atendimento a “Pessoas e famílias que sofrem algum tipo de violação
de direito, como violência física e/ou psicológica, negligência, violência sexual (abuso e/ou
exploração sexual), adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas ou sob medidas
de proteção, tráfico de pessoas, situação de rua, abandono, trabalho infantil, discriminação por
orientação sexual e/ou raça/etnia, entre outras82”. Demarco três considerações acerca do
público-alvo do PAEFI: 1- o termo sofrem dá a entender que os AVS estão excluídos de tais
ações; 2- a terminologia famílias poderia abrir espaço para a interpretação de que os AVS
também deveriam ser atendidos, pois são majoritariamente constituintes das mesmas: pais
biológicos, padrastos, pais adotivos (HABIGZANG et al., 2005), avós, irmãos, tios, primos e
outros; 3- ter como público os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas ou
sob medidas de proteção significa que os CREAS deveriam oferecer atenção psicossocial
àqueles que praticam violência sexual, sejam eles integrantes das famílias das vítimas ou não.
O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) produz
anualmente Censos sobre os CREAS, avaliando diversos de seus aspectos. O último foi
publicado em 2015 e refere-se aos dados de 2014 (BRASIL, 2015). Contudo, é apenas na edição
CENSO SUAS 2009: CREAS (BRASIL, 2011b) que aparecem informações sobre os serviços
destinados aos “agressores de violência intrafamiliar” (BRASIL, 2011b, p. 139), termo que
abarca os autores de todas as formas de violência (tais como: física, psicológica e negligência)
e não somente a sexual. À época do levantamento, o Brasil totalizava mil e duzentos CREAS
(sendo mil, cento e quarenta e nove Municipais e cinquenta e um Regionais), distribuídos em
mil e noventa e nove municípios brasileiros. O Censo indicou que trinta e um, dos cinquenta e

82 Disponível em: <http://mds.gov.br/assistencia-social-suas/servicos-e-programas/paefi>. Acesso em: 22 jun. 15.


100

um CREAS Regionais (60,8%), ofereciam atendimentos (não especificando quais tipos) a


agressores de violência intrafamiliar nos Serviços de Proteção Social Especial às Crianças e
às Adolescentes Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias. Apesar de
parecer alta, deve-se entender com cautela a porcentagem constatada, uma vez que pode se
tratar de uma minoria de serviços, já que não há estatística similar nos outros mil, cento e
quarenta e nove CREAS Municipais. Mesmo existindo estas tímidas (mas extremamente
positivas) iniciativas, observa-se o problema da ausência de diretrizes de atuação com tal
público nos documentos produzidos pelo MDS, como o manual que estabelece orientações
técnicas de atuação nos CREAS (BRASIL, 2011a) e a Política Nacional de Assistência
Social/PNAS (BRASIL, 2004a).
O Conselho Federal de Psicologia, instituição externa ao MDS, reconhecendo os
psicólogos como participantes da equipe multiprofissional dos CREAS, publicou um
documento que estabelece referências para sua atuação em tais unidades. Dedica um item para
tratar do “atendimento aos autores de agressões sexuais” (BRASIL, 2009c, p. 71) e defende
que:

A incorporação do atendimento aos autores de agressões sexuais se torna indispensável


ao trabalho com crianças e adolescentes em situação de violência sexual, principalmente
pelo fato de todo o trabalho ter sido planejado considerando a centralidade na família,
em especial por ser esse um direito da criança ou do adolescente violado (BRASIL,
2009c, p. 71).

Em minha pesquisa bibliográfica, constatei escassez de produções científicas sobre


os atendimentos aos AVS nos CREAS, estudos estes que poderiam fornecer subsídios para a
necessária divulgação, fortalecimento e amadurecimento teórico-metodológico deste tipo de
proposta no Brasil. Encontrei o estudo de Lima (2013), que documenta o desenvolvimento de
ações psicossociais com AVS em uma unidade do CREAS da cidade de Manaus, capital do
estado do Amazonas. Os atendimentos ocorreram tanto em uma abordagem individual, como
também grupal. O “Grupo de Autores” teve como participantes pessoas acusadas de cometer
abuso sexual contra crianças e adolescentes. Pontuo que este foi um trabalho coordenado por
uma psicóloga voluntária do CREAS, não sendo, portanto, uma rotina da equipe que atua no
serviço ou uma diretriz estabelecida pela política pública municipal de assistência social.
Avaliando as ações desenvolvidas, o autor indica alguns problemas enfrentados e a fragilidade
da proposta institucional:

A parceria com o CREAS, atualmente, dá-se apenas na cessão do espaço para


funcionamento das reuniões. A equipe do órgão, ou pelo menos parte dela, realizava
101

atendimentos individuais a acusados de abuso sexual, encaminhando-os para o atendimento


em grupo. Os atendimentos individuais eram realizados com apoio de alguns estagiários
contratados pelo CREAS, alunos de serviço social e psicologia. Mas, atualmente não há
profissionais da instituição que deem suporte ao Grupo e poucos tem sido os
encaminhamentos feitos pela equipe do CREAS ao Grupo de Autores. Não existe uma
abordagem continuada – um feedback – entre profissionais do CREAS e a equipe que
trabalha no Grupo (LIMA, 2013, p.85).

Localizei também a publicação de Pinto Junior et al. (2015), que analisaram dados
de duzentos e dez prontuários de um CREAS do município de Volta Redonda, no Estado do
Rio de Janeiro. Sua pesquisa abrangeu dados sociodemográficos das vítimas e dos agressores,
bem como informações sobre os tipos de atendimentos e encaminhamentos realizados.
Englobando não somente os AVS, mas também os autores de violência física, psicológica e
negligência, os pesquisadores encontraram que, em 58,1% dos casos, eles eram do sexo
masculino e em 41,9% do feminino, majoritariamente na faixa etária de 31 a 40 anos, sendo
pais, mães, padrastos e madrastas. Em 40% das situações de violência, havia concomitante uso
de álcool ou drogas ilícitas. Como medidas de intervenção adotadas, foram realizados
encaminhamentos para: justiça criminal, tratamento psicológico/psiquiátrico, atendimento
psicossocial ou nenhum.
Direcionando a análise à política pública de Saúde, pesquisadores têm demonstrado
que o tema da violência ganha destaque e consolida-se neste campo a partir do final dos anos
90 (MINAYO e SOUZA, 1999). Contudo, as autoras pontuam que neste processo houve
grandes resistências que, em meu entendimento, vivenciamos até os dias de hoje:

[...] nunca um tema provocou tantas reticências para sua inclusão como o impacto da
violência no setor. As razões são muitas. Algumas vêm do próprio âmbito onde
historicamente o fenômeno tem sido tratado, o terreno do direito criminal e da segurança
pública (MINAYO e SOUZA, 1999, p. 8).

São recentes as portarias que regulam a notificação e a atenção às pessoas em


situação de violência sexual no setor saúde. Foi a portaria n. 1.968 MS/GM de 26 de outubro
de 2001 (BRASIL, 2001a) que primeiramente regulamentou a notificação obrigatória para
profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) que identificassem maus tratos contra crianças
e adolescentes, dentre eles a modalidade de abuso sexual. Dez anos depois, a Portaria n.
104/2011 (BRASIL, 2011c) estabeleceu que o profissional de saúde deve realizar a notificação
universal, ou seja, em todos os serviços de saúde, sem exceção. A Portaria n. 1.271, de 2014
(BRASIL, 2014a) manteve a notificação compulsória e propôs a notificação compulsória
imediata (notificação compulsória realizada em até 24 horas) em casos de tentativa de suicídio
e violência sexual.
102

As informações provindas das notificações de violência são organizadas pelo


Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes (VIVA), criado em 2006 pelo Ministério da
Saúde (MS), que “[...] tem como objetivo descrever o perfil dos atendimentos por violências
(doméstica, sexual e/ou outras violências) em unidades de referência definidas pelas secretarias
municipais e estaduais de saúde [...]” (BRASIL, 2009b, p. 20). Em última instância, a atuação
do VIVA promove uma facilitação nas três esferas de gestão do SUS (nos âmbitos federal,
estadual e municipal), em relação à definição de prioridades no estabelecimento de políticas
públicas de saúde, por meio do perfil epidemiológico deste tipo de agravo.
No que diz respeito à assistência à saúde de pessoas em situação de violência sexual
no SUS, os diversos documentos legais (Portarias, Leis, Decretos) que a regulamentam estão
centrados nas vítimas, praticamente ignorando a figura do AVS. São exemplos o documento
intitulado Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres
e adolescentes: norma técnica (BRASIL, 2012), elaborado em 1999 e reformulado em 2012; o
decreto nº. 7.958, de 13 de março de 2013, que estabelece diretrizes para o atendimento às
vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento
do SUS (BRASIL, 2013b); a Portaria 528, de 01 de abril de 2013, que define regras para
habilitação e funcionamento dos Serviços de Atenção Integral às Pessoas em Situação de
Violência Sexual no âmbito do SUS (BRASIL, 2013c); a Lei nº 12.845, de 01 de agosto de
2013, que dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência
sexual (BRASIL, 2013d) e ainda a Portaria nº. 485 de 01 de abril de 2014, que redefine o
funcionamento dos Serviços de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual no âmbito
do SUS (BRASIL, 2014b).
Os AVS, sejam eles adultos ou adolescentes, não são considerados como público-
alvo de diversas políticas de Saúde que, em meu entendimento, poderiam contemplá-los:
Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional
(PNAISP) (BRASIL, 2014c), Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem
(PNAISH) (BRASIL, 2009b), Política Nacional de Saúde Mental (BRASIL, 2001b), Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde dos Adolescentes em Conflito com a Lei, em Regime de
Internação e Internação Provisória (PNAISARI) (BRASIL, 2004b), Política Nacional de
Atenção Básica (PNAB) (BRASIL, 2011d) e outras. Quanto aos AVS, os documentos apenas
os mencionam vagamente, quando não os ignoram: “É imprescindível a sensibilização de
gestores e gerentes de saúde, no sentido de propiciar condições para que os profissionais de
saúde possam oferecer atenção integral às vítimas e às suas famílias, como também aos
agressores” (BRASIL, 1999, p. 22, grifo nosso).
103

Três considerações podem ser tecidas a partir dos documentos supramencionados:


1- tanto a notificação como a organização da assistência à saúde para pessoas em situação de
violência sexual no SUS são recentes; 2- os AVS são personagens quase inexistentes nos
documentos e Políticas de Saúde que poderiam contemplá-los; 3- o termo pessoas em situação
de violência sexual utilizado em diversas portarias do MS poderia, em uma interpretação
otimista, possibilitar a inclusão dos AVS no cuidado em saúde, mas como isto não está claro
nos documentos, eles deixam de receber a atenção requerida e necessária.
Até onde tenho conhecimento, o único programa governamental no campo da saúde
especificamente destinado a disponibilizar assistência à saúde mental aos AVS no Brasil
localiza-se na cidade de Brasília e intitula-se Serviço de Atenção Integral à Saúde da Pessoa
Autora de Violência Sexual (PAV Alecrim). Oferecido à população pela Secretaria da Saúde do
Governo do Distrito Federal, tem por objetivo principal a prevenção de reincidências, a partir
de uma abordagem responsabilizante83. Inaugurado em 2013, desenvolve ações de atendimento
psicológico, psiquiátrico e social aos AVS. Desconheço publicações científicas sobre esta
experiência, à qual tive acesso por meio da oficina84: “Debatendo o Atendimento ao Autor de
Violência Sexual e a Violência no Contexto das Redes Sociais e das Novas Tecnologias de
Comunicação e Informação”, na cidade de Brasília.
Direcionando a reflexão aos programas brasileiros de atendimento aos AVS em
Organizações não Governamentais ou em Centros Universitários, além do Programa
Repropondo (descrito no Capítulo 1), cito também outros dois que considero de especial
importância: 1- o Centro de Estudos e Atendimento Relativos ao Abuso Sexual (CEARAS),
ligado à Universidade de São Paulo, que “lida com questões referentes ao incesto85”; 2- o Centro
de Referência às Vítimas de Violência (CNRVV) – do Instituto Sedes Sapientiae, que
desenvolve ações de combate à violência doméstica86. Ambos realizam atendimentos a famílias
incestuosas, incluindo os AVS. São publicações87 advindas destes Centros: Cohen e Gobbetti
(2006), Ferrari (2004), Gobbetti (2000, 2006), Gobbetti e Cohen (2001), Moura et al. (2008),
Vecina e Ferrari (2002).
Considerando esse breve panorama, entendo que o Brasil tem andado na contramão
de países como os Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália e outros, pois estes têm

83 Disponível em: <http://www.df.gov.br/noticias/item/8351-sa%C3%BAde-inaugura-programa-para-atender-autores-de-


viol%C3%AAncia-sexual.html>. Acesso em: 10 abr. 14.
84 O evento ocorreu nos dias 20 e 21 de outubro de 2015 e foi coordenado pelo CEDECA do Rio de Janeiro, pelo o Comitê

Nacional de Enfrentamento a Violência Sexual de Crianças e Adolescentes e pela Rede ECPAT Brasil, com apoio do
CONANDA e da SEDH/PR.
85 Disponível em: http://www.usp.br/cearas/>. Acesso em 08 maio 14.
86 Para mais informações, ver: http://sedes.org.br/site/centros-sedes/cnrvv-centro-de-referencia-as-vitimas-de-violencia/
87 Para mais publicações, ver http://sedes.org.br/site/publicacoes/ e http://www.usp.br/cearas/
104

associado políticas de responsabilização criminal com políticas de atenção à saúde mental dos
AVS, bem como produzido uma vasta gama de literatura88, cujo conteúdo embasa e fortalece
propostas de ações sobre este intricado tema. Nestes países, os programas psicoterapêuticos
destinados aos AVS constituem-se como parte das rotinas governamentais nas prisões, nos
hospitais e nas comunidades e seus objetivos finais visam a redução das reincidências de
violência sexual, conforme se pode observar nas revisões de Brown (2005) e Spencer, A.
(1999). Os países citados têm conseguido seu intento, pois diversas pesquisas constatam que
AVS submetidos a atendimentos psicoterapêuticos reincidem menos do que os excluídos do
cuidado mencionado.
Marshall e Barbaree (1988), por exemplo, compararam AVS participantes e não
participantes de atendimentos psicoterapêuticos: para os primeiros (n=68), as taxas de
reincidência foram de 13.2% e para os segundos (n=58), o índice foi de 34.5%, o que nos dá
um significativo diferencial de quase o triplo. Similarmente, os achados de McGrath et al.
(2003) indicam uma redução das reincidências sexuais da ordem de seis vezes para os AVS que
completaram o tratamento psicoterapêutico, em se comparando com os sujeitos que negaram,
abandonaram ou foram excluídos dele. Freeman-Longo e Knopp (1992) encontraram uma
redução de cinquenta por cento na reincidência para homens tratados com psicoterapia, em
comparação com não tratados, em seis anos de follow-up. Looman et al. (2000) estudaram três
mil AVS encarcerados e indicaram que os não-tratados tiveram um índice de reofensas de
51.7%, enquanto que os tratados totalizaram 23.6%. Apesar dos números serem díspares, há
claramente uma convergência para a redução de reincidências de violência sexual pós
atendimento psicoterapêutico. Este é, definitivamente, o argumento central que justifica a
necessidade e importância de implantação e implementação deste tipo de serviço nos sistemas
de saúde e de assistência social ofertados à sociedade brasileira.
Além de pesquisas comprovando a redução de reincidências, a existência de
Programas internacionais de atendimento psicoterapêutico aos AVS é também corroborada pelo
trabalho de associações que advogam um movimento pró-dignidade quanto ao atendimento
psicoterapêutico de ofensores sexuais, fundadas ainda nas décadas de 1980 e 9089. Menciono a
International Association for the Treatment of Sexual Offenders90 (IATSO), criada em 1998
durante a realização da V Conferência Internacional de Tratamento de Agressores Sexuais, em
Caracas, na Venezuela. A associação tem por objetivos: 1- organizar a conferência bianual

88 Para uma revisão, ver Esber (2009).


89 Época em que o Brasil e diversos outros países do mundo passam ao enfrentamento da violência sexual contra crianças e
adolescentes.
90 Associação Internacional para o Tratamento de Ofensores Sexuais (tradução nossa).
105

sobre o tratamento de ofensores sexuais; 2- fomentar conferências locais, nacionais, regionais


e internacionais; 3- manter atualizado um guia de padrões para o tratamento de ofensores
sexuais; 4- defender um tratamento humano, digno, abrangente, ético e efetivo para os
agressores sexuais em todo o mundo. A IATSO publica uma revista eletrônica chamada Sexual
Offender Treatment91, que reúne artigos de pesquisadores de diversos países do mundo. Outra
instituição importante para a área é a norte americana Association for the Treatment of Sexual
Abusers92 (ATSA). Criada em 1984 com o objetivo de desenvolver pesquisas e facilitar a troca
de informações entre os profissionais que trabalham com os AVS, concebe o tratamento
psicoterapêutico a quem pratica a violência sexual como uma forma de prevenção e eliminação
deste tipo de violência e consequentemente de proteção da comunidade, evidenciada por seu
slogan: “Making Society Safer93”. A associação publica a revista Sexual Abuse: A Journal of
Research and Treatment 94 e realiza conferências anuais. Outra associação criada com essa
mesma preocupação é a National Organisation for the Treatment of Abusers95 (NOTA).
Inaugurada na Inglaterra em 1991, produz tanto o NOTA News (um boletim informativo regular,
com artigos, informações, notícias e revisões de livros), como também a revista Journal of
Sexual Aggression96.
Assim, há pelo menos trinta anos, outros países já têm encontrado certa
concordância quanto à necessidade e importância de oferecer atendimento psicoterapêutico aos
AVS nas comunidades e nas prisões. Ao levar em conta o que foi discutido na presente seção,
percebe-se que o Brasil ainda está à margem deste processo, pois esse é ainda um tópico que
necessita de avanços e amadurecimentos teóricos e metodológicos, uma vez que o atendimento
aos AVS “[...] é, sem dúvida, um dos aspectos das intervenções na área do abuso sexual contra
crianças e adolescentes mais povoado por resistências, esquivas, visões estereotipadas e, porque
não dizer, tabus” (MIYAHARA, 2011, p. 181).
Pressuponho que existam no mínimo três níveis de dificuldades para a inserção dos
AVS nas políticas públicas brasileiras: 1- individual, pois conforme constatou Miyahara (2011),
os profissionais que atuam nos serviços podem experienciar inseguranças, medos, ameaças,
angústias, valores morais, repulsa e raiva em relação aos AVS; 2- interpessoal, pois os
profissionais podem não se sentir técnica ou emocionalmente capacitados para desenvolver tais
ações (MIYAHARA, 2011), talvez porque tais atendimentos pouco fazem (ou nunca fizeram)

91 Disponível pelo site: http://www.sexual-offender-treatment.org/


92 Associação para o Tratamento de Abusadores Sexuais (tradução nossa).
93 Tornando a Sociedade Mais Segura (tradução nossa).
94 Abuso Sexual: Uma Revista de Pesquisa e Tratamento (tradução nossa).
95 Organização Nacional para o Tratamento de Abusadores (tradução nossa).
96 Revista de Agressão Sexual (tradução nossa).
106

parte das rotinas de trabalho das equipes; 3- institucional, pois os AVS são ausentes enquanto
público-alvo de diretrizes explicitas nos documentos que regem a Execução Penal, o Sistema
Socioeducativo, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o SUS.
Entretanto, percebo que felizmente uma mudança de paradigmas está se dando
paulatinamente. O estudo de Miyahara (2011) constata que profissionais que trabalham em um
serviço de referência ao atendimento à violência sexual contra crianças e adolescentes em um
município da região metropolitana da Grande São Paulo “já conseguem vencer a barreira para
o atendimento do abusador quando este é um adolescente, ressaltando assim a dimensão do
investimento terapêutico como profilaxia à proliferação do comportamento abusivo na vida
adulta” (MIYAHARA, 2011, p. 189). Em relação ao atendimento dos agressores97 sexuais
adultos, os entrevistados:

[...] transitaram da raiva e rechaço que “expulsavam o pai abusador” a um olhar que
podia entender sua presença como um pedido de ajuda, de inclusão. E que tal inclusão
na verdade, não significaria um transportar-se para o outro pólo de uma dicotomia
estereotipada entre agressores, que merecem ser extirpados, e vítimas, que precisam ser
protegidas. Muito pelo contrário, a inserção deste pai nos atendimentos pode ser vista
pelos próprios profissionais, como mais uma atitude de cuidado com a criança e sua
família (MIYAHARA, 2011, p. 204).

Apesar dos entraves manifestos pelos profissionais, o fato é que a demanda por tais
serviços existe, de acordo com alguns estudos. Pessoas que sentem desejo sexual por crianças,
mas que não praticaram violência sexual reivindicam atendimento psicoterapêutico, como uma
maneira de controlar de seus impulsos (OLIVEIRA, A., 2009). Homens que sentem preferência
sexual por crianças e adolescentes e que estão na comunidade voluntariamente buscaram
atendimento psicoterapêutico quando oferecido pelo Programa Repropondo, já descrito na
seção 1.1, como uma maneira de prevenir que venham a praticar violências sexuais (SANTOS
et al., 2009). Homens adultos encarcerados e adolescentes privados de liberdade (e que,
portanto, já haviam praticado violência sexual) tanto aceitaram participar de atendimentos
psicoterapêuticos, como também realizaram avaliação positiva de tais ações (SANTOS et al.,
2009). Assim, é possível que a busca por ajuda profissional ocorra antes, durante ou depois de
praticarem a violência sexual, sendo então tais intervenções possíveis e necessárias no âmbito
da prevenção primária, secundária e terciária, conforme conceituação de Ippólito e Santos
(2004).
A responsabilização penal de AVS é necessária e essencial para o enfrentamento da
violência sexual contra crianças e adolescentes, pois os atos que praticam constituem-se de

97 Termo utilizado pela autora.


107

crimes e devem ser legalmente punidos como tais. Entretanto, sugiro que consigamos, o mais
brevemente possível, superar o reducionismo da penalização jurídica, uma vez que o tema
requer também uma abordagem governamental e não-governamental na qual um novo
paradigma de atenção fosse oferecido: a associação entre a penalização de suas condutas e a
adoção de ações de caráter psicossocial e psicoterapêutico. Mas ainda temos de percorrer um
considerável caminho para que isso aconteça. E aqui, retomo a pergunta realizada no começo
da seção: a quais serviços públicos eles atualmente poderiam recorrer?
Para finalizar o presente Capítulo, ressalto que percorri os seguintes temas, a seguir
resumidos: 1- a conceituação e caracterização da violência sexual contra crianças e
adolescentes, revelando as maneiras pelas quais atualmente a entendemos (seção 2.1); 2-
evidenciei as diferentes maneiras pelas quais adultos, crianças e adolescentes e sexualidades
foram interpretados na história (seção 2.2); 3- problematizei a asserção, defendida por parte da
literatura psicológica, que os AVS possuem déficits de empatia pelas vítimas e ofereci
conceituações do campo das Ciências Sociais no que tange à socialização e às emoções, em
contraposição àquele modelo explicativo (seção 2.3); 4- dediquei parte da reflexão sobre a
mídia e violência sexual contra crianças e adolescentes, bem como os problemas por ela
apresentados, que acabam por acarretar o obscurecimento do tema para a população (seção 2.4);
5- revi alguns marcos legais para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e
adolescentes no Brasil, por entender que eles são elementos essenciais na construção e
reconstrução de representações sociais (seção 2.5); 6 - percorri, por último, as políticas públicas
e ações não governamentais de atenção aos autores de violência sexual no Brasil,
contextualizando as maneiras pelas quais algumas instituições governamentais e não
governamentais se situam em relação aos AVS (seção 2.6).
Dessa maneira, percorri a violência sexual contra crianças e adolescentes a partir
dos prismas conceitual, histórico, científico, midiático, jurídico e institucional, evidenciando a
complexidade necessária para sua a análise – que deve transcender (mas não desconsiderar) o
campo individual.
108

CAPÍTULO 3 - AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE AS


CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
SEXUAL PARA OS ENTREVISTADOS

O presente capítulo se propõe a evidenciar as representações sociais que vinte e seis


homens condenados por crimes sexuais contra crianças e adolescentes apresentam sobre as
vítimas de violência sexual. Para fins didáticos, agrupo o que pôde ser apreendido a partir de
suas narrativas em dois grandes eixos. O primeiro, exposto ao longo de toda a seção 3.1, diz
respeito à apresentação geral dos entrevistados e aos cenários revelados a partir do campo
empírico, com base em duas perspectivas: 1- dos próprios entrevistados, com suporte nos dados
colhidos nas sessenta e uma entrevistas nas quais percorro temas como suas infâncias,
adolescências, famílias de origem, sexualidade, uso de drogas, violência sexual praticada e
sofrida, vítimas, demais crimes, vivências na prisão e outros; 2- da instituição prisional e do
arcabouço penal (que indubitavelmente produzem, reproduzem e fazem circular representações
sociais sobre os AVS, sobre os crimes que os levaram à privação de liberdade, sobre suas
vítimas e outros), possível a partir da pesquisa documental98 realizada em seus prontuários
institucionais99. Para o exame desse primeiro eixo, proponho as três seguintes vertentes: 1- uma
breve análise da apresentação dos entrevistados (seção 3.1.1); 2- pessoas que praticam violência
sexual na perspectiva dos entrevistados (seção 3.1.2); 3- contradições entre o negar e o assumir
a violência sexual: diferentes facetas (seção 3.1.3). Ressalto que essas duas últimas emergiram
espontaneamente de suas narrativas, não tendo sido levadas como um elemento de investigação
ao campo empírico a priori.
No segundo eixo (seção 3.2), discutirei as representações sociais dos entrevistados
sobre crianças e adolescentes vítimas de violência sexual sob o prisma das três unidades de
significação propostas100: 1- vítimas e vítimas de violência sexual; 2- crianças e adolescentes;
3- sexualidade (das vítimas e dos AVS), que serão apresentadas em duas categorizações
centrais: 1- as vítimas e vítimas de violência sexual: a primeira unidade de significação (seção
3.2.1); 2- crianças/adolescentes e sexualidades: duas unidades de significação (seção 3.2.2).
Depois, comparo tais representações com os três conceitos parâmetros adotados.

98 Descrita na seção 1.4.


99 Na medida do possível, busquei reproduzir os termos ou frases coletadas nos formulários preenchidos por pesquisadores
colaboradores (caracterizados na seção 1.3).
100 Conforme já anteriormente explicitado na seção 1.5.2.
109

3.1 APRESENTAÇÃO DOS ENTREVISTADOS: CENÁRIOS REVELADOS A PARTIR DO CAMPO EMPÍRICO

ADRIANO101

a. Dados obtidos na entrevista

Adriano, quarenta e seis anos, primeira fase do ensino fundamental, em união


estável, um filho, operador de máquinas. Cometeu violência contra duas adolescentes (ambas
com doze anos) e uma criança (de onze anos), sendo todas desconhecidas e em episódios
isolados com cada uma. Não relata outros tipos de crimes ou uso de drogas, mas refere-se ao
fato de ter tomado “umas cervejas” antes de praticar a violência sexual. Está preso há quinze
anos.
Criado com seus oito irmãos, seu pai e sua mãe em um sítio, considera que sua
infância foi boa e que brincou muito. Neste período, nega ter sido vítima de violência sexual.
Sofreu violência física por parte dos pais, mas considera que tais práticas faziam parte da
educação familiar: “É alguma arte que a gente fazia, como se diz, é a educação do pai, creio
que já passei por isso, meu pai é muito bom assim, minha mãe, mas uma varada eu creio que
eu levava né, é o modo dos pais educar a gente na roça”. Aos doze anos, o pai se separou de
sua mãe, época em que parou de estudar. Aos dezoito, começou a namorar. “A gente foi
conhecer mulher, tinha que ser pago, né? Na zona, né?”.
Assume ter praticado as três violências sexuais pelas quais foi condenado, mas fala
principalmente de uma delas. Ao fazer isso, por vezes dá a impressão que teve apenas uma
vítima, o que não é verdade. Afirma que esta situação foi uma armação de sua ex-esposa e seu
de ex-patrão, uma vez que a adolescente se ofereceu sexualmente a ele, em troca de dinheiro.
“Não peguei ela à força. Ela quis deitar comigo, se ofereceu. Eu penso que foi meu patrão que
fez isso. A minha mulher tava com o meu patrão, sabe?”. Fala que, à época, não sabia que
relacionar-se sexualmente com adolescentes em troca de dinheiro era crime.
Adriano foi o único entrevistado preso por envolvimento com a ESCCA,
modalidade de violência sexual já conceituada na seção 2.1. Busca desconstruir as
consequências negativas da violência sexual que praticou contra sua vítima, pois utiliza-se de
quatro tipos de argumentos: 1– “Eu não sou estuprador”; 2 - “Pensei que ela já era acostumada,
era prostituta, né?; 3 – “Eu ofereci o dinheiro e ela aceitou”; 4 – “Ela que deu em cima de mim”.

101Os nomes reais de todos os entrevistados e de suas vítimas foram substituídos por fictícios, conforme já descrito na seção
1.6.
110

Apesar disso, ainda assim concebe a categoria idade como uma interdição para os
relacionamentos sexuais entre adultos e adolescentes e também reconhece a adolescente como
sua vítima, conforme evidenciarei na seção 3.2.1.1.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

Adriano foi condenado por ter cometido atentado violento ao pudor contra uma
criança e duas adolescentes, em três diferentes ocasiões. A exata idade das vítimas não foi
coletada pelos pesquisadores que preencheram o formulário. Na primeira situação, consta que
sua esposa buscou a vítima em sua casa com o intuito de que ela trabalhasse como doméstica.
Chegando lá, ele cometeu a violência contra a adolescente, com a ajuda102 da esposa. Na
segunda ocorrência, a esposa de Adriano solicitou à mãe da vítima que a deixasse pernoitar em
sua casa, pois seu marido estava viajando103. Contudo, Adriano estava em casa e cometeu
violência contra a criança por três noites. Da terceira descrição, não constam detalhes, tendo
sido registrado apenas tratar-se de uma “situação semelhante à anterior”. No prontuário
pesquisado, o denunciante não foi informado.

AMARILDO

a. Dados obtidos na entrevista

Amarildo, cinquenta anos, primeira fase do ensino fundamental, casado, três filhos,
pedreiro. Considera sua infância e adolescência como boas, já que nega ter sofrido qualquer
tipo de violência neste período e relata que brincava muito: “Quase assim não tinha serviço
pesado pra fazer e meu pai sempre deixava a gente muito bem à vontade. Preocupava com a
gente em não fazer coisa errada, fazer arte, esses ‘trem’, desobedecer eles”. Quando veio para
Goiânia, aproximadamente aos treze anos, morou na casa da tia e começou a trabalhar em uma
firma grande.
Não descreve uso de drogas. Está preso há um ano. Foi condenado por ter cometido
violência sexual contra a filha e a enteada, crimes que assume. Relata que as vítimas tinham
aproximadamente sete e oito anos quando as violências se iniciaram. Não sabe precisar por

102 O Formulário de Levantamento de Informações Via Prontuário preenchido por pesquisadores colaboradores não detalha o
tipo de ajuda oferecida pela esposa.
103 Note-se a participação da ex-esposa na segunda violência sexual praticada por Adriano, quando ela propositadamente mentiu

para a mãe da vítima, afirmando que seu ex-marido não estava em casa. Em todas as três entrevistas realizadas com Adriano,
ele não fez referência a qualquer tipo sanção penal que sua ex-esposa possa ter sofrido.
111

quanto tempo ocorreram, mas nega que tenham tido a duração de seis anos, conforme consta
em seu prontuário institucional. Ao longo das entrevistas, evidencia uma contradição entre
afirmar que as violências foram episódios isolados com cada uma delas e entre mostrar que elas
aconteceram mais de uma vez104, conforme trecho abaixo:

Até que um dia eu falei: “Não posso fazer isso, não posso!” E parei. // Eu tinha isso, eu
tinha essas ideias que aquilo ali [violência sexual] não era certo, só que eu não sei o
porquê que falhou. Tanto é que eu cheguei a um ponto de falar: “Não dá mais” Eu parei,
porque eu quis parar mesmo. Isso não faz bem. Isso não está certo. Aí eu parei, eu acho
que é por aí.

Praticou masturbação e sexo oral em ambas. Quando questionado se ele


considerava o que fez como uma violência, assim se manifesta: “Se eu falar pra senhora que
não, eu tô mentindo, né? Porque eu acho que, de uma forma ou de outra, era um abuso. Só de
ver, de tocar, é abuso. Então, eu considero que é um abuso sim”.
Informa não ter cometido qualquer tipo de crime além da violência sexual: “Nunca
matei ninguém, nunca roubei de ninguém. Briga, muito menos”. À época das entrevistas,
Amarildo tinha acabado de sair do regime fechado, em progressão para o semiaberto 105. Neste
mesmo período, voltou a conviver com a família e a enteada que vitimizou. Contou que pediu
novamente sua ex-esposa em casamento e que a mesma aceitou. Quando questionado sobre
como ele imagina que seria sua vida de volta à família, assim se manifesta:

A Marta (enteada/vítima) hoje está com vinte e três anos, né? Mora com a mãe dela, não
se casou ainda, está estudando. Então, ela me trata de uma forma que nem meus filhos
mesmo me tratam assim. Eles não me consideram tanto igual ela. Ela fala pra todo
mundo que eu que sou o pai dela. Então, às vezes eu fico pensando porque aquilo
aconteceu, né? Nem eu sei explicar porque tinha acontecido aquilo. Hoje, eu fico
olhando ela e é ruim ficar lembrando daquilo que aconteceu [violência sexual]. Mas a
gente nem fala de nada disso, nem ela nem a mãe dela”.

Note-se que Amarildo explicita o silêncio como uma das formas pelas quais a
família lida com o que ocorreu, sendo essa uma característica comum em famílias incestuosas
(FURNISS, 1993; GABEL, 1997). Relata arrependimento, culpa e vergonha pela violência
sexual praticada, tanto em relação à sua família, como também à sua vítima, sentimentos
comuns em AVS (ESBER, 2009; HANSON, 2003; MARSHALL et al., 2005).

104Trata-se aqui das diferentes facetas entre o assumir e o negar, o que será discutido na seção 3.1.3.
105As entrevistas com Amarildo ocorreram nas dependências da Colônia Industrial e Agrícola do Estado de Goiás: regime
semiaberto do Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia.
112

b. Dados obtidos no prontuário institucional

Amarildo constrangeu tanto sua filha quanto sua enteada à prática de violência
sexual. Segundo apurado nos autos, a primeira foi molestada desde os quatro anos de idade,
mas não especifica quando foi o término. A violência sexual contra a enteada (que tinha entre
oito e nove anos quando se iniciou) teria durado aproximadamente seis anos. Não se identificou
o denunciante.

ANDERSON

a. Dados obtidos nas entrevistas

Anderson, cinquenta e dois anos, ensino fundamental incompleto, casado,


trabalhava como pedreiro antes de ser preso. Está preso há dois anos e quatro meses. Não relata
uso de drogas ou a ocorrência de outros crimes, mas narra que já atirou em pessoas, em legítima
defesa. Pai de cinco filhos, sendo quatro mulheres e um homem, relata pouca convivência com
os mesmos. Foi acusado de cometer violência sexual contra duas filhas, de oito e quatorze
anos. Ele nega ter praticado tais atos, afirmando: “Sou inocente, mas não tenho raiva da minha
filha mais velha. // Prova disso é que foi constatado por exame que ela era virgem”. Quando
questionado sobre os motivos pelos quais suas filhas o teriam acusado indevidamente, diz que
um dia bateu nela pois estava junto com alguns amigos que fumavam maconha. Eis sua
narrativa:

Isso aí foi uma taca que eu dei na minha menina, porque ela tava com um rapazinho
novo, mexendo com droga. Ela não tava mexendo, tava junto com os caras e eu peguei
ela no flagrante. Aí, eu dei um tapa na bunda dela que ela chegou a fazer xixi na roupa.
Aí, ela pegou e jurou que ia acabar com a minha vida por causa disso. Aí, ela pegou e
me acusou que eu tinha mexido com ela e com a outra menina minha.

Quando questionado sobre o fato de sua filha mais nova também declarado ter sido
abusada por ele, Anderson responde: “A segunda, eu não sei nem porquê que ela fez isso,
porque eu nunca vi, ela era pequena. Ela [filha mais velha] pôs a outra no meio, de certo pra
incrementar mesmo, né?”. Seu caso foi noticiado na mídia televisiva e Anderson relata que
nessa época pensou até mesmo em cometer suicídio. Por isso, sofreu diversos tipos de
violências na prisão: psicológica e física. “Quando eu cheguei aqui, achei que não ia estar vivo
até hoje”. Nega ter sofrido violência sexual na prisão.
113

b. Dados obtidos no prontuário institucional

O denunciado cometeu o crime de atentado violento ao pudor contra duas de suas


três filhas. A mais velha começou a ser abusada por volta dos oito anos de idade e, aos catorze
anos, denunciou o pai. Na ocasião, a outra filha também contou que sofria os mesmos abusos.
Não consta por quanto tempo a segunda vítima foi abusada. As próprias meninas foram as
denunciantes e alegaram que as violências duraram aproximadamente cinco anos.

ARMANDO

a. Dados obtidos na entrevista

Armando, quarenta e seis anos, ensino fundamental completo, casado, pai de cinco
filhos, três com a primeira esposa e duas com a segunda. Exercia a profissão de agente de
segurança antes da prisão. Não faz uso de drogas ilícitas. Viveu sua infância e adolescência “na
roça”. Não relata ter sofrido violência intrafamiliar nesse período:

Meus pais nunca foram violentos comigo, minha mãe também nunca foi violenta
comigo. Super pai e super mãe. Os irmãos, todos também tranquilos. Tudo trabalhador.
Pessoal que morava na roça, mas pessoal tudo ralador. Minhas irmãs, eu. Então assim,
nunca fui violentado. Meus irmãos também nunca, nenhum deles foi violentado, nem
minhas irmãs. Minha família é uma família pobre, mas é uma família bem
estruturadinha.

Foi condenado por ter cometido violência sexual contra sua enteada por três anos,
que tinha sete à época do início, crime que não assume ter praticado.

Quando aconteceu isso [falsa acusação] comigo, eu fiquei chateado demais, porque eu
vivia num ciclo de amizade muito assim, só com pessoas boas. Pessoas que me
conhecem, sabem que eu jamais ia cometer aquele ato. [...] Então, eu nunca fiz. Nossa!
Eu tenho a maior bronca disso aí, doutora. Eu vejo isso aí contra a mulher, briga,
também, violência sobre a mulher, marido bater em mulher, furar a mulher, matar a
mulher. Eu sou contra isso. Radical.

Está preso há três anos. Diz não ter praticado outros crimes.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

Armando cometeu abuso contra sua enteada desde que esta tinha sete anos de idade,
quando convivia maritalmente com sua mãe e dois irmãos. Quando ficava sozinho com a vítima
em casa, beijava-lhe a boca, tirava seu short, calcinha, e também a própria roupa. Passava o
pênis em sua vagina, fazendo carícias íntimas. Um dia, a mãe chegou em casa e viu o acusado
114

saindo do quarto da filha. Na ocasião, ela questionou a criança, que revelou estar sofrendo abuso
sexual. A mãe procedeu à denúncia e Armando foi preso em flagrante.

BRUNO

a. Dados obtidos na entrevista

Bruno, quarenta e sete anos, primeira fase do ensino fundamental, solteiro,


trabalhava na construção civil e como comerciante antes da prisão. Na infância, trabalhou na
roça: “Não tinha tempo nem pra estudar. Meu pai e minha mãe era muito seguro com a gente,
tinha que prestar atenção nas coisas de casa primeiro, né?” Relata convivência familiar
harmônica, sem qualquer tipo de violência física e sexual. Também não sofreu violência sexual
extrafamiliar. Dos doze aos dezesseis anos, trabalhou como engraxate e vendedor de salgados,
para complementar a renda familiar. Casou-se aos dezessete com a sua segunda namorada e
teve seus seis filhos. Após separação, relacionou-se com a mulher que o acusou de cometer
violência sexual contra sua filha, uma adolescente de doze anos, pelo no período de dois anos.
Nega ter cometido este ou outro tipo de crime. Está preso há quatro anos e não relata uso de
drogas.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

No formulário preenchido, constam apenas os seguintes dados: “O autor do crime


era ex-amante da mãe da vítima”.

CÉSAR

a. Dados obtidos na entrevista

César, cinquenta e oito anos, ensino médio incompleto, casado, uma filha. Foi
acusado de cometer violência sexual contra sua neta, de seis anos. De acordo com a denúncia
realizada pelo pai da criança, a violência ocorreu pelo período de dois anos. Contudo, César
nega ter cometido tal crime. Estudou até o segundo ano e exerceu a profissão de gráfico. Está
preso há quatro anos. Cometeu diversos crimes de furto a supermercados. Relata nunca ter
praticado homicídios. Sua mãe faleceu no parto e nunca conheceu seu pai biológico, então foi
adotado por um casal, sobre os quais relata:
115

Minha mãe adotiva bebia demais e me batia demais. Ela enchia a cara e punha eu para
sair com ela pra pedir esmola, sem precisão, porque meu pai toda vida trabalhou e
sustentou a família, esse que me criou. Mas ela bebia demais, mijava no meio da rua,
pedia dinheiro pros outros. É nesse sentido que eu falo que minha vida não foi muito
boa. Depois que ela sumiu, minha vida melhorou.

Conta ter tido uma infância satisfatória com seu pai adotivo, que morreu quando ele
tinha doze anos:

De criança, foi muito boa, porque meu pai tinha maior carinho comigo. Eu estudava em
colégio bom, tinha coisa boa, tinha roupa boa. Até os treze anos, nunca tirei [furtei] nada
de ninguém, nunca fiz nada de errado. Ia pra igreja todo domingo, jogava minha bolinha.
Essa era minha infância.

Após a morte do pai, a irmã adotiva passou a se responsabilizar por seus cuidados.
Conheceu a atual esposa quando tinha treze anos: “Logo, eu conheci minha mulher. Quem me
criou para o resto da vida foi minha mulher”. Começou a praticar furtos com aproximadamente
catorze anos e passou por diversas internações no COOJ. Não relata uso de drogas.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

Consta no levantamento apenas que: “Cesar cometeu abuso sexual contra sua neta
por dois anos”.

CRISTIANO

a. Dados obtidos na entrevista

Cristiano, trinta e dois anos, primeira fase do ensino fundamental, ajudante de


pedreiro, solteiro, um filho. Está preso há 14 anos. Relata uma infância ruim. Até os oito anos,
morou com seu avô e tia paternos, mas nunca chegou a conhecer seu pai biológico, pois sua
mãe era profissional do sexo e teve um relacionamento rápido com seu pai. Durante toda a sua
infância e parte da adolescência, frequentava o “puteiro106” e se lembra que algumas vezes
sentiu medo quando: “Eu via uns trem lá, mulher sentada no colo de homem, os caras querendo
agarrar minha mãe, entendeu? Eu vi uns trem lá, não gosto também nem de lembrar”. Relata
não ter tido oportunidade brincar, uma vez que começou a trabalhar com nove anos de idade.
Foi nessa época que Cristiano voltou a morar com sua mãe, padrasto e irmãos, ocasião na qual
sofreu violência física, principalmente por parte do padrasto:

106 Segundo as palavras do próprio entrevistado.


116

Mudava o clima, tudo. Ele chegava xingando, bravo, entendeu? Qualquer coisinha, batia
na gente. Ele já me bateu muito, mas eu não tinha raiva dele não. Eu gostava dele ainda,
você acredita? Eu gostava dele demais. Eu aprendi a chamar ele de pai. Forçado,
entendeu? Forçado, mas aprendi.

Nessa mesma época, fugiu de casa várias vezes e morou na rua. Foi nela que
começou a praticar diversos furtos e abusar de drogas ilícitas como roupinol, loló, cola e
maconha. “Ah, eu fazia um monte de trem, roubava, pegava os bonés em ônibus, bastava um
boné só, entendeu? Só pra fazer isso, só pra fazer o mal feito, entendeu? Aí pegava os trem,
roubava tudo, começava a cheirar cola”. Sobre a sua experiência de ter morado na rua, assim
se manifesta: “A rua é assim: eu tô na rua, ninguém manda em mim, entendeu? É eu mesmo”.
Depois, passou a realizar crimes nas ruas. Aos doze anos, quando cometeu seu
primeiro assalto, foi pego pela polícia pela primeira vez e preso em uma delegacia para
adolescentes. Quanto à sua adolescência, diz que “não foi boa e nem ruim também”, época a
partir da qual não mais parou de cometer crimes com armas de fogo e enfrentar a polícia: “Dava
tiro neles [policiais] no rumo deles também, tava nem aí pra eles não”. Foi preso várias vezes
por assalto. Permaneceu na rua até sua prisão atual. Lá, conheceu o crack, droga que tem usado
há catorze anos.
Quanto à violência sexual motivo da sua condenação, relata que no dia em questão,
tinha feito uso de bebida alcoólica e “pedras107”, junto com dois conhecidos. Ao perceberem
que o dinheiro para a droga havia acabado, entraram em uma residência para cometer um assalto
onde morava uma adolescente de treze anos com sua família. Ela foi estuprada primeiramente
por um dos seus colegas e depois por ele: “Não estava nem pensando nisso108 não, entendeu?
Aí, um molequinho lá foi e deu a ideia [de estuprar]. E nossa! Eu me arrependo até hoje desse
trem, isso não podia ter acontecido não. Nunca também pensei que ela tinha treze anos,
entendeu? Ela é uma mulher já grande”.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

O autor, juntamente com seu parceiro, praticou assalto na casa dos tios da vítima.
Os dois cometeram violência sexual contra a adolescente, portando uma arma de fogo calibre
38 e ameaçando a vítima no momento do ato. O crime foi cometido quando Cristiano estava
foragido do Sistema Prisional pelo crime de assalto. Não se obteve o nome do denunciante.

107Nome utilizado para referir-se à uma droga de efeito alucinógeno chamada crack.
108Aqui, Cristiano sustenta um posicionamento de que a violência sexual teria sido consequência de um ato repentino, como
será discutido na seção 3.2.2.5.
117

DANILO

a. Dados obtidos na entrevista

Danilo, cinquenta anos, primeira fase do ensino fundamental, casado, pedreiro,


cinco filhos. Foi acusado de ter cometido violência sexual contra duas crianças desconhecidas,
uma de sete e outra de onze anos, ambas do sexo feminino, em duas situações diferentes. Alega
não ter cometido tais violências. Está preso há três anos.
No que diz respeito à sua história de vida, não conheceu seu pai e foi criado apenas
com a mãe e o padrasto, que faleceram no final de sua adolescência. Danilo se viu sozinho,
juntamente com seus irmãos. Não relata uso de drogas. Afirma ter cometido aproximadamente
cinco homicídios, sendo um deles dentro da própria cadeia, quando outro preso o acusou de ser
um estuprador109. Diz não se arrepender de nenhum desses crimes: “Não, porque pra mim, eles
tinham que ter morrido mais cedo”.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

As duas crianças transitavam por uma estrada, quando foram abordadas por Danilo,
juntamente com seu irmão. A violência ocorreu num matagal, próximo à rodovia. As duas
sofreram violência sexual (vaginal e anal), foram mordidas, tinham lesões corporais,
hematomas e golpes de coronhada na cabeça. As meninas foram encontradas na rua,
ensanguentadas e com dificuldade de andar. O autor negou todas as acusações. Atribuiu o crime
ao irmão, que confessou parte das acusações. O denunciante não foi informado.

EMÍLIO

a. Dados obtidos na entrevista

Emílio, vinte e nove anos, analfabeto, solteiro, auxiliar de serviços gerais, sem
filhos. Morou por pouco tempo com seu pai na infância. Foi criado por um casal adotivo, que
por ele “começou a sentir um amor, eles tratou eu bem. Eu também cuidava dos trem certinho
pra eles, eles passou a gostar de mim, a mesma coisa de ser um filho dele”. Aos dezessete anos,
saiu de casa e se mudou para outra cidade para trabalhar, a convite de seu tio. Oscila em
classificar sua infância e adolescência como péssimas e felizes. “Péssima, tipo assim, em alguns

109Note-se que, assim como os AVS podem ser vítimas de toda sorte de violências nas prisões, conforme já descrito nas seções
1.5.3 e 3.1.3, eles também podem praticar tais tipos de violências na cadeia, como uma forma de sobrevivência.
118

momentos, foi péssima. Em outros foi uma maravilha. Teve os momentos de sofrimento e os
momentos de alegria também”. Quanto aos momentos felizes, relata brincadeiras e passeios
com sua mãe nos cafezais próximos à sua casa. Aos quinze anos de idade, quando sua mãe
faleceu, teve que morar com seu pai, que na época já tinha setenta anos de idade. Considera tal
momento de sua vida como infeliz. Diz não ter sofrido nenhum tipo de violência na infância,
fosse ela física, psicológica ou sexual.
Sobre a violência sexual à qual foi condenado, afirma que estava em uma festa,
juntamente com o pai do adolescente e diversas outras pessoas. Na ocasião, todos faziam uso
de álcool. Diz que, no decorrer do evento, o filho de seu amigo, de quatorze anos insinuou-se
sexualmente para ele diversas vezes. Após beber muito, ele foi para um dos quartos e dormiu,
mas acordou com o garoto pegando em seu pênis, momento em que ele o afastou. Foi quando
o primo do adolescente viu a cena e correu até o pai da vítima para contar o que estava
acontecendo. Assim, não nega que o contato sexual tenha ocorrido, mas sim sua
intencionalidade por tal interação, culpabilizando a vítima. Quanto aos outros tipos de crime,
relata que já realizou uma tentativa de homicídio. Narra intenso abuso de álcool na idade adulta.
Está preso há dois anos.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

O autor morava no mesmo lote do adolescente, que era surdo-mudo. Levou-o até a
sua casa, onde o trancou. Lá, rasgou sua bermuda, enfiou o dedo em seu ânus e obrigou-o à
prática de sexo oral. Os vizinhos desconfiaram e chamaram o pai do adolescente, que arrombou
a porta, flagrou a situação e chamou a polícia.

FABIANO

a. Dados obtidos na entrevista

Fabiano, quarenta e seis anos, analfabeto, casado, cinco filhos, lavador de carro.
Durante a infância, morou com seu avô, que o registrou como seu filho. Sua mãe morava com
seu padrasto, pai dos seus outros irmãos: “Eu não passei a infância com a minha mãe porque
ela não tinha condições [financeiras] de tá junto comigo, de me criar”. Considera que sua
infância foi “muito boa”. Começou a trabalhar em feiras livres quando tinha doze anos, fazendo
frete.
119

Quando seu avô faleceu, ele tinha catorze anos e foi morar com sua mãe, que era
alcoolista. Ele teve então que assumir a criação dos irmãos. Neste período, teve uma vida pobre,
ajudava sua mãe com as tarefas domésticas, trabalhava na feira e catava restos de alimentação
para levar para casa e dar aos seus irmãos. Depois, teve diversos trabalhos informais (ajudante
em uma oficina mecânica, office boy de supermercado e servente). Sua mãe foi assassinada na
adolescência dele. Nega ter sofrido violências física ou sexual. Aos dezoito anos, passou a
morar junto com uma adolescente de dezessete anos, que considerou sua esposa. É pai de dois
filhos com ela. Teve um relacionamento extraconjugal e foi acusado pela amante de cometer
violência sexual contra a filha dela, de dez anos de idade, pelo período de um ano. Não assume
a violência e relata não ter cometido outros tipos de crime. Não narra uso de drogas. Está preso
há dois anos e meio.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

O denunciado era padrasto da criança e a obrigou a masturbá-lo por um ano.


Utilizou-se de ameaças, como matar a mãe e os irmãos da vítima para obter o seu silêncio. O
acusado esperava a mãe ir trabalhar ou dormir para praticar a violência. A criança contou sobre
os abusos para a mãe. Ele nega as acusações.

FÁBIO

a. Dados obtidos na entrevista

Fábio, sessenta e sete anos, analfabeto, casado, três filhos, pedreiro, morou e
trabalhou na roça, com seus pais. “[...] a minha vida foi só trabalhar, né? Nunca tive assim
alegria de sair pra passear, né? Era só mesmo a luta de trabalho, ganhar o pão de cada dia”.
Apesar disso, relata convivência harmônica com seus pais: “Pra mim, era tudo bom, né? Nunca
teve encrenca, toda vida fomos muito humildes, muito bom, beleza. // Fui criado assim pobre,
mas a criação tudo no respeito”. Quanto à sua adolescência, Fábio relata que “Foi a mesma
coisa, quase”. Não relata ter sofrido qualquer tipo de violência na infância e adolescência. Foi
condenado ter cometido violência sexual contra a filha de cinco anos, crime que nega ter
praticado. Narra ter cometido um homicídio e também fazer uso de drogas: crack e maconha.
Está preso há três anos.
120

b. Dados obtidos no prontuário institucional

Fábio já estava separado da mãe da vítima e morava em um barracão nos fundos do


lote. No período de um ano, quando sua ex-esposa se ausentava, ele forçava a filha a ter relações
sexuais com ele. A vítima contou sobre os abusos para sua irmã mais velha, que falou para a
mãe. Em depoimento, a vítima e sua genitora relataram que o acusado já havia cometido
violência sexual contra outras pessoas: sua ex-cunhada e as colegas de sua filha. O acusado já
havia cumprido pena por homicídio. A denunciante foi sua ex-esposa, mãe da criança, que
afirmou que a violência durou pelo período de um ano.

GUILHERME

a. Dados obtidos na entrevista

Guilherme, quarenta e três anos, analfabeto, casado, nove filhos, funcionário


público. Não conviveu com o pai biológico e relata ter sido vítima de constantes violências
físicas, juntamente com seus irmãos, tanto por parte da mãe quanto do padrasto, o que o fez ir
para a rua e voltar para casa por diversas vezes. Isso ocorreu muito precocemente, quando tinha
apenas seis anos de idade:

Quando ela falava assim: “Vou te bater”, eu dormia na rua, passava mais de semana
dormindo na rua. Eu fiquei um bocado de tempo na rua. Eu não fugi só uma vez, eu fugi
várias vezes na minha vida. // Entrava dentro do esgoto pra dormir, porque era mais
quentinho. Eu só tinha a roupa do corpo, entendeu? // Eu não tive aquele pai, entendeu?
Aquele pai, grudado. Eu não tive aquela mãe que eu queria ter entendeu? Era
trabalhadeira, só que nós éramos nove irmãos, e ela não dava conta de tudo sozinha,
entendeu? Aí, ela arrumou o padrasto, piorou mais a vida, porque o padrasto batia no
meu irmão. Só batia no meu irmão, não batia em mim não, porque eu falava pra ele: “Se
bater em mim, eu vou quebrar seu carro todinho”.

Sua adolescência foi vivida quase da mesma maneira que a sua infância, ou seja,
oscilando entre morar na rua e em sua casa. No começo de sua adultez, casou-se e teve uma
filha. Foi denunciado pela ex-esposa por ter cometido abuso sexual contra a filha de sete anos
de idade, mas nega a violência. Relata ter cometido uma tentativa de homicídio e diz não fazer
uso de drogas. Está preso há um ano.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

Guilherme, aproveitando-se da ausência da mãe, constrangeu sua filha de oito anos


a ir ao banheiro com ele e tirar a roupa. Ele estava nu e com o pênis ereto, acariciou lascivamente
121

sua filha e esfregou seu pênis na vagina dela. Depois, foi ao quarto e, parcialmente despido,
colocou o pênis entre as pernas da filha e chupou sua vagina. Falou para a filha que, se ela
contasse algo para a mãe, ele iria bater nela. A vítima relatou o fato para o irmão mais velho e
ambos contaram para a mãe, que o denunciou. O autor afirma que queria ensinar à filha o que
ele fazia com a mãe dela, que sua intenção era ensiná-la sobre o sexo, já que este conhecimento
deveria vir do lar.

JOÃO

a. Dados obtidos na entrevista

João, trinta e três anos, analfabeto, solteiro, um filho, não trabalhava antes de ser
preso. Criado pela avó, oscilava entre morar em sua casa e na rua. A primeira vez que fugiu,
tinha sete anos de idade: “Não tive carinho de irmã, de mãe, de pai, de ninguém. Então, como
se diz, eu era sozinho no mundo. As pessoas que eu conheci, só era pensamento maldoso. Eu
aprendi o quê? Então, pra mim, é difícil tentar ser bom, tentar mudar, pra mim tá difícil.”
Cometeu seu primeiro furto quando criança, aos sete anos. Então, continuou a praticar pequenos
delitos para sobreviver na rua. Caracteriza esse período como:

Péssimo, mal, ruim. Eu fui menino de rua. Eu saí de casa, eu tinha sete anos de idade,
como se diz, eu fui criado no mundo, fui criado na rua, na malandragem, como se diz,
sem dó, sem piedade do tal de ser humano, da sociedade. Coisa que eu nunca tinha
aprendido era ter dó. Matar, roubar, fazer as coisas erradas. Só que aí, que Deus me
perdoe, eu não arrependo do que eu faço, do que eu fiz. Mas hoje, eu tenho orgulho da
minha pessoa, porque na vida, quando eu morava na rua, eu sofri, apanhei demais dos
outros, da polícia.

Na idade de aproximadamente treze anos, teve a sua primeira passagem pelo COOJ
e desde então tem sido recorrentemente submetido a prisões, sejam em Centros de Internação
para Adolescentes ou no Sistema Prisional Adulto. Teve também passagens por ONGs e
instituições governamentais de assistência social. Começou a usar drogas quando criança
(maconha, cola, esmalte e roupinol) e neste período cometeu diversos outros crimes, como
tráfico de drogas, assaltos, furtos, estelionatos e assassinatos. Perdeu a conta de quantas pessoas
já matou e relata não se arrepender disso, pois diz “viver na vida do crime”. Acrescenta ainda
que se incomoda com o fato de que as “pessoas da sociedade” o consideram como “um lixo” e
é por isso que mata suas vítimas.
122

No que diz respeito ao crime de violência sexual contra uma menina de treze anos
pelo qual foi condenado, diz que à época também era adolescente110 e que conhecia a garota.
Assume ter tido contato sexual com a mesma, mas não o entende como uma violência, pois diz
ter se tratado de uma interação consensual. Está preso há dez anos.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

A adolescente morava em uma instituição para meninos de rua e era conhecida do


autor. João marcou encontro com a vítima e, ao encontrá-la, cometeu violência física, ameaças
e violência sexual (vaginal e anal). A adolescente conseguiu fugir e pedir ajuda. O autor foi
pego em flagrante nas proximidades. Não se obteve o nome do denunciante.

JONAS

a. Dados obtidos na entrevista

Jonas, quarenta e dois anos, primeira fase do ensino fundamental, casado, três
filhos, trabalhou com serviços gerais antes da prisão. Relata ter tido um ótimo relacionamento
intrafamiliar durante toda sua infância: “Eu era o xodozinho deles. Brincava, meu pai dava de
tudo. Os quinze filhos foi assim. Era uma benção”. A favorável condição socioeconômica da
família era proveniente dos rendimentos da fazenda que possuíam. Aos treze anos, um
conhecido levou-o para trabalhar em um garimpo e lá ficou até os vinte e quatro anos. Menciona
ter sofrido violência sexual na infância por uma pessoa conhecida, mas não muito próxima.
“Mexeu na minha calça. O que acontece? Veio me abusar e ali foi o fim da picada, foi crueldade,
foi um desarranjo, foi coisa que eu nem pensava na minha vida. Eu era novo, tinha na base de
uns dez anos”. Ao ser confrontado com o fato de que as filhas também tinham idade de
aproximadamente dez anos quando ele iniciou a prática da violência, assim se manifesta: “Eu
fico encabulado desse ponto aí também. Começou ali, parece que é uma sina. Se não tiver
tratamento psicológico, aquela sina passa de gerações em gerações 111”. Diz-se envergonhado
tanto pela violência sofrida, como também pela praticada.

110 Informação esta que não confere com os dados do prontuário institucional e nem com sua própria prisão (Sistema Prisional
Adulto).
111 Este nexo entre a violência sexual sofrida e a praticada também foi encontrado em trabalho anterior, como um dos motivos

importantes para a prática da violência sexual, quando refleti que “[...] evidenciar a violência sofrida pelos sujeitos desta
pesquisa não significa fazer reduções ou simplificações que possam sugerir que uma criança vítima futuramente cometerá
violências. Entretanto, reconhecer suas histórias de vida nos possibilita entender o processo de construção de suas
subjetividades como AVS” (ESBER, 2009, p. 97).
123

Jonas perpetrou violência sexual contra suas duas filhas, tendo iniciado com a sua
primogênita, quando ela tinha nove anos. Ele afirma que sentiu desejo sexual por ela, mas que
somente começou a praticar o abuso depois de aproximadamente dois anos após tê-lo
experienciado pela primeira vez. Nesse intervalo, narra não ter mais sentido essa vontade, que
foi posteriormente despertada por alguns gestos cotidianos de sua filha:

Jonas: Aí começou a ficar pulando demais no sofá, tudinho assim. E ali dentro da gente,
dentro da pessoa que tem um pouquinho de malícia, aquela malícia ali, ela gera ... é a
mesma coisa da gente colocar uma água num pezinho de planta, que ela começa a ficar
forte. O que acontece? Fica viva.

No princípio, realizou toques sexuais e sexo oral. Posteriormente, o entrevistado


sentiu desejo de penetração, o que não se concretizou, segundo seu relato: “Não penetrava
completamente. Isso aí é uma sujeira muito da gente, que eu fico assim tão revoltado sobre isso.
Eu, um pai, fazer isso com as filhas! É impensável. Isso é uma coisa muito absurda ”. Em sua
fala, claramente dá a entender – mas não afirma categoricamente – que a violência teria ocorrido
por um tempo prolongado. Qualifico tal característica de seu relato como uma forma de
negação, comum em AVS, uma vez que a assumência é parte de um processo gradativo de
revelar/esconder a violência praticada, conforme discutirei na seção 3.1.3:

Quando eu ia fazer isso aí [penetração], o arrependimento batia na hora. Eu me tocava,


me chocava, saía de casa, queria entrar de baixo de um carro, uma coisa absurda. Parece
que aquilo ali me chocava por dentro, não queria viver mais, só por conta disso. Muitas
vezes saía. Aí, parece que era o momento, parece que voltava aquele sentimento: “Não”.
Uns dias de novo: “Mas que negócio é esse? Não”. De novo. // Ter a vontade [de
penetrar], mas: “Não, gente!”. Eu fui e me toquei. Era uma covardia era muito grande
que estava dentro de mim. Minha filha sendo aliciada por um pai. Aí, eu me toquei e
saía fora. Depois, sentia aquilo de novo.

Depois de um tempo em que já praticava violência sexual contra a filha mais velha,
Jonas começou a cometer os mesmos atos contra sua outra filha, que tinha dez anos à época.
Segundo seu relato, tratou-se apenas de um episódio isolado com esta última:

Jonas: Pensou de fazer, eu digo assim, fazer algo com ela.


Karen: Sexo?
Jonas: É, sexo. Pensei mesmo, pensei.
Karen: Você chegou a abusar dela?
Jonas: É. Foi no sofá.
Karen: Foi nesse dia?
Jonas: Foi nesse dia. Foi esse dia, o primeiro e o último. Tocou, mas parece que me
acordou na mesma hora. Deu assim um palpite e me acordou porque eu estava
dormindo. Decidi na hora: “Não vou”. Aí cai fora, depois.
124

Diz que após cometer violência contra a filha mais nova, contou à mais velha sobre
o ocorrido, pedindo sua ajuda: “Parece que eu estava com os olhos, que não tava enxergando o
erro que eu estava fazendo. Aí, eu fui e falei para minha filha mais velha. Ela disse: “Não papai,
não pode, não pode”. Informou ainda ter sentido desejo sexual por seu filho112, mas que nunca
chegou a cometer abuso sexual contra ele. Quando questionado sobre os motivos pelos quais
não transformou seu desejo em atos, justifica: “Deve ser porque é homem 113. Deve ser isso. //
É homem. Homem não pode. Aí, o que acontece? Deve ser isso. Segurei mais por conta disso.
Deve ser isso”. Não relata ter praticado outros tipos de crimes ou fazer uso de drogas. Está preso
há três anos.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

Jonas é pai das crianças. Era considerado pela família como uma pessoa violenta e
que se utilizava de ameaças a todos. A mãe descobriu a violência contra as filhas e, por medo,
se calou114. Às vezes ficava acordada à noite, para protegê-las. O pai mostrava revistas
pornográficas para as filhas. Preso em flagrante. A denunciante foi sua ex-esposa, mãe das
meninas.

LEANDRO

a. Dados obtidos na entrevista

Leandro, quarenta e um anos, segunda fase do ensino fundamental, casado, dois


filhos, mecânico. Está preso há dez anos. Relata que nunca conviveu com o pai, pois ele
abandonou sua mãe ainda no período da gravidez. Diz não ter sofrido violência sexual em sua
infância e que em sua adolescência, “dos quinze anos para frente, foi muito ruim”, pois
vivenciou “muita brincadeira e muita droga”. Fez uso de maconha, merla e cocaína. “A pior
droga que já aconteceu na minha vida foi essa tal de merla”. Leandro foi preso por ter cometido
violência sexual e homicídio contra uma criança de dez anos, filha de sua amante. Nega a
primeira violência, mas assume a segunda:

112 Apesar de menos comum, é possível que os AVS desejem sexualmente ou cometam violência contra crianças de ambos os
sexos, como evidenciado por Langfeldt (2010) e Marsden (2009).
113 Sem pretender realizar uma análise aprofundada sobre essa afirmação de Jonas, interpreto suas narrativas a partir de duas

possibilidades: 1- há maior objetificação sexual de meninas e mulheres e por isso elas são as principais vítimas de violência
sexual; 2- existiria uma repulsa em relação a uma possível relação homossexual com o filho, pois ela se configura como
“duplo tabu” (PINTO JUNIOR, 2005).
114 O prontuário institucional dá a entender que a genitora era ciente da violência sexual ocorrida dentro de sua casa. Contudo,

não faz referência a qualquer tipo de responsabilização penal da genitora.


125

Eu cheguei em casa drogado e eu namorava com a mãe dessa menina. // Aí, eu tinha
brigado com a mãe dela. Aí, eu cheguei em casa bêbado, fui e enforquei a menina. Agora
me fala: existe um negócio desse? Não teve nada de violentação [violência sexual], não
teve nada disso não. Meu pensamento, na hora que eu usei aquela droga [merla] lá, meu
pensamento era de matar a mãe dela.

Questionado sobre o porquê ter desejado matar sua amante, afirma que estava com
muita raiva pois esta ameaçava revelar o caso extraconjugal à sua ex-esposa. Relata que nunca
tinha planejado realizar qualquer tipo de violência com a criança e que está arrependido do
homicídio que praticou: “Uma menina que não fez mal para ninguém, não fazendo nada para
ninguém. Matar a menina à toa! Aquilo lá foi de repente e eu estava muito bêbado, aí aconteceu
isso. // Falar daquela menina lá acaba com o meu dia”. Associa o homicídio ao uso de drogas:
“Eu sei que o meu acontecimento foi o efeito da droga. Eu tenho certeza disso, sou consciente
disso”. Já praticou outros homicídios, dentre os quais o de um homem que entrou em sua casa
para furtar seus pertences. “Porque ele entrou lá em casa e roubou. Ele roubava todo mundo lá
na rua. Eu falei pra ele que o dia que ele entrasse lá em casa, eu matava ele. Ele entrou num dia
e no outro dia, eu matei ele”. Diz não se arrepender de ter praticado esse crime.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

O acusado era vizinho da vítima, usuário de drogas e estava sob seu efeito quando
praticou a violência. Após bater na criança, ela desmaiou e ele cometeu violência sexual. Com
medo de ser descoberto, matou a vítima por estrangulamento. Negou as acusações de violência
sexual. A mãe da vítima foi a denunciante.

LUIZ

a. Dados obtidos na entrevista

Luiz, quarenta e oito anos, ensino superior completo, casado, seis filhos, trabalhava
como cabelereiro antes da prisão. No que diz respeito à sua biografia, relata ter tido “Uma
infância normal, né? Uma infância normal, de uma família humilde. Foi normal, nada de
excepcional”. Também alega “uma adolescência normal, colégio, passei a trabalhar, né? Era
casa, colégio, trabalho. Isso aí”. Não narra ter sofrido qualquer tipo de violência durante este
período. Não informa uso de drogas no período anterior à prisão. Entretanto, depois de preso,
passou a usar crack por períodos intermitentes. Preso há quatro anos, nega a violência sexual
contra a sobrinha de sua amante, de quinze anos. Não relata ter praticado outros tipos de crimes.
126

b. Dados obtidos no prontuário institucional

O denunciado era pastor de Igreja. Ele obrigou a adolescente a usar drogas, com
objetivo de “purificar seus complexos”. Ele a compeliu a fazer sexo oral e chegou a ter relação
sexual com penetração por três vezes, sendo que a esposa de Luiz e a tia da adolescente
presenciaram o fato por duas vezes. O acusado negou ter praticado a violência, mas foi preso
em flagrante. Foi denunciado pela mãe da vítima e, de acordo com ela, a violência ocorreu três
vezes.

MARCELO

a. Dados obtidos na entrevista

Marcelo, trinta e um anos, primeira fase do ensino fundamental, solteiro, nenhum


filho, serralheiro. Não conheceu sua mãe biológica e não teve convivência com seu pai, tendo
sido criado pela tia e tio. “Eles que me apoiou, me deu o apoio, deu carinho, né? Eu mesmo que
desviei do apoio que eles me deu, né? // Não sei se foi revolta. Não sei o que foi”. Não soube
explicar os motivos pelos quais ele teria esse tipo de sentimento. Não relata ter sofrido violência
sexual na infância, intra ou extrafamiliar. Desde criança, oscilava entre morar na rua e em casa.
Começou a praticar diversos delitos no início da sua adolescência, com cerca de treze anos,
dentre eles assalto à mão armada: “Entrei na bandidagem muito cedo”.
Foi privado de liberdade pela primeira vez aos dezesseis anos em uma unidade
socioeducativa para adolescentes, quando cometeu um assalto para comprar drogas, dentre elas
maconha e merla: “A hora que eu entrei na minha adolescência, já começou a vir a droga. Aí
foi aonde que eu desandei mesmo. De lá pra cá, foi só cadeia”. Durante os assaltos que praticou,
por diversas vezes, atirou nas vítimas ou trocou tiros com a polícia, mas não sabe informar se
já matou alguém.
Aos dezenove anos, cometeu dois estupros, ambos com o uso de intensa violência
física. Um deles ocorreu contra uma criança desconhecida de nove115 anos e o outro contra uma
mulher adulta, não sabendo precisar sua idade. Foi condenado por ambos e assume tê-los
praticado. Na primeira ocasião, relata que estava preambulando pela rua, quando se encontrou
com uma criança e levou-a para algum lugar, mas que não se lembra do que fez com ela. Acha
que a falta de memória se deve ao uso abusivo de bebida alcoólica, maconha e merla:

115Consta em seu prontuário institucional que esta vítima teria nove anos. Em suas entrevistas, Marcelo se refere à mesma de
duas maneiras: algumas vezes, diz que a mesma tinha nove anos e, em outras, fala que ela era uma adolescente de treze anos.
127

Mas na hora que você tá drogado, você já não sente medo mais, né? Depois que você tá
com a sua vítima, acabou. Você não pensa mais nada. Depois que tem o retorno, né?
Depois que você para da cachaça, da droga, aí que você vai ver o que que você fez, né?
Aí já é tarde, não tem como voltar atrás. Aí já é tarde. // O que eu me lembro é que eu
olhei na minha roupa, né? Isso foi no outro dia, sabe? Fui pra casa e dormi. Aí, no outro
dia, estava tudo cheio de sangue e não sabia nem de onde vinha esse sangue. Depois
que fui relembrando a maldade que eu fiz.

Questionado sobre sua reação e sentimentos nos momentos em que se recordou dos
atos praticados contra a vítima criança, reflete:

Tipo assim, um aperto no coração, né? Do mal que eu cheguei a cometer, né? Sendo
que, como se diz, não tinha jeito de eu voltar pra trás, daquele mal mais. Como se diz,
magoado comigo mesmo, né? Não tinha jeito, eu sabia que eu fiz aquele mal. Eu não
corri, jamais, né? Que eu sabia que iam chamar a polícia, mas eu não corri. Falei: “Eu
vou continuar em casa. Se eu fiz, eu vou ter que pagar.

Em relação à segunda vez em que praticou a violência sexual, narra que havia
adentrado na residência de sua vizinha, uma mulher adulta, com o intuito de cometer um assalto:
“Eu fui pra roubar, não fui pra estuprar, mas chegou lá, não sei que deu. Não sei o que me
passou pela cabeça”. Diz se lembrar de poucas coisas, sendo sua falta de memória comum às
duas violências praticadas: “O mal que eu fiz pra ela [vítima], né? Que eu sei que eu fiz mal,
né? Agora, o que [quais atos sexuais] eu fiz assim ... [eu não me lembro]. Só que eu sei que eu
cometi o estupro, né? Agora o que eu fiz mais, eu não sei”. No que diz respeito aos sentimentos
que experienciou após recordar-se dos atos praticados contra a vítima mulher, diz: “Eu vou falar
pra você, a sensação foi ruim viu, foi ruim, mas ruim mesmo. Aí não tinha jeito, vinha o
desespero, né? Ia chorar, mas não tem jeito. Depois, a gente cai em si também. Porque depois
que fez, não tem como voltar. É só pedir perdão pra Deus, né?” Em ambas situações, Marcelo
parece apresentar compreensão do mal que provocou às vítimas somente após ter a violência
ocorrido e não nos momentos antes e/ou durante. Ele interpreta que o abuso de drogas teve um
forte papel para que isso tivesse ocorrido.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

Marcelo abordou uma criança de nove anos na rua e a forçou a acompanhá-lo até o
matagal, onde a estuprou. Em outra ocasião, Marcelo adentrou na residência de uma conhecida,
adulta, com o objetivo de assaltá-la e, chegando lá, cometeu violência sexual contra ela.
128

MATHEUS

a. Dados obtidos na entrevista

Matheus, analfabeto, trinta e dois anos, exercia atividade de serviços gerais antes
de ser preso. Sua infância e adolescência foram dedicadas ao trabalho: “A minha vida toda foi
trabalhar. Eu não estudei, fui na escola poucas vezes, não tive tempo de estudar, só
trabalhando”. Não menciona ter sofrido violências na infância e adolescência. Aos dezoito anos,
amasiou-se e não teve filhos. Foi condenado por ter cometido violência sexual pelo período de
um ano contra uma criança de nove anos, sobrinha de sua amasiada. Nega ter cometido o crime,
mas afirma que olhou o órgão genital da criança para verificar a existência de uma assadura:

Essa menina tinha uma assadura, um trem que não sarava nunca. Minha esposa
trabalhava e ela ficava reclamando dessa assadura. Um dia, eu cheguei do serviço,
cansado demais, e ela: “Tio, eu tô assada demais”. E o meu vacilo foi olhar... Ela
abaixou a roupa e meu enteado, na época, não lembro quantos anos, era novinho
também, chegou correndo, entrou e falou isso, que eu estava fazendo isso [abuso
sexual].

Matheus nega ter cometido outros tipos de crime ou ter feito uso de drogas. Está
preso há um ano.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

A vítima foi morar com a tia (amasiada do autor) aos dois anos. Os abusos
começaram quando a menina tinha nove anos. Aconteciam na hora do almoço, quando a vítima
ficava sozinha com o autor. Foi surpreendido pelo enteado, que comunicou o fato à mãe.

MAURO

a. Dados obtidos na entrevista

Mauro, trinta e oito anos, casado, três filhos, analfabeto, mecânico de carro. Com
oito anos de idade, já trabalhava vendendo picolé e laranjinha na rua, como uma forma de
contribuir com a renda familiar, cuja condição financeira era precária. Começou a estudar aos
dez anos de idade. “Meus doze, treze anos, minha adolescência foi tudo junto, né? Foi a mesma
coisa: só trabalhar, chegar em casa cansado, deitar, dormir e no outro dia ir pro serviço. A
mesma coisa”.
129

Mauro foi condenado por cometer violência sexual contra sua filha de oito anos em
um episódio isolado e denunciado pela avó materna da vítima. Ao negar, dá a entender que não
sabe quem foi o denunciante de seu processo e coloca a responsabilidade pela denúncia na mãe
da criança. Afirma que a mãe da criança inventou a estória por que: “Ela queria dinheiro e
pensão e eu nunca dei, porque ela ia gastar com uma coisa desnecessária. Eu sabia o jeito que
ela era”. De acordo com seu relato, ela o teria ameaçado: “Te ponho na cadeia a qualquer
momento”. Não narra uso de drogas ou ter cometido outros tipos de crime. Está preso há cinco
anos.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

Mauro é pai da criança, que vivia com a mãe e avó materna. No dia do ocorrido, o
autor buscou a criança para dormir em sua casa, passou por bares e, ao chegar em casa, insistiu
que a filha dormisse com ele na mesma cama. Foi quando passou o pênis em sua vagina e em
suas nádegas, chegando a ejacular. No dia seguinte, a criança relatou o ocorrido à sua avó
materna, que realizou a denúncia. O autor nega a acusação.

NILTON

a. Dados obtidos na entrevista

Nilton, analfabeto, vinte e quatro anos, solteiro, nenhum filho, lavador de carros.
Está preso há seis anos. Sobre sua infância, diz que seu relacionamento com sua genitora não
tinha proximidade emocional: “Era desligado”. Nunca conheceu o pai, que morreu quando ele
era ainda novo. Viveu com os cinco irmãos e o padrasto, que: “Batia muito na minha mãe.
Então aí, virava aquela briga danada. Eu pequeno, sem poder fazer nada. Aí, eu revoltei”. Aos
oito anos, foi morar na rua, fato sobre o qual sua mãe nunca se manifestou. “Morei na rua seis
anos, sou ex-menino de rua. Já vi muitos consertar e muitos morrer”. Durante esse período,
relata ter sofrido vários tipos de humilhação: “O povo me humilhava, zombava de mim. Aí foi
aonde que eu fui revoltando”. A experiência de viver na rua não trouxe “Nada de bom. Tudo
de ruim”.
Diz não saber relatar se foi vítima de violência sexual na infância, mas tem a
impressão que sua família esconde alguma coisa dele e que pode ser isso. Usou diversos tipos
de drogas (maconha, crack, cocaína e cola). “Eu era dependente químico daqueles pesados”.
130

Para manter seu vício, cometeu furtos, assaltos e outros crimes, como o “bença tia116”. Aos
dezessete anos, praticou um roubo e foi submetido à medida socioeducativa de privação de
liberdade, em um Centro de Internação de Adolescentes.
Já adulto, foi condenado por estupro em dois processos: no primeiro, constavam
como vítimas uma mulher e uma adolescente e no segundo, apenas uma mulher. Nos dois casos,
ele desconhecia as vítimas e as abordou para praticar assaltos na rua. Apesar de ter contado três
versões para o primeiro crime, em todas afirma veementemente não ter cometido estupro. Diz
que estava perambulando e precisava de dinheiro para comprar drogas: “Lá na rua mesmo,
nesse dia, eu tinha dado um tiro117, mais ou menos assim cinco gramas”. Na primeira versão,
relata não se recordar da violência sexual praticada. Em um segundo momento, ele diz ter
colocado a mão no bolso da calça de uma delas à procura de dinheiro e se masturbado à ocasião.
Questionado se considerava tal ato como uma violência sexual, responde que não. Em uma
terceira versão da situação, afirma:

Essas aí, eu não cheguei a fazer nada com elas não. Essas aí, eu lembro agora certinho,
porque na hora que eu ia fazer [violência sexual], juntou uns vizinhos que viram e aí eu
sai correndo. [...] Só que aí eu não cheguei a fazer nada com essas duas meninas não.
Agora eu lembrei.

No que diz respeito à segunda condenação, assume ter estuprado uma mulher, após
abordá-la para uma tentativa de assalto: “Aí, bateu essa vontade aí de fazer esse trem em mim,
veio na mente de uma hora pra outra”. Conta que tinha feito uso de jombrado118, que seu
dinheiro tinha acabado e que estava: “fissurado, e foi aonde que eu saí pra roubar”. Diz não se
recordar exatamente dos atos sexuais que realizou com a mulher. Somente quando o efeito da
droga havia passado, ele começou a lembrar-se da situação: “Aí, depois que sarou a lombra,
que eu tava na delegacia, que eu fui parar pra ver o erro que eu fiz, grande. Aí não teve como
voltar atrás. Infelizmente, né?” Questionado sobre o que havia pensado nesse momento,
responde: “Pensei em não fazer mais isso, né? Porque isso não me leva a nada, a lugar nenhum”
Foram realizadas cinco entrevistas com Nilton e, em momento algum, ele manifestou
arrependimento, culpa ou sentimentos ruins pelos crimes de violência sexual que cometeu.

116 Trata-se de um golpe no qual alguém liga para a casa de qualquer pessoa, finge ser um sobrinho e passa a extorquir a vítima.
117 “Tiro” é uma gíria utilizada para se referir ao uso do crack pela via nasal, assim como se cheira cocaína. Nilton também
fazia uso de medicamentos como Anador, Doril e Dorflex, esfarelados e cheirados.
118 Mistura de crack com maconha.
131

b. Dados obtidos no prontuário institucional

Na primeira situação, com duas vítimas, o autor levou-as para um matagal, onde
cometeu violência sexual. O crime foi registrado na Delegacia de Proteção à Criança e ao
Adolescente, indicando que pelo menos uma das vítimas é menor de idade. Contudo, não consta
a idade das mesmas. Na segunda situação, com uma vítima, a violência também ocorreu em um
terreno baldio, um matagal. O denunciante não foi informado.

PAULO

a. Dados obtidos na entrevista

Paulo, vinte e seis anos, primeira fase do ensino fundamental, solteiro, nenhum
filho, ambulante, tem diagnóstico psiquiátrico de esquizofrenia. Foi criado pela madrasta após
o falecimento do pai, quando era criança, mas sempre fugia de casa para passar uns dias com a
mãe. Narra abuso de drogas desde os doze anos de idade: “Nessa época que eu comecei a usar
droga, eu tinha o quê? Eu tinha os meus doze, treze anos”. Questionado sobre a ocorrência da
violência sexual na infância, diz não se recordar, mas não descarta a possibilidade:

Eu não me lembro, né? Porque eu era assim, muito apegado. Quando era pequeno,
sentava no colo do meu pai, no colo do meu tio, sentava no colo dos meus parentes tudo.
Então ali, eu não me lembro se houve esse tipo de abuso. Mas no meu modo de pensar,
eu acho que eu sofri. Não tenho certeza. Eu acho que eu passei por isso, porque alguém
da família me desejou, fez alguma coisa, entendeu?

Em outra entrevista, ao contrário da primeira, Paulo afirma ter sofrido violência


sexual quando criança119:

É o seguinte: quando eu era pequeno, menino de tudo, eu já fui usado, infelizmente.


Quando eu era pequeno, eu fui usado pelo meu pai. Fez sexo comigo, doutora.
Ameaçava, pegava a faca, colocava aqui, falava que se eu abrisse a boca, ele ia me
matar. Eu já sofri muito na vida. Eu, porque nunca quis falar esse tipo de coisa (choro).
É muito triste, sabe doutora? Eu era menino, acho que eu tinha os meus doze, treze anos
por aí, quando eu comecei a ser usado pelo meu próprio pai. Foi dos doze até os meus
dezesseis, dezessete, por aí. Ele me abusava, me batia, me trancava no quarto, falava:
“A partir de hoje, você vai ficar aí dentro desse quarto”. Jogava eu no quarto. Teve uma
vez que ele chegou do serviço cansado e ficou nervoso comigo, rumou eu na parede,
entendeu? Pegou eu: “Você vai morrer, seu desgraçado ruim”.

119Ao invés de entender essa divergência de relatos como uma mentira, compreendo que existem dificuldades nos AVS em
relatarem a um interlocutor as violências sexuais sofridas na infância, conforme já demonstrado pela literatura especializada
(ESBER, 2009; JESUS, 2006).
132

Trabalhava como ambulante em uma escola pública. Foi acusado de ter entrado no
banheiro e cometido violência sexual contra um aluno de cinco anos. Diz não se lembrar da
situação e não ter certeza se foi ele o autor da violência, uma vez que tinha utilizado vários tipos
de droga (cola, maconha e crack) no dia em questão: “No dia desse crime mesmo, eu estava
drogado, a senhora tá entendendo? Até o dia que eu fui preso, eu estava drogado. Drogado de
tudo, eu estava drogado”. Entretanto, não descarta a possibilidade de que ele tenha sido o autor
da violência, uma vez que foi julgado pela justiça. Diz estar arrependido da violência que
cometeu:
Vai me destruindo tudo por dentro, vai me deixando cada vez mais magoado, eu lembro
da situação, igual eu falei pra senhora, arrependi demais da conta doutora, juro pra
senhora. // Isso aí é uma coisa revoltante, é uma coisa nojenta, é uma coisa antipática,
mas é uma coisa que eu tenho certeza que ninguém quer passar por isso.

Já havia realizado uma tentativa de homicídio anteriormente, em razão de uma


divergência com outro homem em um bar, crime pelo qual nunca foi condenado. Está preso há
um ano.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

O acusado entrou na escola onde a vítima estudava, para beber água. Aproveitou-
se do momento de reunião de professores e foi atrás da criança no banheiro, onde a violentou.
Após o ato sexual, queimou o braço e o pé do garoto com um cigarro. O denunciado diz ser
homossexual e usuário de drogas. Pediu perdão aos pais da vítima e assume a culpa, para depois
negá-la120. Não se obteve o nome do denunciante.

RENATO

a. Dados obtidos na entrevista

Renato, quarenta e seis anos, primeira fase do ensino fundamental, solteiro e pai de
três filhos, trabalhou com serviços gerais antes da prisão. Teve uma infância e adolescência que
considera “ótimas”, sem queixas. Não narra ter sofrido violência sexual neste período. Já tinha
sido anteriormente preso por porte e tráfico de drogas. Não relata uso de drogas ilícitas antes
da prisão, mas confirma intenso abuso de bebida alcoólica (cachaça). Depois de preso, passou
a usar o crack por seis meses. Renato foi condenado por cometer violência sexual contra a filha

120O prontuário institucional revela contradição entre o assumir e o negar a violência, que também ocorreu em diversos
momentos da entrevista de Paulo. Esta discrepância é comum nas narrativas de outros entrevistados, conforme será discutido
na seção 3.1.3.
133

de nove anos, durante quatro anos. Nega a acusação: “Pra começar, eu era pai e mãe. Eu não
tive ninguém para me ajudar a criar a menina. Eu peguei ela com quinze dias de nascida, quem
tinha que dar banho era eu, quem tinha que trocar roupa era eu, e criei ela até os até os nove
anos”. Está preso há quatro anos.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

O acusado é pai da vítima, e abusava da filha desde os quatro anos de idade.


Obrigava-a a fazer sexo oral, era agressivo, violento física e psicologicamente. A guarda da
vítima era da avó, porém era o pai quem cuidava. O pai esteve em tratamento psiquiátrico. Não
se obteve o nome do denunciante.

RICARDO

a. Dados obtidos na entrevista

Trinta e seis anos, não consta escolaridade, casado, nenhum filho, profissão de
vigilante. Preso há quatro anos. Ao se referir sobre sua infância, não relata violência sexual.
Vivenciou brincadeiras, trabalho e uso de drogas. Para comprá-las, trabalhava e furtava:
“Comecei a fumar maconha com onze anos de idade”. Na adolescência, ele continuou usando
drogas: “Minha adolescência foi mais mexendo com meu vício de drogas. Muita droga, muita.
O dia amanhecia e eu já estava mexendo com droga. Acordava, escovava os dentes e já ia fumar
logo uma maconha, já ia procurar uma droga. Sempre foi assim.”
Sobre o estupro que assume ter cometido contra a enteada de quinze anos, conta
que um dia estava em um bar e alguém lhe falou que sua esposa estava traindo-o com o ex-
marido, pai da adolescente. Diz que fez uso de crack e álcool por dois dias seguidos, até que
decidiu matar a esposa. Questionando sobre os motivos pelos quais tomou essa decisão, conta
que não admite traição, uma vez que sempre foi trabalhador e honesto com sua ex-esposa.
Chegando em sua casa, tentou degolá-la com um estilete e achou que a tinha matado. Quando
sua enteada o atacou, com o objetivo de defender a mãe, reagiu e começou a agredi-la
fisicamente e a estuprou. Conta que não se lembrava do estupro, nos momentos imediatamente
após a violência, até que o fato foi relatado pelos policiais que o prenderam: “Você vai usando
droga demais, dá tipo um sumiço na sua memória, na sua cabeça”.
Diz continuar mantendo sentimentos positivos e considerando a enteada como uma
filha: “Até hoje, eu estou tentando entender isso [estupro e tentativa de assassinato], mas não
134

consigo. E eu vou dizer para você que eu gosto dessa menina como se fosse minha filha. Gosto
dela, respeito a mãe dela, respeito até ela”. Contudo, ao reconhecer seu erro e culpa pelos atos
que cometeu contra a família, prefere adotar uma postura de afastamento:

Ah, não tem lógica, um trem sem base, sei lá, não dá nem pra explicar praticamente o
que [silêncio] canseira! De repente, eu tô aqui com o meu pai, de repente meu pai
[silêncio121]. Não tem lógica! Entendeu? Eu sei que é uma coisa que eu sou culpado. //
Não merecia nem estar vivo, sei lá. // Depois do que aconteceu, eu acho que eu perdi o
direito, o direito de tudo. Eu acho que é melhor deixar ela do jeito que ela tá, entendeu?
Eu acho que eu não tenho o direito de pensar mais nada dela. // Se eu tivesse a
oportunidade de encontrar com ela, com a mãe dela, eu pediria perdão, do jeito que ela
quisesse, para ela, para as duas.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

O denunciado, após separação, tentou matar a mãe da adolescente, tendo eles sido
casados por quinze anos. Quando a adolescente respondeu ao pedido de socorro da mãe, foi
surpreendida por Ricardo, que as amarrou e violentou sexualmente a enteada. Cometeu sexo
anal e vaginal. Após gritarem por socorro, o autor fugiu, porém, foi preso em flagrante. O
denunciante não foi informado.

RONALDO

a. Dados obtidos na entrevista

Ronaldo, quarenta e seis anos, primeira fase do ensino fundamental, casado, cinco
filhos, trabalhava com serviços gerais. Está preso há dois anos. Na infância, viveu na roça e
dedicou-se ao trabalho pesado. Por isso, considera esse período como sofrido. Não relata ter
sido sexualmente violentado na infância e adolescência. Diz nunca ter feito uso de drogas
ilícitas. Cometeu homicídio contra uma de suas ex-esposas, motivado por ciúme de uma traição.
Cometeu violência sexual contra um de seus filhos de dez anos, o que segundo seu relato
ocorreu por três vezes. Em todas elas, havia feito uso excessivo de álcool:

Na hora, não pensava nada. Mas depois que parava, eu via meu filho lá andando pra
baixo e pra cima, eu via que eu tava errado. Mas por quê? Por causa da bebida. Depois
que acabava tudo, que eu sarava, aí eu via que eu tava errado, a senhora entendeu? Na
hora eu não pensava nada, porque tava bêbado, não via nada.

121Observe-se que Ricardo se silencia e não nomeia explicitamente os atos de violência que cometeu, o que pode refletir sua
vergonha em falar explicitamente sobre o assunto, sentimento comum em AVS, de acordo com a literatura (ESBER, 2005,
2009; HANSON, 2003; MARSHALL et al., 2005; SANTOS et al., 2009).
135

Questionado sobre quais atos sexuais havia realizado com seu filho, diz: “A gente
ficou junto, não teve penetração. Só que o exame provou que fez. Não sei o que deu nos exames,
porque nem fiquei sabendo dos exames”. No trecho abaixo, demonstra seu sentimento sobre a
situação:

Eu tenho um arrependimento tão grande disso! Porque é sangue meu. Eu acho que se
eu não tivesse bebido, não tinha acontecido nada disso comigo. E sempre, a mulher
pedia: “Para, meu bem, de ficar bebendo. A bebida vai te estragar”. E eu fazendo as
coisas com meu filho, né? Então aconteceu esse trem comigo, que vou falar pra senhora:
tem hora que eu deito e fico imaginando, pensando as coisas que eu fiz erradas com meu
filho. Às vezes ele tem mágoa de mim, eu não sei também, né? Porque as coisas que
acontecem na vida da gente, às vezes faz aquilo através da bebida. A bebida faz você
fazer aquilo, que você cria coragem, faz tudo, né?

Em momento algum, Ronaldo desvinculou a violência sexual do abuso de álcool.


Frisa que o álcool foi um fator determinante para que ela acontecesse. De acordo com seu relato,
ele saía de casa, fazia uso de bebida alcoólica, chegava em seu domicilio, chamava seu filho
para ir para o mato e lá praticava a violência sexual.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

Após ouvir da criança sobre os abusos sexuais cometidos pelo pai, a professora
comunicou o fato à mãe e ambas denunciaram o acusado. Do relato, não consta a duração da
violência sexual contra a criança.

SAMUEL

a. Dados obtidos na entrevista

Samuel, quarenta anos, ensino médio incompleto, casado, lavador industrial.


Durante a infância, conviveu com o alcoolismo da mãe. Na adolescência, dedicou-se ao trabalho
e adquiriu certa independência financeira: “A minha adolescência foi trabalhar, sempre
trabalhei, sempre. Desde a idade de doze anos, fui dono de mim mesmo, entendeu? Não precisei
do meu pai nem da minha mãe pra me dar mais nada. A condição que eles tinham era precária.”
Fez uso de maconha desde criança. Posteriormente, experimentou o crack: “Aí
invernei no crack, invernei no crack, mudei pra a casa da minha mãe. Lá, eu roubei minha mãe,
e roubei também meus irmãos”. Não relata a ocorrência de violência sexual na infância ou
adolescência. Aos catorze anos, conheceu sua primeira namorada, que posteriormente foi sua
esposa, com a qual teve quatro filhos. Ela o denunciou por ter cometido violência sexual contra
136

o filho deles de doze anos pelo período de dois anos, o que Samuel nega. Não relata ter praticado
outros tipos de crimes. Está preso há um ano.

b. Dados obtidos no prontuário institucional

O acusado é pai da vítima e estava separado da mãe das crianças. Nos fins de
semana, ele se encontrava com os filhos, aproveitando-se dessas visitas para abusar do filho
mais velho. Nestas ocasiões, ameaçava matar tanto o filho como também a mãe da criança. A
genitora fez a denúncia quando, ao questionar sobre o que estava acontecendo, o filho lhe
contou o que sucedia durante as visitas do pai. Segundo a criança, o pai tentou repetir os atos
sexuais com o irmão mais novo.

SÉRGIO

a. Dados obtidos na entrevista

Sérgio, quarenta e dois anos, primeira fase do ensino fundamental, solteiro, quatro
filhos, trabalhou como operador de máquinas. Passou sua infância com os pais e, aos treze anos,
parou de estudar e começou a trabalhar. Trabalhou em lanchonetes, pit dogs, como ajudante de
servente e na construção civil. Nega ter sofrido violência sexual na infância e na adolescência.
Casou-se duas vezes e tem dois filhos. Assume que cometeu violência sexual contra sua filha,
mas nega que tenha sido por um período prolongado e que ela teria nove anos de idade,
conforme denunciado pela mãe da vítima no processo judicial. Diz que ela ocorreu somente
uma vez, quando todos saíram para ir à feira e ele a teria beijado e abraçado e que nessa época,
a menina tinha doze anos.

Às vezes, aconteceu isso, mas às vezes não deu o crime. O crime é até bobo e tem coisa
mais pior, né? [...] a feira lá era cinco minutos no máximo, eles não gastavam mais que
cinco, dez minutos, acho que sim, porque ainda tinha que fazer isso e aquilo lá, então
não dava tempo [de praticar a violência] [...] depois que nós saímos da sala e fomos para
o quarto, foi naquele momento ali quando eu comecei a beijar, isso e aquilo lá. Aí,
loguinho em seguida comecei a me sentir mal.

Não relata ter cometido outros tipos de crimes ou ter feito uso de drogas. Está preso
há dois anos e quatro meses.
137

b. Dados obtidos no prontuário institucional

O pai cometeu violência sexual contra a filha de nove anos de idade, durante três
anos e sete meses. A filha relatou o ocorrido para a mãe, que procedeu à denúncia.

A partir da conclusão dos relatos, exponho na tabela a seguir os dados gerais da


apresentação dos entrevistados, coletados tanto nos prontuários institucionais, como também
nas sessenta e uma entrevistas.
138

Tabela 1- Dados gerais dos entrevistados obtidos por meio dos prontuários institucionais e das entrevistas
Sexo Tempo Profissão
Estado Proximidade Idade da Outros Violência
Nome Idade Escolaridade Filhos da Denunciante Assume de anterior à Drogas
civil social da vítima vítima crimes prolongada
vítima cadeia prisão
1ª Fase do 1: Desconhecida 1: F 1: 12 anos 1: Sim 1: Não
União Operador de
Adriano 46 Ensino 1 2: Desconhecida 2: F 2: 11 anos Não consta 2: Sim Não 15 anos Álcool 2: Não
Estável Máquinas
Fundamental 3: Desconhecida 3: F 3: 12 anos 3: Sim 3: Não

1ª Fase do
1: Enteada 1: F 1: 7 anos 1: Sim 1: 6 anos
Amarildo 50 Ensino Casado 3 Não consta Não 1 ano Pedreiro Não
2: Filha 2: F 2: 8 anos 2: Sim 2: Não consta
Fundamental
1ª Fase do
1: Filha 1: F 1: 8 anos 1: Não 2,4 1: 5 anos
Anderson 52 Ensino Casado 5 Própria vítima Não Pedreiro Não
2: Filha 2: F 2: 14 anos 2: Não anos 2: 5 anos
Fundamental
2ª Fase do
Agente de
Armando 46 Ensino Casado 5 Enteada F 7 anos Mãe da vítima Não Não 3 anos Não 3 anos
Segurança
Fundamental
1ª Fase do
Filha da Pedreiro e
Bruno 47 Ensino Solteiro 6 F 12 anos Mãe da vítima Não Não 4 anos Não 2 anos
namorada Comerciante
Fundamental
Ensino
César 58 Casado 1 Neta F 6 anos Pai da vítima Não Furto 4 anos Gráfico Não Não
Médio
Roubo,
1ª Fase do
homicídio, Ajudante de
Cristiano 32 Ensino Solteiro 1 Desconhecida F 13 anos Não consta Sim 14 anos Diversas Não
tráfico de pedreiro
Fundamental
drogas
1ª Fase do
1: Desconhecida 1: F 1: 11 anos 1: Não 1: Não
Danilo 50 Ensino Casado 5 Não consta Homicídio 3 anos Pedreiro Não
2: Desconhecida 2: F 2: 7 anos 2: Não 2: Não
Fundamental
Sim, mas Tentativa Auxiliar de
Emílio 29 Analfabeto Solteiro 0 Filho do amigo M 14 anos Pai da vítima culpa a de 2 anos Serviços Álcool Não
criança homicídio Gerais
2,5 Lavador de
Fabiano 46 Analfabeto Casado 5 Filha da amante F 10 anos Mãe da vítima Não Não Não 1 ano
anos Carro
139

Proximidade Tempo Profissão


Estado Sexo da Idade da Outros Violência
Nome Idade Escolaridade Filhos social da Denunciante Assume de anterior à Drogas
civil vítima vítima crimes prolongada
vítima cadeia prisão

Fábio 67 Analfabeto Casado 3 Filha F 5 anos Mãe da vítima Não Homicídio 3 anos Pedreiro Diversas 1 ano

Tentativa
Funcionário
Guilherme 43 Analfabeto Casado 9 Filha F 7 anos Mãe da vítima Não de 1 ano Não Não
Público
homicídio
Homicídio,
tráfico de
Desemprega
João 33 Analfabeto Solteiro 1 Conhecida F 13 anos Não consta Não drogas, 10 anos Diversas Não
do
furto,
estelionato
1ª Fase do 1: 9 anos
1: Filha 1: F 1: Sim Serviços 1: 5 anos
Jonas 42 Ensino Casado 3 2: 10 Mãe da vítima Não 3 anos Não
2: Filha 2: F 2: Sim Gerais 2: 3 anos
Fundamental anos

2ª Fase
Filha da Não
Leandro 41 Ensino Casado 2 F 10 anos Mãe da vítima Homicídio 10 anos Mecânico Diversas Não
amante
Fundamental
Crack
Superior Sobrinha da
Luiz 48 Casado 6 F 15 anos Mãe da vítima Não Não 4 anos Cabeleireiro na 3 vezes
completo amante
prisão
1ª Fase do 1:
1: F 1: 9 anos 1: Sim 1: Não
Marcelo 31 Ensino Solteiro 0 Desconhecida Não consta Roubo 10 anos Serralheiro Diversas
2: F 2: Adulta 2: Sim 2: Não
Fundamental 2: Vizinha
Sobrinha da ex- Serviços
Matheus 32 Analfabeto Casado 0 F 9 anos Enteado Não Não 1 ano Não 1 ano
esposa gerais

Mauro 38 Analfabeto Casado 3 Filha F 8 anos Avó Materna Não Não 5 anos Mecânico Não Não
140

Proximidade Tempo Profissão


Estado Sexo da Idade da Outros Violência
Nome Idade Escolaridade Filhos social da Denunciante Assume de anterior à Drogas
civil vítima vítima crimes prolongada
vítima cadeia prisão
1:
Desconhecida 1:
1: F 1: Não 1: Não
2: Adolescente Furto e Lavador de
Nilton 24 Analfabeto Solteiro 0 2: F Não consta 2: Não 6 anos Diversas 2: Não
Desconhecida 2: Adulta outros Carros
3: F 3: Sim 3: Não
3: 3: Adulta
Desconhecida
1ª Fase
Tentativa de
Paulo 26 Ensino Solteiro 0 Desconhecida M 5 anos Não consta Sim 1 ano Ambulante Diversas Não
Homicídio
Fundamental

1ª Fase Porte e
Serviços
Renato 46 Ensino Solteiro 3 Filha F 9 anos Não consta Não Tráfico de 4 anos Álcool 4 anos
Gerais
Fundamental drogas

Ricardo 36 Não Consta Casado 0 Enteada F 15 anos Não consta Sim Furto 4 anos Vigilante Diversas Não
1ª Fase do
Escola/mãe Serviços
Ronaldo 46 Ensino Casado 5 Filho M 10 anos Sim Homicídio 2 anos Álcool 3 vezes
da vítima Gerais
Fundamental
Mãe da Lavador
Samuel 40 Ensino Médio Casado 4 Filho M 12 anos Não Não 1 ano Diversas 2 anos
vítima Industrial
1ª Fase do
Mãe da Operador de
Sérgio 42 Ensino Solteiro 4 Filha F 12 anos Sim Não 2,4 anos Não 3 anos
vítima máquinas
Fundamental
141

3.1.1 UMA BREVE ANÁLISE DA APRESENTAÇÃO DOS ENTREVISTADOS

Ao apresentar as biografias dos entrevistados nesta tese, reafirmo a postura


metodológica já discutida e adotada em trabalhos anteriores (ESBER, 2005, 2007, 2009) de
aproximar-me cientificamente dos AVS a partir de suas próprias vozes, histórias, lógicas e
realidades. Tal perspectiva possibilita: “[...] compreender os nexos constitutivos que eles
empreendem nas relações violentas” (ESBER, 2009, p. 22).
São diversos os estudos da literatura especializada que consideram ser importante
pesquisar as histórias de vida dos AVS, as vivências familiares e o papel das violências (sexuais
ou não) sofridas em suas infâncias e adolescências – e se elas possuiriam relações com a
violência sexual praticada (COSTA, 2013; ESBER, 2005, 2007, 2009; JESUS, 2006; LOH e
GIDYCZ, 2006; LUSSIER et al., 2005; MARSHALL e MARSHALL, 2000; SIMONS et al.,
2002). Usualmente, revelam-se histórias de vida permeadas por sequências de violações de
direitos, entendidas como fatores que podem provocar o que chamam de fundação de
vulnerabilidade (HARTLEY, 2001; SCHMIKLER, 2006), condição existencial que os
facilitaria à prática da violência sexual em sua fase adulta: “Uma criança abusada fisicamente
de forma tão dramática, o ódio suscitado em momentos de suplício sem socorro, as demandas
mais essenciais não atendidas podem ter facilitado o engendramento de um adulto também
abusador.” (SCHMICKLER, 2006, p. 85). Sem pretender estabelecer qualquer relação de causa
e efeito, em trabalho anterior (ESBER, 2009) constatei que todos os três pesquisados, dentre
outras razões, vincularam a violência sexual praticada à sofrida na infância. As conclusões de
Hartley (2001), contudo, nos provocam a pensar sobre este tipo de correlação. A autora
pesquisou oito AVS e constatou que, apesar de vários indicarem violências e problemas em
suas infâncias, poucos as associaram à violência praticada.
Ao voltar a atenção às histórias de vida apresentadas na seção 3.1, poder-se-ia
afirmar que, em um contexto geral, as famílias de origem dos entrevistados apresentam diversas
características que os colocaram em situações de vulnerabilidade e de violações de direitos
quando crianças e adolescentes: alcoolismo, abandono, educação familiar baseada no
autoritarismo dos adultos, submissão às violências físicas, psicológicas e sexuais, trabalho
infantil, abandono da educação formal, exposição a situações constrangedoras, como a presença
em prostíbulos e outros. Tais maus-tratos, em seu conjunto, por vezes provocaram a ida dessas
crianças para a rua, muitas delas em idade bem precoce (como foram os casos de João,
Cristiano, Guilherme, Marcelo e Nilton). Neste outro espaço de sociabilidade, vivenciaram
142

experiências como: dormir dentro de esgotos, usar ou abusar de álcool e outras drogas, praticar
crimes e também ser submetidos a privação de liberdade em instituições socioeducativas.
Muitas destas crianças sequer chegaram a conhecer seus pais biológicos. Outras
conviveram com eles por pouco tempo. Isto também ocorreu em relação à figura da mãe
biológica, mas em menor frequência. No que diz respeito à qualidade dos vínculos emocionais
estabelecidos com estas figuras, quando presentes em suas vidas, ouvi desde afirmativas como
“Eu era o xodozinho do meu pai e da minha mãe” (Jonas), como também: “Era desligado”
(Nilton), este último referindo-se à falta de amor, carinhos e cuidados por parte da mãe.
Ao olhar para suas infâncias e adolescências e constatar que eles próprios foram
também vítimas das mais diversas formas de violências, em momento algum proponho colocá-
los na posição de vítimas ou construir justificativas para as violências sexuais praticadas.
Contudo, defendo que precisamos nos atentar aos significados de encontrar AVS que repetiram
em sua fase adulta, dessa vez no papel de autor, o mesmo tipo de violações de direitos a que
foram submetidos. Por outro lado, há de considerar que encontrei também entrevistados que
consideraram suas infâncias e adolescências como boas, felizes, passadas na presença das
figuras materna e paterna, em uma convivência familiar harmônica. A pesquisa realizada,
portanto, não confirma a existência de uma vinculação direta entre abusos na infância e a autoria
de abusos na fase adulta.
No que diz respeito ao tema das violências sexuais pelas quais foram condenados,
pude constatar que existem várias convergências e divergências entre as informações coletadas
nos prontuários institucionais e nas entrevistas. Ambas dizem respeito a categorias como:
duração da violência sexual; uso de força física e ameaças; descrição da situação de violência
sexual; idade das vítimas no início e no término da violência; grau de proximidade entre o autor
e a vítima, dentre outros.
Tomando como objeto de análise a categoria duração da violência sexual, observei
que existem entrevistados (Adriano, Cristiano, Emílio, Marcelo, Nilton, Paulo e Ricardo) cujos
relatos convergem com as informações coletadas nos seus prontuários institucionais. Todos
foram condenados por no máximo três situações de violência sexual e também assim se
manifestam em suas entrevistas, usualmente sob o argumento de que se trataram de atos
impensados ou impulsos do momento, por vezes potencializados por fatores situacionais como
oportunidade122, intensa raiva e uso abusivo de álcool e/ou outras drogas. Por outro lado,

122Refiro-me a Nilton, que estuprou sua vítima a partir de um assalto e também a Cristiano, que entrou em uma residência para
cometer um assalto, mas estuprou uma adolescente, sem que estivesse planejando previamente fazê-lo “Não estava nem
pensando nisso não, entendeu? Eu fui pra assaltar mesmo. Chegando lá, nem sei o que deu em mim”.
143

constatei também divergências entre os relatos e os prontuários institucionais de outros


entrevistados. Estes são, em sua maior parte, pais ou padrastos incestuosos: Amarildo, Jonas e
Sérgio. No caso de Amarildo, consta nos prontuários que a violência teria ocorrido por seis anos
com a filha e não existe tal informação em relação à enteada, que também foi sua vítima. Em
suas três entrevistas, afirma que, com cada uma delas, as violências ocorreram em episódios
isolados; por outro lado, dá a entender que os abusos aconteceram mais de uma vez. Já no caso
de Jonas, menciona-se no prontuário que, com uma das filhas, a violência teria se prolongado
por cinco anos e com a outra por três. Nas entrevistas, ele exprime que ocorreu um episódio
isolado com a mais nova. Em relação à primogênita, não chega a afirmar que a violência teria
acontecido por um tempo prolongado, mas em diversos momentos das cinco entrevistas dá a
entender que sim. Por último, enquanto Sérgio afirma ter praticado violência contra sua filha
uma vez – tendo ela se constituído “apenas” de beijos e abraços –, seu prontuário institucional
indica duração de três anos e sete meses. Diversos tipos de interpretação podem emergir do fato
de que os três entrevistados, apesar de assumirem a prática da violência, reduzem-na a
momentos isolados, situação já identificada na literatura a respeito: “‘Momentâneo’ é talvez a
escolha léxica mais potencialmente persuasiva, porque ela reduz o período de tempo da ofensa
a um momento singular no tempo, depois do qual o ofensor presumidamente conteve-se e parou
com a ofensa” (MACMARTIN e WOOD, 2005, p. 147, grifo do autor).
Também se apreende das entrevistas e dos prontuários que os pesquisados diferiram
no grau de violência física empregado: enquanto alguns utilizaram-se de toques, masturbação
e sexo oral (por exemplo Sérgio, Amarildo e Jonas), outros utilizaram-se de extrema violência
física para com suas vítimas (por exemplo Cristiano, Marcelo e Ricardo), pois bateram,
morderam, penetraram, ameaçaram com armas de fogo ou ainda as levaram a óbito.
Quanto aos sentimentos sobre a violência sexual praticada, na maior parte dos
casos, os assumentes relatam arrependimento por seus atos e pelas consequências que
produziram nas vidas de suas vítimas: Adriano, Amarildo, Cristiano, Jonas, Paulo, Ricardo e
Ronaldo. Alguns (Amarildo, Leandro123, Marcelo, Paulo, Ricardo, Ronaldo e Sérgio)
manifestam a necessidade de pedir perdão às vítimas – premência esta também expressa nas
falas ao longo de toda a análise do presente trabalho. Três relataram ainda culpa e vergonha
(Ricardo, Amarildo, Marcelo). Todos estes sentimentos, potencializados pela autoimagem de
monstruosidade (a ser analisada na seção 3.1.2), ajudam na produção de narrativas
acompanhadas de gaguejos, choros, suspiros, silêncios e emocionalidade. Entretanto, também

123Apesar de Leandro ser um negador da violência sexual, ele manifesta desejo de pedir perdão por ter praticado homicídio
contra a filha da amante.
144

me deparei com Nilton, um assumente que em momento algum aparentou ter se arrependido
por ter praticado violência sexual contra suas vítimas ou manifestou qualquer tipo de sentimento
positivo sobre elas: “Não fede, nem cheira”, como será evidenciado na seção 3.2.1.1. Nesta
mesma direção, escutei também as narrativas de João, negador da violência sexual, mas que
relatou já ter cometido diversos assassinatos, sem que em momento algum de sua vida tivesse
se sentido arrependido por assim ter procedido (seção 3.2.2.1).
Ao voltar a análise para os dados da Tabela 1- “Dados gerais dos entrevistados
obtidos por meio dos prontuários institucionais e das entrevistas”, constata-se que os vinte e
seis entrevistados, em seu conjunto, foram condenados por terem cometido violência sexual
contra trinta e cinco vítimas, sendo uma média de 1,34 vítimas por pessoa condenada. Foram
contabilizados vinte e sete denunciantes, pois em um dos casos (Ronaldo), observou-se dois
deles: a escola e a mãe da vítima.
Em sua maioria, os entrevistados estão nas idades de 31 a 40 anos (n=8; 31%),
seguidos da faixa etária de 41 a 50 anos (n= 13; 50%), sendo a média de idade de 41,9 anos.
Eles apresentam baixa escolaridade, concentrada majoritariamente nas seguintes categorias:
analfabeto (n=8; 31%) e primeira fase do ensino fundamental (n=13; 50%). Nas entrevistas
observou-se uma significativa incidência de origem rural e interiorana (23%), o que pode ter
contribuído para as dificuldades de acesso ao espaço educacional. Como consequência, diversos
deles ocuparam, na fase adulta, postos de trabalho precarizados, como se pode constatar na
tabela 1.
Assim, ao eleger os AVS encarcerados como sujeitos de pesquisas, não se pode
ignorar quem são eles e de que classe social provém. Isso não implica a criminalização da
miséria, mas no fato de que historicamente, as pessoas julgadas e condenadas no Brasil, em sua
maior parte, pertencem às classes econômicas menos favorecidas, não dispondo de condições
financeiras para custear sua defesa. São ainda quase inexistentes no cenário prisional brasileiro
os AVS que possuem elevados níveis de escolarização, profissionalização, inserção no mercado
de trabalho e pertencentes a classes economicamente mais favorecidas. Mas não se pode ignorar
que eles existem, praticam violências e produzem vítimas. Como não estão presos, estão
consequentemente circulando nas comunidades e perambulando pelas cidades. Resta a
indagação dos motivos que envolvem os silêncios sobre eles. Cabe lembrar ainda que, ao tentar
discutir sobre o tema, dever-se-á considerar a constante influência da mídia que, dentre outros,
produz e reproduz uma distinção clara entre a violência sexual cometida por pessoas de classe
baixa e outras de classe média ou alta, conforme mostra o estudo de Landini T. (2003). A autora
constatou que os ricos são associados à ideia da pedofilia como uma doença mental ou um
145

“desvio psicológico” (LANDINI, T., 2003, p. 282, grifo do autor), enquanto que os pobres são
vinculados à concepção de barbárie. Tem-se aqui um tema que considero de especial relevância
para futuras pesquisas.
No tocante ao histórico criminal, encontrei tanto homens que nunca haviam
praticado qualquer tipo de crime a não ser a violência sexual (n=12; 46,5%), bem como aqueles
que a cometeram a partir de um contexto situacional de outros tipos de violências (n=14;
53,5%), tanto antes como também durante a violência sexual, tais como: assassinatos, assaltos
à mão armada, roubos e outros. Observa-se ainda que 46,1% dos entrevistados (n=12) relata
uso ou abuso de drogas, seja antes, durante ou depois da violência.
As informações revelam ainda que são homens que se casaram, constituíram
famílias e tiveram filhos, como mostra o índice de casados (n=16; 61,5%), em comparação com
a quase a metade de solteiros (n=9; 35%) e também a minoria que não tem filhos (n=6, 23%).
Isto significa que a maioria possuía relacionamentos sexuais com parceiros adultos, seja antes
ou durante a violência. Isto definitivamente coloca o debate da sexualidade de AVS em
evidência, pois há pouca reflexão sobre a vida sexual dos AVS. Trata-se de um importante
objeto para futuras pesquisas.
No que diz respeito às vítimas, que totalizaram trinta e cinco, encontrei
preponderância de crianças (n=25; 71,5%), seguida de adolescentes (n=7; 20%) e mulheres
adultas124 (n=3; 8,5%), sendo a média de idade de 9,6 anos. A maioria desconhecia as pessoas
que contra elas praticaram violências (n=11; 31,4%), seguido das filhas (n=10; 28,5%), das
vítimas conhecidas125 (n=7; 20%) e das enteadas (n=3; 8,5%). Quanto ao sexo, a maior parte é
do feminino (n=31; 88,5%) e a minoria masculino (n=4; 11,5%). Elas sofreram violências
sexuais prolongadas126 em quinze casos (42,5%); em dezenove deles (54.5%), foram episódios
únicos, segundo os próprios entrevistados.
As mães das crianças e das adolescentes vítimas de violência sexual, em geral
afetivamente envolvidas com os AVS, são personagens que aparecem em posições
contraditórias e paradoxais. Em conformidade com estudos da literatura especializada
(HABIGZANG et al. 2005), elas são as mais frequentes denunciantes e na presente pesquisa
totalizou onze casos (40,7%), o que demonstra sua capacidade de desenvolver atitudes de
proteção. Entretanto, são concomitantemente aquelas que podem colocar seus filhos em

124 Casos de Marcelo e Nilton.


125 Nesta categoria, constam somente as seguintes vítimas listadas na tabela 1: filha da amante, sobrinha da amante, sobrinha
da ex-esposa, filha da namorada, filho do amigo e vizinhas.
126 Como já explicitado na seção 2.1, para fins da presente análise, considerei violência prolongada qualquer situação que tenha

ocorrido por mais de uma vez com a mesma vítima.


146

situação de vulnerabilidade à violência sexual, em função de sua omissão, silêncio e demora


para proceder a denúncia após a descoberta da violência. Foi o caso da ex-esposa de Fábio que
denunciou seu marido, mas já tinha ciência de violências sexuais cometidas por ele contra
outras crianças. Mesmo assim, permitia que sua filha ficasse sozinha com o pai, que se
aproveitou destes momentos para praticar a violência. Também a esposa de Jonas teria, por
medo, se silenciado após descoberto a violência contra as filhas. Presenciei ainda relatos de um
entrevistado (Amarildo) cuja esposa (e também mãe da vítima) o aceitou de volta a seu lar após
progressão para o regime semiaberto, colocando à mostra um dos assuntos que pouco se discute
enquanto sociedade: o retorno dos AVS às comunidades (e possivelmente às famílias) pós-
prisão. O levantamento indicou ainda que mulheres podem atuar como coautoras da violência
sexual, como foi o caso da esposa de Luiz que, juntamente com uma tia da vítima, chegaram a
presenciar os atos de violência que ele praticou contra a adolescente. Similarmente, a esposa de
Adriano é também citada como aquela que o ajudou a praticar a violência sexual. Não há
menção sobre a responsabilização penal ou a prisão de quaisquer delas. Pontuo que a sociedade
brasileira ainda se mantém silenciosa quanto a enxergar, discutir ou responsabilizar as mulheres
AVS. Trata-se de assunto pouco examinado pelo senso comum, mídia, literatura
especializada127 e discurso institucional, de acordo com o que já foi discutido na seção 1.4.
Voltando aos homens AVS, sem pretender adentrar à sua investigação psicológica
– até porque a metodologia e análise propostas nesta tese não contemplam esse tema –, pontuo
que apenas dois entrevistados fizeram autorrelato de transtornos mentais: Paulo e João. O
primeiro afirmou ter esquizofrenia e o segundo disse possuir “problemas na cabeça, de
nervosismo, não sei falar o que é”. São comorbidades o uso abusivo de drogas (que ocorreu
tanto antes, como durante a prisão). Três entrevistados (Paulo, Nilton e João) eram
acompanhados pelo Projeto Renascer, uma ação institucional para atendimento terapêutico aos
dependentes químicos dentro da própria penitenciária.
Ao buscar a literatura para relacionar com os dados acima, constata-se que são
poucos os estudos nacionais que se prestam à realização de descrições sociodemográficas e
criminais sobre os AVS. Cito a pesquisa128 de Carvalho e Sousa (2007), também desenvolvida
na POG. Os autores realizaram pesquisa documental nos processos judiciais de cento e vinte e
cinco homens condenados por crimes de violência sexual contra mulheres, crianças e
adolescentes, o que totalizou 5,6% da população carcerária daquela época. O levantamento

127 São poucos os estudos dedicados a analisar o papel das mulheres envolvidas afetivamente com AVS, dentre os quais destaco
o de Sousa (2013).
128 Também realizado a partir da experiência do Programa Repropondo, já descrito na seção 1.1.
147

constatou que a maior parte deles são solteiros (n=67; 54,1%), seguidos de pessoas em união
estável (n=29; 23,4%). Quanto à idade, os detentos se concentraram na faixa de 19 a 49 anos,
totalizando 93,6% dos casos. No que diz respeito à escolaridade, 53,2% dos entrevistados
possuem a primeira fase do ensino fundamental incompleto e 28,7% a segunda fase do ensino
fundamental. Os trabalhadores da produção de bens e serviços industriais129 totalizaram 45,9%
dos casos no tocante à profissão anterior ao ingresso na penitenciária. Quanto à idade das
vítimas, 37,8% (n=31) são crianças, 25,6% (n=21) adolescentes e 29,3% (n=24) mulheres
adultas. No restante dos casos, houve uma combinação entre vítimas das três faixas etárias. A
maior parte era do sexo feminino (91%, n=112), contra 8,9% (n=11) do sexo masculino. Não
existia proximidade social com a vítima em 67,9% (n=74) dos casos, seguido por 19,3% (n=21)
de relações de parentesco, e 6,4% (n=7) de vizinhança e outros.
Concluindo, a análise realizada na presente seção mostra, em primeiro lugar, a
complexidade necessária para abordar o tema dos AVS (sejam eles homens ou mulheres,
sozinhos ou em coautoria), pois evidencia inúmeras facetas, heterogeneidades e
particularidades sobre aspectos como: as histórias de vida e as vivências nas famílias de origem
e seu possível impacto na construção de suas subjetividades; as violências sofridas nas infâncias
(incluindo a sexual), os significados que eles constroem sobre estas experiências e suas
possíveis conexões com as violências praticadas; o tipo de relação, aproximação e abordagem
(inclusive sexual) que estabelecem com suas vítimas e famílias; suas próprias reações,
autoimagem, sentimentos e pensamentos quanto às violências que praticaram; a existência de
convergências e divergências entre as informações coletadas nos prontuários institucionais e
nas entrevistas, o que indicam versões diferentes sobre um mesmo fato; seu perfil
socioeconômico e criminal; a ocorrência do uso de drogas e sua relação com as violências que
praticaram, dentre outros. Assim, como já pontuado em trabalhos anteriores (ESBER, 2009;
SANTOS et al., 2009) defendo que os AVS são personagens demasiadamente complexos para
qualquer tipo de homogeneização, que considero simplista. Quando a aproximação cientifica,
institucional e popular não os considera de tal maneira, corre-se o risco de basear a análise em
uma figura imaginária, obscura, fantasiosa, animalesca ou monstruosa, o que, em última
instância, acaba por constituir-se como um obstáculo para o próprio enfrentamento da violência
sexual contra crianças e adolescentes, retroalimentando sua manutenção em nossa sociedade.

129Os autores tomaram por referência a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), realizada pela Comissão Nacional de
Classificação, o organismo responsável pela realização de classificações estatísticas do Brasil.
148

3.1.2 PESSOAS QUE PRATICAM VIOLÊNCIA SEXUAL NA PERSPECTIVA DOS ENTREVISTADOS

Diversos entrevistados da presente pesquisa apresentaram espontaneamente


narrativas que exteriorizaram suas representações sociais sobre pessoas que praticam violência
sexual (seja referindo-se a si próprios ou a outros AVS), cujos relatos apresento a seguir.
Ressalto que, excetuando-se Paulo, os demais abaixo apresentados são negadores da violência
sexual. Sendo assim, ele é o único a falar sobre seus sentimentos sobre si próprio:

Armando: Acho que isso ai deve ser um distúrbio, né? Eu penso que deve ser um
distúrbio ou então, como eu devo falar? Ou é safadeza, ou uma sacanagem. // Ou ele é
um maníaco, ou vai por um impulso de safadeza, assim naquele momento ali. // Eu acho,
doutora, que o agressor, quando ele tá fazendo aquilo ali [violência sexual], ele tá sendo
usado por alguma seita. Acho que ele nem pensa em nada não.

Bruno: Uma pessoa cometer uma violência dessa! Eu acho que não é certo o que ele
fez, né? E se ele fez, tem que pagar pelo que ele fez. Eu penso comigo assim. Não é
certo fazer um tipo de coisa dessa, né? Porque é ruim, é triste, né? Como você vai pegar
uma pessoa e fazer uma violência dessa, né? // Ele não é certo da cabeça. Como que ele
vai fazer uma coisa dessa com uma criança? Ele não tá no normal dele. Tem tanta
mulher na rua. Pra que ele vai pegar uma criança e fazer isso? // Porque se ele cair num
lugar desse que eu tô hoje, ele vai pagar caro.

César: A senhora quer que eu seja sincero com a senhora? Eu acho que tem que matar,
mandar pro inferno, cortar a cabeça logo, porque isso não é uma coisa que se faça. Isso
é coisa de gente doida.

Danilo: Eu diria que é um desespero, né? Porque o tanto de mulher que tem no mundo!
Um cara pra fazer isso é uma pessoa fraca, né?

Fabiano: Uma pessoa dessa [AVS], tem é que acabar morrendo. Fazer isso com uma
criança, um anjinho daquele! Uma pessoa dessa tem que morrer, porque uma pessoa
dessa não merece estar na sociedade. Eu tenho é raiva de um sujeito desses.

Guilherme: Na minha visão, eu acho que ele sente assim, possuído. Já viu uma pessoa
possuída? Uma pessoa possuída, ela não tá ali, entendeu? Os olhos dela viram, ela não
tá em si mais, entendeu? // Uma pessoa que faz isso com uma criança, é o final do
mundo, né? É o final do mundo! Isso é o cão, é o cão que tá rodando o mundo todo aí.

Luiz: A partir do momento que uma pessoa está possuída por um distúrbio, um espírito
maligno, essa pessoa só quer visar o seu lado egoísta. Eu analiso dessa forma. Eu acho
um absurdo uma pessoa adulta olhar para uma criança, um adolescente e egoistamente,
satanicamente fazer o que nós estamos vendo aí todos os dias. A minoria dos casos,
doutora, vem a público.

Mauro: Muitos fazem com a bebida, muitos fazem com a droga, muitos fazem em
discussão de família. Na discórdia de família.

Paulo: Uma pessoa que faz um trem desse, no meu modo de pensar, não é um ser
humano. É um bicho, é um monstro, não merece assim o respeito da sociedade. // A
partir do momento que a criança é abusada, entendeu? Por um covarde, vou falar logo
assim, eu fico nervoso. Tem hora também dessa situação, de ter caído nisso [condenação
149

pela violência sexual]. Nossa! Fico grilado com esse trem. Tem dia que eu fico lá na
minha cela, grilado e com nojo130 de mim. Nossa Senhora! Dá um trem ruim em mim.
É uma situação complicada, doutora. Então assim, a pessoa que é usada, tanto um
homem como uma mulher, uma criança, tô supondo tudo. Ela ... assim, é um nojo que
não tem fim. // (choro) Eu choro assim de ódio de mim mesmo. Eu tenho ódio de mim
mesmo. De saber que eu fiz essa cagada, essa bobeira. Trem que o povo fala mesmo
que foi eu131. Então, eu não queria que isso tivesse passando comigo, sabe assim? No
dia que eu vim preso, eu cheguei a falar para os policiais: “Me mata moço, me mata
pelo amor de Deus132”.

Renato: Uma pessoa sem cabeça, que não pensa. //Mexer com uma criança! Não tem
lógica, é um sem vergonha // Dependendo do animal, acho que não é digno de viver na
terra. // É falta de caráter. Pra mim, é falta de caráter. Eu mesmo fico indignado com um
trem desse, quando eu vejo na televisão. Apesar de que tem muita gente que é inocente
e está pagando por coisa que a justiça fala que é.

Ricardo: Só esse nome, tarado, dá nojo sinceramente e infelizmente. Eu nem gosto de


assistir televisão133, ver o [apresentador de programa policial de TV], você só vê isso.
Quando eu escuto o nome estuprador por aí, sério mesmo, me dá um negócio dentro de
mim, um trem mais ruim, um trem esquisito. Eu acho que sei lá, é complicado demais
eu não sei nem como falar para você. Eu me sinto envergonhado, eu me sinto nojento
quando ouço a palavra estupro.

Samuel: É um trem assim que é difícil até da gente conversar sobre isso, porque um cara
que faz um trem desse pra mim é doido, é louco, não bate bem da cabeça. Gente! Hoje
em dia, com 10 reais ou uma pedra de crack você compra quem você quiser. Você
compra mulher, você compra134 menina. Não precisa pegar a pessoa a força. Que prazer
é esse?

Como se constata, os entrevistados relacionam sua própria imagem 135 ou de um


AVS hipotético136 à: monstruosidade, animalidade, inumanidade, distúrbio psíquico, doença
mental, forças malignas137, necessidade de punição pelos atos cometidos, abuso de álcool ou
drogas e irracionalidade de forçar alguém ao sexo, já que existem muitas mulheres disponíveis.
Assim, demonstram condenar moralmente os atos de violência sexual contra crianças e
adolescentes. Evidenciam também sentimentos de nojo, raiva e ódio de si mesmos por terem
cometido violência sexual.
Esse tipo de representação pode ser a expressão das maneiras pelas quais os
ofensores sexuais têm sido demonizados como nunca nos últimos 20 anos (TIDEFORS e

130 O nojo de si próprios e dos atos de violência sexual cometidos também foi constatado nas falas dos AVS pesquisados em
trabalho anterior (ESBER, 2009).
131 Paulo oscila entre a assumência e a negação da violência, conforme será discutido na seção 3.1.3.
132 Observe-se como no decorrer de todo esse trecho, Paulo evidencia a indissociabilidade entre seu sofrimento e o sofrimento

da vítima, característica comum aos entrevistados, conforme será discutido na seção 3.2.1.3.
133 Note-se como mídia contribui para a construção e reconstrução de representações sociais.
134 Aqui, Samuel faz referência à exploração sexual comercial de crianças. Sua narrativa dá a entender que o pagamento e o

consentimento da criança ou da adolescente para o sexo amenizariam o aspecto ilícito dos atos sexuais de adultos com
crianças e adolescentes.
135 Para o caso dos assumentes.
136 Para o caso dos negadores.
137 Tal característica também foi constatada por Zúquete e Noronha (2012).
150

KORDON, 2009). Sua figura tem sido amplamente associada ao qualificativo de


monstruosidade que expressa um impacto “[...] em face do outro não-natural, quase animal e
absolutamente disforme” (FÍGARI e DÍAZ BENITEZ, 2009, p. 23). Isto ocorre pois eles
praticam violações das interdições do sistema de representações construídos na nossa cultura a
respeito da sexualidade, que “são passíveis de uma rejeição visceral e acompanhadas de reações
como nojo e repugnância” (SILVA, R., 2009, p. 172).
São diversos os discursos institucionais que produzem, reproduzem e fortalecem o
horror à pessoa que pratica violência sexual. Cito como exemplo as expressões “criminosos
desgraçados, compulsivos, insaciáveis e monstros”, qualificativos usados para descrever os
AVS por senadores da CPI da pedofilia (LOWENKRON, 2011), o que os transforma em: “uma
espécie de não-ser” (OLIVEIRA, A., 2009, p. 467). Em estudo anterior (ESBER, 2009) retratei
as maneiras pelas quais os documentos oficiais produzidos por juízes, promotores de justiça e
outros profissionais conceituaram o AVS: “monstro-maníaco” (ESBER, 2009, p. 72),
“monstro-delinquente” (ESBER, 2009, p. 74), ou ainda: “a alma humana traz em si mistérios
insondáveis e, às vezes, somos testemunhas de seu aprisionamento por forças instintivas e
bestiais que nos aproximam mais de nossa origem animal” (ESBER, 2009, p. 75)
Parte da literatura especializada, desde seus primeiros estudos, tem em certa medida
contribuído para um tipo de entendimento que reitera a ideia de que os AVS são diferentes
daqueles que não praticam a violência. Charam (1997), por exemplo, os retrata como homens
tímidos, com falta de habilidade e traquejo social, tomados pela ansiedade, vergonha, culpa e
por um comportamento compulsivo. Similarmente, Caprio (1993 apud CHARAM, 1997) indica
que os estupradores apresentam psicoses e distúrbios do caráter; eles podem cometer estupros
impulsivos que ocorrem durante o curso de outros crimes, ocasionando remorso e culpa. Este
tipo de compreensão não é novo. Gilman (1998) evidencia que no fim do século XIX, o incesto
era entendido como falta de controle, doença mental ou relacionado ao vício do álcool. Como
evidenciado na seção 2.2, estas concepções foram influenciadas pelo próprio discursos médico
e científico na história, que vincularam “as práticas incestuosas às graves perturbações mentais
ou diretamente ao campo genérico da anormalidade” (FÍGARI, 2009, p. 429).

A transformação do criminoso sexual em anormal não é um fenômeno recente, mas


sofreu algumas modificações, produzindo novas modalidades de anomalia. Desde que
a reflexão do direito penal passou a se dar em torno da noção de “risco”, com atenção à
reincidência e à periculosidade, unida a uma psicologização dos atos criminosos,
verifica-se uma crescente proliferação de classificações dos agressores sexuais para
melhor analisar os comportamentos e detectar os perigos. Nesse contexto, emerge um
151

novo tipo não apenas de criminoso, mas de monstro humano: o “pedófilo”


(LOWENKRON, 2014, p. 247, grifo do autor).

Assim, argumento que as representações sociais que os entrevistados apresentaram


sobre si próprios enquanto AVS ou sobre as pessoas que praticam violência sexual
compartilham daquelas apresentadas pelo senso comum, pela mídia e pela literatura. Ressalto
ainda que elas vêm sendo historicamente consolidadas há, no mínimo, dois séculos, como
evidenciei ao longo da seção 2.2. Isso tem grande impacto para os próprios AVS, pois: “A
autoimagem e a autoestima de um indivíduo estão ligadas ao que os outros membros do grupo
pensam dele” (ELIAS & SCOTSON, 2000, p.40). Entender como isso afeta suas vidas – e
consequentemente as vidas das futuras crianças e adolescentes com as quais eles possivelmente
conviverão quando saírem das prisões – ainda é um tema inexplorado por pesquisas.

3.1.3 CONTRADIÇÕES ENTRE O NEGAR E O ASSUMIR A VIOLÊNCIA SEXUAL: DIFERENTES FACETAS

A literatura especializada evidencia ser comum aos AVS negarem completamente


o cometimento das violências sexuais pelas quais foram acusados ou condenados
(BARBAREE, 1991; BARBOSA et al., 2010; ZÚQUETE e NORONHA, 2012). Diversos
termos têm sido utilizados para se referir a essa característica de suas narrativas: "negação
categórica” (MARSHALL et al., 2001), “negação completa” (BRAKE e SHANNON, 1997) e
“negação absoluta” (BARBAREE, 1991). Além dessas, discute-se também que a negação
apresenta diferentes tipos e graus (FURNISS, 1993; SALTER, 1988; SARADJIAN e NOBUS,
2003; SCHMIKLER, 2006) e é um constructo complexo e multifacetado (BARBAREE, 1991;
MARQUES et al., 2005; WINN, 1996), característica esta que também pôde ser constatada na
presente pesquisa. Considerando que a maior parte dos entrevistados (quinze dos vinte e seis)
são negadores das violências sexuais pelas quais foram condenados, julguei importante tecer
algumas considerações sobre o assunto.
O primeiro ponto a ser destacado refere-se ao fato de que, apesar de estabelecer
para fins analíticos a separação didática entre as polaridades assumentes e negadores (conforme
já explicitado na seção 1.5.1), pode-se observar que existem diversas facetas entre elas, pois: 1-
os negadores podem assumir a violência praticada ao longo do processo de realização de
entrevistas; 2- os assumentes podem esconder alguns aspectos da violência sexual praticada,
revelando-os gradativamente. É possível também que eles neguem aspectos como sua ativa
participação e responsabilidade, chegando até mesmo à culpabilização das vítimas,
característica essa que tem sido chamada de minimização (BARBAREE, 1991; MARSHALL,
1994).
152

Para analisar as narrativas dos pesquisados, aproprio-me da categorização138


proposta por Schneider e Wright (2001), segundo a qual a negação em AVS possui seis
naturezas distintas, mas inter-relacionadas: 1- a negação da ofensa; 2- a negação da extensão
da violência; 3- a negação da intenção da violência; 4- a negação devido à percepção do desejo
da vítima; 5- a negação do planejamento e 6- a negação do risco de reincidência. Na presente
pesquisa empírica, encontrei três destes tipos de categorização. O primeiro foi a “negação
devido à percepção do desejo da vítima”, que acontece quando o AVS entende que esta tomou
iniciativa ou desejou a interação sexual. Dois entrevistados (Adriano e Emílio) defendem que
foram sexualmente abordados pelas crianças e adolescentes que constam como suas vítimas
nos seus processos judiciais. O primeiro, condenado por ter praticado atentado violento ao
pudor contra uma criança e duas adolescentes, refere-se especialmente a uma delas e diz que
ela teria lhe oferecido relações sexuais em troca de dinheiro. Utiliza-se desse argumento (e
também de outros descritos na seção 3.1) para compartilhar com ela a responsabilidade pela
interação sexual estabelecida, ou tentar colocá-la em um padrão de normalidade e possibilidade,
chegando por vezes a culpabilizar a adolescente. Em outros momentos, oscila para o
reconhecimento de que: 1- trata-se de violências sexuais; 2- na condição de adulto, cometeu um
erro moralmente condenável; 3- a adolescente pode ser considerada como sua vítima (seção
3.2.1.1). Já Emílio afirma que estava em uma festa e que o adolescente se insinuou sexualmente
para ele por diversas vezes. Após ter ingerido grande quantidade de álcool, recolheu-se ao
quarto para dormir e acordou com o mesmo tocando em seu pênis. Assim, assume que o contato
sexual aconteceu, mas nega qualquer tipo de intencionalidade em relação a tal interação, sendo
que ela teria ocorrido apenas em função do desejo da vítima. Ressalto que sua versão é
contestada pelas informações colhidas em seu prontuário institucional, conforme descrito na
seção 3.1.
O segundo tipo de negação encontrado, que se assemelha àqueles propostos por
Schneider e Wright (2001), foi a “negação da extensão da violência”. Trata-se de uma
dificuldade do AVS em assumir a magnitude da gravidade da violência sexual para as vítimas.
A negação apareceu nas narrativas de Sérgio e Amarildo. Segundo a acepção do primeiro, a
filha não sofreu nenhum tipo de consequência após a interação sexual, uma vez que ele teria
somente a beijado e abraçado: “Eu acho que é diferente da pessoa fazer [penetrar]”. De acordo
com sua lógica, isto se comprovaria pelo fato de que ele ainda convive com todos os seus filhos,
que são afetuosos com ele: “Todos eles, até hoje, eles estão grandões, estão rapazes, eles sempre

138Entretanto, contesto a explicação fornecida pelos autores, quando asseveram que a negação seria uma expressão das
distorções cognitivas em AVS (ESBER, 2009).
153

foram agarradinhos comigo. Ali, sempre foi assim, amoroso”. Apesar disso, ele
concomitantemente demonstra entender que a interação sexual estabelecida com sua filha
estava errada: “Por estar fazendo aquilo ali com a pessoa que é filha, acho que veio aquele
remorso, veio aquela coisa assim”. O segundo pesquisado, Amarildo, também nega a extensão
da violência quando concebe o fato de não ter penetrado ou estuprado sua filha como um
atenuante, apesar de entender o equívoco desse tipo de relacionamento em outras entrevistas:

Amarildo: Isso é uma coisa que nem eu sei explicar como que ocorreu. Eu sei que eu
toquei com as minhas mãos. Mas não abusar, igual eu vejo as pessoas falar aí. Tem
várias pessoas que assim... estupram. Isso não. Eu toquei, foi toque com a minha mão.
Não vou mentir, porque não precisa. Só não entendo139 o porquê que eu fiz aquilo.

O terceiro tipo de negação relacionada por Schneider e Wright (2001) e identificada


na presente pesquisa foi “a negação da intenção”, que ocorre quando os AVS culpabilizam
fatores externos para justificar a prática da violência, tais como o uso de álcool e/ou outras
drogas. Dos onze assumentes, oito (72%) relatam o uso dessas substâncias nos períodos antes
ou durante a violência, correlacionando-os, em uma espécie de causa e efeito. Ronaldo, Adriano
e Emílio afirmam ter feito uso de álcool; Marcelo, Ricardo, Nilton, Cristiano e Paulo relatam o
uso contínuo, combinado e intenso de diversas drogas:

Adriano: Igual eu falei, foi pela bebida que eu tomei. E tava meio escuro, eu pensei que
ela tinha mais idade, pensei que ela era prostituta. // Hoje eu tô respondendo por uma
coisa que eu penso que eu não fiz. Eu tinha tomado duas cervejas, mas na minha
consciência, eu não penetrei nela não.

Marcelo: Depois que eu sarei, no outro dia que eu fui me tocar. Como se diz, eu nem
tava lembrando. Deitei, dormi, nem tava lembrando. No outro dia que saiu a conversa,
aí que eu fui lembrar.

Ronaldo: De vez em quando, eu deito ali na minha cama e fico pensando: “O que
passava na minha cabeça?” Era só eu beber, pegava o menino e ia pro mato. O que
passava na minha cabeça naquela hora da bebida?

O índice de 72% de AVS que fizeram uso ou abuso de álcool e/ou outras drogas
antes ou durante a prática da violência sexual encontrado na presente pesquisa é alto, quando
comparado com estudos com amostragens quantitativamente maiores. Lung e Huang (2004)
aplicaram questionário em duzentos e quarenta AVS encarcerados taiwaneses e mostraram a
porcentagem de 30,8% de abuso de drogas ou álcool. Pesquisadores (BALTIERI, 2005;
CHARAM, 1997; FINKELHOR, 1986; MACHADO, 1998; SCHMIKLER, 2006) têm

139Note-se a perplexidade que os próprios entrevistados apresentam sobre os motivos pelos quais teriam praticado a violência
sexual, característica comum em AVS, conforme evidenciado ao longo da presente análise e também em pesquisa anterior
(ESBER, 2009).
154

mencionado relações entre a violência sexual e o uso ou abuso de álcool e outras drogas: “O
uso do álcool é muito frequente na violência sexual. Reduz no homem o freio moral e eleva a
agressividade e o desejo sexual. [...] O mesmo ocorre com a maconha, cocaína e outros”
(CHARAM, 1997, p. 167). No discurso institucional, tais relações também são feitas, como
evidencia a pesquisa de MacMartin e Wood (2005), que indica que juízes realizam conexões
entre a violência sexual e forças e circunstâncias alheias aos AVS, como o uso de álcool.
Entretanto, é essencial pontuar que estudiosos do campo das toxicomanias afirmam que não se
pode fazer esse tipo de correlação, asseverando que as relações entre o crime e o abuso de
substâncias psicoativas são complexas (BALTIERI e FREITAS, 2003; BETTARELLO, 1998;
LEVISKY, 1997; OLIEVENSTEIN e PARADA, 2002).
Além dos três tipos de negação discutidos acima, a presente pesquisa possibilitou
identificar outras duas facetas de negação da violência sexual: 1- os entrevistados oscilam entre
a assumência e a negação, como parte de um processo contraditório entre revelar e esconder a
violência sexual praticada. Entendo que isso se dá pois o contexto é de uma “estranha situação”
(GASKELL, 2002, p.74) na qual se é convidado a falar a um entrevistador desconhecido sobre
temas usualmente tratados com reprovação social e repulsa; 2- a negação pode estar relacionada
a uma estratégia de sobrevivência e autoproteção dentro da prisão, pois ela é um lugar hostil
para os AVS, tendo em vista que dentro do código relacional prisional, a violência sexual contra
crianças é considerada um crime inadmissível: “A entrada para uma cadeia pública na condição
de estuprador talvez seja a pior situação para um fora-da-lei” (SCHMICKLER, 2006, p. 157).
No que diz respeito à primeira faceta – os entrevistados oscilam entre a assumência
e a negação –, ressalto que ela ocorreu com Nilton, Paulo e Marcelo. O primeiro, condenado
por ter estuprado duas mulheres adultas e uma adolescente, diz: “Uma delas, eu estuprei. As
outras duas, não”. Em outros momentos, volta atrás e nega que tal violência tenha acontecido,
como se pode constatar no trecho a seguir:

Nilton: Dessa do matagal, a única coisa que eu lembro foi que eu tava doido demais
[por abuso de drogas], arrastei ela pro mato. Na hora que eu ia fazer sexo com ela, não
deu certo, eu não sei o que aconteceu, só lembro disso.

Outro pesquisado, Paulo, relata que não se lembra exatamente o que teria ocorrido
entre ele e a criança vítima, em função do uso abusivo de drogas. Tende a assumir, quando
afirma: “Se eu tô preso nesse lugar, é porque eu tenho alguma coisa envolvida nesse trem”. Em
outros momentos, oscila para a negação:
155

Paulo: Quando a pessoa usa uma droga, ou quando a pessoa tá drogada, ali a pessoa não
vê, né? Então assim, eu não posso falar. É igual eu falei pra senhora daquela outra vez,
eu não posso falar que não foi eu. Às vezes, pode ter sido eu e eu não lembro, né?

Com Marcelo, que manifesta essa mesma oscilação entre negar e assumir, foram
realizadas quatro entrevistas. Na primeira, assume apenas um dos dois estupros dos quais foi
condenado:

Karen: Você chegou a estuprar essas duas?


Marcelo: Uma foi, a outra não. A outra que era drogada140 também, tava na rua, era
drogada. Só que, como se diz, a população viu que era de menor. Aí, já chamou a polícia,
deu no que deu. // Só que jamais eu trisquei. Ela foi no Instituto Médico Legal, né? Viu
que não constatou nada, ela falou também que eu não pus a mão nela, não estuprei ela,
mas deu o que deu, por que eu sou reincidente.

Na segunda entrevista, todavia, Marcelo indica que teria cometido violência sexual
contra a segunda vítima também, que é uma criança. Quando questionado sobre os motivos
pelos quais teria anteriormente negado a violência, disse ter ficado constrangido e
envergonhado, por considerar estupros de crianças mais graves141 do que os de mulheres.
Tomando as narrativas dos três entrevistados acima, infiro que pode ser difícil manifestar-se
sobre um assunto como a violência sexual praticada, pois, conforme já discutido em trabalho
anterior (ESBER, 2009), o tema, por si só, provoca experiências de vergonha, silêncio, segredo,
medo, culpa e nojo. Isto é reiterado pela discussão realizada na seção 3.1.2, no qual evidenciei
que os próprios entrevistados classificam suas condutas ou de supostos AVS como moralmente
condenáveis, monstruosas e animalescas. Sem dúvida, estes são qualificativos produzidos,
reproduzidos e intensificados pelas maneiras com as quais a sociedade brasileira ainda lida com
o tema da violência sexual contra crianças e adolescentes, já discutido ao longo do Capítulo 2.
No que diz respeito à segunda faceta de negação proposta na presente tese – a
negação como uma estratégia de sobrevivência e autoproteção dentro da prisão –, recorro à
literatura especializada quando constata que, caso alguém confesse o crime de violência sexual
praticado ou seja identificado como um AVS dentro de uma prisão, pode estar sujeito a diversas
formas de retaliação e humilhação, tais como: violência sexual, psicológica, física,
espancamentos, queimaduras, humilhações, pois são alvos de sentimentos de ódio e desprezo
por parte dos outros presos (ESBER, 2005, 2009; HEIL et al., 2003; JESUS, 2006; LOPES,
2005; SANTOS et al., 2009; SCHMIKLER, 2006; SCHWAEBE, 2005) e até mesmo

140Marcelo parece realizar um movimento de desqualificação da idoneidade da vítima, quando a classifica como drogada.
141A hierarquização dos crimes de violência sexual apresentada aqui por Marcelo foi usual também nas narrativas de diversos
outros entrevistados e será discutida na seção 3.2.2.3.
156

assassinatos142. Diversos pesquisados contaram sobre estes tipos de experiências e dois deles
(Paulo e Guilherme) relataram ter sido vítimas de violência sexual. Apresento a seguir as
narrativas do primeiro:

Paulo: Nossa doutora, não toca nesse assunto não, eu fico tão assim chateado, eu fico
chateado, sentido ... Fui estuprado sim, aqui na CPP. Me batia, me dava choque, me deu
paulada, os presos quase me matou, pulou no pátio com uma faca. Foi ruim, porque a
gente sente a dor. É difícil, né? É difícil saber que a pessoa tá te usando, a pessoa tá
fazendo coisas que não deve com você, quebrando pau de rodo na cabeça sua, batendo
em você. Rasparam minha cabeça, deu choque. Colocaram corda no meu pescoço,
tentando me enforcar. // Eu não sou aceito aqui na cadeia não, doutora, a senhora acha
que eu sou aceito aqui? Tem gente aqui que é doidinha pra me matar. Um dia, eu fui ali
no orelhão, o cara chegou pertinho de mim e falou: “Aí bicho, uma hora você vai vir na
minha mão e neste dia, eu vou arrancar sua cabeça, entendeu? Eu vou arrancar sua
cabeça, vou acabar com você. Eu tenho filho, seu desgraçado. Você não tem vergonha
na cara de fazer o que você fez não?” E eu calado. Eu vou fazer o quê? Eu vou me
defender de quê? Doutora, a maioria dos presos é pai, sabe? Você acha que isso é fácil
pra um pai143? Vamos supor, você é uma mãe. Você ia gostar que seu filho fosse
abusado? Tenho medo de morrer nesse lugar, tenho medo, doutora. Tenho medo, eu não
sei o que eu faço. Eu tenho medo de ir embora e ser uma armação, a família do menino
tá lá fora, ou sei lá, mandar algum malandro me matar. Eu tenho medo. Eu tô
desesperado, doutora. Eu não sei o que eu faço e minha mãe me abandonou, tá
complicado. Tá complicada a situação minha, me arrependo mesmo, sabe? Difícil. Onde
que eu tava com a cabeça? Oh, meu Deus!

Para auxiliar na avaliação dos motivos pelos quais as violências contra os AVS
tornam-se possíveis dentro e fora das prisões, recorro à análise sociológica de Elias e Scotson
(2000), quando mostram as maneiras pelas quais um grupo (estabelecidos), em construção de
uma identidade de superioridade em relação a outro (outsiders), é capaz de manter privilégios,
prestígio e poder, que podem ser materiais/econômicos ou de status/simbólicos:

A estigmatização, como um aspecto da relação entre os estabelecidos e os outsiders,


associa-se, muitas vezes, a um tipo específico de fantasia coletiva criada pelo grupo
estabelecido. Ela reflete e, ao mesmo tempo, justifica a aversão – o preconceito – que
seus membros sentem perante os que compõem o grupo outsider (ELIAS & SCOTSON,
2000, p.35).

Concluindo, espero ter tido êxito em frisar nesta seção que, apesar de estabelecer a
distinção didática entre assumentes e negadores, não se pode entendê-los em uma perspectiva
dual entre essas polaridades, pois existem inúmeras possibilidades, combinações e facetas de
negação. Ela pode ser parte de um processo contraditório entre revelar e esconder a violência
sexual praticada e pode ocorrer como uma das estratégias de sobrevivência e autoproteção dos

142 Apesar de nunca publicado em produções científicas anteriores, enquanto coordenei o Programa Repropondo, tomei
conhecimento de dois AVS atendidos que foram assassinados dentro da POG.
143 Perceba-se que Paulo também faz referência ao sofrimento da família da vítima de violência sexual.
157

AVS dentro da prisão. Sendo assim, a negação constitui-se em um processo complexo e


multifacetado, não podendo ser entendida de maneira simplista.

3.2 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA


SEXUAL A PARTIR DAS TRÊS UNIDADES DE SIGNIFICAÇÃO PROPOSTAS

Na presente seção, pretendo empreender a análise das representações sociais sobre


as crianças ou adolescentes vítimas de violência sexual para os vinte e seis entrevistados. Para
tanto, tomo por base as sessenta e uma entrevistas realizadas, a partir da observância das três
unidades de significação propostas para a presente tese: 1- vítimas e vítimas de violência sexual,
2- crianças e adolescentes e 3- sexualidade (das vítimas e dos AVS). Conforme poder-se-á
observar mais adiante, mesmo que didaticamente separadas, as unidades se interconectam,
estabelecem relações e ultrapassam fronteiras rígidas, tanto que divido as narrativas dos
entrevistados em apenas duas categorizações centrais: 1- as vítimas e vítimas de violência
sexual: a primeira unidade de significação (seção 3.2.1) e 2- crianças/adolescentes e
sexualidades: duas unidades de significação (seção 3.2.2). É sobre elas que passo a discorrer.

3.2.1 AS VÍTIMAS E VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL: A PRIMEIRA UNIDADE DE SIGNIFICAÇÃO

A partir da realização de diversas perguntas144 sobre a primeira unidade de


significação proposta neste trabalho – vítimas e vítimas de violência sexual –, agrupei as
narrativas dos entrevistados em três grandes temas: 1- a condição de vítima: crianças e
adolescentes que experimentam contato sexual com adultos na visão dos entrevistados (seção
3.2.1.1); 2- o conceito geral de vítima (seção 3.2.1.2); 3- as vítimas de violência sexual na visão
dos entrevistados: consequências, pensamentos, sentimentos e indissociabilidades (seção
3.2.1.3).

3.2.1.1 A CONDIÇÃO DE VÍTIMA: CRIANÇAS E ADOLESCENTES QUE EXPERIMENTAM CONTATO


SEXUAL COM ADULTOS NA VISÃO DOS ENTREVISTADOS

Como ponto de partida para a análise das representações sociais dos entrevistados
sobre as vítimas de violência sexual, julguei pertinente investigar se eles consideravam
quaisquer crianças e adolescentes que experimentam contatos sexuais com adultos como
vítimas desta situação. Quando a entrevista ocorria com um assumente, busquei entender se
elas eram compreendidas como suas próprias vítimas. Já nas entrevistas com os negadores,
apresentei uma situação hipotética de contatos sexuais de adultos com crianças e adolescentes

144 Que constam nos roteiros da primeira e da segunda entrevistas narrativas (Apêndices C e D)
158

e questionei se, nesses casos, elas poderiam ser consideradas como vítimas. As respostas que
eu obtive foram as seguintes:

Adriano: Considero [como vítima], porque eu não tive o entendimento e errei145, né?
Igual eu te falo que eu to arrependido, porque eu sinto que eu errei, né?

Amarildo: Na verdade, eu considero ela [enteada] como minha filha. Eu não sei o porquê
que isso [violência sexual] aconteceu, mas eu não vejo rancor nela hora nenhuma, de
jeito nenhum. Inclusive, eu estou convivendo com ela, né? Mas ela foi sim minha vítima
porque, na verdade, fazer, fazer [penetrar] eu não fiz, né? Mas tocar nela, eu toquei, né?
// Porque na verdade eu abusei delas [filha e enteada]. São sim. São vítimas.

Anderson: A criança vai pensar assim: “Porque fulano fez isso comigo?” Tem tantas
coisas, né? Porque ela é uma vítima, né? Na real, ela é uma vítima. De todo jeito, ela é
vítima. Na hora que ela for entendendo aquilo ... Por isso que eu falo que não passa [a
lembrança], porque ela fica com aquilo pro resto da vida146. // Sempre, as crianças e
adolescentes é vítima. // O mais culpado é o cara, a pessoa que fez isso. Tem muita
criança que não sabe o que é isso. A pessoa dá uma balinha e depois dá um real pra ela.
Aí, a criança se torna vítima sem querer.

Armando: É vítima porque ela não teve como se defender daquilo. Às vezes, fica até
com medo de acontecer algo pior e às vezes cede, fica quieta, fica ali acuada, no canto,
deixando a pessoa bolinar dela ou dele, seja uma criança, um menino ou uma menina.
// [A violência sexual intrafamiliar] fica até mais fácil, porque você tá dentro de casa
convivendo com uma criança. Então, você vê aquilo, que ela não vai ficar assustada
com aquilo. Então aí é onde ele faz, porque ele vê que a criança não fica assustada. Aí
aproveita daquela oportunidade, porque é pai, irmão ou avô.

Bruno: Ah, eu acho que sim, a adolescente pode ser considerada como vítima.
Adolescente não tem a cabeça que um adulto tem, né? Eu acho que ele [o adulto] deve
ter entrado na mente dela pra fazer esse tipo de coisa com ela, porque ela não tem a
cabeça que uma pessoa de maior tem. Eu acho que alguma coisa teve errada, eu acho
que não é certo não. Ele fez algo de errado com ela, né? Aproveitou da adolescência,
dela ser uma criança147, né? Ela fica sendo a vítima, não fica? Por que ela foi
prejudicada, né? Por que ele é de maior, né? Como se diz, já de idade, fazer uma coisa
dessa com uma criança? Não pode, né? Quem foi a vítima foi ela, não é isso?

César: Igual adolescente. Vamos supor que ela tem quinze anos. O cara vai e estupra
ela, na marra. Ela é uma vítima. Estuprou ela. Aquilo vai ficar na cabeça dela toda
vida148. Ela é uma vítima. O resto da vida ela vai ser vítima.

Cristiano: Por tudo que ela [sua vítima] passou na minha mão, por toda a maldade que
eu fiz com ela, eu entendo que ela foi sim uma vítima minha.

Danilo: Uai, eu penso que eles é vítima, né? Que eles vai ficar com aquilo na cabeça,
que aquele fulano fez aquilo e aquilo com ele, né?

145 Na seção 3.1, evidenciei como Adriano responsabiliza a adolescente pela iniciativa da interação sexual estabelecida com
ele, uma vez que ela teria se oferecido para o relacionamento sexual com ele. Observe-se que, apesar disso, ele tanto a
considera como vítima, como também reconhece o erro de tal relação.
146 Neste trecho, Anderson faz menção às consequências indeléveis da violência para as vítimas.
147 Bruno não faz distinção entre crianças e adolescentes, característica comum do discurso de outros pesquisados, como será

evidenciado na seção 3.2.2.3.


148 A violência sexual aparece como algo que provoca marcas indeléveis nas vítimas, representações sociais reiteradamente

descritas pelos homens entrevistados em todo corpo dessa análise.


159

Emílio: Assim, se um homem chegar e pegar um adolescente à força, aí ele é vítima.


Mas tem muitos adolescentes evoluídos nesse mundo. No meu caso mesmo, eu tava
dormindo, bêbado demais. Tava todo mundo bebendo lá na festa. O menino é que veio
querer graça comigo, né? Então, ele não foi vítima.

Fabiano: A vítima é aquela pessoa que foi atacada pela pessoa que faz aquele ato de
sacanagem com aquela pessoa, né? Então, eu acho que aquela criança, ela que é vítima.
Eu penso assim. E o adolescente é tudo a mesma coisa149, né? São vítimas, né?

Leandro: São vítimas porque as pessoas encantam elas com as coisas, com as promessas,
mil e uma promessas. Têm muitas mocinhas hoje que anda de roupinha boa, sapatinho
bom, uma modinha. Tem muitos adultos que podem dar. Então, ele seduz aquela
menina. Então, ela é uma vítima.

Marcelo: Acho que foi vítima sim, porque é muito nova, né? Eu é que era adulto, ela
não. Criança, né?

Matheus: É. É uma vítima, porque ela não tem defesa, né? A criança não tem defesa. O
adulto acaba mexendo com uma criança de nove, dez, doze de quinze, dezessete150,
independe do tamanho dela, é criança. Ela é grande, mas é pequena. É pequena na idade,
né? Mas é grande no tamanho, mas é criança. Então, eu acho que nesse ponto aí, ela fica
com trauma pela agressão que foi feita com ela.

Mauro: Por causa da idade, do jeito da pessoa, né? O menino, a menina, seja quem for,
a idade dele não combate [é incompatível] com aquilo.

Nilton: Praticamente sim, né? Porque eu tô preso por causa desses trem, né? Então é
vítima.
Karen: O que ela significa para você hoje?
Nilton: Uma pessoa qualquer. Não fede, nem cheira151.

Renato: Eles é que conversam no pé do ouvido delas, dão coisas para elas, bens
materiais. Eles é que seduz. Ela fica pensando: “Ah, porque que aconteceu isso comigo,
né”? Acho que isso é ser vítima.
Ricardo: Pelo que eu fiz com ela [enteada], ela não passa de uma vítima minha. Foi uma
vítima minha, aliás. // Elas [ex-esposa e enteada] foram vítimas porque elas não
mereciam isso. Mas eu fiz, na hora eu achei que merecia. Na hora da raiva152, eu deixei
acontecer.

Ronaldo: Eu considero meu filho como vítima, porque eu fiz um trem errado com ele,
né? O único que vai ser minha vítima, porque eu fiz coisa errada com ele, né? E o único
que é meu sangue, né? Igual eu tô explicando para senhora. Eu tenho arrependimento
do que eu fiz, tá entendendo?

Sérgio: Ela foi minha vítima, porque eu acho que, no caso a iniciativa foi ... certamente
foi minha.

149 Fabiano não faz distinção entre crianças e adolescentes, característica comum no discurso de outros pesquisados, como será
evidenciado na seção 3.2.2.3.
150 Neste trecho, Matheus não faz distinção entre crianças e adolescentes, característica comum das narrativas de outros

pesquisados, como será evidenciado na seção 3.2.2.3.


151 Observe-se que, apesar de considerá-la como vítima, esta não possui qualquer tipo de significado emocional positivo para

Nilton.
152 A raiva pode ser uma das motivações dos AVS para praticar a violência sexual, conforme explicitado em trabalho anterior

(ESBER, 2009) e discutido na seção 3.2.2.5.


160

Samuel: A criança é sempre vítima, porque não sabe o que faz, é completamente
inocente com aquilo ali. Sempre.
Karen: E as adolescentes?
Samuel: Umas são vítimas e outras não. Aquelas adolescentes que já sai, usa um
shortinho, uma calcinha fio dental, topzinho, já é, nossa, mulherão. Aí o cara mexe. No
outro dia, ela veste um mais curto e tá provocando. Essa não é vítima. // Agora, se ela
tá andando assim na rua, de shortinho e tal, e o cara chega e estupra, aí ela é vítima. //
Tem certas meninas que são mais recatadas. É da casa pro colégio, do colégio pra igreja,
da igreja pra casa, né? Então, ela fica mais em contato com a mãe, quase não sai. Vai
com o pai e com a mãe pra um cineminha, pro shopping. Fica mais com a mãe, mais
com a família. Aí de manhãzinha, vai pro colégio. Aí um filho duma égua chega, mete
o revólver, leva e estupra, a senhora entendeu? Aí é vítima.
Karen: O que diferencia estes dois tipos de adolescentes?
Samuel: A cabeça delas, na malandragem doutora, na malandragem. Não é verdade, não
é verídico, né? A criança que é vítima conversa no olho da senhora, olhando olho no
olho. Não mente pra senhora, e não teme, nem se cala, você entendeu?

As narrativas acima fazem emergir que a maior parte dos entrevistados apresenta
representações sociais de que crianças e adolescentes, quando submetidas a contatos sexuais
com adultos, podem ser nomeadas e categorizadas como vítimas. Eles elencam diversas razões
para considerá-las desta maneira, a partir de classificações como: faixa etária das vítimas; laços
biológicos; crianças e adolescentes como inocentes, indefesas e seduzidas; serem tais atos
nomeados como violência sexual, estupros ou maldade; reconhecimento dos erros de praticar
tal violência; o adulto aproveita-se sexualmente de uma criança; a violência provoca traumas,
prejuízos e marcas nas vítimas para sempre.
Apesar da maioria dos entrevistados responsabilizarem e culpabilizarem os adultos
que mantém interações sexuais com crianças e/ou adolescentes, dois deles (Samuel e Emílio)
acreditam que as meninas e meninos adolescentes – e não crianças – podem não ser
considerados vítimas, pois são capazes de sexualmente provocar, seduzir e tomar a iniciativa
para a interação sexual com adultos. Está presente a ideia de que, ao comportarem-se desta
maneira, elas perderiam características importantes para serem definidas como vítimas: a
assexualidade e a inocência sexual. Estão criadas as bases para a culpabilização das
adolescentes pelas violências sofridas, fenômeno que também ocorre em nossa sociedade,
conforme discutido nas seções 2.1, 2.2, 3.1.3, 3.2.2.3 e 3.2.2.4.
Uma última característica diz respeito ao fato de que os entrevistados usualmente
referem-se aos homens no lugar daqueles que praticam a violência sexual e às meninas no lugar
de vítimas, o que pode ser constatado pelo uso dos pronomes pessoais “ele” e “ela”,
respectivamente. Tanto as mulheres autoras de violência sexual, como também os meninos
vítimas estão ausentes em suas narrativas. Isto revela que eles cristalizam os lugares de autor e
de vítima de violência a partir da categoria gênero, característica presente não somente em suas
161

falas, mas também na sociedade brasileira, conforme indica Sarti et al. (2006). Assim, retomo
a discussão da seção 1.4 e pontuo que o reconhecimento público de que mulheres podem ser
autoras de violência sexual é quase que inexistente na sociedade brasileira. Demarco ainda que,
dentre os motivos que potencializam a invisibilidade dos meninos vítimas, estão: 1- os meninos
que são vítimas de homens se silenciam por medo de serem ridicularizados ou nomeados como
homossexuais (DORAIS, 2002) e quando se trata de uma relação incestuosa, ela se configura
em um duplo tabu, que envolve tanto a homossexualidade, como também a relação
consanguínea (PINTO JUNIOR, 2005); 2- os meninos vítimas de mulheres raramente as
acusam por temerem incompreensão de sua condição de vítimas e podem recear serem
ridicularizados por não terem aproveitado a experiência sexual (WEST, 2000) ou ainda sentir
dificuldades em identificar tal interação sexual como abusiva ou violenta, pois há minimização
de seus efeitos negativos (ESBER, 2009). Apesar de usualmente negligenciado pela pesquisa
científica e pelo senso comum, a literatura sobre abuso sexual de meninos indica consequências
da violência sexual suas vidas, pois eles apresentam respostas emocionais como raiva,
depressão, medo, autoculpabilização, abuso de substâncias psicoativas, suicídio, automutilação,
alcoolismo e desordens mentais (DORAIS, 2002). Para melhor aprofundamento na tomada de
medidas de combate e prevenção, a sociedade precisa discutir melhor esses dois importantes e
quase desconhecidos personagens da violência sexual.

3.2.1.2 CONCEITO GERAL DE VÍTIMA

Uma vez constatado que os entrevistados categorizam crianças e adolescentes que


experimentam contato sexual com adultos como vítimas (seção 3.2.1.1), busquei aprofundar-
me na investigação dos conceitos gerais que eles possuem sobre o que é ser vítima, em uma
acepção geral. Para tanto, realizei a seguinte pergunta: “Como você define a palavra vítima?”.
As respostas foram as seguintes:

Adriano: Vítima é a pessoa violada, né? Igual ela [sua própria vítima] pra mim, né? Eu
não devia ficar com uma menor, mas eu fiquei, né? Ela foi minha vítima, né? // Se eu
fizer um mal pra você, você vai me acusar e você vai passar a ser minha vítima.

Amarildo: Acho que vítima, que eu entendo assim, é eu chegar numa pessoa ali e bater
nele, né? Ou então eu roubar dele, então aquela pessoa é a vítima. Ou não é? É ao
contrário? Não sei. É isso mesmo? Então, quer dizer, eu abusei delas, elas é vítima. //
Desde que a gente faz o mal para uma pessoa, a pessoa é uma vítima. // Só de falar
vítima, quer dizer que a pessoa sofreu alguma coisa, né? De toda forma, é uma coisa
ruim. Eu entendo assim, né?

Bruno: Vítima é uma pessoa que foi prejudicada.


162

João: Todas as coisas que a gente vai fazer, que faz, como se diz, uma maldade com
uma pessoa, ela se torna uma vítima, não só pela acusação. Qualquer coisa que você vai
fazer de maldade com uma pessoa, ela é uma vítima. // É aquela que, como se diz, a
gente vai assaltar ela, a gente rouba os trem delas, ela tá sendo uma vítima. Porque aí,
ela se torna uma acusação nossa. Ela vai no juiz e acusa.

Leandro: Vítima é uma pessoa que não sabe o que tá acontecendo. Vítima de um
assassinato, vítima de um assalto, qualquer tipo de violência. Se ela não sabe o que tá
acontecendo, ela é vítima.

Marcelo: Uai, vítima pra mim é aquela pessoa que eu fiz mal pra ela, como se diz, que
eu alterei com ela, que eu feri, né? Tipo, como se fala, que a gente machuca a pessoa.
Isso pra mim é vítima. // Como se diz, que não merece, né? Fazer uma coisa dessa, não
merece.

Matheus: Vítima é uma pessoa que morre, que sofre uma violência, que foi prejudicado
por outra: um estupro, um acidente, um assassinato. Eu, se eu tiver errado, pra mim é
isso aí.

Nilton: Vítima no meu modo de pensar é uma pessoa que eu roubei e fiz algo de errado,
eu fiz uma coisa que não é certo. // Passa na minha cabeça que eu roubei ela, então é
uma vítima minha.

Ricardo: Vítima a gente entende quando a pessoa sofre algum ato e quando a pessoa foi
espancada, foi atirada. Ela é uma vítima, não é? Ela tá ali indefesa, no caso, né? // É
você ser prejudicado pela outra pessoa, né? É a pessoa ser lesada, né? // Eu não sei nem
o que tem que falar sobre isso. É vítima de maus tratos meus, de repente foi isso. Eu
maltratei, fiz coisa errada, foi isso. Ela foi uma vítima minha.

Ronaldo: Vítima é aquela pessoa que você abusou dela, fez uma violência sexual.

Samuel: Vítima é aquela pessoa, doutora, que tem os seus direitos violados, você
entendeu? Teve a sua infância, sua dignidade roubada, foi estuprada à força, sem poder
se defender. A senhora tá andando por aí, assim, aí um cara chega e mete a mão na cara
da senhora, pega o carro e tal e a senhora não pode fazer nada. Isso é vítima.

Em síntese, os conceitos que os entrevistados evidenciam sobre as vítimas, em uma


acepção geral, estão relacionados às seguintes nomenclaturas: alvo do mal, violência física,
roubar, coisa ruim, sofrimento, algo errado, prejudicado/lesado, violência sexual, raiva, não
mereciam, maus tratos, nunca vão esquecer, não é certo, espancada, indefesa, pessoa ou direitos
violados, dignidade roubada, não consegue se defender. Essas representações estão em
consonância com o conceito parâmetro de vítimas, já discutido na seção 1.6.

3.2.1.3 AS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL NA VISÃO DOS ENTREVISTADOS: CONSEQUÊNCIAS,


PENSAMENTOS, SENTIMENTOS E INDISSOCIABILIDADES

Visando reunir elementos para o estudo das representações sociais dos


entrevistados sobre as vítimas, julguei pertinente investigar se eles reconheciam consequências
da violência sexual (com os assumentes, referindo-se às suas próprias vítimas e com os
163

negadores, sobre vítimas hipotéticas). Questionei ainda o que eles achavam que suas vítimas
pensavam e sentiam sobre eles. Apesar de ter inicialmente aberto essas possibilidades para a
discussão, o campo empírico fez emergir uma outra classe de consequências, que intitulei
“indissociabilidade de consequências para a vítimas e para os AVS”. Suas respostas
permitiram-me propor quatro categorizações, que passo a discorrer a seguir: 1– consequências
psicológicas e emocionais para as vítimas; 2– consequências para a sexualidade das vítimas; 3–
o que as vítimas pensam/sentem sobre seus AVS; 4 – indissociabilidade de consequências para
as vítimas e para os AVS.
No que diz respeito à primeira, os pesquisados apresentaram quase que
unanimidade quanto ao entendimento de que as crianças e adolescentes podem sofrer
consequências psicológicas e emocionais negativas e perenes, a partir da experiência por eles
nomeada como violência sexual, caso praticada por um adulto. Eis as narrativas:

Adriano: Se for esse negócio assim de estupro, ela fica traumatizada com aquilo. Assim,
se for igual no caso da menina comigo, se ela tava na consciência [com a intenção] que
ela queria ficar comigo, acho que não teve uma consequência. Eu penso que não, né?
Se fosse porque ela quis, não teve não, né?

Amarildo: Eu acho que a pessoa não esquece, né? Aquilo ali, eu acho que fica para
sempre, a lembrança daquilo. Quanto mais cresce, aí que lembra ainda muito mais,
porque vai envelhecendo. A tendência é lembrar mais e não esquecer. Fica marcado
para sempre, de lembrar o sentimento do que aconteceu. O porquê aquela pessoa fez
aquilo, tocou nela.

Armando: Porque tanto a violência sexual quanto a agressora [física], que é aquela que
você tá batendo, tá espancando, eu acho que é a mesma dor. É a mesma dor, tá tirando
aquele brilho daquela criança ou daquela adolescente, tá tudo num contexto só, tenho
pra mim que a violência é a mesma153.
Karen: O que é tirar o brilho?
Armando: Tirar o brilho é ... a criança passou por uma situação, né? Ela tem medo de
sair na rua, de conversar com uma pessoa em grandes grupos, né? Ela perde assim o
caráter dela, né? Acho que ela se sente assim: “Nossa, eu fui abusada por um cara assim,
assim, assim. Fui violentada assim, assim por uma pessoa, essa pessoa me machucou,
essa pessoa me cortou”. Ela fica com aquele trauma ali. Essas feridas podem até sarar
um dia, mas acho que vai demorar.

César: Vai atingir a mente dela, doutora. Vai machucar tanto aquela ideia que ela nunca
mais vai ser aquilo. Ela fica perturbada. No meu modo de ver, ela fica perturbada.
Aconteceu um fato desses com um adolescente ou com uma criança, que seja, ela vai
ficar perturbada pro resto da vida [...] ela vai ficar com aquilo na cabeça: “Me estuprou,
fez isso comigo”. Eu não tenho a inteligência assim, mas eu acho que ela vai ficar
perturbadinha da cabeça. Talvez, com o tempo, sei lá, ela pode até se curar, mas eu acho
meio difícil.

153Observe-se a não distinção entre crianças e adolescentes, característica comum a outros entrevistados que será discutida na
seção 3.2.2.3.
164

Danilo: Ah, eu acho que eles não têm uma vida feliz não, porque sempre ele vai ficar
pensando, né? Que ele foi machucado, ou que seja massacrado, não é? E às vezes, não
tem força pra vingar, por que todas as pessoas pensam isso.

Emílio: Eu acho que não teve nenhuma consequência para a vida dele, porque foi ele
me procurou. Quando eu acordei, ele já tava em cima de mim, já pegando onde não
podia.

Fabiano: Eu penso que a pessoa pode ficar no sofrimento, né? Fica naquele sofrimento,
porque ela ser abusada ali, sem esperar. Eu creio que aquela pessoa fica com trauma na
cabeça por ter acontecido aquele tipo de coisa naquele momento ali. // Eu creio que pode
ter [consequências para a criança], né? Pode ter, porque aconteceu um acontecimento
antes do tempo daquela criança. Acho que não é aquela coisa que aquela criança
imaginava na vida dela. Então, a pessoa pode ficar com o pensamento sobre aquela coisa
a vida toda, né? Porque não é aquilo que aquela criança queria.

Fábio: Assim, ela pode ter trauma, né? Do que o cara fez com ela e tudo, né? Isso aí,
ela vai ficar naquela situação, cismada. Uma menina sem vida, né?

Leandro: Quando ela se tornar mais em si, quando ela tiver pensando melhor, ela vai
querer saber o porquê que o pai fez aquilo com ela, né?
Karen: Qual é o sentimento dela?
Leandro: Sentimento de culpa. A criança não sabia o que tava fazendo, é inocente154
para poder saber dizer “não”, saber lutar para aquilo não ter acontecido.
Karen: O que mais?
Leandro: A dor, né? Dor do remorso, a dor daquilo que tá acontecendo. Porque não é
normal um adulto e uma criança, não é normal. Então, deve ser uma dor grande, né?

Marcelo: Ah, eu acho que ela vai ficar assim, traumatizada, que não vai conseguir viver
a vida. Até que tentar, ela vai, né? Mas não vai conseguir viver a vida normal, igual ela
tinha, né? De adolescente, né? Vai sempre pensar no que ela sofreu, vai ter sequelas da
violência. // Traumatizada, assim: a pessoa fica desorientada com alguma coisa, né? Se
sofrer alguma agressão, já pensa que vai acontecer de novo. É trauma, né?

Paulo: No meu modo de pensar, eu acho que ele vai ficar ali com aquela marca pelo
resto da vida dele. Vai ficar com medo. Tudo da cabecinha dele é que um tio ou um pai
vai querer fazer alguma gracinha com ele. É isso. Marca. // É uma marca que não vai
ter fim. Ali, a pessoa vai ficar pelo resto da vida. // Uma vida que, pode bem dizer que
acabou, vamos falar mais ou menos assim, eu acho... difícil. // É igual esse menino que
eu caí nessa bagaceira [violência sexual]. Ele nunca vai ser uma criança normal,
saudável. Porque sempre, vira ou mexe, ele sempre vai lembrar dessa situação.

Ricardo: Vai ter consequência e não vai ser bom para o emocional dela [sua própria
vítima]. Com certeza, ela jamais vai esquecer, ela jamais vai esquecer disso. Ela vai
ficar traumatizada, praticamente por causa disso. Ela não vai esquecer jamais. Lógico,
vai abalar tudo. Deve ter abalado tudo. Hoje, ela já deve estar mais ou menos
[emocionalmente falando], mas não vai esquecer. Eu, o que eu posso fazer por ela hoje
é pedir desculpas, se ela acreditar em mim, confiar em mim, e aceitar ... Eu agi na hora
errada, eu fiz coisa erradíssima, mas eu não posso, sei lá, me virar dos avessos, sei lá….

Samuel: Ela pode se tornar uma criança agressiva, pode se tornar um adolescente, um
velho ou um senhor inseguro de si, você entendeu? Não tem confiança em si mesmo.

154Nessa parte da narrativa, Leandro apresenta a ideia da criança sexualmente inocente, contrariamente à manifestação da
criança como sedutora na seção 3.2.2.4.
165

Ter medo de tudo o que faz, ter medo de escuro, não ter amor próprio, porque isso tira
o amor próprio da pessoa.

Assim, em suas perspectivas, a violência sexual provoca consequências


psicológicas e marcas emocionais negativas nas vítimas. Para considerá-las desta maneira,
utilizam-se das seguintes nomenclaturas: ter trauma psicológico, marcas, sem vida, tirar o brilho
e o amor próprio, sofrimento, medo de homens, culpa, dor, mágoa, machucado, massacrado,
perturbação mental para resto da vida, um evento inesquecível, insegurança, consequências na
vida sexual futura, agressividade, insegurança, falta de confiança, perda do sentido da vida,
impossibilidade de uma vida feliz. Alguns ainda apresentam a ideia de que as vidas das crianças
e adolescentes nunca mais serão as mesmas, após marcadas pela experiência da violência
sexual. Emílio e Adriano foram os únicos que manifestaram acreditar não existirem
consequências negativas da interação sexual – que eles próprios não nomeiam como violência
– para os adolescentes. Considero que assim o fizeram em função da negação da intenção em
praticar a violência e da culpabilização de suas vítimas pela interação sexual, como discutido
nas seções 3.1, 3.1.3, 3.2.1.1 e 3.2.2.4.
Cinco entrevistados versaram sobre os efeitos na sexualidade das vítimas, a partir
da violência sexual. Nomeei essa segunda categorização de consequências para a sexualidade
das vítimas, conforme se pode constatar abaixo:

Amarildo: Vamos supor, se ela ficar [fizer sexo] com o marido dela e lembrar de alguma
coisa do passado, né? Com o próprio pai é ainda pior, né?

Armando: Acho que ela fica assim, um pouco receosa com o homem, né? Assim, viver
no mesmo local. Se ela sentir que chegou um homem, a presença do homem, ela fica
assustada, ela fica já procurando algum abrigo, alguma pessoa pra ficar perto. Acho que
ela fica com medo, fica com medo daquela violência que ela passou e de fazer sexo
quando ela for adulta.

Marcelo: Ela vai pensar nesses abusos que aconteceu com ela. Uai, pode ter muito
transtorno, né? A pessoa que não vai nem querer saber de arrumar um marido mais, ou
casar, não vai ter uma vida feliz mais. // Ela não vai ter a vida normal. Principalmente
se ela casar. Não vai tocar a vida normal dela não. Sempre ela vai relembrar, não vai ter
a vida normal no sexo com o marido.

Matheus: Às vezes, vai tomar medo de um namorado, alguma coisa assim.

Ricardo: Casar e talvez não querer deitar com o marido, sei lá. Talvez, sei lá. Pode ser
isso também.

Assim, os entrevistados acreditam que a experiência de violência sexual produz


danos na sexualidade das vítimas e dificuldades em sua vida sexual futura. Observe-se que a
categoria gênero novamente aparece para a análise, pois os principais personagens das
166

narrativas são os homens na posição de autores da violência e as meninas como vítimas, assim
como também analisado nas seções 3.2.1.1 e 3.2.2.4.
Considerei ainda importante investigar o que os entrevistados achavam que as
vítimas pensavam sobre eles, a partir da experiência da violência sexual. Trata-se da terceira
categoria de consequências da violência sexual, conforme se explicita em suas falas:

Amarildo: Ela [enteada] tem coisas para me falar, alguma mágoa, não sei, alguma
palavra para me falar. Ela poderia até perdoar, mas nunca vai esquecer. Eu acho isso
ruim demais. Tenho vontade de pedir perdão pra ela e pra mãe dela, mas tenho
vergonha155 de conversar isso com ela. Mas a gente não fala sobre o assunto. Às vezes,
eu olho pra ela assim ... Ela é tão alegre, ela é uma pessoa maravilhosa. Tanto ela, como
a mãe dela.

Emílio: Deus abençoa que ele não sente nada não, e nem goste [de fazer sexo com
homens]. Eu penso que ele não sente nada por mim não.

Marcelo: Eu tenho certeza que ela deve pensar as piores coisas sobre mim, deve ter
muita raiva, porque ela foi muito machucada, né? De todas as formas. Então, eu tenho
certeza que ela tem ódio de mim e da maldade que eu fiz. Peço perdão todos os dias.

Nilton: Ela deve pensar que eu sou um monstro, né? Mas eu não sou. Pra falar a verdade,
eu nunca pensei, nunca parei pra pensar nisso não.

Ricardo: É lógico que ela [enteada] deve sentir raiva, ódio, sei lá, rancor, sei lá! Eu acho
que ela tem o direito de sentir tudo o que ela quiser. // Peço perdão todo dia para Deus,
porque se eu tivesse como sentar com as duas [ex-esposa156 e enteada] pra conversar, eu
sentaria. E conversaria. // E em nenhum momento na minha vida, eu acho que agi certo.
Foi só na hora da raiva. Só na hora da raiva.

Sérgio: Ela não mudou nada comigo não. É a mesma pessoa, quer dizer, filha, né? A
mesma pessoa que eu tenho amor, sinto amor. Reconheci o erro, ela sabe disso.
Infelizmente, não podia ter feito isso. Só que a gente não fala mais sobre isso.

Apenas Emílio e Sérgio parecem não considerar que suas vítimas têm pensamentos
ou sentimentos negativos sobre eles. O primeiro acha que isto acontece em função de que o
adolescente seria homossexual e que teria iniciado a interação sexual enquanto ele dormia
(descrito na seção 3.1). Interpreto que Sérgio assim o faz pois nega a extensão da violência para
sua vítima (seção 3.1.3). Os demais manifestam que as vítimas podem pensar que são monstros,
que violência é um evento inesquecível em suas vidas e que elas poderiam manifestar

155 Este é um sentimento comum em AVS, conforme amplamente constatado pela literatura (ESBER, 2005, 2009; HANSON,
2003; MARSHALL et al., 2005; SANTOS et al., 2009) e que pode provocar também o silêncio na relação entre o AVS e a
vítima ou dentro da família, comum em famílias incestuosas (FINKELHOR, 1979; FORWARD e BUCK, 1989; FURNISS,
1993). Diversos AVS incestuosos da presente pesquisa também mostram o silêncio sobre a violência sexual como
característica de suas interações com os filhos que sexualmente vitimizaram: Ronaldo, Ricardo e Sérgio, conforme pode-se
observar na seção 3.2.1.3).
156 Ricardo tentou matar sua ex-esposa no mesmo dia em que estuprou sua enteada, sendo esta também por ele considerada

como sua vítima.


167

sentimentos de raiva, ódio e mágoa por eles, comumente descritos pela literatura especializada
(ARAÚJO, 2002; HABIGZANG et al., 2005). Aparece ainda nas narrativas a vontade de pedir
perdão às suas vítimas a partir de tal reconhecimento.
Apesar de ter adentrado no campo empírico com perguntas direcionadas à
investigação das consequências da violência sexual para as vítimas, uma outra classe de
consequências da violência sexual emergiu espontaneamente a partir dos diálogos que foram se
estabelecendo com os entrevistados. Alguns deles vincularam as consequências sofridas pelas
vítimas com aquelas que eles próprios experienciaram ou ainda estão vivenciando. Trata-se da
quarta categorização, que intitulei “indissociabilidade de consequências para as vítimas e para
os AVS”:

Adriano: Igual ela [sua vítima], se ofereceu pra mim. Não foi estupro não. Mas pelo que
eu estou sofrendo aqui cadeia como um estuprador, doutora! Eu sei que eu fiz o que eu
não devia fazer pela idade dela, mas isso aqui é um inferno.

Amarildo: Aí, depois que a mãe dela descobriu, foi ruim, foi um clima muito ruim.
Muito, muito mesmo. Sei que eu perdi a vontade e o ânimo pra trabalhar. Pra mim,
acabou minha vida, eu pensava assim. // No meu caso mesmo, uma pessoa que na
verdade é pai dela, praticamente. Igual ela fala mesmo para os outros, o pai que ela tem
é eu. Eu queria ser considerado como pai dela, mas por não ter acontecido isso [violência
sexual]. Não tinha que ter acontecido. Mas tá bom, se ela ainda me considera assim
[como um pai], isso é bom. Bom para mim, bom para ela. Só que eu não esqueço, ela
também não esquece, eu tenho certeza. Não fala, mas lembra. // Eles [a família] me
perdoam157 e tudo, mas isso nunca vai sair da minha cabeça. Nem minha, nem delas.
Não me perdoo por isso que eu fiz.

Fabiano: A criança vai ficar magoada por causa daquela coisa que aconteceu com ela.
É a mesma coisa do homem se guardar pra uma outra pessoa quando crescer e, de
repente, ser atacado, né? Igualzinho muitos aí que já foi atacado aqui dentro da cadeia,
muitos caras já foi atacado, e aí acontece esses tipos de coisas. Se uma criança for
atacada, a pessoa fica com o trauma na cabeça a vida toda, né? Vai ficar traumatizado a
vida toda. Isso aí é um absurdo. Tanto com um, como com o outro.

Fábio: É acusar a pessoa que não fez aquilo [violência sexual]. // Eu acho que aquilo é
muito errado. Você acusar uma pessoa que não deve aquilo ali. Eu vou acusar aquela
pessoa, sendo que ele não fez nada? Isso também é ser vítima para mim.

Guilherme: É uma mágoa, é uma mágoa assim que não acaba mais, nem a da vítima,
nem a do abusador, entendeu? Nem para vítima, nem pro abusador. O abusador, ele tá
no mesmo processo que a vítima, entendeu? // Olha, eu sou vítima 158 de um processo
desse, de uma acusação, de uma coisa que eu não fiz. Você é vítima, entendeu? A pessoa
te acusou, você tem a consciência limpa de que você não fez as coisas. A pessoa te

157 Como já descrito na apresentação de Amarildo (seção 3.1), após ter obtido progressão para o regime semiaberto, ele passou
a conviver novamente com a família. Conta que reatou seu relacionamento conjugal com a ex-esposa, mãe da enteada
sexualmente violentada. Apesar de ter tido o perdão de ambas, avalia a violência sexual como um evento inesquecível para
todos, inclusive para ele próprio.
158 Schmickler (2006) constatou que alguns AVS podem tentar provar que foram vítimas da acusação de estupro.
168

acusou naquele exato momento, né? Aí depois, passou o tempo, esse processo já tem o
quê? Vinte anos? Quase vinte anos que eu tô nesse processo.

Matheus: Uai, eu acredito que aquilo que ele passou, que ela passou, acho que é um
trauma, que ele não esquece nunca, não é? Igual o que eu tô passando, tô preso aqui, tô
sofrendo. Isso aí é uma mancha que não sai mais. Eu nunca vou esquecer disso, minha
família não vai esquecer.

Paulo: Vítima é uma palavra muito forte, né doutora? No meu modo de pensar, é quando
você vai atacar uma pessoa, né? É igual uma pessoa chegar em você e falar assim: “Olha
o tarado lá!”. É uma palavra forte. Para mim, isso já dói muito. Eu ganhei muito,
doutora, essa palavra: “Olha o Jack, olha o estuprador”. A palavra dói, doutora, eu não
vou mentir para a senhora não. Quando eu cheguei, eu pensei em desistir de tudo, pensei
em morrer, doutora (chora) eu pensei em morrer, doutora. Eu pensei em tirar minha
vida, tentei acabar com ela.
Karen: O que te emociona?
Paulo: Ah, o que me emociona é falar, doutora, dessa criança, né? Porque como diz o
ditado, a minha vida acabou, né? Minha vida acabou. Eu podia ter caído em qualquer
outro B.O.159, podia ter caído em um assalto a banco ... Oh, meu Deus do céu! É difícil,
mas eu não queria ter caído nisso [violência sexual] não, doutora! // Criança é uma
pessoa que jamais merece ser abusada pelos outros, a senhora tá entendendo? Jamais
merece ser passada por essa dor. Agora eu pergunto para a senhora: como é que está
essa criança [sua vítima] uma hora dessa? Eu não tiro essa criança da cabeça. Porque?
Por causa do seguinte: eu choro, doutora, eu choro, a senhora tá entendendo? Eu choro,
choro mas chorar assim mesmo, sabe? Choro de chorar, sabe? Igual eu falei para a
senhora, de arrependimento, de tudo, sabe? De tudo. // Então, se para uma criança dessa,
a vida dela acabou, a minha também acabou, a senhora entendeu? Eu sou do lado dela,
eu sou do lado dela. Não foi porque eu errei que eu sou um monstro e não me arrependo
do que eu fiz. Eu me arrependo, eu tenho um coração, eu tenho coração. E eu sei que eu
errei, eu sei que eu fui um covarde, um monstro. Eu sou tudo de ruim, doutora, me sinto
um lixo, me sinto tudo de ruim, tudo de ruim eu sinto. Tenho nojo de mim, eu tenho
nojo.

Ricardo: Nossa! Tem dia que eu fico assim... A vontade minha é explodir minha cabeça
para ver se tira, apaga. A vontade minha é essa. Eu acho que eu precisava de uma pessoa
para trabalhar minha cabeça, porque eu vou dizer para você... Sinceramente, se tem
alguém que se arrependeu do que fez, fui eu... Eu vou dizer para você. Não sou melhor
que os outros, não sou mais que ninguém não. Mas eu vou falar para você, sinceramente.
Eu nunca imaginei na minha vida que eu iria passar por um teste desse. Mas amém,
glória a Deus. Estou aqui. Para mim, teve consequências e acho que sempre vai ter. Para
mim, eu que fiz. Agora imagina para quem foi atingido160? // Aí simplesmente, acabou
pra mim, né? Tanto é que eu parei, parei no tempo. Pra mim, eu acho que não tem mais
graça em nada. A minha própria mente me acusa. É por isso que eu falo, se Deus falasse
assim pra mim: “Se você se matasse agora, eu te dava sossego”. Eu teria a maior
coragem, com o maior prazer.

Ronaldo: Quando eu sarava e olhava no meu filho assim, aquele arrependimento vinha
na hora, a senhora entendeu? Arrependimento vinha com uma força que ... Aí não tinha
como eu voltar atrás, chegar nele e falar: “Oh, meu filho eu fiz isso, não vou fazer isso
mais não”. Não tinha como. Como é que eu ia chegar no meu filho e falar isso para ele?

159 Na gíria da cadeia, B.O. se refere a qualquer problema criminal com a justiça e é abreviação de Boletim de Ocorrência,
procedimento policial que dá início a um processo penal.
160 Note-se que Ricardo fala de seu próprio sofrimento, mas coloca o de sua enteada em um patamar de mais elevado do que o

seu, pelo fato de ela ter sido vítima de violência.


169

Tem dia que eu fico ali na minha cela pensando nisso tudo que eu fiz, fico quase doido.
Por que eu fazia isso com o meu filho161? Isso é uma coisa que eu nunca mais vou
esquecer. Nunca mais.

Portanto, além de elencarem consequências da violência sexual para vítimas, os


entrevistados revelam também aquelas que atingem suas próprias vidas. Os assumentes
referem-se aos seguintes aspectos: 1- consequências psicológicas e emocionais indeléveis,
manifestas por seu próprio sofrimento (que chegou a ser um desejo de morte em alguns casos),
em relação às violências praticadas e às consequências negativas que produziram nas vidas de
suas vítimas, às quais também reconhecem sofrer consequências indeléveis; 2- a autoimagem
de monstruosidade, perplexidade, arrependimento, nojo e outros sentimentos negativos acerca
de si mesmos (em conformidade com o já evidenciado na seção 3.1.2); 3- a prisão e todas as
violências sofridas neste espaço enquanto um “estuprador”. Os negadores indicam, além desta
última, sentimentos negativos sobre o fato de terem sido injustiçados por falsas denúncias e
pela indevida punição legal. Um entrevistado, Guilherme, considera-se vítima da acusação que
o levou à prisão. Pontuo que a indissociabilidade de consequências não se evidenciou apenas
nas narrativas que apresentei nesta seção, mas também no decorrer de diversas outras falas ao
longo de toda a análise apresentada no presente trabalho. Desconheço estudos que discutam as
consequências da violência sexual para as vidas dos próprios AVS, tema que considero de
grande relevância para futuras pesquisas.
Para concluir a presente seção, pode-se constatar que os entrevistados entendem
que as vítimas de violência sexual sofrem consequências psicológicas e marcas emocionais,
bem como elencam danos na sua sexualidade e dificuldades em sua vida sexual futura. De
acordo com suas avaliações, essas marcas são negativas e podem ser vivenciadas para o resto
de suas vidas. Quando questionados sobre o que acham que suas vítimas pensam e sentem sobre
eles, os entrevistados reconhecem que elas poderiam manifestar sentimentos de raiva, ódio e
mágoa, pois caracterizariam a violência como um evento inesquecível162. Evidenciam ainda
uma peculiaridade quanto às consequências da violência sexual que praticaram: existem
também consequências psicológicas e emocionais indeléveis para si próprios, como seu
sofrimento, autoimagem de monstruosidade e sentimentos negativos. Some-se a isso as
violências sofridas nas prisões, que além das inerentes ao sistema de confinamento, recaem
duramente sobre os AVS, o que com certeza marcam a vida de qualquer indivíduo, como
evidenciam os estudos sobre a prisionalização (HANEY, 2001).

161 A perplexidade em relação à violência praticada é característica comumente manifesta pelos AVS, de acordo com a literatura
especializada (ESBER, 2009; FORWARD e BUCK, 1989; KAMPHUIS et al., 2005; SUÁREZ e BANDEIRA, 1999).
162 Essa forma de se qualificar a violência diz respeito tanto às vidas de suas vítimas, como também de suas próprias.
170

3.2.2 CRIANÇAS/ADOLESCENTES E SEXUALIDADES: DUAS UNIDADES DE SIGNIFICAÇÃO

Uma segunda categorização central acerca das representações sociais dos


entrevistados sobre crianças e adolescentes vítimas de violência sexual foi intitulada
“crianças/adolescentes e sexualidades: duas unidades de significação”, objeto da presente
seção. Assim, pretende-se contemplar duas (das três) seguintes unidades de significação
propostas na presente tese: 1- crianças/adolescentes e 2- sexualidade, ambas em relação com a
categoria adultos. Divido suas narrativas em cinco subitens: conceito geral de crianças (seção
3.2.2.1), conceito geral de adolescentes (seção 3.2.2.2), não distinção entre crianças e
adolescentes versus a hierarquização de crimes: pensando as diferenças (seção 3.2.2.3), crianças
e adolescentes em interação sexual com adultos: inocentes, sedutoras, coautoras e vítimas
(seção 3.2.2.4) e, por fim, adultos em interação sexual com crianças e adolescentes:
problematizando a questão do desejo sexual de AVS pelas vítimas (seção 3.2.2.5). Dessa
maneira, acredito que se tornará possível reunir elementos para discutir o objeto central da
presente análise: as representações sociais que os entrevistados expressam sobre suas próprias
vítimas ou sobre vítimas hipotéticas.

3.2.2.1 CONCEITO GERAL DE CRIANÇAS

Com o intuito de verificar quais classificações os entrevistados realizam sobre a


categoria crianças, foi perguntado o seguinte: “Como você define a palavra criança?”. As
respostas estão listadas abaixo:

Adriano: Eu tenho o meu filho, eu sei. Criança é criança163, né? Como eu já fui criança.
Pra começar, é inocente. Depois que começa a ser adulto, aí começa a entender. Daí, eu
vejo o erro, por causa dessa menina [sua vítima] ser nova, né? Doze anos.

Amarildo: Ah, eu não entendo muito não, mas criança é uma coisa bem frágil. Não
entende nada, não sabe de nada, é inocente de tudo, frágil, né? // Criança é uma coisa
bem sensível, que não pensa nem nada, não sabe o que quer.

César: É tudo, pra mim é tudo. A coisa mais linda que Deus deu pra gente é uma criança,
é uma maravilha. A senhora pode estar em um dia ruim, a senhora pega uma criança, a
criança te dá um abraço, um sorriso, a senhora ganhou o dia. Eu me sinto assim. Por
exemplo, eu fico aqui quatro, cinco meses sem ver minha neta164. O dia que eu vejo,

163 Meyer (2007) indica que o termo linguístico "criança" automaticamente invoca representações que se explicam em si
mesmas, com status moral próprio e cujos significados já não têm de ser explicados. “A dimensão moral do discurso da
inocência e do status sagrado da criança permite duas séries de acontecimentos: (1) infância torna-se uma retórica moral e
(2) as questões que afetam as crianças se tornam questões morais. A infância como retórica moral significa que "a criança"
pode se tornar uma explicação em si mesma, invocando o status da criança sagrada, podendo ser utilizada para legitimar uma
série de práticas e opiniões” (MEYER, 2007, p. 102).
164 Sua neta configura como sua vítima em seu prontuário institucional, mas ele nega ter praticado esta violência. Note-se que,

mesmo preso, ele relata manter convivência com sua família, incluindo a suposta vítima. É neste sentido que retomo a
171

parece que eu fui embora [da prisão]. Ela chega, me abraça, me beija, deita comigo na
cama, brinca comigo. Eu não vou sentir feliz? Não vou gostar de uma criança? Deus
que me livre. Criança pra mim é Deus.

Emílio: Criança significa que é um fruto. Sem criança, a vida não fica movimentada,
alegre.

João: Uma vez, fui assaltar uma fazenda e teve uma criança desse tamanho que fez eu
abaixar o revolver. Ela sentou do meu lado e falou: “Tio, se eu te pedir uma coisa, você
faz? Não mata ninguém não. Não vou sair daqui, vou ficar aqui, e eu estou pedindo pra
o senhor, não mata ninguém”. Ali foi me doendo, eu pus o revolver pra cima. O bandido
amolece o coração, porque naquele dia, eu senti que ia ter morte, porque eu não tenho
dó não, não tenho piedade do tal do ser humano não. Eu tenho dó só das crianças. Sabe
por quê? Que mal que elas fazem a alguém? A única coisa que eu sei que criança faz é
poder brincar, poder aceitar o carinho de um amigo, de uma mãe, de uma avó. Acho que
a criança precisa do amor. Criança é um anjo, um anjinho, uma criança não tem
maldade, não tem covardia com ninguém, não pensa maldade hora nenhuma. Outra
coisa, criança pra mim pensa em brincar, a criança é sempre alegre, eu acho que uma
criança pra mim é isso.

Marcelo: Criança tá na flor da vida. Não tem graça estragar a vida [por meio da violência
sexual] de uma pessoa que agora é que tá começando no mundo.

Matheus: Não pode uma pessoa abusar [sexualmente] da outra, de uma criança ...
Criança é criança165, né? Tem que proteger, cuidar.

Mauro: É com alegria, né? Criança é uma coisa boa, né? Eu tenho minha filha de onze
anos, meu filho de três e sete meses. Eu gosto dos meus filhos, não tem como eu não
gostar dos meus filhos. // Traz coisas boas, né? Um casal casa pra quê? Pra ter um lar,
né? Pra dedicar à família, né? E filho é para unir o casal. Talvez muitas vezes, um casal
tá brigando e um filho vem fortalecer aquele lar.

Nilton: (Silêncio) Não vem nada na minha cabeça. Nada, nada, nada.

Paulo: O que eu sei falar para a senhora é que um bichinho desse é inocente. Criança
não tem culpa, sabe? Para mim, uma criança é um anjo de Deus, entendeu? Que Deus
põe na terra, um bichinho que não tem culpa. No meu modo de pensar, uma criança é
dócil. Uma criança não mexe com ninguém ... (choro). É isso, uma criança não tem
maldade com ninguém. O ser humano que é muito mau, o ser humano que é muito ruim
de fazer uma covardia [violência sexual] dessa. // Uma criança não tem juízo, né? Uma
criança não tem noção. Não são como nós, que é adulto que pensa. Uma criança é uma
criança. É um anjo de Deus, né? Por exemplo, a senhora dá um tapa nele agora, passa
um minutinho, a senhora pode ver que ele chega e pede desculpa.

Ricardo: Eu acho que não tem muita imaginação em pensar o que é errado e o que é
certo. Eu acho que tem que ter é um adulto por perto, porque a criança não analisa as
coisas direito. // Eu defino criança como um anjo de Deus, sei lá. Não sabe nada, não
conhece nada, não sabe o que é ruim. Um anjo de Deus.

Sérgio: Criança é inocência, carinho e amor. // Eu sempre gostei de criança, gostar de


amor mesmo, de gostar, de cuidar. Tenho aquele imã por criança, tinha sobrinha. Então,

discussão sobre a necessidade de desenvolvimento de políticas públicas de atenção aos AVS dentro e fora dos presídios,
conforme já abordado na seção 2.6.
165 Meyer (2007) reflete que o termo “criança” é tão poderoso que dispensa maiores explicações.
172

sempre eu gostei, sempre eu gostei muito de criança. Pra mim, é eu acho que é tudo. É
digno de tudo, é amor, é carinho, é vida também, né?

Em síntese, quando solicitados a falar sobre os seus conceitos gerais acerca da


categoria crianças, os entrevistados revelam que as representam como: puras, inocentes,
sensíveis e anjos, frágeis, não analisam as coisas direito, um fruto, não tem culpa sobre a
violência sexual, dócil, na flor da vida, carinho, amor, maravilha, sentir feliz, uma coisa boa,
não tem maldade, alegre, a quem não se pode violar sexualmente, a quem se deve proteção e
cuidado. Assim, mesmo que não se referiram explicitamente aos preceitos contemplados pelo
conceito parâmetro de crianças (conforme já discutido na seção 1.6), observa-se similaridade
em sua caracterização, indicando que eles as representam tal qual se faz na legislação, no senso
comum, na mídia e na literatura especializada.

3.2.2.2 CONCEITO GERAL DE ADOLESCENTES

Com o intuito de analisar como os entrevistados representam os adolescentes,


julguei pertinente investigar seu conceito geral, por meio da seguinte pergunta: “Como você
define a palavra adolescente?”. As respostas são as seguintes:

Adriano: Alguém que tem que cuidar, né? E aprender. Tá na fase do ensino. O pai e a
mãe têm que ensinar.

Armando: Pra mim, um adolescente é a fase de coisas boas. Acho que ali, tudo pra eles
é bom. Tudo pra eles é festa. Então, adolescente pra mim, ele tá chegando na flor da
idade, ele tá começando a descobrir o mundo.

César: Uma pessoa que tá criando lugar certo para vida, né? Que tá despertando para a
vida. Aí que ela vai aprender o que é o bom e o que é ruim, pra ela seguir.

Luiz: Eu acho que é uma realização muito grande, um adolescente pra mim é o futuro
de uma família, de uma cidade, de uma sociedade.

Mauro: Hoje, o mundo que eles vivem é diferente do mundo da gente, né? Hoje é no
computador, na lan house, balada. Hoje os meninos aí com quinze, dezesseis anos, é só
balada. É poucos que pega num livro e vai estudar. Hoje, briga demais, briga sem razão,
sem motivo, sem nada.

Ricardo: Tem adolescente que é levado. Se deixar, ele tira você fora do sério. Já tem
outros que são melhores, sabem conversar, já tem um pouco mais de noção. //
Adolescente é aquelas meninas que gosta de festa. É escola, é parque de diversão, os
clubes, é isso aí. Eu não sei como hoje está lá fora, né? Porque a adolescência de hoje
infelizmente está rebelde166.

166 Ricardo faz menção ao uso de drogas e à prostituição como causas desta rebeldia.
173

Sérgio: Eu já comecei com treze anos a trabalhar e às vezes até entrar na vida do mundo,
de bebida, cigarro, às vezes, mulher. Então, a minha adolescência já foi mais essa. Os
adolescentes de hoje já são mais diferentes, mais estudioso, mais voltado pro estudo, às
vezes se cuidando mais.

Em síntese, os entrevistados representam adolescentes a partir de nomenclaturas


como: coisas boas, festa, flor da idade, fase de cuidar, bebidas, cigarro e mulher, tira fora do
sério, escola, parque de diversão, despertando para a vida, lan house, balada, futuro de uma
família. Observa-se que seus conceitos são similares aos elaborados pelo senso comum, mídia
e literatura especializada.

3.2.2.3 A NÃO DISTINÇÃO ENTRE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VERSUS A HIERARQUIZAÇÃO DE


CRIMES: PENSANDO AS DIFERENÇAS

Alguns pesquisados deixaram emergir dois padrões espontâneos e recorrentes a


partir de suas narrativas: a não distinção entre os conceitos de crianças e adolescentes e a
hierarquização de crimes. No, primeiro, os entrevistados mostram que estas duas categorias se
confundem, se misturam e se entrelaçam, como evidenciado abaixo:

Adriano: Até ela ser adulta, ela é criança. Não entende, né? Não entende de sexo, essas
coisas. Não tem vontade de ter sexo. E eu aprendi, né? Que a gente, pra fazer sexo, é só
depois dos dezoito, vinte anos. E mulher é só com dezesseis anos pra cima.

Amarildo: Adolescente é a mesma coisa de criança, não? Pra mim é. Só muda de idade,
acho que criança é até dez anos. Dos dez anos para frente, se torna adolescente, até os
dezoito, dezenove. Para mim, é criança da mesma forma. Eles não são responsáveis pelo
que fazem, pelo que falam, porque não têm a ideia de um adulto, né? Adolescente, na
verdade, é a mesma coisa de criança, eles nunca sabem o que eles querem. Então, se
comete um crime desse com uma adolescente, é o mesmo que for com uma criança.

Armando: Sobre adolescente assim de dezessete, dezoito anos, acho que não tem graça
nenhuma [sexualmente falando]. Assim, da minha parte, não tem. Se você olhar pra
menina, ela tá grande. Mas ela só tem tamanho, é uma criança.

Bruno: É por que é tudo de menor. É criança. Não é de dezessete anos pra baixo que é
de menor? Eu acho que eles são tudo igual.

Emílio: Adolescente é mais pro lado de criança, né? Até os quinze anos, é inocente.
Passou disso, já não é adolescente mais. Já é uma pessoa que já sabe. Tem menino de
quinze anos que já sabe muitas coisas.

Fabiano: Adolescente é a criança nova, né? É a criança nova, criança de idade nova.
Adolescente pra mim é a mesma coisa da criança!

Ronaldo: Uai, adolescente é ser criança, né? Menino mesmo, criança, né? É ser criança.
// Criança é um adolescente, né? Adolescente que não entende nada, não sabe de nada
[sexualmente falando].
174

Observe-se que além de não realizarem a distinção entre crianças e adolescentes, é


também presente a ideia de que elas são imaturas biológica, psíquica e emocionalmente.
Também consideram suas sexualidades como pueris, inocentes e não atraentes. De acordo com
suas perspectivas, em uma interação sexual com adultos, elas não podem ser consideradas como
responsáveis.
O segundo padrão que emergiu das narrativas dos entrevistados diz respeito ao fato
de que, paradoxalmente ao primeiro, alguns deles hierarquizam crimes sexuais: os praticados
contra crianças são considerados como particularmente mais sérios e piores do que contra
adolescentes ou mulheres adultas. Segundo suas acepções, as primeiras são mais prejudicadas
pela violência sexual, como explicito a seguir:

Anderson: Mas o pior que eu acho é [estupro contra] criança. Na verdade, nem estupro
de adolescente, nem de ninguém. Isso não pode existir. // Acho que o castigo tinha que
ser maior, né? Porque criança não tem defesa e adulto tem como correr. Com dezesseis
anos, tem como gritar. Igual eu vejo muita gente que morre, mas não deixa [ser
sexualmente violentada], porque teve força pra lutar, né? E uma criança não tem.

César: Porque criança é inocente e não sabe o que tá fazendo. [...] Ela não tem
consciência do que tá fazendo. Pra ela, ela tá brincando. E para o cara, safado, sem
vergonha167, ele tá é abusando sexualmente dela. Um cara desses tem que sofrer. Então,
ela tá sendo mais vítima do que a adolescente [...] porque não sabe o que tá fazendo.
Uma criança de quatro anos, cinco anos sabe o que tá fazendo, doutora? Não sabe. Pura
inocência. O cara aproveitar dela, tem que cortar a cabeça mesmo168. Filho de uma puta.
(Risos). É, uai!

João: Vamos supor, se um pai de uma adolescente transa com ela, fica com ela. Ela não
precisa falar nada para ele: sai caladinha. Não existe polícia? Não existe lei? Não existe
a mãe dela? Chega e conta pra mãe dela. Vai na delegacia e fala o que acontece. Agora
tem uma que eu conheço que parece que tem sete filhos do pai e nunca foi na delegacia.
Adolescente já sabe se defender, criança não. Por isso, é um crime bem pior.

Marcelo: A pessoa, quando ela é adulta, ela já conhece o sexo. Conhece, mas igual a
menina, já não conhece as coisas, ela sente mais dor [física]. Pode acabar com a
adolescência da pessoa. E uma mulher adulta pode superar mais rápido. A criança não
supera. // Por ela [sua vítima, a criança] mesmo, não tem como ela me perdoar169, porque
umas coisas dessas [estupro] que aconteceu com ela, não tem como ela chegar e me
perdoar. É uma coisa mais grave. Se fosse só roubo, podia até me perdoar. Mas isso
[violência sexual] não tem como. Como é que me perdoa? Não tem jeito. // O estupro é
pior porque é carnal, foi assim tipo um machucado. De corpo, físico, é isso aí. É pior do
que os outros. // E peço que Deus zele pelo coração dela e que ela me perdoe. Ela e a
família dela também. // Depois, a gente vai parar e vai pensar170. Eu sei que é tarde
demais, mas eu acho que para o perdão, nada é tarde, né? Eu errei, eu sei que eu errei,

167 Observe-se a ideia da amoralidade associada à violência sexual.


168 Assim como na seção 3.1.2, o entrevistado novamente realiza defesa de que os AVS sejam assassinados.
169 Ele relata que no momento em que estava cometendo a violência, em função do uso abusivo de drogas, não se preocupou

com a vítima, mas que agora se importa com ela e quer o seu perdão. Conforme revelado ao longo de toda a presente análise,
diversos outros entrevistados assumiram sentir a mesma necessidade.
170 O reconhecimento da violência como algo que provoca danos para a vítima ocorreu somente no momento pós violência.
175

né? Eu peço perdão, mas como se diz, Deus uma hora vai pôr na cabeça dela e ela vai
me perdoar, né?

Os entrevistados utilizam-se de duas premissas para hierarquizar os crimes de


violência sexual: 1- são mais graves do que outros tipos de crimes; 2- são mais prejudiciais para
as vítimas crianças, em se comparando com as adolescentes ou mulheres. Seus argumentos
apoiam-se no fato de que as primeiras apresentam características de inocência sexual,
assexualidade, vulnerabilidade e indefensabilidade. O tipo de representação social que
hierarquiza os crimes de violência sexual é comum também nos discursos sociais, pois
estudiosos (MEYER, 2007) têm mostrado que violar sexualmente as primeiras parece
socialmente e moralmente condenável porque estas são concebidas como inocentes, frágeis,
vulneráveis, indefesas e assexuadas. A vítima é “passível de sofrer o ato violento, por
corresponder a um lugar definido de antemão como lugar de vulnerabilidade” (SARTI, 2005,
p.114).
Instituições sociais também evidenciam essa mesma hierarquização de crimes, a
partir da faixa etária das vítimas, como evidencia Nadai (2010), estudiosa do campo das
Ciências Sociais, em pesquisa sobre a descrição dos crimes de estupro e do extinto atentado
violento ao pudor nos documentos oficiais produzidos por escrivães na Delegacia de Defesa da
Mulher de Campinas. A autora revelou que, quando as vítimas eram crianças, existia uma
descrição mais empática da situação, enfatizando sua dor a ingenuidade. Já para as adolescentes,
os documentos evidenciam uma busca por analisar sua experiência sexual, avaliando elementos
da honestidade de seus relatos e da acusação que estava sendo realizada. Os achados de
Pimentel et al. (1998) evidenciam que, no sistema judiciário, a visão sobre crimes sexuais está
vinculada à imagem que se faz da vítima e de seu comportamento. E esses achados não são
somente expressão da realidade brasileira. MacMartin e Wood (2005) elencam que tanto a idade
das vítimas, como também os danos psicológicos e a violação da confiança foram considerados
fatores agravantes nas sentenças proferidas por juízes canadenses. Similarmente, Waterman e
Foss-Goodman (1984) também encontraram que as adolescentes são mais culpabilizadas do
que as crianças pelas violências sexuais sofridas. Assim, pode-se observar que a hierarquização
de crimes de violência sexual realizada pelos entrevistados é expressão das representações
sociais reproduzidas pela literatura acadêmica e por diversas instituições sociais, inclusive
aquelas cujo objetivo é reprimir esse tipo de crime.
176

3.2.2.4 CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM INTERAÇÃO SEXUAL COM ADULTOS: INOCENTES,


SEDUTORAS, COAUTORAS E VÍTIMAS

Autores da literatura especializada (BORN, 2005; ESBER, 2009; FALEIROS e


CAMPOS, 2000; HANSON, 2003; MACHADO, 1998; PINTO JUNIOR, 2005;
SCHMICKLER, 2006; ZÚQUETE e NORONHA, 2012), encontraram que os AVS podem
considerar suas vítimas como sexualmente sedutoras – sejam elas crianças, adolescentes ou
mulheres adultas:

Os agressores sexuais de crianças traduzem-se por uma visão do mundo em que ter
relações sexuais com crianças é algo visto como “normal”, e que não leva a
consequências nocivas para suas vítimas. Isto faz com que minimizem seus atos,
afirmando terem sido provocados e seduzidos pela criança ou que sintam que o abuso
sexual não tenha sido forçado, nem traga sequelas físicas e psicológicas às vítimas.
Essas afirmações fazem frequentemente o agressor trocar de papéis, passando de
agressor a vítima em seus discursos. É também comum justificarem seus atos por amor
à vítima (ZÚQUETE, e NORONHA, 2012, p. 1370, grifo do autor).

Em trabalho anterior (ESBER, 2009), verifiquei que um pai que, tendo praticado
abuso sexual contra suas duas filhas por um período de tempo prolongado, oscilou entre
responsabilizar-se pela violência sexual que cometeu e culpabilizar suas filhas vítimas,
acusando-as de tê-lo sexualmente seduzido. A literatura por vezes interpreta tal fato como uma
tentativa psicológica de negar a culpa, projetando na vítima a responsabilidade pelo acontecido
e desresponsabilizando-se por seus atos (FORWARD e BUCK, 1989; VECINA, 2002).
Considerando que este é um tema que considero ainda obscuro e de grande relevância para a
produção científica em geral (conforme descrito na seção 2.3) e para a presente tese em
particular (pois refletem suas representações sociais sobre as vítimas), investiguei as maneiras
pelas quais os entrevistados representam crianças e adolescentes em interações sexuais com
adultos, a partir de quatro eixos de questionamentos: 1- relações entre os conceitos crianças,
adultos e sexualidades; 2- relações entre os conceitos adolescentes, adultos e sexualidades; 3-
se os entrevistados acreditam que crianças e adolescentes gostam de interações sexuais com
adultos; 4- se os entrevistados acreditam que crianças ou adolescentes poderiam sexualmente
seduzir adultos. O primeiro eixo buscou analisar as relações que eles fazem entre os conceitos
crianças, adultos e sexualidades:

Amarildo: Isso não pode nem existir né, não pode nem existir. Só de falar criança, já
falou tudo. Sexo, não tem como, né? Não pode. Criança é uma criança, é uma coisa
frágil. Imagina sexo com uma criança, né? Não dá. // Eu não sei como seria, ne? Eu
mesmo eu não tive [penetração]. Eu senti o prazer em tocar, então eu não sei como que
é isso de [penetração com] criança. Para mim, não tem graça. Assim, a gente não penetra
na criança. No adulto, a gente já penetra.
177

Anderson: Criança é criança, não tem como não. Eu nem sei o porquê que o cara faz
isso não. Não é porque que eu sou acusado disso que eu vou saber, né? Porque eu nunca
fiz isso. Se eu fosse um estuprador ... mas isso aí, eu não dou conta de entender não.
Tantas pessoas [adultas] que tem por aí e você interessar por uma criança? Eu nem dou
conta de explicar isso, fica sem resposta. Eu encabulo como é que a pessoa interessa
[sexualmente] por uma criança, porque mulher tem demais da conta. Pra que eu vou
interessar por uma criança? Por que? Qual o motivo? Acho que é muito egoísmo. // A
pessoa mexer com criança! Um absurdo, porque criança nem corpo tem. É uma criança.
Chegou aqui um velho de idade falando que estuprou a sobrinha dele. Ainda falou do
corpinho dela, que mexeu na perereca dela. Que corpo que uma criança tem? // Eu fico
desorientado quando é criança, porque a pessoa adulta pelo menos tem defesa, não é?
Se você for mexer com qualquer pessoa adulta, ao menos, ela dá conta de gritar ou sair
correndo. Agora criança? Tem gente que mexe com criança de três anos, com criança
de sete anos, porque não tem defesa nenhuma. É isso que eu acho pior. // A criança é
inocente, dá uma balinha, dá dinheiro, um real. Eu vejo direto isso lá no meu setor.
Senhor de idade desce no córrego lá com criança, dando balinha pra criança, um real,
dois reais, dez reais.

Armando: A criança e o adolescente, doutora, elas são indefesas de tudo, né? Elas não
têm proteção de ninguém. A única proteção que ela tem é do pai e da mãe. Se eles não
tiver [estiverem por] perto, elas ficam vulneráveis a esse tipo de pessoas. São indefesas.
// A criança passa a conhecer o mundo e abrir a cabecinha a partir dos quinze anos. Até
uns dez anos, criança pra mim não sabe nada, né? // A partir de uns quinze, dezesseis,
dezessete anos pra frente, a criança já fica mais esperta, mais sabida das coisas, já sabe
se sair de algumas coisas. Uma criança de catorze, quinze anos não tem força pra
combater com um homem. // Não tem graça [sexualmente falando] alguma em crianças
e adolescentes. Considero que a atração sexual entre pais e filhas é um ato repudiante.

Bruno: Eu penso que não é certo não, né? Eu penso que não. Porque um adulto tendo
um relacionamento com uma criança! É de menor, né? Eu acho que não é certo. Tem
que ser um de maior, eu penso comigo assim.

Emílio: Isso não passa na minha cabeça nem a pau, meu Deus do céu! Tem um velhinho
lá na minha cidade que foi condenado com negócio de pedófilo de criança. Criança,
menino pequeno. Meu Deus do céu! Eu não dou conta desse negócio. Isso não entra na
minha cabeça. É uma coisa errada, entendeu? Porque uma pessoa dessa idade, tem que
dar é carinho.

Fabiano: Que pensamento de sexo que tem uma criança? Criança não tem pensamento
nenhum. Criança é muito inocente. Pensa uma pessoa adulta chegar a cometer um crime
com uma criança! Só pode ser um monstro171. Isso não é coisa de uma pessoa fazer com
uma criança.

João: Igual eu vejo criança de quatro, cinco anos, três anos, que estupra elas, os próprios
pais fazendo coisas erradas com elas, estuprando uma criança de quatro, cinco anos.
Uma criança de quatro, cinco anos pensa alguma coisa de sexo? Claro que não!

Leandro: Nossa, eu não sei te explicar não. Acho que normal não é não, né? Porque um
adulto com uma criança, isso não é normal. Tá vendo que a criança não aguenta um
negócio desse [penetração] ... Ah, não sei te explicar não. A criança não tem a
capacidade [física] de uma pessoa adulta.

171Note-se aqui a imagem de monstruosidade do AVS, potencializada pela ideia da inocência sexual da criança, conforme já
foi discutido na seção 3.2.2.4.
178

Luiz: Uma criança ainda não tem essa coisa do sexo. Eu sou pai, né? Então, eu posso
falar de várias formas. Uma criança é um anjo para mim. Minha relação com todos os
meus filhos é uma relação de muito afeto, muitos ensinamentos e de uma amizade
sólida. Então, para mim, criança é um anjo, definindo a história.

Marcelo: Ah, não tem graça, né? É uma coisa sem graça, né? Como se diz, criança é
uma coisa de Deus, né? Não sabe ainda o que que tá acontecendo. Não sabe o que é
sexo, não sabe nada.

Mauro: Pra mim, isso é errado, né? Eu acho assim: cada pessoa, uma idade, né? Talvez
não se compare. São idades incompatíveis.

Paulo: É assim, doutora, é muita inocência, né? Se chegar uma pessoa estranha perto de
criança e der uma balinha, ela vai com ele.

Ricardo: Um absurdo. Pra mim, eu acho um absurdo. Eu acho! Porque não tem lógica
um trem desse, não entra na cabeça de ninguém. Só de você falar criança e sexo, não
tem nada a ver. Não tem cabimento. Não existe uma coisa dessa. Não bate, não tem
como, porque uma criança é criança, o adulto é adulto. Tanto o homem como a mulher
foi feito para isso. Então, não tem como. É inconcebível, não tem lógica.

Samuel: Eu tenho uma filha mulher. Hoje em dia, não adianta você esconder nada [sobre
sexualidade] de criança. Até a televisão tá escancarando. Então, criança e sexualidade,
a senhora tem que ensinar pra ela, conversar desde pequeno, o que é e o que não é, o
que pode e o que não pode fazer, o que deve e o que não deve. Porque é igual droga:
não adianta a senhora esconder. // A criança não sabe o que faz, é inocente de tudo.

Sérgio: Criança não tem sexualidade. Eu vejo assim que não. Ela nem sabe o que é isso.
Totalmente inocente.

Quando questionados sobre as relações que estabelecem entre os conceitos crianças,


adultos e sexualidades, os entrevistados revelam os seguintes aspectos: 1- as interações sexuais
entre esses personagens são nomeadas como crimes de violência sexual, atos moralmente
condenáveis por serem absurdos, inconcebíveis e ilógicos; 2- ao AVS, é atribuída uma
caracterização de anormalidade e monstruosidade, potencializada pela representação de
assexualidade, não atratividade, inocência sexual e vulnerabilidade de crianças; 3- há
incompatibilidade física, sexual e emocional entre crianças e adultos. Suas representações
sociais, pois, não diferem daquelas apresentadas pelo senso comum para o qual, segundo Meyer
(2007), a assexualidade e a vulnerabilidade física e social de crianças são entendidas como
características inatas e colocam a moralidade como questão central para sua sexualidade. São
também concepções similares àquelas propostas nos marcos legais que regulam o
enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil (seção 2.5) e ainda
àquelas produzidas e reproduzidas pela mídia brasileira (seção 2.4).
179

O segundo eixo de questionamentos buscou entender como os entrevistados


interpretavam as interações entre os seguintes três conceitos: adolescentes, adultos e
sexualidades. Eles se manifestaram da seguinte maneira:

Anderson: Antigamente, os adolescentes namoravam só de pegar na mão e depois iam


casar. Hoje em dia, tá morando junto, namorado dorme com a namorada na casa dos
pais de ambas as partes, né? Então, eu acho que a adolescente tá muito vulnerável sobre
esse tipo de coisa [violência sexual], porque ela ainda é muito inocente.

Bruno: Ah, eu acho que não é certo não. Não pode não, né? Acho que não. Acho não,
tenho certeza que não. Não pode fazer isso não. Como é que ele [adulto] sai com uma
adolescente? Não pode, tem que caçar [procurar] uma pessoa mais igual a ele, da idade
dele. Eu acho que não é certo não.

César: Muitas vezes, uma adolescente com treze ou catorze anos sabe o que tá fazendo
[sexualmente falando], mas já vai forçada. Por algum motivo, ela vai forçada.

Danilo: Uma menina de treze anos não é uma pessoa adulta na cabeça não. Ela pode
entender de caneta, computador, mas a cabeça dela ainda é de criança. Então ela é
fraquinha, fraquinha. Aí, se a pessoa tem um bom papo, leva ela [para o sexo], não é?

João: A pessoa adolescente já sabe o que quer, já sabe o que faz. Uma criança não.
Quantas meninas de doze, treze anos aí que tá com um filho nas costas, que tá com um
filho nos braços, não é verdade?
Karen: Essas adolescentes poderiam ser sexualmente coagidas por adultos?
João: Tem não, tem não, tem não. Nem pai nem mãe têm poder sobre filhos. Eles têm
poder quando é criança, quando é criancinha pequenininha. Agora adolescente, não.
Não têm poder não. Porque ela deixou, eu tô só supondo, porque uma mulher172, quando
não quer ser abusada, como se diz, estuprada, ela esguerreia, ela grita, tem pau, tem
pedra. Agora um pai que pega uma adolescente, como se diz, na moral, alisa, faz o que
quer, é porque ela deixa173.
Karen: Nestes casos, elas podem ser consideradas como vítimas?
João: Não é vítima não. Aí essa já não é vítima como uma criança174, né? Criança é
mais, porque é inocente.

Luiz: Igual essa menina do meu processo mesmo. Para mim, adolescentes são pessoas
muito promíscuas175, a gente vê elas se vendendo a troco de bananas. Eu acho isso tudo
muito deprimente doutora, muito deprimente.

Mauro: Na minha forma de pensar, eu acho que adolescente e sexo tá errado, né? Ela
não é compatível com a idade da outra pessoa [adulta] pra fazer isso, né?

172 Note-se que João considera adolescentes como mulheres adultas.


173 Sem me pretender a uma análise aprofundada, pontuo que suas representações sociais sobre adolescentes parecem refletir
sua própria história de vida, pois ele saiu de casa aos sete anos para morar nas ruas, onde certamente teve de aprender a se
defender sozinho.
174 Observe-se que João realiza uma hierarquização dos crimes de violência sexual, característica bastante presente nas

narrativas dos entrevistados e foi anteriormente discutida na seção 3.2.2.3.


175Apesar de considerá-las dessa maneira, em outros momentos de sua entrevista, Luiz também demonstrou condenar

moralmente as relações sexuais entre adolescentes e adultos. Ele se referiu com indignação ao caso de um senhor que foi
inocentado pela Justiça, pego em flagrante com duas adolescentes em um motel: “E o juiz entendeu que, apesar delas serem
menores, etc., etc., aquilo ali foi uma coisa descabível e acabou absolvendo ele, devido ao tamanho e desenvoltura delas, né?
Um absurdo”. Observe-se ainda que o entrevistado associa a promiscuidade às adolescentes meninas – e não aos meninos.
Isto mostra como a categoria gênero perpassa este tipo de classificação.
180

Paulo: O adolescente já tem um pouco mais de experiência e juízo do que uma criança,
né? O adolescente sabe do certo e do errado [sexualmente falando]. Esse é o meu modo
de pensar. Por exemplo, se chegar uma pessoa estranha perto dela, o que ela vai fazer?
Ela não vai dar moral. // Eu fico entre as duas paredes. Ou ela ali foi usada à força, a
senhora tá entendendo? Ou então, ela fez isso por si própria, ela quis. Ou a pessoa
ameaçou ela com uma faca, com um revolver, canivete ou então a pessoa pagou com
dinheiro, alguma coisa e ela aceitou. Esse é o meu modo de pensar.

Ricardo: Eu acho que adolescente não tem nada a ver com adulto. Então, eu acho que
já é errado, penso eu, você transar com um adolescente de quinze, dezesseis anos. Está
totalmente errado. Não tem lógica. Primeiro, já é crime. // Mas infelizmente, hoje tem
esse negócio, né? Tem adolescente hoje que não sabe nem o que quer da vida e já tá
transando. Não sabe nem o significado do sexo, mas tá transando do mesmo jeito.

Ao serem chamados a pensar os conceitos adolescentes, adultos e sexualidades, os


entrevistados acima apresentados se referem aos personagens meninas adolescentes e homens
adultos, assim como o fizeram nas seções 3.2.1.1 e 3.2.1.3, demonstrando cristalização dos
lugares de autor e de vítima de violência a partir da categoria gênero. A interação sexual entre
os dois foi considerada moralmente condenável e nomeada como um crime de violência sexual.
As adolescentes aparecem em suas narrativas de diversas maneiras, por vezes até contraditórias:
1- como vítimas, dada sua vulnerabilidade expressa pelas diferenças de idade e maturidade
sexual em relação aos adultos; 2- como mais amadurecidas física, sexual e intelectualmente do
que crianças e, nesse sentido, com maior discernimento e possibilidade de defesa contra uma
possível violência sexual; 3- como aquelas que podem ser submetidas à violência sexual à força
ou ainda sexualmente seduzidas por adultos; 4- como capazes de desejar ou consentir com a
interação sexual, pois podem ter vida sexualmente ativa; 5- como sexualmente inocentes; 6-
como sexualmente promíscuas (como assevera Luiz), podendo consentir com o abuso sexual
(como afirma João) e nesses casos não são nomeadas como vítimas.
O terceiro eixo de questionamentos buscou explorar se os entrevistados acreditam
que crianças e adolescentes gostam de interações sexuais com adultos. Com os assumentes,
discutiu-se sobre suas próprias vítimas e com os negadores sobre crianças e adolescentes
hipotéticas. Busquei investigar estas concepções por vezes em perguntas diretas e, em outras,
este foi um tema espontaneamente trazido à tona:

Adriano: Não gosta não. Pelo contrário, gera sofrimento, né? Igual ela [sua vítima,
desconhecida], pediu dinheiro, disse que tava precisando de roupa. Foi só por isso que
ela quis.

Amarildo: Eu sabia que se eu não procurasse, ela [enteada] não ia fazer isso [ter
iniciativa para o sexo]. Ela não ia procurar eu pra isso. Ela não gostou do que aconteceu,
tenho certeza. Foi iniciativa minha mesmo.
181

César: A criança não vai sentir prazer, porque não sabe o que tá fazendo. Adolescente
já sabe, mas se sente ameaçado. Por qualquer coisa, ele se sente ameaçado. Agora a
criança não tem jeito, uai. Como é que uma criança de quatro, cinco anos vai sentir
prazer numa coisa que ela nem sabe o que é que é? Ela nem imagina que aquilo existe.
Quem vai sentir prazer é o sem vergonha, que tem que cortar a cabeça dele. Ele que é
sem vergonha. A criança não.

Cristiano: Não sei. Mais ou menos, né? Mas desse jeito aí, à força, quem é que vai sentir
[prazer sexual]? Desse jeito aí, eu acho que só pode ter sido eu, né? Porque ela [sua
vítima] mesmo não ia sentir, né? Desse jeito aí, na tora, quem é que gosta? Ninguém
gosta, né?

Fabiano: Eu creio que não, senhora. Criança não gosta disso e adolescente também não.
São inocentes de tudo.

Marcelo: Até hoje, eu penso que elas [suas vítimas] nunca gostaram daquilo.

Paulo: Não. Criança nenhuma, criança nenhuma gosta. Nem adolescente. // Ninguém
gosta. Ninguém gosta. Isso é uma coisa que deixa marca.

Ricardo: Não, de maneira alguma. Jamais eu posso falar que ela [enteada] gostou. Tenho
certeza que foi péssimo para ela.

Ronaldo: Ah, eu acho que não, viu doutora. // Ele [filho] não gostou, porque tava com
dez anos, mas ele entende algumas coisas. Ele sabia que tava errado, né? “Ah, meu pai
tá fazendo isso comigo, pegar eu aqui, levar pro mato, fazer relacionamento comigo, ter
um relacionamento comigo?” Às vezes, ele ficava comigo, caladinho176, não falava
nada, mas eu sabia que ele sabia que tava errado. Mas às vezes, eu bebia e fazia as coisas
com ele. Eu já tava com o rabo cheio de cachaça. O que me estragou mesmo foi a bebida.

Nenhum dos entrevistados acima relata acreditar que crianças ou adolescentes


podem gostar ou ter prazer sexual a partir da interação sexual com adultos. Esta constatação,
em certa medida, problematiza a ideia de que os AVS entenderiam que elas gostam de tais
interações, pois possuiriam distorções cognitivas que, em última instância, os facilitariam à
prática da violência sexual (conforme preconizado pela Psicologia cognitivo-comportamental
e já discutido na seção 2.3). Sem me propor nesse momento a contrapor tal teoria (até porque
seriam necessários mais elementos para tanto), reflito que este é um tema que definitivamente
merece cuidadosa investigação científica futura.
Um quarto eixo de questionamentos investigou se os entrevistados acreditam que
crianças ou adolescentes poderiam sexualmente seduzir adultos. Perguntei aos assumentes se
eles achavam que suas próprias vítimas os haviam seduzido; aos negadores, se crianças ou
adolescentes hipotéticos poderiam fazê-lo. Os entrevistados retrataram três grupos distintos: 1-
crianças em situação de abuso sexual; 2- adolescentes em situação de abuso sexual; 3-

176Note-se o silêncio dos envolvidos na violência sexual intrafamiliar, característica também presente em Amarildo e Sérgio
(seção 3.2.1.3).
182

adolescentes em situação de exploração sexual comercial. No que diz respeito às primeiras, eles
assim se posicionaram:

Armando: De jeito nenhum. Se eu falar pra você, é mentira. Acho que a criança e
adolescente, eu acho que ela não fica se exibindo, se mostrando pra um adulto não. São
inocentes, não entendem disso.

César: Nunca. Nunca. Nunca uma criança faria isso. Não tem como uma criança fazer
isso, não tem maldade nenhuma na cabeça! A cabeça dela é só felicidade, só alegria, só
mostrar a alegria dela pra gente. // O cara que faz a cabeça de uma criança é doido,
psicopata. Tem que cortar a cabeça dele, igual fizeram com um aqui, há uns quatro
meses atrás, a senhora ficou sabendo177?

Fabiano: Pode ser da pessoa também estar se sentindo seduzido pela criança também.
Pode acontecer também. // Mas de todo jeito, a criança sempre é a vítima, né?

Leandro: Eu acho que se ele estiver drogado, é o efeito da droga. Se ele não tiver, alguma
coisa a criança deve ter dado um motivo para ele, pode ter seduzido178 ele. Quer dizer,
eu penso assim, não sei.

Mauro: Não, eu acho que a criança não seduz. Não tem como ser uma criança que seduz.
Muitas vezes, acontece na família. É sobre a bebida, sobre o álcool, sobre as drogas.
Isso é péssimo, não é uma coisa boa pra gente ver [na televisão], eu acho isso errado.

Samuel: No caso, uma criança que foi estuprada, o cara fala que ela se insinuou. Às
vezes, ela tá brincando, na inocência de criança. O cara vem e entende aquilo. Louco,
porque pra mim, isso é louco. Vê e entende aquilo como se ela tivesse insinuando, vai
e pega a criança.

Crianças em situação de abuso sexual foram consideradas pelos entrevistados a


partir de três características: sexualmente inocentes, sexualmente sedutoras e vítimas179.
Baseados na primeira, reforça-se a ideia dos AVS como loucos, psicopatas ou doentes mentais
e, nesta condição, merecedores das mais cruéis punições, dentre elas até mesmo assassinatos.
Esta inter-relação entre as concepções de infância e adultez e de sexualidade e assexualidade é
comum nas sociedades, conforme indica Kleinhans (2002).
As adolescentes em situação de abuso sexual são o segundo grupo retratado pelos
entrevistados, quando se questiona se elas poderiam sexualmente seduzir adultos:

César: Adolescente, eu já mudo de ideia, porque muitas vezes ela sabe o que tá fazendo.
Então, eu já penso assim: sabe, mas tá forçada a fazer alguma coisa por medo, tá sendo
ameaçada e às vezes é seduzida por um homem ou pelos presentes que ela tá ganhando.
// Sabe o que é que tá fazendo, doutora, apesar de ser forçada. Ela se sente ameaçada, e

177 Essa história já me havia sido contada por outras pessoas dentro da penitenciária. De acordo com o que foi falado,
decapitaram um AVS e jogaram sua cabeça pela janela, de maneira que ela caiu no pátio da penitenciária.
178 Nessa parte da narrativa, Leandro apresenta a ideia da criança sexualmente sedutora, contrariamente à manifestação da

criança como inocente na seção 3.2.1.3.


179 Conforme também evidenciado na seção 3.2.1.1.
183

vai concordar com aquele cara tá fazendo, aquele doente180, não é isso? Aí acontece as
coisas. // Hoje, a senhora vê na televisão menina de dez, onze anos, já moça, cantando,
se evoluindo.

Cristiano: Ela não me seduziu, mas ela não falava nada, ela me beijava também, né?
Entendeu? Do jeito que eu beijava ela, ela me beijava. Daí, fiquei de boa com ela,
achando que ela estava querendo aquilo ali também. Acho que ela estava com medo,
pra ela estar fazendo aquilo. Só pode. Ela estava com medo de eu matar181 ela, alguma
coisa, pra ela estar fazendo daquele jeito lá.

Emílio: Pode seduzir sim. No dia que aconteceu esse negócio mesmo, eu tomando,
tomando, eu vendo aquele menino mexendo comigo. Direto ele pegava em mim e eu
saindo fora. Eu estava numa festa bebendo junto com o pai dele.

Mauro: Hoje em dia, essas coisas de sexo, tá na troca de droga, tá no crack, trocar o
corpo por crack. Seduzem sim. Quantas e quantas meninas que a gente vê?

Ricardo: Não sei. Provavelmente deve ter adolescentes que fazem isso [seduzir adultos].
Eu acho que [a violência sexual] deve ser a [experiência] mais horrível possível [para a
adolescente], penso eu. Mas não tem como mais eu me culpar [sobre o estupro cometido
contra a enteada], não tem como, eu sou culpado de tudo! Ela foi uma vítima minha,
com certeza.

Samuel: A gente vê muitas adolescentes que têm o raciocínio de criança e têm muitas
que não. Nem todas adolescentes são coautoras e nem todas são vítimas. // A senhora
reconhece uma menina malandra quando mente pra senhora, quando faz uma coisa
errada. Só de conversar com ela, a senhora sabe que aquilo não é verdadeiro.

Primeiramente, ressalto aspectos expressos por dois entrevistados no tocante às


adolescentes em situação de abuso sexual, que considero relevantes para a presente análise: 1-
Cristiano, apesar de ter manifestado que sua vítima não o seduziu, interpretou sua passividade
durante o estupro como uma concordância. Em momento posterior de reflexão sobre este
comportamento, julga que ela poderia estar com medo de ser assassinada. Ainda assim,
conforme evidenciado na seção 3.2.1.1, ela é por ele categorizada como vítima da violência
sexual que praticou; 2- Emílio considera que adolescentes podem seduzir adultos, relatando que
tal fato ocorreu em sua vida, quando o menino (que ele não considera como sua vítima,
conforme mostrado na seção 3.2.1.1) tomou iniciativa para a interação sexual.
No que diz respeito aos demais entrevistados, em um contexto geral, observa-se
unanimidade quanto ao fato de que adolescentes em situação de abuso sexual podem seduzir
adultos. Entretanto, são concomitantes a estas representações o entendimento que: 1- as
adolescentes são vítimas de violência sexual (excetuando-se um entrevistado que as classificou
como coautoras e não vítimas); 2- a violência sexual é um evento de natureza aversiva para as

180Observe-se novamente a ideia do AVS como uma pessoa que possui algum tipo de problema psicológico.
181Segundo consta no prontuário institucional, Cristiano entrou na residência da vítima e a ameaçou com um revolver enquanto
praticava a violência sexual.
184

vítimas; 3- as adolescentes podem estar sendo forçadas ao abuso sexual ou seduzidas por
adultos; 4- os homens que impõem a violência sexual a elas são classificados como doentes
mentais.
Pontuo ainda que a categoria gênero novamente perpassa as narrativas dos
entrevistados sobre a violência sexual, uma vez que usualmente a menina é retratada como
sexualmente ativa e sedutora de homens. Não se faz menção à possibilidade de que elas (ou os
meninos adolescentes) seduzam mulheres adultas. Também os adolescentes meninos
esparsamente aparecem como possíveis sedutores de homens adultos e o único entrevistado que
se referiu a isso foi Emílio, quando relatou sobre sua própria vida.
O terceiro e último grupo retratado pelos entrevistados foi: adolescentes em
situação de exploração sexual comercial. Quando questionados se consideram que elas
poderiam sexualmente seduzir adultos, explicitam:

Adriano: Ela [sua vítima, uma adolescente de doze anos] devia ter temor, né? Porque
foi ela que quis, né? Não foi eu. Ela devia, né? Hoje, se ela conhecer a palavra de Deus
... Eu conheço a palavra de Deus. Eu peço pra Deus me perdoar. E se ela fez por
maldade, se ela tava recebendo dinheiro do patrão, hoje ela vai ter consciência com
Deus, né? // Porque não fui eu, né? Eu não considero que eu sou um estuprador. Eu não
estuprei ela. Ela que seduziu, né? Ela quis. Se foi pago, se foi minha ex-mulher que
conversou com ela pra ela fazer isso... Eu não sei se ela era virgem, se ela tinha transado
com o patrão. Não sei se o meu patrão tinha caso com a minha mulher e com ela. //
Hoje, eu penso na minha cabeça que essa menina não era virgem, e quando eu queria
deitar com ela, ela não devia, né? Pela hora que ela saiu, até onze horas da noite, ela
transou com alguém, né182?

Amarildo: Hoje, tem mãe com doze anos, treze anos, né? Treze, quatorze anos, se
prostituindo. Então, elas acabam seduzindo... Mas eu não acho que é certo. Para mim, é
crime do mesmo jeito. Tanto faz uma criança de um ano ou menos ou uma pessoa de
dezesseis, dezessete anos. O crime é a mesma coisa, porque a mentalidade de um
adolescente com uma criança é praticamente uma só183. Ele pensa, mas não sabe o que
quer, se aquilo é certo ou se não é. Aí, uma pessoa de trinta, quarenta anos vai lá... Ele
sabe o que está fazendo, mas aquela criança, aquele adolescente, não sabe.

Anderson: De certo, é porque tá querendo um dinheirinho. Ela seduz, mas eu não culpo
ela não, porque criança184 é criança, né? Ela às vezes tá querendo comprar um vestidinho
melhor, um tênis melhor, uma roupinha melhor, um trem melhor. // Se o cara não tiver
cabeça que é criança... Só que é criança de moça [adolescente], né? Essas adolescentes
não têm a criação da família e vão ao clube sozinhas para tomar banho de biquíni e se
insinuar pros adultos. Mas mesmo assim, elas são vítimas, né? Elas se tornam vítimas.

182 Observe-se que Adriano elenca uma série de razões como argumentos para ter desenvolvido atos sexuais com as
adolescentes. Alegações similares foram também constatadas por Cerqueira-Santos et al. (2008), quando investigaram
caminhoneiros clientes ou não da ESCCA. Também estão presentes nos discursos de instituições sociais, como quando foi
utilizada por Ministros do STF (LOWENKRON, 2007), conforme já explicitado na seção 2.2.
183 A não distinção entre crianças e adolescentes foi característica comum nas falas de diversos entrevistados, como será

evidenciado na seção 3.2.2.3.


184 Apesar da pergunta ter se referido às adolescentes, o entrevistado utiliza-se do termo “criança”, o que pode significar que

ele não realiza distinção entre estes dois grupos. Esta característica de sua narrativa é comum à de diversos entrevistados, o
que será discutido na seção 3.2.2.3.
185

Matheus: Pela situação que elas se encontram, é vítima, porque fazem isso pra, como se
diz, pra comprar uma droga, elas precisa do Estado, do governo, que eles precisam de
um tratamento. Oferece o próprio corpo pra ter relação, pra ganhar um dinheiro, pra
tratar de um filho, de um bebezinho, sei lá.

As adolescentes em situação de exploração sexual comercial são representadas


pelos entrevistados como aquelas que podem seduzir e/ou insinuar-se sexualmente para
homens. Agem assim em troca de barganhas como: dinheiro para sobreviver, comprar drogas e
cuidar de filhos. Ao mesmo tempo, entretanto, eles são enfáticos em ressaltar que elas são
vítimas e não podem ser culpabilizadas em uma possível interação sexual com adultos, em
função das diferenças nas faixas etárias e níveis de maturidade física e emocional entre ambos,
bem como da ilicitude e condenação moral deste tipo de relacionamento, por eles categorizado
como um crime. Ressalto que essa oscilação entre entender as adolescentes envolvidas com a
ESCCA como vítimas, diabólicas, pervertidas, desviantes, sedutoras e sexualizadas é comum
na sociedade brasileira (NUNES, 2009).
Ao analisar os quatro eixos de questionamentos propostos para abordar com os
entrevistados o tema das crianças e adolescentes em interação sexual com adultos, quais sejam:
relações entre os conceitos crianças, adultos e sexualidades; relações entre os conceitos
adolescentes, adultos e sexualidades; se crianças e adolescentes gostam de interações sexuais
com adultos; se crianças ou adolescentes poderiam sexualmente seduzir adultos), apreende-se
em síntese que: 1- estas relações são moralmente condenáveis e nomeadas como crimes de
violência sexual; 2- há incompatibilidade física, sexual e emocional entre crianças/adolescentes
e adultos; 3- crianças são consideradas sexualmente: não atrativas, inocentes e sedutoras; ao
mesmo tempo, são retratadas como vulneráveis e vítimas; 4- as adolescentes são conceituadas
como mais amadurecidas física, sexual e intelectualmente do que crianças, tendo assim maior
possibilidade de defesa. Mas mesmo assim, ainda são vítimas e vulneráveis; 5- adolescentes
são sexualmente inocentes e ao mesmo tempo capazes de sexualmente desejar um homem
(chegando a ser consideradas como promíscuas) ou consentir com a interação sexual com
adultos; 6- nenhum entrevistado julga que crianças ou adolescentes podem gostar ou ter prazer
sexual a partir da interação sexual com adultos; 7- crianças e adolescentes em situação de abuso
ou exploração sexual comercial podem seduzir e/ou insinuar-se sexualmente para homens, mas
ainda assim são vítimas pois são sexualmente inocentes; 8- os homens que impõem a violência
sexual a elas são classificados como doentes mentais, anormais e monstros. Suas classificações,
pois, estão de acordo com concepções reproduzidas pela mídia, conforme indicam os achados
186

de Dorneles (2010), que encontrou que as meninas são representadas por revistas brasileiras
como inocentes, puras, sensuais, sedutoras e erotizadas, concomitantemente.

3.2.2.5 ADULTOS EM INTERAÇÃO SEXUAL COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES: PROBLEMATIZANDO A


QUESTÃO DO DESEJO SEXUAL DE AVS PELAS VÍTIMAS

Diversas narrativas institucionais reiteram concepções de que os AVS praticariam


violência sexual por motivos exclusivamente sexuais, em meu entendimento equivocadas. Esse
tipo de compreensão foi evidenciado em pesquisa anterior (ESBER, 2009), a partir da análise
de diferentes vozes presentes nos documentos oficiais sobre três AVS produzidos por juízes,
promotores de justiça e outros profissionais. Nesses, retrata-se uma sexualidade considerada
anormal, incontrolável e animalesca, uma maneira de “saciar suas sevícias” (ESBER, 2009, p.
72), “satisfazer sua lascívia”, seu “instinto doentio” ou seus “instintos bestiais” (ESBER, 2009,
p. 73). Similarmente, MacMartin e Wood (2005) encontraram que em dezessete das setenta e
quatro decisões judiciais pesquisadas, os AVS foram descritos pelos juízes como motivados
unicamente pelo seu prazer sexual, usando a criança para a gratificação de seus desejos sexuais
“depravados”. Os autores constataram que as explicações sobre a categoria “violência” eram
raras, enquanto que aquelas baseadas na categoria “sexualidade” predominavam:
“Variadamente invocando a gratificação egoísta dos desejos sexuais dos ofensores, impulsos
sexuais, pedofilia e atração dos ofensores às vítimas” (MACMARTIN e WOOD, 2005, p. 139).
Por vezes, esse tipo de concepção é reforçado por afirmações da própria literatura especializada:
“A intenção no processo de vitimização sexual é sempre o PRAZER (direto ou indireto) do
adulto” (AZEVEDO e GUERRA, 1988, p. 12).
Pressuponho serem incorretas as formas pelas quais as instituições, a mídia e o
senso comum usualmente retratam a sexualidade de AVS, pois além de se referirem a ela como
incontrolável e animalesca, também usualmente categorizam como pedófilos185 quaisquer
indivíduos que cometam atos de violência sexual contra crianças e adolescentes de maneira,
indiscriminada e quase automática. Esse tipo de visão reforça uma concepção subjacente de que
os motivos pelos quais eles praticariam violência seriam, então, o desejo sexual sentido por
suas vítimas. Com o objetivo de contribuir para esse debate, busquei suscitar com os
entrevistados assumentes discussões acerca da existência (ou inexistência) de desejo sexual
pelas vítimas. Dessa maneira, contemplo dois assuntos relevantes para a presente tese: as
vítimas de violência sexual na visão dos entrevistados e a sexualidade de AVS.

185 Sendo que esta concepção excede, inclusive, os limites das definições científicas contidas no Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV, cujos critérios para a pedofilia já foram apresentados na introdução do presente
trabalho.
187

Adriano: Eu fiz o preço, daí eu, como se diz, ela não era feia, era formosa, formada, já
tinha peito e tudo...
Karen: É isso que eu quero saber. O que mais chamou atenção nela?
Adriano: É. Não pensei pela idade, pensei pelo tamanho dela, eu pensei: “Deve ser
menina da vida186, né?” E ela não era feia. Fiquei com vontade [desejo sexual] e falei:
“Vou ficar com ela”.

Amarildo: Não sei nem explicar pra senhora o que era a minha curiosidade de saber. Eu
queria ver [a vagina da enteada].
Karen: Você queria ver o órgão genital? Ou você queria ver a reação dela quando fosse
tocada?
Amarildo: Não! Isso não, porque é uma criança. Ela não ia nem saber o que eu tava
fazendo, né? Agora eu sim, né? Eu sabia, porque eu sou um adulto.

Cristiano: Na hora, acho que sim, tive desejo, porque foi eu que fiz, né? // Quando eu vi
ela, me senti “de fogo”. // Pode ter sido de repente que eu senti [desejo sexual] por ela.

Emílio: Nossa senhora! Nunca nem passou na minha cabeça, nem passa, entendeu?

Jonas: O que aconteceu foi que um dia minha esposa foi para a casa da mãe dela. Ali,
não sei o que foi que deu na cabeça, eu fui dormir. [A filha mais velha] foi dormir na
cama junto comigo. Não teve nadinha [violência sexual] não, só fiquei com aquela
vontade.
Karen: Você sentiu desejo sexual por ela [filha mais velha]?
Jonas: É isso aí.
Karen: Como é que foi isso?
Jonas: Ixi, foi um arraso, um desmoronamento dentro de mim. Me senti um lixo
completo.
Karen: E a filha mais nova?
Jonas: Não tinha atração nenhuma.
Karen: Nenhuma?
Jonas: Não.
Karen: Como é que você passou a abusar dela?
Jonas: Foi um dia de tarde que estava só ela dentro de casa. Eu olhei e senti que ia fazer
algo. Quando eu fui [cometer o abuso], falei para mim mesmo: “Não pode não”. Foi
quando eu contei para a minha menina mais velha187.

Karen: Me fala da menina, você sentiu desejo sexual por ela?


Marcelo: Na hora, não tava nem passando nada na minha cabeça, tava andando na rua,
bêbado, drogado, Foi isso que aconteceu.
Karen: Mas aí, você se encontrou com essa menina, olhou pra ela e sentiu o quê?
Marcelo: Uai, isso aí eu não sei explicar pra você, porque desejo não foi.
Karen: Foi o que, então?
Marcelo: Não sei nem o que aconteceu comigo. Foi aonde que aconteceu esse fato aí,
foi de repente. Cruzou na minha frente188, que eu me lembre.
Karen: E a mulher [outra vítima] que você estuprou, você sentiu desejo sexual?
Marcelo: Foi, foi sim, foi isso mesmo.

186 Adriano não chega a explicitamente mencionar o desejo sexual como fator principal para a prática da violência. Mas quando
questionado sobre o que havia lhe chamado atenção na adolescente para a aceitação da interação sexual proposta por ela, faz
referência ao corpo e à presença dos seios, indicando assim que ela já tinha maturidade sexual.
187 Nesta parte, ele dá a entender que não teria praticado a violência. Contudo, em outros trechos, assume que a teria cometido.

Tratam-se de contradições entre o negar e o assumir a violência sexual, característica discutida na seção 3.1.3.
188 Tidefors e Kordon (2009) encontraram diversos AVS que relataram ter escolhido suas vítimas aleatoriamente. Foi o caso

de Marcelo, Nilton, Cristiano e Paulo.


188

Karen: Como é que foi esta experiência para você?


Marcelo: Não satisfez. Foi uma coisa forçada, né? Não foi por ela querer ficar [fazer
sexo] comigo.

Nilton: Foi isso [desejo sexual].


Karen: Me explica.
Nilton: Não sei explicar não... Fiquei com vontade, ué! [silêncio]

Paulo: Não me chama a atenção [sexualmente falando], isso aí jamais. Isso aí, é igual
eu falei para a senhora. Eu errei, foi um minuto mesmo de bobeira mesmo. (Choro)

Ricardo: Não, não, não. Chega até a arrepiar eu. Sinceramente. Porque sinceramente,
não adianta eu falar para você o que eu vou falar aqui189, mas só Deus que sabe. // A
minha diferença com ela foi simplesmente na hora da raiva. Foi só a raiva, só isso.

Ronaldo: Eu chegava bêbado, com o rabo cheio de cachaça, chamava ele para sair:
"Vamos sair pro mato". Ia pro mato, a gente saía e eu fazia [sexo] com ele. Ficava junto,
mas não sentia nada, nada [desejo sexual]. É uma coisa que não sei nem explicar pra
senhora o que passava na minha cabeça na hora que pegava meu filho, saía com ele lá
pro mato e tinha relacionamento com ele. // Gostar [ter desejo sexual], eu não gostava.
Fazia [violência sexual] por causa da bebida mesmo, a senhora entendeu? Não é dizer
que tinha aquele relacionamento, tipo assim, amoroso. Fazia por fazer, por causa de
bebida. Tudo que entrava na cabeça era bebida, né?

Sérgio: É normal, né? É normal, como qualquer outro pai olha.


Karen: Normal significa o que?
Sergio: Não tem desejo. Nunca senti isso, foi sempre normal.

Seis dos onze assumentes afirmaram ter sentido desejo sexual por suas próprias
vítimas: Adriano, Amarildo, Cristiano, Jonas, Marcelo (por uma delas, a mulher adulta) e
Nilton. Os demais (Emílio, Marcelo190 (pela criança), Paulo, Ricardo, Ronaldo e Sérgio)
asseveraram que não possuíram tal desejo. Emílio, Ricardo e Sérgio negam tê-lo sentido alguma
vez em suas vidas. Questionados sobre os motivos para cometer violência, já que negavam ter
desejo sexual, Marcelo (sobre a vítima criança) e Paulo referem-se à violência como um ato
impulsivo e repentino, um minuto de bobeira e mencionam o uso de drogas como um fator que
teve importância para a prática da violência sexual. Emílio nega que tenha tido a intenção de
praticar a violência e culpabiliza a vítima. Ricardo declara raiva e abuso de drogas, enquanto
que Ronaldo praticamente responsabiliza quase que exclusivamente o abuso de bebida
alcóolica. Questionados se sentiam desejo sexual por outras crianças ou adolescentes, que não
fossem suas vítimas, responderam:

189 Ricardo demostra aqui acreditar que a entrevistadora duvida da veracidade do seu relato, fato também ocorrido com Sérgio,
quando assim se manifesta: “A senhora pode até duvidar do que eu tô falando, mas só eu sei o que passa dentro do meu
coração”.
190 Note-se que o nome de Marcelo se repete como assumente e negador quanto a ter sentido desejo sexual. Isso se deu em

função de que ele assim se referiu em relação a cada uma de suas vítimas: a mulher e a criança, respectivamente. Sendo
assim, estão relacionadas doze pessoas, mas de fato são apenas onze assumentes.
189

Adriano: Não, eu tenho temor, né? // Lá na zona, tinha muita menina de menor, só que
eu nunca fiquei com de menor em zona. Nunca quis.

Amarildo: De jeito nenhum. Não sentia.


Karen: Nada, nada, nada? E curiosidade?
Amarildo: Não, isso foi uma coisa que aconteceu com elas [filha e enteada].

Cristiano: Não, não. Sangue de Jesus tem poder! Não, eu nunca tinha pensado nisso. Foi
tudo muito de repente [violência sexual]. Nunca mais.

Emílio: Nem por esse menino e nem por nenhum. Eu gosto de criança, tenho meus
parentes, tenho meus sobrinhos, tem sobrinha, tem um punhado de gente na minha
família, só menino.

Jonas: Não, não. Nunca senti desejo por outras crianças. Só pelos filhos191. Nunca senti,
nem sinto.
Karen: Qual é a diferença? Me explica isso.
Jonas: Não sei, eu fico pensando: porque eu fui agradar da minha filha192? Porque foi só
ela? Porque não foi com as outras [crianças desconhecidas]? Porque eu não tinha atração
pelas outras, só por ela?

Paulo: Nunca aconteceu. Nunca, nunca, nunca, nunca, jamais. Isso aí, não.

Ronaldo: Não, nunca. Para mim é normal, uma pessoa normal. Eu não sinto nada. Eu
sinto a mesma coisa de ser normal. Igual tô falando para senhora, se uma criança chegar
aqui, para mim é normal, né?
Karen: Você não sente vontade de se aproximar ou de tocar?
Ronaldo: Não, não, não.

Sérgio: (Risos) Nunca.


Karen: De maneira nenhuma?
Sérgio: Não, de maneira nenhuma, de maneira nenhuma. Nunca nem passou na minha
cabeça, nunca. Ao contrário, né? Sempre gostava [de crianças], por exemplo, sempre
adorei. Até porque eu tive meus filhos. // Às vezes, o que aconteceu com minha filha,
me levou assim, a ficar mais preocupado com criança, né?

Os achados da presente seção, em seu conjunto, possibilitam interpretar que,


quando existente (o que ocorreu em seis casos), o desejo sexual foi direcionado apenas às suas
próprias vítimas (excetuando-se Jonas que, apesar de ter sentido desejo sexual pelo filho, não
praticou violência contra ele). Dessa maneira, algumas constatações podem ser realizadas: 1-
nem todos os AVS sentem desejo sexual por suas próprias vítimas; 2- nenhum relatou ter
sentido desejo sexual por outras crianças e adolescentes que não fossem suas vítimas – o que
não quer dizer que não existam pessoas que assim o experimentam, conforme mostrado em
trabalho anterior (ESBER, 2009); 3- sentir desejo sexual não é uma pré-condição para a prática
da violência sexual, pois são também relatados outros motivos, como a raiva, uso de drogas e

191Jonas refere-se ao desejo sexual sentido por suas duas filhas e pelo filho, como já discutido na seção 3.1.
192Essa fala de Jonas contrapõe-se aos achados do estudo de Phelan (1995), quando diz que “quase todos os pais afirmaram
que ter contato sexual com uma criança fora da família seria um crime muito mais grave" (PHELAN, 1995, p. 14).
190

outros; 4- pessoas podem sentir desejo sexual por crianças e não praticar violência sexual contra
elas (como foi o caso de Jonas). Suas narrativas, portanto, mostram que compreender os AVS
apenas sob o prisma do desejo sexual pelas vítimas pode ser uma visão simplista e equivocada
sobre a questão da violência sexual. Essas reflexões nos levam novamente à discussão sobre o
uso indiscriminado dos termos pedófilo e pedofilia, confusão que inevitavelmente traz
consequências:

Considero relevante discutir os efeitos de nomear, entender, regular e combater o


“problema” da “violência sexual contra crianças” enquanto “pedofilia”. [...] essa
cruzada moral tem menos garantido a proteção de crianças “de carne e osso” contra as
várias formas de dominação e violência do que levado à disseminação do horror e do
sentimento de perigo, à fabricação de figuras estereotipadas, à sobreposição de
diferentes atos, ao fortalecimento de uma forma específica de regulação do “problema”
(a criminal) e à ênfase na monstruosidade moral (LOWENKRON, 2014, p. 252, grifo
do autor).

A literatura especializada documenta que existem AVS que não possuem os


critérios clínicos para o diagnóstico de pedofilia (BETTARELLO, 1998; BROWN, 2005;
ESBER, 2009; KINGSTON et al., 2007) e que a porcentagem de pedófilos dentre aqueles que
praticam a violência sexual está longe de ser majoritária, como mostram Finkelhor (1979) e
Gutiérrez-Lobos et al. (2001), que encontraram um índice de no máximo de 33%. Ao contrário,
verifica-se também que existem pessoas que possuem o diagnóstico de pedofilia (ou que têm
preferência sexual por crianças), mas que não chegaram a praticar atos de violência sexual
contra crianças e adolescentes (MARSDEN, 2009; SANTOS et al., 2009; SERAFIM et al.,
2009):

É consenso que os portadores de pedofilia podem manter seus desejos em segredo


durante toda a vida sem nunca compartilhá-los ou torná-los atos reais; podem casar-se
com mulheres que já tenham filhos ou atuar em profissões que os mantenham com fácil
acesso a crianças, mas raramente causam algum mal (SERAFIM et al., 2009, p. 106).

Em trabalho anterior (ESBER, 2009), problematizei a relação entre o desejo sexual


de AVS por crianças e adolescentes e a violência sexual praticada, quando apresentei as
narrativas de Pedro, 33 anos, que relatou ter praticado violência sexual contra aproximadamente
cem adolescentes, conquanto em seu processo constem apenas dois, ambos com idade de 13
anos. Ele declaradamente tinha preferência e desejo sexual por eles e se intitulava “o verdadeiro
pedófilo”. Contudo, além de motivos sexuais, elencou também outros que o favoreceriam à
violência sexual:
191

Apesar de o desejo sexual ser predominante, outras razões também são enumeradas, tais
como a ligação com a violência sexual sofrida na infância, o destino, o vício, o desvio
mental, a revolta, a falta de convivência com o pai e, por último, mesmo que não
diretamente verbalizado, o receio em manter um relacionamento adulto (ESBER, 2009,
p. 151).

Sentimentos não sexuais também têm sido mencionados pelos AVS como fatores
importantes para começar ou continuar a violência sexual: a necessidade de agressão física ou
dificuldade de relacionar-se com outras pessoas (TIDEFORS e KORDON, 2009), raiva e
vingança pelas violências sexuais sofridas em suas próprias infâncias (ESBER, 2009), exercício
de poder e força (SCHMIKLER, 2006), expressão de emoções para a falta de satisfação em
suas vidas pessoais, exteriorização de raiva ou uma forma inapropriada de mostrar afeto ou
amor (HARTLEY, 2001). Grotn, Brugess e Holmstrom (1977 apud CHARAM, 1997) indicam
três componentes fundamentais no estupro: força, raiva e sexo. Eles consideram-no um ato
pseudo-sexual, em que há muito mais desejo de posse de um corpo do que gozo sexual:

O estupro é ato de violência e humilhação realizado por meio sexual. É expressão de


poderio e raiva. E a sexualidade no estupro está a serviço de necessidades não-sexuais
[...] o estupro é ato de agressão hostil e não resposta à excitação sexual exagerada
(CHARAM, 1997, p. 147).

Importante mencionar as contribuições da literatura feminista sobre a violência


sexual, que aposta na interpretação de que os AVS possuem necessidade de exercer o poder,
controle e humilhação, influenciados por desigualdades estabelecidas por categorias como
classe social, raça/etnia, gênero e idade (AZEVEDO e GUERRA, 1988; LANCASTER e
LUMB, 1999; MACHADO, 1998; SAFIOTTI, 1997).
Considerando toda a discussão acima, ratifico que é preciso pensar cientificamente
a sexualidade de AVS, seja na perspectiva de suas histórias de pessoais, pois “Analisar
retrospectivamente a configuração dessa sexualidade fornece elementos para a compreensão
das formas pelas quais ela se constituiu” (ESBER, 2007, p. 146), seja do ponto de vista de como
a sexualidade se manifesta nos dias atuais e na própria violência sexual. Dentre os inúmeros
temas obscuros da produção científica atual sobre a violência sexual, considero que a
sexualidade de AVS é definitivamente um deles. Lamentavelmente, isso tem como inevitáveis
consequências, em última instância, a intensificação de ideias fantasiosas e irreais sobre o
personagem AVS na mídia, nas instituições e no senso comum.
Ao retomar as discussões realizadas no presente Capítulo, pontuo que os cenários
revelados a partir do campo empírico são complexos e multifacetados. A apresentação dos
entrevistados evidencia a heterogeneidade das informações sobre suas histórias de vida e sobre
192

como constroem significados sobre: vivências nas famílias de origem; violências sofridas nas
infâncias e suas possíveis conexões com as violências praticadas; suas próprias reações,
autoimagem, sentimentos e pensamentos quanto às violências que praticaram; o tipo de relação
que estabelecem com suas vítimas e como as representam, dentre outros. São similarmente
múltiplas e complexas as possíveis análises sobre as vozes da instituição prisional sobre os AVS
e os crimes que os levaram à privação de liberdade. Assim, defendo que qualquer explicação
que se proponha a uma homogeneização pode ser considerada simplista. A apresentação dos
entrevistados permitiu ainda que se revelassem duas outras características: 1- eles classificam
as pessoas que praticam violência sexual contra crianças e adolescentes (ou a si próprios) como
monstros, animais, inumanos, doentes mentais, possuídos por forças malignas, dentre outros;
demonstram condenar moralmente os atos de violência sexual contra crianças e adolescentes e
evidenciam também sentimentos de nojo, raiva e ódio; 2- manifestam contradições entre o negar
e o assumir a violência sexual, sendo que a negação pode ser tanto parte de um processo
contraditório entre revelar e esconder a violência sexual praticada, bem uma das estratégias de
sobrevivência e autoproteção dentro da prisão.
No que diz respeito às representações sociais dos entrevistados sobre crianças e
adolescentes vítimas de violência sexual, estudei-as a partir de três unidades de significação (1-
vítimas e vítimas de violência sexual, 2- crianças e adolescentes e 3- sexualidade) e encontrei,
em um contexto geral, que eles: reconhecem crianças e adolescentes que experimentam contato
sexual com adultos na condição de vítimas, relação esta nomeada como uma violência e um ato
moralmente condenável; elencam consequências maléficas da violência sexual para as vítimas
e para si próprios, evidenciando sua indissociabilidade; apresentam contradição entre não
realizar distinção entre as categorias crianças e adolescentes (representadas ambas como
imaturas biológica, psíquica e emocionalmente, em relação a adultos) e entre hierarquizar
crimes, entendendo que as primeiras seriam mais prejudicadas quando submetidas à violência
sexual; usualmente nomeiam crianças e adolescentes em interação sexual com adultos como
inocentes, sedutoras e coautoras, mas sempre vítimas; manifestam que o desejo sexual, quando
existente, foi direcionado apenas às vítimas das violências que cometeram, e não a outras
crianças e adolescentes. No que diz respeito aos sentimentos sobre a violência sexual praticada,
dez dos onze assumentes relatam arrependimento por seus atos e pelas consequências que
produziram nas vidas de suas vítimas.
Considerando que as conceituações e caracterizações produzidas pelos
entrevistados sobre as três unidades de significação expostas acima se assemelham aos três
conceitos parâmetros já qualificados na seção 1.6, constato que suas representações sociais
193

sobre crianças e adolescentes vítimas de violência sexual são similares àquelas apresentadas
pelo senso comum, mídia, legislação, literatura especializada e discursos institucionais, nos
moldes do que foi discutido no Capítulo 2. Sendo assim, os resultados apresentados permitem
interrogar postulados previamente aceitos e estabelecidos, afastando as familiaridades já
defendidas, na medida em que colocam à prova ideias – inclusive científicas – como por
exemplo as de que são mentalmente doentes, monstruosos, psiquicamente anormais, que
possuiriam déficits de empatia para com suas vítimas ou distorções cognitivas que os levariam
à prática da violência. Não tenho aqui a pretensão de questionar qualquer uma das diversas
teorias atuais sobre os AVS – até porque o presente trabalho não se propõe e também não possui
elementos para isso –, mas entendo que os achados evidenciados no presente Capítulo deveriam
minimamente provocar futuros pesquisadores para elucidar melhor essas questões, que ainda
são obscuras e que considero de especial relevância para a discussão sobre os AVS, suas vítimas
e a continuidade das violências que praticam em nossa sociedade.
194

CONCLUSÃO

O que me preocupa não é nem o grito dos


corruptos, dos violentos, dos desonestos,
dos sem caráter, dos sem ética... O que me
preocupa é o silêncio dos bons.

Martin Luther King

No início da concepção dessa pesquisa, busquei aprofundamentos teóricos sobre


algumas inquietações que surgiram ao longo de minha vivência como coordenadora do
“Programa Repropondo: atendimento psicoterapêutico a autores de violência sexual contra
crianças e adolescentes” e também em minha trajetória como pesquisadora sobre o tema. Mais
especificamente, escolhi ater-me à investigação das maneiras pelas quais os AVS
conceitualizam as crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. A predileção por esse
objeto de pesquisa deu-se em razão do meu incômodo e do que sinto como uma urgente
necessidade de recolocar e reproblematizar a asserção de parte da literatura especializada
internacional quanto ao fato de que os AVS apresentariam déficits de empatia para com suas
vítimas. Assim, explica-se os AVS a partir do campo estritamente intrapsicológico, concepção
essa previamente questionada em trabalhos anteriores (ESBER, 2009; SANTOS et al., 2009).
Nesta conclusão, retomarei elementos importantes examinados ao longo do trabalho e tecerei
algumas considerações mais abrangentes que possam conectar os diferentes domínios de análise
realizados.
Mais uma vez percebo que, quando se estuda os AVS, ainda são suscitados mais
questionamentos do que respostas. Talvez isso se dê pelo fato de que esse problema não aceita
soluções simples, ou ainda em função de que a literatura brasileira especializada é bastante
inicial e incipiente. Dessa maneira, o pesquisador desse campo inevitavelmente se depara com
grandes lacunas explicativas e escassez de parâmetros científicos concernentes à sua própria
realidade social, apesar de os ter no campo dos estudos internacionais – que não expressam a
realidade brasileira. Assim, a presente pesquisa pretende colaborar para o campo de estudos
brasileiros que discutem os AVS, tendo como foco de análise suas próprias perspectivas, vozes,
visões e narrativas, todas elas entendidas em conexão com os contextos históricos e sociais de
nossa sociedade.
A aproximação cientifica com os AVS não se propõe, de forma alguma, à
suavização para um problema que tem cada vez mais nos assustado e chocado. Antes reclusa
195

ao silêncio das famílias e das instituições, agora socialmente falamos sobre a violência sexual,
que tem sido escancarada pela mídia à sociedade e às intuições sociais. Diga-se de passagem,
de maneira bastante problemática, sensacionalista, imprecisa e descuidada, veiculando imagens
sobre os AVS que, em meu entendimento, estimulam emoções de ódio, vingança, desejo de
punição e violência contra eles, bem como torna sua figura ainda mais obscura e desconhecida.
Estudá-los não tenciona desculpabilizá-los pela violência que praticaram, pois não tenho dúvida
que cometeram crimes que produziram consequências nocivas, dramáticas e profundas na vida
de suas vítimas e de suas famílias. Entretanto, entendo que tê-los como sujeitos de pesquisa faz-
se imprescindível exatamente para pensar estratégias de prevenção de violências sexuais contra
crianças e adolescentes, pois não há como combater o problema sem conhecê-los minimamente.
E depois de tudo que a presente pesquisa me permitiu ouvir, ver, sentir, vivenciar,
experienciar e me emocionar (tanto positiva, como negativamente), não tenho receio em afirmar
que, enquanto sociedade, ainda somos ignorantes em relação ao conhecimento de quem são os
AVS, uma vez que eles são indivíduos além das imagens sociais estereotipadas produzidas,
reproduzidas e, sobretudo, inoculadas no imaginário popular e no senso comum. Infelizmente,
temos nos contentado com discursos superficiais que se prestam a falar sobre eles, sem sequer
conhecê-los, o que acaba por acarretar uma série de preconceitos e afirmações pouco ancoradas
em suas próprias realidades. Desde que iniciei minha trajetória profissional e científica com os
AVS, tenho insistentemente reiterado a ideia da necessidade de fortalecer o desenvolvimento
de pesquisas e construir reflexões científicas que considerem suas próprias perspectivas como
ponto de partida.
Para além da incompreensão em relação aos homens AVS, constatei que existem
outros assuntos e personagens da violência sexual contra crianças e adolescentes sobre os quais
ainda nos silenciamos, desconhecemos ou pouco reconhecemos, tais como: as mulheres AVS,
as mães das vítimas, as esposas dos AVS, os clientes da ESCCA, os aliciadores da ESCCA e
os adolescentes AVS. Entender apenas os homens como autores de violência e as meninas como
vítimas é contribuir para a cristalização desses lugares a partir da categoria gênero. Como
evidenciei, essa é uma característica presente tanto nas falas dos entrevistados, como na
sociedade brasileira de uma forma geral. Entretanto, mais cedo ou mais tarde, teremos de nos
deparar com esses personagens desconhecidos, pois eles existem e, portanto, não há como negá-
los e muito menos ocultá-los. Espero que não demoremos a nos incomodar com essa
obscuridade, pois praticam violências com consequências graves para si e suas vítimas,
provocando sofrimento e dor.
Assim, ressalto a atualidade da temática e o desafio de pensar criticamente a
196

produção científica contemporânea sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes pelo
viés de um de seus personagens mais silenciados e rejeitados: os AVS. No Brasil, a ciência
ainda não consegue desobscurecer o tema à população, uma vez que os estudos nacionais são
ainda escassos, iniciais e precários. A literatura internacional, apesar de abundante, é alvo de
diversas críticas, dentre elas o fato de que as vozes dos próprios AVS são ignoradas e eles
desaparecem como sujeitos das pesquisas. Além disso, explica-os a partir de um campo
estritamente intrapsicológico (ESBER, 2009) e não expressa a realidade brasileira. Talvez a
escassez se deve ao fato de que, sem dúvida, ouvir o que eles têm a dizer não é uma tarefa fácil,
pois eles personificam um duplo estigma: doentes e/ou criminosos sexuais. Definitivamente,
este é um tema que usualmente nos inquieta e incomoda, um assunto duro, ríspido e sobre o
qual muitas vezes escolhemos nos silenciar. Contudo, entendo que escutar o que eles têm a
dizer deve ser o ponto de partida de qualquer análise que objetive estudá-los. E esse é um
exercício necessário e essencial, pois não se pode mais ignorar os prejuízos que o profundo
desconhecimento sobre os AVS provoca na manutenção da violência sexual contra crianças e
adolescentes em nosso país.
Ao estudar os AVS desde a perspectiva das Ciências Sociais, assumo o desafio
teórico de transcender ao indivíduo (mas não ignorá-lo) e discutir toda uma ordem de situações
que suscitam falsas dicotomias e contradições, pois histórica e socialmente vivenciamos certo
embaralhamento e borramento de fronteiras entre as noções de: infância, adolescência e adultez;
aceitável e inaceitável; doença e crime; normal e anormal; erotismo, pornografia e obscenidade;
fantasia e realidade; sexualidade e assexualidade; inocência e monstruosidade (FELIPE, 2006;
LOWENKRON, 2013; MEYER, 2007; OLIVEIRA, A., 2009). Neste trabalho, proponho
também a existência do entrelaçamento entre categorias como: autores e vítimas; negação e
assumência; culpabilização e responsabilização; masculino e feminino; rico e pobre; social e
individual; com empatia/sem empatia.
Considerar tais dicotomias ao estudar os AVS no campo científico das Ciências
Sociais significa ir além das explicações que dão centralidade à patologia, aos indivíduos e aos
seus supostos defeitos biológicos ou psicológicos, concepção essa que entendo ser
profundamente redutora. Impõe-se ao campo de análise o desafio de reconhecer que os AVS
foram constituídos por essa mesma sociedade, o que nos coloca a tarefa de contrapor à
confortável lógica de que tudo o que é mau, monstruoso ou nocivo não foi criado pelos
“cidadãos de bem”. Tal contraposição nos convida a refletir sobre o que existe dentro de nossa
própria sociedade que permite que esses “monstros” se fabriquem, e o que é mais grave, que
197

sobre eles não se busque o conhecimento adequado para impedi-los, prestar-lhes atendimento
ou puni-los.
A esses argumentos, interpõe-se a lógica atualmente colocada, uma vez que
tendemos a afastar de nós a responsabilidade pela continuidade da produção e reprodução da
violência sexual em nossos tempos, localizando-a nesse “outro” anormal. Dessa maneira,
usualmente deixamos de olhar para nós mesmos e de refletir sobre as maneiras pelas quais nós
também contribuímos para que a violência sexual ainda ocorra em nosso mundo, seja no papel
de mãe, pai, irmão, avó, avô, vizinho, psicólogo, sociólogo, delegado, juiz, profissional de
saúde, jornalista e outros. Sugiro que a reflexão inicial tenha foco nas consequências negativas
do desconhecimento, silenciamento, medos, falhas, ausências, concepções equivocadas, ideias
preconceituosas e manifestações passionais de opiniões e conceitos que muitas vezes sequer
entendemos direito.
Ao apropriar-me da Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 1985, 2001,
2003) para discutir a violência sexual contra crianças e adolescentes, busco implicar tanto o
indivíduo (e aproximar-me cientificamente dos AVS a partir de suas próprias vozes, histórias,
lógicas e realidades), como também a sociedade, o contexto histórico, social, institucional e
legal. Pretendo assim mostrar as maneiras pelas quais as sensibilidades sociais à violência
sexual foram construídas, negociadas e deslocadas ao longo da nossa história. Isso implica
reconhecer como o momento atual se diferencia de outros momentos históricos produzindo
determinadas representações sobre a violência, expressando um campo de forças mais amplo
do que o individual.
No que diz respeito aos desafios metodológicos apresentados – e, na medida do
possível, superados – ao longo da execução da pesquisa empírica, alguns referiram-se às
peculiaridades com as quais qualquer pesquisador se depara quando seu campo empírico é uma
penitenciária, seu público-alvo são os condenados por praticar violência sexual contra crianças
e adolescentes e o tema a ser discutido é a violência praticada. Nesse espaço, a dificuldade de
fluidez do diálogo e a desconfiança interpessoal são presentes e devem-se ao fato de que esses
sujeitos podem ser vítimas das mais diversas formas de humilhação, violências físicas, sexuais
e homicídios. Nesse sentido, entendo que negar, pouco se expressar ou ainda não falar sobre os
crimes sexuais que cometeram podem constituir-se em estratégias de sobrevivência e
autoproteção nas prisões. Some-se a isso o fato de que tratar do assunto da violência sexual
praticada, por si só, provoca um efeito embaraçoso, pois são também realizados julgamentos
morais pelo senso comum, pelas instituições e até mesmo pela produção científica. Apesar de
todas as dificuldades, ainda assim considero que a penitenciária acenou-me como um dos
198

campos mais férteis que eu poderia encontrar, pois me possibilitou observação dos modos,
maneiras, gestos, comportamentos, reticências, silêncios, gaguejos e olhares dos entrevistados,
que podem comunicar mais do que palavras.
Para tentar amenizar os efeitos dos desafios metodológicos supracitados, realizei
escolhas como a utilização das entrevistas narrativas, que favoreceram a abertura de um espaço
de discussão e diálogo com os pesquisados, formato esse que descarta a busca de respostas
verdadeiras ou falsas, mas sim focaliza as perspectivas e significações que os próprios
entrevistados constroem. Outra adequação necessária à peculiaridade do campo científico foi a
pesquisa piloto com quatro entrevistados, que possibilitou revisão do conteúdo do roteiro de
entrevistas e a realização de ajustes às entrevistas subsequentes, como por exemplo a decisão
de que, para aqueles que negassem as violências sexuais pelas quais foram condenados, tratar-
se-ia de crianças, adolescentes e adultos hipotéticos, em uma suposta interação sexual. Assim,
a proposta metodológica da pesquisa teve de ir se construindo e reconstruindo no seu decorrer,
de maneira que eu pudesse me adequar à realidade complexa e multifacetada que sempre se
apresentou aos meus olhos, desde o momento em que submeti o projeto de pesquisa para a
autorização de minha entrada no campo empírico até o último dia em que estive na
Penitenciária.
No Capítulo 2, discuti as conceituações e características de duas modalidades de
violência sexual: o abuso sexual e a ESCCA e percorri uma breve análise de alguns de seus
personagens. Examinei as maneiras pelas quais a literatura especializada entende as
consequências desses dois tipos de violências para as vítimas, estabelecendo os parâmetros
pelos quais a sociedade brasileira atualmente entende tais interações. Depois, analisei diferentes
representações sobre adultos, crianças, adolescentes e sexualidade na história. Pude observar
que nem sempre as práticas sexuais entre eles foram entendidas como violências sexuais e que
a atual preocupação em as preservar de tais atos é proveniente de diversas mudanças estruturais,
legais e paradigmáticas, ocorridas mais intensamente no mundo e no Brasil a partir do final do
século XX. Em nosso país, foi fundamental nesse processo de redefinição a promulgação do
ECA (BRASIL, 1990) e de outros instrumentos legais, que determinaram que suas sexualidades
deveriam ser salvaguardadas, dada sua condição de “pessoas em desenvolvimento” (BRASIL,
1990, Art. 6º).
Entretanto, apesar de todas as conquistas da sociedade brasileira para a garantia de
direitos de crianças e adolescentes impulsionadas pela mudança de paradigmas, entendo que
não podemos manifestar um otimismo no tempo presente, pois ainda vivemos a cultura do
patriarcalismo, sexismo, machismo, racismo, obscurantismo, silenciamento e da criminalização
199

da pobreza, características que alimentam o que foi nomeado pela literatura feminista desde a
década de 1970 como cultura do estupro, conforme indicam Burt e Albin, (1981). Contribuem
ainda para a falta de otimismo os altos índices de violência sexual ainda constatados em nosso
país, sendo alarmantes os casos denunciados e preocupantes pelo viés da subnotificação. Dados
do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2015193 mostram que, em 2014, foram registrados
quarenta e sete mil, seiscentos e quarenta e seis estupros no Brasil. O documento considera que,
em média, apenas 35% dos crimes sexuais são notificados, o que resultaria em quase cento e
trinta e sete mil casos naquele ano. Menor taxa de notificação é estimada por Cerqueira e Coelho
(2014), na nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA): “Estupro no
Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (versão preliminar)”. Nela, defende-se que
somente 10% dos casos de estupros são reportados à polícia e estima-se que, no mínimo,
quinhentas e vinte e sete mil pessoas sejam estupradas por ano no país.
Além disso, faz-se urgente avançar na desconstrução de vários mitos, como o
estereótipo das meninas sedutoras, que alimenta a ideia de que crianças, adolescentes e
mulheres são responsáveis pelos abusos que sofreram, representação essa que tem aparecido
nos discursos de instituições de grande importância para a sociedade brasileira desde que o
assunto da violência sexual foi trazido à tona. Outro mito diz respeito às concepções de
anormalidade e monstruosidade exteriorizadas sobre os AVS nos dias de hoje. Mostro que é
possível ter o senso comum sofrido influência da ciência médica do século XIX, que classificou
as perversões das sexualidades, também nomeadas como anormais, patológicas ou periféricas.
Ao trilhar esse percurso histórico, observei que a desnaturalização da sexualidade deve ser
ponto de partida para sua análise e que há de considerar o processo de continuamente
estabelecer e reestabelecer o que é normal e anormal, o que é permitido ou proibido em cada
sociedade, em um período determinado.
Em sendo meu foco entender as representações sociais dos AVS sobre suas vítimas,
esbarrei em uma premissa largamente aceita (e concomitantemente criticada e rejeitada) da
literatura especializada, que defende que eles possuiriam déficits de empatia para com suas
vítimas. Sem se constituir em um objetivo do presente trabalho discutir se possuem ou não
possuem déficits de empatia ou mesmo enfrentar os preceitos teórico-metodológicos dessa
teoria (sustentada por diversos adeptos da Psicologia cognitivo-comportamental), crítico o fato
de que ela se atém apenas ao indivíduo e a seus processos intrapsíquicos. Quando se traz a
discussão da violência sexual para a arena das Ciências Sociais, percebe-se que a empatia não

193Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2015.retificado_.pdf>. Acesso em: 14 mai.


2015.
200

aparece como objeto ou categoria de análise, sendo ela, pois, um conceito do campo da ciência
psicológica. Para contrapor à essa visão estritamente intrapsicológica, utilizo o conceito de
socialização de Berger e Berger (1978) e a discussão de Jaggar (1997) sobre as emoções, na
medida em que ambos autores entendem que as biografias individuais e as maneiras pelas quais
individualmente experienciamos nossas emoções estão submetidas às biografias sociais e aos
valores da sociedade, em um processo ativo e de construção. Isso se comprova na constatação
de que as emoções relatadas pelos entrevistados sobre sua condição de AVS não destoam
daquelas que socialmente sentimos sobre eles.
Levantei ainda alguns problemas apresentados pela mídia brasileira, tais como a
imprecisão conceitual, a falta de cuidado na veiculação das informações, a patologização,
psicologização e psiquiatrização dos AVS, a demonização dos AVS, as descrições dos AVS a
partir de sua classe social e a erotização de crianças e adolescentes. Analisei que todas essas
características, em última instância, acabam por refletir nas maneiras pelas quais entendemos a
violência sexual e seus protagonistas, reforçando concepções equivocadas e preconceituosas,
que acabam por alimentar sentimentos negativos aos AVS, aumentando o clamor social por
punição, vingança e violência, equivocadamente entendidos como soluções para a questão.
Analisei também as maneiras pelas quais os documentos legais e o aparato jurídico
relacionados à proteção de crianças e adolescentes ocupam-se da violência sexual. Evidenciei
algumas alterações de significados, que produziram diferenças na maneira de entender o crime
de violência sexual contra crianças e adolescentes em nosso país ao longo da história. Pontuei
que, amparada pelas reformulações na legislação, a sociedade brasileira passa de uma postura
de silenciamento a uma visibilidade intensa da violência sexual nas últimas décadas. Considero
ser esse um tema de especial relevância para a presente tese, na medida em que, ao demarcar o
que é aceitável ou passível de punição criminal, influenciam-se as concepções que socialmente
aceitamos sobre o assunto.
Dediquei uma parte desse trabalho para discutir as políticas públicas e ações não
governamentais de atenção aos AVS no Brasil. Mostro que os principais responsáveis pela
manutenção da violência sexual em nossa sociedade – os AVS – são usualmente negligenciados
enquanto público-alvo de programas de atendimento psicoterapêutico e ações no campo da
saúde mental, quase que inexistentes dentro ou fora das prisões. Elenco três níveis de
dificuldades para a inserção dos AVS nas políticas públicas brasileiras: individual, interpessoal
e institucional. Mostro ainda que, apesar de tais dificuldades, a demanda por tais serviços existe,
seja antes, durante ou depois de praticarem violências sexuais. Evidenciei as experiências de
alguns raros programas brasileiros e discuti algumas ações internacionais, todas elas na
201

perspectiva do enfrentamento da violência sexual contra crianças, adolescentes e mulheres e na


garantia de seus direitos. Chamo a atenção para o fato de que, até os dias atuais, as instâncias
governamentais têm se omitido quanto à proposição de ações que combinem prevenção,
tratamento e punição, como políticas públicas de atenção a AVS, caminho esse já trilhado por
governos de diversos países do mundo e recomendado por várias associações internacionais.
Observei que majoritariamente restam a eles apenas medidas estritamente
punitivas, como as prisões ou os Centros de Internação de Adolescentes. É com todas as
consequências e mazelas de instituições que mais prejudicam e degradam do que recuperam,
que um dia os AVS retornarão à sociedade, assunto sobre o qual raramente refletimos. Esses
mesmo indivíduos, antes considerados monstros, estarão de volta aos laços de sociabilidade
familiar e comunitária. Agora, voltarão para o nosso meio e, ao retornar, continuarão sendo
pais, avôs, tios, trabalhadores, estudantes ou outros. Conviverão com suas próprias vítimas ou
com vítimas em potencial. Ele não é mais um monstro? Ou continua sendo? O que fazemos
com ele agora? Isto, de antemão, nos coloca o compromisso de discutir e enfrentar este debate,
apesar de nossas resistências e dificuldades para tal.
No Capítulo 3, procedo a apresentação dos vinte e seis homens entrevistados, todos
condenados por praticar violência sexual contra crianças e adolescentes, a partir dos dados
coletados em suas entrevistas e em seus processos judiciais. A análise possibilitada a partir
dessas informações evidenciou as complexidades, heterogeneidades e particularidades de
assuntos como: histórias de vida, vivências familiares, violências sofridas na infância e suas
possíveis conexões com as violências praticadas, motivações, reações e sentimentos quanto às
violências que praticaram, duração da violência, uso de violência física e ameaças, presença ou
ausência de desejo sexual, formas de representar e se relacionar com as vítimas, sexualidades,
histórico criminal, dentre outras inúmeras características ainda praticamente desconhecidas e
pouco discutidas.
Discuto ainda duas características que emergiram de maneira espontânea a partir
das narrativas dos entrevistados. A primeira diz respeito aos modos pelos quais eles representam
pessoas que praticam violência sexual ou a si próprios enquanto AVS. Eles se referem a
qualificativos como monstruosidade, animalidade, inumanidade, distúrbio psíquico, doença
mental, forças malignas, dentre outros. Mesmo que não seja possível no contexto do presente
trabalho, considero necessário entender o impacto que isso tem em suas vidas – e como também
essas emoções sentidas sobre si próprios refletirão na vida das futuras crianças e dos
adolescentes com os quais eles possivelmente conviverão ao sair das prisões. A segunda é
concernente ao fato de que os condenados podem negar as violências sexuais e que a negação
202

se apresenta em diferentes tipos e graus. Além de algumas formas propostas pela literatura
especializada, encontrei ainda duas de suas facetas: a primeira manifesta-se pela oscilação entre
a assumência e a negação, em um processo de revelar e esconder a violência sexual praticada.
Traduzo essas respostas como reações a um contexto no qual se é convidado a falar a um
entrevistador desconhecido sobre temas usualmente tratados com reprovação social e repulsa.
Já a segunda diz respeito à interpretação da negação como uma estratégia de sobrevivência e
autoproteção dentro da prisão, um lugar usualmente hostil para os AVS.
No que diz respeito à investigação das representações sociais sobre as vítimas para
os AVS, questão central do presente trabalho, elegi três unidades de significação para a análise
de suas narrativas: 1- vítimas e vítimas de violência sexual; 2- crianças e adolescentes; 3-
sexualidade (das vítimas e dos AVS). Comparei os elementos conceituais evidenciados em suas
falas nessas unidades com os três seguintes conceitos parâmetros adotados: 1- vítimas e vítimas
de violência sexual; 2- crianças e adolescentes; 3- sexualidade. No que diz respeito à primeira
unidade de significação, percebi que os entrevistados nomeiam e categorizam como vítimas as
crianças e adolescentes que experimentam contato sexual com adultos. Segundo suas acepções,
as primeiras não podem ser responsabilizadas por esta relação, devendo os últimos ser
culpabilizados. Ao examinar os conceitos gerais que eles possuem sobre vítimas, pude observar
que suas representações estão em consonância com o conceito parâmetro adotado na presente
tese. Um terceiro aspecto relacionado a essa unidade foi descobrir se os entrevistados
reconheciam as consequências da violência sexual para as vítimas. Questionei-lhes também o
que achavam que elas pensavam e sentiam sobre eles. Em suas perspectivas, a violência sexual
provoca nas vítimas consequências psicológicas, marcas emocionais negativas e indeléveis,
bem como consequências para a vivência de sua sexualidade e dificuldades em sua vida sexual
futura. Reconhecem que elas poderiam manifestar sentimentos de raiva, ódio e mágoa em
relação a eles. Aparece ainda a vontade de pedir perdão às suas vítimas pelas violências que
praticaram.
Apesar de ter inicialmente aberto para a discussão apenas o tema das consequências
da violência sexual para as vítimas, uma outra classe de consequências emergiu
espontaneamente de suas narrativas, que intitulei “indissociabilidade de consequências para a
vítimas e para os AVS”. Diz respeito ao fato de que alguns deles também relatam consequências
da violência sexual para si próprios, como: consequências psicológicas e emocionais indeléveis,
manifestas por seu sofrimento em relação às violências praticadas e às consequências negativas
que produziram na vida de suas vítimas; autoimagem de monstruosidade, perplexidade,
arrependimento, culpa, vergonha, nojo e outros sentimentos negativos sobre si mesmos;
203

decorrências da prisão e das violências sofridas neste espaço; sentimentos negativos sobre terem
sido injustiçados por falsas denúncias e pela indevida punição legal.
Apresentei as duas restantes unidades de significação (crianças/adolescentes e
sexualidades) em conjunto, pois esses dois temas se entrelaçaram nas narrativas dos
entrevistados de maneira tal que qualquer tentativa de separá-los seria improdutiva. Constatei
que, mesmo que não tenham se referido explicitamente aos preceitos contemplados pelo
conceito parâmetro de crianças, observa-se grande similaridade em sua caracterização. Nota-se
ainda que seus conceitos sobre adolescentes são similares aos elaborados pelo senso comum,
mídia e literatura especializada. Dois padrões espontâneos, contraditórios e recorrentes foram
retratados a partir de suas narrativas: a não distinção entre os conceitos de crianças e
adolescentes (segundo a qual ambas são imaturas biológica, psíquica e emocionalmente, com
sexualidades pueris, inocentes e não atraentes) e a hierarquização de crimes (de acordo com a
qual a violência sexual é mais grave do que outros tipos de crimes e é mais prejudicial para as
vítimas crianças, em se comparando com as adolescentes ou mulheres).
Investiguei ainda como os entrevistados representam crianças em interações sexuais
com adultos e constatei que eles as caracterizam a partir de qualificativos como assexualidade,
não atratividade, inocência sexual e vulnerabilidade. Falam ainda da incompatibilidade física,
sexual e emocional entre crianças e adultos. Nomeiam tais interações como crimes de violência
sexual, atos que consideram moralmente condenáveis. Assim o fazem mesmo quando
minimizam os efeitos negativos para as vítimas, as culpabilizam pela interação que se
estabeleceu ou não se importam com elas. Em suas acepções, as pessoas que praticam tais atos
são anormais ou monstros. Isto os faz experienciar sentimentos negativos em relação à violência
cometida, tais como vergonha, nojo, culpa, arrependimento e ódio.
Adolescentes em interação sexual com adultos aparecem de maneiras
contraditórias: são vítimas e vulneráveis em relação a eles, que tanto podem ser submetidas à
violência sexual à força, como também sexualmente seduzidas. Apesar de serem capazes de
desejar ou consentir com a interação sexual, são concomitantemente sexualmente inocentes.
São também retratadas como mais amadurecidas física, sexual e intelectualmente do que
crianças, possuindo assim maior discernimento e possibilidade de defesa contra uma possível
violência sexual. Apenas dois entrevistados as consideraram como sexualmente promíscuas ou
coautoras da violência (pois não tomaram providências para que as violências acabassem) e,
nesses casos, não são nomeadas como vítimas.
Nenhum entrevistado disse acreditar que crianças ou adolescentes possam gostar
ou ter prazer sexual a partir da interação sexual com adultos. Quando questionados se
204

acreditavam que elas poderiam sexualmente seduzi-los, retrataram três situações: na primeira,
crianças vítimas de abuso sexual foram caracterizadas como sexualmente inocentes,
sexualmente sedutoras e vítimas em ambos os casos. Na segunda, adolescentes em situação de
abuso sexual foram retratadas como aquelas que podem seduzir adultos, porém são vítimas de
violência sexual, pois trata-se um evento de natureza aversiva para elas. Os homens que lhes
impõem a violência sexual são classificados como doentes mentais. A terceira situação referiu-
se às adolescentes em situação de exploração sexual comercial, que são representadas como
aquelas que podem seduzir e/ou insinuar-se sexualmente para homens, agindo assim em troca
de barganhas. Ao mesmo tempo, entretanto, elas são consideradas como vítimas, não podendo
ser culpabilizadas em uma interação sexual com adultos, que eles nomeiam como violência e
um crime.
Um último assunto trazido à análise foi a sexualidade de AVS em relação às
vítimas, que compõe a terceira unidade de significação. Decidi investigá-la a partir do viés do
desejo sexual por crianças e adolescentes e verifiquei que o sentir não é uma pré-condição para
a prática da violência sexual, pois isso ocorreu apenas em alguns casos e não em outros, quando
foram elencados fatores como a raiva, uso de álcool e outras drogas (oito dos onze assumentes
relataram seu uso), um ato impulsivo e repentino. Excetuando-se um AVS, o desejo sexual foi
direcionado apenas às suas próprias vítimas, pois nenhum deles relatou tê-lo sentido por outras
crianças e adolescentes. Verifiquei assim a possibilidade de que um homem sinta desejo sexual
por uma criança, mas não pratique a violência sexual.
Mesmo sabendo que os dados apresentados devem ser tomados com cautela para
interpretações generalistas, esses achados nos levam à discussão sobre o uso indiscriminado e
incorreto dos termos pedófilo e pedofilia, categorias que entendo serem insuficientes para a
explicação dos AVS e da violência sexual, respectivamente. Problematizo assim as narrativas
institucionais, da mídia, do senso comum e até mesmo da literatura especializada que
usualmente reiteram esse tipo de concepção. Sugiro a necessidade de considerar cientificamente
a sexualidade de AVS, campo atualmente negligenciado pelos estudos especializados,
especialmente no que tange às diferentes formas de expressão da sexualidade na violência
sexual. Cito como exemplos um pai que comete violência sexual contra a sua filha por seis
anos, sente desejo sexual por ela (e por vezes pode até lutar contra esse tipo de emoção ou
arrepender-se por tê-la sentido); um assaltante que nunca havia experienciado desejo por
crianças, entra em uma casa e repentinamente sente-se sexualmente atraído por uma criança,
ameaça-a com um revólver e violentamente a estupra; um padrasto que, por sentimentos de
raiva e vingança, tenta matar a ex-esposa e estupra a enteada, apesar de nunca ter sentido desejo
205

sexual por ela. Nesse sentido, critico quaisquer tentativas de homogeneização sobre o assunto
e sugiro mais estudos direcionados a ele.
Considerando os achados da presente pesquisa em seu conjunto, constatei que as
representações sociais dos AVS sobre crianças e adolescentes vítimas de violência sexual são
similares àquelas apresentadas pelo senso comum, mídia, legislação, literatura especializada e
discursos institucionais, nos parâmetros do que foi discutido no Capítulo 2. Desde uma
perspectiva sociológica que entende as biografias individuais conectadas às biografias sociais,
não era de esperar algo diferente. Assim, coloco à prova as ideias de que os AVS são
mentalmente doentes, psiquicamente anormais ou que possuiriam déficits de empatia para com
suas vítimas, concepções essas amplamente aceitas por algumas – não todas – correntes teóricas
da Psiquiatria e da Psicologia, que intitulei literatura psicologizante, patologizante e
classificatória (ESBER, 2005, 2009). Considero de suma importância que esse debate seja
aprofundado, o que demandará amplo esforço de outros pesquisadores nacionais.
Da minha parte e por ora, contento-me em lançar dúvidas, interrogar e estremecer
ideias até então pré-concordadas e largamente aceitas, no intuito de buscar novas luzes no trato
e no tratamento dos AVS e da imensa periferia que os circunda. Não ofereço caminhos, embora
eu me arrisque a conhece-los e até indica-los, como fiz ao longo do presente trabalho. Ofereço,
sim, dar a conhecer a face oculta (e não evidenciada ao senso comum) dos AVS, ou seja, o ser
humano real encoberto pelo rótulo de monstro e pela enorme carga emocional que rege o
assunto.
Tenho o sonho de que essa tese provoque pesquisadores das mais diversas áreas do
conhecimento para o tão necessário amadurecimento teórico, metodológico e conceitual sobre
o tema, ainda quase inexplorado no cenário científico brasileiro. Restam inúmeros temas
obscuros que nos chamam à reflexão. Aspiro ainda que ela também convide os técnicos e
gestores governamentais, sejam da União, dos Estados e/ou dos Municípios, para a adoção de
um posicionamento, ainda não tomado, sobre o que fazer com os AVS, seja dentro ou fora das
prisões. Espero também que ela contribua para a reflexão de cidadãos comuns. A eles, uma
pergunta: até quando se iludir que a prisão, punição, exclusão, segregação, violência e ódio
protegem a sociedade?
Precisamos avançar, pois somos muitos e cada um de nós tem um tipo de
responsabilidade para a manutenção ou eliminação da violência. Tenho certeza que todas as
decisões que tomarmos, enquanto cada membro de uma sociedade – seja na sua função técnica,
científica, política, religiosa, familiar ou qualquer outra – contribuirão para traçar os futuros
caminhos que a violência sexual contra crianças e adolescentes percorrerá em nosso país. E ela
206

precisa caminhar para seu fim, pois é destruidora e dolorosa para as vítimas, AVS, famílias,
comunidades, cidades e países.
207

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229

APÊNDICE A - Formulário de Levantamento de Informações via Prontuário

Número do questionário:__________________. quest.|__|__|__|


Número do prontuário:___________________. pront |__|__|__|
Data do levantamento das informações: _____/_____/2011. datlev |__|__|__|

1.0 Identificação do sujeito

1.1 Nome:__________________________________________________________________.
1.2 Sexo: (1) Masculino (2) Feminino sexo |__|__|
1.3 Data de nascimento: _____/_____/______. 2.3 Idade: ________. idade |__|__|
1.4 Estado civil quando foi preso: estciv |__|__|
(1) Solteiro (3) União estável (5) Divorciado (7) Outro: Qual?_______________.
(2) Casado (4) Viúvo (6) Desquitado

1.5 Escolaridade (caso seja alfabetizado e tenha frequentado o ensino formal): escol |__|__|
(1) Sem escolaridade
(2) Primeira fase do ensino fundamental (1º ao 5º ano incompleto)
(3) Segunda fase do ensino fundamental (6º ao 9º ano incompleto)
(4) Ensino médio incompleto (1º ao 3º ano do ensino médio).
(5) Ensino médio completo (concluiu o terceiro ano do ensino médio)
(6) Graduação incompleta (universitário)
(7) Graduação completa.
(8) Pós-graduação. Nível: _______________________________

1.6. Profissão anterior ao ingresso na penitenciária profant |__|__|


___________________________________________________________________________
1.7. Tem filhos? (1) Sim (2) Não (3) Não consta temfi |__|__|
1.7.1 Caso sim, quantos? __________. numfil |__|__|
1.8. Identificação étnica (cor): _____________________. idenet |__|__|

2.0 Informações sobre a vida prisional

2.1 Número de processos contra a pessoa: _________ nuproc |__|__|


2.2 Número de processos envolvendo violência sexual :_______. nupvs |__|__|
2.3 Data primeira denúncia de violência sexual:____/_____/____ denun |__|__|
2.4 Data de entrada na POG: _____/______/_______. entpri|__|__|
2.5 Fuga? (1) Sim (2) Não (3) Não consta fuga |__|__|
2.6 Rebeliões (1) Sim (2) Não (3) Não consta rebeli |__|__|
2.7 Reincidência (1) Sim (2) Não (3) Não consta reinci |__|__|
Se sim, em qual crime (artigo penal)?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

2.8 Tempo total da pena: _________________________________ ttpena |__|__|


2.9 Atividade laboral que exerce na prisão:_______________________________ atipri |__|__|
230

3.0 Perfil da(s) violência(s) praticadas: (detalhar todos os casos, quando houver pelo menos
um deles envolvendo crianças e/ou adolescentes).

3.1 Situação 1:

3.1.1 Data do fato: _____/_____/_____


3.1.2 Local em que ocorreu o fato em questão lcsit1|__|__|
(1) Residência da vítima (8) Bar
(2) Residência do autor de violência (9) Transporte coletivo
(3) Centro da cidade (10) Estabelecimento comercial
(4) Escola da vítima (11) Terreno baldio/matagal
(5) Trabalho da vítima (12) Instituição oficial de atendimento
(6) Rodovias (13) Outro local: Qual? ________________.
(7) Delegacia/prisão (14) Não informa.

3.1.3 Caracterização da(s) vítima(s) da Situação 1:

3.1.3.1 Número de vítimas na situação:_______________________. nvsit1 |__|__|


3.1.3.2 A(s) vítima(s) é(são): visit1 |__|__|
(1) Criança
(2) Adolescente
(3) Adulto
(4) Crianças e adolescente
(5) Criança e adulto
(6) Adolescente e adulto
(7) Criança, adolescente e adulto
(8) Outras definições. Qual(is)?:__________________________.

Vítima 1 da Situação 1

3.1.4 Qual a idade da vítima 1? __________________ ids1v1 |__|__|


3.1.5 Sexo da vítima 1: (1) Masculino (2) Feminino (3) Não consta sxs1v1 |__|__|
3.1.6 A violência causou morte à vítima 1: (1) Sim (2) Não (3) Não consta ms1v1 |__|__|
3.1.7 Proximidade social do agressor com a vítima 1: pss1v1 |__|__|
(1) Parentesco (5) Amizade
(2) Vizinhança (6) Nenhuma proximidade
(3) Ocupacional (7) Não consta
(4) Escolar (8) Outra modalidade: Qual?______________________.

3.1.7.1 Caso a proximidade social do agressor com a vítima seja de parentesco: prs1v1 |__|__|
(1) Pai (3) Avô (5) Irmão (7) Outro: Qual?_________________.
(2) Padrasto (4) Tio (6) Primo

3.1.8 O abuso da vítima 1 foi prolongado? (1) Sim (2) Não aps1v1 |__|__|
3.1.9 Caso sim, quanto tempo? _______________________. tas1v1 |__|__|
231

Vítima n da Situação n

3.1.10 Qual a idade da vítima n? ds1v2 |__|__|


3.1.11 Sexo da vítima n: (1) Masculino (2) Feminino (3) Não consta sxs1v2 |__|__|
3.1.12 A violência causou morte à vítima n? (1) Sim (2) Não (3) Não consta ms1v2 |__|__|
3.1.13 Proximidade social do agressor com a vítima n: pss1v2 |__|__|
(1) Parentesco (5) Amizade
(2) Vizinhança (6) Nenhuma proximidade
(3) Ocupacional (7) Não consta
(4) Escolar (8) Outra modalidade: Qual? _________________.

3.1.13.1 Caso a proximidade social do agressor com a vítima seja de parentesco: prs1v2 |__|__|
(1) Pai (3) Avô (5) Irmão (7) Outro: Qual?________________.
(2) Padrasto (4) Tio (6) Primo

3.1.14 O abuso da vítima n foi prolongado? (1) Sim (2) Não aps1v2 |__|__|
3.1.15 Caso sim, quanto tempo? __________________. tas1v2 |__|__|

BREVE DESCRIÇÃO DA VIOLÊNCIA SEXUAL

___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
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___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
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___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
232

APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a), de uma pesquisa. Meu nome é
Karen Michel Esber e sou responsável pela pesquisa “As representações sociais das vítimas
para autores de violência sexual contra crianças e adolescentes” Minhas áreas de atuação são a
Psicologia e a Sociologia. Esse estudo tem o objetivo de avaliar como os autores de violência
sexual contra crianças e adolescentes representam suas vítimas. Após receber os
esclarecimentos e as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao
fim deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador
responsável. Em caso de recusa, você não será penalizado(a) de forma alguma. Em caso de
dúvida sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato comigo no telefone 3521-14-67. Em
casos de dúvidas sobre os seus direitos como participante nesta pesquisa, você poderá entrar
em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, nos
telefones: 3521-1075 ou 3521-1076.

INFORMAÇÕES IMPORTANTES SOBRE A PESQUISA

- O título da pesquisa é “As representações sociais sobre as vítimas para autores de violência
sexual contra crianças e adolescentes”.
- A justificativa da pesquisa é a importância de se estudar o fenômeno da violência sexual contra
crianças e adolescentes nos dias atuais.
- O objetivo principal é compreender como você percebe as vítimas de violência sexual.
- Os procedimentos utilizados da pesquisa são: pesquisa documental (nos prontuários técnicos
no Cartório da Penitenciária Coronel Odenir Guimarães) e entrevista. Você participará apenas
das entrevistas.
- A realização da(s) entrevista(s) não implicará em riscos à sua saúde física ou mental;
- Você será esclarecido sobre os procedimentos da pesquisa antes e durante seu curso;
- Você pode se recusar a participar ou retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa,
sem penalização ou prejuízo algum. Pode também recusar-se a responder as perguntas que
julgue lhes causar constrangimento;
- Todas as informações oferecidas a esse estudo serão tratadas de forma confidencial,
garantindo o sigilo e a privacidade dos participantes;
- As entrevistas serão gravadas e posteriormente transcritas na íntegra, sendo trocados os nomes
reais por fictícios e retirando-se quaisquer informações que possam identificá-lo;
- Não haverá nenhum tipo de benefício quanto à remissão de pena ou similares e nenhum tipo
de pagamento ou gratificação financeira pela sua participação;
- O tempo previsto para a entrevista é de aproximadamente uma hora e elas serão realizadas nas
dependências da Penitenciária Coronel Odenir Guimarães

Nome e Assinatura do pesquisador _______________________________________

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO DA


PESQUISA

Eu, ___________________________________________________________________,
RG______________________ CPF__________________________, abaixo assinado,
concordo em participar do estudo “As representações sociais sobre as vítimas para autores de
violência sexual contra crianças e adolescentes”, como sujeito. Fui devidamente informado(a)
233

e esclarecido(a) pela pesquisadora Karen Michel Esber sobre a pesquisa e os procedimentos


nela envolvidos. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento,
sem que isto leve a qualquer penalidade. Ao assinar esse termo de consentimento, estou também
autorizando que os resultados da pesquisa sejam publicados em forma de livro.

Local e data:____________________________________________________________

Nome e Assinatura do sujeito:

______________________________________________________________________
234

APÊNDICE C - Roteiro da Primeira Entrevista Narrativa

Vamos falar de sua história de vida, desde a infância até os dias de hoje.
Conte sobre a violência sexual a qual você foi condenado.
Como você vê as crianças e adolescentes que experimentam contato sexual com adultos? Elas
podem ser consideradas como vítimas?
Como você define a palavra vítima?
Existem consequências da violência sexual para as vítimas? Quais? A curto prazo? A médio
prazo? A longo prazo? O que você acha que as vítimas pensam ou sentem por você?
Como você define a palavra criança?
Como você define a palavra adolescente?
Vamos falar dos conceitos crianças, adultos e sexualidades?
Vamos falar dos conceitos adolescentes, adultos e sexualidades?
Crianças e adolescentes gostam de interações sexuais com adultos?
Crianças e adolescentes podem sexualmente seduzir adultos? Alguma vítima se insinuou
sexualmente para você?
235

APÊNDICE D - Roteiro da Segunda Entrevista Narrativa

Vamos falar de sua história da sexualidade, desde a infância até a fase adulta.
Sofreu violência sexual quando criança/adolescente?
Teve educação sexual na infância?
Possui relacionamentos heterossexuais, homossexuais e/ou outros?
Sente/sentiu desejo sexual por crianças/adolescentes? Ele ocorreu antes, durante e/ou depois da
violência? Se não, por quais motivos praticou a violência? Acontecia também em relação a
outras crianças, que não foram suas vítimas?
Como era a sexualidade com as crianças e adolescentes?
Como é sua sexualidade conjugal adulta?
Sofreu ou sofre violência sexual na cadeia?
236

ANEXO A – Aprovação da Pesquisa pela Coordenadoria Interdisciplinar de


Pesquisa e Estudos de Execução Penal, da Agência Goiana do Sistema de
Execução Penal
237

ANEXO B – Aprovação da Pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da


Universidade Federal de Goiás

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